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REPORTAGEM

OS SEGREDOS
da produção musical
Nunca foi tão fácil dominar os “segredos” a serem descobertos da
produção musical e de áudio, porque, na verdade, não são “segredos” e
sim técnicas aprendidas com a experimentação prática e sedimentadas
com vivência profissional. Em outras palavras, é mais uma questão de
vontade do que de capacidade
Sergio Izecksohn
backstage@backstage.com.br

A s novas tecnologias simplificaram o acesso ao conhe-


cimento e aos bens de produção musical. Hoje, todos
os músicos, sejam eles profissionais, iniciantes ou amado-
cas de gravação e de produção musical do que aprender a
tocar bem a maioria dos instrumentos.
É importante ter alguma noção do que se passa nos compu-
res de qualquer classe social e estilo têm plenas condições tadores, já que eles passaram a ser o próprio sistema de gra-
de montar e operar um estúdio e de realizar gravações e vação. Quem vai montar ou comprar um computador para
mixagens de alto nível. Tornar-se produtor é parecido com gravar tem que saber escolher todas as peças e os progra-
aprender a tocar um instrumento: 99% de transpiração e mas, sob pena do sistema simplesmente não funcionar.
1% de inspiração, como dizem os mestres. Temos que ad- Nossos estúdios, hoje, têm quase todos os componentes
mitir que é bem mais rápido aprender a dominar as técni- em forma de software. Já não são apenas programas grava-

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dores, mesas de mixagem Este era, nem faz mui-


e efeitos, mas instrumen- to tempo, o preço de
tos musicais muito com- um único item do es-
plexos com enormes túdio, como um sin-
coleções de timbres de tetizador popular ou
altíssima qualidade, si- uma mesinha de som, e
muladores de amplifi- não o custo de, prati-
cadores, de microfones, camente, um estúdio
de ambientes acústicos, inteiro. E muitos com-
ferramentas revolucio- putadores com confi-
nárias para produção de gurações mais antigas
música eletrônica e pro- ou básicas rodam per-
gramas de edição de ví- feitamente os progra-
deo, a mídia para onde mas mais leves e os mais
tantas outras estão con- antigos. Para realizar-
vergindo. Os computadores que supor- Com a queda na taxação dos produtos mos gravações e mixagens de instru-
tam todos esses recursos são bem mais de informática e a desvalorização do mentos e vozes em pequena quanti-
sofisticados do que aqueles montados dólar, computadores bastante robus- dade, em muitos casos, podemos usar
para escritórios. tos custam poucos milhares de reais. um mesmo sistema por muito tempo,

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sem necessidade de celular, o produtor que usa uma mesa


trocar de computa- de som não é obrigado a entender de
dor todo ano. eletrônica. Quem precisa disso são os
técnicos de manutenção, os projetis-
MERCADO DE tas de equipamentos e os desenvolve-
TRABALHO dores de programas. O melhor é o
Mesmo com a facili- produtor musical estar atualizado na
dade de se montar maior variedade possível de assuntos
um home studio em e acompanhar seu tempo.
casa e com o conse- Vários novos produtores (infeliz-
qüente crescimento mente, alguns nem tão novos assim)
de profissionais do Antonio Guerreiro de Faria julgam compensar suas deficiências
ramo, o mercado de trabalho não di- produtores, mas é espantosa a multi- de conhecimento utilizando presets
minuiu. Esses “novos” produtores plicação dos estúdios caseiros com ati- dos plug-ins de áudio. Perseguindo
atendem diretamente ou através de vidade comercial permanente atuan- supostos padrões de operação dos
agências a um mercado crescente e do em todos os municípios do país. equipamentos e programas, seu som
diversificado. Além dos já conheci- nada tem de padronizado ou a favor da
dos clientes tradicionais, temos hoje O QUE É PRECISO ESTUDAR maré, como eles provavelmente gosta-
empresas produtoras de multimídia, Da mesma forma que um músico pre- riam. Soa apenas desajeitado. A falta
web designers e clientes diretos de cisa conhecer as propriedades do som de conhecimento de áudio costuma
todo tipo, como grandes e médias em- e certas técnicas de utilização de re- impedir que o operador, o produtor e
presas com seus vídeos institucionais cursos de áudio para produzir boa os músicos em geral encontrem o som
e de treinamento, igrejas, políticos, música, é fundamental o operador e o que desejam. É muito importante co-
DJs e as múltiplas emissoras de TV di- produtor de áudio conhecerem músi- nhecer a prática e a teoria musical, sa-
gital que surgirão a partir de agora. ca para que o resultado do seu traba- ber ler e escrever música, para realmen-
Isto sem contar o público em geral lho tenha musicalidade. Sem treina- te saber ouvir. Quem pretende seguir a
que solicita transferência de áudio de mento de sua audição, eles podem carreira de produtor musical precisa
mídias antigas para as novas como deixar passar erros de interpretação conhecer música a fundo.
cópias de fitas e discos para CDs e ar- ou de harmonia dos músicos que gra- O estudo da música deve priorizar o
quivos MP3. vam e terão mais dificuldade em com- aprendizado do instrumento favorito
Todos esses clientes se voltam cada preender as funções dos instrumen- da pessoa, além de um instrumento
vez mais para a negociação direta com tos e vozes dentro de um arranjo, o harmônico como o teclado ou o vio-
os produtores musicais. Paradoxal- que comprometerá a mixagem e o lão, a teoria e a prática da percepção
mente, quanto mais se torna uma ati- produto final. O produtor musical é, musical, harmonia popular e tradicio-
vidade caseira, mais a produção de antes de tudo, um músico. Ao produzir nal, arranjo e noções de contraponto.
áudio e música expande seu mercado e, um CD ou compor uma trilha, ele vai O estudo do áudio inclui conheci-
com isso, se estabelece como atividade reunir todas as idéias musicais de forma mentos sobre a física do som, captação,
econômica de massa e não mais so- equilibrada em um projeto, o que requer conversão do sinal analógico em digi-
mente de ponta. Não podemos esque- conhecimento. tal, cabos e conectores, microfones,
cer as grandes produtoras e muitas ou- Assim como ninguém precisa estudar mesas de som, efeitos, equalizadores,
tras empresas que absorvem diversos telecomunicações para falar em um compressores, redutores de ruídos,

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endereçamento dos como arranjador. Fizeram a trilha so-


sons, monitores, acús- nora de ‘Saturday Night Fevers’ e cria-
tica, técnicas de gra- ram uma nova febre que tomou o
vação, edição, mixa- mundo”. Para o especialista, César
gem e masterização, Guerra-Peixe – seu professor durante
MIDI, programação décadas e de Rildo Hora, o produtor
de sintetizadores e de Zeca Pagodinho, entre outros no-
samplers, programas mes – e Radamés Gnatalli, que traba-
e plug-ins de grava- lham durante décadas na Rádio Naci-
ção e configurações onal, são os grandes nomes de produ-
de computadores. ção musical no Brasil.
Sem esses conheci- Sir George Martin “Foi dos anos 90 até a atualidade que
mentos, mesmo que básicos, o senso que foi produzido até a medula por se introduziu mais tecnologia na mú-
crítico acaba, o conhecimento e a ex- George Martin, um músico erudito sica. Os produtores de antes desta dé-
perimentação são substituídos por que estudou composição seriamente. cada eram formados em composição,
procedimentos-padrão. Todo mundo Será que você pensa que o trompete e conheciam concertos, história da
gravando igual, com o mesmo equipa- as trompas foram produzidos pelo música, eram homens cultos e escre-
mento, regulado do mesmo jeito, John Lennon? Foi George Martin que viam música em uma época em que a
pode transformar a arte em mera pro- escreveu tudo aquilo”. imagem não interferia na qualidade
dução industrial. De acordo com Guerreiro, Thom Bell musical. Hoje em dia parece que a
Antonio Guerreiro de Faria, compo- também é um grande exemplo de um imagem tomou o lugar da música. Isso
sitor, arranjador, produtor musical, produtor completo. “Ele começou to- é muito ruim. O produtor aponta com
pianista, mestre em música, com tra- cando piano erudito, estudou compo- o dedo para o gráfico do áudio na tela e
balhos publicados no Brasil e no ex- sição e foi morar na Filadélfia, EUA. diz ‘ah, aqui está desafinado!’. Ele não
terior e professor de harmonia da Lá ele criou o Philly Sound (o Som da ouve mais. ‘Passou de tanto, vamos
UNIRIO, ressalta que um produtor Filadélfia), com o colorido harmônico comprimir!’. É a receita de bolo. Geor-
musical precisa conhecer a teoria de todos os arranjos característicos que ge Martin botou um quarteto de cor-
musical para produzir um bom traba- marcaram até hoje a década de 70. Em das tocando com os Beatles. Criou um
lho. “Se a gente pegar o Sargent parceria com a letrista Linda Creed som. Esse para mim é o perfil de um
Peppers, dos Beatles, disco premiado produziu o famoso grupo de soul The produtor de música. Só as pessoas que
e um dos ícones da década de 1960, Stylistics, que fez entre outros sucessos estudam e que têm cultura musical e
fundamental na mudança de todo pa- “You are everything”. Depois, fez a dis- geral podem se intitular com suces-
norama musical do mundo, vai ver co music e os Bee Gees o contrataram so”, avalia.

Gravação multipista ONDE APRENDER


Gravar tudo sozinho é, hoje, um hábito instrumentos, fossem eletrônicos, elétri- Já existem vários cursos livres de
de muitos profissionais, entretanto, os pi- cos ou acústicos. O costume nas ses-
oneiros causaram estranheza. Em 1968 sões da época era de todos os músicos áudio e produção musical no Brasil,
e 1973, gênios como a tecladista Wendy serem gravados ao mesmo tempo. Essa alguns de boa qualidade. No entanto,
(Walter) Carlos e o multiinstrumentista foi uma conquista da gravação multipista
Mike Oldfield lançaram, respectivamen- e o alcance de uma nova fronteira na bastante gente confunde cursos su-
te, “Switched-On Bach” e “Tubular produção musical, que deve ser vista periores de engenharia de áudio com
Bells” tocando todos ou quase todos os sem preconceitos.
ensino de produção musical. A en-

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genharia de áudio é uma está desafinada”, revela


especialização da eletrô- o especialista.
nica para formar proje- A Internet pode ser
tistas de equipamentos e um ótimo campo para
especialistas em acústica obtermos informações
de produtos. sobre áudio. Visitar os
“O conceito america- sites dos fabricantes e
no é de que o produtor ler os manuais dos pro-
produz o som, um con- gramas e dos equipa-
ceito muito mais pro- mentos traz um bom vo-
fundo que os permitiu lume de conhecimento.
fazer a música que eles Existem diversos sites
fizeram. Depois, nos com vídeos educativos
outros quatro períodos sobre o uso dos progra-
é que o aluno vai ter engenharia de Outra coisa que dificulta muito aqui é mas. Os problemas aparecem quando
som, engenharia de produção musi- a estrutura do ensino massivo das o estudante confunde opinião e in-
cal, gravação, mixagem e outras ma- universidades que põem em sala 20, formação com conhecimento. Algu-
térias de áudio e MIDI inerentes ao 25 alunos, na esperança de que al- mas pessoas tendem a valorizar qual-
curso de produção musical. Mas ele guém saiba alguma coisa. Na Alema- quer coisa publicada, mesmo que este-
passa os quatro primeiros períodos nha, as turmas de harmonia e de per- jam escritas em fóruns de discussão e
estudando intensivamente música. cepção têm cinco alunos para cada em blogs. Aí é que mora o perigo.
Depois, nos outros quatro períodos é professor. Isso é uma bofetada no nos- Fóruns são para detectarmos tendênci-
que ele vai ter matérias ligadas ao es- so sistema em alto estilo, porque eles as, não para estudarmos. Muitas vezes,
túdio. As matérias musicais tomam querem formar com qualidade, não alguém que não sabe muito bem o que
mais da metade do curso. Na Berklee querem quantidade. Aqui no Brasil o está perguntando debate com outros
College of Music, o produtor musical MEC exige uma quantidade de alu- que também não têm muita certeza do
em nível técnico nos EUA estuda nos para cada professor. Se tem cinco que estão respondendo. Fontes confiá-
dois períodos de regência, e isso não é alunos em sala, está-se desperdiçan- veis de conhecimento são sites de cur-
nenhum exagero, porque ele pode ter do o professor ‘só’ para cinco alunos. sos e de instituições isentos, sem com-
que reger uma orquestra enquanto Nossa realidade é a mais tacanha e a promissos comerciais. É óbvio que cada
produtor e arranjador”, ressalta An- mais retrógrada imaginável. Não é as- fabricante e cada revendedor vai sem-
tonio Guerreiro. sim que a gente vai construir um país. pre mostrar as vantagens dos seus pro-
“No Brasil, é comum nivelar por bai- O brasileiro precisa ser mais informa- dutos, nunca os defeitos. Nessa hora, os
xo, com a constante preocupação de do. Ao dizer isso em uma revista com fóruns de debates podem ser úteis para
adaptar à realidade brasileira. Eu a articulação que a Backstage tem, eu conhecermos o lado dos usuários.
nunca me conformei com isso, pois fico esperançoso de poder modificar
acho que essa realidade tem que ser alguma coisa na estrutura da produção O QUE OUVIR
mudada. Ela não tem que ser carrega- musical deste país. O produtor tem O bom produtor escuta todo tipo de
da nas costas nem ser lamentada; ela que saber usar os recursos digitais e de música. É fundamental para quem co-
tem que ser transformada. Isso se a MIDI, mas tem que ser capaz de reco- meça na carreira ir a shows de música
gente quiser fazer um país decente. nhecer quando uma corda do violão popular e concertos de música erudita.

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Entrar em uma sala de concertos e ouvir real noção do valor do seu trabalho e do nosso mercado. Portanto, diferenci-
e ver uma orquestra sinfônica se apre- dos benefícios que trará ao cliente. ar-se artisticamente é fundamental.
sentando sem microfones e nenhum Não adianta tentar se diferenciar no Estilo costuma ser uma das principais
aparato de áudio é muito importante. mercado pelo melhor equipamento. Lo- questões que levam os clientes a esco-
Antonio Guerreiro recomenda tam- go aparece outro com equipamento su- lherem o produtor musical.
bém ouvir música japonesa, árabe, in- perior. E aí, todo o investimento pode O produtor e professor de produção
diana, as músicas do mundo, trance, não ter retorno. Igualmente, desta- executiva de CDs do Home Studio, Le-
trash, hard rock. “É bom que o produ- car-se pelo menor preço costuma ser andro Fregonesi, acredita que o produ-
tor musical esteja voltado para o pro- desastroso. Primeiro, porque você tor deve cobrar o seu serviço com base
cesso de globalização, já que a tendên- fica nivelado por baixo, identificado na duração do projeto, na quantidade
cia é a fusão de estilos, tendências mu- por cobrar “baratinho”, sem chances de trabalho, nos valores de mercado no
sicais diversas, de diferentes culturas de aumentar seus ganhos no futuro; qual o projeto será realizado, na quanti-
que estão se fundindo. Toda cultura é segundo, porque um garoto com um dade de responsabilidade que será de-
um processo de fusão, se intercam- “paitrocinador” pode trabalhar até positada sobre o produtor, no tamanho
biam e se interdependem. Ninguém de graça, só para praticar, e levar sua e importância do contratante e em
pode ser técnico ou produtor de um clientela. eventuais autorizações prévias de uso
estilo só. Seria muito triste”, finaliza. Cobrar menos do que o valor do seu tra- de obras, fonogramas ou imagem.
balho vai levar você ao desinteresse; Os prazos de entrega devem ser cum-
PRODUTOR E CLIENTE cobrar muito pode levar o cliente a de- pridos para não prejudicar, desinteres-
O produtor deve entrar em sintonia com sistir. Encontre o preço adequado, equi- sar ou irritar o cliente. Para combinar
o cliente. É necessário saber questionar librando o seu investimento pessoal e prazos viáveis, faça um planejamento
com paciência e respeito, ouvindo e de- material com as possibilidades do seu minucioso de todas as etapas do pro-
monstrando interesse. O cliente precisa mercado. Mesmo que alguns clientes cesso. Na negociação podem ser ofere-
perceber que aceitamos suas idéias e que não disponham do capital para investir cidos serviços extras incluídos no pre-
valorizamos e entendemos seus senti- agora, eles o procurarão no futuro. Seja ço: confecção das partituras, da arte da
mentos e necessidades. Existe a necessi- flexível, cobrando valores diferencia- capa do álbum, outros músicos in-
dade do cliente ver que o produtor não dos ou dando descontos para clientes cluídos no custo, preparação vocal,
está distante e insensível, mas que admira com diferentes condições. produção executiva, encaminhamento
sua música e quer fazer o melhor para Para encontrar seu preço, leve em para distribuidoras e fábricas de CDs e
valorizá-la ainda mais. Grandes proble- conta os custos da produção (seu apresentação de provas durante a
mas podem acontecer quando o produtor tempo, suas despesas com luz, a de- produção para o cliente aprovar.
se vê em posição superior à do seu cliente. preciação do material, outros profis- Não descuide dos contratos, garan-
A situação ideal é observada quando o sionais contratados) e o potencial de tindo os créditos na ficha técnica e
produtor disponibiliza ao cliente seu co- lucro para o cliente. Ao produzir os devidos direitos autorais e cone-
nhecimento, sua atenção e disposição em jingles publicitários e trilhas sonoras, xos, seus e dos profissionais envolvi-
ouvir, compreender e ajudar. considere a área geográfica, o prazo de dos. Mesmo em produções pequenas
exibição, a audiência das emissoras que com combinação verbal, tudo tem
COMO COBRAR vão exibir o trabalho e o potencial de que estar muito bem esclarecido e
A negociação de uma produção é um lucro do cliente. Não podemos esque- combinado. Com estes cuidados, os
momento delicado e crítico. O pro- cer a concorrência. É claro que o preço clientes aparecem, voltam e, certa-
dutor, mesmo o iniciante, deve ter a não pode ser muito distante da média mente, se multiplicam.

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