Carreira de professor atrai Instituto Futuro Brasil. menos preparados Coréia e Finlândia Apenas 5% dos melhores alunos formados no ensino A pesquisa compara a situação brasileira à dos médio querem atuar como docentes do ensino básico, melhores sistemas de educação do mundo, estudados diz estudo. Baixo retorno financeiro e desprestígio pela consultoria McKinsey, em um trabalho do ano social da carreira docente são citados entre os passado. principais fatores para perfil identificado no Segundo a pesquisa, o primeiro dos três pontos que se levantamento destacam nas redes de ponta é "escolher as melhores pessoas para se tornarem professores". FÁBIO TAKAHASHI DA REPORTAGEM LOCAL Um exemplo estudado foi a Coréia do Sul, primeira Ao contrário dos países com sucesso educacional, o colocada no ranking de leitura no Pisa 2006 (exame Brasil atrai para o magistério os profissionais que internacional). Lá, os que vão trabalhar no magistério, possuem mais dificuldades obrigatoriamente, devem estar entre os 5% melhores acadêmicas e sociais, aponta um em um exame nacional para o estudo inédito a ser apresentado ingresso no ensino superior. hoje, que utilizou bancos de Na Finlândia, segunda no mesmo dados oficiais. ranking, os professores são Uma das constatações do selecionados entre os 10% levantamento, encomendado pela melhores alunos. Fundação Lemann e pelo Status Instituto Futuro Brasil, é que Os dois países buscaram medidas apenas 5% dos melhores alunos que elevassem o status dos que se formam no ensino médio professores -realidade diferente desejam trabalhar como docentes da brasileira. "Nunca vi um da educação básica, que abrange aluno daqui dizer que quer cursar os antigos primário, ginásio e pedagogia", afirma Andrea colegial. Godinho de Carvalho Lauro, Os pesquisadores delimitaram o professora do colégio Vértice, o patamar de estudantes "top" melhor de São Paulo no Enem. naqueles que ficaram entre os "Os pais querem carreiras com 20% mais bem colocados no mais retorno financeiro e social", Enem 2005 (Exame Nacional do diz. Ensino Médio, do governo O baixo retorno financeiro no federal). magistério, citado por Andrea, Dentro do grupo dos melhores, causa divergência entre 31% querem a área da saúde e educadores (leia mais na pág. 18%, engenharia. C3). O reduzido status social, Com base nos questionários do porém, é consensual. Enade (o antigo provão), o "Como a profissão é estudo identificou que os alunos de pedagogia (curso desprestigiada, a maioria daqueles que escolhem que forma professores para os primeiros anos do trabalhar como professor o faz porque o curso ensino fundamental) vêm de famílias de baixa renda e superior na área é mais fácil de entrar, barato e têm mães com pouca escolarização -condições que rápido", afirma o presidente da Confederação apontam maiores chances de dificuldades acadêmicas. Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto "Para melhorar a qualidade de ensino, o Brasil precisa Leão. criar uma nova estrutura para atrair um outro perfil de "O pobre, que estuda no caos que é hoje a escola pessoas para a educação", afirma a coordenadora do pública, vê na pedagogia uma das poucas opções trabalho, Paula Louzano, doutora em educação pela possíveis de chegar ao ensino superior. Muitos não Universidade Harvard (dos Estados Unidos). escolhem a carreira por vocação, mas, sim, porque é O estudo, ao qual a Folha teve acesso, será onde dá para entrar. É preciso tornar a carreira mais apresentado hoje em São Paulo, em seminário atrativa, para o pobre e para o rico", argumenta o dirigente da categoria. "Os estudantes que chegam têm muitas dificuldades em conhecimentos básicos", diz Paulo de Assunção, Salário de professor divide pró-reitor acadêmico da Unifai (Centro Universitário especialistas Assunção), instituição de São Paulo com o maior Para alguns, reajuste deveria ser igual para toda a número de matrículas em pedagogia. Para atenuar o problema, a escola tem aulas de reforço em língua classe; outros defendem que haja diferenciação a portuguesa, matemática, entre outras. partir do desempenho Diferença entre ganhos de professores e trabalhadores privados vem diminuindo, de 61,9% a menos em 1995, Estudante sente baixo prestígio para 16,8% a menos em 2006 Um dos pontos mais polêmicos na discussão de como do magistério melhorar a atratividade da carreira docente é a questão DA REPORTAGEM LOCAL salarial. Há pesquisadores que entendem que o aumento O baixo prestígio do magistério na sociedade é sentido geral para a categoria é primordial; outros acham a medida pelos educadores antes mesmo de começar o curso de incorreta. pedagogia. O estudo encomendado pela Fundação Lemann e pelo Hoje no quarto semestre do curso da Universidade de Instituto Futuro Brasil destaca que, na média, os Guarulhos, Jessyka Rocha Rodrigues, 26, afirma que seus professores públicos ganham menos do que os amigos se surpreenderam quando ela contou a escolha pela trabalhadores do setor privado em geral (considerando os carreira. Principalmente porque já era formada em direito. que possuem formação superior). A diferença, porém, vem "Diziam que eu era louca, que deveria seguir no direito caindo rapidamente: os docentes ganhavam 61,9% a para ganhar mais", afirma Jessyka. menos que a média da população no setor privado em "Eles apontavam, primeiro, a questão dos salários, depois, 1995, percentual que diminuiu para 16,8% em 2006, o fato de ter de agüentar um monte de criança. Mas segundo dados da Pnad, pesquisa do IBGE."O salário trabalhar com educação era o que eu sempre quis e não me ainda tem influência, mas não parece ser mais o fator arrependo", diz a estudante. primordial para a baixa atratividade para a carreira Sobreviventes docente", afirma Paula Louzano, coordenadora do estudo. Por situação parecida passou a aluna do quinto semestre de "Faltam estudos sobre o assunto. Mas a minha impressão é pedagogia da Unifai (Centro Universitário Assunção) que as condições de trabalho, o dia-a-dia na sala de aula, Janaina Oliveira Leal, 23. têm um peso grande", afirma. "Quando você diz que quer ser professora, até a família Para o professor emérito da Unicamp Dermeval Saviani, pergunta se não tinha outra profissão. Muitos desistem por um forte aumento salarial é essencial para mudar a causa disso. Ficam só os sobreviventes. Mas gosto do imagem da carreira e atrair uma população mais bem desafio de educar as crianças." preparada. "Se o professor ganha na média brasileira, ele Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, que ganha mal, principalmente porque é uma profissão que acompanha 2.700 estudantes de cursos de formação de exige muito. Além disso, a carreira está tão desvalorizada professores do país, dá uma mostra do atual status social que ela precisa de um choque", diz Saviani. do magistério: 73% dos participantes afirmam que seus Opinião divergente tem o pesquisador da FGV-RJ Samuel amigos entendem que a carreira não vale a pena. Pessoa. Para ele, o problema é que a estrutura do setor Contrariedade público não diferencia os bons profissionais dos demais. Professor da rede municipal de São Paulo, Silem Santos "É preciso criar mecanismos que permitam a diferenciação Silva, 45, discorda dos dados que indicam uma falta de a partir de medidas objetivas de desempenho. Os mais profissionais com boa qualificação na rede pública. "O que talentosos ganham mais. Isso muda o perfil do corpo falta é um projeto de curto, médio e longo prazo para docente", diz. Elevar os salários de toda a classe até que organizar a rede", afirma o professor. todos ficassem com salários superiores à média, além de O perfil socioeconômico de Silem se encaixa no padrão injusto com os professores mais dedicados, traria gastos estatístico daqueles que buscam a carreira docente. praticamente insuportáveis para o Estado, diz Pessoa. Quando jovem, morava em M'Boi Mirim (periferia da Para a docente da PUC-SP Clarilza Prado, que coordena capital paulista) e sempre estudou em escolas públicas. um estudo da Fundação Carlos Chagas sobre estudantes de A diferença é o seu desempenho acadêmico, sempre entre cursos de formação de professores, "ao lado da discussão as melhores notas. sobre salário e carreira docente, é preciso trabalhar fatores Essa performance o ajudou a chegar à USP (Universidade subjetivos, como a impressão que a sociedade tem do de São Paulo), onde fez a graduação e depois o curso de professor". mestrado. Nunca pôde, porém, parar de trabalhar. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores "No começo, meu pai queria me convencer a fazer um em Educação, Roberto Leão, afirma ser necessário, "além curso de ferramentaria. Os meus amigos perguntavam por de aumento salarial, melhores condições de trabalho, como que eu não fazia psicologia, que eles consideram mais diminuição da jornada de trabalho e redução de alunos por nobre. Mas convenci a todos que o que queria mesmo era sala. Tudo isso melhoraria a imagem da carreira". estar na sala de aula." (FT) 4 SINDICATOS x EXCELÊNCIA Pedras no Caminho Os sindicatos de professores agem em defesa de seus associados, e não da qualidade da educação. Em geral, são CECILIA RITTO contra a diferenciação pelo mérito e costumam resistir às Matéria publicada na Revista Veja Edição 2416 – ano 48 – avaliações de alunos e deles próprios, tão úteis para n°10, 11 de Março de 2015. diagnosticar os problemas e orientar as mudanças em prol da excelência. Preferem medidas iguais para todos. No Pouca gente conhece tão a fundo o fosso que separa o Brasil, precisamos mesmo é enfatizar e estimular as Brasil dos melhores países em sala de aula quanto Ruben experiências exitosas, que podem e devem ser replicadas. Klein, 68 anos, doutor em matemática pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), ex-elaborador de 5 POLÍTICA EM VEZ DE MÉRITO provas como Enem e Saeb e hoje analista dos resultados Escolher o diretor de uma escola com base em critérios dos exames do MEC baseado na Fundação Cesgranrio. Há políticos é ainda uma tradição brasileira. Educação rende três décadas imerso na numeralha que mostra o ensino votos. Pessoas que deveriam ter como missão primordial brasileiro marchando a passos lentos, ele listou a VEJA os zelar pela excelência funcionam como cabos eleitorais gargalos que precisam ser vencidos para que se pavimente dentro das instituições de ensino. Elas arregimentam apoio de uma vez por todas o caminho da excelência. para quem as nomeou. Devemos enterrar esse sistema de uma vez por todas e colocar no lugar uma seleção com 1 OS PIORES DA TURMA ENSINAM base em pré-requisitos que espelhem a capacidade de gerir As pesquisas deixam claro que são os alunos de mais uma escola. A peneira deve ser meritocrática. Os estudos baixo desempenho no ensino médio que procuram a reforçam que o diretor é peça-chave para o alto carreira de professor. O desafio é alto. Eles têm lacunas, às desempenho acadêmico dos alunos. Não dá para o Brasil vezes profundas, e precisam aprender a ensinar. O cerrar os olhos para isso. problema é que, quando chegam à faculdade de pedagogia e à licenciatura, são apresentados a muita teoria fraca e 6 FALTA UM BOM ROTEIRO pouca prática em sala de aula. Agrava a situação a A educação só avança quando há um currículo com metas qualidade sofrível dos concursos públicos, incapazes de claras sobre o que o aluno deve aprender em cada etapa de medir a apreensão do conteúdo dos aspirantes à docência. sua vida escolar, o que muitas vezes não se vê no Brasil. Assim se formam nossos mestres com pouco saber e Muitos professores resistem a essa ideia, argumentando nenhuma técnica. Nos países que estão no topo, as que currículo significa perda de autonomia em sala de faculdades vivem conectadas às inovações da educação. aula. Veja que estamos falando aqui apenas do básico: de Por que não aqui? um roteiro mínimo para ensinar. É claro que as especificidades regionais devem ser consideradas, mas a 2 O ENSINO NO RETROVISOR questão essencial é que certos conhecimentos - de Quando analiso os erros dos estudantes na Prova Brasil, matemática, português, ciências - são universais e reparo, pela argumentação, que eles assinalam a alternativa necessários. Os dados mostram que os municípios que incorreta com convicção. Isso é mais assustador do que o estão conseguindo avançar no país são justamente aqueles próprio erro. É um claro sinal de como o nosso aluno está que entenderam a lição. E a razão é simples: só assim o aprendendo a- pensar errado e de quão distante está do professor sabe o que tem de ensinar, o aluno sabe o que mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e global. tem de aprender e os pais sabem o que têm de cobrar. Portas importantes são fechadas pela falta de bons docentes em áreas cruciais, como a matemática. Isso ajuda 7 CULTO À REPETÊNCIA a entender por que só 20% dos brasileiros optam pelas Muita gente continua enredada na velha ideia de que ciências exatas, enquanto nos países asiáticos o índice escola boa é aquela que reprova. Esse equívoco não só chega a 50%. eleva às alturas o custo da educação, já que é preciso pagar uma, duas, três vezes pelo mesmo aluno, como ajuda a 3 MUITA MATÉRIA, POUCO RESULTADO arrastá-la para o buraco. Se a premissa fosse verdadeira, A ineficiência do ensino médio aparece ano a ano em estaríamos no topo do ranking mundial. Vinte e cinco por todos os indicadores. Isso tem a ver com o baixo nível do cento dos estudantes são reprovados na 1ª série do ensino estudante que sai do ciclo fundamental e com o número de médio, um absurdo na comparação internacional. No ano matérias obrigatórias no Brasil, sem precedentes no seguinte, eles continuam indo mal na escola. Alguns até mundo. O desfecho desse sistema sem flexibilidade nem abandonam a sala de aula. Evidentemente, a solução não é trilhas alternativas, igual para todos, é previsível: a maioria abrir mão da régua alta e passar todo mundo. Vivemos um ouve de tudo, mas não aprende quase nada. O inchaço do falso dilema entre a reprovação e a aprovação automática, currículo acaba atendendo a interesses que estão fora da quando o caminho mais acertado é detectar as lacunas e sala de aula. Cada nova matéria que se soma à grade rouba preenchê-las ao longo do percurso, durante o ano escolar, tempo de disciplinas básicas, como matemática e dando o reforço necessário para que o estudante se português. Não tenho dúvida de que esse modelo reabilite e aprenda de verdade. É disso que o Brasil excessivo no conteúdo é um equívoco. Não está em precisa. sintonia com as exigências do mundo moderno.