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T.

BRAGA

LUTA ECOLÓGICA

1981-1990

Ponta Delgada
ÍNDICE

Introdução .......................................................................................... 5
Armamento Nuclear na Terceira ........................................................ 7
Mar dos Açores, “cemitério” de resíduos radioactivos....................... 8
Combate à poluição sonora, tarefa urgente!........................................ 9
Portugal prepara-se para utilizar os «cemitérios»
atómicos do Atlântico?........................................................................ 11
Baleias! Eliminada a Ameaça de Extinção?........................................ 13
De como eles se vestem de verde ou as cambalhotas
que são obrigados a dar ...................................................................... 15
Por que razão os Amigos da Terra estão
lutando pelas baleias?......................................................................... 17
Açores: Toninhas Continuam Protegidas pela Lei.............................. 19
Fábrica de Cimento e Poluição........................................................... 20
Tropa? Não Obrigado!........................................................................ 21
Ecologia.............................................................................................. 22
A Propósito de Chernobyl: Energia Nuclear?
Sim, muito obrigado!.......................................................................... 24
Jardim António Borges: Botânico ou Zoológico?............................... 26
Caça à Baleia: Alguns dados Históricos............................................. 27
Grutas- Um Património Natural que Urge Defender.......................... 31
Reserva de Recreio da Lagoa do Congro, Por que Não?.................... 33
Em Defesa da Árvore – Ipilipil ou Leucaena,
a Árvore Milagrosa ............................................................................ 34
Carta aberta ao Amigo da Terra Humberto Furtado Costa ................. 35
Eucaliptomania, Universidade e Partidos Políticos............................ 36
Património Espeleológico dos Açores – Riqueza
ainda por explorar............................................................................... 38

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2008

Impressão e Acabamentos
EGA - Empresa Gráfica Açoreana, Lda.
Rua Manuel Augusto Amaral, 5
9500-222 Ponta Delgada
INTRODUÇÃO

Nesta publicação apresenta-se uma colectânea de vinte e um textos


publicados em diversos jornais, sobretudo regionais, e boletins de associ-
ações de defesa do ambiente, ao longo de vinte e um anos.

Embora muitos dos textos tenham perdido actualidade, optámos por


não fazer qualquer actualização.

Infelizmente muitos outros, como os referentes à energia nuclear/


resíduos radioactivos, continuam a estar na ordem do dia, visto que, com
a actual crise dos combustíveis fósseis e com a alegação de que aquela
forma de energia não é produtora de dióxido de carbono, há fortes pressões
a nível nacional e internacional para o relançamento do nuclear.

Pico da Pedra, 29 de Junho de 2008

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Luta Ecológica 1981-1990

Armamento Nuclear na Terceira

Há dias alertava, num artigo saído neste jornal, para os perigos que
adviriam para todos nós se quem nos governa autorizasse a instalação de
armas nucleares no nosso território.
Neste pequeno artigo, irei divulgar algumas das conclusões (só as que
nos dizem respeito) de um estudo sobre questões militares da autoria de Al-
berto Santos, doutor em Sociologia, antigo professor no Instituto de Ciên-
cias Sociais e Políticas de Lisboa, editado pela Fundação para os Estudos de
Defesa Nacional de França, presidida pelo General Enri de Bordas.
A dado passo do seu trabalho, podemos ler: “Na Terceira, os ameri-
canos aumentaram consideravelmente o porto da Vila da Praia da Vitória a
fim de que pudesse receber os submarinos nucleares Polaris- Poseidon” e
mais adiante “... no porto da Vila da Praia da Vitória e ao largo do arquipé-
lago estacionam os submarinos nucleares do tipo Trident e Poseidon”.
Que consequências poderão advir da presença de tais submarinos
nas nossas costas?
Pesquisas realizadas pelo centro de estudos tecnológicos do Japão re-
velaram que a radioactividade subia de 30 a 40% em Okinava quando o
navio nuclear norte-americano “Long-Beach” estacionava na base de
“White Beach”.
E o que representa este aumento de radioactividade para o meio am-
biente, isto é, para o solo, o ar e o mar?
Sabemos que as radiações atómicas atacam as células de todos os seres
vivos, plantas, animais, ou o homem, provocando uma série de doenças que
poderão ir no caso de um indivíduo, desde uma queimadura de pele até à
morte em poucos dias por “doença de radiação”, passando por leucemia ou
cancro de pulmão. Sabe-se, também, que, no homem e nos restantes ani-
mais, as células mais sensíveis às radiações são as células reprodutoras, que
podem sofrer importantes mutações. Isto pode originar o aumento do nú-
mero de abortos e de partos prematuros, nascimentos de seres defeituosos e
até modificações permanentes nas espécies.
A simples presença destes submarinos constitui já de si um perigo
para todos nós pois não existem meios, quer humanos, quer técnicos que
garantam o mínimo de segurança em caso de acidente dos vários enge-

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nhos nucleares quer sejam bélicos quer não. Este perigo é agravado se se
confirmar a existência de depósitos de armamento nuclear como se pode
deduzir do trabalho que venho citando, pois a dado passo, podemos ler:
“...Outros silos de armas nucleares parecem estar instalados na Base bem
como no interior da ilha Terceira”, logo em caso de um conflito nuclear só
nos espera a destruição.
Existindo de facto armas nucleares em território português (no pas-
sado dia 2, o jornal “A União”, num artigo intitulado “Armas atómicas em
Portugal por acordo secreto com os E.U.”, também levantava esta hipó-
tese), tanto os nossos governantes, como os partidos da oposição têm co-
nhecimentto de tal facto sendo, portanto, uma verdadeira hipocrisia tanto
as declarações que tanta tinta têm feito correr na nossa imprensa, como os
projectos de lei que têm sido apresentados na Assembleia da República.

(Publicado no jornal “Diário Insular”, 4 de Julho de 1981)

Mar dos Açores, “cemitério” de resíduos radioactivos

Os pricipais problemas levantados pela utilização da energia nuclear


situam-se a dois níveis: as consequências directas que resultam dessa
mesma utilização, com todos os perigos a ela inerentes dadas as actuais li-
mitações nos conhecimentos, tanto na previsão dos riscos como na ma-
nutenção propriamente dita das centrais e os problemas subjectivos,
essencialmente políticos, que o uso deste tipo de energia permite levantar.
Neste artigo abordarei, apenas, o problema do armazenamento dos
resíduos radioactivos o qual se insere no primeiro tipo de consequências
atrás mencionadas.
Sabe-se que uma central nuclear de 1000 MW produz, anualmente,
tantos resíduos radioactivos como mil bombas de Hiroxima...É óbvio que
os resíduos radioactivos, com níveis de radioactividade perigosos durante
centenas e mesmo milhares de anos, não podem estar em contacto com o
meio ambiente, sob pena de constituirem uma terrível ameaça a todas as
formas de vida. Têm, pois, de ser guardados em recipientes absolutamente
estanques e armazenados em determinados locais durante todo esse tempo.
Que fazer, então, com esses resíduos?

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Luta Ecológica 1981-1990

A primeira “solução” foi fazer imergir esses resíduos ao largo das


costas do Atlântico e do Pacífico. É assim que, a 500 km a Oeste do Cabo
Finisterra , ou seja a meio caminho entre a Península Ibérica e os Açores,
há sete “cemitérios” de resíduos radioactivos onde são lançados os resí-
duos da laboração de 40 centrais nucleares europeias.
Sabendo que a Corrente do Golfo que passa na zona do “cemitério”
se dirige na direcção dos Açores e que ao encontrar a cordilheira subma-
rina do nosso arquipélago a corrente divide-se em duas, perdendo veloci-
dade, fazendo com que, em caso de alguma rotura, eventuais partículas
radioactivas tendam a depositar-se nas nossas águas.
Que consequências poderão advir, para nós açorianos, da existência
de tais “cemitérios” no Atlântico?
Hoje, o problema do armazenamento dos resíduos radioactivos con-
tinua por resolver. Fazer contentores mais seguros, de modo a que após 20
000 ou mais anos permaneçam intactos, é algo que ultrapassa as garantias
mais optimistas que a ciência e a tecnologia actuais podem fornecer. A
agravar a situação, o comandante Cousteau, especialista internacional-
mente respeitado, revelou que os contentores em que os resíduos são en-
volvidos rebentam no fundo do mar, espalhando partículas radioactivas
em redor. No caso dos contentores lançados recentemente no Atlântico,
os ecologistas afirmam que já vão em mau estado.
A riqueza, insuficientemente explorada, dos nossos mares está, pois,
em risco de ser contaminada, e em risco estamos todos nós, pois como se
sabe, o “mal” radioactivo vai-se acumulando ao longo da nossa cadeia ali-
mentar que, ao chegar ao homem, poderá trazer níveis já muito elevados
de radioactividade, com evidentes prejuízos para a nossa saúde (hipóteses
de cancros, leucemias, modificações genéticas nas gerações futuras, etc.).

(Publicado no jornal “Açoriano Oriental”, 19 de Julho de 1981)

Combate à poluição sonora, tarefa urgente!

Embora não seja tarefa fácil definir o que se entende por poluição so-
nora, podemos classificar de poluentes todos os sons que provocam reac-
ções negativas (sons desagradáveis, perturbadores e até dolorosos). Mas

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aqui surge uma questão: não poderá um mesmo som ser considerado agra-
dável para determinada pessoa e perturbador para outra?
Entretanto, é possível lidar-se com padrões bastantes objectivos. Não
é difícil medir-se o volume dos sons, mais difícil é chegar-se à conclusão
de quais sejam os limites aceitáveis para a saúde humana. Apesar de ser
necessário ter em conta a distância a que a pessoa se encontra do gerador
do barulho e o tempo de exposição a este, considera-se que o ouvido hu-
mano não pode tolerar mais do que 120 decibéis.
Embora a poluição sonora não seja, para nós Açorianos, o mais grave
problema do ponto de vista ecológico, é, no entanto, fácil compreender-se
que ela é um dos grandes males da nossa civilização e é urgente que as po-
pulações se consciencializem de que do ruído advêm inúmeras consequên-
cias para a saúde, sendo mesmo uma das principais causa da falta desta nas
grandes cidades.
«… A chamada revolução industrial e a chamada vida moderna ocasio-
nou uma intensificação quase incontrolável da produção de novos ruídos, cada
vez mais numerosos e cada vez mais perturbadores do equilíbrio psicossomá-
tico. Numa cidade como numa fábrica, como em qualquer outro meio am-
biente de vida ou de trabalho, os chamados ruídos de fundo podem atingir
valores em decibéis que perturbam, alteram e modificam irreversivelmente as
condições do nosso equilíbrio psicossomático, portanto a nossa saúde.
Os novos meios de transporte, não esquecendo os aviões que pro-
duzem habitualmente para cima de 150 decibéis, o que é insuportável, as
novas máquinas, toda uma utensilagem doméstica e pública a mais va-
riada, constituem fontes de ruídos permanentes que se entrechocam e se
potencializam, levando a generalidade das pessoas à fadiga, ao mal-estar,
ao nervosismo, à insónia, às perturbações do equilíbrio, à diminuição ace-
lerada da capacidade de decisão. Digamos então que conduz à alienação
e ao embrutecimento das pessoas. Conduz pela mesma razão, e pelo
mesmo mecanismo, ao aumento da agressividade da intolerância, da de-
gradação do convívio social normal e sereno, conduz finalmente, por um
fenómeno de excitação permanente, ao embotamento do chamado eu
moral das pessoas.
Portanto, fisiologicamente o caminho para a surdez, psicologica-
mente o caminho para o desequilíbrio psicossomático, para a excitação
permanente, para a agressividade, para a neurose, para a depressão, para

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o aniquilamento do individuo, sob todos os aspectos considerado». (1)


Além das consequências atrás apontadas, acrescentaríamos uma, tal-
vez a mais alarmante, que é a possibilidade do ritmo cardíaco do feto ser
acelerado por barulhos a que a própria mãe parece ter-se tornado tolerante.
Eliminar a poluição é praticamente impossível, já que existir é po-
luir. Contudo, combater a poluição excessiva é necessário e, mesmo, im-
prescindível, caso se queira preservar a vida no planeta.
A 15 de Setembro, do ano transacto, foi criado, pelo Governo Re-
gional, um grupo de trabalho com o objectivo de «estudar medidas ten-
dentes ao combate à poluição sonora, proveniente de estabelecimentos
industriais, de veículos a motor, de estabelecimentos comerciais e de lo-
cais de diversão pública» (2). Sabendo-se que a poluição sonora, é de fácil
controlo tecnológico, esperamos que sejam acertadas, e que não fiquem
pelo papel, as deliberações do referido grupo de trabalho.
Alertamos, por último, a opinião pública para a existência de falsas
campanhas: as que procuram responsabilizar, pelos males, igualmente
todos os cidadãos, as que localizam erroneamente as causas, as que apon-
tam soluções que são pouco mais do que simples paleativos.

(1) - in «Problema da Saúde» texto do Dr. Rocha Barbosa.


(2) - In «Boletim nº 1 da Direcção Regional da Comunicação Social.

(Publicado no jornal “Diário Insular” em 27 de Março de 1982)

Portugal prepara-se para utilizar os “cemitérios”


atómicos do Atlântico?

“Se ganha a ditadura do Plutónio e permitirmos a militarização das


energias doces, corremos o risco de caminhar até ao ano 2000 como nú-
meros programados nos computadores, como cifras de consumo para in-
dústrias alimentares, como cérebros vazios submetidos à linguagem
alienante dos meios audiovisuais” (Santi Vilanova).
A imprensa açoriana, a maioria dos partidos políticos com activi-
dade na região e o próprio Governo Regional, não há muito tempo, toma-
ram posição contra o lançamento de resíduos radioactivos nos “cemitérios”
atómicos situados a 600 milhas do nosso arquipélago.

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É de estranhar, no entanto, a atitude do Governo Central que não


tomou qualquer posição sobre o caso. Pelo que nos é dado conhecer, só o
PPM, através de Gonçalo Ribeiro Teles, manifestou a sua concordância com
a resolução aprovada pelo Governo Regional do Açores. Mas, concerteza,
nada fará, habituado que está a engolir elefantes vivos… (não é verdade, se-
nhor Ferreira do Amaral?).
A que será devido tal silêncio?
É que já vem de longe a intenção de optar pela via nuclear no nosso
país. Em 1975, a E. D. P., num Encontro Nacional de Política Energética,
apontava para uma opção nuclear a curto prazo. Em 1976, o Primeiro-Mi-
nistro de então, Mário Soares, prometeu a elaboração de um Livro Branco
sobre a opção nuclear, opção esta advogada pelo seu Ministro da Indústria
e Tecnologia Walter Rosa. Em 16 e 17 de Março de 1977, a E. D. P. volta
à carga promovendo um seminário com o título: “Informação sobre Pro-
blemas Energéticos” que constou, num total de nove pontos, de seis liga-
dos a problemas de uma possível opção nuclear. Mais recentemente, nos
dias 11, 12 e 13 de Outubro, realizou-se em Lisboa um Simpósio sobre o
Nuclear promovido pelos construtores franceses de centrais, Framatome,
Alsthom e Comega que estão em melhores condições, segundo técnicos do
sector, do que os canadianos que entram na corrida após acordos econó-
micos firmados entre o Primeiro Ministro português, Francisco Pinto Bal-
semão e o chefe do governo federal canadiano, Pierre Elliot Trudeau.
A culminar todos estes estudos, conversações e acordos, o governo
central parece disposto a aprovar um Plano Energético Nacional que prevê
a construção de um máximo de onze e um mínimo de seis centrais nu-
cleares até ao ano 2000.
Perante tal atitude urge reforçar o movimento anti-nuclear no nosso
país e na região, antes mesmo que o continente português esteja infestado
de centrais nucleares, fábricas de reprocessamento, etc. e que o governo
central decida despejar os detritos das “nossas” centrais no Atlântico.
É tempo de agir. “É necessário lutar contra o nuclear. É o problema
mais importante do século, o resto não passa de um pormenor, estamos
diante da morte da civilização” (Lanza Del Vasto).

(Publicado no jornal “Diário Insular”, 12 de Novembro de 1982)

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Baleias! Eliminada a ameaça de extinção?

Sabemos que, na Terra, houve mamutes, dinossauros, etc., mas


nunca os vimos. As baleias, que já tivemos oportunidade (e facilidade) de
ver, não são ainda um animal extinto. Mas se o massacre, de que são víti-
mas, continuar, apesar de a Comissão Baleeira Internacional (IWC) ter
proibido a sua caça a partir de 1985, a ameaça de extinção de algumas es-
pécies importantes de baleias continua latente.
Sabe-se que, desde o século XVIII, os nossos mares foram palco de
capturas por parte de veleiros americanos. Entre nós, a indústria baleeira
só começou a ser explorada a partir de 1886, em São Miguel (desconhe-
cemos se a nível dos Açores) por iniciativa do Sr. Amâncio Júlio Cabral.
A caça à baleia, na Região, após ter sido incrementada, neste momento
está condenada a desaparecer por si, felizmente, sem trazer grandes pro-
blemas à economia regional, como poderemos ver adiante. Das 13 ba-
leeiras existentes em 1974, hoje apenas restam sete: cinco no Pico, uma no
Faial e uma nas Flores.
A pesca da baleia, entre nós, continua a ser feita de um modo que se
pode considerar primitivo. Embora tal método não permita grandes cap-
turas como o permite a utilização de métodos sofisticados, é, sem sombra
de dúvidas, uma das formas mais cruéis de matar um animal. Com efeito,
só ao fim de 2 a 5 horas de agonia e sofrimento a baleia morre.
Como já foi referido pela imprensa, a Comissão Baleeira Interna-
cional decidiu proibir, a partir do próximo mês de Outubro, a utilização dos
chamados “arpões frios”, utilizados também pelos nossos pescadores, que
provocam uma morte lenta e dolorosa e recomendou que na caça à baleia
sejam utilizados explosivos de modo a que a morte seja rápida.
Irá tal decisão ser acatada? Esperamos que, no mais breve espaço de
tempo, o Governo Regional tome as medidas adequadas.
Do ponto de vista económico, as razões para a continuação do mas-
sacre das baleias são inexistentes. Para todos os produtos extraídos das ba-
leias existem substitutos sintéticos, a preços mais compensadores. Hoje, dos
cachalotes capturados nos Açores extrai-se óleo de fraca qualidade e de di-
fícil venda. Existem na Região 800 toneladas de óleo à espera (até quando)
de melhores preços.

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Sabendo-se que são, apenas, sete os países que podem comprar o


óleo açoriano sem correrem o risco de infringirem as posições que têm to-
mado no seio da IWC, quem estará interessado em comprar o nosso óleo?
No dizer de Zé Lima e Gérald Le Grand, em artigo publicado na re-
vista “SOBREVIVER”, o verdadeiro lucro é o resultado do tráfico ilegal
dos dentes de cachalote. O que faz lembrar o sinistro destino dos elefan-
tes africanos, massacrados para que os turistas de todo o mundo pudessem
ter direito ao seu “souvenirzinho”…”.
No que toca ao número de pessoas ligadas ao sector, podemos acres-
centar que é tão diminuto que, facilmente, poderão ser encaminhadas para
outras actividades também lucrativas.
O jornal “Açoriano Oriental” de 5 de Junho de 1981, num artigo pu-
blicado a propósito do Dia Mundial do Ambiente, referia-se às possibili-
dades de reciclagem da indústria baleeira, citando a dado passo; “… A
MAIOR PARTE DAS EMBARCAÇÕES UTILIZADAS NA CAÇA À
BALEIA, PODEM SER EMPREGUES IMEDIATAMENTE NOUTRAS
FORMAS DE PESCA. AS USINAS DE TRATAMENTO DE CACHA-
LOTES SÃO TODAS MUITO VELHAS (apenas uma funciona real-
mente) E A SUA TRANSFORMAÇÃO É URGENTE. SERIA MUITO
MAIS ÚTIL PARA A REGIÃO MONTAR USINAS DE TRATAMENTO
DE PEIXE DO QUE RENOVAR UMA INDÚSTRIA QUE DESAPARE-
CERÁ DENTRO DE 10 OU 15 ANOS, LOGO QUE NÃO HAJAM
MAIS BALEIAS. E ISTO NUMA ALTURA EM QUE SE DESEN-
VOLVE O SECTOR DAS PESCAS NA REGIÃO… O DESENVOLVI-
MENTO TURÍSTICO DOS AÇORES ESTÁ NA SUA JUVENTUDE E
AS BALEIAS PODEM CONTRIBUIR PARA O SEU SURTO. NÃO HÁ
MUITAS REGIÕES DO MUNDO ONDE SE POSSA ENCONTRAR AS
BALEIAS, FOTOGRAFÁ-LAS E OUVI-LAS CANTAR. O EXEMPLO
DA FLÓRIDA E DO SEU ARQUIPÉLAGO DO HAWAI MOSTRA QUE
TAL ACTIVIDADE É PROCURADA E RENTÁVEL…”
Esperamos que o Governo Regional cumpra o que vem expresso no
Plano a Médio Prazo (1981/84), nomeadamente o objectivo em que se
propõe a defesa das espécies animais e a recuperação de sistemas com
vista à preservação das espécies em vias de extinção.
É urgente começar-se, desde já, a pensar na reciclagem da indústria
baleeira, para que em 1985 Portugal não esteja incluído na lista dos paí-

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Luta Ecológica 1981-1990

ses responsáveis pelo extermínio das baleias.


Apesar do regozijo com que foi recebida, pelos ecologistas, a pro-
posta apresentada pelas Seyshelles proibindo a partir de 1985 toda a caça
comercial da baleia, pensamos que tal medida poderá funcionar como
arma de dois gumes, já que não foi aceite por unanimidade. Segundo o
“EXPRESSO” de 31 de Julho de 1982, “AO APROVAREM A PROIBI-
ÇÃO TOTAL DA CAÇA DA BALEIA A A PARTIR DE 1985, OS PAÍ-
SES DA ICW PODERÃO TER, DE FACTO, COLOCADO UM
TRAVÃO NO EXTERMÍNIO DO MAIOR ANIMAL VIVO DA TERRA.
MAS, AO MESMO TEMPO, PODERÃO TER ABERTO CAMINHO A
QUE AS MAIORES POTÊNCIAS BALEEIRAS SE DESOBRIGUEM
DAS DECISÕES DA COMISSÃO E PASSEM A EXERCER A CAÇA
SEM QUALQUER CONTROLO INTERNACIONAL. E, NESSE CASO,
SEM OUTRO TRAVÃO A ESSA PRÁTICA QUE O DAS HABITUAIS
CONDENAÇÕES VERBAIS, NÃO PODERIAM ESTAR EM MAIOR
RISCO OS POUCOS MILHARES DE BALEIAS QUE AINDA HOJE
EXISTEM ESPALHADAS PELOS MARES”.

(Publicado no boletim “Priôlo”, nº 1, Primavera de 1983)

De como eles se vestem de verde ou as cambalhotas


que são obrigados a dar

Com a chegada da Primavera os campos tornam-se verdes. Durante as


pré-campanhas e campanhas eleitorais os partidos políticos, da situação e da
oposição, são pródigos em promessas e mais promessas; procuram, assim, im-
pingir o seu produto falsificado (estragado quase sempre) através de todos os
métodos publicitários, desde os mais sofisticados aos ilegais e fraudulentos.
Nos últimos tempos, talvez devido ao cada vez maior número de ci-
dadãos eleitores (e não só) despertos para as questões ecológicas, os parti-
dos políticos vestem-se de verde. Reclamando-se da Ecologia, no nosso país,
existem dois pequenos partidos: O Partido Popular Monárquico e «Os Ver-
des». Se o primeiro está desmascarado, perante a opinião pública, devido à
sua participação nos vários governos da Aliança Democrática, onde nunca
se fartou de «engolir elefantes vivos», o segundo, ao utilizar uma lingua-

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gem diferente, ao apresentar-se como um partido/movimento e ao usar (abu-


sivamente) uma sigla que é a de um movimento legalizado após o 25 de
Abril de 1974 pode tornar-se perigoso já que poderá induzir em erro alguns
eleitores que pensando votar «verde» estarão a votar «vermelho».
Quanto a nós, trata-se de uma manobra do Partido Comunista Portu-
guês que, tal como todos os outros partidos, mais não pretende do que re-
cuperar o movimento ecológico impedindo o crescimento de um movimento
ecologista alternativo e independente.
Mas vamos ao objectivo principal deste artigo. Como é do conhecimento
de todos os terceirenses, a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo decidiu
encerrar as furnas de Água e do Cabrito. Tal decisão foi contestada por várias
entidades entre elas, o recém-legalizado, grupo «Luta Ecológica» que na devida
altura apresentou alternativas concretas para o aproveitamento da água sem ter
de recorrer ao encerramento das grutas e à construção da célebre escada de ca-
racol. Mas, adiante… (já agora, agradecíamos que se informasse o público da
verba que se vai esbanjar na dita) a Câmara Municipal mantém a sua: ou gru-
tas ou água. A Assembleia Municipal rejeita uma proposta do deputado socia-
lista Dr. Dionísio de Sousa. Assunto encerrado.
Qual não foi o nosso espanto, passados poucos dias o Sr. Presidente
da Câmara anuncia que o processo da «Furna do Cabrito» iria ser revisto e
a 18 do corrente mês o «Diário Insular» noticia que os deputados do PSD,
pela Terceira, irão apresentar na Assembleia Regional uma proposta de De-
creto Regional com vista a proteger as grutas e zonas de interesse vulcânico
e vegetal da ilha.
Sinceramente, não entendemos a que se deve tal cambalhota.
Como diz o povo: «quando a esmola é muita até o santo desconfia» …
Que manobra ou manobras estão a tramar os nossos governantes? Terá
sido uma jogada de antecipação ao Partido Socialista? Será uma jogada inse-
rida na pré – campanha eleitoral, altura em que a caça ao voto já está aberta?
Bem, em relação a nós estejam descansados. De cá não levam nada.
Consideramos os partidos políticos actuais demasiado subjugados por uma
ideologia envelhecida, demasiado obcecados pelo poder (que não quere-
mos, não nos serve para nada), demasiado «politiqueiros» para terem em
conta as reivindicações urgentes do ecologismo.

(Publicado no jornal “A União”, em 23 de Março de 1983)

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Por que razão os Amigos da Terra estão


lutando pelas baleias?

Mais de uma vez já me pronunciei contra a caça à baleia. As razões


são várias e entre elas destacarei:
1- O perigo de extinção da espécie. No globo, segundo estimativas
feitas por vários cientistas, a população distribui-se do seguinte modo:

P. Inicial P. Actual
Atlântico Norte - Entre 20 e 38.000
Pacífico Norte Este – 200.000 Entre 120 e 150.000
Oeste – 340.000 200.000
Hemisfério Sul 600.000 380.000
Se é verdade que os métodos artesanais com que o cachalote sem-
pre foi caçado nos Açores, só por si não põem em causa a espécie, não é
menos verdade que “o maior problema existente actualmente é sem dúvida
a CAÇA À BALEIA NOS AÇORES” em virtude de não respeitar a legis-
lação proveniente da Comissão Baleeira Internacional que proíbe desde
Outubro de 1982 a utilização de arpões frios e que fixou a cota para a caça
ao cachalote, no Atlântico Norte, em zero, bem como proíbe os baleeiros
piratas e a insistência do Japão e da URSS em manterem a sua caça.
Felizmente a caça à baleia nos Açores já não constitui qualquer tipo
de ameaça para a preservação da espécie pois, nos últimos anos, a activi-
dade tem decrescido, sendo praticamente nula no corrente ano.
TEMOS PENA, ISSO SIM, SE NÃO SOUBERMOS (OU QUI-
SERMOS) RECICLAR AS SUAS INFRAESTRUTURAS E FAZER O
APROVEITAMENTO TURÍSTICO DA ACTIVIDADE.
2- Do ponto de vista económico, as razões para a continuação da
caça à baleia nos Açores são inexistentes. Para todos os produtos extraí-
dos das baleias existem substitutos sintéticos a preços mais compensado-
res. Existem, na Região, 1000 toneladas de óleo (cerca de 40.000 contos)

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eternamente à espera de serem exportados. Para onde, se os produtos deri-


vados do cachalote estão proibidos de serem comercializados pela conven-
ção Sobre o Comercio Internacional das Espécies da Fauna e Flora
Ameaçadas de Extinção (CITES). O verdadeiro lucro resulta do tráfico dos
dentes do cachalote. Valerá a pena matar cada ano centenas (se a caça for in-
crementada) dos mais impressionantes seres vivos da Terra para que os tu-
ristas (sem aspas ou com elas) tenham o direito ao seu “souvenirzinho”?
Tendo em conta o que atrás apontei, e o facto de a caça à baleia ficar
mundialmente proibida pela Comissão Baleeira Internacional a partir de
1985, consideramos ser muito mais útil para os Açores investir em novas
unidades de tratamento de peixe do que renovar uma indústria artesanal
decadente que acabará por desaparecer muito em breve.
Por outro lado, numa altura em que o desenvolvimento turístico da
Região está na sua juventude, as baleias poderão de certa forma contri-
buir para o seu incremento.
O que se faz nos Estados Unidos da América, neste campo, merece
ser tomado em conta.O “Whaling Museum” de New-Bedford, onde podem
ser observados vários aspectos da actividade baleeira mundial, com uma
pequena loja de recordações e livraria recheada de várias obras sobre a
vida dos cetáceos, a caça à baleia e sua protecção, as excursões em barcos
de porte médio, para a observação, filmagem e fotografia de baleias nas ci-
dades de Plymouth e Provincetown são exemplos a seguir pelos respon-
sáveis pelo turísmo na Região.
O Dec – Lei nº 263/81, de 3 de Setembro, proíbe a pesca, a captura
ou abate das baleias na zona costeira e na zona exclusiva continental. Na
Madeira já não se pratica a caça à baleia. Porque razão há quem pretenda
ainda reactivar a actividade nos Açores?
Após a escrita deste texto tive conhecimento, através do Jornal da
Praia, de 26 de Setembro de 1983, de que o Governo Regional deliberara
prestar auxílio financeiro à exportação do óleo de baleia, mediante a ga-
rantia de modernização do equipamento fabril por parte da empresa que
faz a exploração do sector.
Com que objectivos?
Sinceramente, não dá para entender…

(Publicado no boletim “Priôlo”, nº 2, Março de 1984)

18
Luta Ecológica 1981-1990

Açores: Toninhas Continuam Protegidas pela Lei

Por volta de 1840, começou a ser explorada na ilha de São Miguel


a indústria de azeite de peixe, utilizado na iluminação pública, em grande
escala, por ser muito económico.
As quelmas eram utilizadas pelos pescadores de P. Delgada e Rabo
de Peixe e as toninhas (golfinhos) pelos de Vila Franca do Campo e Lagoa.
O padre e historiador Ernesto Ferreira diz-nos que os pescadores de Vila
Franca apanhavam em cada época de 1 000 a 1 100 indivíduos, número
que em 1863 subiu a cerca de 3 000.
Com o emprego progressivo do petróleo e da electricidade, o uso do
azeite de peixe foi decrescendo e por consequência diminuiu a captura dos
“peixes” que o produziam.
Acabada a referida indústria as toninhas continuaram a ser usadas,
em pequena escala, na alimentação e como isco para a pesca.
Em 1983, a Assembleia Regional dos Açores, com a aprovação do De-
creto Legislativo Regional nº2/83/A, decide proibir a captura e comerciali-
zação de pequenos cetáceos (golfinhos e toninhas) nas águas dos Açores.
Em 1984, o deputado Emílio Porto, alegando ser necessário “repor
a verdade histórica e tradicional desta terra”, propõe a revogação do de-
creto em vigor. A Comissão para os Assuntos Políticos e Administrativos
da Assembleia Regional fica-se pelo meio termo e aprova a seguinte alte-
ração: durante os cinco primeiros meses do ano é autorizada a captura,
apenas para consumo dos pescadores.
Esta atitude foi logo contestada pelas mais diversas entidades e as-
sociações ecologistas, tanto nacionais como estrangeiras. Entre elas desta-
camos a posição assumida por Francisco Reiner e Manuel Eduardo dos
Santos, do Museu do Mar de Cascais; a de um grupo de jovens do Faial que,
segundo nos consta, numa manhã conseguiu um milhar de assinaturas de
apoio a uma moção em defesa das toninhas que foi entregue na Assembleia
Regional, em Junho, em cartas enviadas ao Parlamento, ecologistas e as-
sociações de defesa da fauna marítima da Europa condenam a matança de
golfinhos nos mares dos Açores e, por último, a posição do Núcleo dos
Açores dos Amigos da Terra, quer através de comunicados de imprensa,
quer através de cartas enviadas ao Presidente da Assembleia Regional.

19
T. Braga

Resultado da pressão exercida e do facto, segundo cremos, de uma


parte (a maioria?) dos deputados ser contrária a qualquer alteração, o as-
sunto caiu no esquecimento não chegando a ser debatido no Parlamento
Açoriano na presente legislatura.
A proibição continua pois em vigor e esperamos que o novo Parla-
mento, a eleger em Outubro, a mantenha.

(Publicado no boletim “Zimbro”, nº 2, Outubro de 1984)

Fábrica de Cimento e Poluição

“O homem industrial do mundo de hoje é como um touro à solta


numa loja de porcelana, com a simples diferença que um touro, com me-
tade da informação acerca das propriedades da loiça que nós temos
acerca dos sistemas ecológicos, tentaria provavelmente adaptar o seu
comportamento ao seu ambiente, em vez de fazer o inverso. Pelo contrá-
rio, o Homo sapiens industrialis está disposto a adpatar a si a loja de por-
celanas e, portanto, fixou-se no objectivo de a reduzir a cacos no mais
curto período de tempo possível” (The Ecologist).
Qualquer um de nós, ao passar pelo Livramento, já observou que,
nas vizinhanças da fábrica de cimento, a paisagem perdeu as belas cores
e está tingida de cinzento: os telhados, as árvores, as terras encontram-se
cobertas por uma película, com maior ou menor espessura, de poeira de ci-
mento. E isto não nos deve fazer esquecer que uma parte, não desprezível,
a das partículas de menores dimensões é levada pelos ventos para distân-
cias mais afastadas da fábrica, constituindo esta uma das principais res-
ponsáveis pela presença de silicatos na atmosfera.
Para além de inundarem os arredores de poeiras de silicatos, as ci-
menteiras são responsáveis pela emissão, entre outros, do dióxido de en-
xofre e de óxidos de azoto, que conjuntamente com os óxidos de carbono,
os aldeidos e os hidrocarbonetos gasosos libertados pela combustão in-
completa dos hidrocarbonetos líquidos, são as principais “matérias pri-
mas” da poluição atmosférica.
O estabelecimento de indústrias do tipo poluente junto de centros
urbanos constituiu um imperativo económico e financeiro durante o séc.

20
Luta Ecológica 1981-1990

XIX e na primeira metade do séc. XX, hoje constitui para as populações


um sério risco para a saúde. Com efeito, se um complexo industrial ligado
a um aglomerado urbano é uma fonte de lucro para o industrial, para uma
colectividade implica um conjunto de despesas difíceis de calcular, em
virtude do considerável número de parâmetros que entram em jogo quando
se trata de avaliar os perigos resultantes da poluição atmosférica.
O que sabemos, e que deveria ter sido tomado em conta quando se
pensou em ampliar a Fábrica do Livramento, é que a “poluição do ar, não
é só perigosa para a saúde por contribuir para o desenvolvimento de doen-
ças crónicas como enfisemas, bronquites, outras perturbações digestivas,
mas é também uma ameaça para o próprio ambiente pelos efeitos nocivos
na agricultura, pecuária, edifícios, armações metálicas, etc.”.
Hoje, a tendência é de criar zonas industriais que agrupem as fábri-
cas longe dos bairros residenciais e com o máximo de equipamentos co-
lectivos, sendo do ponto de vista do ambiente, a melhor forma de
rentabilizar as instalações de tratamento, públicas ou privadas.
A unica solução, para o caso a que nos vimos referindo, será a mu-
dança das instalações da referida indústria. Aliás, seria a melhor “prenda”
que o Governo Regional poderia dar aos jovens dos Açores, neste Ano In-
ternacional da Juventude, por intermédio das crianças, jovens e população
do Livramento.

(Publicado no jornal “Açoriano Oriental”, no dia 17 de Julho de 1985)

Tropa? Não Obrigado!


“Toda a propaganda a favor da guerra é proibida por lei” (Pacto In-
ternacional de Direitos Cívicos e Políticos, Artigo 20º, 16/12/1966).
O serviço militar cada vez menos surge na nossa vida como algo de
muito natural e normal. Que significado tem, para nós, o ir para a tropa?
Cada vez menos a tropa é o modo dos jovens viajarem, conhecerem
novas caras, fazerem amigos e viverem independentes da família.
A tropa aparece sim, como uma espécie de espada caindo na nossa
juventude e dividindo-a, cortando-a: um emprego, estudos, qualificação
profissional, realização pessoal, vida familiar, etc..

21
T. Braga

Diz-se que é bom ir para a tropa, para se saber o que é a vida, lá é


que se fazem “homens”! Mas, o que se faz para tal?
Marchar, fazer exercícios físicos, aprender a ter um inimigo e o que
há a fazer é matá-lo com uma arma que sabemos manejar.
Engraxar as botas, esquerdo direito, nada de política, cumprir sempre
as ordens dos superiores, cumprir e calar. Nunca dialogar porque isso em-
perra a ordem de comando e o diálogo é o caos, não é próprio do homem.
Ser “homem” é também bater a pala, ter um cabelo que não é o
nosso, entrar e sair fardado e vejam só tratar outros homens por meu...lidar
com outros sem nome nem história como que a provar que o servilismo da
idade média é modelo para fazer homens do século XX.
Num mundo em crescente e permanente espírito de ódio, violência
e guerra qualquer jovem pode recusar-se a servir de carne para canhão ou
elemento colaboracionista na destruição da humanidade, declarando-se
objector de consciência.
A objecção de consciência é um direito pessoal, natural, de não aca-
tar uma lei, de não cumprir uma ordem ou de não prestar determinado ser-
viço (como por exemplo, o serviço militar) por imperiosas razões de
consciência. Este direito é reconhecido pela Constituição da República
Portuguesa e pela Resolução nº 337 da Assembleia Consultiva do Conse-
lho da Europa, de 21 de Junho de 1967.
Recusar a tropa, numa altura em que a sobrevivência da humanidade
exige a criação de uma dinâmica pacifista dos povos, capaz de deter a loucura
da escalada armamentista que pode desembocar numa catástrofe nuclear, não
é ser cobarde ou anti-patriota, é sim um verdadeiro acto de coerência ecológica.
(Publicado no boletim “Zimbro”, nº 5, Outubro de 1985)

Ecologia
O anúncio pelo movimento ecologista Greenpeace de uma futura
actuação nos Açores “para estudar a dimensão da caça à baleia” foi pre-
texto, para alguma imprensa regional, lançar uma série de calúnias acerca
daquela prestigiada organização.
O matutino “Açoreano Oriental”, jornal que em tempos apoiava cla-
ramente o movimento separatista (FLA- Frente de Libertação dos Açores)

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Luta Ecológica 1981-1990

e hoje apoia mais ou menos veladamente o Governo Regional dos Açores


que o subsidia, na sua edição de 10 de Setembro de 1985 escrevia o se-
guinte: “Vamos transcrever a crónica… sobre o Greenpeace, chamando a
atenção dos leitores, e das autoridades açorianas, para alguns aspectos da
actividade deste movimento ecológico cujas conotações são cada vez mais
evidentes e vêm merecendo a atenção dos países ocidentais. É certo que
o Greenpeace tentou uma acção na Rússia, os maiores caçadores de baleias
em todo o mundo, mas a pronta reacção das autoridades soviéticas levou
a organização a desistir de qualquer actividade no bloco oriental, concen-
trando os seus esforços ecológicos no ocidente e quase sempre em áreas
particularmente sensíveis no aspecto estratégico, como foi o caso de Mo-
ruroa, onde decorrem experiências militares francesas, e, agora, nos Aço-
res uma área do Atlântico Norte sempre em foco e onde os Estados Unidos
e a França dispõem de importantes bases, com finalidades diferentes, mas
igualmente importantes nos seus objectivos”.
Resumindo e concluindo, o apoio à acção terrorista do Governo de
França contra o Greenpeace e o convite ao governo português para seguir
as pegadas dos seus aliados franceses são por demais evidentes.
A caça ao cachalote na Região Autónoma dos Açores acabará defi-
nitivamente muito em breve, apesar da Corretora ter anunciado que iria re-
tomá-la em São Miguel e do professor Moniz Bettencourt, gerente de uma
das armações baleeiras do Pico, em entrevista à RDP- Açores, afirmar-se
esperançado que a actividade recomece, embora noutros moldes (sob a
forma de cooperativa), nas ilhas do Pico e do Faial, contando para tal com
o possível apoio de alguns elementos do Governo Regional dos Açores
naturais daquelas ilhas.
Quanto a nós, não havendo razões económicas nem financeiras para
que a actividade prossiga, escasseando mesmo quem esteja disposto a dar
continuidade àquele tipo de aventura tradicional, resta aproveitar, o má-
ximo possível, todo o património das empresas baleeiras e aprofundar o es-
tudo da actividade que foi, e ainda é, fonte de inspiração para as mais
diversas manifestações de carácter cultural e até religioso.

(Publicado no jornal “Combate Operário”, Janeiro de 1986)

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T. Braga

A Propósito de Chernobyl: Energia Nuclear?


Sim, muito obrigado!

«As modernas centrais eléctricas atómicas soviéticas são as mais


inofensivas do ponto de vista ecológico: o problema da defesa contra a ra-
diação, na U.R.S.S., já foi resolvido. (…) Observações feitas ao longo de
muitos anos têm evidenciado que as centrais eléctricas atómicas não al-
teram praticamente o estado radioactivo do meio ambiente. Graças aos
sistemas de protecção de várias etapas, mesmo no caso de um desastre
na central, não haverá fuga de radiações». Nikolai Tikhonov (chefe do
Governo Soviético, 1983).
Muitos são os livros publicados por fanáticos, que se dizem ecolo-
gistas, a combater a utilização, de energia nuclear, mesmo para fins pací-
ficos. Esta não é, concerteza, a minha opinião. Acho que a utilização da
energia nuclear, quer para fins pacíficos quer para bélicos contribui, como
veremos, para o progresso científico e cultural da nossa civilização.
Em virtude de, ainda, estarmos em cima dos acontecimentos não nos
referiremos ao que se passou na União Soviética. Confiamos, aliás, na sin-
ceridade e abertura dos dirigentes soviéticos quanto a um futuro esclare-
cimento do sucedido. Basta recordarmos a rapidez com que o chamado
acidente foi divulgado.
Com base no livro «A Nuclearização do Mundo», editado pela An-
tígona, tentaremos esmagar, de uma vez para sempre (e de que maneira !),
alguns dos estafados argumentos contra o nuclear.
Um dos argumentos contra o nuclear, consiste em afirmar que as
centrais nucleares correm o risco de sofrerem acidentes de consequências
bastante nefastas e como exemplo é apontado o que ocorreu em Three
Miles Island. Quanto a nós não se tratou de acidente mas, sim, de uma pe-
quena falha resultante de um defeito anatómico comum, aliás, no homem
da sociedade prénuclear que os malditos ecologistas pretendem perpetuar.
Assim, «segundo um dos peritos desta infalível comissão (Comissão
de Regulamentação Nuclear), a enfiada de erros humanos que nesse 28 de
Março de 1979 perturbou inoportunamente a central, esse desastroso en-
cadeamento de circunstâncias teve por origem a proeminente pança de um
dos operadores da central, cujo exorbitante volume ocultou desgraçada-

24
Luta Ecológica 1981-1990

mente os mostradores do controle que, se tivessem estado no seu campo


de visão teriam indicado a esse operador o disfuncionamento que lhe per-
tencia remediar. Não duvidemos que, munidos destas informações, os es-
pecialistas não se empenhem doravante a calcular os índices de tolerância
nuclear em matéria de curva abdominal, a fim de determinar o perfil ideal
do operador nuclear, e seu regime alimentar esperando poder modelar di-
rectamente, com a ajuda dos seus colegas geneticistas, a morfologia do
HOMO NUCLEARES perfeito…».
Os ecologistas, cambada de ignorantes, ao defenderem que a ener-
gia nuclear é poluente mais não fazem do que poluir as mentes dos mais
desprevenidos. Aos seus apelos não devemos dar nenhum crédito. A nossa
estima e apoio devem cair em pessoas honestas e suficientemente cultas
como o é, por exemplo, o lente Vladimir Kiriline, Presidente do Comité de
Estado para a Ciência e Técnica e Vice-Presidente do Conselho de Minis-
tros da União Soviética (não sei se já foi substituído), que afirmou: «A
energia nuclear parece-nos a melhor resposta para a protecção do meio
ambiente». Igual consideração nos merece o então Primeiro-Ministro de
França, Raymond Barre, que declarou: «O que é preciso é familiarizar o
público com a radioactividade» ou então um perito, cujo nome desconhe-
cemos, que a propósito de mariscos pescados nas proximidades de fugas
radioactivas de La Hague declarou que estava disposto a comê-los durante
um ano.
Ainda há quem não acredite nesses homens?!
Ficaríamos com um pequeno excerto do já referido livro que, por si,
desmarcará não só os ecologistas como também os chamados pacifistas:
«Não possuímos nós doravante, graças ao aperfeiçoamento dessas mesmas
técnicas, armas chamadas «bombas de neutrões» cuja delicadeza na pro-
tecção do meio ambiente chega a deixar tudo intacto, tocante solicitude que
ousarei qualificar de ecologia no melhor sentido do termo? Deste modo, se
por um motivo extraordinário se produzisse uma guerra antes que a nuclea-
rização do mundo a tivesse tornado impossível – porque absolutamente inú-
til, como veremos mais adiante – não apresentaria em todo o caso nenhum
dos traços o seu tanto chocantes, que apresentaram as guerras do passado.
Mais uma vez, a acção militar se apresenta como uma antevisão promissora
de progresso, destinada a servir a vida civil; pois é uma das evidentes supe-
rioridades da energia nuclear sobre as que precederam, a ser mesmo quando

25
T. Braga

modifique em profundidade a natureza das coisas, eminentemente respeita-


dora das aparências: nada é mais discreta que uma radiação».
Para nós, açorianos, com tantos desafios para vencer e numa «época
em que se caminha para a automização integral, é necessário que os ho-
mens se aproximem cada vez mais da eficácia das máquinas», não será o
peixe radioactivo um «excelente óleo lubrificante dos «robots» humani-
zados e dos homens robotizados»?

(Publicado no jornal “Correio dos Açores”, de 8 de Junho de 1986)

Jardim António Borges: Botânico ou Zoológico?

“Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de


viver livre no seu próprio ambiente natural- terrestre, aéreo ou aquático-
e tem o direito de se reproduzir” (artigo 4º-1 da Declaração Universal dos
Direitos do Animal).
A ideia do senhor Presidente da Câmara de Ponta Delgada de “en-
cher” o Jardim António Borges de diversas espécies animais com o objec-
tivo de constituir um pólo de atracção para a população citadina, que passaria
a frequentar, com mais assiduidade, aquela zona verde e a gozar os benefí-
cios daí advindos, foi colhida sem aparente oposição no meio local.
Mas, será que há, hoje, razões válidas para a manutenção de animais
selvagens em cativeiro.
Vejamos alguns argumentos contra tal deplorante prática:
a) Obriga a capturas, algumas em massa, que, para além de provo-
carem traumatismos nos animais, constituem uma ameaça para a fauna;
b) São várias as doenças que atingem os animais, pelo simples facto
de serem mantidos em cativeiro: afecções digestivas, cutâneas, propensão
para infecções, “stress”, etc.;
c) Os animais poderão, eventualmente, transmitir várias doenças ao
homem: tétano, raiva, febre aftosa, pneumonia, icterícia infecciosa, etc..
Os próprios jardins zoológicos desempenham um papel educativo
muito limitado já que o comportamento dos animais em cativeiro é muito
diferente do que teriam nos seus territórios. Hoje, aquela função pode, com
vantagem, ser desempenhada pelo cinema e pela televisão. A RTP/Açores

26
Luta Ecológica 1981-1990

tem-nos brindado com excelentes séries sobre a fauna e a flora.


Depois de enumerados alguns (haveria muitos mais) aspectos nega-
tivos da manutenção de animais selvagens em cativeiro, facilmente se con-
clui que o Jardim António Borges deveria sofrer todos os melhoramentos
possíveis e continuar, como até aqui, como jardim botânico. Basta o “es-
pectáculo” degradante que nos é dado pelos “reclusos” que já lá estão.

(Publicado no jornal “Correio dos Açores, em 23 de Janeiro de 1987)

Caça à Baleia - alguns dados históricos

Datados de 10.000 a.C., foram encontrados na costa portuguesa


enormes arpões de pedra, com a mesma configuração dos actuais que só
poderiam ter sido utilizados na captura de cetáceos. Ossadas de baleia, de
1500 a.C., encontradas nos restos das fundações originais do Alasca mos-
traram que os esquimós apanhavam cetáceos, desde aquela data.
Os povos primitivos aproveitavam, sobretudo, os cetáceos que en-
calhavam. Foi a partir do século XII, com os bascos, que teve início a caça
organizada. Por essa altura, a diminuição do número de baleias francas no
golfo da Biscaia levou-os a procurá-las mar adentro, tendo chegado à Gro-
nelândia e Terra Nova, no século XVI.
A baleação portuguesa ter-se-á iniciado no século XIV. No que diz
respeito aos Açores, Gaspar Frutuoso refere o aparecimento de baleias no
século XVI, nas costas da ilha de S. Miguel, do seguinte modo: «saem à
costa d’esta ilha, algumas vezes, baleias, mais da banda do Norte que do
Sul, principalmente na costa do lugar de Rabo de Peixe, onde se acham
muitas favas do mar, que dizem ser-lhe agradável e natural manjar e, posto
que muitas saíssem somente se aproveita o azeite delas, sem nunca se achar
âmbar». Outras referências ao encalhamento de cetáceos podemos encon-
trar nas Saudades da Terra, contudo a seguinte, dizendo respeito a Santa
Maria, é deveras interessante: «onde esta ribeira se mete no mar saiu à costa
uma baleia, haverá perto de 50 anos, de cujos ossos que se pudera fazer
uma cabana, em que puderam caber uma dúzia de homens, assentados à
vontade».
Por altura de 1602 as técnicas de caçar baleias usadas pelos bascos

27
T. Braga

são introduzidas e utilizadas no Brasil, iniciando-se o chamado ciclo ba-


leeiro do Brasil colonial. A partir de 1614, a caça no Brasil passa a ser
controlada directamente pelo reino de Portugal.
Por volta de 1644, começa a caça organizada na Nova Inglaterra,
utilizando o método de empurrar os animais para a praia. Só em 1712 é
morto o primeiro cachalote ao largo dos Estados Unidos. No ano de 1729
regista-se o invento, pelo Dr. Thiercelim, do sistema de «bomb-lance».
Em 1750 começa a caça em Newport e Rhode Island, por iniciativa do
judeu português Aaron Lopes e onze anos depois, faz-se ao mar, nos Esta-
dos Unidos o primeiro navio com a capacidade de derreter a gordura a bordo.
Em 1765, os Norte-Americanos já caçam nos Açores e em Cabo
Verde e, em 1744, já chegavam ao Brasil.
Segundo capitães ingleses, as suas embarcações, em 1767, colhe-
ram nos mares dos Açores cerca de 10.000 barris de óleo. Um ofício diri-
gido por D. Antão de Almada ao ministro Francisco Xavier de Mendonça
Furtado, datado de 19 de Julho de 1768, refere a presença nos Açores, no
verão daquele ano, de cerca de 200 embarcações da Nova Inglaterra que
conseguiram um rendimento no valor de 800 contos, o que naquela altura
era quantia bastante avultada, de tal modo que o referido capitão defendia
que com eles fosse celebrado um contrato. Por esta altura, já um pequeno
número de açorianos se dedicava à caça à baleia, com o objectivo de uti-
lizar o óleo na iluminação de suas casas.
Em 1784, Dinis Gregório Melo Castro suplica à Rainha para adop-
tar medidas no sentido de impedir a concorrência feita pelos estrangeiros
aos povos locais. Não obteve resposta.
A situação dos açorianos era deveras caricata: tendo possibilidade de
se bastarem a si próprios com o óleo de suas baleias este saía para Ingla-
terra, sendo eles, por sua vez, obrigados a comprá-lo mais caro a nego-
ciantes locais que o importavam. Um deles, Nicolau Maria Raposo que o
importava do Brasil e que era detentor do monopólio da sua venda nas
ilhas foi, em 1788, obrigado, devido à proibição de o vender mais caro,
então imposta pela Câmara, a vender o óleo que lhe havia custado 59.955
réis a pipa por 48.000 réis.
Para proteger a indústria inglesa, o governo português criara o «exclusivo
contrato das baleias, para não se fazerem armações sedentárias em qualquer parte
dos domínios». Essa medida foi anulada pelo alvará de 18 de Maio de 1798.

28
Luta Ecológica 1981-1990

Um dos países que mais contribuiu para o aperfeiçoamento das téc-


nicas da caça à baleia foi a Noruega. Em 1851, Svend Foyon, sem dúvida
o pioneiro da caça e das indústrias da baleia, inventa espingardas que mais
tarde foram utilizadas na captura de cetáceos e, em 1867, inventa um ca-
nhão muito semelhante ao utilizado actualmente. Outro norueguês, Chris-
tofersen, inventou em 1870, um guincho simples e, em 1894 um guincho
duplo e uma mola em espiral.
A primeira sociedade para explorar a caça à baleia é constituída no
Faial, em Fevereiro de 1857. Foi armado em baleeira o brigue Francês-
Astória. Três anos mais tarde, a praça da Horta já possuía 10 baleeiras e
nas Flores, já existia pelo menos uma companhia baleeira, em 1860.
Finalmente, no ano de 1862, a 26 de Maio, é publicada uma lei com
o objectivo de proteger a indústria nacional de pesca da baleia.
Na Calheta do Nesquim, ilha do Pico, foi fundada a primeira arma-
ção baleeira cujo bote e seus apetrechos foram adquiridos na América pelo
Capitão Anselmo. Esta terá sido a primeira companhia com botes estabe-
lecidos na ilha, regularmente estruturada e com escritura lavrada na Horta
a 28 de Abril de 1876.
A lei de 10 de Abril de 1877 vem prorrogar por dez anos as disposi-
ções da carta de lei de 1862 e amplia as garantias dadas à indústria baleeira.
Nove anos depois, é publicada uma portaria do Ministério da Fazenda, de
14 de Abril, que regula a execução do artigo 5º da lei de 26 de Maio de 1862.
No ano de 1885, chegaram a S. Miguel, provenientes do Faial, duas
embarcações destinadas a dar inicio à actividade naquela ilha. No ano se-
guinte, caça-se à baleia nos quatro portos da costa Norte de S. Miguel e em
Vila Franca do Campo.
Segundo Afonso Chaves, em 1888, estavam em actividade, nos Aço-
res, 86 canoas que capturavam por ano em média, 3 cachalotes cada uma.
Em 1894, terá sido construída a primeira canoa baleeira, nos Açores,
e, a partir de 1900, todas as canoas passam a ser construídas cá.
No ano de 1917, a faina atinge o apogeu como consequência da
guerra e do constante aumento dos derivados do cachalote.
Com a paz, a mão-de-obra escasseia face à quebra do preço do óleo
e à possibilidade de arranjar empregos mais estáveis, menos perigosos e
melhor remunerados. A indústria no distrito da Horta passa por uma si-
tuação menos boa, de modo que, em 1938, a rivalidade devido à utiliza-

29
T. Braga

ção dos «gasolinas» e atraso no pagamento das soldadas, faz com que seja
pedida a intervenção do Estado.
Em S. Miguel, no ano de 1936, exploram a actividade três compa-
nhias, uma na Bretanha e duas nas Capelas. Em S. Vicente Ferreira, fre-
guesia vizinha das Capelas, dois anos antes havia sido construída uma
fábrica, no lugar dos Poços.
Na década de 40, baleeiras das Lajes do Pico vieram balear para São
Miguel. Manuel Moniz Barreto e José de Brum balearam na Bretanha e
Manuel Pereira Monteiro Júnior estiveram a balear nas Capelas.
Com a 2º Guerra Mundial novo impulso surge e a actividade atinge
o auge. A guerra, constituindo um impedimento para o desenvolvimento
da indústria, em muitos países as frotas baleeiras ficaram ancoradas nos
seus portos e muitos barcos foram transformados para fins militares, fez
com que o nosso óleo tivesse uma procura que jamais conheceu. Durante
este período, o número de embarcações aumenta, as capturas também de
modo que chegam a representar 12,3% no conjunto das capturas mundiais.
A proliferação de armações era tal que o governo viu-se obrigado a proi-
bir a implantação de outras onde já existisse alguma. Construída a fábrica
de Porto Pim, generaliza-se o reboque por lanchas, chegam os primeiros
aparelhos de rádio, etc..
O ano de 1941 marca o início da actividade baleeira na ilha da Ma-
deira. Em 1944, por iniciativa de 17 países, é criada a Comissão Baleeira
Internacional (CBI).
Na década de 60, a montagem de fábricas de conserva de peixe, o in-
cremento da pecuária, a emigração e as alternativas criadas pela indústria
ao óleo da baleia, trouxeram dificuldades ao seu escoamento e muitas
companhias fecharam.
Em 1974, existiam nos Açores apenas 13 baleeiras e 15 lanchas per-
tencentes a oito sociedades.
Em 1981, a directiva europeia 348/81 proíbe a importação de todos
os produtos derivados de cetáceos no espaço económico da Comunidade
Económica Europeia.
Em Julho de 82, reunidos em Brighton Inglaterra, representantes de
39 países decidem proibir a caça à baleia a partir de 1985. Portugal ratifica
a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e de
Flora Ameaçadas de Extinção, que inclui o cachalote no anexo I – comér-

30
Luta Ecológica 1981-1990

cio estritamente proibido.


Em Agosto de 84, ano em que foram capturados 63 cetáceos, as ar-
mações baleeiras do Pico e Faial possuíam em «stock» 452 toneladas de
óleo de cachalote. No primeiro semestre daquele ano, graças a um subsí-
dio de 6$00 por kg, atribuído pelo Governo Regional, foram comerciali-
zadas 648 toneladas. Apenas a firma «Armações Baleeiras Reunidas», em
S. Roque do Pico, continua a laborar. Em Outubro do mesmo ano, a «Cor-
retora» divulga a intenção de voltar à actividade, com base em S. Miguel,
onde possui a fábrica nos Poços, fechada desde 1972.
O jornal «Correio dos Açores», de 7 de Julho do presente ano, noti-
cia a existência de um projecto financiado pela Comunidade Europeia atra-
vés das «Organizações Europeias para a Protecção Animal» que poderá
atingir as 55.110 libras e que tem como objectivos investigar a possibili-
dade de observação das baleias o que poderá representar o nascimento de
uma nova indústria turística» e seria uma alternativa económica à sua caça.
Fernando Wallenstein Teixeira, segundo o Açoriano Oriental, de 13 de
Agosto, está a desenvolver esforços no sentido de reiniciar a caça nas Capelas,
tendo-se mostrado optimista quanto à concretização daquele seu objectivo.
Finalmente a 21 de Agosto, depois de 3 anos de interregno, pesca-
dores das Lajes do Pico caçaram um cachalote de 20 toneladas e 15 me-
tros de comprimento, a cerca de 15 milhas da costa.

(Publicado no jornal “Correio dos Açores”, de 23 de Setembro de 1987)

Grutas - Um Património Natural que Urge Defender

No passado dia 30 de Janeiro, graças à amabilidade do sr. Belchior,


tivemos a oportunidade de visitar uma das poucas grutas naturais existen-
tes em São Miguel, que ainda não foram soterradas.
Hoje, completamente desprezadas e maltratadas, as grutas naturais
foram no século passado alvo da visita de estrangeiros ilustres e acarinha-
das por quem cá vivia. Walter Frederic Walker, membro da Royal Geo-
graphical Society, da Society of Biblical Archeology e de outras instituições
de carácter científico, no seu livro «The Azores or Western Islands», pu-
blicado em 1886, faz uma descrição minuciosa da gruta existente num

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T. Braga

campo da Rua Formosa, hoje secadores da Fabrica de Tabaco Micaelense,


na Rua de Lisboa e dá-nos uma explicação acerca da formação das grutas
em regiões vulcânicas: «A teoria, segundo Sir. Charles Lyel, é que foram
produzidas pelo endurecimento da lava durante o escape de grandes volu-
mes de fluidos elásticos que são frequentemente expelidos, durante muitos
dias seguidos depois da crise da erupção terminar».
Robin Bryans no seu livro «The Azores», publicado no início da dé-
cada de 60, também se refere ao Algar da Rua de Lisboa e mais recente-
mente o dr. Willian Halliday, membro da Western Speleological Survey, dos
Estados Unidos da América, que o visitou em 1980, refere-se àquela gruta
nos seguintes termos: “para além da parte baixa, a gruta torna-se mais ampla
e tem características que mostram a forma como a lava correu através dela…
com, apenas, um pouco de trabalho seria possível reabrir e ampliar uma das
duas entradas (agora fechadas) para que os visitantes e estudantes com-
preendessem como a vossa bela ilha se formou… Na minha estimativa o
comprimento da gruta é de cerca de 400 metros até à obstrução final”.
Soterradas, a servir de esgoto ou de lixeira, as grutas além de consti-
tuírem um nó importante de explicação científica do nosso meio natural
são parte integrante do património paisagístico (neste caso subterrâneo) e
como tal deveriam merecer todo o respeito por parte de todos nós, em par-
ticular pelas entidades responsáveis, no caso presente a Câmara Municipal
de Ponta Delgada e a Delegação de Turismo, devendo, depois de efectua-
dos pequenos trabalhos de limpeza, serem integradas no roteiro turístico.
A inventariação, defesa e divulgação do património espeleológico
existente em S. Miguel é uma das actividades que um grupo de associados
dos Amigos da Terra/Açores pretende levar a cabo este ano. Para a concre-
tização daquele seu objectivo precisam da colaboração das mais diversas
entidades públicas e privadas e já pediram o apoio a espeleólogos estran-
geiros e à Associação de Exploração Espeleológica «Os Montanheiros», da
ilha Terceira.
Apelamos a todas as pessoas que tenham conhecimento da existên-
cia de grutas naturais e a todos os interessados na sua exploração o favor
de entraram em contacto connosco.

(Publicado no jornal “Diário dos Açores”, 2 de Fevereiro de 1988,


com a colaboração de George Hayes)

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Luta Ecológica 1981-1990

Reserva de recreio da Lagoa do Congro, por que não?

Um dos desafios com que se debate a Região é o do desenvolvi-


mento turístico.
O desenvolvimento turístico é uma arma de dois gumes: pode ser
um estímulo para a conservação e protecção dos recursos de uma região,
mas também, e muito frequentemente, a falta de planeamento, a ganância,
a pressão comercial e uma falta de visão levam à construção em sítios que
arruínam as belezas naturais.
As ilhas dos Açores constituem um local privilegiado para o desenvol-
vimento de um turismo cultural e ambiental, “tendo por base o conhecimento
da história, da arte e dos modos de vida do seu povo, bem como a exploração
das suas paisagens, o seu vulcanismo, fauna e flora raras e específicas”.
Vila Franca tem que optar por um turismo de qualidade. Este concelho
possui um grande número de recursos, como praias, paisagens, montanhas,
reservas naturais, locais históricos, monumentos, o seu museu, etc. e só na
procura de uma alternativa ao turismo de massas através de novas vias mais
individualizantes, específicas, descentralizadas, sazonalmente distribuídas ao
longo do ano, é que é possível não destruir as belezas que possuímos.
Como vilafranquense e AMIGO DA TERRA, queria aproveitar a
oportunidade para apresentar, aos responsáveis autárquicos deste concelho,
a seguinte sugestão: a zona das Lagoas do Congro e dos Nenúfares pela
sua singularidade e localização possui características que fazem dela um
local procurado por quem precisa de sossego e enorme interesse turístico
pelo que merece ser enquadrada no Património Natural e Paisagístico da
Região, com a categoria de Reserva de Recreio.
Tomei conhecimento, pela imprensa da intenção da Câmara Mu-
nicipal de Ponta Delgada (será engano?) em melhorar os acessos à Lagoa
do Congro e construir um miradouro. Relativamente ao primeiro ponto,
estou perfeitamente de acordo, desde que o objectivo não seja o de per-
mitir o trânsito a veículos automóveis, o que na minha opinião deverá ser
expressamente proibido, por ser perturbador do descanso e da tranquili-
dade de quem foge da balbúrdia do dia a dia. Quanto ao segundo ponto,
discordo completamente pois um miradouro naquele local, para além da
descaracterização da paisagem, não serve ao desenvolvimento do tu-

33
T. Braga

rismo concelhio já que transforma aquele local em mero ponto de pas-


sagem.
Criada a reserva, nas suas imediações, possivelmente na antiga casa
de campo, deveriam ser construídas todas as infra-estruturas necessárias e
a partir delas, no Verão, poderiam ser organizados circuitos pedestres des-
tinados a todos os interessados, turistas ou não. E há muito por onde esco-
lher, desde percursos pequenos com possibilidade de visita a pequenas mas
muito belas lagoas nos arredores (ex: a Lagoa do Areeiro, a Lagoa do Pico
da Lagoinha, etc.), até percursos mais longos, como um passeio até à Lagoa
de São Brás ou até ao Pico da Vela, donde se avista a Lagoa do Fogo.

(Publicado no jornal “Correio dos Açores, 23 de Junho de 1988)

Em defesa da árvore – Ipilipil ou Leucaena, a árvore milagre

O ipilipil, planta nativa das florestas de chuva centro-americanas, é


uma árvore de grande utilidade como combustível, alimento e forragem.
De crescimento muito rápido, algumas variedades atingem mais de 18 me-
tros em cinco anos.
A “árvore milagre”, sobretudo para os países do chamado Terceiro
Mundo, onde a desflorestação e o empobrecimento do solo atingem gran-
des proporções, pode ser utilizada como lenha para aquecimento e como
combustível em centrais eléctricas, o que já acontece nas Filipinas e nou-
tros países. Segundo John Hubbel “o gado delicia-se com as folhas de leu-
caena da mesma forma que uma criança delira com um chocolate” e
plantada em associação com outras culturas (em fileiras alternadas) esti-
mula o crescimento de outras espécies. As folhas do ipilipil (de que uma
das espécies é a Leucaena leucaena) podem ser usadas pelo homem em sa-
ladas e sopas e as sementes depois de torradas e moídas podem substituir
o café.
Nos viveiros dos Servicos Florestais, nas Furnas, tivemos a oportu-
nidade de observar pequenas plantas obtidas a partir de sementes vindas
dos Estados Unidos da América para a EDA que, segundo o “Açoreano
Oriental” de 1de Novembro de 1987, estava a investigar a possibilidade do
seu aproveitamento para a produção de energia a partir de caldeiras a lenha.

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Luta Ecológica 1981-1990

Mas, como não há bela sem senão, a “árvore milagre”, para além de
não se adaptar a solos ácidos, se não for controlada tode tornar-se numa
terrível praga de consequências imprevisíveis, o que já acontece no Hawai
e no Japão, onde os seus efeitos são já devastadores, em especial para a flo-
resta autóctone e as suas folhas, muito ricas em proteínas, contêm uma
substância tóxica, pelo que o seu uso (nunca abuso) deverá ser feito em
quantidades limitadas e em mistura com outros alimentos.

(Publicado no jornal “Correio dos Açores”, 5 de Março de 1989)

Carta aberta ao Amigo da Terra Humberto Furtado Costa

Caro amigo,
Escrevo-te porque, apesar de «teres partido», sei que gostas de andar
a par com o que se vai passando por cá.
A política agrícola regional não se alterou muito desde a altura em
que escreveste no Açoriano Oriental (25/3/87) um artigo a propósito do
Dia da Árvore. Continuamos a ter um Secretário da Pecuária e das Toura-
das e a agricultura não há maneira de deixar de ser apenas «vacas e erva».
Continua-se a arrotear a torto e a direito, até parece que querem transfor-
mar estas ilhas em campos de futebol, em locais sem a mínima aptidão
para a pastagem. O Pico da Água está, neste momento, a ser arredondado
com uma «catarpiller», depois de terem cortado a mata e largado (?) fogo
aos troncos e lenha que lá ficou. Coitados dos bombeiros que têm de acu-
dir a tanto fogo posto! Será mais um arroteamento para daqui a alguns
anos estar coberto de silvado, como muitos outros que bem conheces na
zona do Monte Escuro e noutros locais.
Já andavas bastante doente quando surgiu mais um problema para os
nossos agricultores. «Proíbe-se» o vinho de cheiro, fala-se em outras cas-
tas e em apoios à reconversão das vinhas, mas de concreto só palavras.
Penso que estás de acordo comigo, o vinho de cheiro é mais prejudicial à
saúde do que o outro, mas tenho as minhas dúvidas se relativamente ao
vinho a martelo que por aí se vende. Como se diz na minha terra, Vila
Franca do Campo, proíbe-se o nosso vinho mas continua-se a deixar en-
trar o que é feito com pós e água do Rio Tejo. Enfim, mais um problema

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T. Braga

a juntar a tantos outros…


Infelizmente para todos nós, o artigo que escreveste continua a ser
actual no que diz respeito às Reservas Naturais que continuam a sê-lo ape-
nas no papel. Na Reserva Natural da Lagoa do Fogo prosseguem os in-
cêndios e a rapina de leivas, apesar deste ano já termos alertado a
Secretaria Regional do Turismo e Ambiente por mais de uma vez. Está
quase como a Serra Devassa que continua a ser devassada diariamente.
Sabias que já corre pelas cabeças de alguns iluminados cá da terra
«recuperar» o que a PEPOM destruiu através da plantação de eucaliptos?
Esta nem lembraria ao diabo! A propósito de eucaliptos, sabias que as em-
presas de celulose já cá estão prontas a tudo comprar, inclusive homens
para procederem a plantações em locais menos próprios e que no Pico já
compraram terrenos no valor de um milhão de contos? Não te cheguei a
enviar a legislação que disciplina a plantação de espécies de crescimento
rápido. Não me parece má, mas é como as outras: permite algumas fugas
e tem de ser aplicada – não acredito que o seja enquanto não for criado um
sistema de vigilância eficaz.
Por último, peço desculpa por discordar do que me disseste em Ou-
tubro passado, antes de partires para Lisboa, para te submeteres a uma in-
tervenção cirúrgica. Na altura, dizias-me que nunca mais irias passear
connosco, que nunca mais subirias o Pico da Vara. É verdade que a tua
viagem não tem regresso, mas podes estar certo, estarás sempre connosco
em todas as regiões, visitas de estudo e escaladas ao Pico da Vara.
Até breve,

Publicado no jornal “Correio dos Açores”, 26 de Agosto de 1989

Eucaliptomania, Universidade e Partidos Políticos

Em Setembro de 1987, o Director Regional dos Recursos Florestais


afirmava: “as áreas cobertas com eucaliptos só tendem a diminuir, ora pela
reconversão com outras espécies com mais valor ora pela transformação
dos terrenos para outras culturas”. Passados dois anos, a espécie nativa da
Austrália (incluindo a Tasmânia) ocupa 50% da superficie arborizada da
Terceira, estando uma das plantações sobre o lençol de água que abastece

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Luta Ecológica 1981-1990

a cidade de Angra do Heroismo, no local da Caldeira do Guilherme. No


Pico, só a Soporcel já arrendou cerca de três mil hectares de terras. A um
passo de invadir São Miguel, qualquer dia irá cobrir por completo a ilha
das Flores. Seria a concretização do sonho (ou pesadelo?) do deputado co-
munista que tem assento na Assembleia Regional.
Por que motivo, só agora, as empresas de celulose se lembraram de
vir “colonizar” os Açores?
Escrevi colonizar pois o seu projecto não é apenas introduzir a mo-
nocultura intensiva do eucalipto. Preparam-se para “controlar’ a informa-
ção e “manipular o saber, financiando estudos a efectuar pela Universidade
com vista a justificar a introdução do “petróleo verde” nos Açores. É que,
como se sabe, nem toda a investigação é isenta e embora o seja a sua di-
vulgação poderá ser impedida, quando não estiver de acordo com os inte-
resses da empresa que a paga. Concordo com João Caninas, do GEOTA,
quem em “O Jornal” de 12/01/90, referiu-se ao facto de a investigação
cientifica ao andar a reboque da iniciativa privada não garantir a isenção
necessária e faço minhas as palavras do arquitecto Ribeiro Teles que con-
siderou o financiamento da investigação pelas empresas de celulose como
a “prostituição da investigação e da própria Universidade”.
Se a monocultura do eucalipto é boa para a Região Açores, por que
motivo as empresas têm necessidade de prometer financiamento a pro-
jectos de interesse turístico, recuperar o “boi açoriano”, construir um par-
que para a caça ao veado, oferecer dinheiro a intermediários para o
arrendamento ou compra de terrenos, pagar viagens a jornalistas (não
viram nem cheiraram os esgotos das fábricas!) e a deputados?
A propósito de deputados, não conhecemos nenhuma reacção do par-
tido dito ecologista “Os Verdes” ao interesse manifestado pelo deputado
Valadão que acha que nas Flores o eucalipto vai “dar vida às suas gentes”.
Na Roménia, o Nicolau destruia aldeias com o mesmo objectivo...
Os militantes ecologistas e todos os amantes e defensores da natureza
pouco ou nada têm a esperar de um partido verde-raiado que passa a vida a
servir de muleta a outros que estão mais preocupados com o seu umbigo do
que os graves problemas ecológicos que ameaçam a humanidade.

(Publicado no jornal “Açoriano Oriental, 26 de Janeiro de 1990)

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T. Braga

Património Espeleológico dos Açores -


Riqueza ainda por explorar

As grutas naturais são, na sua maioria, abertas em formações calcá-


rias geralmente escavadas pela água. Nos Açores, elas são formadas por
correntes de lava. Ao escorrer, a zona superficial de lava arrefece e endu-
rece antes da lava subjacente. Quando o jorro de lava cessa pode deixar
como que uma casca, formando-se então um túnel.
No arquipélago dos Açores, região particularmente rica em cavidades
vulcânicas foram os «MONTANHEIROS», de Angra do Heroísmo, os pio-
neiros na exploração de grutas e algares, sobretudo na ilha Terceira, onde
possuem localizadas e exploradas 34, no Pico e em S. Jorge. Em S. Miguel,
apesar de vários entusiastas individualmente ou em grupo se terem dedi-
cado à espeleologia, só o ano passado foi iniciada, pelos AMIGOS DOS
AÇORES, uma pesquisa e exploração organizadas tendo por objectivo a in-
ventariação do património espeleológico da ilha com vista a abrir caminho
a um posterior estudo científico e a um desejável aproveitamento turístico.
Já Gaspar Frutuoso, ao descrever o litoral de Ponta Delgada, nas
“Saudades da Terra”, nos dá notícia de túneis vulcânicos a poente da re-
ferida cidade: «além, pouco espaço da Fortaleza para loeste está uma ponta
que se chama a Ponta dos Algares, porque saem ali dois com suas bocas,
por dentro dos quais se caminha grande caminho por baixo da terra, por
cujo vão parece que correu ribeira de pedra de biscouto, em outro tempo,
não sabido nem visto».
Desde os tempos mais remotos as grutas naturais foram percorridas
e acarinhadas pelos habitantes destas ilhas e alvo da visita de estrangeiros
ilustres. Walter Frederic Walker no seu livro «The Azores or Western Is-
land», publicado em 1886 faz uma descrição minuciosa da gruta existente
num campo da rua Formosa – hoje, secadores da Fábrica de Tabaco Mi-
caelense, na rua de Lisboa. Tal como Fouquê, que descreve um conduto
ovalar na ilha Terceira e Hartung que descreveu a Furna da Graciosa e ou-
tros algares dos Açores, John Webster, genro de primeiro cônsul ameri-
cano, Thomas Hickling dedica um capítulo do seu livro ao relato de uma
excursão a uma caverna situada a «cerca de 3 a 4 milhas a noroeste de
Ponta Delgada».

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Luta Ecológica 1981-1990

M. Emygdo da Silva, jornalista continental, no seu trabalho «S. Mi-


guel em 1893», considera o Algar da Rua Formosa o mais notável dos tú-
neis vulcânicos dos Açores embora o de Angra seja também interessante
pela sua secção, que chega a atingir uma altura de 5 a 6 metros e uma lar-
gura de 10. É ainda deste ilustre autor que visitou o referido túnel na com-
panhia de Afonso Chaves, o seguinte relato: «A abobada do túnel, da qual
pendiam grossos e negros estalactites, as paredes laterais que se diriam
guarnecidas de lambris muito moldados, e que marcam o tempo das para-
gens que a lava teve no seu movimento progressivo, as bocas das peque-
nas galerias que comunicam com esta…; aqui e alem um pequeno
desabamento indicando que a exploração não é isenta de perigo; o solo ir-
regular é de uma dureza vítrea, como a do átrio do Cavalo, no Vesúvio,
tudo isto banhado pelo deslumbrante do magnésio, constitui um dos es-
pectáculos mais empolgantes e mais grandiosos que o Dante certamente
não rejeitaria para fazer passar alguma cena do inferno».
A título de curiosidade interessa registar que André Thevé, historió-
grafo e cosmógrafo do Rei Henrique III, que teria visitado este arquipélago
depois de 1550, fala na sua «Cosmographie Universelle», editada em
1575, numa gruta «para a parte do setentrião» onde encontraram «dois
monumentos de pedra, cada um dos quais não tinha menos comprimento
de doze pés e meio, e de largo quatro e meio». Pura fantasia que ainda em
1962 o escritor Robin Byrans quando esteve nos Açores estava convencido
da sua existência bem como dos monumentos atribuídos aos judeus.
Até há tempo soterradas, a servir de esgoto ou lixeira, as grutas na-
turais além de constituírem um nó importante de explicação científica do
nosso meio natural são parte integrante do património paisagístico (neste
caso subterrâneo) e como tal deveriam merecer todo o respeito por parte
de todos nós, em particular das entidades responsáveis pelo turismo e am-
biente dos Açores, devendo, depois de efectuados pequenos trabalhos de
limpeza, ser integradas nos roteiros turísticos.
O bom acolhimento dado, pelos vários organismos oficiais, às preo-
cupações e sugestões dos AMIGOS DOS AÇORES para defesa e salva-
guarda do património espeleológico leva-nos a concluir que finalmente
aquela singular riqueza vai ter um tratamento tão digno como o que merece.
Embora sejamos de opinião que as grutas naturais devam ser prote-
gidas, não somos contra a sua abertura ao público. Defendemos que de-

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T. Braga

veriam ser aproveitadas turisticamente 2 ou 3 grutas por ilha, sendo a sua


abertura feita em moldes diferentes do tradicional. Haveria um grupo de
guias que acompanhariam os visitantes como se tratasse de uma expedi-
ção espeleológica. As restantes grutas destinar-se-iam exclusivamente a
expedições científicas.
A riqueza espeleológica dos Açores merece ser estudada cientifica-
mente por equipas constituídas por especialistas dos mais diversos ramos
das ciências naturais. No seu trabalho apresentado nas Primeiras Jorna-
das Atlânticas de Protecção do Meio Ambiente, o Dr. Pedro Omori, um dos
membros de expedição cientifica da Universidade da La Laguna que se
deslocou aos Açores no passado mês de Julho para estudar a fauna caver-
nícola, escrevia: «Era bom que os próprios açorianos fossem quem o fi-
zesse, pelo que sugerimos aos organismos administrativos e à
Universidade dos Açores a possibilidade de abrir um ramo de investiga-
ção naquele sentido. Se não se promove quanto antes virão fazê-lo outros
e os açorianos perderão a oportunidade de enriquecer por si próprios o co-
nhecimento do seu património».
Já em 1862 o grande naturalista Barbosa du Bocage afirmava: «é
tempo de estudarmos por nossas cabeças o que é nosso…».

(Publicado no jornal “Correio dos Açores”, 9 de Agosto de 1990)

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