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Título

Megacólon tóxico e colite aguda grave:


tratamento com esquema acelerado de Infliximabe

Autor Principal
Ana Lorena Sousa de Vasconcelos Garate
Residente do Programa de Residência Médica em
Gastroenterologia e Nutrição da Faculdade de Medicina de
Botucatu – UNESP

Co-autores
Thiara Barcelos Rocha
Luciana Rocha Almeida
Mariana Barros Marcondes
Jaqueline Ribeiro de Barros
Letícia Patrocínio Oliveira
Julio Pinheiro Baima
Rogerio Saad-Hossne
Ligia Yukie Sassaki
(Título de especialista da FBG e sócio titular do GEDIIB)
Megacólon tóxico e colite aguda grave:
tratamento com esquema acelerado de Infliximabe

Resumo

A retocolite ulcerativa é caracterizada por inflamação crônica da mucosa do


cólon, e seu manejo terapêutico depende da extensão e grau da inflamação. A
colite aguda grave é uma emergência médica e o infliximabe é uma opção nos
casos refratários ao corticosteroide intravenoso. O megacólon tóxico é uma
complicação potencialmente fatal, caracterizada pela dilatação do cólon
associada a manifestações sistêmicas. O presente estudo tem como objetivo
apresentar o caso de uma paciente jovem, com colite aguda grave e
megacólon tóxico tratada com corticoide intravenoso e esquema acelerado de
infliximabe. Paciente apresentou melhora do megacólon com tratamento do
Clostridium e uso de corticosteroide intravenoso, porém sem melhora dos
sintomas da colite aguda grave. Foi optado pelo uso de infliximabe 5mg/kg para
indução da remissão. As infusões foram acompanhadas pela dosagem sérica
da medicação e optou-se pelo esquema acelerado com infusões nas semanas
0, 1, 2 e 6. Paciente evoluiu com remissão clínica e laboratorial, sem
necessidade de colectomia durante a internação. Conclusão: O infliximabe é
uma opção no tratamento da colite aguda grave. A dosagem sérica da
medicação auxilia no manejo terapêutico e o esquema acelerado com
intensificação de dose pode reduzir as taxas de colectomia a curto e médio
prazo.

Palavras-chave (4): retocolite ulcerativa, colite aguda grave, megacólon tóxico,


infliximabe.
Introdução

A retocolite ulcerativa (RCU) é caracterizada por inflamação crônica da

mucosa do cólon e reto e seu manejo terapêutico depende da extensão e

gravidade da inflamação1. Cerca de 15% dos pacientes podem apresentar

episódio de agudização grave que se constitui em emergência médica, e

podem necessitar de hospitalização2,3. O tratamento da colite aguda grave

requer o uso de corticoide endovenoso com taxas de resposta de 70-90% dos

casos4. A ciclosporina e, mais recentemente o infliximabe (IFX), mostraram-se

eficazes no manejo da colite grave, e são indicados como terapia de resgate

nos pacientes não respondedores ao tratamento inicial com corticoide 3.

O megacólon tóxico é complicação potencialmente fatal que pode

ocorrer nos pacientes com atividade grave, caracterizado pela dilatação do

cólon associada a manifestações sistêmicas. Geralmente está relacionada a

RCU, no entanto, pode ser também secundária à colite infecciosa, colite

isquêmica, volvo, diverticulite e à obstrução por neoplasia do cólon 2. O uso de

corticosteroides intravenosos associado à colectomia precoce reduziram a

mortalidade dos pacientes com megacólon tóxico de 31-61% na década de

1950 para 5-9% na década de 1960². Em centros de referência ou outros locais

capacitados em fornecer monitorização frequente e equipe treinada, a

mortalidade varia em torno de 3% ou até menos 2.

O presente estudo tem como objetivo apresentar relato de paciente com

colite aguda grave associado a megacólon tóxico, tratado com corticoide

intravenoso e esquema acelerado de IFX.


Relato do Caso

Paciente do sexo feminino, 22 anos, solteira, antecedente de parto

vaginal há 1 ano e 5 meses. Em janeiro/2019 paciente procurou o pronto

socorro com queixas de enterorragia, dor abdominal e alteração do hábito

intestinal há 2 meses. Referia evacuações com fezes líquidas, inúmeras vezes

ao dia, dor abdominal tipo cólica de forte intensidade, caráter intermitente e

melhora parcial com uso de analgesia. Há 1 semana do atendimento

apresentou piora do quadro inicial associado a náuseas e vômitos e perda

ponderal de 10kg. Trazia colonoscopia (08/01/19) com laudo de doença

inflamatória intestinal em atividade e anatomopatológico compatível com RCU

em atividade moderada. Iniciou tratamento com mesalazina e prednisona,

porém apresentou intolerância gastrointestinal e suspendeu a medicação.

Na admissão hospitalar paciente encontrava-se em regular estado geral,

emagrecida, desidratada (2+/4+), taquicárdica (110bpm). Abdome distendido,

hipertimpânico, RHA diminuídos, doloroso a palpação, DB+. Exames

laboratoriais compatíveis com processo inflamatório sistêmico e anemia

(Tabela 1). Toxina A/B positiva para Clostridium. O raio X de abdômen

mostrava dilatação colônica de 7 cm, compatível com megacólon tóxico (Figura

1).

Frente à infecção por Clostridium, optou-se pelo tratamento da colite

pseudomembranosa e reavaliação do quadro de distensão abdominal. A

paciente recebeu tratamento com vancomicina oral com resolução da infecção.

Porém, evoluiu com piora clínica, aumento da distensão abdominal, vômitos,

febre, manutenção da diarreia e piora da enterorragia (>10 episódios/dia),


inclusive com sintomas noturnos. Realizado exame de retosigmoidoscopia

flexível (01/02/19), sem insulflação, com avaliação até 25cm da borda anal e

visualização de mucosa friável, edema e enantema intenso e presença de

sangramento espontâneo e friabilidade da mucosa, compatível com RCU em

intensa atividade (Mayo endoscópico 3). Anatomopatológico compatível com

RCU em intensa atividade, sem evidências de colite pseudomembranosa.

Dessa forma, foi iniciado tratamento com hidrocortisona 100 mg,

intravenoso, de 8/8h para tratamento da atividade grave da RCU (01/02/2019).

Paciente apresentou melhora da distensão abdominal e melhora radiológica

(Figura 1), porém sem melhora dos sintomas de diarreia e sangramento, sendo

optado pelo Infliximabe para indução da remissão. Exames pré-biológico sem

alterações (PPD não reator, sorologias negativas e Rx de tórax sem

alterações). Recebeu a primeira dose de Infliximabe (5mg/kg) no dia

05/02/2019 com melhora parcial dos sintomas, porém manteve quadro de

diarreia e sangramento nas fezes (Mayo parcial 7 pontos). Realizada dosagem

sérica de IFX na semana 1 de tratamento de IFX 8,8μg/ml e calprotectina de

921μg/g (Tabela 1). Optou-se pela segunda infusão de IFX (esquema

acelerado) no dia 12/02/2019 (semana 1 de tratamento), além de associação

de azatioprina 50mg/d. Paciente apresentou melhora importante do quadro

(Mayo parcial 3 pontos) e recebeu alta hospitalar no dia 15/02/2019 com uso de

IFX 5mg/kg, azatioprina 50mg/d e prednisona 40mg/d (Tabela 1). No dia

18/02/2019 (semana 2 de tratamento), a paciente recebeu a terceira infusão de

IFX, dosagem sérica >20 μg/ml (Tabela 1). Retornou dia 19/03/2019 para a

quarta aplicação de IFX (semana 6 de tratamento), em remissão clínica de

doença, referindo melhora do estado geral, hábito intestinal 1x/dia,


eventualmente com sangue, sem dor ou distensão abdominal, dosagem sérica

de IFX 9,1μg/ml (Tabela 1).

Tabela 1. Evolução da atividade clínica e exames laboratoriais.


Admissão 01/02/2019 05/02/2019 12/02/2019 18/02/2019 19/03/2019
Hospitalar
Escore de Mayo parcial (pontos) 9 7 7 7 3 2
Ht/Hb 25,8/8,1* 27,1/8,6* 35,6/11,9 34,4/10,8 32,3/10,6 28,9/9,4
PCR (<1,0mg/dl) 20,3 6,0 2,9 3,7 2,7 6,8
Calprotectina fecal (<30μg/g) --- --- --- 921 --- ---
Tratamento hidrocortisona Infliximabe Infliximabe Infliximabe Infliximabe
Medicamentoso 300mg/d (semana 0) (semana 1) (semana 2) (semana 6)
+azatioprina +azatioprina +azatioprina
Dosagem sérica de IFX (μg/ml) --- --- --- 8,8 >20 9,1
PCR: poteína C-reativa; IFX: infliximabe
Escore parcial de Mayo: número de evacuações, presença de sangramento e avaliação global.
*Transfusões sanguíneas: 30/01/19: um concentrado de hemácias. 01/02/19: dois
concentrados de hemácias.

A B

Figura 1. Evolução do raio X de abdômen durante o tratamento. A) Raio x de


abdômen da admissão hospitalar. B) Raio x de abdômen após tratamento com
hidrocortisona intravenosa.

Discussão
A RCU pode ser classificada, de acordo com a gravidade da atividade

clínica, em atividade leve, moderada ou grave, de acordo com os critérios de

Truelove modificados por Oxford 2,6: Atividade Grave: ≥10 evacuações/dia,

sangue contínuo nas fezes; febre (temperatura média >37,5°C); taquicardia

≥90bpm; anemia com necessidade de transfusão de concentrado de

sanguínea; VHS ≥30mm/h. Atividade Moderada: 6 ou mais evacuações/dia,

sangue frequente nas fezes; febre (temperatura média superior 37,5°C);

taquicardia ≥90bpm; anemia (hemoglobina 75% do valor da normalidade); VHS

≥30mm/h. Atividade Leve: 4 ou menos evacuações/dia com pequena

quantidade de sangue nas fezes; sem febre; sem taquicardia; anemia não

grave; VHS ≤30mm/h.

Para avaliação de gravidade também é necessária radiografia simples

de abdome, pois presença de dilatação colônica ≥5,5cm associado a toxicidade

sistêmica indicam complicação da colite aguda grave potencialmente fatal, o

megacólon tóxico. O tratamento conservador com corticosteroides pode ser

iniciado2, porém estudos mostram que pacientes que não respondem

adequadamente ao tratamento clínico com altas doses de corticoide

endovenoso entre 10-14 dias, associado a oito ou mais evacuações, e proteína

C-reativa >45mg/l frequentemente exigem intervenção cirúrgica 1,2,7.

A ciclosporina e, mais recentemente, o infliximabe (IFX), surgiram como

avanço no manejo da colite ulcerativa grave, e têm sido usados como terapia

de resgate para não respondedores ao corticosteroide. Ambos são eficazes e

comparáveis em termos de resposta inicial e necessidade reduzida de

colectomia precoce3, porém muitos serviços optam pelo infliximabe pela

ausência de nefrotoxicidade e facilidade de administração 8,9.


A colite aguda grave está associada a altos níveis circulantes de fator de

necrose tumoral (TNF), decorrente do aumento da carga inflamatória, bem

como depuração mais rápida da droga nas fezes, consequentemente, estes

pacientes podem necessitar de doses maiores e/ou administrações mais

frequentes de IFX para manter o nível terapêutico 3, chamado de intensificação

de dose. Em alguns casos são necessárias otimizações na indução do

tratamento com doses de 10 mg/kg e/ou três aplicações em um intervalo de 20

dias, nas semanas 0, 1 e 2 de tratamento para reduzir a evolução para

colectomia no período de 1 ano9. Artigo de revisão publicado por Hindryckx e

cols (2017) avaliou 76 trabalhos publicados entre 2000 e 2016 e concluiu que

os pacientes com colite aguda grave apresentam clearance aumentado da

droga e os estudos sugerem que a intensificação de dose é benéfica em pelo

menos 50% dos pacientes. Além disso, estudos caso-controle indicam que

regime de intensificação de dose com 1 a 2 infusões adicionais nas primeiras 3

semanas de tratamento podem reduzir a taxa de colectomia precoce em até

80%, embora esses dados precisam ser confirmados em estudos

prospectivos9.

Apesar do conhecimento sobre o clearance aumentado da droga e da

perda fecal através da mucosa inflamada 8,9, o nível sérico preconizado para o

tratamento da colite aguda grave não se encontra totalmente estabelecido. A

concentração sérica de IFX <16,5μg/ml na semana 2 de tratamento foi um

preditor independente de colectomia (HR:5,6; IC95%:1,1-27,8; p=0,034), além

de outros fatores como a presença de colite grave (HR:24; IC95%:2,5-231;

p=0,006), proteína C-reativa >5mg/l (HR:11; IC95%:2,1-58,8; p=0,005) e

albumina <40g/l (HR:9,5; IC95%:1,3-71,4; p=0,026) em estudo que avaliou 99


pacientes não respondedores primários ao IFX 10. No presente caso, a paciente

apresentava concentração sérica de IFX de 8,8μg/ml na semana 1 de

tratamento, portanto, optou-se pela aplicação da segunda infusão de IFX neste

momento (esquema acelerado) e a paciente evoluiu com melhora clínica e

laboratorial.

Conclusões

O presente estudo relatou o caso de paciente jovem, com diagnóstico

recente de colite aguda grave associado ao megacólon tóxico e infecção por

Clostridium. Paciente apresentou melhora do megacólon toxico com uso de

antibióticos para Clostridium e hidrocortisona endovenosa, porém sem melhora

dos sintomas da RCU. Optou-se pelo esquema acelerado de infliximabe,

baseado no quadro clínico da paciente e na dosagem sérica da medicação.

Paciente evoluiu com melhora dos sintomas evoluindo com remissão clínica e

laboratorial da doença.

O megacólon tóxico constitui a complicação mais importante e fatal da

colite aguda grave e o diagnóstico é baseado em critérios clínicos e

radiológicos. O tratamento pode ser conservador com uso de corticoide

endovenoso, porém alguns casos evoluem para a colectomia total. O esquema

acelerado de Infliximabe pode ser utilizado em alguns casos de colite aguda

grave não responsivos ao tratamento com corticosteroide endovenoso.

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