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Série Parceria na

Missão de Deus

Reconstruindo missão
na América Latina

M iguel A lvarez
(editor)

Tradução
Luís M arcos Sander
G eraldo K om dörfer

Ed ito ra

SlNODAL
3 t> I yam uel iüscobax

Missão para além da América Latina A construção da missiologia latino-americana:


Alguns missiólogos católicos expressaram sua admiração pelo zelo como a perspectiva holística superou
evangelístico dos evangelicais, que está ausente da vida católica e eles acham estereótipos tradicionais
difícil de fomentar. O mesmo zelo e entusiasmo, que para mim constituem
uma indicação de vitalidade espiritual, são agora demonstrados pela partici­ Sherron K. George
pação na missão global. Desde 1987, um certo grau de coordenação da missão
da América Latina para outras partes do mundo tem sido proporcionado pela Este ensaio descreve a construção criativa da missiologia latino-ame­
COMIBAM, uma rede de agências e indivíduos formada depois de um con­ ricana focando as contribuições de René Padilla, Samuel Escobar, Leonardo
gresso missionário ocorrido em São Paulo, Brasil. BofF e Roberto E. Zwetsch. O trabalho exige a desconstrução da imposição
O progresso no trabalho missionário evangelical a partir da América colonial, imperial e paternalista. A perspectiva holística supera estereótipos
Latina tem sido significativo. Estima-se que, em 1982, 92 organizações pro­ tradicionais da missão. Os componentes fundamentais incluem a missão in­
testantes estavam enviando um total de 1.120 latino-americanos como missio­ tegral, missio Dei, comunidade trinitária e humana, diálogo, mutualidade,
nários e missionárias para outras partes do mundo. Em 1988, havia 150 orga­ contexto, justiça, compaixão, solidariedade, dignidade humana, diversidade
nizações e 3.026 missionários.41 Em 1997, os números indicavam que havia cultural, Mãe Terra e interculturação. O reinado de Deus - uma realidade pre­
3.921 missionários latino-americanos em outras partes do mundo enviados por sente e uma esperança futura - recebe mais ênfase do que as igrejas institucio­
284 organizações.42 Durante o congresso COMIBAM III relatou-se que havia nais. O diálogo sobre missão com pessoas da América Latina leva à integração
nove mil missionários enviados por 400 agências. Esses números geralmente dinâmica e a parcerias sólidas.
são estimativas conservadoras e não incluem muitos movimentos espontâneos Em um livro intitulado A Violent Evangelism: The Political and Re-
que são difíceis de documentar. Eles tampouco incluem as pessoas migrantes ligious Conquest o f the Américas [Uma evangelização violenta: a conquista
que, por conta própria, fazem trabalho missionário em outros lugares, embora política e religiosa das Américas], publicado por ocasião do 500° aniversário
não estejam formalmente relacionadas com agências estabelecidas. do chamado “descobrimento” das Américas, Luis Rivera, pesquisador de Por­
Diversas denominações vêm desenvolvendo formas pelas quais igrejas to Rico, desconstrói a mitologia do “descobrimento” e descreve a realidade
dos Estados Unidos e da Europa fazem parcerias com igrejas da América Lati­ de expropriação, dominação, conquista e genocídio. Não se tratou de um “en­
na para esse novo estágio da missão global. Entre as missões de fé, Latin Link contro de duas culturas”. Em vez de uma celebração, ele propõe uma reflexão
ampliou sua base britânica original para incluir outros parceiros europeus e os crítica:
parceiros latino-americanos desses. A Latin America Mission [Missão Améri­
ca Latina], com sede em Miami, teve uma longa experiência no fomento a es­ Com a conquista do Novo Mundo, há não apenas uma forma de escapar do
sas novas espécies de parceria. Os evangelicais latino-americanos cresceram o cerco islâmico, mas também o início da hegemonia mundial europeia, do
suficiente agora para ser parceiros que não podemos nos dar o luxo de ignorar sistema imperial que, passando por diversas fases, caracterizou a era mo­
em qualquer consideração do futuro da missão cristã. derna [...] Nessa expansão europeia [...] a fé cristã desempenhou um papel
excepcional como ideologia imperial1.

Leonardo Boflf, teólogo brasileiro da libertação, ofereceu para a mesma


ocasião uma reflexão missiológica a partir das culturas oprimidas da América
Latina. Ele conclama a uma desconstrução da “evangelização colonial” e à
(re)construção de uma “evangelização integral” ou “libertadora”. O francisca-
no propõe uma “nova evangelização” que seja realmente uma boa nova para

41 Dados extraídos de PATE, Larry. From Every People: A Handbook o f Two-Thirds World
Missions with Directory/Histories/Analysis. Monrovia, CA: MARC, 1989.
42 LIMPIC, Ted. Catálogo de organizaciones misioneras ibero-americanas. Miami, FL: 1 RIVERA, Luis N. A Violent Evangelism: The Political and Religious Conquest o f the
COMIBAM-Unilit, 1997. p. 171. Americas. Louisville, KY: Westminster/John Knox, 1992. p. 21-22.
os pobres, leve a sério o contexto de sofrimento deles e parta de suas culturas Componentes
marginalizadas. A conscientização e uma nova inculturação do evangelho são
necessárias porque No contexto de ditaduras militares na América Latina, manifestações
pelos direitos civis nos Estados Unidos e declarações de independência de
[...] a evangelização que ocorreu aqui implicava a transposição das institui­ potências coloniais na África e na Ásia, o Espírito soprou de uma maneira
ções, símbolos, conceitos e hábitos morais da cultura cristã europeia para nova sobre a igreja no mundo modemo. Um dos frutos do Concílio Vatica­
um novo continente. De modo geral, não houve um encontro entre a fé e a no II (1962-1965) foi a 2a Conferência do Episcopado Latino-Americano u n
realidade nativa, entre o evangelho e as culturas autóctones, que teria per­ Medellín, Colômbia (1968). O avanço ocorrido em Medellín foi reforçado
mitido o surgimento de uma expressão cristã tipicamente nossa2. em Puebla, México (1979). Como resultado da “opção preferencial pelos po­
bres”, teólogos como, por exemplo, Gustavo Gutiérrez, Leonardo Boff, Ri-
O estabelecimento do protestantismo em um continente colonizado por chard Shaull, Rubem Alves e George Pixley começaram a orientar os pobres
países católicos romanos não foi fácil. Foi só em meados do século XIX que em uma nova caminhada bíblica “a partir de baixo”.
missionários dos Estados Unidos e da Europa começaram a distribuir Bíblias Consequentemente, o primeiro componente da missiologia latino-ame­
e a implantar igrejas, escolas e hospitais. O puritanismo, o pietismo, o Grande ricana é “libertação” com “os pés no chão” imersos no “contexto” histórico-
Despertar, o Destino Manifesto e a Era do Império influenciaram os esforços -cultural. A teologia da libertação nasceu na América Latina como uma teolo­
missionários. Como no caso das missões católicas, a imposição, a dominação, gia contextuai da missão que partia de uma análise do contexto socioeconômi-
a dependência, o imperialismo e paternalismo obstruíram o respeito pelas po­ co de pobreza e injustiça e insistia que a evangelização não poderia ocorrer em
pulações indígenas originais, descendentes de escravos africanos e ibero-ame­ um vácuo separado da consciência e justiça social. A missão precisa descobrir
ricanos católicos bem como as contribuições deles. A missão foi uma mescla e enfrentar as causas básicas da pobreza. Esses teólogos usavam linguagem
de elementos positivos e negativos. Apesar das atitudes e práticas colonialis­ política para expressar duas dimensões complementares da missão: transfor­
tas, muito bem foi feito e sementes do evangelho e igrejas foram implantadas. mação pessoal e transformação social. Pessoas católicas e protestantes4 da
Um momento divisor de águas veio com o Congresso Evangélico Hispa­ América Latina empregaram essa nova chave hermenêutica. Eles e elas ob­
no-Americano do Norte realizado em 1929 em Havana, Cuba. Em aguda contra­ servam as realidades dolorosas do contexto e então escutam o texto bíblico e
posição ao congresso ocorrido no Panamá em 1916, que só tinha 21 participantes refletem crítica e pastoralmente sobre ele.
latino-americanos nativos, o Congresso de Havana foi planejado e conduzido Na área da educação, a pedagogia do oprimido de Paulo Freire também
por latino-americanos que se encontraram com parceiros norte-americanos para enfatizou a importância de começar com o contexto histórico-cultural e acres­
buscar uma missão cooperativa. Samuel Silva Gotay descreveu o evento como centou um segundo componente: diálogo - um novo ponto de partida pedagó­
uma irrupção histórica significativa “dos latino-americanos no mundo missioná­ gico e missiológico. Em um relacionamento dialógico horizontal, educadores
rio evangélico como agentes que se apropriaram do espaço teológico, político e e educandos são, todos eles e todas elas, sujeitos com participação democrá­
cultural que lhes correspondia”. Para Gotay, esse foi “o grito de nascimento da tica criativa e reflexiva no processo. As pessoas que estão sendo “educadas”
nova geração do protestantismo evangélico na América Latina”3. e as que estão sendo “evangelizadas” são sujeitos ativos, agentes, e nunca
A geração seguinte foi além da desconstrução e passou à (re)constru- simplesmente objetos a serem “preenchidos”, manipulados ou dominados. Os
ção de uma missiologia latino-americana contextuai. Este capítulo apresenta educandos devem ser “investigadores críticos, em diálogo com o educador,
componentes importantes e as contribuições de quatro latino-americanos para investigador crítico também”. Para Freire, a educação dialógica é uma práxis
esse processo.
mutuamente libertadora de “reflexão e ação dos seres humanos sobre o mundo
para transformá-lo”5.

2 BOFF, Leonardo. N ew Evangelization: Good N ew s to the Poor. Maryknoll, NY: Orbis,


1991. p. xii.
3 GOTAY, Samuel Silva. O significado histórico do Congresso Evangélico Hispano- 4 Cf., por exemplo, o livro do falecido teólogo costarriquenho COSTAS, Orlando. Liberating
-Americano do Norte da América Latina. In: GIESE, Nilton (ed.). Missão e evangelização News: A Theology o f Contextual Evangelization. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1989.
na América Latina e Caribe. São Leopoldo: Sinodal; CLAI, 2012. p. 18-19, 28. s FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. p. 40, 80.
O argentino José Míguez Bonino levou o diálogo para outro nível. Para World [A igreja e sua missão: uma crítica demolidora a partir do Terceiro Mun­
ele, a missão começa com o diálogo trinitário entre Pai, Filho e Espírito Santo. do], Costas critica o movimento de crescimento da igreja e pergunta:
Nós somos incluídas e incluídos nesse “diálogo missionário” com Deus e com
outras pessoas e vivenciamos a unidade da missão una de Deus e as distinções O evangelho não é a boa nova do reinol Quem é o centro do reino —Cristo
ou a igreja? Quem é o objeto do reino - a comunidade ou o Rei? Qual é
das dimensões dessa missão. Consequentemente, a missão se toma o “princípio
o objetivo do reino - o exercício do reinado justo, pacífico e amoroso de
material” de uma teologia protestante latino-americana em busca de unidade.6
Cristo no céu e na terra em um universo restaurado e transformado ou a
Os protestantes em diálogo com os católicos procuraram nuançar a
reunião de uma comunidade para ele?8
libertação, tomando-a mais holística. Em 1970, teólogas e teólogos latino-
-americanos fundaram a Fraternidade Teológica Latino-Americana, com um O “reinado de Deus” toma-se uma categoria muito maior, última e mais
compromisso de ser bíblica e latino-americana. As contribuições de teólogas importante do que a igreja. Deus promete um reinado de amor, justiça e paz
e teólogos como Elsa Támez, Orlando Costas, René Padilla, Mortimer Arias e na terra. Esse reinado é um espaço onde os valores evangélicos da igualdade,
Samuel Escobar possibilitaram que a igreja na América Latina fosse além de reciprocidade, hospitalidade, humildade, simplicidade, solidariedade e respei­
uma falsa dicotomia entre evangelização e justiça social, criando um terceiro to são praticados. “Venha Teu Reino” foi o tema da Conferência do Conselho
componente - a missão “integral” ou “holística”. Minha caminhada pessoal Mundial de Igrejas sobre Missão e Evangelização realizada em Melboume,
rumo à integração na missão holística de Deus tem sido um processo em que Austrália, em 1980. Em sua palestra, Mortimer Arias, que nasceu no Uruguai
venho aprendendo de pessoas latino-americanas. A primeira vez em que ouvi e foi o primeiro bispo da Igreja Metodista da Bolívia, sistematizou sua com­
o termo “holístico” em referência à missão como um “todo indivisível, unitá­ preensão da “evangelização do reino”, que é “bíblica, evangélica, holística,
rio” quando Orlando Costas a usou em uma conferência. Afirmou ele: humanizadora, conscientizadora, libertadora, contextuai, engajada, encarna-
cional e conflituosa"". Ele afirma que a evangelização, para Jesus, “não era
O verdadeiro teste da missão não é que proclamemos, façamos discípulos
nada mais e nada menos do que anunciar o reinado de Deus""9 com todas as
ou nos engajemos na libertação social, econômica e política, mas que seja­
mos capazes de integrar todas as três coisas em um testemunho abrangente,
suas implicações pessoais e sociais. Os latino-americanos levam a sério o fato
dinâmico e consistente. Precisamos orar que o Senhor nos liberte para a de que o que Jesus veio estabelecer era o reinado de Deus, não a igreja.
integralidade e integridade na missão7. Nos anos 1960 e 1970, duas missiologias distintas, mas inter-relaciona-
das surgiram na América Latina: a teologia da libertação e a missão integral.
Costas adotou criticamente a mensagem profética da libertação e desen­ As seções seguintes mostram como quatro missiólogos latino-americanos
volveu uma teologia da evangelização contextuai integrativa. usaram os componentes da libertação, contexto, diálogo, missão integral e
Finalmente, relacionamentos dialógicos, a missão integral e a desconstru- uma perspectiva do reino durante as últimas quatro décadas para construir
ção ou ruptura com a teologia e missiologia “dominante” “a partir de cima” - da uma missiologia latino-americana com profundidade teológica, abertura ecu­
perspectiva dos poderosos —criam uma nova maneira de ser igreja no mundo. mênica e sensibilidade para a globalização —uma contribuição notável para a
Boff usa o termo eclesiogênese”. O povo de Deus se reúne em comunidades missão pós-colonial.
de base, grupos celulares, movimentos carismáticos, estudantis e sociais, que
transcendem lealdades nacionais ou denominacionais, bem como estruturas e Missão integral
doutrinas institucionais, a fim de promover o “reino” ou “reinado” de Deus.
Em seu livro The Church and its Mission: A Shattering Critique from the Third Um componente que continua sendo um tema importante na missiolo­
gia latino-americana é o evangelho inteiro ou a integralidade da missão. Esse
era um conceito-chave na teologia da missão de Costas. A pessoa que, para

MÍGUEZ BONINO, José. Faces o f Latin American Protestantism. Tradução Eugene L


Stockwell. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1997. p. 141, 131. [Edição em português: Rostos 8 COSTAS, Orlando. The Church and its Mission: A Shattering Critique from the Third
do protestantismo latino-americano. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2003.] World. Wheaton, IL: Tyndale, 1974. p. 135.
7 COSTAS, Orlando. The Integrity o f Mission: The Inner Life and Outreach o f the Church 9 ARIAS, Mortimer. Announcing the Reign o f God: Evangelization and the Subversive
San Francisco: Harper & Row, 1979. p. 75. Memory o f Jesus. Philadelphia, PA: Fortress, 1984. p. xiii, xviii.
A u u iio b i. u y c b u u c t i i i i s s i u i u g i a . i t n - i x i u - e m i c i iv g u l ía |

mim, é um erítome da missão integral10 é o equatoriano C. René Padilla, que propósito aqui e agora, ‘entre os tempos’”13. A igreja é “a comunidade do Rei­
reside na Argentina, na Comunidade Kairós. no [...] Ela não deve ser equiparada ao Reino, mas tampouco deve ser separada
No Congresso Internacional de Lausanne sobre Evangelização Mundial dele”. Ele continua dizendo: “A igreja é [...] a manifestação concreta do reino
em 1974, Padilla e o peruano Samuel Escobar, ambos batistas, defenderam de de Deus [...] e ela deve ser vista no contexto do propósito universal de Deus
modo convincente a missão integral nas palestras que fizeram ao plenário. Pa­ em Cristo”. E conclui afirmando que “a evangelização e a responsabilida­
dilla era vice-secretário para a América Latina da Comunidade Internacional de de social são inseparáveis”, mas distintas, como as duas asas de um pássaro.
Estudantes Evangélicos [IFES, na sigla em inglês] e Escobar era secretário da Contanto que ambas “sejam consideradas essenciais para a missão, não preci­
InterVarsity Christian Fellowship do Canadá. Ambos criticavam abertamente o samos de uma regra prática que nos diga qual delas vem primeiro e quando”14.
cristianismo associado com o modo de vida americano, o movimento missioná­ A comunidade ecumênica Kairós de discipulado e missão integral a ser­
rio norte-americano paternalista, a separação nítida entre evangelismo e preo­ viço do reinado de Deus, fundada por Padilla em Buenos Aires em 1976 com
cupação social e a prioridade dada ao evangelismo, levando a fortes discordân- lideranças estudantis e professores de teologia, publicou a Série do Caminho
cias entre americanos do sul e do norte.11 Eles foram acusados de ser marxistas, em 2006. O primeiro volume é O que é missão integral, de Padilla15. Em seu
talvez por causa de seu diálogo com a teologia da libertação. Entretanto, sua prefácio, ele afirma que 18 dos breves ensaios estão sendo publicados de novo
insistência resultou na inclusão da preocupação social no Pacto de Lausanne por causa de sua enorme acolhida em toda a América Latina e do interesse
como parte integrante da missão, inextricavelmente ligada à evangelização. recentemente renovado na missão integral, especialmente no Sul global. O
Dez anos depois de Lausanne I, Padilla publicou Mission between the ensaio final sobre a necessidade de unidade e mutualidade entre grupos evan­
Times: Essays on the Kingdom [Missão entre os tempos: ensaios sobre o Rei­ gélicos e ecumênicos é animador.
no], No prefácio, ele explica que os ensaios foram “escritos na última década Em 2010, Padilla esteve presente em Lausanne III na Cidade do Cabo,
e refletem meu envolvimento em muitas conferências” e no “diálogo teológico África do Sul. Depois, ele apontou “falhas graves” como, por exemplo, a di­
internacional que vem ocorrendo em círculos evangélicos desde o Congresso de cotomia contínua entre “evangelismo e responsabilidade social” e a dominân­
Lausanne de 1974”. Padilla insiste que a plenitude da missão inclui evangelismo cia de estratégias “made in USA”. Conclui melancolicamente dizendo que “o
e discipulado, parceria e unidade, desenvolvimento e justiça. Ela está “centrada maior obstáculo para a implementação da verdadeira parceria é a afluência do
em um estilo de vida profético” e aponta para “Jesus Cristo como Senhor sobre Norte e do Ocidente”16.
a totalidade da vida, para a universalidade da igreja e para a interdependência Samuel Escobar colaborou com Padilla no movimento estudantil no con­
dos seres humanos no mundo”12. A missiologia integrada busca a dialética, a in­ tinente, na Fraternidade Teológica Latino-Americana e no Movimento de Lau­
teração, a convergência, a integralidade e a plenitude da missão de Deus. sanne. Samuel e sua esposa Lilly trabalharam com a Comunidade Internacional
O ensaio final mostra a perspectiva do reino na missão integral. Padilla de Estudantes Evangélicos [IFES] no Peru, na Argentina, no Brasil e no Canadá
começa afirmando: “Falar do reino de Deus é falar do propósito redentor de (1959-1985). René Padilla também atuou para a IFES (1959-1982). Eles foram
Deus para a criação toda e da vocação histórica da igreja em relação a esse parceiros no ministério em toda a América Latina por mais de duas décadas.
A articulação do discurso evangélico durante a turbulência social e o
fermento estudantil na década de 1950 e 1960 foi um desafio. Samuel e Lilly
se mudaram para São Paulo, Brasil, em 1962, para apoiar o movimento estu­
10 Em inglês, prefiro usar o termo “integral” [integral] a “holistic” [holístico]. Charles Rigma dantil crescente, mas voltaram à Argentina um mês depois que os militares
explica sua preferência por “integral” em RIGMA, Charles. Holistic Ministry and Mission: tomaram o poder lá em 1964, um ano depois de ele ter publicado Diálogo
A Call for Reconceptualization. Missiology: An International Review, v. 32, n. 4, p. 432-
444, out. 2004. Ele mostra que “o todo sempre vai nos escapar”. Enquanto que o holismo
filosófico opera “do todo na direção da parte”, o termo integral “vai exatamente na direção
oposta - da parte na direção da completude. Integrar é juntar as coisas ao contribuir para um PADILLA, C. The Mission o f the Church in Light o f the Kingdom o f God. In: PADILLA,
todo maior”. 1985, p. 186.
11 Cf. ALISTER, Chapman. Evangelical International Relations in the Post-Colonial World: “ PADILLA, 1985, p. 189-198.
The Lausanne Movement and the Challenge o f Diversity. Missiology: An International Cf. PADILLA, C. René. ^Qué es la misiôn integral? Buenos Aires: Kairos, 2006. (Series
Review, v. 37, n. 3, p. 355-368, jul. 2009. i6 ^ (“arnino- No. 1. Red del Camino).
12 PADILLA, C. René. The Fullness o f Mission. In: Mission Between the Times: Essays on the Cf. PADILLA, C. René. The Future o f the Lausanne Movement. International Bulletin o f
Kingdom. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1985. p. 141. Missionary Research, v. 35, n. 2, p. 86-87, abr. 2011.
A c o nstruç ã o da m issio lo g ia la tino-a m e nca na | ■ao

entre Cristo e Marx como ferramenta evangelística a ser usada com estudantes contextuais” inclui reflexão sistemática e crítica “sobre o ato missionário à luz
em busca de justiça social. Junto com Padilla, ele formulou um “conceito de da palavra de Deus”20.
responsabilidade social estruturado em tomo de um núcleo cristológico”17. No capítulo com o panorama histórico, intitulado “Da missão para a li­
Em 1972, a InterVarsity Christian Fellowship do Canadá convidou Es- bertação”, ele comenta, fazendo referência à renovação que se seguiu ao Concí­
cobar para ser seu secretário. Ele estava a caminho de Lausanne 1974: lio Vaticano II e à Conferência de Medellín em 1968: “A redescoberta católica
da Bíblia abriu para os protestantes um conjunto de questões-chave em relação
Convencido por experiência de que, se os evangélicos se congregassem e à hermenêutica, contextualização, estratégia missionária e ecumenismo”21.
cooperassem, poderiam alcançar muito nos esforços conjuntos na missão, Depois de escrever sobre “Missão na América Latina”, ele apresenta a
aceitei um convite para fazer parte do comitê que estava preparando o Con­
passagem significativa para a “Missão a partir da América Latina” e afirma:
gresso Internacional de Lausanne sobre Evangelização Mundial18.
“A América Latina é agora a base de um crescente movimento missionário
para outras partes do mundo”22.
Lá ele fez uma palestra controvertida, “A evangelização e a busca hu­
Em suas observações de missiólogos evangélicos latino-americanos
mana de liberdade, justiça e realização”. No processo de reflexão após o con­
pós-Lausanne, ele menciona uma abordagem em duas vertentes:
gresso, resumiu sua posição e escreveu, junto com John Driver, Christian Mis-
sion and Social Justice [Missão cristã e justiça social]. Nesse livro, Escobar
Por um lado, uma tarefa crítica, que inclui um debate contínuo com as
insiste na necessidade de consciência histórica na missão e de uma nova cons­ teologias da libertação [...] Por outro lado, teólogos evangélicos têm se
ciência da pobreza no mundo. Recorrendo às ferramentas da contextualização dedicado à tarefa construtiva de desenvolver uma teologia da missão que
e do diálogo, ele afirma que uma “leitura interclasses da Bíblia é possível” 19. expresse a realidade dinâmica e o impulso missionário de suas igrejas na
De volta ao Peru, sua terra natal, em 1978, Escobar trabalhou com a América Latina23.
equipe da IFES, lecionou missiologia e escreveu um breve livro sobre teologia
da libertação a partir de uma perspectiva evangélica. Em 1985, o Seminário Voltamo-nos agora para um teólogo da libertação que desenvolveu o
Teológico Batista do Leste o convidou para ser o sucessor de Orlando Costas conceito de integralidade na missão contextuai tanto em termos cósmicos
na cátedra de missiologia. Lá ele usou o processo educacional dialógico parti­ como éticos.
cipativo de Paulo Freire, tema de seu doutorado.
Embora Escobar não use o termo “missão integral” com frequência, Libertação para a comunhão trinitária e o cuidado do planeta
como o faz Padilla, seu foco na responsabilidade e justiça social em círculos
evangélicos mostra seu papel no sentido de ajudá-los a incluir essa dimen­ Durante a década de 1960, um presbiteriano brasileiro, Rubem Alves,
são. Sua missiologia representa o novo paradigma ecumênico proposto por começou a articular temas referentes à libertação e a conclamar teólogos do
David Bosch com forte ênfase no modelo contextuai da América Latina. Seu Atlântico Norte a dar ouvidos à nova hermenêutica que estava vindo do he­
livro Changing Tides: Latin America & World Mission Today [A maré está misfério Sul. Baseando-se na teologia da graça onipresente e do amor ine­
mudando: a América Latina e a missão mundial na atualidade] resume seu xaurível de Deus, no espírito de abertura para “outras religiões” e em uma
desenvolvimento missiológico. Lá ele postula o seguinte: “Na América Lati­ teologia renovada da missão e da igreja nos documentos do Vaticano II e de
na, o método e contexto de reflexão sobre a missão cristã colocaram a ênfase Medellín, o sacerdote franciscano Leonardo Boff viu nas comunidades ecle-
em compreendê-la por meio das ferramentas de observação, análise e inter­ siais de base que se multiplicavam na América Latina uma nova maneira de
pretação fornecidas pelas ciências sociais, especialmente pela antropologia ser igreja. Alves e Bofif optaram pela desconstrução das estruturas, hierarquia,
e sociologia” . Além disso, a “missiologia holística” que “acentua questões doutrinas/dogmas, ética, missão e evangelização da igreja, que eram opres-

17 ESCOBAR, Samuel. My Pilgrimage in Mission. International Bulletin o f M issionary 20 ESCOBAR, Samuel. Changing Tides: Latin America and World Mission Today. Maryknoll,
Research, v. 34, n. 4, p. 207, out. 2012. NY: Orbis, 2002. p. 19-20.
18 ESCOBAR, 2012, p. 210. 21 ESCOBAR, 2002, p. 70-71.
19 ESCOBAR, Samuel; DRIVER, John. Christian Mission and Social Justice. Scottsdale, AZ: 22 ESCOBAR, 2002, p. 153.
Herald, 1978. p. 53.
23 ESCOBAR, 2002, p. 114.
A C O U B I / 1 'U ÿ O U c i» iiiie » e » ic » ic » g i» i a i u w « M « o i lu c u i« [

soras, repressivas, excludentes, injustas e humilhantes. Por uma libertação abertura para escutar e engajar-se em um diálogo inter-religioso e intercultural
política e religiosa de tudo que colocava “fardos pesados” sobre as pessoas e autêntico é uma linha de frente essencial em qualquer missiologia. Juntos é
uma abertura para o reinado de Deus e a promessa de Cristo: “O meu jugo é melhor”30 fazer missão, em parcerias ecumênicas e inter-religiosas que pro­
suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11.30). Em um apelo que lembra o de movam a plenitude de vida que Deus quer para todas as pessoas da família
Martim Lutero, Boff questionou as estruturas institucionais de poder da igreja humana e para toda a criação - praticando o novo pacto com a natureza que o
e propôs uma evangelização libertadora alternativa baseada nos carismas ou teólogo franciscano propõe.
dons de toda pessoa cristã batizada.24 A missão trinitária tem dimensões cósmicas. Em Nova era: a civili­
As propostas proféticas deles ameaçaram as igrejas institucionais, mas zação planetária, Boff afirma que o complexo processo de globalização nos
isso não refreou seu desenvolvimento teológico criativo. Boff abriu caminho deu uma nova consciência coletiva. Fazemos parte de uma nova sociedade
para uma passagem paradigmática da missio Dei, com uma ênfase na partici­ global que exige interdependência, corresponsabilidade, reconexões, holismo
pação da igreja, para uma missão trinitária com uma ênfase na obra do Espíri­ e integração. Só um cristianismo e uma missiologia da libertação e do diálogo
to na igreja e além dela e na criação. podem promover essa nova consciência planetária coletiva. Precisamos ser li­
Para Boff, a essência do cristianismo, o modelo para a igreja e a socie­ bertados e libertadas de culturas de dominação e de tudo que obstrui o reinado
dade, bem como a base para a libertação integral, não são dogmas ou rituais, de Deus, onde as pessoas vivem juntas em mutualidade solidariedade.
mas “comunhão” com “o Mistério, que é a Trindade das Divinas Pessoas”, que No contexto global do individualismo que mina a solidariedade, de um
“sempre agem em comunhão” e “em relação com todos os demais seres”25. A mercado global competitivo que exclui muitas pessoas e da destruição contínua
missão compassiva e a “perspectiva do reino” de Boff se fundam na pessoa de da natureza, Boff evoca as reações emocionais viscerais de empatia, ternura,
Deus. O reino de Deus era o “grande sonho” que consumia Jesus.26 “Deus é compaixão, cuidado e uma ética de virtudes. Como fazemos missão e coexisti­
Mistério para nós e para Si mesmo.” Por conseguinte, “seu autoconhecimento mos pacificamente em nosso mundo violento? Que virtudes garantem uma face
nunca tem fim [...] O conhecimento de sua natureza de Mistério é cada vez humana para a globalização? Em contraposição a todos os modelos de evan­
inteiro e pleno e, ao mesmo tempo, sempre aberto para nova plenitude [...]”27. gelização que representam o “evangelho de poder” e uma visão imperialista
Essa linha de “novidade” e “abertura” continua até o “fim” com “o novo céu e da missão, Boff apela urgentemente à hospitalidade, acolhida mútua, abertura
a nova terra [...] como culminância de todas as coisas no Reino da Trindade”28. generosa, respeito, tolerância, comensalidade inclusiva e uma cultura da paz.31
Boff me ajudou a entender que a comunidade trinitária e a missão inte­
gral implicam muitos e muitas participantes e conexões. A igreja é um corpo Missão compassiva - um paradigma intercultural
de relações e conexões interpessoais, assim como o ser humano é “um nó de
relações, voltado para todas as direções. [...] um ser aberto [...] a dar e rece- O missiólogo luterano brasileiro Roberto E. Zwetsch, professor em uma
ber, à participação, à solidariedade e à comunhão [...] os caminhos humanos faculdade de teologia luterana no sul do Brasil, representa a próxima geração
são de duas mãos. Quanto mais o ser humano se comunica, sai de si, se doa e de missiologia contextuai. Em seu livro Missão como com-paixão, Zwetsch
recebe o dom do outro, mais pessoa ele é”29. Essa abertura para relações cor­ se parece com um “Bosch” latino-americano. Ele entende a missão como par­
retas na missão derruba barreiras de isolamento, preconceito, incompreensão ticipação na missão de Deus —missio Dei. A missão aponta para o “horizonte
e discriminação incongruentes com o testemunho da una santa igreja católica. do reino de Deus”. A igreja é uma coparticipante e parceira da obra de Deus
Em nosso mundo multicultural, multirreligioso e multiétnico, uma postura de no mundo. Para Zwetsch, a tarefa da igreja é “ver, ouvir, chamar, orientar,
apontar, ajudar e tomar-se solidária como parte do testemunho daquela ação

24 Cf. BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. Petrópolis: Vozes, 1981;______ . E a igreja
se fe z povo: eclesiogênese. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 30 GEORGE, Sherron Kay. Juntos é melhor: convite ao diálogo missionário. São Leopoldo:
Sinodal; Quito: CLAI, 2013. 176 p. (Parceria na missão de Deus). Baseio meu trabalho
25 BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 39-41. Cf.
em Efésios para apresentar as dimensões local e global da missão integral, com muitas
também A Trindade e a sociedade. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 56-61.
dimensões inter-relacionadas e muitos participantes conectados.
26 BOFF, 2011, p. 89.
31 Cf. BOFF, Leonardo; MÜLLER, Wemer. Principio de compaixão e cuidado. Petrópolis:
27 BOFF, 2011, p. 14.
Vozes, 2001 ; BOFF, Leonardo. Virtudes pa ra um outro mundo possível. Petrópolis: Vozes,
28 BOFF, 2011, p.192-193. 2005. B o ff também escreveu um segundo volume sobre “Convivência, respeito e tolerância”
29 BOFF, Leonardo. Nova era: a civilização planetária. São Paulo: Ática, 1994. p. 71. em 2006.
*±o I ö n e rro n jv. u e o rg e A c o nstruç ã o aa m issio lo g ia la tino -a m e ric a na |

[missionária] de Deus”32. Missão é a encarnação da profunda e tema miseri­ oprimidas e silenciadas. Os direitos indígenas incluem a diversidade cultural
córdia, justiça e com-paixão de Deus pela humanidade na história humana. e religiosa. Em contraposição à monocultura dos colonizadores, a diversida­
A missio Dei no contexto latino-americano implica um compromisso de é um valor cultural que leva a relacionamentos simétricos, libertadores e
com o sofrimento - passio - de Deus e de todas as pessoas que sofrem na mutuamente enriquecedores. A interculturalidade não é multiculturalismo ou
América Latina. Essa compreensão de missão é diferente daquela do hemisfé­ coexistência tolerante. Ela capacita as pessoas a aprender mutuamente e a
rio Norte. Ela não é meramente racional, intelectual ou acadêmica. É visceral. conviver com respeito, reciprocidade e abertura para os valores e a beleza do
A missão emerge das entranhas de Deus e afeta nossas; do ser interior de um “outro diferente”.
Deus que sente, ama, sofre, chora. Nós fazemos missão porque experimenta­ A inculturação e os encontros interculturais levam à construção de um
mos a paixão de Deus pelo mundo e compartilhamos essa paixão. Sentimos a paradigma intercultural e a uma teologia intercultural critica e alternativa.35As
dor, as necessidades e as injustiças da humanidade e respondemos em amor. A características principais desse paradigma intercultural latino-americano são
missão compassiva, libertadora, ecumênica nos ajuda a viver juntos e juntas contextualidade, pluralidade e ecumenicidade face ao pluralismo religioso.36
em relacionamentos de confiança e solidariedade e a promover a sustentabili- Os métodos essenciais são diálogo, solidariedade e comunhão. A convivência
dade da criação. Zwetsch constrói uma missiologia com os pés no chão, mas ecumênica em comunidade com encontros e diálogos inter-religiosos restaura
também com coração, sentimentos, temura e compaixão. Juntamente com a dignidade humana e liberta. Os relacionamentos interculturais facilitam a
Boff, para Zwetsch a missão se origina no amor e cuidado compassivo da construção de uma sociedade baseada na solidariedade, interdependência e
comunidade trinitária pelos seres humanos e pela criação. O amor e diálogo comunhão - o sonho da oikumene humana ou reinado de Deus.
de nosso Deus comunicativo e misericordioso transbordam e nos envolvem. Zwetsch vê a teologia cristã migrando para o Sul global, onde a teologia
A missão libertadora, inculturação da fé e reafirmação da diversidade contextuai intercultural entra em diálogo profético com a tradicional teologia
cultural que surgiram na América Latina após o Vaticano II, Medellín e Puebla monocultural ocidental dos ex-colonizadores e todas as pretensões de uma
exigiam uma visão ampliada do conceito de interculturalidade. Comentando perspectiva universal imposta a outros, bem como a homogeneização cultural
sobre a Conferência do Conselho Mundial de Igrejas - CMI sobre Missão e da globalização e a supressão da pluralidade cultural. As desafiadoras percep­
Evangelização realizada em Salvador, Brasil, em 1996, Zwetsch define o de­ ções da diversidade global inclusiva de Zwetsch são uma dádiva!
safio do século XXI como “evangelho, missão e culturas”33. Padilla e Escobar mostram as dimensões evangelística e social da mis­
Zwetsch desenvolveu um paradigma de teologia intercultural na Amé­ são integral. Boff mostra as conexões de muitos participantes na missão tri­
rica Latina em diálogo com estudantes no Brasil e na África do Sul. Com base nitária cósmica. Zwetsch revela outra faceta da missão integral de Deus. Ela
em sua experiência de missão com indígenas brasileiros, ele propõe um diálo­ envolve nossas emoções, nossos mais profundos sentimentos - nossa mais
go intercultural entre as visões de mundo dos povos indígenas das Américas íntima pessoa - , incluindo nossa diversidade cultural multifacetada.
e a teologia cristã.34 Um paradigma intercultural começa com a desconstrução Concluindo: a missiologia latino-americana é contextuai, mas reage a
da imposição cultural e destruição social sofrida durante a colonização pelos novas realidades cristãs globais e oferece novas conceitualizações para repen­
povos da “América Latina” (nome dado pelos colonizadores! Zwetsch prefere sar os relacionamentos com a Terra e outras religiões. Com seus traços distin­
a nomenclatura indígena “Abya Yala”). A interculturalidade requer o reconhe­ tivos de libertação, missão integral, diálogo, compaixão e interculturalidade,
cimento da pluralidade cultural do continente e assume uma postura e teolo­ a contribuição da missiologia latino-americana nesta nova era de missão pós-
gia de solidariedade com essas culturas, especialmente em defesa das pessoas -colonial multilatéral vem da integração de reflexão e ação, abrindo o caminho
para a verdadeira interdependência e parcerias autênticas na igreja global.

32 ZWETSCH, Roberto E. Missão como com-paixão. São Leopoldo: Sinodal, 2008. p. 86-87.
33 ZWETSCH, Roberto E. Evangelho, missão e culturas - O desafio do século XXI. In:
SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph (ed.). Teologia prática no contexto da América 35 Cf. a relação desse paradigma com a teologia da libertação em ZWETSCH, Roberto
Latina. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 221-244. E. Teologias da libertação e interculturalidade: aproximações e avaliação crítica.
34 ZWETSCH, Roberto E. Teologia intercultural e o desafio dos povos indígenas na América Protestantismo em Revista, v. 30, n. 1, p. 32-49, 2013.
Latina. In: BUTTELLI, Felipe Gustavo Koch; LE BRUYNS, Clint; SINNER, Rudolf 36 Cf. TRINDADE, Célio Juliano; ZWETSCH, Roberto E. Contextualidade, pluralidade,
Eduard von. Teologia pública no Brasil e na África do Sul: cidadania, interculturalidade e ecumenicidade: esboço de uma teologia intercultural. In: INTERCULTURALIDADE NA
HIV/AIDS. São Leopoldo: Sinodal; EST, 2014. p. 203-226. (Teologia pública, 4). AMÉRICA LATINA, São Leopoldo, 2015.

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