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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA


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Linguagem e Memória
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Programação BY NC ND

Jonas Batista Todo o conteúdo do Curso Investigação do Crime de Estupro:


Técnicas Operacionais, da Secretaria Nacional de Segurança
Marco Aurélio Ludwig Moraes Pública (SENASP), Ministério da Justiça e Segurança Pública
Renan Pinho Assi do Governo Federal - 2020, está licenciado sob a Licença
Salésio Eduardo Assi Pública Creative Commons Atribuição-Não Comercial-Sem
Derivações 4.0 Internacional.
Audiovisual
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Rafael Poletto Dutra
Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR
Rodrigo Humaita Witte
Sumário

APRESENTAÇÃO DO CURSO...............................................................................6
MÓDULO 1 – MÉTODOS E TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE DE
INFORMAÇÕES....................................................................................................7
Apresentação.................................................................................................................8
Objetivos do módulo.............................................................................................................................. 8
Estrutura do módulo.............................................................................................................................. 8
Aula 1 — Aspectos Teórico-Metodológicos Relacionados à Investigação
Criminal...........................................................................................................................9
Contextualizando................................................................................................................................... 9
A importância da metodologia científica ............................................................................................ 9
O método indutivo................................................................................................................................ 14
O método dedutivo............................................................................................................................... 14
O método hipotético-dedutivo............................................................................................................. 21
A instrumentalidade multidisciplinar e complementar dos métodos de investigação................... 22
Aula 2 — Métodos e Técnicas de Investigação Para o Crime de Estupro ...........25
Contextualizando................................................................................................................................. 25
Particularidades da investigação....................................................................................................... 25
Métodos e técnicas ............................................................................................................................ 27
Aula 3 — Profiling Criminal: a Análise Comportamental ....................................30
Contextualizando................................................................................................................................. 30
Aspectos jurídicos do comportamento criminal............................................................................... 30
Conceitos fundamentais..................................................................................................................... 32
Histórico da investigação na humanidade......................................................................................... 38
Pressupostos da técnica de profiling criminal................................................................................... 44
Objetivos da técnica profiling criminal............................................................................................... 46
Referências...................................................................................................................49
MÓDULO 2 – PERFIL DO CRIMINOSO E ANÁLISE VITIMOLÓGICA.................. 51
Apresentação...............................................................................................................52
Objetivos do módulo............................................................................................................................ 52
Estrutura do módulo............................................................................................................................ 52
Aula 1 – A Construção do Perfil Criminal..............................................................53
Contextualizando................................................................................................................................. 53
Modelos epistemológicos em profiling criminal............................................................................... 53
Profiling nomotético............................................................................................................................ 56
Aula 2 – A Vítima no Crime de Estupro.....................................................................60
Contextualizando................................................................................................................................. 60
A vítima como elemento importante para a investigação................................................................ 60
A vitimologia forense e a investigação multidisciplinar.................................................................... 68
Aula 3 – Análise Vitimológica....................................................................................71
Contextualizando... ............................................................................................................................. 71
Fatores vinculados à vítima................................................................................................................ 71
Processos psicológicos prejudiciais à investigação......................................................................... 73
Aula 4 – Avaliação do Risco.......................................................................................77
Contextualizando... ............................................................................................................................. 77
Avaliação do grau de risco da vítima.................................................................................................. 77
Aula 5 – Modelos de Análise Vitimológica Forense...............................................83
Contextualizando... ............................................................................................................................. 83
Checklist vitimológico......................................................................................................................... 83
Linha temporal das últimas 24 horas................................................................................................. 86
Referências...................................................................................................................91
MÓDULO 3 – PROFILING GEOGRÁFICO........................................................... 93
Apresentação...............................................................................................................94
Objetivos do módulo............................................................................................................................ 94
Estrutura do módulo............................................................................................................................ 94
Aula 1 – Profiling Geográfico...................................................................................95
Contextualizando... ............................................................................................................................. 95
Aspectos conceituais.......................................................................................................................... 95
Componentes da técnica profiling geográfico................................................................................... 98
Aula 2 – Algumas Teorias Aplicadas à Técnica Profiling Geográfico............. 101
Contextualizando... ........................................................................................................................... 101
Teoria da escolha racional................................................................................................................ 101
Teoria das atividades rotineiras........................................................................................................ 102
Teoria dos padrões criminais............................................................................................................ 105
Aula 3 – Princípios da Criminologia Ambiental Aplicados à Técnica Profiling
Geográfico................................................................................................................. 108
Contextualizando............................................................................................................................... 108
Princípio do mínimo esforço............................................................................................................. 108
Princípio da distância........................................................................................................................ 109
Aula 4 – A Aplicação da Técnica Profiling Geográfico...................................... 112
Contextualizando............................................................................................................................... 112
Aspectos importantes da aplicaçãoda técnica profiling geográfico.............................................. 112
Processo de análise das informações............................................................................................. 114
Referências................................................................................................................ 117
MÓDULO 4 – ANÁLISE DO LOCAL DE CRIME................................................. 118
Apresentação............................................................................................................ 119
Objetivos do módulo.......................................................................................................................... 119
Estrutura do módulo.......................................................................................................................... 119
Aula 1 – Análise do Local de Crime e Reconstrução do Delito......................... 120
Contextualizando... ........................................................................................................................... 120
A importância da análise do local do crime..................................................................................... 120
Reconstrução da cena do crime....................................................................................................... 124
Metodologia para a reconstrução do crime..................................................................................... 125
Aula 2 – Caracterização do Local do Crime..............................................................129
Contextualizando............................................................................................................................... 129
Elementos da caracterização............................................................................................................ 129
Aula 3 – Tipologia do Infrator .............................................................................. 156
Contextualizando............................................................................................................................... 156
A classificação dos tipos de infratores............................................................................................ 156
Agressores do tipo organizado......................................................................................................... 156
Agressores do tipo desorganizado................................................................................................... 158
Referências................................................................................................................ 161
MÓDULO 5 – PROFILING CRIMINAL EM AÇÃO.............................................. 164
Apresentação............................................................................................................ 165
Objetivos do módulo.......................................................................................................................... 165
Estrutura do módulo.......................................................................................................................... 165
Aula 1 – Análise Prática da Situação Criminosa: Trilhas do Autor do Crime de
Estupro ...................................................................................................................... 166
Contextualizando............................................................................................................................... 166
Situação.............................................................................................................................................. 166
Trilhas do autor do crime de estupro................................................................................................ 168
Aula 2 – Análise Comparativa de Casos................................................................ 176
Elementos da análise comparativa de casos.................................................................................. 177
Outras técnicas complementares..................................................................................................... 182
Referências................................................................................................................ 184
Apresentação do Curso

Bem-vindo ao curso Investigação do Crime de Estupro:


Técnicas Operacionais.

Este segundo curso sobre a investigação do crime de estupro


tem a finalidade de desafiá-lo a sair da sua zona de conforto e
levá-lo a reconstruir o processo de apuração de provas penais
deste tipo de crime. Ou seja, desapegar-se do aparato de
técnicas ineficazes baseadas apenas em conceitos jurídicos e
nos achismos.

Você verá que a investigação do crime de estupro tem riscos e


características muito específicas. A prática tem demonstrado
que é um dos crimes com maior grau de dificuldade na
apuração. Mesmo nos casos com autoria conhecida, sempre
existe um alto nível de dificuldade na apuração de provas das
reais circunstâncias. Os motivos são decorrentes da própria
dinâmica do crime, dos fatores e do ambiente que o norteia.

É com base nesses fatores que este curso propõe a quebra


de paradigmas e traz uma técnica auxiliar aos métodos e
técnicas tradicionais, mas ainda de pouco uso na investigação
criminal desenvolvida no Brasil: o profiling criminal.

Desejamos-lhe um excelente estudo!

Equipe do curso.

6 • Apresentação
MÓDULO 1

MÉTODOS E
TÉCNICAS DE
COLETA E ANÁLISE
DE INFORMAÇÕES
7 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações
Apresentação

Neste módulo, você estudará sobre a coleta e análise de dados


no processo de investigação do crime de estupro, bem como
os métodos e técnicas utilizados nesse processo, dentre os
quais destacaremos a técnica profiling criminal. Ao longo do
curso, também apresentaremos alguns conceitos sobre o
método científico e os aspectos de complexidade da análise
do crime de estupro que deverá ser complementada através do
olhar de uma equipe multidisciplinar.

Esperamos que, ao final do estudo, você possa ter


compreendido a importância da utilização dos raciocínios
científicos para um embasamento sólido sobre a investigação
criminal em que você atuará.

OBJETIVOS DO MÓDULO
O estudo deste módulo criará condições para que você possa
reconhecer a importância da utilização de métodos e técnicas
científicas na investigação de crimes de estupro, compreendendo
os aspectos multidisciplinares e complementares dos diversos
métodos e técnicas de investigação.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Aspectos Teórico-Metodológicos Relacionados à
Investigação Criminal.
• Aula 2 – Métodos e Técnicas de Investigação para o Crime
de Estupro.
• Aula 3 – Profiling Criminal: a Análise Comportamental.

8 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Aula 1 — Aspectos Teórico-Metodológicos
Relacionados à Investigação Criminal

CONTEXTUALIZANDO...
Você já ouviu falar no “método científico”? O que será que
ele tem a ver com as técnicas e metodologias utilizadas na
investigação do crime de estupro?

Além da concordância legal, uma boa investigação requer


que seus atos estejam adequados aos métodos e técnicas
científicas, que serão próprios para o tipo de problema em
questão. Não basta somente configurar um excelente plano
de investigação para que a investigação seja exitosa, pois
sua eficiência e eficácia dependem também da conformidade
técnica. Dessa maneira, este estudo se faz importante
para sua formação por promover reflexões e ampliação do
conhecimento acerca das técnicas e metodologias que serão
utilizadas na investigação criminal.

A IMPORTÂNCIA DA METODOLOGIA
CIENTÍFICA
Alguns estudos têm demonstrado que uma das causas da
pouca efetividade das investigações criminais no Brasil
é a aplicação de métodos e fundamentos equivocados,
inadequados para os casos, principalmente quando se
trata de crimes cujas circunstâncias fogem das motivações
tradicionais (como furtos, por exemplo). O crime de estupro
enquadra-se nessa afirmativa.

A respeito desse tema, há um trabalho científico interessante da


pesquisadora Ilana Casoy (2010). A autora registra sua experiência
como membro de uma força-tarefa multidisciplinar para auxiliar a
polícia na apuração de crimes de homicídios em série.

9 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Seu trabalho fala da aplicação e eficácia da técnica profiling
criminal na apuração dos crimes e aproveita para demonstrar
de forma objetiva a importância de a investigação criminal
receber um tratamento científico. Mais adiante falaremos com
detalhes sobre essa técnica.

Muito embora sua pesquisa use como estudo os homicídios


em série, não resta dúvida de que a técnica demonstrada
pela pesquisadora pode ser aplicada adequadamente à
investigação do crime de estupro.

Saiba mais
Leia a monografia completa de Ilana Casoy (2010), intitulada
Criminalística e Criminologia Aplicadas à Investigação de

 Crimes em Série: Estudo de Caso dos Meninos Emasculados,


disponível no seguinte link: https://pt.scribd.com/
document/136993650/Monografia-Ibccrim-Doc-PDF

Mas o que é metodologia? O que é ciência? E por que utilizar a


metodologia científica?

Galliano (1979) traz em seus estudos a compreensão de que


o homem, enquanto ser racional, esforça-se por compreender
a natureza e busca dominar a realidade para torná-la mais
adequada às suas próprias necessidades. Nesse processo de
apreensão da realidade, necessita acumular os conhecimentos
que veio adquirindo ao longo da vida, por meio de um universo
de ideias que hoje denominamos de “ciência”. É importante
ressaltar que existem diversos tipos de conhecimentos e
podemos identificá-los na imagem a seguir.

10 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Religioso:
Baseado na fé religiosa,
acreditando que essa é a
verdade absoluta.

Senso
Comum:
Surge a partir
da interação Científico:
e observação Usa a lógica e
do ser Tipos de o pensamento
humano com
o ambiente ao
conhecimento crítico. Engloba
fatos que são
redor. verificáveis.

Filosófico:
Baseado nas reflexões que o homem faz
Figura 1: Tipos sobre todas as questões imateriais e
de conhecimento subjetivas. Utiliza a lógica.
e suas
características.
Fonte: Galliano
(1979), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).
Apesar de não nos aprofundarmos sobre cada tipologia de
conhecimento, é importante compreendermos que todas são
formas de conhecer e apreender a nossa realidade. Desse
modo, focaremos no conhecimento científico por possuir
características de verificabilidade (pode ser comprovado),
assim como de replicabilidade (pode ser replicado). Por isso,
o conhecimento científico é imprescindível em realidades que
requerem impessoalidade, clareza e precisão, como no caso
das investigações criminais (GALLIANO, 1979).

11 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações



A ciência é, pois, o conhecimento racional, sistemático,

sistemática da realidade. Ele transcende os fatos


e os fenômenos em si mesmos [...] para descobrir
suas causas e concluir as leis gerais que os regem.

exato e verificável da realidade. [...] O conhecimento
científico resulta de uma investigação metódica,

(GALLIANO, 1979, p. 18-19).

Para que o investigador execute um bom trabalho, ele deve


planejá-lo. Para isso, deve seguir um método preestabelecido.
Claro que, conforme as técnicas e novos instrumentos vão
surgindo a fim de melhorar a coleta dos dados, os métodos
científicos e de investigação poderão ser continuamente
aperfeiçoados.

Mas, afinal, o que é um método?

O método, de modo geral, pode ser compreendido como


um conjunto de procedimentos rigorosamente detalhados,
divididos em etapas com a finalidade de investigar ou intervir
em dada realidade (KNELLER, 1980).

No âmbito da investigação criminal, o investigador que


utiliza a aplicação de uma metodologia científica certamente
demonstra sua preocupação em capturar informações
confiáveis por meio de evidências consistentes. Essas
evidências podem ser do tipo materiais ou testemunhais, e
o profissional que fará a análise do crime possibilitará que,
durante o processamento da investigação, ocorra ou não a
validação das evidências como provas.

O método científico utiliza dois tipos de raciocínio: a indução e


a dedução. Observe na figura a seguir:

12 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Figura 2: O método
científico. Fonte:
labSEAD-UFSC
(2019).

Veremos a seguir mais detalhadamente a diferença, vantagens


e desvantagens do uso dos diferentes tipos de raciocínio,
a partir do conhecimento de Burger e Holmes (1988) apud
Casoy (2010). Lembre-se de retornar a essa imagem, pois ela o
ajudará a compreender cada um dos métodos.

13 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


O MÉTODO INDUTIVO
Casoy (2010) afirma que diferentes crimes praticados por
diferentes sujeitos podem apresentar caraterísticas da prática
similares ou traços de personalidades comuns. O método
indutivo se fez após o autor considerar e verificar diversos
casos de crimes particulares, numa amplitude do particular
para o geral.

Entretanto, não podemos esquecer que o método em questão,


por generalizar, pode ter suas conclusões refutadas, na medida
em que cada caso tem especificidades.

Para elucidar a ideia do conceito do método indutivo, vejamos


a figura a seguir .

OBSERVAÇÃO RELAÇÃO ENTRE


GENERALIZAÇÃO
(PARTICULAR) FENÔMENOS
(GERAL)
Encontrado material Relação entre o material
O caso está solucionado.
biológico do infrator. biológico e o suspeito preso.

Figura 3: Etapas do
método indutivo. Esse método pode ser exemplificado por crimes de estupros
Fonte: Casoy
(2010), adaptado realizados em série, no qual uma equipe de investigação colhe
por labSEAD-UFSC
(2019).
material biológico (esperma) do infrator deixado na vítima.
Assim, quando ocorrer a prisão de um suspeito cujo exame
de esperma (particular) seja coincidente com os colhidos de
todas as vítimas (geral), os crimes estarão solucionados. Há
um nexo de causalidade bastante comprovador, ou seja, temos
provas concretas sobre a ligação entre crimes e autor por meio
do raciocínio indutivo.

O MÉTODO DEDUTIVO
O método dedutivo tem como principal característica
evidenciar por parte de um contexto geral para o particular.

14 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Sobre esse método, é necessário que o investigador reconstrua
o delito por meio da análise completa do local de crime e das
evidências ali deixadas, a fim de inferir características do autor,
uma vez que essas evidências mostram a interação do criminoso
com a vítima (CASOY, 2010). Nesse sentido, a dedução é contrária
à indução, pois nela não serão produzidos novos conhecimentos,
mas sim explicitados os que se encontravam implícitos. Vamos
observar a figura a seguir para melhor compreensão da ideia .

MÉTODO DEDUTIVO
A dedução é um processo mental contrário à indução.
Através da indução, não se produzem conhecimentos
novos, porém se explicitam conhecimentos que antes
estavam implícitos.

GENERALIZAÇÃO RELAÇÃO ENTRE OBSERVAÇÃO


(GERAL) FENÔMENOS (PARTICULAR)
Todo mamífero tem Todos os cães são Todos os cães
um coração. mamíferos. têm coração.

Figura 4: Exemplo
do método No exemplo visto na imagem anterior, podemos verificar o
dedutivo. Fonte: processo de raciocínio dedutivo, no qual uma generalização
labSEAD-UFSC
(2019). acerca de um fenômeno (mamífero e coração) pode ser
particularizada a um tipo de mamífero (cão).

Vejamos a seguir um ilustrativo exemplo de caso de


investigação criminal.

Estudo de Caso

Uma mulher estava na cama com o namorado, casado, quando


ela de repente desmaiou. Ele a colocou no chão e tentou
reanimá-la antes de tentar vesti-la. Ele ligou para a polícia antes
de deixar rapidamente o apartamento. A cena descrita é de uma
mulher seminua da cintura para cima, caída ao lado de uma
cama com sangue brotando das narinas e formando uma poça
em volta da cabeça. (GEBERTH, 2006 apud SILVA, 2015).

15 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


A partir do método dedutivo, ao se deparar com essa cena
apresentada no estudo de caso, o investigador de imediato
ficará inclinado a concluir a existência de um crime sexual
seguido de homicídio. Chega-se a essa conclusão a partir das
características apresentadas .

Figura 5: Equipe
investigando um
homicídio. Fonte:
Shutterstock (2019).

O investigador parte de um somatório de premissas


particulares advindas de cenas comuns de todos os crimes
com as mesmas características, tais como: o corpo da vítima
seminu (ou completamente nu), marcas de sangue e outros
elementos próprios desse tipo de cena (GEBERTH, 2006 apud
SILVA, 2015).

Em resumo, de acordo com o caminho a ser seguido, do


“particular” para o “geral”. Teremos a indução de uma hipótese.
Se fizermos o caminho contrário, do “geral” para o “particular”,
teremos o raciocínio por meio da dedução.

Via de regra, a investigação criminal tradicional


utiliza o método indutivo e o método dedutivo para
chegar às evidências de provas.

16 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Os dois métodos são perfeitamente adequados à investigação de
um crime de estupro, tanto aquele com atos isolados e eventuais
praticados por múltiplos autores como o que tem características
de ações em série praticadas por uma única pessoa, entretanto,
ambos apresentam vantagens e desvantagens.

Vantagens e desvantagens dos métodos indutivo e


dedutivo
O método indutivo tem como vantagem as características
de rapidez, baixo custo e diminuição da necessidade de
conhecimentos específicos como psicologia, sociologia,
criminologia e perícia técnica, já que suas fontes de
informações seriam basicamente fatos anteriores, tais como
criminosos desconhecidos e fontes como notícias da mídia
(KONVALINA-SIMAS, 2014).

Quanto ao método dedutivo, a autora ressalta a necessidade


do conhecimento da vitimologia, pois considera que quanto
mais informações tivermos sobre a vítima, mais saberemos
Vitimologia é área do
conhecimento que sobre o criminoso.
se propõe a estudar
minunciosamente Na prática da investigação criminal, entendemos que ambos
as características
os métodos, indutivo e dedutivo, possuem limitações que
da vítima a partir da
premissa de que, devem ser levadas em consideração. No caso do método
dessa forma, será indutivo, por exemplo, é importante que o investigador tenha a
possível trazer mais comprovação de muitas evidências singulares para se chegar
informações sobre o
à confirmação geral das premissas iniciais (SILVA, 2015), fato
criminoso.
que pode levar muito tempo e inviabilizar uma investigação
mais eficaz.

Vamos acompanhar o exemplo a seguir.

17 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


OBSERVAÇÃO RELAÇÃO GENERALIZAÇÃO
Foi encontrada uma Na casa do suspeito, Exame laboratorial
série de fios de nylon na é encontrado rolo de confirma vestígios
cena do crime. fio de nylon. encontrados.

Figura 6: Exemplo
do método indutivo Vamos imaginar que exista uma série de pedaços de fio de
como raciocínio. nylon recolhidos nas cenas de crimes de estupro seguido de
Fonte: Silva (2015),
adaptado por morte, usados para asfixiar as vítimas. Assim, quando a equipe
labSEAD-UFSC de investigação vai prender um suspeito, é encontrado em sua
(2019).
casa um rolo de fio de nylon com as mesmas características
dos pedaços recolhidos nas cenas anteriores.

Então, ao realizar o exame laboratorial, é confirmado que todos


são pedaços do mesmo fio encontrado na casa do suspeito,
fato que levará à conclusão de que o caso está resolvido.
Porém, há uma presunção baseada no fato de que os pedaços
de fio de nylon encontrados nas cenas de outros crimes da
mesma natureza são parte do fio encontrado na casa do
suspeito (SILVA, 2015).

Nesse sentido, embora pareça que o caso foi resolvido, ainda


haverá a necessidade de um grande esforço para comprovação
do nexo de causalidade entre o suspeito e o crime.

Você deve estar se perguntando: mas como assim?

Esse raciocínio lógico pode nos levar a um equívoco bastante


comum, ao qual Popper (1971) chama de “problema de
indução”. Veja o que diz o autor sobre esse tema:

18 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


“ com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo
sempre pode revelar-se falsa; independentemente
de quantos cisnes brancos possamos observar, isso
não justifica a conclusão de que todos os cisnes são
brancos. (POPPER, 1971, p. 27-28).

[...] de um ponto de vista lógico, haver justificativa no
inferir enunciados universais de enunciados singulares
independentemente de quão numerosos sejam estes,

Vejamos que no exemplo sobre os pedaços de fios


encontrados na cena do crime, a conclusão é passível de
contestação pelo suspeito. Isso porque o fato de ter sido
encontrado em sua residência um rolo de fio semelhante
aos pedaços encontrados na cena de crime não indica,
necessariamente, ser ele o autor desse crime.

Esse tipo de conclusão antecipada gera um grande risco


na investigação baseada somente no método indutivo, pois
leva o investigador a um erro, uma vez que ele necessitará
colher uma grande quantidade de evidências para chegar a
conclusões universais (POPPER, 1971).

Imagine que isso gerará uma investigação muito mais longa


e também mais frágil, visto que as evidências deverão ser
incontestáveis. Em caso de haver falha em uma das evidências
colhidas, todo o conjunto de provas ficará sob suspeita.

Figura 7: O método
indutivo necessita
de uma grande
quantidade de
evidências. Fonte:
Shutterstock (2019).

19 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Para entender o argumento da possibilidade de falha do
método indutivo, voltemos ao exemplo citado por Geberth
(2006 apud SILVA, 2015), do caso da mulher que estava
na cama com o namorado, casado, quando ela de repente
desmaiou.

Não se tratava de um crime sexual, mas de morte natural


em decorrência de um aneurisma roto (dilatação anormal de
uma artéria). Nesse contexto, o investigador, ao aplicar uma
verdade geral em um caso específico, deixou de buscar outras
informações sobre as reais causas da morte da vítima.

No método dedutivo, parte-se de uma premissa geral para a


particular; ao contrário do indutivo, no qual a observação de
diversos casos particulares levam a uma conclusão geral.
No exemplo citado previamente, em que a vítima é encontrada
seminua, com sangramentos, a premissa geral indica que, em
casos dessa natureza, tem-se um homicídio. Essa influência
de determinantes antecedentes pode levar o investigador a
equívocos, em especial à aferição detida e isenta do local do
crime e de outras circunstâncias que o permeiam.

Ao aplicar o método dedutivo, o investigador toma


como referência um conhecimento já posto como
verdade geral, correndo o risco de deixar de buscar
novas evidências importantes na cena do crime que
fundamentem a elucidação do evento.

Nesse sentido, poderão ocorrer inconsistências no conjunto


de provas, ao trazer um caso particular em investigação como
comparativo a um modelo de caso já apurado, visto que cada
caso é um caso com suas especificidades, muito embora a
causa tenha o mesmo enquadramento legal.

20 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Assim, quando a investigação criminal aplica apenas um dos
métodos, seja o indutivo ou o dedutivo, corre o risco de não
chegar a um resultado satisfatório (POPPER, 1971), gerando
uma série de desvantagens e problemas na apuração das
provas. Veremos a seguir o método hipotético-dedutivo. Essa
técnica inclui a utilização dos dois métodos conjuntamente
com o intuito de sanar as desvantagens de cada método,
quando utilizado individualmente.

O MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO
Não podemos nunca esquecer que a investigação criminal é
um processo científico e, como tal, no contexto das ciências
modernas, desenvolve-se em função de construir e testar um
conhecimento que venha como explicação de um problema.

Sendo assim, na investigação de um fato criminoso, devemos


aplicar o método hipotético-dedutivo, que permitirá uma
sistematização mais adequada das evidências e respostas
mais eficazes ao problema em questão.

Ao adotar o método hipotético-indutivo, não


significa que a investigação esteja abandonando
os métodos anteriores, pois as experiências que
são adquiridas a partir de cada um na investigação
devem ser consideradas.

O raciocínio hipotético-dedutivo permite a observação


detalhada do evento do crime, das evidências particulares, e a
possibilidade de formular hipóteses iniciais consistentes com
o que foi observado para seguir na elaboração de prognósticos,
que serão comprovados ou não. Essa comprovação deverá ser
testada por meio de testes, experimentos ou observações mais
detalhadas durante o processo penal.

Veja as etapas do método hipotético-dedutivo no fluxo a seguir.

21 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Expectativas ou Conjecturas/ Teste de
conhecimento Problema hipóteses falseamento
prévio

Figura 8: Etapas do
método hipotético- Por meio da observação detalhada, ou seja, a partir de uma
dedutivo. série de conhecimentos prévios, o investigador busca eleger
Fonte: Popper
(1975), adaptado um problema a ser resolvido. O problema surge, em geral,
por labSEAD-UFSC a partir de conflitos entre as teorias existentes. A solução
(2019).
proposta consiste em uma hipótese (conjectura), deduzida
na forma de proposições, que serão passíveis de testes.
A experimentação, ou teste de falseamento, serve para
comprovar ou não um prognóstico (POPPER, 1971). Quando
falamos em teste de falseamento, o investigador deve
desenvolver uma minuciosa e exaustiva investigação antes de
considerar como falsa ou verdadeira uma hipótese, mantendo
sempre em mente a imparcialidade na apuração do crime.

A adequação de uma forma científica de coleta de provas e


de evidências é a forma mais segura de tornar as hipóteses
comprovadas irrefutáveis. Caso contrário, pode-se criar
um limiar negativo entre produzir a justiça ou semear a
impunidade (SILVA, 2015). Dessa forma, o método científico
aplicado à investigação de um delito é a garantia de apuração
de evidências que podem confirmar hipóteses e justificar a
aplicação justa do direito penal aos infratores.

A INSTRUMENTALIDADE
MULTIDISCIPLINAR E COMPLEMENTAR
DOS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO
A discussão sobre métodos científicos aplicados pela
investigação criminal sempre nos coloca em uma zona de
desconforto quando tentamos tirar a unicidade do procedimento.

A subclassificação dada à investigação criminal como


pericial e cartorária deve ser entendida apenas como um
artifício didático para compreensão da sua instrumentalidade

22 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


multidisciplinar e complementar, e não para dividi-la em partes
distintas, descontínuas e conflitantes.

PERICIAL

Cuida das atividades executadas pelo perito, relativas


à análise técnica e científica de elementos materiais
inerentes ao crime, como arma, corpo, cápsulas,
sangue, imagens, documentos, e até mesmo imateriais,
como o exame psicológico.

CARTORÁRIA

Consiste nos atos investigativos exercidos no âmbito


do cartório do órgão investigativo, via de regra da
Figura 9: Delegacia de Polícia, como pesquisas em banco de
Subclassificações dados e emissão do respectivo relatório, colheita de
de investigação
criminal. Fonte: depoimentos de testemunhas, declarações da vítima e
labSEAD-UFSC
interrogatório do indiciado, entre outros.
(2019).

Ainda que haja etapas bem definidas no procedimento de


investigação, uma buscando as evidências materiais e outra
as evidências testemunhais, as duas se complementam e
se explicam mutuamente. A prova testemunhal completa as
informações contidas na prova material.

Por exemplo, um botão de roupa encontrado na cena de um


crime de estupro seguido de morte deixa de ser objeto comum,
quando o depoimento de uma testemunha ou da vítima explica
como aquele botão foi parar naquele ambiente.

23 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Figura 10: O
depoimento da
testemunha deve
ser sempre levado
em consideração.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Falar em métodos e técnicas científicas de investigação


criminal envolve toda a dinâmica do procedimento, desde a
primeira entrevista da vítima ou da testemunha na cena do
crime até o exame de DNA do vestígio de esperma encontrado
nas roupas da vítima.

As duas modalidades de coleta de evidências, cartorária


e pericial, são fundamentais para a investigação criminal.
Portanto, é importante que sejam aplicadas durante todo o
processo de investigação.

Na próxima aula, discutiremos métodos e técnicas possíveis


de aplicação na investigação do crime de estupro. Acompanhe!

24 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Aula 2 — Métodos e Técnicas de
Investigação Para o Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...

Certamente você compreende agora a necessidade de embasar


toda e qualquer investigação criminal como se fosse uma
investigação científica. Entraremos agora em uma aula mais
prática sobre os métodos e técnicas de investigação para o crime
de estupro.

No Brasil, é bastante recorrente a crítica em relação à investigação


criminal, devido à ineficiência e à ineficácia decorrentes da falta de
qualidade e rigor científico. Investigar um crime de estupro exige
a aplicação de métodos e técnicas adequados para cada caso,
obrigando o investigador a sair da zona de conforto que o leva ao
apego a métodos tradicionais como único ponto de partida, muitas
vezes sendo levado ao vazio de informações sobre o perfil do autor.

Ao longo do curso, apresentaremos as técnicas comumente


utilizadas para a investigação do crime de estupro, para que você
possa utilizá-las em sua atuação profissional.

PARTICULARIDADES DA INVESTIGAÇÃO
Segundo dados estatísticos apresentados pelo Instituto de
Pesquisa Econômica (IPEA, 2014), as vítimas do crime de
estupro, em sua maioria, são mulheres e crianças nas mais
variadas situações de vulnerabilidade. Na maior parte dos
casos do crime, a motivação é simbólica e subjetiva, ou seja,
carregada de informações cifradas sobre relação de poder entre
os indivíduos como subproduto da cultura do patriarcado, do
machismo e da dominação do mais forte sobre o mais fraco.
Portanto, essas informações precisam ser lidas com o auxílio de
técnicas mais refinadas.

25 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Figura 11: Dados
referentes ao crime
de estupro no
Brasil.
Fonte: Instituto
de Pesquisa
Econômica/IPEA
(2014) e 13º Anuário
Brasileiro de
Segurança Pública
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

Não considerar esses aspectos culturais reflete diretamente


em toda a dinâmica do processo investigatório, desde a
notificação do crime até a apuração e o processo penal.
Podemos inferir que seja a causa raiz da ineficiência da
investigação de estupro.

Está previsto expressamente pelo artigo 5º, inciso LVII,


da Constituição Federal, que preceitua que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”. Muitos dos procedimentos de investigação
têm sido conduzidos com estratégias ineficientes, baseadas
no contraprincípio do até que se prove o contrário, no qual o

26 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


suspeito deve ser considerado inocente (BRASIL, 1988). Isso,
muitas vezes, recai na débil compreensão de que a vítima será
sempre suspeita de ter favorecido a ação do criminoso.

MÉTODOS E TÉCNICAS
Metodologia é a forma concreta de o investigador buscar as
informações que formarão o conhecimento necessário para
a apuração do crime. É o processo desenvolvido de forma
racional e eficiente para coleta das evidências de provas da
prática do delito e de sua autoria, assim deve estar pautado
nos princípios do método científico.

Para que um método seja bem-sucedido, ele deve possuir


técnicas robustas. A técnica tem por objetivo coletar as
evidências que irão produzir o conhecimento necessário para
a eficiência e eficácia da investigação do tipo de investigação
que será desenvolvida.

Na figura a seguir, observe as principais diferenças entre


método e técnica.

MÉTODO

• Etapas sucessivas para atingir um objetivo.


• Determina a ordem dos procedimentos.

TÉCNICA
Figura 12: Diferença
entre método e • Instrumentos ou ferramentas.
técnica.
Fonte: labSEAD- • Especifica o que será utilizado no procedimento.
UFSC (2019).

O crime é um fenômeno social, ou seja, corresponde aos


comportamentos, às ações e situações observadas em
determinadas sociedades, organizações e grupos. Dessa
maneira, exigirá para sua compreensão e apuração do crime
uma multiplicidade de metodologias e técnicas advindas
dos mais variados campos do conhecimento que sejam
compatíveis com a complexidade desse fenômeno.

27 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Lembre-se, também, de que o método científico
estabelece as normas que devem ser seguidas nos
procedimentos científicos, e seu principal objetivo é
reduzir a interferência do referencial interpretativo
e subjetivo do pesquisador no resultado da pesquisa
(DENCKER, 2007).

Ou seja, o método indicará os caminhos a serem seguidos


pela investigação criminal, reduzindo as interferências
pessoais do investigador no resultado, possibilitando um
grau de neutralidade no nível necessário à confiabilidade da
evidência apurada.

Entretanto, não basta aplicar métodos e técnicas, é preciso


que as explicações sejam consideradas científicas. Para isso,
devemos encontrar sustentação em um referencial teórico
que estabeleça as relações entre os resultados das diferentes
observações apresentadas como resultado final.

Exemplo disso é a existência de uma interface para adaptar os


relatórios, laudos, depoimentos, pareceres e outros documentos,
produzidos na investigação, a uma linguagem comum e ao
conhecimento final pretendido pela investigação, possibilitando
a interação da equipe com cada um desses resultados. Em
se tratando de uma atividade científica e multidisciplinar,
exercida por diversos atores, é pertinente que, não obstante as
especificidades de cada área do conhecimento levada a efeito
na investigação, seus registros contenham uma linguagem
minimamente comum e harmônica, permitindo a interação e
entendimento entre os profissionais, para que o conhecimento
final produzido seja claro e objetivo.

28 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Muitos atores envolvidos nessa atividade são os
investigadores – responsáveis pela elaboração
de relatórios; peritos – emitentes de laudos; os
delegados de polícia – presidente da investigação
e relator final do caso; os papiloscopistas –
responsáveis pela identificação humana e
emitentes de laudos técnicos; os escrivães de
polícia – responsáveis pelo auxílio ao delegado de
polícia e pelo registro de oitivas.

Pode-se apontar como exemplos da aludida interface as


plataformas preestabelecidas para confecção de documentos
em sistemas eletrônicos de formalização de inquéritos
policiais existentes em diversas unidades da federação.

É com a ideia de cientificidade e multidisciplinaridade que


você vai agora navegar por alguns métodos e técnicas que
poderão ser utilizados como ferramenta na apuração do
crime de estupro.

29 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Aula 3 — Profiling Criminal: a Análise
Comportamental

CONTEXTUALIZANDO...

Nesta aula 3, vamos conhecer sobre a técnica profiling


criminal, buscando compreender os parâmetros, principais
objetivos e diferenças em relação às técnicas mais tradicionais
de investigação criminal.

Ao longo do curso, também vamos apresentar alguns aspectos


conceituais sobre o conceito de “crime”, para que você
possa compreender como a técnica de profiling criminal foi
desenvolvida pensando no contexto penal.

ASPECTOS JURÍDICOS DO
COMPORTAMENTO CRIMINAL
O termo “crime” foi diversas vezes citado neste curso.
Provavelmente você tem na ponta da língua o conceito jurídico
de crime: uma ação ou omissão típica, antijurídica e culpável.
Entretanto, questiono você: esse conceito é suficiente, como
referencial teórico, para subsidiar uma investigação de estupro e
definir seus objetivos de forma clara?

É certo que o direito penal criou um conceito de crime no


sentido genérico, como também um conceito do crime de
estupro, especificamente, de forma abstrata para estabelecer
um padrão de referência de conduta que possibilite a
aplicação da pena adequada a determinado comportamento.

Se não fosse assim, seria inofensivo dizer que determinada


conduta é crime, pois o juiz não poderia fazer a justaposição
do padrão de conduta com a conduta praticada no mundo real.

30 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


É a investigação criminal que oferece os elementos
necessários ao julgador para fazer essa justaposição da
conduta com o tipo penal. No entanto, essa não é uma tarefa
fácil para o investigador, por isso terá de escolher o rumo certo
Significa a
adequação, o e a ferramenta adequada para abrir esse caminho.
enquadramento do
fato com a descrição
legal, conforme
descrito em Código
Penal. Assim,
na investigação
criminal colhem-
se os elementos
necessários para
que o julgador faça
a justaposição,
ou adequação, ou
enquadramento, do
fato investigado ao
tipo penal.

Figura 13: A investigação criminal requer métodos e técnicas rigorosos e


cientificamente comprovados.
Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Lembre-se de que o primeiro passo da investigação é definir o


problema e formular as questões de investigação, tendo como
base o que será investigado. As perguntas que serão formuladas
deverão explicar o caso noticiado à polícia como crime.

Figura 14: Definição


do problema da
investigação.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

31 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Importante ressaltar que, apesar de serem indispensáveis
estabelecer o problema e formular as questões de
investigação, cada investigação tem suas peculiaridades,
assim é preciso observar os métodos. Desse modo, a
investigação não é fixa ou rígida, devendo transcorrer de
acordo com a decisão da autoridade competente, ou seja, do
delegado de polícia, com base nos limites da lei e em defesa
da ordem pública, diante das particularidades de cada caso.

Além dos métodos e das técnicas adequadas, a sustentação


teórica é fundamental. Não basta demonstrar que o fato é uma
ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, também terá
que demonstrar quem praticou e em que circunstâncias.

Trata-se de um contexto envolvendo vários conceitos cuja


sustentação vem de disciplinas variadas, a exemplo do Direito,
da Sociologia, da Criminologia, da Psicologia, da Medicina
Legal, da Criminalística e de outras tantas.

CONCEITOS FUNDAMENTAIS
O tema profiling criminal tem sido objeto de diversos
estudos e frequente referência nos meios de comunicação,
especialmente como elemento de obras de ficção, a exemplo
da série de televisão Criminal Minds.

Também tem sido objeto de recorrentes pesquisas acadêmicas


e aplicação em situações práticas de investigação de alguns
crimes, como o Caso dos Meninos Emasculados, apresentado
no estudo por Ilana Casoy (2010), conforme citamos
anteriormente neste módulo como sugestão de leitura.

No entanto, precisamos sair do mundo acadêmico para


confrontarmos as teorias com a prática e só assim dar-lhes a
devida validação.

Devemos entender, portanto, o aspecto conceitual de referida


técnica, e só assim conseguiremos contextualizá-la e
compreender seu papel na investigação do crime de estupro.

32 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações



O profiling pode ser descrito como “técnica através
da qual se prevê as prováveis características de um
agressor criminoso com base nos comportamentos
exibidos na prática de um crime” (KOCSIS, 2006 apud

MENDES, 2014, p. 9).

Ou seja, a técnica corresponde ao estudo da personalidade,


do comportamento e da motivação, das características
demográficas baseadas na cena do crime, e de outras
evidências (CONSTANZO; KRAUSS, 2012 apud MENDES,
2014). Toda análise das informações recolhidas deverá buscar
compreender as características do indivíduo, incluindo os
vestígios e as circunstâncias criminais, permitindo realizar um
raciocínio dedutivo da sua imagem psicossocial.

Em adição, para além das características da personalidade,


o profiling também se refere ao processo de investigação
das localizações geográficas, descritivas com base nas
características do crime (MENDES, 2014).

Veja que a linha central do conceito leva à análise do que


pode ser chamado de mosturação (como visto no curso
Investigação do Crime de Estupro: Aspectos Conceituais) das
características da personalidade, comportamental, geográfica,
demográfica e biológica evidenciadas na cena imediata do
crime ou em qualquer outro ambiente a ela relacionado, com o
objetivo de identificar o autor.

33 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Biológico

Personalidade Cena do
crime

Figura 15:
Mosturação
dos fenômenos
Aspectos Aspectos
analisados. geográficos demográficos
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Trata-se da releitura das evidências encontradas na cena do


crime e das informações colhidas de testemunhas e vítimas,
que fornecerão informações sobre as características e traços
do infrator desconhecido e, ainda, possibilitarão ao investigador
estratégias para entrevistas e outros atos de investigação.

A compreensão conceitual da expressão profiling criminal não


pode ficar restrita à literalidade, porque foge do que podemos
chamar de perfil criminal, se formos nos basear somente nas
informações colhidas diretamente do infrator. A ideia é mais
abrangente, pois diz respeito ao perfil comportamental do
crime, considerando o autor, a vítima e o cenário, baseando-se
em informações colhidas em todo o contexto do ato criminoso.

A compreensão do método é abrangente e envolve


nuanças das condutas do infrator e da vítima, como
locais que frequentavam e as relações e interações
entre eles.

34 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Para a criminologia moderna, o crime é um fato social,
ou seja, um fenômeno inerente à convivência social, cuja
compreensão só será possível se analisado do ponto de vista
sociopolítico-histórico-cultural.

O ser humano faz parte de um sistema que integra elementos


biológicos, psicológicos e sociais do meio que o rodeia e
o influencia em seu modo de ser e agir. Chamamos essa
complexa análise de compreensão biopsicossocial. Como em
todo sistema, há uma retroalimentação entre o indivíduo e o
meio, sendo permanentemente influenciado pelo espaço físico
e pela cultura.

Figura 16: Análise


biopsicossocial.
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

35 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Esse processo de interação, somado a elementos
biológicos, traços físicos e hereditariedade, dão ao indivíduo
características muito próprias, garantindo-lhe uma marca
individual, ou seja, traços identitários que possibilitam que ele
deixe sua assinatura em todas as ações que praticar.

Com a visão de todas as camadas biopsicossociais, é que a


criminologia procura compreender o comportamento criminal,
tentando identificar padrões comportamentais que apontem
caminhos para a apuração de provas de um crime, fazendo uso
da técnica de profiling criminal, que utiliza como força motriz
essa complexidade do ser humano.


Para você começar a compreender a técnica profiling criminal,
veja o que aponta Konvalina-Simas (2014, p. 21):

Profiling criminal ou a análise comportamental em


contexto investigativo procura interpretar todas as
pistas comportamentais relacionadas com uma
ocorrência, quer sejam de aspecto social, biológico ou
psicológico. A triangulação destas características é
que vai permitir a construção de um perfil aproximado
do ofensor e fornecer pistas para direcionar a
investigação criminal. Outras aplicações dessa
técnica de análise comportamental podem incluir
desenvolver estratégias de entrevista de suspeitos e
de testemunhas, estratégias para casos de sequestro,
estratégias de negociação no caso de reféns e, no

contexto da pesquisa criminológica, indicar tendências,
expor fenômenos e sugerir novos caminhos para a
compreensão, prevenção e combate ao crime.

A técnica profiling criminal, aplicada às concepções da


psicologia forense, busca auxiliar a investigação criminal na
identificação do suspeito desconhecido. Nesse sentido, é
uma técnica de apoio e não pode ser considerada o “milagre”
da solução da investigação. No entanto, ela joga luzes em um
ambiente de incertezas e impotência do investigador.

36 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Trata-se, portanto, de uma técnica forense para
análise sistemática de informações comportamentais
deixadas no contexto da prática criminal exibindo
prováveis características do agressor.

A compreensão da conduta criminosa só é possível por um


olhar que integre as múltiplas facetas da natureza humana.
Ao analisarmos o perfil comportamental do criminoso sem
a compreensão sistêmica, essa abordagem terá falhas. O
homem possui um conjunto de variáveis que, dinamicamente,
influenciam em seu comportamento desde o seu nascimento e,
portanto, durante toda a sua vida (KONVALINA-SIMAS, 2014).

A grande busca da criminologia é explicar o crime pela


compreensão da própria conduta delituosa, do infrator, da
vítima e dos sistemas de controle social. Para entender a
dinâmica do evento criminoso, é preciso estudo detalhado do
próprio crime, do criminoso, da vítima e do local do crime.

Figura 17:
Compreensão Criminoso Vítima
global da conduta
delituosa.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
Local do
crime

O crime de estupro é uma das infrações penais com maior


grau de dificuldade na sua apuração, mesmo nos casos em
que se conhece o autor do crime. Os motivos são decorrentes
da própria dinâmica do evento do crime, das circunstâncias
que o envolvem e do cenário onde aconteceu.

37 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Essa dificuldade de apuração se deve ao fato de que quase
sempre o crime ocorre fora do olhar de qualquer testemunha.
Além disso, é muito comum que a vítima esconda o fato ou
só procure a polícia no momento em que não existem mais
vestígios materiais, por medo de sofrer revitimização.

Fenômeno decorrente
do sofrimento
Estão aliadas a essas variáveis de complicação a falta de
continuado rigor científico no processo investigatório e, muitas vezes, a
ou repetido da existência de um padrão comportamental fora do processo
vítima de um ato cognitivo comum. Nesse caso, o processo cognitivo comum,
violento, após o
encerramento deste,
ou o processo de absorção de algum conhecimento trivial,
que pode ocorrer inerente ao homem médio, é citado como contraponto a um
instantaneamente, padrão comportamental extraordinário, fora do padrão.
dias, meses ou até
anos depois.
HISTÓRICO DA INVESTIGAÇÃO NA
HUMANIDADE
Para compreendermos mais profundamente a técnica
profiling, vamos entender agora o que é o paradigma indiciário
e como ele se relaciona com a técnica de profiling, a fim de
termos visão mais abrangente da dinâmica do perfil criminal.
Desse modo, para que possamos explicar melhor, voltaremos
um pouco no tempo.

Ao se tornar um animal dependente da caça para


sobrevivência, o ser humano se viu obrigado a desenvolver
estratégias que facilitassem a busca da futura presa. A essa
necessidade, juntou-se outra estratégia para elaborar métodos
e técnicas, a fim de buscar as informações necessárias sobre
esses alimentos.

As técnicas podiam ser de um simples “fuçar a lama, a terra


ou a folhagem”, como levavam a operações mentais mais
elaboradas para encontrar pistas, como galhos quebrados,
pegadas, tufos de cabelos e outras evidências da presença do
animal a ser caçado.

38 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Veja que estava nascendo aí as primeiras tentativas para
encontrar a pista de alguém por meio da análise minuciosa
de evidências deixadas em um cenário. O conhecimento em
relação à caça, baseado em informações deixadas pela presa,
permitia ao caçador saber se ela havia passado ali e se ele
estava seguindo o seu rastro.

É um sistema complexo de raciocínio baseado na


observação de informações para conhecimento de
uma realidade não conhecida do observador.

O método evoluiu ao longo da história, sendo usado para atos


que vão desde a previsão sobre o destino das pessoas, ou do
seu passado, até o diagnóstico de doenças.

A análise, a observação, a comparação e a interpretação de


informações sobre uma realidade que precisa ser conhecida
são pontos em comum nesses processos. Vejamos a seguir
os tipos de métodos de investigação que deram origem aos
métodos que utilizamos atualmente.

O método morelliano
No final do século XIX, sob o pseudônimo de Ivan Lermolieff,
Giovanni Morelli desenvolveu o método de crítica de obras de
arte, chamado de método morelliano, que buscava atribuir
a autoria de uma obra de arte por meio de uma análise
minuciosa dos seus detalhes.

Figura 18: Giovanni


Morelli (1816-1891).
Fonte: Wikimedia
Commons (2019).

39 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Morelli defendia que, para a definição de autoria de obras de
arte não identificada ou sobre cuja autoria havia dúvida, não
bastava olhar o total da obra, era preciso prestar atenção aos
detalhes, aos “pormenores mais negligenciáveis”.

A melhor forma de você compreender a analogia feita por


Ginzburg (1990) é com a leitura direta do texto desse autor, ao


referir-se ao escritor E. Wind como a pessoa a quem credita o
mérito de renovar o interesse às obras de Morelli.

‘Os livros de Morelli’ – escreve Wind – ‘têm um


aspecto bastante insólito se comparado aos de
outros historiadores de arte. Eles estão salpicados de
ilustrações de dedos e orelhas, cuidadosos registros
das minúcias características que traem a presença de
um determinado artista, como um criminoso é traído
pelas suas impressões digitais’. Essa comparação
foi brilhantemente desenvolvida por Castelnuovo, que
aproximou o método indiciário de Morelli ao que era
atribuído, quase que nos mesmos anos, a Sherlock
Holmes pelo seu criador, Arthur Conan Doyle. O
conhecedor de arte é comparável ao detetive que
descobre o autor do crime (do quadro) baseado em “
indícios imperceptíveis para a maioria. Os exemplos de
perspicácia de Holmes a interpretar pegadas na lama,
cinza de cigarro etc. são, como se sabe, incontestáveis.
(WIND apud GINZBURG, 2011, p. 145).

Continuando seu relato ilustrativo da teoria, Ginzburg (2011)


cita o conto “A caixa de papelão”, em que ele diz que Holmes
faz uma clara referência a Morelli. Leia a seguir.

40 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Estudo de Caso
O caso começa exatamente com duas orelhas cortadas e enviadas
pelo correio a uma inocente senhorita. Eis o conhecedor com
mãos à obra: Holmes se interrompeu e eu [Watson] fiquei surpreso,
olhando-o, a ver que ele fixava com singular atenção o perfil da
senhorita. Por um segundo foi possível ler no seu rosto ansioso
surpresa e satisfação ao mesmo tempo, ainda que, quando ele se
virou para descobrir o motivo do seu silêncio, Holmes tivesse se
tornado impassível como sempre. (GINZBURG, 2011, p. 145-146).

Veja então a explicação de Holmes a seu parceiro Watson sobre seu


processo mental:

Estudo de Caso

Na sua qualidade de médico o senhor não ignorará Watson, que não


existe parte do corpo humano que ofereça maiores variações do
que uma orelha. Cada orelha possui características propriamente
suas e diferem de todas as outras. Na Revista Antropológica do
ano passado o senhor encontrará sobre este assunto duas breves
monografias de minha lavra. Portanto, examinei a orelha contida
na caixa com olhos de especialista e observei acuradamente as
suas características anatômicas. Imagine então a minha surpresa
quando, pousando os olhos sobre a senhorita Cushing, notei que
a sua orelha corresponde exatamente à orelha feminina que
havia examinado pouco antes. Não era possível pensar numa
coincidência. Nas duas existia o mesmo encurtamento da aba, a
mesma ampla curvatura do lóbulo superior, a mesma circunvolução
da cartilagem interna. Em todos os pontos essenciais tratava-se
da mesma orelha. Naturalmente percebi de imediata a enorme
importância de uma tal observação. Era evidente que a vítima devia
ser uma parente consanguínea, provavelmente muito próxima da
senhorita. (GINZBURG, 2011, p. 146).

41 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Conheceremos a seguir mais um método importante para a
compreensão da investigação do crime de estupro, o método
indiciário. Acompanhe!

O método indiciário
A expressão “paradigma indiciário” foi cunhada pelo italiano
Carlos Ginzburg no ensaio intitulado Sinais: raízes de um paradigma
indiciário, publicado na obra Mitos, emblemas e sinais.

O autor, usando como suporte a teoria de Giovanni Morelli, diz


que tal qual na medicina, na qual os diagnósticos médicos
são produzidos com base na observação e investigação dos
sintomas, outras áreas de saberes também podem produzir
conhecimento com a leitura e a interpretação de sinais e pistas
indiciárias, e uma dessas áreas é a investigação criminal.

O método indiciário é o conjunto de princípios e procedimentos


que contém a proposta de um método heurístico, centrado nos
indícios, sinais, vestígios ou sintomas.
Trata-se de um método
destinado à análise e
pronta resolução de Vestígios. Pistas. Indícios. Sinais. É nesse ambiente que o
um problema, em que investigador desenvolve o processo cognitivo da apuração
um caso complexo de provas penais. Esses elementos configuram as fontes das
é cindido em várias
e pequenas partes,
informações deixadas na cena do crime, muitas delas visíveis
consequentemente a olho nu, outras não, submetidas a uma análise semiótica que
mais simples, cujas pode revelar toda a dinâmica do evento criminoso ali ocorrido.
respostas conjugadas
solucionam o principal.

Figura 19: Vestígios


de um criminoso.
Fonte: Shutterstock
(2019).

42 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


É inegável a aplicabilidade do método indiciário na
investigação criminal. Tal qual a pesquisa de Morelli,
na busca da autoria das obras de arte e a pesquisa
sintomatológica da medicina, a apuração de provas criminais
é produzida por meio da observação detalhada de evidências
encontradas na cena do crime.

Nesse sentido, quando verificamos que as causas


não são reproduzíveis, só nos resta inferi-las a partir
dos efeitos. Ou seja, o ponto essencial do paradigma
indiciário é a compreensão de que se a realidade
é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,
indícios – que permitem decifrá-la.

É esse processo metodológico que a investigação criminal


desenvolve na busca da prova de um crime e de seu autor
(GINZBURG, 2011). A técnica da papiloscopia é a aplicação
prática do método indiciário pela investigação criminal na
identificação de criminosos. Trata-se de uma técnica científica
de identificação humana através das papilas dérmicas
presentes na palma das mãos e na sola dos pés (impressões
digitais), sustentada nas características da impressão digital
que conferem a individualidade ao ser humano.

Figura 20:
Técnicas como a
papiloscopia fazem
parte do método
indiciário. Fonte:
Shutterstock (2019).

43 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


A identificação papiloscópica é uma das técnicas aplicadas
pela investigação criminal para observação, coleta e análise de
vestígios deixados em uma cena de crime.

Mas, afinal, qual é a relação da técnica de profiling criminal


com o paradigma indiciário? Será que o método apresentado
por Ginzburg não tem como fundamento a teoria de Morelli?

A técnica e o método indiciário operam por meio da


análise de vestígios, sinais e signos imperceptíveis
para a maioria das pessoas, ou seja, utilizam da
leitura das entrelinhas dos fatos para compreender
os indícios da investigação.

Ao aplicar a técnica, o investigador criminal procura pelos


vestígios mais incomuns e desprezados pela investigação
tradicional como sentimentos e motivações representadas na
cena do crime.

Tanto o método indiciário quanto a técnica profiling criminal


procuram pela personalidade do autor da obra e do autor do
crime, codificada nas informações comportamentais que
impregnam a obra de arte ou o cenário do crime.

PRESSUPOSTOS DA TÉCNICA DE
PROFILING CRIMINAL

Os parâmetros de ação do profiling criminal são regulados


por hipóteses que identificam claramente seus limites e sua
metodologia investigativa. Vejamos a seguir esses pressupostos:

44 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Perfil
psicossocial
de infrator

Abuso sexual
Personalidade
e homicídio de
do infrator
casos em série

Figura 21:
Pressupostos do
profiling criminal.
Fonte: Konvalina-
Simas (2014), Raciocínio Pouca
adaptado por hipotético- informação
labSEAD-UFSC dedutivo policial
(2019).

Por meio de estudo detalhado das informações encontradas


na cena do crime, com apoio da criminologia e das perícias
forenses, a técnica profiling criminal, que está vinculada ao
processo penal, tenta estabelecer o perfil psicossocial de um
infrator ainda desconhecido.

A técnica possui em sua essência a crença de que as


características da personalidade de um infrator podem ser
encontradas a partir das informações sobre seus atos que
indicam a forma como executa o crime e como encontra e
interage com a vítima.

A aplicação da técnica é mais efetiva nos casos em que a


polícia tenha pouca ou nenhuma informação sobre o autor,
ou naqueles em que, ao utilizar métodos tradicionais, a
investigação é esgotada sem que haja um resultado positivo
na elucidação do crime.

Na análise comportamental deve ser utilizado o pensamento


crítico associado ao raciocínio indutivo e dedutivo sobre as
informações colhidas.

45 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


O uso do profiling criminal tem ocorrido especialmente
na investigação dos crimes de abuso sexual e homicídio,
principalmente quando praticados em série. Isso ocorre devido
às seguintes características:

CRIMES EM SÉRIE COMETIDOS POR


CONHECIDOS

1 Embora estes crimes sejam bastante raros, tendem a


ser considerados os mais horrendos e, portanto, geram
mais ansiedade na população em geral. Na maior parte
das vezes os ataques violentos são praticados por
pessoas conhecidas.

Quadro 1:
Características do
profiling criminal
para casos de abuso
CRIMES EM SÉRIE COMETIDOS POR
sexual e homicídio DESCONHECIDOS
em série.
Fonte: Ainsworth
2 Os crimes deste tipo que envolvem ataques por
(2000, apud um desconhecido são muito difíceis de serem
KONVALINA-SIMAS, solucionados apenas com os métodos de investigação
2014), adaptado policial tradicionais. Nos crimes de homicídio, por
por labSEAD-UFSC exemplo, a polícia normalmente não considera
(2019). suspeitos além da família e dos amigos, tornando a
investigação mais extensa.

O investigador deve buscar o máximo de informação sobre o


caso, aplicar todo seu conhecimento, experiência e vivência
profissional ao investigar as razões que motivaram o autor.
A partir dessas informações, o agente estará apto a traçar o
perfil do autor do crime (RESSLER; SHACHTMAN, 1992 apud
KONVALINA-SIMAS, 2014).

OBJETIVOS DA TÉCNICA PROFILING


CRIMINAL
Como vimos anteriormente, a abordagem profiling criminal não
é uma técnica de investigação aplicada regularmente, mas em
situações especiais em determinados crimes, tais como os crimes
sexuais e aqueles praticados sem uma aparente motivação.
Essa técnica poderá auxiliar a polícia a planejar entrevistas,
interrogatórios e a redirecionar o rumo de investigações.

46 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Figura 22: Profiling
criminal como
estratégia de
planejamento.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Os principais objetivos da técnica profiling criminal, que


visam, principalmente, informar e apoiar o sistema de justiça
criminal, são:

1. Fornecer a avaliação psicológica e social do ofensor Perfil


psicossocial: São informações da personalidade do infrator,
envolvendo dados como etnia, idade, religião, profissão,
estado civil etc. Criar esse padrão permite que a equipe de
investigação reduza o contexto de suspeitos.

2. Fornecer a avaliação psicológica a partir dos pertences


encontrados na posse do ofensor: Esse processo de análise
dos objetos encontrados na cena pode indicar características
de um suspeito e, ainda, sugerir que esse indivíduo tenha
outros objetos consigo que confirmem seu vínculo com a
cena do crime e com a vítima. Exemplo disso são fotografias,
lembranças, matérias de jornais e revistas etc.

3. Providenciar sugestões e estratégias que possam ser


utilizadas na entrevista aos suspeitos: Ocorrendo a prisão do
suspeito, o perfil indicará métodos e técnicas mais adequadas
e eficazes para o tipo de indivíduo.

47 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


De modo geral, podemos indicar que o principal objetivo
da técnica é estruturar a análise do criminoso, buscando
responder a três questões: 1) o que se passou na cena
do crime; 2) qual a motivação do crime; e 3) qual o tipo
de indivíduo está implicado nesse crime em específico.
A partir dessas informações, será possível fornecer um
modelo descritivo das características que indicam o provável
autor de um determinado crime sob investigação, assim
como sugestões táticas sobre como alguns aspectos da
investigação criminal podem ser empreendidos.

Continuaremos nossos estudos da técnica de profiling criminal


no próximo módulo.

48 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988.
Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).

CASOY, I. Criminalística e criminologia aplicadas à


investigação de crimes em série: estudo de caso dos
menininhos emasculados. 2010. Monografia (Pós-Graduação
em Criminologia) – Instituto Brasileiro de Perícias Criminais,
São Paulo, 2010. Disponível em: https://pt.scribd.com/
document/136993650/Monografia-Ibccrim-Doc-PDF. Acesso
em: 24 jan. 2018.

DENCKER, A. de F. M. Pesquisa em turismo: planejamento,


métodos e técnicas. São Paulo: Futura, 1998.

GEBERTH, Vernon J. Practical Homicide Investigation: Tactics,


Procedures, and Forensic Techniques. Fourth Edition. Florida:
CRC Press, Inc., Boca Raton, 2006.

GALLIANO, A. G. O método científico. São Paulo: Harper & Row


do Brasil, 1979.O.

GINZBURG, C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história.


São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

KNELLER, G. F. A ciência como atividade humana. Rio de


Janeiro: Zahar; São Paulo: EDUC, 1980.

KONVALINA-SIMAS, T. Profiling criminal: Introdução à análise


comportamental no contexto investigativo. Cascais: Reis dos
Livros, 2014.

49 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


MENDES, B. S. A. Profiling criminal: técnica auxiliar de
investigação criminal. Porto: Universidade do Porto, 2014.
(Dissertação). Disponível em: https://core.ac.uk/download/
pdf/143403239.pdf. Acesso em: 24 jan. 2018.

POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix,


1971.

SILVA, J. A. da S. Análise criminal: teoria e prática. Salvador:


Artpoesia, 2015.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 4 nov. 2019.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório


da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 25 nov. 2019.

WIKIMEDIA COMMONS. [S.l.], 2019. Disponível em: https://


commons.wikimedia.org/wiki/Main_Page. Acesso em: 10 out.
2019.

50 • Módulo 1 Métodos e Técnicas de Coleta e Análise de Informações


MÓDULO 2

PERFIL DO
CRIMINOSO
E ANÁLISE
VITIMOLÓGICA
51 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica
Apresentação

Neste módulo daremos continuidade ao estudo do processo


de investigação do crime de estupro, com base na técnica
profiling criminal. Entendendo que o estudo científico é
fundamental para a base do processo de investigação criminal,
será apresentado dois modelos de profiling que servem de
base para o processo de construção do perfil do criminoso.

Abordaremos, também, a análise vitimológica da vítima do


crime de estupro, apresentando alguns estudos históricos e a
vitimologia forense e a análise das provas comportamentais.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Para o estudo deste módulo foram criadas condições para que
você, na sua prática como investigador, consiga: reconhecer a
necessidade de utilização de métodos e técnicas sustentados
em princípios científicos que possibilitem a construção do
perfil do criminoso e do local do crime; enumerar os modelos
utilizados para a construção do perfil criminal com base na
técnica profiling criminal; definir a vitimologia forense; enumerar
seus objetivos e descrever sua utilidade na investigação do
crime de estupro; listar as variáveis que devem estar presentes
na análise vitimológica e identificar os processos psicológicos
prejudiciais para a investigação; compreender a avaliação de
risco no âmbito da técnica profiling criminal e os modelos de
análise vitimológica forense.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – A Construção do Perfil Criminal.
• Aula 2 – A Vítima no Crime de Estupro.
• Aula 3 – Análise Vitimológica.
• Aula 4 – Avaliação do Risco.
• Aula 5 – Modelos de Análise Vitimológica Forense.

52 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Aula 1 – A Construção do Perfil Criminal

CONTEXTUALIZANDO...
A busca por evidências de provas do crime de estupro é um
trabalho muito árduo para o investigador criminal. A forma mais
eficaz de amenizar as dificuldades é a aplicação de métodos e
técnicas sustentados em princípios científicos que possibilitam
a construção do perfil do criminoso e do local do crime.

Por esse motivo, apresentaremos neste módulo como a


técnica profiling criminal é usada na construção do perfil do
criminoso, e como são usadas informações sobre o crime,
o comportamento e a saúde mental do criminoso, partindo
de uma cuidadosa análise de todos os vestígios coletados
na cena do crime. O processo requer inferências que tenham
consistência metodológica.

MODELOS EPISTEMOLÓGICOS EM
PROFILING CRIMINAL
Idiográfico é um Um modelo epistemológico diz respeito ao mecanismo formal,
termo utilizado para sustentado por princípios científicos, que ajudam a entender
fazer referência
e acessar determinado conhecimento. A técnica profiling
ao conhecimento
científico ou criminal possui dois grandes modelos epistemológicos que
disciplina que acarretam em implicações técnicas e metodológicas no
trata de fatos momento do estudo e investigação do crime e do criminoso.
considerados
São eles: o profiling idiográfico e o profiling nomotético.
individualmente,
ou seja, aspectos
específicos. Profiling idiográfico
O profiling idiográfico é o modelo que utiliza o processo
dedutivo para a análise investigativa a partir do estudo
das informações concretas sobre os indivíduos e suas
características atuais e reais. Esse modelo analisa casos
específicos, estudando as particularidades das características
e comportamentos dos indivíduos, e serve para entender as
características do crime, as dinâmicas e a relação entre a cena
do crime, o agressor e a vítima.

53 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O estudo idiográfico desenvolve uma análise do contexto
de todos os vestígios deixados pela ação delituosa que
falam do comportamento do autor e da vítima na cena do
crime, procurando, assim, construir informações sobre
as circunstâncias em que ocorreu o crime que levem o
investigador à sua compreensão e autoria.

Análise de provas comportamentais (APC)


Na análise de provas comportamentais (APC), desenvolvida
por Brent E. Turvey , através de um raciocínio dedutivo, busca-
se observar, analisar e compreender as características, o
desenvolvimento e as relações entre determinado crime e o
criminoso e a vítima.

Ao falar em provas comportamentais, você estará falando de


todos os vestígios físicos resultantes da ação delituosa, como
marcas e pegadas, manchas de sangue, lesões, impressões
digitais, sêmen, documentos, fotos, vídeos. E você poderá
identificá-los pelo raciocínio dedutivo (conforme vimos no
Módulo 1 do curso).

Figura 1: Padrões
comportamentais
particulares
buscam a
compreensão global
do crime.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Nesse caso, o investigador busca, em cada vestígio deixado


na cena do crime, informações que produzam significado às
evidências, possibilitando a compreensão do crime ali cometido.

54 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Essa metodologia permite que seja feita uma
detalhada e profunda análise do local do crime,
de cada indício dos comportamentos praticados
naquele ambiente, indicando as características do
fato e de seu autor.

Para a doutrina corrente, são três as fontes desse tipo de prova:

• Vestígios físicos: pegadas que podem ser indicativas da


presença e do modo como o autor e vítima estiveram no
ambiente, se estavam sentados, caminhando, correndo etc.;
manchas de sangue que podem ser indicativas de ferimentos,
contatos ou movimentos na cena; impressões digitais
sugestivas da presença, contato e utilização de objetos por
alguém; sêmen, indicativo de contato sexual, ejaculação.

• Exames toxicológicos: podem indicar a presença de álcool,


toxinas no metabolismo do infrator e/ou da vítima.

• Fotos ou vídeos: originários de câmeras de segurança,


celulares, câmeras de filmar/fotografar, ou outro meio que
tenham registrado momentos da ocorrência.

Vejamos que a análise de provas comportamentais se


desenvolve com a análise criteriosa de informações encontradas
na cena do crime e os comportamentos associados a elas. São
essas informações que irão permitir a construção de um perfil de
conduta que servirá de padrão para a comparação com outras
informações originárias de outros casos investigados.

55 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O investigador parte da análise de características
semelhantes observadas, colhidas e analisadas
em vários locais de crime de estupro, construindo
um perfil que será comparado com um caso
particular, buscando semelhanças que apontem
para suspeitos. Deste modo, é a análise de padrões
comportamentais identificados em vários casos
concretos que irá possibilitar a formulação de uma
teoria para casos semelhantes.

Ao elaborar perfis criminais construídos com o modelo


idiográfico, e dentro dos parâmetros de análise de provas
indicativas de comportamentos na cena do crime, o
investigador precisará desenvolver uma análise exaustiva de
informações resultantes dos exames periciais, dos exames
vitimológicos forense e do próprio ato criminoso.

PROFILING NOMOTÉTICO
O profiling nomotético diz respeito ao modelo que aplica o
processo indutivo de raciocínio. O método estuda o abstrato pela
Nomotético
significa análise de grupos de crimes com as mesmas características
“proposição da lei” e leis universais, ou seja, aplica previsões, baseadas em
e está relacionado informações de outros casos para um caso específico.
às humanidades;
pode ser usado no
sentido de “capaz Para que você compreenda melhor, observe o exemplo a seguir.
de estabelecer
a lei”, “ter a
capacidade de
postular sentido
durador”.

56 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Estudo de Caso

A equipe de investigação encontra evidências


comportamentais gerais e semelhantes em dez casos de
estupro seguido de morte. As semelhanças são:

• Indicação de que o infrator despertava a confiança


davítima.
• Abordagem em pontos de ônibus por volta das 23h.
• Vítimas com características físicas e idades semelhantes.
• Todas as vítimas violentadas e abandonadas em lugares
ermos, com sinais de mordidas nos mamilos e com a
calcinha encapsulando sua cabeça.

Caso específico:
Ao prender o autor de um desses crimes, a equipe determina,
a partir das características investigadas, que ele faz parte
da tipologia de condutas formada nos outros crimes, ou seja,
tem as mesmas condutas observadas no perfil investigado,
o que significa colocá-lo em uma condição de probabilidade
da autoria dos demais crimes.

Podemos perceber que, no caso anterior, existe apenas uma


suposição de que aquele indivíduo seja o autor dos demais
casos. Por meio da observação e comparação daqueles e de
outros elementos, a equipe buscará construir uma lógica de
causalidade entre o suspeito e os casos.

BUSCA DE EVIDÊNCIAS POR CARACTERÍSTICAS


SEMELHANTES ENTRE OS SUSPEITOS

Figura 2: O profiling
nomotético parte
das características
globais para as
específicas.
Fonte: Shutterstock
(2019).

57 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O objetivo principal desse modelo é buscar, em grupos de
criminosos, tipos que lhes dê características comuns ou
médias, que identifiquem os agressores e possibilitem à equipe
de investigação relacionar com características encontradas
em fatos específicos. Ou seja, o objetivo do modelo é buscar
tipos e características em um grupo de criminosos que
possibilitarão à equipe de investigação compará-los com
algumas características de fatos específicos.

O investigador parte de observações de


características comportamentais similares
encontradas em vários outros delitos de
estupro para compará-las com características
comportamentais encontradas em outros casos
e, havendo similaridades e evidências de provas,
aí sim pode afirmar que todos os crimes foram
praticados pelo mesmo infrator.

Sendo assim, essas características não estão relacionadas


a um indivíduo real, pois representam tendências e
possibilidades teóricas de um grupo.

No entanto, é preciso ter cuidado. Segundo a própria autora


Konvalina-Simas (2014), o modelo nomotético utiliza-se de
estratégias para tentar determinar categorias de crimes e
de criminosos, mas isso poderá por vezes criar margens de
erros extensas, ainda que continuem representando uma
contribuição importante para a análise e investigação do
crime de estupro.

Isso acontece porque, conforme estudado anteriormente, esse


método aplica um processo indutivo, partindo da situação
particular para uma situação geral, ou seja, requer que seja
colhida uma grande quantidade de evidências para chegar a
uma conclusão sobre o perfil do crime e do autor. Todo método
terá limitações, vantagens e desvantagens, e o investigador

58 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


deverá compreender, durante sua tomada de decisão, dedução
e indução, as variáveis envolvidas em cada situação.

Agora que estudamos modelos epistemológicos que


fundamentam a construção de um perfil do criminoso,
estudaremos os temas relacionados com a vítima do crime
de estupro.

59 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Aula 2 – A Vítima no Crime de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
Nesta aula, abordaremos os estudos e os objetivos da
vitimologia forense e a teoria da atividade de rotina da vítima,
entendendo que, para a vitimologia forense, a investigação
de estupro dependerá de uma equipe multidisciplinar para
Nos primórdios, a
vingança privada acompanhar e reter informações, através da vítima, que podem
caracterizava-se ajudar no processo investigativo. Assim sendo, iremos entender
pela retribuição o funcionamento da investigação forense nos casos de estupro.
do mal causado
pelo ofensor a uma
vítima. Havia, muitas A VÍTIMA COMO ELEMENTO
vezes, latente IMPORTANTE PARA A INVESTIGAÇÃO
desproporção Por muito tempo, desde a superação do período da vingança
entre a ofensa
privada, a vítima não foi considerada parte importante no
e a retribuição.
Normalmente, estudo do crime de estupro.
aplicava-se pena de
banimento quando Durante longo período histórico, os estudos criminológicos
o agressor era do
se voltaram apenas para o crime, o criminoso e a pena. Foi
próprio grupo, ou a
chamada “vingança somente a partir da metade do século XX que a vítima passou a
de sangue”, quando ser considerada um elemento importante para a compreensão
o grupo era diverso. da ação criminosa, principalmente a motivação do crime.

Saiba mais
Entre os nomes famosos do estudo da relação crime-criminoso-
vítima estão o criminólogo Van Hans Hentig, com sua obra O
crime e sua vítima, em 1948, e Benjamin Mendelsohn, autor de
Vitimologia: ciência atual (1956).

 Para conhecer um pouco mais sobre os autores e sua sobras,


acesse os links a seguir:
https://jus.com.br/artigos/32835/vitimologia-uma-nova-ciencia-
e-seus-desdobramentos-no-direito-penal
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/
classificacao-vitimologica-de-hans-von-hentig/24923

60 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


No estudo de Konvalina-Simas (2014), encontramos o conceito
de vitimologia, apresentado pela primeira vez em 1990, por
Mayr e Piedade.

Segundo elas, vitimologia é o estudo da vítima e sua


personalidade, tanto sob o ponto de vista biológico,
psicológico e social quanto em relação à sua
proteção social e jurídica. As autoras apresentaram
também os meios que o agressor utiliza para fazer
de uma pessoa a sua vítima.

Ainda no mesmo estudo (2014), a autora apresenta o que se


entende por vitimologia interacionista, ou vitimologia penal,
que é, de modo geral, o conceito que procura entender as
dinâmicas entre os agressores e suas vítimas, fazendo uso dos
estudos de Petherick e Turvey (2008).

Figura 3: A
vitimologia busca
a compreensão
dinâmica do papel
da vítima.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Segundo o conceito, esse estudo compreende as vítimas de


determinado crime, como as do estupro, lesões corporais ou
homicídios. Está voltado para a inter-relação entre vítima e
agressor, imposta por este, no desencadear da ação criminosa,
bem como a interlocução do ofendido entre a sociedade e seu
posterior papel no sistema de justiça criminal.
Nesse sentido, com a intenção de compreender a relação
criminoso-vítima, apresentaremos um exemplo prático:

61 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


imagine um caso de crime de estupro em que o autor faz uso
de objetos para penetrar a vítima. Esse exemplo citado é de
Pereira (2011). Segundo este autor, a hipótese inicial é de que,
se o agressor não pode fazer uso do próprio membro sexual
para a penetração, existe então alguma probabilidade de que
se trate de um homem mutilado ou impotente, ou até mesmo
de ser uma mulher. Esses indícios permitem o delineamento de
um possível perfil de agressor.

Figura 4: A Vítima
investigação requer
compreender a
relação criminoso- Criminoso
vítima.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Konvalina-Simas menciona um exemplo de que, no caso


de o criminoso escolher predominante vítimas loiras e com
características físicas semelhantes, poderá indicar que o
agressor já teve um envolvimento marcante, positivo ou
negativo, com aquele perfil específico de mulher.

Há casos em que essas características vinculadas às vítimas


não são tão claras, como sexo, cor, idade e emoções. Sendo
assim, o investigador deverá buscar outras informações
nas circunstâncias e ambientes onde o criminoso possa ter
mantido contato com a vítima.

Saiba mais
Leia o artigo “A análise da vítima na consecução dos crimes”, de
Elaine Castelo Branco, sobre o estudo da vitimologia e da relação
vítima-criminoso no fenômeno da criminalidade. O documento

 está disponível no link:

https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-analise-
da-vitima-na-consecucao-dos-crimes/

62 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


No perfil social da vítima, poderemos encontrar indicações das
características vinculadas às vítimas do crime. A abordagem feita
pelo agressor poderá ter ocorrido em uma festa, em um clube,
em um parque durante uma caminhada ou em outro ambiente
qualquer. Por isso, compreender os hábitos sociais e diários da
vítima pode ser um passo para encontrar o autor do crime.

Ainda que os padrões de um crime de estupro sejam


aparentemente aleatórios ou oportunistas, sempre serão
pertinentes para a investigação, pois compreender as razões do
criminoso levará a equipe de investigação a levantar hipóteses
razoáveis sobre as circunstâncias e autoria do crime.

Os vínculos entre vítima e suspeito


A compreensão da relação criminoso-vítima é de fundamental
importância para a investigação, pois trata-se de uma dinâmica
de interação carregada de informações indicativas para a
motivação da conduta que apontará para o possível autor.

O estudo da vítima é fundamental na busca de padrões


de conduta que possam auxiliar na elaboração do plano
de ação da investigação, principalmente nos crimes
cometidos em série. Assim como no local do crime,
é possível encontrar nas vítimas características ou
traços que se repetem em outras ações criminosas.

Exemplo disso, seriam vítimas que buscam alguma


simbolização da figura paterna, indicando que o perpetrador
tenha tipo traumas na infância ou juventude com seu pai.

Esses vínculos poderão ser de nível geográfico, quando


residirem na mesma casa, rua ou no mesmo bairro. Poderão ser
de nível laboral, quando trabalharem no mesmo setor, na mesma
empresa ou repartição. Poderão ser nas rotinas diárias, quando
transitarem pelo mesmo caminho nos mesmos horários.

63 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


VITIMOLOGIA FORENSE
Ao compreendermos o estudo da vitimologia forense, poderemos
torná-la uma ferramenta poderosa na investigação do crime
de estupro, em especial naqueles casos em que o autor é um
desconhecido da vítima, ajudando a contextualizar o crime e
revelando as circunstâncias em que ocorreu o ato delitivo.

Ao procurar conhecer o modo de vida e os hábitos da vítima, o


investigador terá algumas informações. Vamos identificá-las
a seguir.

Pessoas
Meios
próximas

Figura 5:
Investigações na Como
vitimologia forense. manteve
Tempo e lugar
Fonte: labSEAD- o controle da
UFSC (2019). vítima

Identificando as pessoas próximas à vítima, o investigador


poderá relacionar as pessoas que tinham acesso a ela
antes da execução do crime, bem como os meios de acesso
possíveis do agressor à vítima, ao tempo, ao lugar e às
estratégias de controle do infrator sobre a vítima.

Essas são informações que poderão ajudar a apontar


caminhos ao investigador, além de criar filtros para grupos de
suspeitos. Para isso, veremos a seguir os objetivos da técnica
da vitimologia forense e como utilizá-la.

Objetivos da vitimologia forense


No processo de explicação da conduta criminal do agressor
ao executar o crime, a vitimologia coloca a vítima no contexto
delituoso, levantando a questão quanto ao seu papel na
esfera individual e na inter-relação com o criminoso, ainda que
eventual e involuntária.

64 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


A vitimologia forense busca auxiliar a investigação
criminal de estupro elaborando um desenho
preciso e objetivo do estilo de vida da vítima,
apontando as circunstâncias em que ela foi
envolvida no ato criminoso.

Quando o investigador busca as razões que levaram o criminoso


a escolher determinada vítima para praticar o crime de estupro,
ele parte do ponto ideal para iniciar a investigação, ou seja,
os vínculos entre vítima e suspeito. No entanto, ele poderá
descobrir que as razões foram as mais variadas possíveis, e
algumas até fora de qualquer padrão de racionalidade.

A vitimologia forense tem alguns objetivos, que podemos ver


na imagem posterior.

Contextualizar
relação vítima-
agressor

Determinar
Definir grupo VITIMOLOGIA a origem da
de suspeitos FORENSE perigosidade da
vida da vítima
Figura 6: Objetivos
da vitimologia
forense.
Fonte: Holmes e
Holmes (2008 apud Determinar
KONVALINA-SIMAS, origem
perigosidade
1996), adaptado pessoal e
por labSEAD-UFSC ambiental
(2019).

Stephen Schaefer (1968 apud KONVALINA-SIMAS, 2014)


concorda com a visão de Von Hentig acerca do papel da vítima
no processo de criminalização. Entretanto, buscou ir mais
além, dizendo que a vítima tem um papel funcional, referindo-
se à corrente filosófica do funcionalismo, que procura explicar
fenômenos da sociedade pelo aspecto das suas funções.

65 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Para essa corrente de pensamento, cada instituição social
(igreja, família, instituições estatais como escolas, unidades
policiais e de saúde, entre outras) tem uma função específica
na sociedade, e quando isso não funciona bem há um
desregramento dessa sociedade.

Para a vitimologia, na apuração do crime, por mais


desafiante que seja, o investigador deverá sempre
considerar o aspecto interacionista da vítima, sua
capacidade de influir na ocorrência do fato, ainda
que de forma involuntária.

Nesse aspecto, a sociedade funciona como um sistema complexo,


cujos elementos de formação trabalham juntos na manutenção
da solidariedade e da estabilidade. No entanto, esses elementos
formadores da sociedade, que são as normas, os costumes, as
tradições e as instituições, são compostos de individualidades
muito mais complexas que são os seres humanos. São eles que
materializam o processo da funcionalidade social.

A teoria da atividade de rotina


Fundamentando-se no pensamento de que a sociedade funciona
como um sistema complexo, Lawrence Cohen e Marcus Felson
desenvolveram a teoria da atividade de rotina, que é uma maneira
de compreender como os delitos praticados em determinado
local se relacionam muito mais com fatores e condições
ambientais do que com possíveis motivações criminosas.

Esses fatores contribuem para o aumento do número de


vítimas, ou, ainda, para a diminuição de eventuais vigilantes
que poderiam prevenir ou simplesmente advertir sobre a
possibilidade de ocorrências.

66 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Figura 7: O
ambiente como
maior influenciador
para o crime.
Fonte: Shutterstock
(2019).

A teoria da atividade de rotina examina a ocorrência de


certos fatores com predisposição ao cometimento de um
delito e ensina que, para que ocorra um crime predatório, há a
necessidade da convergência, no espaço e no tempo, de três
elementos essenciais. Vamos vê-los na imagem a seguir.

AMBIENTE
ALVO PROPÍCIO:
VULNERÁVEL AUSÊNCIA DE AUTOR
E ACESSÍVEL VIGILANTE MOTIVADO
EFETIVO

Figura 8: As
relações para
ocorrência de um
ato delituoso.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
CRIME

67 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O alvo vulnerável e acessível pode ser um objeto, pessoa
ou lugar. O ambiente propício diz respeito a um local com
ausência de agente de segurança pública. O autor motivado é
um potencial delinquente, que pode aproveitar o ambiente com
as condições propícias para executar o crime.

Assim, de acordo com Stephen Schaefer (1968), a necessidade


das atividades sociais presentes na rotina da vítima pode
resultar em situações que a deixem vulnerável.

A VITIMOLOGIA FORENSE E A
INVESTIGAÇÃO MULTIDISCIPLINAR
Como apresentamos anteriormente, a vitimologia forense tem
importância fundamental para a investigação do crime de
estupro, pois aponta padrões de conduta para a definição de
grupos de suspeitos de autoria dos crimes.

Esses padrões surgem no momento em que a investigação


consegue estabelecer relação entre os principais elementos
envolvidos no evento criminoso. Vejamos eles na imagem
a seguir.

LOCAL DO
CRIME

PAPEL DA
Figura 9: O papel INVESTIGAÇÃO
da investigação
criminal.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019). SUSPEITO VÍTIMA

68 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O principal objetivo da investigação criminal é construir uma
ponte entre esses personagens para que possa responder
às questões que confirmarão a existência de um crime e das
circunstâncias em que ocorreu.

No caso do crime de estupro, pelas suas características, em


regra, os vestígios das provas serão colhidos a partir da vítima,
analisados e interpretados cientificamente para que possam
sustentar um futuro processo.

A vitimologia forense, com sua multidisciplinaridade, vale-


se do conhecimento de diversos profissionais na análise e
interpretação dos vestígios que poderão estar relacionados a
uma ou várias vítimas. A equipe deverá ser formada por um
grupo multidisciplinar de profissionais.

Figura 10: A
multidisciplinaridade
é imprescindível na
vitimologia forense.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Os profissionais da vitimologia forense auxiliam as


investigações e poderão participar do processo penal
elaborando relatórios, pareceres ou prestando depoimentos,
com a finalidade de cumprir os seguintes objetivos:

O cientista social analisará as relações entre a vítima e o


infrator. O investigador policial procurará vestígios nos meios
de comunicações da vítima, nas suas redes sociais, ou até
na sua lata de lixo – onde poderá encontrar informações

69 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


importantes, como cartões de visita e pequenas anotações
com nomes e números de telefones. Ou, ainda, elaborar uma
lista de amigos com familiares. O psiquiatra e o psicólogo
poderão fazer uma avaliação da saúde mental. O médico
legista, buscando novas evidências e/ou complementando os
exames feitos pelo perito criminal, fará exames para indicar
as possíveis lesões produzidas na vítima e recolher vestígios
biológicos por ventura existentes para exames laboratoriais.

Ajudar a confirmar ou a refutar as


 alegações de vitimização.


Assistir no estabelecimento da natureza da
 exposição da vítima e que influência operou
sobre o processo de vitimização.

Auxiliar na identificação e análise da


 motivação e do modus operandi do infrator.

Figura 11: Objetivos


da investigação


Ajudar a estabelecer uma lista de suspeitos
para investigação.
multidisciplinar na
vitimologia forense.
Fonte: Petherick
(2005 apud
KONVALINA-SIMAS, Articular com a investigação de casos
2014), adaptado
por labSEAD-UFSC
 não resolvidos.
(2019).

Por uma questão de economicidade, a equipe do grupo de


vitimologistas deverá ser formada por servidores existentes
nas carreiras policiais de investigação, como investigadores,
peritos e legistas especialistas nos conhecimentos
necessários, com o apoio de outros profissionais da
própria organização com formação em áreas afins, como
enfermagem, psicologia, assistência social etc.

70 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Aula 3 – Análise Vitimológica

CONTEXTUALIZANDO...
A utilização da análise vitimológica nas investigações
de crime de estupro requer que a vítima seja vista como
elemento do crime. Voltar a atenção para a vítima e suas
condições promove, para a investigação, uma série de
informações necessárias e importantes para o delineamento
da investigação e, por isso, ela não pode ser idealizada, nem
mesmo ignorada. Por isso, nesta aula, levantaremos dois
fatores que podem prejudicar nas investigações do crime e do
criminoso: a deificação e a vilificação da vítima.

FATORES VINCULADOS À VÍTIMA


A análise vitimológica pesquisa fatores vinculados às
circunstâncias pessoais da vítima, como os ambientes
de vivência familiar e social, assim como os aspectos
biopsicossociais, procurando indicadores da personalidade da
vítima. Todas essas variáveis ajudam a conhecer as condições
pessoais da vítima como agente passivo de uma ação delituosa.

Figura 12: A análise


vitimológica
como eixo de
investigação do
crime. Fonte:
Shutterstock (2019).

71 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Neste sentido, você pode pensar: “voltar as atenções para a
conduta da vítima não é reforçar a cultura discriminatória dela
nesse tipo de crime?”

Na verdade, para a vitimologia, esse é um processo facilitador,


pois promove a indicação de circunstâncias que ajudarão
a identificar o grau de risco do momento de encontro entre
vítima e agressor, e o nível de exposição situacional de ambos.

Nesse processo ainda poderão ser consideradas outras


variáveis, conforme os itens a seguir:

• Hora da ocorrência: A hora em que ocorreu o delito poderá


ter relevância para determinadas atividades ou quanto à
circulação de pessoas pelo cenário.

• Local da ocorrência: O local onde ocorreu o delito é um dos


fatores mais determinantes quanto à exposição situacional
dos atores do crime. Em alguns ambientes poderá ocorrer
maior prática delituosa, facilitando o isolamento da vítima
ou a impedindo de pedir ajuda.

• Número de pessoas: Geralmente, indivíduos em grupo


tendem a correr menos risco do que individualmente.
Há também grupos que apresentam comportamento de
risco que envolve as pessoas individualmente.

• Uso e abuso de álcool e outras drogas: A utilização


de substâncias entorpecentes e/ou alcoólica pode
diminuir o tempo de reação ou alterar a capacidade de
percepção do indivíduo, levando-o a subestimar ou avaliar
inadequadamente o risco de um ambiente.

O indicador referente ao número de pessoa, conforme vimos


na imagem anterior, pode ser representado pela ação rotineira
de um grupo, que pode gerar o risco de que um indivíduo
sozinho não teria, como o envolvimento em uma rixa com
a torcida adversária. Segundo a autora, essas variáveis

72 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


aumentam significativamente o risco situacional, mesmo em
pessoas que são menos suscetíveis à vitimização.

Vamos compreender os aspectos avaliados pelo investigador


na análise vitimológica.

PROCESSOS PSICOLÓGICOS
PREJUDICIAIS À INVESTIGAÇÃO
Na investigação de estupro, o investigador deve ficar atento a
dois processos psicológicos inerentes ao exame vitimológico
que poderão resultar em grave prejuízo para a apuração:
deificação e vilificação da vítima.
Figura 13: Extremos
como deificação
e vilificação
prejudicam
o processo
investigativo.
Fonte: Petherick
DEIFICAÇÃO VILIFICAÇÃO
e Turvey (2008
apud KONVALINA-
SIMAS, 2014, p.
193), adaptado por
labSEAD-UFSC
(2019). A deificação e a vilificação são duas maneiras extremas de
olhar para a vítima que poderão impedir uma análise crítica
de pistas sugeridas, impossibilitando a detecção de indícios
que apontem para a real condição da vítima e do agressor
no contexto da ação delituosa. Acompanhamos a seguir a
explicação detalhada de cada uma delas.

Deificação da vítima
Durante uma investigação, pela análise vitimológica, o
investigador precisa reconhecer a vítima como elemento da
investigação criminal. Assim sendo, a deificação se torna um
fenômeno que atrapalha o percurso da investigação, visto que
ocorre quando a vítima é vista de uma maneira idealizada.

A deificação da vítima se materializa no processo de


idealizá-la como inocente ou virtuosa.

73 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Imagine casos que envolvam o desaparecimento de crianças ou
adolescentes em que seus pais também acabam se tornando
vítimas. Nesse contexto, de maneira geral, idealiza-se que
os pais sejam inocentes, esquecendo-se do fato de que eles
mesmos podem ter praticado o crime de desaparecimento.

Podemos perceber que, ao idealizarmos as vítimas como


inocentes, podemos influenciar negativamente o processo de
investigação, no qual uma parte importante a ser investigada
pode ser descartada pela suposição e pensamento de idealização.

Figura 14:
Pensamento
de idealização
(deificação) da
vítima. Fonte:
labSEAD-UFSC
(2019).

Esse processo pode levar a uma análise vitimológica incompleta,


eliminando suspeitos viáveis, permitindo a dissimulação de
membros da família, amigos e outros envolvidos, que contamina o
processo investigativo com informações distorcidas da realidade.

74 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Vale considerarmos que existem casos em que a vítima
falseia fatos relevantes, a fim de excluir da investigação
pessoas próximas, familiares ou amigos. É comum
encontrarmos esse tipo de depoimento em casos de
violência no ambiente doméstico, em que a vítima acaba por
falsear a verdade com intuito de livrar o próprio agressor da
investigação (seu marido ou companheiro, por exemplo).

Vilificação da vítima
Ao contrário da deificação da vítima, a vilificação se
caracteriza pelo risco de que a vítima seja considerada pouco
importante ou até mesmo desconsiderada para o caso.
Por essa razão, é inadmissível que, por qualquer razão o
investigador negligencie a versão dos fatos.

Primordialmente em casos de crimes sexuais, é extremamente


relevante que a equipe investigativa ouça a declaração da vítima.

Detalhes do modus operandi, eventuais assinaturas,


características físicas do perpetrador, inclusive um retrato
falado, são exemplos de elementos que, via de regra, são
extraíveis apenas das declarações da vítima.

É inadmissível que, por qualquer razão, como


crença, etnia, sexo, orientação sexual ou estilo de
vida, a exemplo de um estupro consumado contra
uma prostituta, o investigador negligencie a
versão dos fatos.

Isso pode ocorrer em crimes praticados contra pessoas


de determinada crença, etnia, sexo, orientação sexual ou
estilo de vida que desvie do que se estabeleceu como
“padrão normal” na sociedade.

Os fatores pré-julgados poderão prejudicar na avaliação do


grau de gravidade do crime (maior ou menor), decorrendo de

75 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


valores subjetivos do próprio investigador ou da comunidade
onde a vítima está inserida.

Figura 15:
Vilificação da
vítima.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Isso quer dizer que valorações podem depender do valor


social dado ao indivíduo com determinada característica
e que, por conta do preconceito, acabam gerando assim
“apatia investigativa”. Alguns exemplos de vilificação são os
crimes praticados contra traficantes, prostitutas, religiosos
extremistas, gays, lésbicas, transexuais, negros, imigrantes etc.

Na próxima aula, você estudará a avaliação do grau de risco


que envolve vítima e infrator na relação com o contexto do
evento criminoso.

76 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Aula 4 – Avaliação do Risco

CONTEXTUALIZANDO...
Nesta aula, vamos apresentar aspectos da avaliação de risco
para a vitimologia forense. Este estudo visa compreender as
ações da vítima, procurando determinar em que momento
o agressor entrou em contato com ela. Ao procurar avaliar
o grau de risco da vítima e do infrator, você e sua equipe de
investigação deverão considerar variáveis vinculadas ao estilo
de vida dessas pessoas, como circunstâncias, hábitos ou
atividades que as expõem a situações lesivas.

AVALIAÇÃO DO GRAU DE RISCO DA VÍTIMA


O estudo da avaliação de risco no profiling criminal diz
respeito à avaliação do grau de exposição da vítima e da
exposição situacional do infrator. A exposição situacional
do infrator, baseada em elementos subjetivos, tem
correspondência com a exposição situacional da vítima no
que diz respeito às variáveis consideradas.

A avaliação do risco se trata de uma interação entre a


exposição da vítima e a exposição situacional do infrator, que
consiste no risco de este ser identificado e preso. Portanto,
quanto maior a exposição da vítima (exemplo: mulher,
sozinha, em uma rua erma), aliada ao baixo risco situacional
do infrator (no mesmo exemplo, baixíssima a hipótese de ser
visto, identificado e preso), maior o risco do encontro e da
consumação de um estupro.

Avaliação
Grau de Risco Grau de
de risco de
risco vítima situacional risco infrator
encontro

Figura 16: A avaliação de risco de contato entre agressor e vítima.


Fonte: Konvalina-Simas (2014), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

77 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O grau de risco da vítima está relacionado ao grau de exposição
dela a elementos que poderão prejudicá-la, considerando o ponto
de vista do investigador. Trata-se, portanto de uma dimensão
subjetiva que, necessariamente, não corresponde ao ponto de
vista da vítima . Vamos compreender com a ilustração a seguir.

Figura 17: O grau


de risco de contato Grau de
entre agressor e Grau de Avaliação
exposição
vítima. exposição de risco
Fonte: labSEAD- situacional
UFSC (2019).

Como falamos anteriormente, na avaliação do grau de risco


da vítima, é necessário que o investigador considere o grau
de exposição associado ao estilo de vida que a vítima possui,
considerando circunstâncias e condutas decorrentes desse
estilo. Por exemplo, no caso do crime de estupro, pessoas que
transitam por lugares escuros sozinhas no período noturno.

O grau de exposição ao risco pela vítima


O grau de exposição ao risco aumenta de acordo com o
contato da vítima com situações da vida que a colocam em
risco de lesão e/ou danos pessoais. Embora não haja uma
quantificação objetiva desse risco, é possível termos uma
ideia do quão vulnerável uma pessoa está em relação a uma
situação de perigo.

Há três níveis de exposição ao risco. Vejamos na figura a seguir


a descrição de cada um.

78 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Figura 18: Níveis
de exposição
ao risco. Fonte:
labSEAD-UFSC ALTO RISCO
(2019). Encontram-se neste grupo pessoas que estão mais expostas
a situações de vulnerabilidade, violências, menor segurança
de vida (pessoal, profissional e/ou emocional. Estão expostas
a riscos de lesão e/ou danos pessoais e/ou materiais.

MÉDIO RISCO
Encontram-se neste grupo pessoas que estão expostas às
situações de risco de lesão e/ou danos pessoais e/ou materiais
com maior frequência - embora não seja a rotina diária.

BAIXO RISCO
Encontram-se neste grupo pessoas que possuem maior segurança de vida,
seja pessoal, profissional ou emocional. Muito raramente envolvem-se em
situações de grandes riscos de lesão e/ou danos pessoais e/ou materiais.

O risco decorrente da sua exposição situacional, ou seja, do


grau de sua exposição a elementos perigosos decorrentes das
características pessoais e do ambiente no momento do crime
também é submetido em relação ao estilo de vida da vítima.

Esse risco diz respeito às características pessoais da


vítima. Sob essa análise, é preciso ter em mente que, ao
lidar com aspectos pessoais de uma pessoa, devemos
ter bastante cuidado para não inferir julgamentos morais
acerca das escolhas dela.

Risco do estilo de vida da vítima e situacional


Ao compreendermos o estilo de vida da vítima, poderemos
deduzir quem é a pessoa em questão e como é o seu
relacionamento diário com os riscos existentes nos ambientes
onde vive. Há algumas características da vítima que

79 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


potencializam a exposição ao risco. Vejamos a seguir alguns
exemplos de estilo de vida de vítimas de estupro segundo
Konvalina-Simas (2014).

• Ansiedade.
• Abuso de substâncias psicoativas.
• Fobias e medos inexplicáveis.
• Problemas com intimidade e espaço pessoal.
• Pessimismo.

Figura 19: Grau de


risco do encontro
entre vítima e
agressor. Fonte:
Shutterstock (2019).

Esses fatores apresentados tendem a produzir os fatores


que potencializam a exposição situacional da vítima, sem
mesmo que ela perceba. Dessa maneira, os agressores
observam os aspectos com um olhar de oportunidade e
cometem a prática do crime.

O grau de exposição ao risco pelo infrator


O grau de exposição ao risco por parte do infrator diz
respeito ao risco de ele ser identificado e de ser preso no
momento da prática do crime.

Esse risco poderá ser medido por meio do modus operandi


e da exposição situacional do infrator. Nesse caso, essas
duas variáveis também são definidas a partir do ponto de

80 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


vista do investigador, e não do infrator, sendo, portanto, de
cunho subjetivo, já que depende de uma avaliação pessoal
do investigador ao uso do método interpretativo dos fatos
(dedutivo, indutivo, hipotético).

Ao analisar o risco situacional do infrator, a vitimologia forense


busca determinar os obstáculos que ele considerou para
alcançar determinada vítima, e como planejou superar esses
obstáculos para não ser identificado e preso.

Risco do modus operandi


O risco do modus operandi diz respeito ao risco que o infrator
correu de ser identificado e preso no momento em que colocou
em prática sua estratégia para executar o crime.

Os elementos utilizados para medir essa modalidade de risco são:

• A determinação ou a motivação.
• A qualidade do planejamento e as medidas de defesa que
previu para colocar em ação, caso surgisse a possibilidade
de ser preso durante a prática criminosa.

O planejamento é um fator indispensável para o processo


investigação criminal, como você já deve ter percebido. O mesmo
processo se aplica para o infrator, e é preciso considerar que ele
também possui um planejamento definido para realizar sua ação
delituosa, pois estará sempre preocupado em correr o menor
risco de ser descoberto e preso, principalmente em flagrante.

Motivação

Figura 20: Aspectos


subjetivos de
avaliação de risco
sob o ponto de vista
do infrator. Fonte: Fuga Planejamento
labSEAD-UFSC
(2019).

81 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


O infrator sabe que o sucesso da sua ação depende do
grau de sofisticação das medidas preventivas que ele
adotará para não ser surpreendido durante a prática. Para
reduzir esse risco, ele dedica algum tempo a um mínimo de
planejamento das suas ações.

O que determina o nível de preocupação do infrator com


o planejamento da ação delituosa é a percepção que ele
tem do grau de exposição. Apurar o grau de exposição do
modus operandi do infrator permitirá à investigação ter
uma visão do que ele teria considerado como elemento de
risco para sua ação delituosa, bem como avaliar o grau de
competência necessário para que ele executasse seu plano e
as contramedidas forenses que teria considerado.

Há dois tipos de riscos relacionados com o modus operandi.


São eles:

Modus operandi de baixo risco – decorre do elevado grau de


sofisticação do planejamento feito pelo infrator. Ele preocupa-
se com a boa qualidade do planejamento que garantirá
eficiência e efetividade ao ato criminoso, dando-lhe maior
destreza antes, durante e depois do delito.

Modus operandi de alto risco – decorre do reduzido grau de


sofisticação do planejamento feito pelo infrator. O infrator
tem pouca ou nenhuma preocupação com a qualidade do
planejamento, ficando sem garantias da eficiência e eficácia
da prática delituosa e com pouca ou nenhuma segurança no
controle do risco de antes, durante e depois do delito.

Na próxima aula serão estudados os modelos de análise


vitimológica forense.

82 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Aula 5 – Modelos de Análise Vitimológica
Forense

CONTEXTUALIZANDO...
Nesta aula, explicaremos de maneira mais objetiva como são
os modelos de análise vitimológica pela análise forense e o
procedimento de construção da linha temporal das 24 horas
que antecedem o crime. Esses conhecimentos serão de grande
valor no momento do seu planejamento investigativo e, por isso,
contamos com uma reflexão final acerca da vitimologia forense
e do processo científico discutido no decorrer das aulas.

CHECKLIST VITIMOLÓGICO
Conforme dito no primeiro módulo deste curso, é necessária
a investigação da vida da vítima de estupro. Por isso, é
importante que o investigador, num primeiro momento,
obtenha informações fundamentais sobre a vítima, em
especial aquelas que sobrevivem ao crime, pois, na maioria
das vezes, sua história de vida é o único repositório de
informações disponíveis sobre o autor.

Daí a necessidade de que faça uma espécie de checklist


vitimológico preliminar com informações que poderão ser
fornecidas pela própria vítima ou parentes. Veja o modelo a seguir.

83 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Data da Ocorrência:

Tipo da Ocorrência:

Nome da Vítima:

Selecione Sim ou Não para as perguntas SIM NÃO

Conhecia o seu agressor?


Obs:

Suspeita de alguém? Por quê?


Obs:

Tem antecedentes criminais? Quais?


Obs:

Figura 21: Checklist


vitimológico Outras observações importantes para a apuração do crime de estupro
– modelo 1.
Fonte: Weston
e Wells (1974
apud KONALINA-
SIMAS, 2014, p.
200), adaptado por
labSEAD-UFSC
(2019).

Vejamos, a seguir, outro modelo de análise vitimológica que a


equipe de investigação pode aplicar para o estupro.

84 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


1. Determinar as características físicas da vítima (raça, idade,
peso, altura, cor do cabelo, cor dos olhos etc.).

2. Determinar a principal ocupação da vítima, local e horário


de trabalho.

3. Compilar uma lista de atividades rotineiras da vítima.

4. Compilar uma lista de todos os membros da família da


vítima, contatá-los e entrevistá-los.

5. Compilar uma lista de todos os amigos e companheiros(as)


atuais e passados da vítima, contatá-los e entrevistá-los.

6. Compilar uma lista de todos os colegas de trabalho da


vítima, contatá-los e entrevistá-los.

7. Apurar a formação e história da carreira profissional da vítima.

8. Apurar a história de convivência da vítima, com quem vive


ou viveu, onde e quando.

9. Se possível, passar algum tempo com os objetos pessoais


da vítima (álbuns, diários, revistas, computador, celular, CDs,
livros, pen drives, redes sociais, páginas eletrônicas etc.) e nos
seus ambientes habituais de convivência ou solidão (escola,
trabalho, lazer, igreja, casa, quarto etc.).

Observar e analisar cada detalhe dos objetos e ambientes,


procurando compreender quem a vítima acredita ser, o que
pretende que os outros vejam e como se sentia (sente) em
relação à sua vida em geral.

85 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


10. Compilar todas as informações disponíveis sobre seu
celular, computador, uso da internet, para conhecer:

• Empresa de telecomunicação utilizada.


• Endereço eletrônico da vítima.
• Os contatos na lista de endereço da vítima.
• Os e-mails encaminhados e recebidos.
• Todos os documentos nos arquivos eletrônicos da vítima.
• A última vez em que a vítima utilizou o computador e celular
e com qual finalidade.

11. Criar a linha do tempo das últimas atividades da vítima,


conhecidas e confirmadas por ela, testemunhas e evidências
físicas.
Figura 22: Checklist
vitimológico – 12. Repetir o último trajeto da vítima.
modelo 2. Fonte:
Turvey (2009 apud
KONALINA-SIMAS, 13. Identificar possíveis fontes de informação durante a
2014), adaptado
por labSEAD-UFSC execução do trajeto da vítima.
(2019).

A partir da análise do cruzamento das informações colhidas


no contexto vivencial da vítima com as provas matérias e
testemunhais, é possível enxergar padrões de conduta que
indicarão possíveis suspeitos.

A seguir apresentaremos mais detalhes sobre como criar a


linha do tempo das últimas atividades da vítima, por se tratar
de uma técnica mais robusta.

LINHA TEMPORAL DAS ÚLTIMAS 24 HORAS


A linha temporal das últimas 24 horas da vítima possibilita à
equipe de investigação saber a dinâmica dela nesse período,
como ela chegou ao local e o processo de abordagem
desenvolvido pelo infrator. É preciso que a equipe de
investigação determine, cronologicamente, as últimas ações
da vítima antes do evento.

86 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Casa Casa
Universidade Estágio
0h às 7h30 19h às 7h30 do
8h às 12h 13h às 18h dia seguinte

Figura 23: Linha do tempo. Fonte: Petherick e Turvey (2008 apud KONALINA-
SIMAS, 2014, p. 200), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).

Essa é a possibilidade de a equipe compreender quem é a


vítima, como é seu relacionamento com as pessoas e com
o ambiente à sua volta, com as situações da sua vida e,
principalmente, como ela foi atraída pelo infrator.

É importante compreender que esses


procedimentos de investigação poderão ser
aplicados tanto para o caso em que ocorreu a morte
da vítima como para aquele em que ela sobreviveu.

A linha temporal proposta envolve as últimas 24 horas da


vida da vítima antes do evento. Por meio dela, poderão ser
encontradas informações fundamentais para a apuração
do delito. Sugerimos que você siga o seguinte método de
desenvolvimento da construção da linha do tempo, sugerido
pelos autores referidos até o momento:

87 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Compilação
Investigação Investigação Investigação Imagens da
dos dados    
cartorária pericial testemunhal cena do crime
comprovados

Elaboração Todos os locais de crime


da linha 
(imediato, mediato e
cronológica relacionado)

Elaboração 
Trajeto da vítima nas
do mapa últimas 24 horas

Percorrer o Registrar Atividades sociais


trajeto com 
elementos

antes e depois da
o mapa ambientais ocorrência

Figura 24: Processo de construção linha temporal. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Podemos observar que o objetivo da análise temporal


das últimas 24 horas da vítima até a ocorrência é criar
a possibilidade de contextualizar em relação ao tempo,
o ambiente e as circunstâncias que envolveram as
manifestações do infrator e da vítima quanto aos elementos
volitivos e situação de risco.

Vejamos como ocorre essa contextualização.

• O momento em que o infrator abordou a vítima.


• O local onde a vítima foi atacada pelo infrator.
• A visibilidade do local do evento por quem estava em local
circundante.
• Se o infrator tinha conhecimento das condições de acesso e
visibilidade do local do crime.
• Se o infrator dependia de fatores como horário e rotina para
fazer a abordagem da vítima.

88 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


• Se, para conhecimento do trajeto da vítima, o infrator
dependia de um período de vigilância.
• O tipo de risco que o trajeto expunha a vítima.
• O tipo de risco que o local da abordagem colocava para o
infrator.

Lembre-se de que foi falado no primeiro módulo sobre os


cuidados que a investigação deve ter para não revitimizar a
vítima de estupro, cujo status é de baixa estima social pelos
preconceitos que lhes são impostos.

Nesse contexto, surge a dificuldade de lidar com o tema, tanto


na fase de investigação criminal como na fase processual.
A preocupação com a aplicação da pesquisa vitimológica
é de que a vítima possa ser analisada e percebida de forma
negativa, e isso venha a prejudicá-la ainda mais.

Conforme sugerido em aula anterior, a análise vitimológica


evitará contradições e becos sem saída, pois permite uma
análise científica detalhada sobre todos os aspectos da
vida da vítima, com postura imparcial e objetiva, e procura
estabelecer a natureza da relação agressor-vítima-cena do
crime. Vejamos a seguir o método científico relacionado com
a investigação criminológica.

Observação
Identificar
problemas,
padrões, objetivos.

Aceitar ou rejeitar Hipótese


Figura 25: O hipóteses Criar hipóteses
método científico sobre o fenômeno
e a investigação observado.
criminológica.
Fonte: Konvalina-
Simas (2014),
adaptado por
labSEAD-UFSC Análise de resultados Experimentação
(2019). Possui comprovação Testar e coletar
científica? dados.

89 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


É impossível para a equipe de investigação abster-se da análise
da história de vida da vítima, tendo em vista seu significado para
a compreensão e explicação do evento criminoso.

A equipe não pode negligenciar a coleta e a análise


de quaisquer informações que possam ser colhidas
em relação à história da vítima. Mesmo não sendo
possível abranger toda a complexidade dessa
história, qualquer informação conhecida deverá
ser considerada, pois auxiliará na decisão de
aceitar ou refutar as alegações da vítima e a abrir
caminhos para a autoria.

O objetivo da vitimologia forense não é acusar, nem


defender a vítima, mas, segundo ensina Konvalina-Simas
(2014), descrevê-la de forma objetiva, deixando de lado os
estereótipos, de forma que o julgador compreenda a dinâmica
da vitimização, da conduta do infrator e do próprio crime.

90 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


Referências
GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte geral. 17 ed. rev. amp.
atualiz. São Paulo: Impetus, 2015. vol 1.

KONVALINA-SIMAS, T. Profiling criminal: introdução à análise


comportamental no contexto investigativo. 2. ed. Cascais: Reis
dos Livros, 2014.

MENDELSOHN, B. Vitimologia: ciência atual. [S.l.: s.n.],1956.

MIRABETE, J. F.; FABBRINI, R. N. Manual de Direito Penal: Parte


Geral. 3 ed. rev. atualiz. São Paulo: Atlas, 2015.

POPPER, K. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix,


1971.

PEREIRA, E. S. O profiling como expressão do paradigma


indiciário. Campina Grande: UEPB, 2011. Disponível em: http://
dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/287/1/
PDF%20-%20Ec%C3%ADlia%20Silva%20Pereira.pdf. Acesso
em: 16 jan. 2018.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 6 dez. 2019.

SILVA, J. A. da S. Análise criminal: teoria e prática. Salvador:


Artpoesia, 2015.

SUMARIVA, P. Criminologia, teoria e prática. Niterói: Impetus,


2015.

TURVEY, B. E. Criminal Profiling: an introduction to behavioral


Science alalysis. Boston: Elsevier Academic Press, 2009.

91 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório
da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 6 dez. 2019 .

ZBINDEN, K. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


editora Lisboa, 1957.

92 • Módulo 2 Perfil do Criminoso e Análise Vitimológica


MÓDULO 3

PROFILING
GEOGRÁFICO

93 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Apresentação

Anteriormente neste curso você estudou sobre a análise das


informações advindas do comportamento do criminoso e da
análise vitimológica. Neste módulo, você estudará o profiling
geográfico.

O profiling geográfico é uma das técnicas mais utilizadas


nas ciências criminais que auxiliam a investigação criminal
na busca da prova aplicando métodos e técnicas da
criminologia ambiental. Nesse contexto, você aprenderá
sobre a importância do contorno ambiental que envolve os
personagens do crime de estupro e o contexto geográfico da
cena na apuração da prova do estupro.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Definir criminologia e profiling geográfico, compreender os
pressupostos teóricos aplicados à técnica profiling geográfico,
enumerar os princípios da criminologia ambiental aplicados
à técnica profiling geográfico e reconhecer a importância da
aplicação desta técnica na investigação do crime de estupro.

ESTRUTURA DO MÓDULO
Este módulo compreende as seguintes aulas:

• Aula 1 – Profiling Geográfico.


• Aula 2 – Algumas Teorias Aplicadas à Técnica Profiling
Geográfico.
• Aula 3 – Princípios da Criminologia Ambiental Aplicados à
Técnica Profiling Geográfico.
• Aula 4 – Aspectos Importantes da Aplicação da Técnica
Profiling Geográfico.

94 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Aula 1 – Profiling Geográfico

CONTEXTUALIZANDO...
Nesta aula buscaremos retomar alguns aspectos teóricos da
criminologia que serão aplicados objetivamente na técnica
de profiling geográfico para apuração de crimes. A técnica
em questão é entendida como uma ciência que identifica o
crime com foco no infrator, na vítima, no controle social e
no próprio crime. Desse modo, poderemos compreender a
multidisciplinaridade que envolve a técnica e os componentes
que caracterizam seu conceito.

ASPECTOS CONCEITUAIS
Antes de iniciarmos os estudos deste módulo, primeiramente
precisamos entender alguns conceitos importantes. Nesse
sentido, você sabe o que é a criminologia?

Na Prática
Se você fosse definir a criminologia em termos objetivos, de que

 forma faria? Pense um pouco antes de continuar a leitura. Se for


possível, faça anotações sobre o que você tem de compreensão
atual sobre o termo.

A criminologia é uma ciência consolidada em um


conhecimento multidisciplinar que compreende o fenômeno
do crime no que diz respeito à definição, interpretação e
causas, tendo como foco o próprio crime, o infrator, a vítima e
o controle social.

Como controle social podemos entender o policiamento, a


investigação criminal, o processo penal e o sistema penal,
além dos controles informais feitos pela própria sociedade.

95 • Módulo 3 Profiling Geográfico


CRIME INFRATOR
Figura 1:
Criminologia
investiga as CRIMINOLOGIA

relações entre
crime, infrator,
vítima e controle CONTROLE VÍTIMA
social. Fonte: SOCIAL
labSEAD-UFSC
(2019).

Podemos perceber que não se trata de uma ciência meramente


comportamental, mas uma ciência aplicada ao controle social
que recebe contribuição das mais variadas áreas, entre elas a
biologia, a antropologia, a filosofia, a medicina, a psiquiatria,
a psicologia, a economia, o direito, entre muitas outras
(RECKLESS, 1955 apud KONVALINA-SIMAS, 2014).

Considerando sua abrangência, a criminologia procura estudar


o crime, interpretá-lo e explicá-lo por meio da análise de
todos os fatores que poderão contribuir para sua prática. Um
dos modos de olhar do criminólogo, na tentativa de explicar
o crime, é voltar-se para o ambiente em que ele acontece.


Desse modo, essa abordagem recebe a subdenominação de
criminologia ambiental com a seguinte definição:

O estudo científico dos padrões espaciais do crime,


das percepções e espaços conscientes dos potenciais
criminosos, dos padrões de mobilidade espacial e do
processo de seleção de alvos e decisão de cometer o

crime (KONVALINAS-SIMAS, 2014, p. 79).

A criminologia ambiental é o que dá origem à necessidade de


uso da técnica profiling geográfico, cujo pressuposto é de que
a localização dos crimes possibilita ao investigador concluir
sobre as áreas em que o infrator reside, trabalha ou se diverte.

96 • Módulo 3 Profiling Geográfico


 

Figura 2: A
compreensão RESIDÊNCIA LAZER
geográfica do
crime pela relação
espacial entre as
cenas do crime.
 
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
TRABALHO LAZER

Segundo Rossmo (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014),


a proposta dessa técnica é a previsão do comportamento
espacial do infrator a partir dos locais onde ocorre o crime e da
relação espacial entre diferentes cenas de crime.

Diante disso, podemos entender que o propósito


da abordagem é apontar os prováveis locais
de convivência rotineira do infrator a partir de
informações deixadas nos locais de crime.

Esse tipo de perfil de abordagem tem como principal


fundamento a teoria de que o crime não ocorre de forma
aleatória, pois tanto a personalidade quanto a vida
pessoal do infrator são refletidos em padrões especiais de
comportamento evidenciados no ambiente do crime, segundo
ensina Wilson (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014).

A principal preocupação do criminólogo ambiental é responder


“onde” e “quando” ocorreu a prática criminosa, fundado na
ampliação do princípio da troca de Locard (todo contato deixa
uma marca), que diz que o indivíduo, ao cometer uma série de
crimes, deixa informação sobre seu mapa mental, permitindo
que o investigador visualize informações sobre o infrator.

97 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Figura 3: A
compreensão
geográfica do
crime reflete
na visualização
da identidade
comportamental
do autor. Fonte:
Shutterstock (2019).

O criminoso deixa para trás o que podemos chamar de


traços identitários, ou seja, sua identidade comportamental,
que será decodificada a partir de cada um dos registros
sobre suas relações espaciais e seu processo mental de
percepção do ambiente.

COMPONENTES DA TÉCNICA PROFILING


GEOGRÁFICO
Segundo Konvalina-Simas (2014), ao analisar e elaborar
um perfil geográfico, o investigador inclui componentes
objetivos e subjetivos.

Na elaboração do perfil geográfico, cujo pressuposto é que


a localização dos crimes possibilita ao investigador concluir
sobre as áreas em que o infrator reside, trabalha ou se diverte,
o componente é objetivo, consistente em coisas ou locais.

Ou seja, o componente objetivo diz respeito à análise das


relações espaciais com alguns fatores. São eles:

• Locais de crime (fazendo uso de técnicas geográficas e


medidas quantitativas).
• Estradas e autoestradas.
• Fronteiras físicas e psicológicas.

98 • Módulo 3 Profiling Geográfico


• Tipos de áreas (industrial, comercial, residencial).
• Características sociodemográficas da vizinhança.
• Tipo de criminoso.
• Comportamentos predatórios do agressor.
• Atividades quotidianas/movimentos da vítima.

O componente subjetivo refere-se à reconstrução e


interpretação do mapa cognitivo do infrator. Por exemplo,
estupradores que selecionam adolescentes (aspectos
Se refere a
um caminho subjetivos) como vítimas procuram ambientes com grande
mental de um número de frequentadores nessa faixa de idade, como
ambiente espacial, escolas do primeiro grau em vez de faculdades noturnas
normalmente
(aspectos objetivos).
elaborado de forma
inconsciente.
Por exemplo, Portanto, vários especialistas da área sugerem que a técnica
um homem profiling geográfico deve ser utilizada como complementar
que delimita
a outros métodos e técnicas tradicionais de investigação
mentalmente o
caminho detalhado criminal (exame do local do crime, realização de perícias, ouvir o
da vítima para a depoimento da vítima, entre outros). Vamos identificá-los a seguir.
faculdade.

1 Na existência de crimes em série.

Quando as técnicas tradicionais de


2 investigação não demonstrarem eficácia.

Quando for evidente a existência


3 de relação entre os crimes.

Quando existe um perfil


4 psicológico do crime.

Figura 4: Casos em que o profiling geográfico requer técnicas complementares


de investigação. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Perceba que as técnicas tradicionais complementares servirão


de auxílio para a técnica de profiling geográfico em casos
específicos, considerada complementar.

99 • Módulo 3 Profiling Geográfico


É importante que possamos compreender que
o profiling geográfico será feito com base em
relatórios já existentes da investigação criminal
(como laudos, perfis psicológicos e da investigação
cartorária) e principalmente com base nas
informações constantes no laudo de exame de local
do crime.

Para complementar suas informações, o investigador deve


colher informações direto com outros investigadores que
participam do processo investigatório. Nesse contexto, você
deve considerar os peritos criminais e legistas, a análise de
relatórios estatísticos criminais e sociodemográficos da região,
além de fazer um detalhamento das ruas que circundam a
ambiência do crime.

100 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Aula 2 – Algumas Teorias Aplicadas à
Técnica Profiling Geográfico

CONTEXTUALIZANDO...
Quando estudamos sobre a importância da sustentação
teórica da investigação cirminal, compreendemos que vários
conhecimentos dão suporte ao procedimento da apuração
de provas penais. Nesse contexto, a criminologia ambiental
é o ramo da ciência criminal que sustenta a teoria do padrão
espacial que configura a personalidade e a vida do infrator por
meio das evidências encontradas na cena do crime.

Sendo assim, são três as abordagens teóricas da criminologia


ambiental associadas ao perfil geográfico. Vamos identificá-
las na imagem a seguir.

Figura 5
Abordagens
teóricas da
criminologia Teoria da Teoria das Teoria dos
ambiental. Fonte: escolha racional atividades padrões
labSEAD-UFSC
(2019).
rotineiras criminais

Conhecendo as teorias existentes dentro da criminologia


ambiental, vamos detalhar cada uma delas.

TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL


A teoria da escolha racional tem como pressuposto que, ao
decidir pela prática de um delito, o criminoso sempre está
munido de alguma racionalidade, ainda que temporária e
limitada pela sua capacidade operacional e de informações à
sua disposição.

Entende-se que o criminoso toma a decisão de praticar ou não


o crime levando em consideração o esforço necessário, o valor
do benefício e os custos envolvidos.

101 • Módulo 3 Profiling Geográfico


1
1
RIS
COS
2
2
Figura 6: Teoria da
escolha racional.
3
Fonte: labSEAD-
BENEFÍCIO
UFSC (2019). S

A decisão de cometer o crime é tomada quando os riscos de


identificação e prisão são superados pelos benefícios ou lucro
que poderão ser obtidos cometendo o crime.

De modo geral, o agressor estará procurando que seu


comportamento criminoso venha sempre em seu benefício,
processo que envolve tomada de decisão e escolha, por mais
simples que seja.

TEORIA DAS ATIVIDADES ROTINEIRAS


Esta teoria vem complementar a teoria da escolha racional,
quando se propõe a demonstrar as estratégias que os criminosos
usam para encontrar suas vítimas e oportunidades nas suas
atividades diárias para a operacionalização dos seus crimes.

A teoria das atividades rotineiras está voltada para o que


ocorre quando o criminoso e a vítima se encontram no espaço
e tempo apropriados.

Momento Oportuno

Figura 7: Teoria
Tempo
das atividades
rotineiras. Fonte:
labSead-UFSC
(2019).
Espaço

102 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Tal como os criminosos criam suas rotinas para o ataque
de suas vítimas, estas também acabam potencializando a
probabilidade de serem vítimas, ao construírem atividades
rotineiras em suas vidas diárias, contribuindo de maneira efetiva
para a ação do criminoso, ainda que de forma involuntária.

Por exemplo, pessoas que diariamente saem do trabalho


por volta das 23 horas e utilizam passarelas desertas para
chegarem ao ponto de ônibus tornam-se alvos potenciais de
criminosos que buscam essa oportunidade.

Figura 8: Locais
escuros e desertos
são mais propensos
à prática do crime.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Existe a probabilidade de que essas pessoas venham a ser


abordadas e se tornem vítimas de crimes de roubo ou de estupro.
Isso se dá em função da convergência rotineira de criminosos
propensos a praticar esse delito e vítimas potenciais para
um local fora do controle de um vigilante. Esses são os três
elementos necessários para a prática de um crime, segundo
preconiza a teoria com o chamado triângulo da delinquência.

103 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Criminoso

Triângulo de
delinquência

Figura 9: O
triângulo da
delinquência. Fonte: Local sem
labSEAD-UFSC Vítima vigilância
(2019).

A análise das rotinas, convergências, indivíduos e ambientes


propícios possibilitarão a construção de planos que leve à
constatação de padrões facilitadores da identificação de
possíveis autores de estupros.

Não há uma verdade absoluta na teoria das


atividades rotineiras. Portanto, a rotina das
atividades pode não ser uma estratégia constante
dos criminosos, mas é um dado importante a ser
considerado pelo investigador do crime de estupro,
principalmente em circunstâncias como a descrita
no exemplo anterior.

No que diz respeito ao fato de o criminoso buscar uma vítima


que esteja adequada à sua propensão criminosa, segundo
Cohen e Felson (1979 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), devem
ser considerados quatro dimensões de um alvo adequado.
Vamos entendê-los a seguir.

104 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Valor ou O valor ou desejabilidade do alvo diz respeito
desejabilidade ao quanto o criminoso atribui de intenção por
determinado perfil psicológico ou físico.

A inércia do alvo inclui tudo o que pode


facilitar ou inibir o transporte do alvo, como
Inércia o peso, a mobilidade, a resistência e a
existência de fechaduras.

Quadro 1: As
dimensões de um A visibilidade do alvo representa o quão
alvo adequado. Visibilidade exposto está a testemunhas.
Fonte: Cohen e
Felson (1979, apud
KONVALINA-SIMAS,
A acessibilidade do alvo compreende a
2014), adaptado Acessibilidade
por labSEAD-UFSC facilidade da rota de fuga.
(2019).

Felson (1986 apud KONVALINA-SIMAS, 2014) compara a teoria


das atividades rotineiras com a teoria da escolha racional. A
primeira se ocupa do contexto ambiental em que estão as
opções de escolhas do infrator, enquanto a teoria da escolha
racional cuida das decisões tomadas por ele.

TEORIA DOS PADRÕES CRIMINAIS


Essa teoria estabelece que as práticas criminais são ações
decorrentes de um padrão, um modelo comportamental, via
de regra vinculadas às características de uma determinada
área geográfica que facilitam o propósito do infrator. Ou seja,
o contexto ambiental e situacional apresenta um padrão de
elementos próprios para a prática de determinados crimes, a
exemplo do estupro.

105 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Figura 10: O
contexto ambiental
cria um padrão
criminal, a exemplo
de passagens
subterrâneas.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Por exemplo, as passagens subterrâneas das grandes cidades,


que servem para o trânsito de pedestres de um lado para o
outro das grandes vias, por ficarem em grande parte fora da
visão geral, tornam-se ambientes propícios à prática de crimes
como roubo e estupro. Essa condição é potencializada em
horários de pouco movimento de pessoas, principalmente no
período noturno.

Veja que o exemplo descreve um ambiente e situações


que são elementos do cotidiano das pessoas que podem
influenciar ou ser influenciados pelo comportamento criminoso
de indivíduos motivados à prática do delito ou potenciais
vítimas em decorrência do seu comportamento.

A teoria dos padrões criminais procura explicar por


que determinadas áreas tem maior probabilidade
de ocorrências criminais quando se leva em conta o
movimento de pessoas.

Existem áreas com características de maior poder de atração,


tanto de infratores como de potenciais vítimas, como aquelas
que têm grande aglomeração de pessoas ou veículos e

106 • Módulo 3 Profiling Geográfico


aquelas de baixa densidade demográfica, ambas facilitadoras
da ação de criminosos, dependendo da modalidade escolhida.

Veja que há variáveis que influenciam diretamente o


comportamento criminoso, pois fazem parte do cotidiano das
pessoas e servem de facilitadores para a prática delituosa.

Saiba mais
Para aprofundar seu conhecimento sobre os aspectos teóricos
do perfil geográfico, indicamos o artigo intitulado “Geografia

 do crime e criminologia ambiental: teorias da desorganização


social e atividade de rotina”, de Melo e Matias (2015). Você pode
acessá-lo no link a seguir: http://www.enanpege.ggf.br/2015/
anais/arquivos/2/38.pdf

Entretanto, a probabilidade de um crime ocorrer não depende


apenas dessas circunstâncias, mas também das características
ambientais, da disposição do infrator em praticar o delito,
dos padrões das atividades rotineiras suas e da vítima e da
distribuição dessas vítimas no espaço e no tempo.

107 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Aula 3 – Princípios da Criminologia
Ambiental Aplicados à Técnica
Profiling Geográfico

CONTEXTUALIZANDO...
Impulsionada pelo contorno ambiental que envolve os
personagens do crime de estupro com uma reciprocidade de
ações e o contexto geográfico da cena, a criminologia procura
dimensionar essas relações aplicando alguns princípios
ambientais à elaboração do perfil geográfico do crime.

Perceba que esses princípios têm como linha principal a


avaliação do risco, o que significa a existência da análise do
custo-benefício feita pelo infrator antes do cometimento do
evento criminoso. Entre esses princípios, vamos analisar alguns
deles com maior relevância para a investigação do estupro.

PRINCÍPIO DO MÍNIMO ESFORÇO


A partir de uma lógica semelhante à teoria da escolha racional,
o princípio do mínimo esforço se faz quando o agressor se
depara com duas possibilidades de escolha de ambiente
para praticar o estupro. Nesse sentido, ele tenderá a escolher
o ambiente que é fisicamente mais próximo, considerando
também que ele possa praticar com menor chance de ser
identificado e que saia com segurança do local.

Figura 11: Princípio


do mínimo esforço,
por meio da escolha
de maior potencial
físico. Fonte:
Shutterstock (2019).

108 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Para Rossmo (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), este
princípio apresenta problema quando dificulta a conceituação
do que deve ser entendido por “proximidade”, uma vez que o
espaço físico/geográfico dificilmente apresenta características
proporcionais em todas as direções.

Para o autor, é preciso ter cuidado na aplicação do


princípio, dada a disformidade nas características
dos ambientes geográficos. Além do mais, a
conduta do infrator é influenciada por um ambiente
tridimensional e condicionada pela densidade
populacional e pelo espaço pessoal disponível.

Daí o cuidado em aplicar o conceito em grandes áreas


rurais e grandes cidades com nível populacional muito
elevado. Entretanto, essas dificuldades não são motivos de
impedimento absoluto à aplicação do referido princípio na
compreensão do crime de estupro em investigação.

PRINCÍPIO DA DISTÂNCIA
Diz respeito à ideia de que os crimes tendem a ser cometidos
distantes da área onde o agressor reside. Há uma relação
proporcionalmente inversa entre o número de fatos criminosos
e a distância geográfica entre o local do evento e a área de
residência do infrator.

Figura 12: Princípio


da distância.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

109 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Segundo Harries (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014),
de certa forma, o princípio da distância é a manifestação
geográfica do princípio do mínimo esforço. O infrator procura
praticar o crime em local distante mas, ao mesmo tempo , o
mais perto possível da sua área de conforto.

Entretanto, isso não significa que os crimes sejam


executados nas áreas imediatas da residência do
infrator, pois criaria um grau de risco elevado no
que diz respeito à sua identificação.

Na interpretação de Rossmo (1997 apud KONVALINA-SIMAS,


2014), essa área de conforto em torno da residência do infrator
é a chamada “zona de segurança”, o que reduz a probabilidade
de sua captura.

Ainda a esse respeito, Koppen e Keijser (1997 apud KONVALINA-


SIMAS, 2014) sugerem que os infratores procuram não
praticar delitos nas áreas próximas de sua residência porque
consideram existir nesses ambientes um elevado grau de risco
de serem reconhecidos ou presos em flagrante.

Figura 13: A zona


de segurança e
a avaliação de
riscos geram a
oportunidade.
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

110 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Analisando tanto o princípio da distância quanto o do mínimo
esforço, você perceberá que a oportunidade é o elemento
condutor da tomada de decisão dos infratores cujos atos se
moldam às regras dos dois princípios.

Exemplo disso é o fato de que “a escolha do local de


crime é, em grande parte, determinada pela falta
de oportunidade que resulta dos padrões aleatórios
e imprevisíveis das pessoas” (KONVALINA-SIMAS,
2014, p. 82).

Afinal, o que leva o criminoso a determinar um local


específico para praticar o crime?

Entendemos que é a imprevisibilidade sobre as rotinas das


pessoas – por exemplo, qual comportamento, trajeto ou
atitudes que elas irão adotar em um determinado espaço
geográfico e de tempo.

Nesse caso, é mais conveniente escolher um local para o


ataque do que a vítima. O padrão escolhido é do ambiente e
não da vítima.

Para encerrar o tema, discutiremos na aula seguinte quais


aspectos importantes que deverão ser observados na aplicação
da técnica profiling geográfico à investigação do estupro.

111 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Aula 4 – A Aplicação da Técnica
Profiling Geográfico

CONTEXTUALIZANDO...
Como viemos estudando sobre a técnica profiling criminal, o
profiling geográfico deve estar associado às técnicas tradicionais
da investigação criminal e também submetido a algumas
condições que, de certa forma, impõem limitação ao seu uso, o
que não significa impossibilidades.

Ao longo desta aula, estudaremos as recomendações de


investigação, análises e produção de conclusões com a aplicação
da técnica de perfil geográfico. Ou seja, buscaremos trabalhar sob
o ponto de vista mais prático da utilização da ferramenta.

ASPECTOS IMPORTANTES DA
APLICAÇÃODA TÉCNICA PROFILING
GEOGRÁFICO
Ao realizar a construção de hipóteses de perfis, o investigador
deve levar em consideração que quanto maior o número de locais,
maior o número de indicadores que facilitarão a investigação.

Uma das recomendações é de que haja ao menos cinco locais


relacionados ao crime em investigação. Leve em consideração
que poderá tratar-se também de vários crimes vinculados a um
só local ou vários crimes relacionados a um só local.

Figura 14: A
construção
das hipóteses
deve levar em
consideração a
variedade de locais
onde o crime
ocorreu. Fonte:
Shutterstock (2019).

112 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Lembre-se de que o conceito de local de crime relacionado
inclui todos os locais onde tenha ocorrido algum ato da
dinâmica do crime, que mantenha qualquer relação com os
atos praticados nos locais mediato e imediato.

Exemplos disso são os locais onde ocorreu o planejamento,


a preparação, o encontro e ocultação do corpo da vítima (em
caso de desaparecimento), além de vestígios do crime.

LOCAL DE PLANEJAMENTO
Figura 15: Locais LOCAL DE PREPARAÇÃO
para formulação
de hipóteses pelo LOCAL DE ENCONTRO COM A VÍTIMA
profiling geográfico.
Fonte: labSEAD- LOCAL DE OCULTAÇÃO DE VESTÍGIOS
UFSC (2019).

Em qualquer uma dessas etapas que vimos no quadro anterior,


o investigador poderá encontrar evidências da prática dos
atos que compõem a fase em questão. Essas evidências
poderão ser, no caso do estupro, fotos, vídeos, bilhetes ou
comunicações por redes sociais registrando encontros ou
propostas de encontros, armas, documentos da vítima etc.

O investigador ao criar hipóteses com base no perfil geográfico,


pode elencar alguns locais como pertinentes. São eles:

LOCAL DE ENCONTRO LOCAL DE


ENTRE AGRESSOR E A LIBERTAÇÃO DA
VÍTIMA VÍTIMA

LOCAL DE LOCAIS DE OCULTAÇÃO DE


ABORDAGEM PARA VESTÍGIOS (ABANDONO
EXECUÇÃO DO CRIME DE OBJETOS E VEÍCULOS
UTILIZADOS NO CRIME)

Figura 16: Locais consideráveis para criação de hipóteses na criação do


perfil geográfico do crime. Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

113 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Para todas as informações e hipóteses coletadas, deverão
ser prosseguidas técnicas científicas de análise dessas
informações. Abordaremos essas questões no tópico a seguir.

PROCESSO DE ANÁLISE DAS


INFORMAÇÕES
A análise das informações se configura como uma etapa
importante cujos raciocínios indutivos e dedutivos deverão
ser postos à prova.

A utilização dos caminhos lógicos de forma planejada,


objetiva e sistemática garantirá a qualidade das
interpretações obtidas.

Figura 17: A análise


das informações
deve ser objetiva e
sistemática. Fonte:
Shutterstock (2019).

Segundo Konvalina-Simas (2014), o investigador deverá seguir


algumas etapas no processo de análise das informações
advindas da técnica do profiling geográfico. São elas:

114 • Módulo 3 Profiling Geográfico


1 - EXAME DO PROCESSO

Briefing da equipe de Relatórios de investigação


investigação cartorária e pericial

2 - INVESTIGAÇÃO DA CENA DO CRIME

Confirmação das hipóteses


Visita ao local do crime
levantadas

3 - ANÁLISE DE INFORMAÇÕES

Estatísticas criminais e Organização do mapa


sociodemográficas geográfico

Quadro 2: Etapas do
processo de análise
de informações. RELATÓRIO DE INVESTIGAÇÃO
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019 ).

O exame do processo envolve a análise dos relatórios de


investigação, declaração de testemunhas, laudos periciais e
do perfil psicológico, quando houver. Já investigação da cena
do crime refere-se à verificação dos locais relacionados com o
crime (laudos periciais e relatórios da investigação cartorária).

115 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Os relatórios provenientes do briefing da equipe
de investigação incluirão as investigações
cartorária e periciais. Em seguida, o investigador
deverá realizar as visitas aos locais da cena do
crime levantados nas hipóteses, sempre tendo
em vista as análises estatísticas criminais e
sociodemográficas da zona em que está situada
a cena do crime (envolvendo todos os locais). Ao
juntar essas informações de forma sistematizada,
será elaborado um documento relatando todos os
métodos e técnicas utilizados (relatório).

Essa técnica está em um contexto da análise de informações


colhidas pela equipe de investigação que vai desde
depoimentos até laudos periciais. São informações que
precisam ser analisadas e cruzadas com outras, de forma a
indicar padrões de conduta que evidenciem perfis de autores
da prática delituosa.

116 • Módulo 3 Profiling Geográfico


Referências
KONVALINA-SIMAS, T. Profiling criminal: introdução à análise
comportamental no contexto investigativo. Cascais: Reis dos
Livros, 2014.

MELO, S. N.; MATIAS, L.S. Geografia do crime e criminologia


ambiental: teorias da desorganização social e atividade
de rotina. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPEGE, 9., 2015,
Presidente Prudente, SP. Anais[...], São Paulo, 2015. p. 365-
374. Disponível em: http://www.enanpege.ggf.br/2015/anais/
arquivos/2/38.pdf. Acesso em: 8 nov. 2019.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


shutterstock.com/pt/. Acesso em: 8 dez. 2019.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório


da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
Florianópolis, 2019. Disponível em: http://lab.sead.ufsc.br/.
Acesso em: 10 nov. 2019.

117 • Módulo 3 Profiling Geográfico


MÓDULO 4

ANÁLISE DO LOCAL
DE CRIME

118 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Apresentação

No caso do crime de estupro, a análise de elementos


específicos sobre o local da ocorrência criminal e da vítima
pode revelar informações relevantes sobre a personalidade
do infrator, importantes para a caracterização do perfil do
crime. Desse modo, vamos direcionar um estudo para o
entendimento dos processos de análise do local por meio da
identificação de seus principais elementos.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Compreender o processo de análise do local de crime,
enumerar os passos para reconstrução do crime, listar
os elementos do processo de caracterização do crime e
caracterizar o infrator de acordo com os aspectos apontados
pelo Federal Bureau of Investigation (FBI).

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Análise do Local de Crime e Reconstrução do Delito.
• Aula 2 – Caracterização do Local do Crime.
• Aula 3 – Tipologia do Infrator.

119 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Aula 1 – Análise do Local de Crime e
Reconstrução do Delito

CONTEXTUALIZANDO...
De acordo com Konvalina-Simas (2014), a análise do local
de crime possui dois processos específicos fundamentais:
a reconstrução do crime e a caracterização criminal. É pela
análise do ambiente em que ocorreu a prática criminal que
a equipe de investigação desperta um olhar cuidadoso e
detalhado sobre a natureza dos vestígios materiais e sobre a
disposição em que eles se encontram na cena.

Assim, nesta aula, trataremos da investigação criminal no


processo de reconstrução do evento criminoso de estupro e a
metodologia utilizada para a construção da visualização do fato.

A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DO LOCAL


DO CRIME
Para a construção de um perfil psicológico do autor do
crime de estupro, a investigação pode utilizar a técnica de
profiling criminal, que é apresentada por Constanzo e Krauss
(2012) como um estudo da personalidade, comportamento,
motivação e características demográficas baseadas na cena
do crime. Assim sendo, podemos entender que somente a
partir de uma investigação exaustiva dos vestígios e das
provas comportamentais encontradas na cena do crime
que será possível a elaboração de um completo perfil
psicológico do agressor.

O trabalho do investigador neste momento do processo


investigatório será baseado na análise das informações que o
perito criminal e legista colheram durante o exame do local e
do corpo da vítima.

120 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Vestígios como sêmen, sangue, lesões e
hematomas deixados na cena do crime e no corpo
da vítima contêm valiosas informações sobre o
perfil criminal.

DeForrest (2005) afirma que a análise do local do crime é a fase


interpretativa da investigação criminal e só pode acontecer após
o recolhimento dos vestígios físicos e da reconstrução criminal.
Ou seja, este processo analítico cria um olhar cuidadoso e
detalhado sobre a natureza dos vestígios materiais, e também
sobre a disposição em que eles se encontram na cena.

O modus operandi Vejamos, na imagem a seguir, aspectos que essa análise pode
é um processo demonstrar.
que envolve todos
os mecanismos
comportamentais
que possibilitam
ao agressor a
ter sucesso na
execução completa
do evento criminoso.

Segundo Geberth
(2006), a assinatura
é o comportamento
que excede as
ações necessárias
ao crime. Ela atua
como um ritual
que se baseia
na fantasia do
criminoso, e
Figura 1: O que pode ser demonstrado pela análise dos vestígios na cena do
representa a crime. Fonte: Shutterstock (2019), adaptado por labSEAD-UFSC (2019).
expressão de
singularidade e
pessoalidade do A análise do local também permite identificar evidências
agressor. de comportamentos específicos, como o modus operandi e
comportamentos de assinatura. Esses elementos poderão
contribuir na identificação de traços da personalidade do
infrator e na associação com outros casos.

121 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Na prática, a análise do local do crime só inicia após o perito
criminal realizar o levantamento dos vestígios deixados
na cena. Nesse sentido, o trabalho do analista de perfil é
desenvolvido pela interpretação das informações contidas
nesses vestígios materiais encontrados no local, bem como
na vítima, nos documentos, nos testemunhos, e em todo o
contexto informativo da investigação criminal do estupro.

O processo da análise do local do crime feito pelo


analista de perfil não pode ser confundido com o
processo do levantamento do local do crime feito
pelo perito criminal.

O levantamento do local de crime é o processo técnico-


científico estabelecido na metodologia legal de apuração
das provas penais e está previsto no Código de Processo
Penal (Decreto-Lei n.º 3.689/41) e nos regulamentos
técnicos e administrativos (Procedimento Operacional
Padrão de Perícia Criminal).

Saiba mais
A Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério
da Justiça e Segurança Pública, publicou o “Procedimento
Operacional Padrão de Perícia Criminal”, que orienta a equipe


de investigação no processo de levantamento do local de crime,
estabelecendo as diligências pertinentes.

Para ter acesso ao material, acesse o link: http://politec.


mt.gov.br/arquivos/File/institucional/manual/procedimento_
operacional_padrao-pericia_criminal.pdf

Esse processo é responsável por alguns critérios que podemos


identificar na figura a seguir.

122 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Identificação dos vestígios
Figura 2: Critérios
Recolhimento dos vestígios
apontados pelo
processo de Preservação dos vestígios
levantamento do Análise dos vestígios
local do crime. Relatórios
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado Depoimentos
por labSEAD-UFSC Laudos
(2019).

Nesse contexto, as pistas físicas são analisadas e


interpretadas com o emprego de técnicas laboratoriais e da
reconstrução do crime, indicando pistas comportamentais do
autor e da vítima. É com essas pistas que o analista criminal
constrói as características do local do crime.

Baeza et al. (2000 apud KONVALINA-SIMAS, 2014) referem


que a análise do local do crime, como parte da técnica profiling
criminal, trata-se de um processo de interpretação analítica das
características de um determinado crime ou de cenas de crimes
relacionadas entre si. Esse procedimento deverá apresentar
como resultado um conjunto de características que evidencie a
contextualização das decisões de comportamentos do infrator
em relação à prática criminosa e à vítima.

Mesmo com as distinções das responsabilidades, a


análise do local do crime depende das informações
colhidas pelos peritos no levantamento dos vestígios
materiais, pois é a partir deles que formulará
hipóteses sobre o perfil comportamental do infrator.

123 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


No mesmo sentido, a análise do local do crime também se
diferencia do processo de reconstrução do crime, que procura
determinar as ações e fatos que precederam e fomentaram a
prática do delito.

RECONSTRUÇÃO DA CENA DO CRIME


Para Chisum e Turvey (2007 apud KONVALINA-SIMAS, 2014),
a reconstrução do crime é o processo que compreende a
determinação das ações e eventos em torno da prática de
um delito. Neste sentido, o analista criminal empregará
declarações de testemunhas e vítimas, confissões de
suspeitos e as informações contidas nas provas materiais.

A chamada reconstrução do crime envolve todos os locais


existentes e conhecidos. Esse processo de reconstrução
da cena tentará se aproximar, o máximo possível, dos fatos
ocorridos, considerando todas as suas circunstâncias.

Não significa que será reconstruída de forma absoluta, mas o


mais próximo possível das situações que ali ocorreram.

Figura 3:
Reconstrução do
crime por meio
dos vestígios
recolhidos.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

124 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Vale ressaltar que a investigação criminal é uma atividade
multidisciplinar, então, o processo de reconstruir um evento
criminoso de estupro depende da ação colaborativa de vários
profissionais das mais variadas áreas do conhecimento.

Reconstruir um crime em detalhes é fundamental para


que o investigador possa compreender o que realmente
aconteceu na cena do crime, analisando detalhadamente os
comportamentos do infrator e da vítima naquele ambiente.

Por se tratar da reconstrução das circunstâncias


que formam a prova de um crime, o processo não
pode se basear em suposições, mas em evidências
encontradas por um processo científico com
resultados objetivos e rigorosos.

Konvalina-Simas (2014) afirma que a reconstrução do crime


se baseia no Princípio da Troca de Locard. A teoria afirma que,
ao cometer uma série de crimes, o agressor deixa informações
sobre seu mapa mental, permitindo que o investigador
visualize suas informações.
O mapa mental
ou cognitivo, se
refere ao caminho Neste sentido, a autora ainda destaca que a reconstrução
mental que um do crime pode se fazer pelo levantamento de evidências
indivíduo absorve
através da compreensão do contato entre pessoas e objetos
de um ambiente,
via de regra sem da cena do crime.
que ele esteja
consciente daquilo METODOLOGIA PARA A RECONSTRUÇÃO
que efetivamente
DO CRIME
apreendeu.
Por exemplo, Podemos perceber que neste curso a análise do tema profiling
um homem criminal tem como referência teórica principal a técnica
que visualize apresentada pela pesquisadora Konvalina-Simas. Portanto,
mentalmente e com
utilizaremos a metodologia do processo de reconstrução do
detalhes o caminho
para a faculdade, crime também proposto pela autora. Diante disso, vejamos
sem consciência alguns aspectos que ela destaca para o processo.
que o faz.

125 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


• Observar vestígios de eventos e pistas relacionadas: o
investigador deve observar detalhadamente os vestígios e
pistas, como manchas de sangue (que podem esclarecer
o percurso da vítima tentando fugir do criminoso), objetos
desorganizados (indicativos de luta corporal), posição
do corpo, instrumentos (faca, arma de fogo), material
biológico, impressões digitais, entres outros aspectos.

• Determinar o que pode ser absorvido da observação de


cada evento: filtrar, daquilo que foi observado, o que é
relevante para a reconstrução do crime e consequente
elucidação.

• Prever o que uma pista ou uma observação poderá


significar mediante o crime: objetos desorganizados
podem indicar luta corporal; presença de um frasco de
sonífero pode ser entendido como uma possibilidade de
drogar a vítima.

• Propor explicações alternativas para os eventos: levantar


questionamentos.

• Eliminar alternativas empregando a lógica analítica,


o pensamento crítico e a experimentação: após os
questionamentos, eliminar as suposições de maneira
lógica, crítica e experimental.

• Sequenciar os eventos até formar um retrato da ocorrência:


após a apreensão, filtro, ponderações, suscitações de
alternativas e exclusões, apontar uma sequência que
permita fazer um retrato da ocorrência.

Assim, realizada a análise das circunstâncias e vestígios


dos materiais conhecidos, o analista poderá se manifestar
de forma a apontar a consistência, a inconsistência ou a
falta de explicação encontrada no que diz respeito aos fatos
examinados.

126 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Lembre-se de que a análise dos eventos é
fundamental no processo de reconstrução do crime.

Para Bevel e Gardner (1997 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), a


análise de eventos deve respeitar uma sequência no processo
de reconstrução a partir dos dados levantados. Vejamos a
seguir.

    
Considerar todas
as sequências Criar um
Estabelecer Estabelecer possíveis e, Estabelecer fluxograma
prováveis uma ordem quando surgir a ordem ou a global do evento
eventos e cronológica da sequências sequência final com base no
momentos sequência dos contraditórias, dos próprios sequenciamento
específicos. eventos. testar as provas eventos. dos seguimentos
para determinar do evento.
qual é a mais
provável.

Figura 4: Sequências de ações para análise dos dados obtidos.


Fonte: labSEAD-UFSC (2019).

Com relação às evidências, no dizer de Konvalina-Simas


(2014), sempre haverá quebra das sequências, relativas ou não
ao tempo, pois o registro dos vestígios físicos tem limitações
fora de seu controle.

Muitas vezes você poderá pensar que não existe registro de


todo o crime para que se possa consultar os dados e verificar a
validade das conclusões.

Nesse sentido, Konvalina-Simas (2014, p. 214)


nos faz entender que poderão ser encontradas
evidências que podem ser contraditórias, mas que
não devem ser descartadas.

127 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Por exemplo, podemos encontrar evidências de que o
infrator esteve num determinado local e, em seguida, em um
local diferente. No entanto, pode ser impossível determinar
exatamente qual o caminho percorrido para ir de um lugar a
outro, o tempo decorrido, ou a forma de locomoção.

Deste modo, você, investigador, poderá prosseguir o processo


de reconstrução do crime com a presença de uma evidência
contraditória, que, mesmo que não demonstre de fato uma
prática, irá guiá-lo por outros caminhos de investigação.

128 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Aula 2 – Caracterização do Local do Crime

CONTEXTUALIZANDO...
As características do local do crime são formadas por
elementos decorrentes do meio ambiente, da interação entre o
criminoso e a vítima e dos vestígios deixados na cena. Essas
características conferem identidade única ao local onde ocorreu
o crime e dão suporte para a reconstrução do local da cena.

Assim, nesta aula, vamos conhecer o propósito e a


importância da caracterização do local do crime por parte da
equipe de investigação criminal e a motivação do infrator para
a escolha do local de seu ato criminoso.

ELEMENTOS DA CARACTERIZAÇÃO
O propósito da caracterização do local do crime é determinar
a relação entre a cena do crime e o comportamento criminal
propriamente dito.

Um crime decorre de ações ou omissões que resultam em


condutas de afronta a uma norma penal que podem ser
cometidas em um ou mais locais interligados de ambiente
físico ou virtual. Mas, independentemente de onde ocorra, o
infrator sempre deixa vestígios. Deste modo, Lee (1994 apud
KONVALINA-SIMAS, 2014) define o local de crime como a área
onde ocorre um crime ou ações a ele relacionadas.

Quando falamos em elementos que caracterizam as


especificidades do local do crime, o investigador deve levar em
consideração os vestígios próprios que vinculam as ações de
preparação, execução e consumação praticadas pelo criminoso.

Esses elementos servem de ponto de partida para


a investigação identificar a relação entre o local e o
comportamento criminal.

129 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Com esse objetivo, Turvey (2013 apud KONVALINA-SIMAS,
2014) elaborou uma lista de orientação para o levantamento das
características que destacam o local de crime. Vejamos a seguir.

• Contramedidas • Local de crime


forenses • Localização do crime
• Objetos recolhidos • Seleção da vida
• Elementos • Local do contato
oportunistas 04

Figura 5: Elementos
ELEMENTOS DE 01
que caracterizam CARACTERIZAÇÃO
o local de crime. 03
Fonte: Turvey (2013
apud KONVALINA-
SIMAS, 2014), • Preparativos e • Estilo de aproximação
adaptado por
02
planejamento • Método de ataque
labSEAD-UFSC
(2019).
• Corpo/cadáver • Força utilizada
• Scripting • Meios de controle
• Resistência da vítima
• Tipo e sequência de atos sexuais

Essas características servem de bússola para a investigação


criminal. Por elas será possível indicar um rumo com foco na
caracterização do local de crime, de maneira mais prática e
dinâmica. Então, analisaremos a seguir a descrição de cada
aspecto levantado por Turvey (2013 apud KONVALINA-SIMAS,
2014), na figura acima.

Local de crime
O local do crime é caracterizado pelo local onde o infrator
praticou o ato criminoso. Vai desde a compreensão do
ambiente em que o infrator elaborou estratégias para atrair
a vítima, passando pelo local onde realizou a abordagem até
onde conduziu a vítima e cometeu o ato de estupro.

Existem quatro classificações que caracterizam o que pode ser


o local de crime. Vejamos na imagem a seguir.

130 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


 
INTERIOR MÓVEL
A cena do crime é um A cena do crime é um
local fechado. ambiente móvel.
Ex: Casa, garagem, Ex: Avião, automóvel,
apartamento... barco...

Figura 6:  
Classificação dos
possíveis locais da EXTERIOR SUBAQUÁTICO
prática do crime A cena do crime é um A cena do crime é um
de estupro. Fonte: ambiente exposto a ambiente aquático.
labSEAD-UFSC elementos naturais. Ex: Mar, rio, lagoa...
(2019).
Ex: Praias, vias públicas...

A classificação dos ambientes auxilia a equipe de


investigação na compreensão das caraterísticas de cada
local e como o investigador poderá conservar o espaço e as
evidências ali encontradas.

Abrangência do local do crime


A abrangência da localização do crime é a ligação entre o
local em que ocorreu o crime e o ambiente circundante, ou
seja, é a relação do local específico da prática do delito e dos
ambientes à sua volta.

Em áreas urbanas, é recomendável que o investigador registre


o lugar específico e todas as adjacências, como as ruas, becos,
praças, entre outros.

131 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Figura 7: Local
específico e a área
de abrangência
que a investigação Local do Crime
deve considerar
como localização
do crime. Fonte: Área de Abrangência
Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

Já em caso de eventos ocorridos em áreas rurais, exteriores


e aquáticas, o investigador deve fazer uso do GPS para
determinar com precisão todas as coordenadas do local exato
do crime.

Na análise do local do crime, o investigador deve registrar


algumas informações. Vamos destacá-las a seguir.

• Quem frequenta o ambiente que abrange a localização do


crime.
• Crimes que ocorrem rotineiramente na abrangência desse
local.
• Meios pelos quais o infrator chegou ao local do crime.
• O que se encontra na cena do crime e o que pertence a esse
local (identificar elementos fora do contexto).
• Tipos de atividades desenvolvidas normalmente nesse local
(descrever as rotinas das pessoas que vivem ou frequentam
com relação ao ambiente).
• Estabelecer a relação desse ambiente com outras cenas de
crime (para estabelecer se é zona de risco).
• Motivos da escolha desse local pelo infrator (acidental,
intencional, conveniência etc.).

132 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Nesse contexto, é importante que o investigador considere o
conhecimento que o infrator deveria ter da área para acessar
o local do crime, destacando como as pessoas acessam
esse local. Além disso, o investigador deve identificar se o
local pressupõe familiaridade para ser acessado ou qualquer
pessoa poderia fazer isso.

Seleção da vítima
A seleção da vítima é o método aplicado pelo infrator para
escolher intencionalmente a vítima. Alguns fatores são
importantes na tomada de decisão do infrator para escolha
de sua vítima, já que procura satisfazer as suas necessidades
próprias com a prática do crime. Então, para a tomada de
decisão, cada infrator utiliza critérios bem pessoais.

Segundo Konvalina-Simas (2014), a escolha da vítima tanto pode


ser uma decisão central como secundária para a motivação do
infrator. Como exemplo, a autora cita o caso em que uma vítima
pode ser o objeto do crime ou um objeto para completar uma
fantasia ou necessidade do infrator. Essa dinâmica poderá ser
identificada a partir dos critérios de seleção do infrator. Desse
modo, existem alguns fatores de influência no processo de
tomada de decisão quanto à escolha da vítima. Vejamos a seguir.

Figura 8: Fatores Fatores que


que influenciam um influenciam um
infrator a escolher
infrator ao cometer
determinada
vítima. um crime Localização
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Disponibilidade Fantasia

Vulnerabilidade Relacionamento

Simbolismo

133 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


De acordo com a imagem, a disponibilidade se refere ao nível
de exposição da vítima ao indivíduo criminoso, ou seja, o nível
de acessibilidade da vítima em relação ao infrator. O mesmo
caso ocorre com a localização, porém, leva em consideração
a coincidência ou não, horários e atividades da vítima e do
criminoso.

Já a vulnerabilidade diz respeito à capacidade que o infrator


tem de perceber se a vítima é vulnerável ao seu método de
aproximação para executar o ataque.

Figura 9: Análise do
infrator em relação
à vulnerabilidade
da vítima. Fonte:
Shutterstock (2019).

No que diz respeito ao fator de relacionamento, é a escolha


que o criminoso faz da vítima, tendo como critério o nível
de relação entre os dois, como por exemplo: ser cônjuge,
professor, amigo, vizinho, familiar, ser um superior no trabalho,
entre outros. Já em relação ao simbolismo, diz respeito à
escolha da vítima usando como critério as características que
ela tem em comum com pessoas com as quais o agressor se
relacionou. Por fim, a fantasia está associada à seleção da
vítima, tendo como critério a existência de uma característica
considerada pelo infrator como necessária ou desejável à
satisfação de suas fantasias.

134 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Nesse contexto, podemos perceber que os critérios de seleção
da vítima levantados pelo criminoso são significativos para a
apuração do delito de estupro.

Essas variáveis podem influenciar a decisão


do infrator na escolha da vítima. Portanto, é
importante que o analista consiga passar para o
investigador evidências específicas que destaquem
características de escolha da vítima pelo agressor.

A compreensão das razões que levaram o agressor a escolher


aquela determinada vítima leva o investigador a identificar
e entender a razão de ter sido aquela vítima naquele local
específico, o grau de força e da violência aplicados, o tipo
de arma usada, a capacidade de planejamento, o nível de
conhecimento necessário para execução do crime, a razão da
sobrevivência ou não da vítima, entre outras circunstâncias
que poderão ser conhecidas e avaliadas pela investigação.

Local do contato
Konvalina-Simas (2014) diz que, para identificar o local
do contato entre a vítima e o infrator, o investigador deve
considerar o conceito de forma extensa, considerando o lugar
onde foi estruturada a armadilha para atrair a vítima (ataque da
vítima) e o local pré-selecionado para consumação do evento.

Quanto ao espaço físico onde ocorre o primeiro contato com


a vítima, o local de crime também poderá ser subclassificado.
Vejamos essa subclassificação a seguir.

Local de crime primário


É o local onde ocorreu a maior parte das agressões à vítima.
Esse ambiente é onde o infrator passou a maior parte do
tempo de agressão direta com a vítima, onde terá deixado o
maior número de vestígios materiais.

135 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


É possível haver mais de um local de crime
primário, como no caso da ocorrência de crimes
continuados envolvendo mais de uma vítima em
lugares diversos.

O local de crime primário ainda pode ser o local onde tenha


sido abandonado o corpo da vítima, no caso em que se trate
de estupro seguido de morte ou lesão corporal grave.

Local de crime secundário


É o local onde ocorreu alguma interação entre o infrator e a
vítima.

Vamos dar um exemplo em que a vítima foi abordada


incialmente num restaurante. É nesse ambiente, diferente do
local primário, que poderão ser encontrados vestígios do crime,
como a filmagem de segurança do local que identifica essa
aproximação.

Figura 10: Análise


de filmagem
da câmera de
segurança do local
secundário. Fonte:
Shutterstock (2019).

Vale considerarmos que podem existir vários locais


secundários associados ao mesmo crime, onde o criminoso
pode ter realizado diversas tentativas de abordagens.

136 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Local de crime intermediário
É o local do crime entre o local primário e o secundário onde
se encontrem vestígios físicos. Por exemplo, a utilização de
veículos que o infrator usou para transportar a vítima do local
primário para o local de abandono ou o local onde o corpo da
vítima possa ter ficado escondido antes de ser abandonado.

Figura 11:
Deslocamento
da vítima do
local primário ao
secundário.
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

Neste sentido, podemos perceber que o local de crime


intermediário é um subtipo do local secundário, que deve ser
analisado pela equipe investigativa por meio de ligação dos
vestígios encontrados no local primário e no secundário.

Local de abandono
É o local onde o infrator abandona o corpo da vítima após o
homicídio, a lesão grave ou, ainda, onde ela é abandonada
depois de ter sido estuprada. Neste último caso, o local é
geralmente diferente de onde ocorreu a prática do crime.

Para a investigação é fundamental determinar com clareza se


o local do abandono não é, na verdade, o local primário.

Neste sentido, por que você acha que é importante determinar


rigorosamente se o local de abandono não é o local primário?
A resposta para esta reflexão é bem simples: o local primário
quase sempre é o maior repositório de informações
materiais do crime.

137 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Deste modo, caso fique demonstrado que o crime se deu em
outro local, há algumas perguntas cujas respostas ajudarão a
desenhar o perfil do infrator. Vejamos algumas delas.

Figura 12:
Investigando o local
para identificar
o perfil do autor.
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

As respostas para estas questões serão indicadores do perfil


do autor. Assim sendo, o investigador deve estar atento em
todo o processo para saber identificar que as evidências
encontradas estavam num local de abandono ou primário.

Estilo de aproximação
Diz respeito às estratégias que o infrator adota para se
aproximar e abordar a vítima. Para Burgess e Hazelwood (1995
apud KONVALINA-SIMAS, 2014), há três métodos de contato
do infrator com a vítima, os quais analisaremos a seguir.

Surpresa
É caracterizada pelo ato do infrator de esperar por um
momento de vulnerabilidade da vítima para fazer a abordagem.

Por exemplo, quando o agressor espera a vítima em um


determinado local, pois sabe que todos os dias ela passa por
ali sempre na mesma hora, e aguarda o momento oportuno,
como sua distração.

138 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Figura 13: O
agressor à espera
de vulnerabilidade
ou distração da
vítima. Fonte:
Shutterstock (2019).

O fato de o infrator ter selecionado a vítima e esperado o


momento próprio para a abordagem sugere a premeditação
do delito, o que leva o investigador a considerar o impacto da
motivação no indiciamento, na denúncia e na aplicação da pena.

Armação
Refere-se à conduta do infrator que se utiliza de astúcia para
fazer a abordagem da vítima. Este método pode ir de uma
simples distração provocada até uma ação mais elaborada
para conquistar a confiança da vítima de forma imediata ou
prolongada.

Figura 14: O infrator


pode utilizar a
bebida como
aproximação da
vítima. Fonte:
Shutterstock (2019).

139 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


A armação diz respeito apenas à aproximação da vítima.
Neste sentido, vamos considerar que o infrator busca sua
vítima entre mulheres adolescentes que frequentam barzinhos
à noite. Então, ele utiliza uma história como estratégia de
convencimento e abordagem. Por exemplo, diz que é agenciador
de jovens talentos para televisão e que está a serviço de uma
grande rede de TV. Com habilidade, convence algumas jovens a
serem entrevistadas em seu escritório, onde são estupradas.

Ataque
É a aproximação que o infrator faz da vítima com uso imediato
de força lesiva, eliminando qualquer possibilidade de reação
para ter o controle total e imediato da situação.

Figura 15: Ataque


do infrator à vítima.
Fonte: Shutterstock
(2019).

Um exemplo disso é imaginar que o infrator espera sua vítima


em um beco escuro e a ataca repentinamente, empregando
força física para dominação e a ameaça com uma arma de
fogo, levando-a para o interior de uma casa abandonada onde
pratica o estupro.

O ataque pode ser feito de diferentes maneiras, e o método de


ataque escolhido pelo infrator diz respeito ao método que ele
utiliza para dominar a vítima após fazer a abordagem.

140 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


O método de ataque não inclui a surpresa ou cilada, pois
estes se referem apenas ao estilo de aproximação. São
condutas distintas que oferecerão informações distintas
sobre o perfil do crime.

Entretanto, há alguma relação com o estilo de aproximação


e meio do ataque aplicado, tendo em vista a alusão deste “à
natureza e à extensão do ataque.” A denominação do método
de ataque é em função do uso de uma arma e do tipo de força
aplicada na abordagem da vítima.

Os métodos de ataque podem variar. Vamos ver alguns


exemplos.

• Ameaça verbal de força fatal – Quando o infrator, sem uso


de arma, dá uma ordem e faz ameaça grave caso a vítima
não o obedeça.
Exemplo: “Entra no carro e tira a roupa ou te mato!”

• Comando verbal e ameaça de força fatal – Quando o


infrator, com o uso de arma, dá uma ordem e faz ameaça
grave caso a vítima não faça o que ele mandar.
Exemplo: “Faz o que estou mandando ou te dou um tiro”.

• Ataque estilo blitz (ação rápida) pela retaguarda – Ataque


por trás da vítima.
Exemplo: quando o infrator ataca a vítima por trás
aplicando-lhe o golpe da “gravata” (colocando o braço
envolto no pescoço da vítima).

• Comando verbal – Quando o infrator aborda a vítima dando-


lhe um comando verbal reforçado pelo uso de uma arma
apontada para ela.
Exemplo: “Estou com uma arma (seja qual for, ainda que haja
simulação) encostada em ti. Faz exatamente o que eu mandar!”

Esses métodos podem ser aplicados em conjunto com o


método de aproximação pelo infrator.

141 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Entretanto, muitas vezes são eventos distintos, sendo
conveniente que sejam analisados individualmente, pois
cada um tem suas características e motivações próprias,
possibilitando leituras diferentes pelo investigador.

Através da análise detalhada do ataque, o investigador


poderá compreender o nível da capacidade de planejamento e
operacional do infrator, bem como o nível de conforto que ele
sentiu no ambiente do fato com aquela vítima.

Força utilizada
As necessidades e motivações do infrator do estupro também
podem ser demonstradas pelo tipo e pelo grau da força
utilizada durante a prática do crime.

Assim como são determinados o tipo e o grau da força


utilizada pelo infrator, é recomendado que o investigador
também se preocupe em considerar a aparente ausência
de vestígios desses elementos, visto que isto não significa
necessariamente que o infrator não tenha feito uso de força e
nem que a vítima não tenha resistido.

A falta de indicativos do uso de força física


pelo infrator poderá ser considerada como um
falso vestígio, que precisa ser confirmado pelo
investigador.

Essa aparente ausência poderá sugerir a extrema habilidade


do infrator em dissimular ou utilizar a força física na medida
exata. São elementos que também contribuem na modelagem
de um padrão de conduta.

142 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Meios de controle
São os métodos que o infrator utiliza para manipular, prender,
controlar e subjugar a vítima para a prática do crime. Eles
poderão ter a seguinte tipologia:

• Controlador – Quando ocorre agressão a uma vítima que não


coopera. O infrator poderá utilizar-se de meios para imobilizar
e/ou silenciar a vítima, como algemas, cordas, lenços etc.

• Verbal – Quando o infrator se utiliza de ameaça verbal de


agressão punitiva, sexual, contra a integridade física ou a vida.

• Sugestivo – Quando o infrator faz uso de ameaça não


verbal de agressão punitiva, sexual ou contra a integridade
física ou a vida, empregando o uso de arma de fogo,
faca, algemas ou outros objetos contundentes ou da sua
superioridade física.

• Armado – Quando o infrator se utiliza de qualquer meio


que possa ser entendido como arma, levado por ele ou
que já estivesse no local do crime, utilizado para prática da
agressão lesiva.

É certo que nem todo infrator faz uso de arma, seja qual for o
tipo. No entanto, havendo uso de arma, o analista deve procurar
estabelecer explicações. Vejamos na imagem a seguir.

1 Qual tipo de arma foi utilizado?

2 A quem pertence a arma?

3 Como a arma chegou até a


cena do crime?

143 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


4 Onde a arma foi encontrada?

5 Em que momento do crime a


arma foi utilizada?
Figura 16: Critérios
considerados
pela investigação
quando há arma no
local do crime.
Fonte: por labSEAD- 6 Como a arma foi utilizada?
UFSC (2019).

Essas questões ajudarão a equipe investigativa na recriação


do local do crime de maneira mais objetiva indicando quando
houver o uso de arma.

Resistência da vítima
Burgess e Hazelwood (1995 apud KONVALINA-SIMAS, 2014)
apontam três categorias para a resistência da vítima, a qual,
além de verbal e física, poderá ser também passiva.

A esse respeito, faz-se necessário ressaltar o ensinamento de


Turvey (2009 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), quando alerta
que a vítima também poderá manifestar sua resistência ao
ato do infrator por meio da submissão, que ele diz ser um ato
extremo. Ou seja, como última ou única reação possível diante
da abordagem a que é submetida.

Na análise do ato de resistência, não se pode


esquecer que a submissão da vítima está relacionada
à sua resistência e não à sua responsabilidade no
cometimento do crime.

144 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Nesse caso o analista não pode considerar que a maior ou
menor resistência de uma vítima de estupro, por exemplo,
signifique maior ou menor nível de aceitação, muito menos de
contribuição na ação delituosa.

Turvey ainda diz que o nível de reação da vítima tem


relação direta com fatores ligados à sua história de vida. Os
parâmetros de tolerância dependem da capacidade cognitiva,
de valores, de conceitos, das compreensões, das condições
emocionais, das experiências e expectativas de cada uma.

Diante desse contexto, Turvey (2009 apud KONVALINA-SIMAS,


2014) sugere que seja feito um estudo vitimológico criterioso
antes que se chegue a uma conclusão sobre o nível de
resistência da vítima à ação do infrator. O autor classifica esta
resistência. Vejamos a seguir.

• Submissão da vítima – ocorre com a submissão imediata


da vítima às ordens do infrator. Muitas vezes, sabendo o
risco que corre, a vítima procura agradar o infrator com a
sua submissão.

• Resistência passiva – quando a vítima resiste ao comando


do infrator, recusando, de forma pacífica, a cumprir seus
comandos.

Veja que não ser colaborativa é uma forma de


resistência da vítima e muitas vezes a única ao seu
alcance.

Exemplificando este aspecto, podemos considerar a greve


de fome da vítima em um cativeiro ou não fazer qualquer
movimento físico que possa satisfazer a libido do infrator.

• Resistência verbal – quando a vítima desafia verbalmente


os comandos do infrator.

145 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Exemplos: Efetuar gritos por socorro. Gritar implorando por
compaixão etc.

• Resistência física – quando a vítima resiste fazendo uso de


força física.
Exemplo: agredir o infrator com socos, arranhões, chutes etc.

Para corroborar essa informação da vítima, o investigador deve


procurar identificar vestígios nos corpos da vítima e do infrator.
Entretanto, a inexistência de vestígios não significa que ela
esteja mentindo, pois o grau de força utilizado e o tempo
decorrido poderão contribuir para isso.

Tipo e sequência de atos sexuais


É considerada como ato sexual a conduta do infrator com
o uso dos órgãos sexuais, instrumentos sexuais ou objetos
sexualizados. Nesse contexto, para a caracterização do local
do crime, é fundamental estabelecer o tipo e a sequência
dos atos sexuais, pois, assim, é possível descrever o modus
operandi e a assinatura do infrator.

Nesse caso, convém saber da dificuldade que se encontra em


demonstrar tais circunstâncias, pois muitas vezes só existe o
relato da vítima acompanhado do relato de testemunhas sem
qualquer vestígio material.

É recomendável que o investigador encarregado da análise


seja conhecedor do comportamento sexual humano para
melhor compreensão das suas motivações.

Preparativos e planejamento
Neste caso, procura-se demonstrar se o infrator tinha os
meios necessários para prática do crime e, assim, avaliar sua
capacidade de planejamento e execução. Para isso, deverão
ser respondidas as seguintes questões.

146 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


O que o infrator trouxe para a cena do crime?

Foi utilizado instrumento


da cena do crime?

O que o infrator levou ao


abandonar a cena do crime?

Como o infrator transportou os


elementos que levou consigo?

Figura 17: Critérios


para avaliação do
planejamento e A clara definição das ações de preparação e daquelas que
prática do crime.
Fonte: Shutterstock decorreram das oportunidades apresentadas durante a
(2019), adaptado execução permite uma avaliação segura da capacidade de
por labSEAD-UFSC
(2019). planejamento do infrator.

Contramedidas forenses
Dizem respeito ao comportamento do infrator, antes, durante
e depois da execução do crime com o propósito de dificultar,
impedir ou atrasar a investigação do crime. Vejamos a seguir
várias estratégias que o infrator pode utilizar para dificultar sua
identificação pela investigação.

147 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Utilização de disfarces
e/ou máscara.

Uso de
Uso de luvas. preservativos.

Figura 18:
Contramedidas
forenses.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).
CONTRAMEDIDAS
FORENSES

Utilização de Alteração da voz.


vendas nas
vítimas.

Eliminação
de vestígios
resultantes da
atividade criminosa.

Veja que essas medidas com objetivo de neutralizar a ação


apurada também são elementos indicativos de padrão de
comportamento suficientes para vincular alguém ao crime.

Objetos recolhidos
Referem-se aos objetos que pertenciam ao local do crime e
que podem ter sido retirados pelo infrator.

148 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Para comprovar a retirada de objetos da cena do crime,
deve haver uma rigorosa investigação pericial, levando em
consideração as possibilidades existentes com as tecnologias
da comunicação que facilitam o registro de imagens pelos
mais variados meios, além de entrevistas de testemunhas e
pessoas que conhecem o local do evento.

Os registros fotográficos e de vídeos, além de


outras informações que existam sobre o ambiente,
possibilitarão uma análise comparativa entre o
antes e o depois da cena.

Esse processo permitirá saber o real estado da cena no


momento do evento criminoso e assim encontrar evidências que
caracterizem o perfil comportamental dos indivíduos envolvidos.

Para Burgess e Hazelwood (1995 apud KONVALINA-SIMAS,


2014), há três grandes categorias de objetos na cena do crime.
Vejamos a seguir.

Objetos comprovativos
São aqueles com possibilidades de serem ligados à vítima ou
ao crime pelos investigadores.

Exemplos: sangue, esperma, bilhetes deixados pela vítima,


fotos do infrator com a vítima, presentes do infrator para a
vítima ou vice-versa.

Ao recolher um objeto da cena do crime, o infrator também


está produzindo uma contramedida forense com o objetivo de
desviar a investigação.

Objetos pessoais
São aqueles carregados de valor sentimental para o infrator.
Em regra, não possuem valor real, apenas simbólico para o
infrator. Eles se subdividem em duas categorias subjetivas:

149 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


• Troféus – um símbolo de vitória, de sucesso ou de
conquista. Normalmente relacionado à intensidade, ao grau
de resistência ou à humilhação e subjugação da vítima.

Exemplos: peça de vestuário danificada da vítima, fios


do cabelo da vítima, documentos de identificação da
vítima, fotos da vítima, parte do corpo da vítima etc.

• Lembranças – representa uma lembrança agradável


para o infrator e serve como estímulo dessa recordação.

Exemplos: peças de vestuário da vítima que não foram


danificadas, fotografias encontradas na casa da vítima,
acessórios etc. Normalmente são objetos sem valor
material.

Ao analisar esses comportamentos, o investigador deve


avaliar as características individuais de cada situação. Esse
enquadramento depende da motivação do infrator e de seu
comportamento em cada evento. Essas condutas não se
excluem mutuamente e poderão ocorrer em uma mesma cena.

Esse comportamento pode representar insegurança e carência


do infrator que precisa ser constantemente reconfortado, o que
se pode considerar uma assinatura que sugere informações
sobre a motivação do crime.

Objetos valiosos
são aqueles que o infrator recolheu da cena do crime por
entender que têm valor material. São recolhidos com o
propósito de ganhos financeiros e podem indicar o nível de
competência e planejamento do infrator, bem como o tipo de
transporte que utilizou e o estado das suas finanças.

Exemplos: joias, cartões de crédito, dinheiro, equipamentos


eletrônicos etc.

150 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Esse tipo de conduta pode indicar a motivação econômica do
delito e a possibilidade de estar envolvido em outros crimes
dessa natureza.

Elementos oportunistas
Referem-se a qualquer elemento da conduta criminosa que não
fez parte do planejamento, mas o infrator acaba por aproveitá-
lo na execução do evento. São exemplos desses elementos:
uma vítima que não estava prevista; uma arma que já estava
na cena, como uma barra de ferro; um local etc.

A existência de elementos de oportunidade não


autoriza, de imediato, a conclusão de que se trate de
um crime sem planejamento ou fantasia.

Pelo contrário, o infrator pode, sim, ser um planejador


extremamente competente para saber aproveitar em seu plano
qualquer outro elemento mais eficiente em face de situações
novas que se apresentaram, descartando outros que não
alcançariam o resultado esperado.
Figura 19:
Elementos que
indicam um Para identificação de elementos ou comportamentos
planejamento
prévio do infrator. oportunistas, o investigador dever procurar por evidências que
Fonte: por labSEAD- indiquem ter havido um planejamento por parte do infrator.
UFSC (2019).
Vamos ver alguns deles.

Objetos trazidos para


Indícios de que a
a cena do crime como
vítima foi vigiada.
instrumento de apoio.

Chamadas telefônicas Familiaridade com a


anônimas para a residência e horários
vítima antes da da vítima.
abordagem.

151 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Quanto ao aspecto oportunista do infrator, Turvey (2006 apud
KONVALINA-SIMAS, 2014) alerta o investigador para não
cair no erro de presumir a atitude baseado apenas no fato da
escolha da vítima parecer ter sido fruto de uma oportunidade.

Alerta também para o perigo da presunção de que o infrator


oportunista tenha baixa probabilidade de voltar a praticar
um crime, o que limitaria a possibilidade de reconhecimento
da assinatura de um infrator em série e a possibilidade de
apuração de crimes praticados nessas circunstâncias.

Nesse contexto, Konvalina-Simas (2014) aponta alguns bons


indicadores de crime oportunista. Vejamos a seguir.

• O crime ocorre durante o cometimento de outro crime.


• O crime ocorre durante um período de ausência de atividade
criminosa na vida do infrator.
• O crime demora pouco tempo.
• O crime é cometido de forma desastrosa e deixa muitos
vestígios materiais.
• O infrator faz uso de elementos disponíveis à sua volta para
controlar a vítima.

Análise do corpo da vítima


O crime de estupro pode ter um desfecho no qual a vítima
sobreviva ou pode resultar no assassinato dela. Em qualquer
uma das situações, o corpo sempre é uma extensão da cena
do crime e requer da investigação respostas para várias
questões. Vejamos algumas delas a seguir.

152 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Figura 20: Questões
que devem ser
respondidas em
relação à morte
da vítima. Fonte:
Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

Além dessas questões, ainda pode ser considerado o


momento do crime em que o corpo se tornou parte do local,
como o corpo ou a vítima foram introduzidos no local e na
posição em que foram encontrados no local, os indícios de que
o infrator tenha posicionado o corpo de determinada forma e
o significado da posição do corpo: para o infrator, para quem o
achou ou para a vítima etc.

Scripting (comportamento verbal)


Está relacionado à linguagem que o infrator utiliza e à
linguagem que a vítima é obrigada a utilizar na execução do
crime. O scripting direciona e indica à vítima o que ela deve
fazer fisicamente ou verbalmente.

É um prolongamento da força e do poder físico do infrator ou


substitutivo desses elementos.

Revela como o infrator planejou a execução do


crime no que diz respeito à dinâmica dos atos, o que
ele irá dizer e o que a vítima deverá fazer ou dizer
sob seu comando.

153 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


No ensinamento de Burgess e Halstrom (1995 apud
KONVALINA-SIMAS, 2014), o comportamento verbal do
agressor comporta doze tipos de temas que precisam ser
avaliados contextualmente com a execução do crime, de
acordo com os parâmetros de conteúdo, tom, atitude e timing.

Veja o que os autores indicam como comportamento verbal


agressivo utilizado tanto na prática de estupros como de
outros crimes:

a. Comandos relacionados com o modus operandi: “Não


olha pra mim!”
b. Comandos relacionados com a assinatura: “Mexe o
traseiro pra eu ver!”
c. Ameaças: “Se abrir os olhos, morre!”
d. Comentários de autoconfiança: “Vou te mostrar como se
leva um homem a sério!”
e. Perguntas pessoais: “Como é teu nome? Qual é tua
idade?”
f. Perguntas pessoais relacionadas com o prazer sexual da
vítima: “Está gostando?”
g. Comentários autorreveladores: “Gosto mesmo disso
assim.”
h. Comentários obscenos e/ou racistas: “Sua puta!”
i. Comentários pseudos reconfortantes: “Não se preocupe
que não vou te machucar.”
j. Insultos sexuais: “Tu não vale nem o esforço que estou
fazendo!”
k. Comentários possessivos: “És toda minha!”
l. Comentários usurpadores: “Achavas que só tinhas quem
tu quisesses? Agora és minha!”

Motivação
Para o investigador determinar a motivação, é preciso analisar
os objetivos e intenções do infrator durante a prática do crime,
quando isso for possível de verificação. Segundo O’Connell e
Soderman (1936 apud KONVALINA-SIMAS, 2014), são dez os
fundamentos da motivação do delinquente:

154 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


• Vingança (raiva).
• Desentendimento (raiva).
• Inveja/ciúme (raiva).
• Fanatismo (poder).
• Proveito (lucro).
• Burla (lucro).
• Sadismo.
• Motivos sexuais não sádicos (poder/gratificação sexual).
• Autodefesa.
• Doença mental e/ou devassidão moral (para alguns autores
estas são características do infrator, e não motivos).

155 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Aula 3 – Tipologia do Infrator

CONTEXTUALIZANDO...
O Federal Bureau of Investigation (FBI), ao desenvolver a
técnica profiling criminal e adaptar para suas necessidades
de investigação, sistematizou uma tipologia de infratores,
que denominou de organizado e desorganizado. Essa
tipologia ocorreu a partir de estudos de casos em que foram
identificadas características semelhantes dos infratores
encontradas nos seus crimes. Nesse sentido, vamos
compreender os tipos de infratores existentes que auxiliarão o
investigador na identificação do criminoso.

A CLASSIFICAÇÃO DOS TIPOS DE


INFRATORES
O Federal Bureau of Investigation (FBI) sugere que os infratores
podem ser classificados em organizados ou desorganizados
a partir do seu modo de agir e dependendo dos níveis
de sofisticação, planejamento e competências sociais e
cognitivas observáveis na preparação do crime.

Trata-se de uma tipologia simples que não exige formação


psicológica do investigador, o que a torna muito fácil de
aplicar e muito útil na investigação de crimes como violência
sexual e homicídio.

AGRESSORES DO TIPO ORGANIZADO


Quando a equipe de investigação encontra um local de crime
organizado, a indicação é de que se trata de um infrator que
procurou planejar a prática delituosa.

A tendência é de que a vítima seja desconhecida do infrator e


que possa ter sido controlada com o uso de algum instrumento
como corda ou algema, bem como é provável que tenha
ocorrido agressões antes da morte, quando for o caso.

156 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


As informações contidas em uma cena com estas
características sugerem a prática por infrator organizado
e com mais algumas características que observamos na
imagem a seguir.

• Inteligência média ou superior à média.


• Relação social competente e equilibrada.
• Bom profissional.
• Exerce competências com inteligência.
Figura 21:
Características
de um infrator
organizado. Fonte:
Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

A teoria proposta pelo FBI afirma que a tipologia desse infrator


indica que ele pode ter nascido entre os primeiros filhos, ter
o temperamento mantido sob controle durante o evento e
tende a ter uma vida cotidiana organizada, com aparência
cuidada que se reflete na sua vida, na sua casa e no seu crime.
Frequentemente, trata-se de uma pessoa com um distúrbio
obsessivo-compulsivo, extremamente meticuloso que procura
dar um lugar para cada coisa.

O infrator organizado não tem problema em buscar


relacionamentos fora de sua área de conforto,
por isso busca suas vítimas longe de sua área
residencial.

Esse infrator tira proveito dessa facilidade de relacionamento


social e de causar boas impressões nos outros para atrair
suas vítimas. Normalmente, se veste muito bem e tem um

157 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


autoconceito muito elevado, sempre se achando sabedor de
tudo, com traços narcisistas e egomaníaco.

Essas características o ajudam a se manter longe das


suspeitas de autoria. Por se achar dono da verdade, não
suporta críticas e pode reagir a elas com extrema violência.
Para ele, a prática do crime é apenas um jogo, o que o faz
voltar à cena buscando sentir a mesma sensação.

Durante as entrevistas, a recomendação é que o


infrator seja confrontado diretamente, pois respeita
competência e rigor. Que seja abordado sempre pela
mesma pessoa, que deve estar segura da exatidão
de suas informações, visto que o suspeito saberá
identificar qualquer tentativa de manipulação por
parte do entrevistador.

E ainda, as entrevistas devem ser por tempo curto e,


preferencialmente, no período da noite, quando esse suspeito
está mais relaxado psicologicamente.

AGRESSORES DO TIPO DESORGANIZADO


A desorganização de uma cena de crime sempre sugere que
houve espontaneidade na prática do delito e que tanto a vítima
como o local são do conhecimento do infrator.

Nesse caso, há indicação de aparente desarrumação do


local e de que a vítima foi submetida a uma violência súbita,
inesperada, sem esboçar reação, pois não esperava o
ataque. Indica também o uso de pouco ou nenhum meio para
controlar a vítima.

Outra característica deste agressor é a prática de violência


sexual da vítima após sua morte, quando for o caso.

158 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Um cenário com tais características sugere um infrator
descuidado que apresenta algumas características
específicas. Observamos na imagem a seguir.

• Inteligência de nível baixo.


• Vida social desorganizada.
• Elevado nível de ansiedade,
Figura 22: principalmente durante a
Características execução do crime.
de um infrator
desorganizado. • Não faz uso de
Fonte: Shutterstock bebida alcoólica ou faz
(2019), adaptado eventualmente.
por labSEAD-UFSC
(2019).

Este tipo de agressor tende a ser solitário, tendo em vista


ser vítima de segregação social devido à sua personalidade.
Dificilmente procura contato com pessoas do sexo oposto.
Além disso, é descuidado com sua higiene pessoal, com o
ambiente onde vive, com o seu carro ou de onde quer que
esteja e também com a cena do crime. Veja que todas essas
características revelam mais uma: a incompetência para
planejar seus crimes. Isso reflete ao evento criminoso uma
dinâmica espontânea.

A falta de capacidade para o planejamento do ato criminoso


leva o infrator desorganizado a não se arriscar na escolha
das vítimas fora da sua zona de segurança, limitando-se a
buscá-las na vizinhança ou nas proximidades do seu local
de trabalho.

Como não há um jogo de vaidade, ele normalmente não se


interessa em saber sobre as notícias de seu crime na mídia,
mas isto não o impede de voltar a cometê-lo outras vezes.

159 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Segundo Konvalina-Simas (2014), há casos demonstrando que
o infrator desorganizado tende a retornar ao local do crime
para reviver o evento e, algumas vezes, de ir ao velório da
vítima. Ele também pode manter registro de informações sobre
a vítima, principalmente fotos e vídeos, em alguns casos com
informações de antes, durante e depois do crime.

Segundo a teoria, esse tipo de infrator pode mudar de


endereço após o crime, mas sempre para a mesma vizinhança,
pois é o ambiente que lhe dá segurança.

No que diz respeito à sua reação ante o entrevistador,


é recomendado que seja montada uma estratégia de
entrevista com base na empatia, criando uma relação
de confiança entre o entrevistador e ele, de forma
a lhe dar segurança. Sempre demonstrar respeito
às suas impressões da realidade, muitas vezes
distorcidas, mas que poderão apontar caminhos para
a motivação e possíveis provas.

Por exemplo, no caso de o infrator justificar seu ato com


obediência a uma ordem, o entrevistador deve demonstrar
compreensão e aceitação dessa realidade.

Sabe-se que esse infrator tem dificuldade em manter relações


sociais, por isto o entrevistador deve estabelecer uma relação
positiva e, ao tempo em que vá abordando temas relativos ao
crime, procure manter um diálogo aberto e sempre deixar um
clima que não o coloque na defensiva, mas confiante de que
está diante de alguém que o compreende.

Outra característica desse tipo de infrator é a tendência


noctívaga, que é aquele que anda ou vagueia de noite. Nesse
contexto, é importante que as entrevistas ocorram no período
noturno, quando o infrator está mais relaxado e em melhor
condição de colaborar.

160 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


Referências
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161 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


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162 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


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ZBINDEN, K. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


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163 • Módulo 4 Análise do Local de Crime


MÓDULO 5

PROFILING
CRIMINAL EM
AÇÃO

164 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Apresentação

Neste módulo, você terá a oportunidade de exercitar a


técnica profiling criminal na investigação do crime de estupro,
combinando a prática e a teoria antes apresentadas.

Consideramos que a formação de um bom profissional da


investigação compreende o desenvolvimento do raciocínio
investigativo, junto com a associação dos estudos teóricos
e práticos. Dessa forma, ao analisar um caso, o profissional
terá mais capacidade de formular questões, levantar e testar
hipóteses, apontar as evidências válidas de prova da autoria,
assim como as circunstâncias do evento.

OBJETIVOS DO MÓDULO
Aplicar as competências desenvolvidas durante o curso
relacionadas à técnica profiling criminal, assim como rever os
temas estudados em relação ao momento da investigação do
crime de estupro, analisar uma situação prática de um crime
de estupro, bem como identificar os elementos consideráveis
para avaliação do crime.

ESTRUTURA DO MÓDULO
• Aula 1 – Análise Prática da Situação Criminosa: Trilhas do
Autor do Crime de Estupro.
• Aula 2 – Análise Comparativa de Casos.

165 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Aula 1 – Análise Prática da Situação
Criminosa: Trilhas do Autor do Crime
de Estupro

CONTEXTUALIZANDO...
Para iniciar os estudos, é importante compreendermos a
importância da análise prática da situação criminosa com
a apresentação de uma situação que mostra as trilhas
percorridas pelo autor do crime de estupro, pois é a partir
dessa análise minuciosa que a investigação conseguirá chegar
com segurança ao criminoso.

Essa análise requer a verificação do local do crime e de todos


os vestígios encontrados, bem como indicativos da dinâmica
do agressor, perícia da vítima e apuração da criminalidade
na região, especialmente acerca de casos similares. A partir
da análise, deverão ser extraídos elementos reveladores da
autoria do crime.

SITUAÇÃO
O caso que apresentaremos a seguir será “pano de fundo”
para seu estudo teórico e prático neste módulo. Assim,
mostraremos uma série de detalhes que promovem reflexões
sobre o tema e contribuem para a análise comportamental do
agressor, considerando a trilha que ele percorreu para efetuar o
crime, ou seja, o seu modus operandi, bem como se existe uma
assinatura do criminoso e como ela se caracteriza.

A situação é baseada em um caso real e apresenta detalhes


que possibilitem a realização da análise do crime e lhe
permitam avaliar e elaborar um plano de investigação com o
auxílio dos estudos realizados até o momento neste curso.

166 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Estudo de Caso

Vamos considerar uma situação hipotética para uma melhor


compreensão:

Ao chegar na cena do crime, o investigador se depara com o


cadáver de uma mulher seminua, com sinais de estupro e uma
flor branca em sua mão. O corpo foi encontrado na porta do
cemitério.

Figura 1: Estudo
de caso do corpo
encontrado
examinado pela
investigação.
Fonte:
Shutterstock
(2019).

Existe nesse corpo sinais de mordidas nos mamilos, na vulva


e evidência de sufocamento e vestígios de esperma na boca.
O canal da vagina foi penetrado e dilacerado por um objeto
perfurante e de grande dimensão.

Há sinais de que a vítima foi dominada e presa pelos punhos, com


os braços para trás, e pelos tornozelos com uma fita adesiva larga
e resistente e, também, sinais de que a mesma fita foi utilizada
para vedar a boca da vítima.

Após a identificação do corpo, a investigação preliminar indicou


que, no apartamento da vítima – um pequeno prédio comercial
sem controle de acesso, onde morava sozinha –, não havia
sinais de luta ou de rompimento de portas, nem manchas de
sangue ou de esperma.

167 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Logo, entende-se que as lesões foram provocadas depois da
sua morte.

Constatou-se que a vítima tinha 25 anos de idade, trabalhava


em um órgão público e nas noites de segunda e quarta-feira
costumava frequentar uma academia de ginástica próxima de
sua residência. Nos outros dias da semana, encontrava-se com
colegas em bares na parte central da cidade onde ficam situados
hotéis com grande movimento de turistas.

Há informações de que a vítima fazia parte de um grupo virtual


de pessoas que compartilhavam o veículo pessoal para meio de
locomoção na cidade.

Foi apurado, pela equipe investigativa, que este crime teve os


mesmos padrões de outros quatro de igual natureza ocorridos nos
últimos doze meses naquela região metropolitana e que todas as
vítimas tinham faixa etária e rotinas de vida semelhantes. Essas
informações foram obtidas por uma das vítimas que conseguiu
fugir e prestar o depoimento para a polícia.

Considerando o caso que vimos anteriormente, vamos analisar


os detalhes da trilha do autor do crime, com o propósito de
compreender o conceito de modus operandi e assinatura do
agressor, utilizando os pontos específicos apresentados no crime.

TRILHAS DO AUTOR DO CRIME DE


ESTUPRO

Para que o propósito do estudo de caso seja alcançado, é


preciso considerar algumas reflexões preliminares sobre
temas relacionados ao comportamento do agressor. Por meio
dessas reflexões será possível reforçar a dimensão conceitual
do processo em estudo que veremos a seguir.

168 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


As ciências comportamentais que estudam e explicam as
práticas criminosas, como o princípio da troca de Locard,
demostram que os criminosos deixam sua assinatura retratada


nas evidências que caracterizam os ambientes onde atacam
suas vítimas.

Qualquer um, ou qualquer coisa, que entra em um local
de crime leva consigo algo do local e deixa alguma coisa
para trás quando parte.

Nesse sentido, Locard infere que qualquer pessoa que entra no


local de crime deixa algum rastro de que esteve ali quando sai.

No caso de um criminoso é a mesma lógica. O agressor


sempre deixa no local do crime algum vestígio e leva consigo
outros tantos. E por meio deles o investigador poderá rastrear
sua movimentação no ambiente da prática do crime.

Figura 2: A
impressão digital
é um exemplo de
vestígio deixado
pelo agressor no
local.
Fonte: Shutterstock
(2019), adaptado
por labSEAD-UFSC
(2019).

169 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Podemos exemplificar com o estudo de caso, em que o
agressor deixou vestígios de sêmen na boca da vítima. Outro
exemplo é a identificação de impressão digital do agressor nos
objetos do local do crime ou na própria vítima.

Nos crimes de estupro, um dos pontos de extrema importância


para a investigador é a motivação do crime.

A motivação tem grande relevância na construção


do perfil do criminoso e esse processo motivacional
é retratado na cena do crime de forma dinâmica,
pois emerge do comportamento do infrator.

Por conta disso, a motivação é verificável a partir de vestígios


comportamentais, bem como vestígios materiais encontrados
no local do crime.

A análise da força que impulsiona a conduta criminal na cena


do crime tem dois aspectos fundamentais: o modus operandi e
a assinatura do agressor. A seguir, vamos conhecer de maneira
mais detalhada cada aspecto.

Modus operandi
Conforme visto ao longo do curso, o mecanismo operacional
da conduta criminosa envolve uma complexa dinâmica,
afetada por fatores intrínsecos e extrínsecos à cena do crime,
combinando elementos emocionais, culturais, ambientais e
genéticos, decisivos na escolha comportamental do infrator.

Nesse sentido, o modus operandi é um processo que


envolve todos os mecanismos comportamentais que
possibilitam ao agressor ter sucesso na execução
completa do evento criminoso.

170 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


A expressão latina modus operandi é desgastada no contexto
investigativo, seja qual for o objeto, o que acaba por desviar o
olhar do investigador do seu essencial valor na construção do
maço probatório do crime. Esse conceito não pode se limitar
à tradução literal da expressão compreendida apenas como
Refere-se a um
conjunto de
“modo de fazer”, pois diz respeito ao comportamento que
documentos ou garante sucesso na prática do crime.
indícios variados,
convergentes e Konvalina-Simas (2014) demonstra que foi identificado na
concordantes,
que comprovam a
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
existência do crime. Transnacional de Palermo (2000) que o conceito de modus
operandi faz alusão à mecânica do crime e envolve três fases
ordenadas de maneira cronológica. Vamos identificar essas
fases na figura a seguir.

Encontrar a
Figura 3: Mecânica sua vítima, Proteger Escapar da
do crime segundo utilizando a sua cena do
Konvalina-Simas métodos identidade. crime.
(2014).
próprios.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Vejamos que, ao desenvolver o plano de ação para a prática do


delito, o agressor adota cuidados voltados para sua proteção,
mas, essencialmente, garante a prática de sua conduta
pretendida, ou seja, o crime. Nesse sentido, considerando
as características peculiares do crime de estupro, é possível
avaliar que todas essas fases são facilmente identificáveis nos
casos investigados.

Na situação prática vista no caso de estudo anterior, podemos


exemplificar essa afirmação relacionando a maneira que o
agressor protegeu sua identidade e como escapou da cena
do crime, onde podemos identificar sua assinatura em alguns
aspectos deixados.

171 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


No entanto, segundo os estudos de Konvalina-Simas
(2014), não há constância no processo do modus
operandi dos crimes de estupro.

Esse contexto é, então, “reativo a influências”, tendo em vista


as inúmeras variáveis que podem contribuir para sua variação
e suas modificações. É um procedimento comportamental,
que está sujeito a processos que a autora chama de desvios
individuais e flutuações aleatórias, sendo eles:

REAÇÕES
DAS VÍTIMAS

CONDIÇÕES
FÍSICAS DO
LOCAL DO
CRIME

172 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


ATIVIDADES
POLICIAIS

Figura 4: Aspectos
de desvios ATENÇÃO
individuais IMEDIATA
e flutuações
aleatórias.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Identificando esses fatores, podemos entender que eles


podem variar de acordo com pessoas e circunstâncias.

Exemplificando, é possível que uma vítima resista e tente fugir


da tentativa do crime, gerando luta corporal, ferimentos e até
sua morte, enquanto outras vítimas rendem-se à grave ameaça.
Ou, ainda, podemos considerar uma situação em que o agressor
aborde a vítima em uma área movimentada ou isolada.

Assim, podemos entender que todas essas


particularidades no crime de estupro tornam o
modus operandi inconstante, já que os fatores podem
variar com as condições espaciais ou temporais,
mudanças na seleção das vítimas e do ambiente, na
tática ou na técnica de execução do crime.

173 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Estudos demonstram que, a cada crime executado, o agressor
promove uma evolução criminosa no seu modus operandi,
como uma consequência “natural” do amadurecimento e
da experiência desenvolvida ao longo das suas práticas
delituosas. Dessa forma, o investigador precisa saber que
o agressor também poderá mudar e desenvolver outras
fantasias relacionadas à sua prática delituosa.

A assinatura do agressor
Outra característica importante do comportamento do
infrator na cena do crime é o que chamamos de assinatura do
agressor. Ao contrário do que ocorre com o modus operandi,
a assinatura é constante, entretanto poderá evoluir e tornar-se
mais evidente e específica em alguns aspectos.

Segundo Geberth (2006), a assinatura é o comportamento que


excede as ações necessárias ao crime. A assinatura atua como
um ritual que se baseia na fantasia do criminoso e representa a
expressão de singularidade e pessoalidade do agressor.

Figura 5: Assinatura
do criminoso no
corpo da vítima.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

174 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Podemos representar esse aspecto da assinatura do criminoso
com o caso de estudo visto no início deste módulo, em que
podemos identificar a assinatura do agressor pela mordida
encontrada na vulva e nos mamilos da vítima.

Outro exemplo seria o caso em que o estuprador sempre


retira a calcinha da vítima e obriga que ela use uma outra de
determinada cor e modelo que ele traz consigo. Essa prática
pode ser entendida por um desejo que o agressor teve após
visualizar a calcinha de sua professora na adolescência. Assim
sendo, o sentimento de satisfação a esse desejo é saciado.

Diante disso, podemos compreender que tanto o modus


operandi quanto a assinatura do criminoso oferecem
ao investigador elementos de leitura investigatória que
poderão levá-lo à associação de eventos criminosos com
características semelhantes.

Tais características podem indicar tanto a motivação como


as estratégias utilizadas, ou ainda os passos que evidenciam
características comportamentais de possíveis suspeitos da
autoria desse crime específico.

Ao estudar casos concretos com o método de investigação


de estupros, a melhor técnica a ser aplicada é a análise
comparativa, quando as informações do modus operandi e
da assinatura do agressor serão de extrema importância,
conforme veremos na aula seguinte. 

175 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Aula 2 – Análise Comparativa de Casos

Não há dúvida de que o estudo da técnica profiling criminal,


apresentado neste módulo, indica que sua aplicação se torna
mais eficiente e eficaz na investigação de casos de crimes
da mesma natureza, praticados mais de uma vez e com
características semelhantes que justifiquem uma análise
comparativa entre elas.

A análise comparativa de casos é “o processo


desenvolvido na investigação criminal, pelo qual se
estabelece quais os crimes que fazem parte de uma
série.” (KONVALINA-SIMAS, 2014, p. 240).

A mesma autora referencia três métodos básicos utilizados


pelo investigador criminal para fazer a associação de crimes
na busca da identificação dos autores. São eles:

Vestígios físicos (materiais) – é a forma mais segura de associar


os crimes, entretanto nem sempre estão facilmente visíveis.

Descrição do infrator – é o método mais comum, no entanto é


necessária a existência de uma testemunha confiável.

Comportamento na cena do crime – exige a comparação


de semelhanças entre crimes associados e crimes não
associados. Da análise comparativa dos crimes associados
devem resultar mais semelhanças do que diferenças. Já no
caso dos crimes não associados, ao contrário, a comparação
resulta em mais diferenças do que semelhanças.

As comparações de elementos geralmente são realizadas com


base em três fatores, como já vimos neste curso: proximidade,
espaço temporal entre os crimes, modus operandi comparável
e presença de comportamento de assinatura.

176 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


ELEMENTOS DA ANÁLISE COMPARATIVA
DE CASOS
A análise comparativa de casos criminais deve considerar
os comportamentos semelhantes, os comportamentos
diferentes, o elo investigativo e o elo probatório como
elementos de avaliação. Vamos conferir os detalhes de cada
um desses elementos a seguir.

Comportamentos semelhantes
São considerados comportamentos em comum aqueles
revelados pela comparação de fatores comportamentais
que apresentam origens e contextos semelhantes, mas não,
necessariamente, únicos.

Estudo de Caso

Dois casos de estupros praticados em dias seguidos, por volta


das 19 horas, em que as vítimas eram mulheres jovens, aconteceu
quando percorriam o caminho entre o local de trabalho e o ponto
de ônibus, geralmente pouco movimentado. O agressor fez uso
de um revólver calibre 38 e fez a vítima entrar em um matagal à
margem do caminho.

Sem dúvida, há semelhança comportamental nos dois casos


no que diz respeito à hora do dia, ao tipo de vítima, às medidas
de precaução e ao tipo de arma utilizada. Apesar de se tratar
de um padrão criminal específico, é comum nas áreas urbanas.

177 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Figura 6: Mulher
caminhando
numa rua vazia ao
anoitecer.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Essa análise comparativa entre crimes contribuirá para


que você, investigador, possa associar os eventos com o
objetivo de facilitar a identificação do criminoso por meio de
evidências, também semelhantes, encontradas.

Diferimento comportamental
O diferimento comportamental ocorre quando fatores
comportamentais são comparados e diferem.

Estudo de Caso

Dois casos de estupro. Em um, o agressor fez uso de uma faca


e obrigou a vítima a ter conjunção carnal com ele. No outro,
o agressor fez uso de uma arma de fogo e obrigou a vítima a
permitir que ele a masturbasse (outro ato libidinoso).

178 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Nos dois casos, há um diferimento comportamental de
fundamental importância evidenciado pelo tipo de arma
utilizada para efetivar o constrangimento (com grave ameaça)
e pelo modus operandi.

A diferença comportamental não pode ser


considerada evidência absoluta de que os crimes
não foram praticados pelo mesmo infrator. Apenas
significa que não podem ser relacionados somente
por fatores comportamentais. A equipe deve
analisar também outros fatores, como os vestígios
encontrados (evidências materiais).

Esse diferimento impede o relacionamento de um caso com o


outro, baseado apenas no comportamento, ainda que todos os
outros fatores comportamentais fossem idênticos.

Elos investigativos
Trata-se de fatores comportamentais generalizados, mas
que apresentam semelhanças quando comparados com um
ou mais casos, e contribuem para a equipe de investigação
priorizar recursos.

Estudo de Caso

Dois casos de vítimas de estupro seguido de morte. As duas


foram violentadas nas suas respectivas residências, do mesmo
modo, no mesmo bairro, ao longo de um ano.

Diante de casos como esses, a equipe deve investir na busca


de outras ligações possíveis entre os dois casos, fazendo
uma análise vitimológica detalhada e criteriosa, bem como do
modus operandi, da assinatura e das provas materiais.

179 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Figura 7: Mulher
violentada na
própria residência.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019).

Qualquer uma dessas análises (vitimológica, modus operandi,


da assinatura e das provas materiais) poderá evidenciar
ou refutar ligações entre as duas ocorrências. Na falta de
outras informações, a equipe deve lembrar que “um elo
investigativo não é suficiente para sugerir uma semelhança
de comportamento e menos ainda um elo probatório”
(KONVALINA-SIMAS, 2014, p. 214).

Elo probatório
Esse tipo de elo é evidenciado por um fator comportamental
único e específico, ou por um conjunto de fatores
comportamentais incomuns e raros, partilhados por dois ou
mais casos, com outras diferenças comportamentais limitadas.

Essa ligação é suficientemente única para sustentar a conclusão


de que, nas ocorrências analisadas, existe a probabilidade de
que tenham sido praticadas pelo mesmo infrator.

180 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Estudo de Caso

Ocorreram cinco casos de estupro seguidos de morte, tendo


como vítimas mulheres jovens entre 20 e 25 anos de idade.
Todas foram abordadas nos estacionamentos de faculdades,
entre 21 e 23 horas, violentadas e mortas em ambientes
diferentes, e o agressor sempre ejaculava no rosto da vítima e
arrancava seu dedo médio direito após o homicídio. Os eventos
ocorreram sempre nas sextas-feiras da última semana do mês e
em cinco meses seguidos.

Veja que há elementos comportamentais específicos


partilhados em todos os casos, que são a amputação do
dedo médio e ejaculação no rosto da vítima, bem como o
dia escolhido para a prática criminosa. Observe que são
comportamentos únicos em todos os casos.

Cada um desses elementos deve ser rigorosamente


e exaustivamente analisado, discutido e registrado
em um relatório de análise comparativa de casos.
Analisar e interpretar informações encontradas
na cena do crime de estupro permite que a equipe
de investigação compreenda a dinâmica do evento
criminoso e, a partir daí, formule hipóteses quanto aos
elementos de consolidação da motivação do infrator.

O profiling criminal, apresentado em detalhes neste curso,


é uma técnica complementar às demais técnicas da
investigação criminal e, para aplicá-la, as organizações de
segurança pública precisarão promover a mudança de cultura,
a quebra de paradigmas, bem como a desconstrução de
estereótipos e, principalmente, o investimento em capacitação
e novas tecnologias.

181 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


OUTRAS TÉCNICAS COMPLEMENTARES
Há, ainda, outros elementos a serem considerados na análise
comparativa de casos feita pela equipe de investigação,
como o fato de que eventos criminosos ocorridos temporal
e espacialmente próximos uns dos outros têm maior
probabilidade de associação entre si.

17h
Crime 2
07h
Crime 1 7h30
Crime 3

Figura 8: Crimes
ocorridos temporal
e espacialmente
próximos entre
si. Fonte: Freepik
(2019), de evening_
tao, adaptado por
labSEAD-UFSC
(2019).

Os vestígios materiais e comportamentais precisam ser


devidamente preservados e cuidados, visto que fatores diversos
poderão alterar seus status na cena do crime: a manipulação
voluntária de evidências probatórias feitas pelo agressor é um
exemplo de um fator diverso que deve ser considerado durante
a investigação. Trata-se de um procedimento importante para a
compreensão do modus operandi e da assinatura.


Figura 9: Cuidados e
preservação com os
vestígios materiais

e comportamentais.
Fonte: labSEAD-
UFSC (2019). 

182 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


É importante compreender que a análise do local do crime não é o
mesmo que a reconstrução do crime e a caracterização do crime.
A análise do local é a etapa de interpretação feita na fase da
investigação criminal, depois das etapas da coleta das evidências
materiais, da reconstrução e da caracterização do crime.

Entretanto, o êxito desses procedimentos dependerá do


cumprimento das regras básicas da investigação criminal,
como a identificação, delimitação e preservação da cena do
crime. Tudo isso potencializado pelo princípio do imediatismo.

183 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação


Referências
GEBERTH, V. J. Practical Homicide Investigation: Tactics,
Procedures, and Forensic Techniques. 4 ed. Boca Raton: CRC
Press, 2006.

KONVALINA-SIMAS, Tânia. Profiling criminal: introdução à


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Reis dos Livros, 2014.

MENDES, B. S. A. Profiling criminal: técnica auxiliar de


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Medicina Legal) – Instituto de Ciências Biomédicas Abel
Salazar, Universidade do Porto, Porto, 2014. Disponível em:
https://core.ac.uk/download/pdf/143403239.pdf. Acesso em:
24 jan. de 2018.

SHUTTERSTOCK. [S.l.], 2019. Disponível em: https://www.


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SILVA, João Apolônio da. Análise criminal: teoria e prática.


Salvador: Artpoesia, 2015.

SUMARIVA, Paulo. Criminologia, teoria e prática. Niterói:


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TURVEY, BRENT E. Criminal Profiling: an introduction to


behavioral Science alalysis. Boston, MA: Elsevier Academic
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA. Laboratório


da Secretaria de Educação a Distância (labSEAD-UFSC).
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Acesso em: 12 dez. 2019.

ZBINDEN, Karl. Criminalística: investigação criminal. Lisboa:


[s.n], 1957.

184 • Módulo 5 Profiling Criminal em Ação

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