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A DOR

dor (Keele, 19573 apud Bonica, 1990).


PORTNOI, A. G. Dor, Stress e Coping:
Para Platão e Aristóteles, dor e prazer
Grupos Operativos em Doentes com
eram sensações opostas, residiam no
Síndrome de Fibromialgia. São Paulo,
coração e eram paixões da alma (Plato,
1999. 256p. Tese (Doutorado). Instituto
18854 apud Bonica, 1990; Aristotelis,
de Psicologia, Universidade de São
18775 apud Bonica, 1990).
Paulo.
As idéias de Hipócrates foram
disseminadas por todo o mundo então
História da Dor conhecido, especialmente em
Alexandria, no Egito, quando a
A compreensão do fenômeno doloroso
permissão da prática da dissecação
sempre preocupou a humanidade.
permitiu a Herófilo e Erasistrato
Conhecer a trajetória histórica das
encontrarem evidências anatômicas de
inúmeras tentativas para compor as
que o cérebro era parte do sistema
peças deste complicado quebra-cabeças
nervoso e que possuía dois tipos de
permite refletir sobre as bases do
nervos: motores e sensitivos (Rey,
conhecimento que culminaram nos
1995).
conceitos e teorias modernos.
Quatro séculos depois, na Roma antiga,
Para os homens primitivos as doenças
estes conhecimentos abriram caminho
dolorosas ou causadas por objetos
para o trabalho de Galeno (século II),
estranhos eram atribuídas a fluídos
que estudou a fisiologia sensorial e
mágicos, demônios e espíritos, e seu
reafirmou a importância do sistema
tratamento resumia-se na retirada de
nervoso centrale periférico. Para Galeno
possíveis objetos estranhos e no uso de
a dor era um sinalizador da existência de
amuletos, conjurações e feitiçarias para
alterações nos orgãos internos ou no
apaziguar ou afugentar os demônios que
ambiente externo e possuía, portanto, a
causavam a dor (Tainter, 19481 apud
função de alertar e proteger os seres
Bonica, 1990).
vivos (Galen, 1854-66, apud Rey, 1995).
A idéia de que o coração era o centro
A Idade Média foi dominada em parte
das sensações originou-se no antigo
pela filosofia aristotélica, porém,
Egito, onde se acreditava que a dor era
principalmente, pelos ensinamentos de
causada por influência dos deuses e dos
Galeno. A partir do século XII, o
espíritos dos mortos e onde uma rede de
Cristianismo passou a influenciar de
vasos chamada “metu” levava o sopro da
maneira ambígua a preocupação com
vida e as sensações ao coração
relação à dor: por um lado a dor era vista
(Wreszinski, 19092 apud Bonica, 1990).
como uma forma de provação divina que
Na Grécia antiga, Hipócrates postulou a
existência de quatro humores: sangue, 3
KEELE, K. D. Anatomies of Pain. Oxford, Blackwell,
flegma, bile amarela e bile negra que, 1957.
4
quando desequilibrados resultavam em PLATO Phaedo. Edited with introduction and notes by
W. D. Geddes. London, Macmillan, 1885.
5
Aristotelis de Anima Libri Tres. Ad interpretum
Graecorum auctoritatem et codicum fidem recognovit
commentariis ilustravit Fridr. Adolph. Trendelenburg,
Berolini, sumptibus W. Weberi, 1877.
1 6
TAINTER, M. L. Pain . Annals of New York Academy GALEN De l’utilité des parties du corps humain, V, 9,
of Science, 51:3, 1948. In: ___ Euvres Anatomiques et Physiologiques et
2
WRESZINSKI, W. Der Grosse Medizinische Payrys Médicales. French translation by Charles Daremberg,
des Berliner Museums. Leipzig, Hinrichs, 1909. Baillière (Paris, 1854-6), 2 vols., I, pp. 361.

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deveria ser estoicamente tolerada; por sensorial (Bonica, 1990). A medicina,
outro lado, a encarnação de Cristo e porém, começou a se basear na
seus tormentos na cruz faziam com que observação, o que permitiu a
as preocupações se voltassem para o compreensão de como as sensações
sofrimento físico, tão bem registrado eram produzidas e transmitidas. As
através dos trabalhos artísticos da época tentativas de definição e mensuração da
(Rey, 1995). sensibilidade fizeram com que a dor
passasse a ser vista como sinal de
Na Renascença, (século XVI), o
alarme e o interesse voltou-se para os
pensamento científico seguiu os
tipos de dor, sua localização, avaliação,
conceitos de Leonardo da Vinci sobre a
mecanismos e também para os relatos
anatomia e fisiologia das sensações: o
dos doentes (Rey, 1995).
centro de dor localizava-se no terceiro
ventrículo do cérebro, os nervos eram No início do século XIX, os textos
considerados estruturas tubulares, a médicos davam grande atenção à
coluna espinal um condutor que relação entre “dor física” e “dor mental”,
transmitia as sensações ao cérebro, e a entretanto os avanços na neuropatologia
sensibilidade à dor era estritamente e medicina experimental geraram grande
relacionada ao tato (Procacci & Maresca, quantidade de fatos sobre as
19847apud Bonica, 1990). características da sensibilidade à dor. O
interesse pelos aspectos concretos da
Na Idade Clássica (século XVII) a
dor e o seu valor semiológico foi
medicina aderiu ao mecanicismo e
conseqüência do desenvolvimento
passou a ver o corpo humano como uma
clínico, que precedeu o importante
máquina complexa (Rey, 1995).
período de medicina experimental. O
Descartes (1596-1650) seguiu a filosofia
pensamento dominante, ao longo de
galênica e considerou os nervos como
todo o século, permaneceu dentro da
tubos contendo um grande número de
estrutura geral da “teoria da
finos filamentos que formavam sua
especificidade” (Rey, 1995).
medula e conectavam a substância
própria do cérebro com as terminações Os ensinamentos de Aristóteles e
nervosas na pele e em outros tecidos. Galeno permaneceram ao longo da
Os estímulos sensoriais eram história. A sede das sensações, porém,
transmitidos ao cérebro através desses passou do coração ao cérebro, e a
filamentos8 (Descartes, 1664, apud relação entre dor física e sofrimento
Bonica, 1990). psíquico vem sendo estudada ainda
hoje. A partir do final do século XIX e ao
Durante o Iluminismo, na metade final do
longo do século XX, uma série de teorias
século XVIII, os principais manuais de
foram propostas, na tentativa de elucidar
medicina continham os trabalhos de
os mecanismos e integrar as diversas
Hipócrates e Aristóteles; portanto, a idéia
facetas do fenômeno doloroso.
de que o coração era o centro das
sensações continuou paralela à teoria de
que o cérebro era o centro da percepção

Teorias Explicativas sobre a Dor


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PROCACCI, P. & MARESCA, M. The pain
concept in Western civilization: a historical review. Teorias são, essencialmente, tentativas
In: BENEDETTI, C.; CHAPMAN, C.R. & de solucionar um problema. O
MORICCA, G. (eds.) Advances in the conhecimento adquirido sobre os
Management of Pain: Advances in Pain Research mecanismos da dor representa um
and Therapy. New York, Raven Press, 1984.
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DESCARTES, R. L’Homme. Paris, ed. Angot, conjunto de informações, cujas inter-
1664. relações dinâmicas ainda estão por ser
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estabelecidas integralmente. Ao final do tecnológico do século XX enfatizou o
século XIX, duas teorias sobre os conceito de dor enquanto sensação,
mecanismos fisiológicos da dor já relegando os processos afetivos e
haviam sido sugeridas: a teoria da motivacionais a um segundo plano. A
especificidade e a teoria da intensidade. interação entre estes sistemas,
entretanto, é evidente (Melzack & Wall,
A teoria da especificidade propunha que
1991).
um sistema especializado de
transmissão carregaria mensagens dos No final do século XIX as teorias sobre a
receptores de dor na pele até um centro natureza da dor representavam
de dor no cérebro. A dor seria uma conceitos conflitantes, sendo que a
sensação específica, com uma oposição entre a teoria da
aparelhagem sensorial própria e especificidade, a mais dominante, e a da
independente dos outros sentidos, o que intensidade se estendeu pela primeira
implicava na existência de uma relação metade do século XX, gerando novas
direta e invariável entre o estímulo físico teorias.
e a sensação percebida pelo indivíduo;
Teoria do padrão foi o nome geral de
portanto, a intensidade da dor seria
uma série de teorias cujos conceitos se
proporcional à extensão do dano
iniciaram no século XVIII e se
tecidual. Apesar dos inúmeros avanços
consolidaram no século XIX, as quais,
que esta teoria permitiu, a possibilidade
basicamente, sugeriam que todas as
de um sistema nervoso funcionando
terminações nervosas livres eram
através de vias diretas e fixas, sugeria
semelhantes e não específicas, e
que toda a tarefa de interpretação do
consideravam a dor como resultante da
estímulo ocorresse inteiramente ao nível
excessiva estimulação periférica, o que
do receptor. Esta teoria não previa que
produziria um padrão temporal e espacial
as fibras nociceptivas fossem capazes
de impulsos nervosos, interpretado no
de modular a transmissão da dor e
cérebro como dor. Estas teorias
negava a influência das variáveis
ignoravam as evidências sobre o alto
psicológicas na dor (Melzack & Wall,
grau de especialização das fibras
1965; Bonica, 1990; Melzack & Wall,
receptoras (Melzack & Wall, 1965;
1991; Horn & Munafò, 1997).
Bonica, 1990; Melzack & Wall, 1991;
A teoria da intensidade sugeria que todo Horn & Munafò, 1997).
estímulo sensorial seria capaz de
A teoria da interação sensorial baseava-
produzir dor, uma vez que alcançasse
se na existência de dois sistemas de
intensidade suficiente. A informação
transmissão da dor: (a) um sistema lento
sensorial periférica seria acumulada no
de fibras não mielinizadas e fibras
corno dorsal, e a mensagem dolorosa só
mielinizadas de pequeno calibre,
seria transmitida para o cérebro se o
responsável pela condução dos impulsos
nível de estimulação excedesse um
nervosos de dor, e (b) um sistema rápido
determinado limiar, haveria, portanto
de fibras mielinizadas de grande calibre,
especialização e não especificidade
responsável pela inibição da transmissão
(Bonica, 1990).
da dor. Sob condições patológicas, o
Uma terceira teoria, não fisiológica, sistema lento prevaleceria sobre o
também foi proposta: segundo a teoria rápido, resultando em hiperalgesia
afetiva, a dor não possuía apenas uma (Melzack & Wall, 1965; Bonica, 1990;
qualidade sensorial, mas também uma Melzack & Wall, 1991).
qualidade afetiva, que influenciava todos
Cada uma das teorias produzidas até
os eventos sensoriais e conduzia o
meados do século XX gerou informações
indivíduo à ação. O desenvolvimento
essenciais para a elucidação do
3
fenômeno doloroso, entretanto, tal como comporta” e permitindo a transmissão da
peças isoladas de um quebra-cabeça, dor. Os processos do sistema nervoso
não integravam todos os diversos central também atuariam transmitindo
aspectos envolvidos. Foi a partir de mensagens inibitórias à medula espinal.
1965, com a criação da teoria da
A falta de argumentos clínicos,
comporta de controle da dor, proposta
anatômicos e fisiológicos que
por Ronald Melzack, um psicólogo e
subsidiassem a teoria da comporta para
Patrick Wall, um fisiologista que estas
o controle da dor, não implicou no
peças começaram a se encaixar, por que
comprometimento de seu valor; pelo
a nova teoria passou a levar em
contrário, a teoria da comporta forneceu
consideração todas as evidências sobre
bases conceituais e eletrofisiológicas,
especialização fisiológica, somação
que constituíram elementos
central, padronização e modulação dos
fundamentais para a construção do
impulsos, assim como a influência dos
conceito de interação sensorial, segundo
fatores psicológicos (Bonica, 1990; Horn
o qual, diferentes unidades do sistema
& Munafò, 1997).
nervoso interagem entre si, com a
A teoria da comporta de controle da dor finalidade de integrar informações
propôs que os mecanismos neuronais no sensoriais, relacioná-las a experiências
corno dorsal da medula espinal prévias e gerar comportamentos
atuassem como uma comporta, capaz de adaptados e mais adequados ao
aumentar ou diminuir o fluxo de impulsos relacionamento do organismo com seus
nervosos que vinham das fibras ambientes exteriores e interiores. Esta
periféricas e se projetavam para o teoria conflui com o conceito de
cérebro. Todas as informações operação integrada do sistema nervoso
somáticas estariam sujeitas à modulação como unidade, o que justificaria o fato do
da comporta, antes que pudessem medo e a ansiedade evocados pela dor
evocar a percepção e resposta à dor. alimentarem e manterem as
anormalidades funcionais que afloram
Os componentes da comporta de
magnificam ou modificam as várias
controle da dor eram as fibras de grande
dimensões das experiências sensoriais9.
e pequeno calibre, que se projetavam na
substância gelatinosa, responsável pela Nas palavras dos autores, “virtualmente
modulação da transmissão central dos todas as estruturas cerebrais possuem
impulsos; as células T que se um papel na dor, mesmo atividades
encontravam na substância gelatinosa e cerebrais aparentemente não
que responderiam pela transmissão de relacionadas à dor, tais como visão,
aspectos sensoriais e emocionais da dor; audição e pensamento são importantes
e, as estruturas cerebrais, onde o (...) tudo contribui para a dor” (Melzack &
estímulo doloroso seria processado. Wall, 1991, p.163).
O funcionamento da comporta seria
influenciado, entre outros, pelos impulsos
transmitidos pelas fibras de grande
calibre que, ao se projetarem para a Fisiologia da Dor
substância gelatinosa inibiriam a
atividade das células T, isto é, elas A ativação dos nociceptores
“fechariam a comporta” para a dor. Os
impulsos transmitidos pelas fibras de
pequeno calibre, mielinizadas e não
mielinizadas, inibiriam a modulação e
9
ativariam as células T, “abrindo a Comunicação pessoal do Dr. Manoel Jacobsen
Teixeira à autora do trabalho, em janeiro de 1999.

4
A dor geralmente se inicia através de um Para descrever de maneira sintética os
estímulo nocivo10 que, ao atingir os mecanismos que ocorrem na medula
tecidos, provoca a liberação de espinal é necessária uma breve
substâncias químicas denominadas descrição de sua constituição anatômica
algiogênicas11. Tais substâncias ativam e fisiológica. A medula espinal se
receptores sensoriais especializados, os constitui de uma sucessão de
nociceptores, que se encontram nas segmentos, cada qual responsável pela
terminações livres de fibras nervosas recepção de informações sensitivas e
localizadas nas estruturas superficiais e pelo controle da atividade motora de
profundas do organismo (Teixeira & setores periféricos específicos.
Pimenta, 1994).
Um corte transversal da medula revelará
As substâncias algiogênicas, ao ativar os um canal central e duas zonas
nociceptores, promovem a concêntricas: a substância cinzenta e a
despolarização das membranas substância branca. As células da
nervosas, desencadeando potenciais de substância cinzenta se dispõem como as
ação e a geração de impulsos elétricos asas de uma borboleta que, de acordo
nas fibras nociceptivas (Puntillo, 1988; com sua orientação, são denominadas
Jessell & Kelly, 1991). A sensação de corno dorsal e corno ventral. Ao redor
dolorosa é, portanto, desencadeada da substância cinzenta, a substância
quimicamente e transmitida sob a forma branca consiste de fibras que se
de impulsos elétricos, que trafegam ao agrupam em grandes feixes,
longo das fibras nervosas até a medula ascendentes e descendentes, através
espinal (Peschanski, 1987). dos quais mensagens chegam e partem
da medula e do cérebro (Peschanski,
1987; Melzack & Wall, 1991).
Dos nociceptores à medula espinal As células da medula espinal encontram-
Os impulsos nervosos são transmitidos se dispostas em camadas ou lâminas na
para a medula espinal através de três direção dorso ventral, e foram
tipos de fibras nervosas: as fibras A-beta, numeradas de I a X, sendo que o corno
de grande diâmetro e mielinizadas, que dorsal contém as lâminas de I a VI. As
conduzem rapidamente o estímulo fibras nervosas que conduzem os
doloroso; as fibras A-delta (pequenas e impulsos nociceptivos penetram na
mielinizadas) e as fibras C (pequenas e medula espinal pela raiz posterior do
não mielinizadas), que são responsáveis corno dorsal e os transmitem para a
pela condução lenta do estímulo medula espinal (Peschanski, 1987;
doloroso (Brandão, 1991; Melzack & Melzack & Wall, 1991).
Wall, 1991).

Da medula ao cérebro
Mecanismos na medula espinal Na medula, parte destes impulsos
nervosos irá primeiro passar por uma
10
Considera-se estímulo nocivo o estímulo região denominada substância
químico, térmico e/ou mecânico de intensidade gelatinosa (lâminas II e III), e é na
e/ou duração suficientes para sensibilizar os passagem das fibras sensoriais desta
nociceptores. região para os neurônios ascendentes da
11
Destacam-se entre estas substâncias a
acetilcolina, as prostaglandinas, a histamina, a
medula espinal, que estes impulsos
serotonina, a bradicinina, o leucotrieno, a poderão ser modulados (op. cit.).
substância P, a tromboxana, o fator de ativação
plaquetário, os radicais ácidos e os íons potássio
Uma vez transmitidos para os neurônios
(Teixeira, 1994). da medula espinal, os impulsos nervosos
5
serão projetados para o cérebro ao longo Modulação da Dor
de fibras nervosas. Algumas destas
As informações codificadas sobre os
fibras continuam para o tálamo,
formando o trato espinotalâmico, a estímulos nociceptivos são transmitidas
maioria, porém, penetra na camada desde os tecidos periféricos até as
central da parte mais baixa do cérebro, estruturas cerebrais. Entretanto, ao longo
chamada de formação reticular, do trajeto, seu conteúdo sofre a
formando o trato espinorreticular. A influência de mecanismos moduladores,
formação reticular possui sistemas capazes de influenciar a qualidade e
altamente especializados e dela se intensidade da experiência dolorosa.
originam uma série de diferentes rotas, Estes mecanismos constituem o sistema
por onde os impulsos nervosos serão supressor de dor.
transmitidos para o sistema límbico e A cada sinapse das fibras pelas quais
para o córtex (op. cit.). transitam, os impulsos nervosos estão
sujeitos à modulação. Na medula
espinal, as mensagens transmitidas
Mecanismos cerebrais: a pelas fibras que convergem para o corno
percepção da dor dorsal são “filtradas” pela substância
gelatinosa. Na formação reticular, as
Até agora, tratou-se da transmissão dos informações que provêm de diferentes
impulsos nervosos evocados pela áreas do corpo somam-se e interagem.
ativação de receptores sensoriais
Nos diversos centros cerebrais (tálamo,
especializados que fornecem sistema límbico e córtex) as informações
informações sobre dano tecidual. A partir são processadas e transitam por fibras
do momento em que estes impulsos ascendentes e descendentes, que as
chegam ao cérebro é que podem passar
modulam continuamente, facilitando o
a ser classificados como dor, uma vez
fluxo de algumas e inibindo o de outras
que nem todos os estímulos nocivos que (Melzack & Wall, 1991).
ativam os nociceptores são
experimentados como tal. A presença de receptores de morfina nas
estruturas do sistema nervoso central
A dor, propriamente dita, é a percepção (SNC), por onde as informações
de uma sensação aversiva ou
nociceptivas transitam, demonstrou a
desagradável, proveniente de alguma existência do sistema opióide endógeno,
região do corpo. Esta percepção se dá a responsável pela produção de
partir da abstração e elaboração de substâncias bioquímicas (endorfinas)
informações sensoriais, que envolvem cuja ação assemelha-se à da morfina. A
processos subjetivos. A identificação, ativação desse sistema é influenciada
atribuição de significado e reação à dor
por fatores socioculturais, cognitivos e
dependem de fatores ambientais, emocionais, que podem atenuar ou
culturais, históricos e pessoais de cada ampliar a dor percebida (Teixeira, 1994).
indivíduo (Jessell & Kelly, 1991).
Em síntese, a ocorrência da dor resulta
Portanto, embora a percepção de dano do desequilíbrio entre a quantidade e a
físico e a sensação de dor estejam
qualidade da estimulação nociceptiva e a
relacionadas, o conteúdo proposto pela ativação do sistema supressor de dor
percepção não é necessariamente (op. cit.).
idêntico ao proposto em termos de
sensação (Hall, 1989). Foi apenas a partir da teoria da comporta
de controle da dor e do esclarecimento
sobre seus mecanismos fisiológicos de
transmissão e modulação, que foi

6
possível produzir um conceito de dor A dor aguda
suficientemente abrangente para incluir
Considera-se dor aguda aquela que, por
todos os avanços conquistados.
seguir-se a lesões teciduais, tem função
de alarme. Costuma ser acompanhada
de alterações neurovegetativas e pode
Conceitos de Dor
ser influenciada por fatores psicológicos,
Definição embora estes raramente tenham um
papel primário na sua ocorrência. Como
A dor foi conceituada pela “International
sua fisiopatologia, diagnóstico e controle
Association for the Study of Pain” (IASP)
são melhor conhecidos, costuma
em 1979, como:
desaparecer após o tratamento correto
“... uma experiência sensorial e do processo patológico (Teixeira &
emocional desagradável, associada a Pimenta, 1994).
lesões reais ou potenciais, ou descrita
em termos de tais lesões. (...) A dor é
sempre subjetiva. Cada indivíduo A dor crônica
aprende a utilizar este termo através de
Considera-se dor crônica aquela que
suas experiências prévias, relacionadas
persiste além do tempo razoável para a
a danos” (Merskey, 1991).12
cura de uma lesão ou que está
Nessa concepção, a dor é considerada associada a processos patológicos
um fenômeno multifatorial, cuja crônicos, que causam dor contínua ou
sensação e percepção irão variar recorrente em intervalos de meses ou
individualmente, de acordo com a anos (Bonica, 1990).
influência de fatores biológicos,
Na sua forma crônica, a dor deixa de ter
psicológicos e sociais. A inclusão desses
a função biológica de alerta e
fatores demonstra a impossibilidade de
freqüentemente dá origem a alterações
uma relação direta e proporcional entre
fisiológicas (distúrbios do sono, apetite,
dor e lesão tecidual.
etc.) emocionais (depressão, ansiedade,
Devido ao seu caráter essencialmente etc.); comportamentais (incapacitação
desagradável, a dor tem a função física, dependência de terceiros, etc.) e
adaptativa de alarme, que obriga o sociais (conflitos familiares, problemas
indivíduo a evitar e a reconhecer objetos ocupacionais, econômicos e legais). Seu
e situações que possam causá-la, diagnóstico e tratamento são mais
prevenindo o agravamento ou difíceis, quando comparados aos da dor
surgimento de novas lesões. Além disso, aguda, e ela representa um dos mais
as dores que provém de doenças ou onerosos problemas de saúde da
lesões induzem o indivíduo a diminuir o sociedade (op. cit.)
seu nível de atividade física, evitando um
Os conhecimentos acumulados através
agravamento do mal e permitindo a ação
da história, que culminaram na criação
de recursos naturais de cura do
da teoria da comporta da dor e no
organismo (Melzack & Wall, 1991).
esclarecimento dos processos
fisiológicos envolvidos na sua
12
No original em inglês: “An unpleasant sensory transmissão e modulação, permitiram
and emotional experience associated with actual que o atual conceito de dor incluísse
or potential tissue damage, or described in terms fatores sensoriais, emocionais,
of such damage. (...) Pain is always subjective.
Each individual learns the application of the word
cognitivos, comportamentais e sociais.
through experiences related to injury in early life.” Hoje, a dor é considerada e pesquisada
através de seus componentes sensório-

7
discriminativos, afetivo-motivacionais e MERSKEY, H. The definition of pain.
cognitivo-avaliativos, classificação European Psychiatry, v.6, p.153-9, 1991.
proposta por Melzack & Torgerson
PESCHANSKI, M. A Biologia da Dor.
(1971). A revisão da literatura deste
L&PM, Porto Alegre, 1987.
trabalho irá examinar as características
de tais componentes na síndrome de PUNTILLO, K. A. The phenomenon of
fibromialgia, uma doença que desafia o pain and critical care nursing. Heart
que até agora se conhece sobre dor. Lung, v.17, n.3, p. 262-73, 1988.
REY, R. The History of Pain. Harvard
University, Cambridge, 1995.
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Introdução. In: TEIXEIRA, M. J. Dor:
BONICA, J. J. Definitions and taxonomy Conceitos Gerais. Limay, São Paulo,
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Pain. vol. I, 2nd ed., Lea & Febiger,
Philadelphia, 1990. TEIXEIRA, M. J. Fisiologia. In: _____
Dor: Conceitos Gerais. Limay, São
BRANDÃO, M. L. Dor: mecanismos Paulo, 1994. p. 8-31
básicos e aspectos motivacionais. In:
____ As Bases Psicofisiológicas do
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HALL, R. J. Are pains necessarily
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HORN, S. & MUNAFÒ, M. Theories of
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and intervention. Open University,
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MELZACK, R. & WALL, P. D. The
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