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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

fechado promovido pela Fundação Lemann e pelo


Carreira de professor atrai Instituto Futuro Brasil.
menos preparados Coréia e Finlândia
Apenas 5% dos melhores alunos formados no ensino A pesquisa compara a situação brasileira à dos
médio querem atuar como docentes do ensino básico, melhores sistemas de educação do mundo, estudados
diz estudo. Baixo retorno financeiro e desprestígio pela consultoria McKinsey, em um trabalho do ano
social da carreira docente são citados entre os passado.
principais fatores para perfil identificado no Segundo a pesquisa, o primeiro dos três pontos que se
levantamento
destacam nas redes de ponta é "escolher as melhores
pessoas para se tornarem professores".
FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um exemplo estudado foi a Coréia do Sul, primeira
Ao contrário dos países com sucesso educacional, o colocada no ranking de leitura no Pisa 2006 (exame
Brasil atrai para o magistério os profissionais que internacional). Lá, os que vão trabalhar no magistério,
possuem mais dificuldades obrigatoriamente, devem estar entre os 5% melhores
acadêmicas e sociais, aponta um em um exame nacional para o
estudo inédito a ser apresentado ingresso no ensino superior.
hoje, que utilizou bancos de Na Finlândia, segunda no mesmo
dados oficiais. ranking, os professores são
Uma das constatações do selecionados entre os 10%
levantamento, encomendado pela melhores alunos.
Fundação Lemann e pelo Status
Instituto Futuro Brasil, é que Os dois países buscaram medidas
apenas 5% dos melhores alunos que elevassem o status dos
que se formam no ensino médio professores -realidade diferente
desejam trabalhar como docentes da brasileira. "Nunca vi um
da educação básica, que abrange aluno daqui dizer que quer cursar
os antigos primário, ginásio e pedagogia", afirma Andrea
colegial. Godinho de Carvalho Lauro,
Os pesquisadores delimitaram o professora do colégio Vértice, o
patamar de estudantes "top" melhor de São Paulo no Enem.
naqueles que ficaram entre os "Os pais querem carreiras com
20% mais bem colocados no mais retorno financeiro e social",
Enem 2005 (Exame Nacional do diz.
Ensino Médio, do governo O baixo retorno financeiro no
federal). magistério, citado por Andrea,
Dentro do grupo dos melhores, causa divergência entre
31% querem a área da saúde e educadores (leia mais na pág.
18%, engenharia. C3). O reduzido status social,
Com base nos questionários do porém, é consensual.
Enade (o antigo provão), o "Como a profissão é
estudo identificou que os alunos de pedagogia (curso desprestigiada, a maioria daqueles que escolhem
que forma professores para os primeiros anos do trabalhar como professor o faz porque o curso
ensino fundamental) vêm de famílias de baixa renda e superior na área é mais fácil de entrar, barato e
têm mães com pouca escolarização -condições que rápido", afirma o presidente da Confederação
apontam maiores chances de dificuldades acadêmicas. Nacional dos Trabalhadores em Educação, Roberto
"Para melhorar a qualidade de ensino, o Brasil precisa Leão.
criar uma nova estrutura para atrair um outro perfil de "O pobre, que estuda no caos que é hoje a escola
pessoas para a educação", afirma a coordenadora do pública, vê na pedagogia uma das poucas opções
trabalho, Paula Louzano, doutora em educação pela possíveis de chegar ao ensino superior. Muitos não
Universidade Harvard (dos Estados Unidos). escolhem a carreira por vocação, mas, sim, porque é
O estudo, ao qual a Folha teve acesso, será onde dá para entrar. É preciso tornar a carreira mais
apresentado hoje em São Paulo, em seminário atrativa, para o pobre e para o rico", argumenta o
dirigente da categoria.
"Os estudantes que chegam têm muitas dificuldades
em conhecimentos básicos", diz Paulo de Assunção, Salário de professor divide
pró-reitor acadêmico da Unifai (Centro Universitário especialistas
Assunção), instituição de São Paulo com o maior
Para alguns, reajuste deveria ser igual para toda a
número de matrículas em pedagogia. Para atenuar o
problema, a escola tem aulas de reforço em língua classe; outros defendem que haja diferenciação a
portuguesa, matemática, entre outras. partir do desempenho
Diferença entre ganhos de professores e trabalhadores
privados vem diminuindo, de 61,9% a menos em 1995,
Estudante sente baixo prestígio para 16,8% a menos em 2006
Um dos pontos mais polêmicos na discussão de como
do magistério melhorar a atratividade da carreira docente é a questão
DA REPORTAGEM LOCAL salarial. Há pesquisadores que entendem que o aumento
O baixo prestígio do magistério na sociedade é sentido geral para a categoria é primordial; outros acham a medida
pelos educadores antes mesmo de começar o curso de incorreta.
pedagogia. O estudo encomendado pela Fundação Lemann e pelo
Hoje no quarto semestre do curso da Universidade de Instituto Futuro Brasil destaca que, na média, os
Guarulhos, Jessyka Rocha Rodrigues, 26, afirma que seus professores públicos ganham menos do que os
amigos se surpreenderam quando ela contou a escolha pela trabalhadores do setor privado em geral (considerando os
carreira. Principalmente porque já era formada em direito. que possuem formação superior). A diferença, porém, vem
"Diziam que eu era louca, que deveria seguir no direito caindo rapidamente: os docentes ganhavam 61,9% a
para ganhar mais", afirma Jessyka. menos que a média da população no setor privado em
"Eles apontavam, primeiro, a questão dos salários, depois, 1995, percentual que diminuiu para 16,8% em 2006,
o fato de ter de agüentar um monte de criança. Mas segundo dados da Pnad, pesquisa do IBGE."O salário
trabalhar com educação era o que eu sempre quis e não me ainda tem influência, mas não parece ser mais o fator
arrependo", diz a estudante. primordial para a baixa atratividade para a carreira
Sobreviventes docente", afirma Paula Louzano, coordenadora do estudo.
Por situação parecida passou a aluna do quinto semestre de "Faltam estudos sobre o assunto. Mas a minha impressão é
pedagogia da Unifai (Centro Universitário Assunção) que as condições de trabalho, o dia-a-dia na sala de aula,
Janaina Oliveira Leal, 23. têm um peso grande", afirma.
"Quando você diz que quer ser professora, até a família Para o professor emérito da Unicamp Dermeval Saviani,
pergunta se não tinha outra profissão. Muitos desistem por um forte aumento salarial é essencial para mudar a
causa disso. Ficam só os sobreviventes. Mas gosto do imagem da carreira e atrair uma população mais bem
desafio de educar as crianças." preparada. "Se o professor ganha na média brasileira, ele
Uma pesquisa da Fundação Carlos Chagas, que ganha mal, principalmente porque é uma profissão que
acompanha 2.700 estudantes de cursos de formação de exige muito. Além disso, a carreira está tão desvalorizada
professores do país, dá uma mostra do atual status social que ela precisa de um choque", diz Saviani.
do magistério: 73% dos participantes afirmam que seus Opinião divergente tem o pesquisador da FGV-RJ Samuel
amigos entendem que a carreira não vale a pena. Pessoa. Para ele, o problema é que a estrutura do setor
Contrariedade público não diferencia os bons profissionais dos demais.
Professor da rede municipal de São Paulo, Silem Santos "É preciso criar mecanismos que permitam a diferenciação
Silva, 45, discorda dos dados que indicam uma falta de a partir de medidas objetivas de desempenho. Os mais
profissionais com boa qualificação na rede pública. "O que talentosos ganham mais. Isso muda o perfil do corpo
falta é um projeto de curto, médio e longo prazo para docente", diz. Elevar os salários de toda a classe até que
organizar a rede", afirma o professor. todos ficassem com salários superiores à média, além de
O perfil socioeconômico de Silem se encaixa no padrão injusto com os professores mais dedicados, traria gastos
estatístico daqueles que buscam a carreira docente. praticamente insuportáveis para o Estado, diz Pessoa.
Quando jovem, morava em M'Boi Mirim (periferia da Para a docente da PUC-SP Clarilza Prado, que coordena
capital paulista) e sempre estudou em escolas públicas. um estudo da Fundação Carlos Chagas sobre estudantes de
A diferença é o seu desempenho acadêmico, sempre entre cursos de formação de professores, "ao lado da discussão
as melhores notas. sobre salário e carreira docente, é preciso trabalhar fatores
Essa performance o ajudou a chegar à USP (Universidade subjetivos, como a impressão que a sociedade tem do
de São Paulo), onde fez a graduação e depois o curso de professor".
mestrado. Nunca pôde, porém, parar de trabalhar. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores
"No começo, meu pai queria me convencer a fazer um em Educação, Roberto Leão, afirma ser necessário, "além
curso de ferramentaria. Os meus amigos perguntavam por de aumento salarial, melhores condições de trabalho, como
que eu não fazia psicologia, que eles consideram mais diminuição da jornada de trabalho e redução de alunos por
nobre. Mas convenci a todos que o que queria mesmo era sala. Tudo isso melhoraria a imagem da carreira".
estar na sala de aula." (FT)
4 SINDICATOS x EXCELÊNCIA
Pedras no Caminho Os sindicatos de professores agem em defesa de seus
associados, e não da qualidade da educação. Em geral, são
CECILIA RITTO
contra a diferenciação pelo mérito e costumam resistir às
Matéria publicada na Revista Veja Edição 2416 – ano 48 –
avaliações de alunos e deles próprios, tão úteis para
n°10, 11 de Março de 2015.
diagnosticar os problemas e orientar as mudanças em prol
da excelência. Preferem medidas iguais para todos. No
Pouca gente conhece tão a fundo o fosso que separa o
Brasil, precisamos mesmo é enfatizar e estimular as
Brasil dos melhores países em sala de aula quanto Ruben
experiências exitosas, que podem e devem ser replicadas.
Klein, 68 anos, doutor em matemática pelo Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), ex-elaborador de
5 POLÍTICA EM VEZ DE MÉRITO
provas como Enem e Saeb e hoje analista dos resultados
Escolher o diretor de uma escola com base em critérios
dos exames do MEC baseado na Fundação Cesgranrio. Há
políticos é ainda uma tradição brasileira. Educação rende
três décadas imerso na numeralha que mostra o ensino
votos. Pessoas que deveriam ter como missão primordial
brasileiro marchando a passos lentos, ele listou a VEJA os
zelar pela excelência funcionam como cabos eleitorais
gargalos que precisam ser vencidos para que se pavimente
dentro das instituições de ensino. Elas arregimentam apoio
de uma vez por todas o caminho da excelência.
para quem as nomeou. Devemos enterrar esse sistema de
uma vez por todas e colocar no lugar uma seleção com
1 OS PIORES DA TURMA ENSINAM base em pré-requisitos que espelhem a capacidade de gerir
As pesquisas deixam claro que são os alunos de mais
uma escola. A peneira deve ser meritocrática. Os estudos
baixo desempenho no ensino médio que procuram a
reforçam que o diretor é peça-chave para o alto
carreira de professor. O desafio é alto. Eles têm lacunas, às
desempenho acadêmico dos alunos. Não dá para o Brasil
vezes profundas, e precisam aprender a ensinar. O
cerrar os olhos para isso.
problema é que, quando chegam à faculdade de pedagogia
e à licenciatura, são apresentados a muita teoria fraca e
6 FALTA UM BOM ROTEIRO
pouca prática em sala de aula. Agrava a situação a
A educação só avança quando há um currículo com metas
qualidade sofrível dos concursos públicos, incapazes de
claras sobre o que o aluno deve aprender em cada etapa de
medir a apreensão do conteúdo dos aspirantes à docência.
sua vida escolar, o que muitas vezes não se vê no Brasil.
Assim se formam nossos mestres com pouco saber e
Muitos professores resistem a essa ideia, argumentando
nenhuma técnica. Nos países que estão no topo, as
que currículo significa perda de autonomia em sala de
faculdades vivem conectadas às inovações da educação.
aula. Veja que estamos falando aqui apenas do básico: de
Por que não aqui?
um roteiro mínimo para ensinar. É claro que as
especificidades regionais devem ser consideradas, mas a
2 O ENSINO NO RETROVISOR questão essencial é que certos conhecimentos - de
Quando analiso os erros dos estudantes na Prova Brasil,
matemática, português, ciências - são universais e
reparo, pela argumentação, que eles assinalam a alternativa
necessários. Os dados mostram que os municípios que
incorreta com convicção. Isso é mais assustador do que o
estão conseguindo avançar no país são justamente aqueles
próprio erro. É um claro sinal de como o nosso aluno está
que entenderam a lição. E a razão é simples: só assim o
aprendendo a- pensar errado e de quão distante está do
professor sabe o que tem de ensinar, o aluno sabe o que
mercado de trabalho, cada vez mais competitivo e global.
tem de aprender e os pais sabem o que têm de cobrar.
Portas importantes são fechadas pela falta de bons
docentes em áreas cruciais, como a matemática. Isso ajuda
7 CULTO À REPETÊNCIA
a entender por que só 20% dos brasileiros optam pelas
Muita gente continua enredada na velha ideia de que
ciências exatas, enquanto nos países asiáticos o índice
escola boa é aquela que reprova. Esse equívoco não só
chega a 50%.
eleva às alturas o custo da educação, já que é preciso pagar
uma, duas, três vezes pelo mesmo aluno, como ajuda a
3 MUITA MATÉRIA, POUCO RESULTADO arrastá-la para o buraco. Se a premissa fosse verdadeira,
A ineficiência do ensino médio aparece ano a ano em
estaríamos no topo do ranking mundial. Vinte e cinco por
todos os indicadores. Isso tem a ver com o baixo nível do
cento dos estudantes são reprovados na 1ª série do ensino
estudante que sai do ciclo fundamental e com o número de
médio, um absurdo na comparação internacional. No ano
matérias obrigatórias no Brasil, sem precedentes no
seguinte, eles continuam indo mal na escola. Alguns até
mundo. O desfecho desse sistema sem flexibilidade nem
abandonam a sala de aula. Evidentemente, a solução não é
trilhas alternativas, igual para todos, é previsível: a maioria
abrir mão da régua alta e passar todo mundo. Vivemos um
ouve de tudo, mas não aprende quase nada. O inchaço do
falso dilema entre a reprovação e a aprovação automática,
currículo acaba atendendo a interesses que estão fora da
quando o caminho mais acertado é detectar as lacunas e
sala de aula. Cada nova matéria que se soma à grade rouba
preenchê-las ao longo do percurso, durante o ano escolar,
tempo de disciplinas básicas, como matemática e
dando o reforço necessário para que o estudante se
português. Não tenho dúvida de que esse modelo
reabilite e aprenda de verdade. É disso que o Brasil
excessivo no conteúdo é um equívoco. Não está em
precisa.
sintonia com as exigências do mundo moderno.

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