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RESUMO
Este artigo tem por objetivo analisar a relação entre empatia e agressividade, à luz do referencial teórico do
Treinamento das Habilidades Sociais. Dentre as várias classes de comportamentos sociais, a empatia tem
sido considerada como de importância crítica para o desenvolvimento saudável. Dada a correlação inversa
entre essas duas variáveis, estudos nacionais e internacionais consideram déficits nessa área como um dos
fatores de risco para comportamentos anti-sociais, especialmente os agressivos. Defende-se, neste texto a
necessidade de maior investimento educacional em programas preventivos visando inibir os comportamen-
tos agressivos e promover a empatia.
Palavras-chave: Empatia; agressividade; violência; habilidades sociais; desenvolvimento socioemocional.
ABSTRACT
The development of empathy as a preventive factor of aggressiveness
This paper aimed to analyze the relationship between empathy and aggressiveness, based on the theoretical
background of Social Skills Training. Among the several classes of social behaviors, the empathy has been
considered as one of critical importance for the healthy development. Given the inverse correlation between
these two variables, national and international studies consider deficit in this area as one risk factor for
aggressive behaviors. It is argued the need of educational investment in preventive programs to inhibit
aggressive behaviors and to promote empathy.
Key words: Empathy; aggressiveness; violence; social skills; socioemocional development.
A agressão e a violência são fenômenos que têm, A Biologia, a Sociologia, a Etnologia, a Antropo-
cada vez mais, atraído a atenção de estudiosos do com- logia, a Etologia, a Psicanálise e a Psicologia são dis-
portamento humano e de educadores em geral. Apesar ciplinas que, de uma maneira ou de outra, incluíram o
de não se dispor de estatísticas rigorosas, pode-se afir- fenômeno da violência em suas agendas de investiga-
mar que a violência atinge dimensões preocupantes ção (Del Prette e Del Prette, 2003a), buscando mapear
nos dias atuais, tanto no Brasil como em várias outras causas, efeitos, ocorrências, variáveis e fatores corre-
partes do mundo. Questões como desigualdade social, latos. As designações comportamento violento e com-
desemprego, competitividade, alienação consumista e portamento agressivo têm sido usadas de forma
exclusão social têm sido objetos de discussões e pes- intercambiável na Psicologia, porém, historicamente,
quisas, que os relacionam à violência. não há consenso quanto à definição desses construtos.
Além da intolerância, do desrespeito às diferenças Um número razoável de pesquisadores (ver Del Prette
étnicas e religiosas e da busca do domínio econômico e Del Prette, 2003) concorda em conceituar a agressão
cada vez maior por meio de guerra entre povos e na- como um comportamento intencional de produzir dano
ções, há também a violência cotidiana, divulgada pela a outra pessoa, componente de uma classe mais ampla
mídia, que explora informações como forma de retra- denominada comportamento anti-social.
tar a realidade ou expor dramas humanos, em geral O comportamento anti-social engloba o isolamen-
balizada pelos índices de audiência. to social, o rompimento de normas, o comportamento
128 Pavarino, M. G., Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P.
(1985), o termo que mais se aproxima do significado Estupinan e Manguno-Mire, 2000), que favorecem o
de empatia, einfühlung, foi introduzido, em 1897, em comportamento agressivo. A própria definição de
trabalhos sobre percepção e apreciação estética, signi- comportamento agressivo já supõe déficits de empatia,
ficando, em alemão, “sentir-se dentro”. Alguns anos na medida em que, ao produzir intencionalmente dano
mais tarde, a palavra empatia foi usada com o signifi- ao outro, o agressor não se sensibiliza nem reconhece
cado técnico original de mímica motora (Del Prette e as emoções de medo ou pavor desse outro (Del Prette
Del Prette, 2003b). Este significado é muito diferen- e Del Prette, 2003a). Efetivamente, alguns estudos
te de sua introdução original ao inglês, do grego (Roscoe, 1980; Nowicki e Duke, 1989; Garcia, 2001;
empátheia, “entrar no sentimento”, termo inicialmen- Ciccarone, 1997; Bjoerkqvist e Oesterman, 2000)
te usado por teóricos da estética para designar a capa- identificaram relação inversa entre comportamentos
cidade de perceber a experiência subjetiva de outra agressivos e empáticos que foi também constatada em
pessoa. estudo recentemente realizado com crianças pré-esco-
O foco da definição de empatia foi deslocado em lares, por meio de observação direta de comportamen-
dois sentidos importantes. A empatia era vista como a to em situações estruturadas que estabeleciam deman-
habilidade de compreender reações emocionais de das específicas para comportamentos empáticos e para
uma pessoa de acordo com o contexto, transpondo a autocontrole de agressividade (Pavarino, 2004). Em-
imaginação e adotando o papel de outro como referên- bora a faixa etária estudada tenha sido restrita (4 a 6
cia descritiva. Além deste foco afetivo-cognitivo, anos), correlações semelhantes se mantiveram na aná-
comum em diversas definições da empatia, tem-se, lise separada dos diferentes grupos etários.
mais recentemente, um novo componente. O ato de O desempenho de habilidades sociais empáticas
empatizar, de acordo com cada uma destas definições, requer autocontrole da reação imediata ao compor-
envolve não somente a habilidade de compreender tamento do interlocutor, observação acurada das pis-
sensivelmente o mundo afetivo do outro, mas também tas que sinalizam a situação deste, especialmente as
demonstrar esta compreensão por meio de comporta- não verbais (postura, gestos, forma de olhar) e para-
mentos abertos, adicionando-se, portanto, o compo- linguísticas (fala rápida, excesso de pausas, gagueira),
nente da comunicação (Goldstein e Michaels, 1985). tomada de perspectiva (colocar-se no lugar do outro) e
Na perspectiva cognitivista, a empatia pode ser disposição para ouvir, demonstrada também por meio
atualmente definida, em situações de demanda afetiva, de componentes verbais e não verbais que facilitam o
como a capacidade de apreender sentimentos e de compartilhamento da experiência (Araújo, 1999; Ara-
identificar-se com a perspectiva do outro, manifestan- újo e Del Prette, 2003). Por outro lado, os déficits da
do reações que expressam essa compreensão e senti- empatia refletem um contexto inadequado de sociali-
mento (Del Prette e Del Prette, 2001). Essa definição zação e educação, possivelmente resultante da insufi-
articula o aspecto cognitivo (adotar o ponto de vista ciente oportunidade de aprendizagem de habilidades
do interlocutor), o afetivo (experimentação da emoção interpessoais e valores de não-violência bem como da
do outro, mantendo-se a distância emocional necessá- habilidade de lidar com a própria agressividade (Del
ria) e o comportamental (expressar compreensão) con- Prette e Del Prette, 2003a). Estudos empíricos mos-
forme defendido por diversos autores (Del Prette e Del tram também que indivíduos do sexo masculino apre-
Prette, 2001; Falcone, 2001; Roberts e Strayer, 1996). sentam maior índice de comportamentos agressivos
A definição de Del Prette e Del Prette (2001) introduz enquanto que os de sexo feminino manifestam maior
a expressão “situação de demanda afetiva”, sugerindo freqüência de comportamentos empáticos e que essas
uma propriedade de algumas situações para as quais a diferenças poderiam ser explicadas por fatores so-
resposta empática é esperada e adequada. As deman- cioculturais do processo de desenvolvimento da em-
das são reguladas pela cultura dos subgrupos e, por- patia, dentre os quais o tipo de educação familiar
tanto, conseqüência da vida em sociedade. As habili- (Ickes, 1997; Garcia, 2001; Marturano, 1997; Pava-
dades empáticas são empregadas como reação a de- rino, 2004).
mandas de necessidades afetivas do outro, tais como
quando o interlocutor experimenta sentimentos nega-
O DESENVOLVIMENTO DA EMPATIA
tivos ou positivos e espera o compartilhamento solidá-
NA CRIANÇA
rio dos que lhes são próximos.
Os déficits de empatia estão associados a um con- Embora a empatia seja considerada como produto
junto de outros aspectos cognitivos e afetivos como evolutivo do modo de organização social dos seres
distorções perceptivas e problemas de regulação e humanos e animais, aparecendo desde a mais tenra ida-
autocontrole emocional (Covell e Scarola, 2002; Geer, de, o seu desenvolvimento depende primariamente das
PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 36, n. 2, pp. 127-134, maio/ago. 2005
130 Pavarino, M. G., Del Prette, A. & Del Prette, Z. A. P.
condições de socialização da criança no contexto fa- empatia, constatando-se que neonatos de dois a três
miliar (Garcia, 2001). Se esse ambiente não for favo- meses dedicam importante atenção ao jogo cara-a-
rável ou a criança experimentar negligência ou abu- cara, realizado com o adulto cuidador. Essas brinca-
sos, podem ocorrer déficits de empatia que facilitam deiras promovem uma sincronia afetiva entre a mãe e
o comportamento agressivo (Emery, 1989; Main e o bebê, constituindo uma base para o desenvolvimen-
George, 1985). to da empatia que, posteriormente, depende de outras
No cotidiano, os pais procuram direcionar o com- experiências como, por exemplo, a de observar como
portamento dos filhos com base nos princípios morais os outros reagem quando alguém está aflito e imitar as
e os valores de sua subcultura familiar, ensinando reações dos adultos. Constata-se, ainda, conforme
comportamentos que garantam independência, autono- Hoffman (1982), que desde o nascimento, os bebês fi-
mia e responsabilidade. Da mesma maneira, também cam perturbados quando ouvem outro bebê chorando,
se esforçam para reduzir os comportamentos consi- o que constituiria o primeiro indicador da empatia que
derados socialmente desfavoráveis ou inadequados se desenvolve depois com o passar do tempo. Em ou-
(Hoffman, 1960). Alguns pais dão informações claras tras palavras, eles estariam mostrando solidariedade
sobre o que os filhos devem ou não fazer depois de ter diante da angústia de outrem, mesmo antes de adquiri-
prejudicado outra criança, auxiliando-os a apresenta- rem a percepção de sua individualidade.
rem comportamentos empáticos. Por outro lado, filhos Da análise dessa literatura, é possível resumir os
punidos fisicamente pelos pais podem apresentar principais ganhos no desenvolvimento da empatia em
sinais de maior perturbação diante do sofrimento de alguns períodos do ciclo vital:
outra criança a ponto de demonstrarem medo ou agres- a) Aos dois meses os bebês já são capazes de dis-
são (Gomide, 2003; Harris 1996). criminações mais complexas e até o quinto mês
Desde o nascimento, o indivíduo está predisposto podem discriminar expressões faciais de alegria,
a emitir sinais emocionais e a responder aos sinais que raiva, surpresa e outras emoções (Thompson,
evolutivamente foram importantes para a sua sobrevi- 1987).
vência. Esses sinais constituem fontes de informação b) No primeiro ano, os bebês são capazes de expe-
social e promovem conseqüências motivacionais para rimentar a mesma emoção manifestada a partir
as crianças, regulando as suas reações frente aos da expressão emocional de outra pessoa, como
diversos aspectos do convívio social. Assim, o de- uma ressonância ou contágio emocional (res-
senvolvimento social do indivíduo inicia-se no nasci- postas pré-empáticas) e, em torno de um ano, as
mento ou mesmo intra-útero (Montagner, 1996) e há crianças iniciam o processo de compreensão de
evidências de que o repertório de habilidades sociais que o sofrimento não é delas, mas de outro, em-
se torna mais elaborado ao longo da infância (Hops, bora ainda pareçam confusas sobre o que fazer,
1983). até o final do primeiro ano já são capazes de
Para Thompson (1987), as expressões emocionais efetuar discriminação ao se depararem com si-
podem ser organizadas desde o nascimento. Os primei- tuações de incerteza diferenciando adulto co-
ros olhares e os primeiros gritos e choros, seguidos de nhecido de desconhecido (Thompson, 1987).
respostas dos cuidadores, tornam-se as primeiras for- Nesse período, também, as crianças já reagem
mas de comunicação do bebê. Se este se tranqüiliza, seletivamente, e de modo apropriado, à expres-
fortalece-se o vínculo com o cuidador e o interesse são facial de suas mães (Harris, 1996) e essa
mútuo entre eles. Quando a mãe não registra os sinais capacidade de reação seletiva é um grande pas-
do bebê, este perde a oportunidade de “saber” que é so no sentido da compreensão da emoção.
possível exercer influência sobre o mundo exterior e c) Com dois anos, as crianças têm a capacidade de
sobre seu estado interno por meio de uma comuni- atribuir significado emocional às expressões dos
cação emocional (Klaus, Kennel e Klaus, 2000). A outros, além de responder a estas expressões,
revisão de Goldstein e Michaels (1985) sobre os estu- começando então a diferenciar as perturbações
dos que abordam essa temática mostra que alguns emocionais de outras pessoas e a consolá-las
autores situam o desenvolvimento empático em um ainda que de maneira incipiente (Harris, 1996;
continuum. No início desse continuum estariam as res- Strayer, 1993). Mais tarde, podem emitir com-
postas mais elementares até as mais elaboradas, as portamentos semelhantes com outras crianças
quais incluem interpretações sofisticadas de sinais na escola maternal, em especial com crian-
afetivos sutis emitidos pelo outro indivíduo da díade. ças machucadas (Zahn-Waxler, Radke-Yarrow
Outros estudos (Brazelton, 1998; 1994) trazem in- e King, 1979; Zahn-Waxler e Radke-Yarrow,
formações importantes sobre o desenvolvimento da 1982). Para Hoffman (1992) e Thompson (1987),
PSICO, Porto Alegre, PUCRS, v. 36, n. 2, pp. 127-134, maio/ago. 2005
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Nota:
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de Psicologia em seu atendimento a crianças. Temas em Psico- Zilda A. P. Del Prette – Professora do Departamento de Psicologia da UFSCar.
logia, 2, 87-97.
Endereço para correspondência:
Strayer, J. (1993). Children’s concordant emotions and cognitions MICHELLE GIRADE PAVARINO
in response to observed emotions. Child Development, 64, Departamento de Psicologia – UFSCar
188-201. E-mail: mgpavarino@yahoo.com