Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ISSN: 1517-9702
revedu@usp.br
Universidade de São Paulo
Brasil
Almeida, António
Como se posicionam os professores perante a existência e utilização de jardins zoológicos e parques
afins? Resultados de uma investigação
Educação e Pesquisa, vol. 34, núm. 2, mayo-agosto, 2008, pp. 327-342
Universidade de São Paulo
São Paulo, Brasil
António Almeida
Escola Superior de Educação de Lisboa
Resumo
Palavras-chave
Correspondência:
António Almeida
Rua Moinho do Casalão – Casa dos
Medronheiros
2970-481 – Sesimbra – Portugal
e-mail: aalmeida@eselx.ipl.pt
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 327
How do teachers stand with respect to the
existence and use of zoological gardens and similar
parks? Results of an investigation
António Almeida
Escola Superior de Educação de Lisboa
Abstract
Keywords
Contact:
António Almeida
Rua Moinho do Casalão – Casa dos
Medronheiros
2970-481 – Sesimbra – Portugal
e-mail: aalmeida@eselx.ipl.pt
328 Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008
O acentuar da presente crise ambiental, dera-a parte integrante da natureza, ao contrário
percepcionada de forma mais intensa a partir dos da afirmação dual típica do antropocentrismo.
anos 1960, afastou do domínio da ficção a pos- Inspira-se nas ideias de Aldo Leopold (1886-
sibilidade de extinção da própria espécie huma- 1948), autor da land ethic, que propôs o alarga-
na. A gravidade da situação explica a ampla pro- mento ético à comunidade de forma a incluir
dução literária que tem vindo a alertar para os solos, água, plantas e animais, e em que a terra
malefícios do nosso modelo de desenvolvimento (land) é um sistema vivo merecedor de conside-
e desencadeado a necessidade de repensar a ração moral. As teorizações de Baird Callicott
postura da humanidade em relação ao planeta. (1989), Holmes Rolston III (1994) e Arne Naess
Nela encontramos uma pluralidade de posições, (1989) são, independentemente das suas
nem sempre conciliáveis, que tendem a avaliar, de especificidades, inseridas nessa perspectiva.
modo diferenciado, as causas e consequências da • A Biocêntrica, que defende o valor intrínseco
presente crise ambiental e a estabelecer uma pri- das outras formas de vida, independentemente
oridade distinta entre os diversos problemas do seu interesse para a espécie humana. Mani-
ambientais e suas respectivas soluções. festa no seu seio uma importante diversidade
Apesar dessa pluralidade de posições, argumentativa, podendo assumir um carácter
podem identificar-se três perspectivas principais limitado e confinado aos seres mais comple-
acerca do modo de conceptualizar a relação do xos, como no caso das teorizações de Peter
homem com a natureza. E embora vários auto- Singer (2000; 2006) e Tom Regan (1983;
res acabem por fundamentar as suas ideias atra- 1995), ou extensivo e igualitário, como no
vés de argumentos enquadráveis em mais do que caso da de Paul Taylor (1989).
uma perspectiva, a verdade é que a maioria se
insere claramente em uma delas. São elas: De entre os assuntos que têm sido pos-
tos a discussão com o desenrolar da presente
• A Antropocêntrica, que defende a centra- crise ambiental, destacamos o leque de reflexões
lidade indiscutível do ser humano e valoriza a dedicado ao modo como os seres humanos se
natureza de um ponto de vista instrumental. relacionam com os outros seres vivos nos mais
Pode assumir duas tendências principais nem diversos contextos. É nesse âmbito que se insere
sempre conciliáveis. A primeira vê a natureza a presente abordagem acerca da existência de
fundamentalmente como um recurso eco- jardins zoológicos e parques afins.
nómico; a segunda destaca a sua importân- Comecemos então por analisar os argumen-
cia na satisfação de uma multiplicidade de tos que melhor caracterizam cada uma das pers-
interesses que dão significado à vida humana, pectivas ambientalistas para o tema em análise e
relevando o seu contributo para o desenvolvi- que nos ajudam a repensar a pertinência desses
mento integral do ser humano em termos espaços. Por meio dessa análise, vamo-nos aper-
psicossomáticos. É nessa tendência que me- ceber como os mesmos factos podem ser sujeitos
lhor se integra a tese da biofilia, proposta por a interpretações distintas, em que uma vantagem
Edward Wilson (1984), defensora de uma pre- para uma perspectiva se pode transformar num in-
disposição humana, de origem genética, conveniente para outra. Essa reflexão revela-se fun-
impulsionadora de uma relação empática do damental pelo facto de os jardins zoológicos e par-
ser humano para com os outros seres vivos. ques afins constituírem locais a que se deslocam,
• A Ecocêntrica, que defende o valor não instru- com frequência, professores dos diferentes ciclos
mental dos ecossistemas e da própria ecosfera, de escolaridade, sendo ainda escolhidos por mui-
cujo equilíbrio pode obrigar a limitar determina- tas famílias como locais de lazer e/ou educativos.
das actividades humanas. E perante a condição A perspectiva antropocêntrica congrega a
biológica e ecológica da espécie humana, consi- maior parte dos argumentos favoráveis a essas
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 329
instituições e basta pensarmos no modo como Apesar dos argumentos antropocêntricos
são definidas: jardins zoológicos e parques afins apresentados serem de teor não economicista,
são locais públicos que exibem animais com as visto relevarem aspectos educacionais e cientí-
finalidades recreativa e educativa. Ainda assim, é ficos, importa assinalar que o elevado número
possível serem evocadas razões características de visitantes que por ano ocorrem a essas ins-
dessa perspectiva contrárias à sua existência. Sa- tituições (e que nos dias de hoje já ultrapassou
lientamos a esse propósito que foi durante o certamente o número apresentado) possui um
Iluminismo que surgiram as primeiras críticas, impacto económico não desprezável nas regi-
porque, historicamente, a manutenção de ani- ões que as possuem, apresentando-se como
mais em cativeiro constituía um passatempo da uma mais-valia do ponto de vista turístico.
aristocracia que por essa via afirmava o seu No leque de argumentos apresentado,
poder. Simultaneamente, essa excentricidade foi destacamos a referência ao papel educacional
considerada vergonhosa, atendendo a que, ao dos jardins zoológicos e parques afins, assina-
mesmo tempo que se despendiam recursos com lado por muitos outros autores, como é o caso
os animais cativos, muitos seres humanos mor- de Conway (1995), para quem esse potencial
riam de fome (Baratay; Hardouin-Fugier, 2002, decorre de os zoos constituírem, com frequên-
p. 73). No entanto, se essas razões podem even- cia, o único local que possibilita um contacto
tualmente continuar a suscitar a adesão de algu- efectivo com uma diversidade de animais selva-
mas pessoas nos dias de hoje, são, como já gens vivos, funcionando os animais cativos
afirmámos, as vantagens associadas a esses es- como embaixadores das suas espécies, o que
paços que melhor caracterizam essa perspectiva. impede que nos esqueçamos da sua existência.
Chiszar, Murphy e Iliff (apud Maple, 1995) apre- Depois, salientamos também o seu papel na
sentam seis dessas vantagens, que tradicional- defesa de espécies ameaçadas. Esse argumen-
mente se lhe encontram associadas: to, apesar de aparentemente descentrado do
interesse humano, acaba por surgir invariavel-
1- Os zoos e aquários recebem entre 300 a mente a ele associado, dado o cepticismo das
400 milhões de visitantes em cada ano, provi- posições ecocêntricas e, especialmente, das
denciando os benefícios de uma educação sig- biocêntricas acerca desse papel. Como afirma
nificativa, associada ao seu papel recreativo; Jamieson (1995b), a maioria dos zoos dedica-se
2- Os zoos têm estado tradicionalmente liga- apenas à dimensão (negócio) do entretenimen-
dos à educação pública, e a resposta favorá- to e não se encontra ao serviço da preservação
vel dos sistemas escolares é um indicador de das espécies. Daí que gastem mais dinheiro em
que valorizam essa associação; publicidade e relações públicas do que em pro-
3- Programas dedicados à sobrevivência de gramas que envolvam os animais. Eudey (1995)
espécies focalizam atenção e recursos nos vai ainda mais longe nas críticas ao lembrar a
problemas da propagação em cativeiro de es- existência de relatórios que implicam os zoos
pécies ameaçadas e em perigo; em aquisições ilegais de animais, acentuada
4- As mostras dos zoos reflectem uma consci- quando estão em jogo espécies raras ou em
ência ecológica e um apoio público crescentes; extinção, o que pode contribuir para dificultar
5- Uma admirável história de sucesso em traba- ainda mais a sua preservação. Entretanto, a
lho clínico, ciência básica e projectos de ampla questão central prende-se com o próprio su-
escala têm acontecido, requerendo os esforços cesso dos programas de cruzamento, dado que
combinados e a cooperação de muitos zoos; o número reduzido de indivíduos envolvidos
6- Pelo menos doze espécies de animais fo- implica uma diversidade genética diminuta,
ram salvas de extinção com os esforços com- causadora de elevada taxa de mortalidade das
binados de muitos zoos do mundo. crias. Além disso, os animais reintroduzidos nos
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 331
em função de critérios que procuram assegurar defende que se trata de uma questão de coe-
a integridade física e psicológica dos animais, rência: se com os seres humanos nos focamos
no segundo, é o valor inerente do estado sel- nos indivíduos, então com os outros seres vi-
vagem que é realçado. Nesse critério, o cativei- vos temos de utilizar o mesmo critério, e não
ro em si mesmo se torna inaceitável, e nada colocá-los meramente ao serviço das espécies
pode compensar a perda de liberdade e das que representam. A existência de uma dualidade
experiências autênticas vividas pelo animal no de critérios é considerada pelos autores bio-
seu habitat, e que passam pela captura do seu cêntricos uma forma de especismo (justificação
alimento e desenvolvimento da sua própria da preferência de seres na base de que perten-
ordem social. Para Regan (1995), os animais cem à espécie Homo sapiens). Por essa razão,
têm o direito a um tratamento respeitoso e não não é irrelevante saber-se o destino dado pe-
devemos reduzir o seu estatuto moral ao de los zoos aos excedentes que decorrem de pro-
meros meios para os nossos fins. Daí que a gramas de cruzamento. Várias dessas institui-
restrição da liberdade só possa admitir-se em ções acabam por se deparar com um número de
casos em que ela seja do próprio interesse do animais de que não necessitam e que se trans-
animal, o que não acontece no caso dos zoos. formam num fardo financeiro. Há casos relata-
Também para Jamieson (1995a, 2006), dos da venda dos seres excedentários a insti-
não é o facto de alguns animais poderem viver tuições sem condições e até da sua morte.
mais tempo em cativeiro que nos diz algo acer- A esse nível, as teses ecocêntricas acabam
ca da sua felicidade, tanto mais que esse au- por partilhar com as antropocêntricas a mesma
mento na longevidade não deve ser generaliza- desconsideração pela individualidade de cada ani-
do se atendermos a que práticas deficientes de mal, algo que é foco da crítica de Regan (1995),
encarceramento conduzem a situações frequen- uma vez que a preocupação pelo indivíduo só
tes de canibalismo, infanticídio e luta, motiva- surge quando a morte de um animal pode pôr em
das pela sobrelotação de algumas instalações. risco a sobrevivência da espécie a que pertence.
Entretanto, para esse autor, talvez a ideia mais Além disso, a oposição dos ecocêntricos a tudo o
gravosa transmitida pelos zoos seja a de domi- que perturba a diversidade, o equilíbrio e a
nação dos outros animais pelo homem, a tro- sustentabilidade da comunidade da vida, permite
co de benefícios científicos e sociais diminutos. o apoio à chacina de populações, quando estas
Com ela, veicula-se um falso sentido do nosso ultrapassam a capacidade de suporte do sistema.
lugar na ordem natural, uma vez que os meios Entretanto, uma vez que é inquestionavelmente a
de confinamento acentuam a separação e a presença humana que gera efeitos adversos à di-
diferença entre os seres humanos e os outros versidade, ao equilíbrio e à sustentabilidade das co-
animais. Nem os argumentos de Hutchins, Dresser munidades bióticas, Regan pergunta, de forma
e Wemmer (1995), de que muito se pode apren- provocatória, por que não aplicar às populações
der estudando os animais cativos, especialmente humanas os mesmos métodos que os holistas
se mantidos de forma mais naturalista, ou que defendem para o controlo das outras espécies.
outros tipos de pesquisa, que envolvem a reco-
lha periódica de materiais biológicos (como san- Aspectos metodológicos
gue, urina) podem ser conduzidos mais humana-
mente nos zoos do que na natureza, parecem Perante uma tão grande diversidade de
convencer os biocêntricos. Essa posição parece argumentos acerca da existência de jardins zooló-
ser reveladora de alguma intransigência, até por- gicos e parques afins e da constatação de que o
que alguma investigação científica pode ser mesmo sucede para outros assuntos de cariz
revertida a favor de outros seres das mesmas ambiental, delineamos a presente investigação que
espécies estudadas. Contudo, Jamiesen (1995b) se inseriu num estudo mais amplo que pretendeu
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 333
identificavam totalmente com a afirmação esco- • Facilitam o tratamento das respostas em
lhida, a oportunidade de evocarem as razões termos de investigação.
por que, mesmo assim, a consideravam prefe-
rível às outras duas, ou até avançar com outros Este artigo apenas contempla a análise
argumentos não contemplados nas frases. A da questão fechada sobre os jardins zoológicos
decisão de incluir questões fechadas, assim e parques afins, tendo sido as frases alternati-
como de pedir a sua respectiva ordenação, vas sobre as quais os professores tinham de se
resultou de uma cuidadosa ponderação das posicionar as seguintes:
desvantagens e vantagens decorrentes dessa
forma de questionamento. Em relação às des- A – Jardins zoológicos e parques afins são
vantagens, assinalamos os seguintes aspectos: instituições fundamentais para as pessoas,
particularmente os jovens, contactarem com a
• Alertam para perspectivas sobre as quais os biodiversidade do planeta, e contribuem para
entrevistados podem nunca ter pensado; a educação científica, a preservação de espé-
• Impedem a identificação nos entrevistados cies em perigo com interesse para o homem,
de ideias susceptíveis de serem enquadradas tendo ainda um impacto positivo no turismo.
em teorizações mais específicas no seio de (Afirmação antropocêntrica)
uma determinada perspectiva ambientalista; B - Jardins zoológicos e parques afins são
• Excluem outros argumentos antropocêntricos, instituições que tendem a privilegiar os ani-
biocêntricos ou ecocêntricos que os entrevista- mais estranhos à região onde se inserem, sem
dos poderiam privilegiar sobre os temas con- olharem também à representatividade em ter-
templados; mos do seu papel na natureza, e só fariam
• Obrigam a uma ordenação que pode ser sentido em articulação com a preservação de
considerada forçada pelos participantes quan- áreas naturais regionais ou nacionais afins.
do estes partilham com igual convicção duas (Afirmação ecocêntrica)
ou até as três ideias expressas, embora para a C - Jardins zoológicos e parques afins são
maioria dos temas considerados não seja pro- instituições que servem interesses estranhos
vável que isso aconteça. aos animais que neles se encontram, já que
restringem a sua liberdade e os seus compor-
Em termos de vantagens, assinalamos as tamentos naturais, e as recriações dos habitats
seguintes: apenas visam anestesiar a consciência crítica
dos visitantes.
• Obrigam os inquiridos a posicionarem-se (Afirmação biocêntrica)
perante as ideias das diferentes perspectivas
ambientalistas sem ambiguidade; Da análise dessas afirmações, é fácil veri-
• Permitem a expressão de uma opinião (por es- ficar que elas não esgotam os argumentos antro-
colha dirigida) sobre assuntos que podem não pocêntricos, biocêntricos e ecocêntricos que
ter sido objecto de reflexão e sobre os quais, identificámos no enquadramento teórico com que
portanto, os participantes teriam dificuldade em iniciámos este artigo. No entanto, uma vez que tal
se posicionar se sujeitos a uma pergunta aberta; concretização se revelaria impossível em frases
• Impedem a dispersão discursiva e a fraca obrigatoriamente curtas, foi necessário encontrar
focalização com que muitos sujeitos tendem as ideias mais representativas para cada uma das
a responder a questões abertas; perspectivas. No caso concreto da afirmação
• Tornam perceptível a consistência da res- antropocêntrica, aglutinámos argumentos de teor
posta do participante, desde que se solicite economicista com outros de natureza diferente;
uma justificação; na biocêntrica, centramo-nos no critério da auten-
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 335
itens os tinham confrontado com temas e pers- se revelaram estatisticamente significativas (p =
pectivas sobre as quais nunca tinham reflectido, 0,174), embora esse facto, só por si, não deixe
pelo menos de forma sistemática, e mostraram de nos suscitar alguns comentários. Quando
muito interesse em conhecer os resultados da pensamos em jardins zoológicos e outros par-
investigação. Para Kahn (1999), são precisamen- ques afins, associamo-los a espaços privilegia-
te manifestações como essas que fazem aumen- dos, dedicados aos mais novos. Daí termos
tar a confiança nos dados recolhidos. manifestado a expectativa de um reconheci-
mento maior do seu interesse por parte dos
Análise dos resultados docentes do 1º grupo (educadores e professo-
res do 1º Ciclo), embora saibamos que as ques-
De seguida, apresentamos os resultados re- tões da biodiversidade são igualmente aborda-
ferentes às respostas dos docentes dos dois grupos das nas Ciências Naturais dos 2º e 3º Ciclos, e
considerados sobre o seu posicionamento acerca que vários professores desses ciclos também a
dos jardins zoológicos e parques afins. A Tabela 2 eles se deslocam com o objectivo de uma ob-
apresenta a frequência de escolha das afirmações servação directa das características dos animais.
antropocêntrica, biocêntrica e ecocêntrica para a 1ª Apesar disso, a incidência de escolha da afirma-
opção e para as 1ª e 2ª opções conjugadas e os ção antropocêntrica no 1º grupo não confir-
valores de probabilidade resultantes da aplicação do mou a nossa expectativa e foi mesmo superior
teste de qui-quadrado. No que se refere às justi- no 2º grupo como acabámos de salientar.
ficações dadas pelos professores, importa salien- Quando analisamos os pares de respostas,
tar que um número significativo constituiu uma os professores do 1º grupo voltam a surpreender-
mera paráfrase do teor da afirmação seleccionada. nos por preterirem a afirmação antropocêntrica,
Por esse motivo, apresentamos apenas aquelas uma vez que onze escolheram o par BE (o que
que consideramos melhor nos ajudarem a com- correspondeu a 61% dos que tinham optado pela
preender a sua selecção. afirmação biocêntrica na 1ª opção). Igual tendên-
cia manifestaram os participantes do 2º grupo,
tendo 7 escolhido o mesmo par (64%). Dos 19
docentes que se posicionaram do ponto de vista
antropocêntrico, o par AB recebeu a preferência
de onze (cinco e seis de cada grupo). A escolha
da afirmação antropocêntrica seguida da bio-
cêntrica pode parecer uma contradição, mas os
docentes justificaram-na como uma tentativa
Globalmente e no que se refere à 1ª para contrabalançar o interesse científico e
escolha, os docentes posicionaram-se de um didáctico desses locais com a salvaguarda do
ponto de vista biocêntrico (29-48%), escolhen- bem-estar dos animais. Em relação aos partici-
do depois a afirmação antropocêntrica (19- pantes que escolheram a afirmação ecocêntrica,
32%) e, por último, a ecocêntrica (12-20%). o par mais escolhido foi o EA (respectivamente
Quando analisamos a tendência por grupos, ve- seleccionado por três e cinco docentes de cada
rificamos que em ambos a afirmação biocêntrica grupo), o que parece apoiar a ideia de uma
foi a mais escolhida, embora o mesmo número maior proximidade entre essas duas perspectivas
de professores do 2º grupo tenham seleccionado para o tema em análise. Na distribuição dos pares
a antropocêntrica (onze). Simultaneamente, fo- de respostas, não se verificaram quaisquer dife-
ram os docentes desse grupo que mais optaram renças estatisticamente significativas.
pela afirmação ecocêntrica (oito contra quatro). No que se refere às justificações apre-
De salientar que as diferenças entre grupos não sentadas pelos docentes, as de teor biocêntrico
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 337
nifestaram posições mais conciliadoras. Escolhemos fora das cidades, o que possibilitaria melhorar
como exemplo uma dessas posições porque ex- as recriações dos habitats dos animais, aspec-
pressa bem o conflito que esses espaços podem to indissociável do contributo para que se sin-
causar em alguns docentes, precisamente fruto do tam mais livres. Ainda assim, um dos docentes
seu interesse didáctico. considerou que o zoo de Lisboa tem melhora-
do significativamente nos últimos anos no
É indiscutível que os zoos privam os ani- modo como mantém os animais em cativeiro,
mais da liberdade. Mas tenho de confessar opinião que não mereceu o mesmo reconheci-
que é uma coisa que não me faz muita mento da parte de um outro que se posicionou
confusão desde que os animais sejam bem de um ponto de vista biocêntrico.
tratados. Porque é muito agradável mostrar As justificações associadas à escolha da
aqueles animais aos miúdos (risos), tenho afirmação ecocêntrica pouco avançaram tam-
de o confessar. Mas percebo perfeitamente bém ao seu teor. De destacar apenas o exercí-
que não são as condições ideais para os cio de exemplificação de um dos docentes, que
animais viverem. (EI + 1º C) foi expresso da seguinte maneira:
Em termos gerais, as justificações antro- Eu acho que pode ser difícil recriar deter-
pocêntricas pautaram-se pelo reconhecimento minados habitats. Por exemplo, o habitat
das potencialidades que alguns dos docentes do urso polar... É muito difícil de recriar
com concepções diferentes contestaram, pon- aqui, por muito esforço que se faça. Talvez
do em destaque precisamente o valor educativo seja fácil, ou menos difícil, recriar o deser-
e científico desstes espaços e pouco se afasta- to, mas o frio polar é complicado. Portan-
ram do teor da afirmação apresentada. to, se calhar, seria importante respeitar as
grandes diferenças de habitat e diminuir o
Os jardins zoológicos são uma chamada de leque de animais do zoo. (2º C + 3º C e S)
atenção. Se o habitat daqueles animais não for
protegido, no futuro só os poderemos ver ali. Em termos globais, esses resultados evi-
E há muita gente que não tem conhecimento denciam a maior tendência dos docentes pela es-
da existência de certos animais. (EI + 1º C) colha de argumentos biocêntricos e ecocêntricos
conjugados. Essa incidência correspondeu clara-
Apesar dessa sintonia com as ideias ex- mente a uma posição crítica em relação à própria
pressas na frase antropocêntrica, três docentes existência dos jardins zoológicos e parques afins
(dois do 2º subgrupo) contestaram o aspecto e aos moldes em que se encontram estruturados
particular da relevância turística dos jardins actualmente. Ainda assim, algumas justificações
zoológicos e parques afins, o que nos pareceu biocêntricas caracterizaram-se por um teor mais
corresponder a um afastamento das teses conciliador, o que evidencia alguma ambivalência
antropocêntricas economicistas. Todavia, mes- na forma de avaliar essas instituições, fruto da
mo a maioria dos docentes que optou pela afir- conflitualidade de valores já assinalada. Essa po-
mação antropocêntrica não deixou de reconhe- sição crítica foi ainda mais acentuada nos docen-
cer espontaneamente as condições pouco tes do 1º grupo, se atendermos a que os do 2º
abonatórias de alguns jardins, pela forma como não só seleccionaram mais a afirmação antropo-
mantêm os animais. Houve assim um consenso cêntrica, como os que optaram pela ecocêntrica
generalizado em relação à necessidade imperi- acabaram na sua maioria por escolher a antro-
osa de melhorar a qualidade desses espaços. pocêntrica em segundo lugar.
Alguns salientaram ainda que a localização dos As razões que levam os professores do
jardins zoológicos e parques afins deveria ser 2º grupo a possuir uma visão mais instrumen-
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 339
ram preferíveis. Assim, a maioria dos visitantes desafio, criatividade e participação activa dos en-
prefere os espaços de 3ª geração, mais naturalis- contros directos com a natureza. A simbólica é
tas, e por razões que não se prendem apenas com uma experiência anestesiada, que ocorre no con-
o facto de serem esteticamente mais agradáveis. forto do lar, e permanece incerto se permite mol-
No entanto, a avaliação de uma instituição, dar os valores das pessoas positivamente em rela-
actividade ou estratégia não pode apenas basear- ção à natureza. Ambas as experiências são ainda
se na sua eficácia. Poderíamos admitir por absur- esporádicas, atípicas, altamente estruturadas,
do que a melhor maneira de estudar seres huma- limitadoras enfim da espontaneidade, do compor-
nos para um determinado fim seria encerrá-los em tamento adaptativo e do desenvolvimento de
espaços limitados e impedi-los de contactar os múltiplas capacidades humanas. Daí que embora os
seus familiares e amigos. Por isso, a questão assu- jardins zoológicos e parques afins possam desem-
me uma dimensão ética incontornável, que obriga penhar algum papel na literacia científica, se se
a discutir a própria existência dos jardins zoológi- verificar uma articulação conseguida entre os seus
cos e parques afins, mesmo reconhecendo o esfor- serviços educativos e os objectivos dos professo-
ço de muitos em se tornarem espaços de 3ª gera- res que a eles se deslocam, parecem contribuir de
ção. Jamieson (2006) sintetiza essa dimensão do forma diminuta para o desenvolvimento psicos-
seguinte modo: até que ponto a Educação neces- somático das crianças e jovens. É verdade que a
sita da manutenção de animais selvagens em ca- argumentação antropocêntrica utilizada pelos
tiveiro, quando esses objectivos podem ser obtidos docentes nunca admitiu essa possibilidade, mas
por meio de vídeos, palestras e simulações por importa acentuar a ideia de que nunca poderão
computador, e lança o desafio: ser, conjuntamente com espaços similares como
aquários e jardins botânicos, substitutos adequa-
Não poderia a maior parte dos objectivos dos à vivência em espaços naturais, embora a
educacionais ser melhor atingidos através da crescente artificialização do planeta esteja a fa-
exibição de jaulas vazias com explicações zer perigar a possibilidade de acesso de uma po-
das razões por que estão vazias? (p. 136) pulação crescentemente urbana a espaços onde
a natureza não é (ou é menos) gerida.
Este estudo permitiu concluir que parte Quem já teve o privilégio de um encontro,
significativa dos educadores e professores dos mesmo que fugaz, com outros seres vivos em meio
diferentes ciclos que trabalham em EA manifesta natural (falamos principalmente de mamíferos e
uma posição crítica quanto à existência dos espa- aves de algum porte, à semelhança dos animais
ços em discussão e um fraco entusiasmo pelo seu que os zoos exibem), sabe que se trata de uma
potencial didáctico. Esse aspecto revela-se em experiência indescritível do ponto de vista emoci-
sintonia com o valor atribuído por Kellert (1997) onal e de uma riqueza incomparavelmente supe-
aos diferentes tipos de experiências ligadas à na- rior à dos encontros com animais que ocorrem nos
tureza e que são avaliadas agora numa dimensão zoos. Com esse argumento, estamos talvez surpre-
distinta da do seu interesse para a aprendizagem endentemente a utilizar uma argumentação
científica. Esse autor distingue entre contacto antropocêntrica, à semelhança da evocada por
directo com a natureza: envolvimento físico com Kellert (1997), mas agora centrada no prazer que
locais naturais; contacto indirecto: locais onde a retiramos de uma experiência. No entanto, quem
natureza é gerida, como jardins e aquários; e sabe se essa não é uma via para a interiorização de
contacto simbólico: representações veiculadas formas de olhar os outros seres vivos de um modo
pelos media. Entretanto, para Kellert, as experiên- menos centrado no ser humano, que conduza até
cias indirecta e simbólica de contacto com a na- à ideia de que cada vez há menos razões para que
tureza não constituem alternativa à experiência os espaços em discussão continuem a existir.
directa. Na experiência indirecta, falta intimidade, Por último, um comentário à surpresa
Referências bibliográficas
COLL, R. et al
al. Free-choice learning at a metropolitan zoo
zoo. In: Annual Meeting of the National Association for Research in Science
Teaching, Philadelphia, 2003.
CONWAY, W. Zoo conservation and ethical paradoxes. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and
wildlife conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 1-9.
EUDEY, A. To procure or not to procure. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife
conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 146-152.
HANCOCKS, D. Lions and tigers and bears, oh no! In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife
conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 31-37.
HUTCHINS, M.; DRESSER, B.; WEMMER, C. Ethical considerations in zoo and aquarium research. In: NORTON, B. et al. (Eds.).
Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995.
p. 253-276.
Educação e Pesquisa, São Paulo, v.34, n.2, p. 327-342, maio/ago. 2008 341
JAMIESON, D. Zoos revisited. In: NORTON, B.et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife conservation.
Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995a. p. 52-66.
JAMIESON, D. Wildlife conservation and individual animal welfare. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal
welfare, and wildlife conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995b. p. 69-73.
JAMIESON, D. Against zoos. In: SINGER, P. (Ed.). In defense of animals – the second wave. Malden (MA): Blackwell Publishing,
2006. p. 132-143.
LOFTIN, R. Captive breeding of endangered species. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and
wildlife conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 164-180.
MAPLE, T. Toward a responsible zoo agenda. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife
conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 20-30.
NAESS, A. Ecolog
Ecologyy, community and lifestyle
lifestyle. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
REGAN, T. Are zoos morally defensible? In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal welfare, and wildlife
conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 38-51.
WILSON, E. Biophilia
Biophilia: the human bond with other species. Cambridge: Harvard University Press, 1984.
WUICHET, J.; NORTON, B. Differing conceptions of animal welfare. In: NORTON, B. et al. (Eds.). Ethics on the Ark
Ark: zoos, animal
welfare, and wildlife conservation. Washington; London: Smithsonian Institution Press, 1995. p. 235-250.
Recebido em 31.01.07
Aprovado em 16.05.08
António Almeida é professor adjunto na Escola Superior de Educação de Lisboa, Portugal, doutor em Educação Ambiental,
atua no campo da Didática das Ciências e da Educação Ambiental e tem artigos e livros publicados nesses domínios.