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PATRÍCIA PINTO ALVES

O Direito da filiação

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O Direito da filiação

PATRÍCIA PINTO ALVES


Mestre em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho
Investigadora Jurídica
Advogada estagiária

1. Noção e âmbito.

O direito da filiação trata-se do ramo do Direito da Família que tem por objeto as relações de
filiação (a relação de maternidade e a de paternidade): o modo ou os modos por que uma e outra se
estabelecem, convertendo-se de vínculos biológicos em relações jurídicas, e os efeitos que produzem,
uma vez estabelecidas, em relação e aos bens dos filhos.

2. O Direito da Filiação e o Direito dos Menores.

Na atualidade importa ter em consideração o n.º 6 do artigo 36.º, da Constituição da República


Portuguesa (CRP), o qual nos expressa que: “ Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo
quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão
judicial”.

De acordo com F. M. PEREIRA COELHO, o direito da filiação distingue-se do chamado


direito dos menores na medida em que é, ao mesmo tempo, menos extenso e mais extenso do que o
último. O direito dos menores é menos extenso que o direito da filiação, pois as relações de filiação
só lhe interessam durante a menoridade do filho, mas por outro lado é mais extenso, na medida em
que abrange matérias, não só de direito civil, mas também de direito público. Ele corta os vários ramos
do direito no ponto em que estes versam a situação jurídica dos menores, e colhe os respetivos dados
legais que procura relacionar e organizar. Expressão deste caráter interdisciplinar do direito dos
menores é o diploma fundamental da matéria, a chamada “Organização Tutelar de Menores”, Cfr.
DL n.º 314/78, de 27 de Outubro, que por sua vez reveste ele próprio caráter de natureza
interdisciplinar, prevendo deste modo, designadamente, ao lado de processos tutelares cíveis, medidas
de cariz tutelar de proteção, assistência e educação.
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3. Direito da filiação e direito da tutela.

O código considera o direito da tutela parte do direito da filiação, regulando a tutela, como “meio
de suprir o poder paternal”. Embora seja essa a orientação, a inserção do direito da tutela no direito
da família suscita todavia muitas reservas. A tutela e a curatela também podem respeitar a maiores
feridos de incapacidade, e a matéria das incapacidades não pertence ao direito da família mas antes à
parte geral do direito civil prevista no CC. Nem a tutela visa necessariamente a proteção de interesses
familiares. De resto, o Código parece dar privilégio ao sistema da tutela de autoridade, e não ao da
tutela familiar: o tribunal pode designar como tutor pessoa estranha à família (atualmente o art. 1931.º
do CC refere-se ao «Tutor designado pelo tribunal», expressando o seguinte nos seus n.ºs 1 e 2
respetivamente: (“ Quando os pais não tenham designado tutor ou este não haja sido confirmado,
compete ao tribunal de menores, ouvido o conselho de família, nomear o tutor de entre os parentes
ou afins do menor ou de entre as pessoas que de fato tenham cuidado ou estejam a cuidar do menor
ou tenham por ele demonstrado afeição”) e (“Antes de proceder à nomeação de tutor, deve o tribunal
ouvir o menor que tenha completado catorze anos.”), e o conselho de família tem funções apagadas,
cfr. art. 1954.º do atual CC: (“Pertence ao conselho de família vigiar o modo por que são
desempenhadas as funções do tutor e exercer as demais atribuições que a lei especialmente lhe
confere.”), não sendo ao conselho mas ao tribunal que o tutor deve prestar contas, cfr. art. 1944.º do
CC e pedir autorização para a prática dos atos mais graves, cfr. art. 1938.º do CC.

4. Unidade fundamental das relações de filiação, fundadas ou não no casamento.

Importa referir que do ponto de vista dos efeitos da filiação, não releva tanto a circunstância de
os progenitores serem casados como a de existir entre eles uma comunhão de vida que permita que o
poder paternal seja exercido por ambos os progenitores.

De acordo com o atual art. 1911.º do CC: (“Quando a filiação se encontre estabelecida
relativamente a ambos os progenitores e estes vivam em condições análogas às dos cônjuges, aplica-
se ao exercício das responsabilidades parentais o disposto nos artigos 1901.º a 1904.º”). O n.º 2 do
atual art. 1911.º do CC refere que: (“No caso de cessação da convivência entre os progenitores, são
aplicáveis as disposições dos artigos 1905.º a 1908.º.”)

5. O Interesse do filho.

Importa referir que referimo-nos ao interesse concreto do filho, que, não assumindo relevo
quanto ao estabelecimento da filiação (pois a lei aceita aqui, abstratamente, que o interesse do filho é
o de que a sua filiação seja estabelecida em conformidade com a verdade biológica), reveste interesse
fundamental no que concerne aos efeitos da filiação.

É de harmonia com o interesse do filho, e não com circunstâncias relativas aos progenitores,
como, por exemplo, a de saber se algum dos cônjuges, e qual deles, foi declarado culpado na respetiva
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sentença, que deve ser fixado o destino do menor nos casos de divórcio ou separação judicial de
pessoas e bens; é ainda de harmonia com o interesse do filho que o tribunal decidirá se o direito de
visita deve ou não ser concedido ao progenitor a quem o filho não tenha sido confiado; o juiz decide,
de harmonia com o interesse do filho, na falha de acordo dos pais sobre o nome próprio e os apelidos
do filho menor, cfr. art. 1975.º, n.º 2.

Porém, importa ainda salientar que o mais importante é sempre o superior interesse da criança,
no caso do filho ser menor. Cabe aos pais proporcionarem alimentos aos filhos, assim como todos os
bens de que estes necessitem.

6. O artigo 36.º, n.º 6 da CRP.

A garantia de não privação dos filhos é também um direito subjetivo a favor dos pais. As
restrições a esse direito estão sob reserva da lei (pois compete a esta estabelecer os casos em que os
filhos poderão ser separados dos pais, quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais) e
sob reserva de decisão judicial, quando se trate de separação forçada, contra a vontade dos pais. É o
CC – art. 1915.º (inibição do poder paternal) e art. 1918.º (perigo para a segurança, saúde, formação
moral e educação dos filhos) – que determina os casos em que o tribunal pode confiar os filhos a
terceira pessoa ou a estabelecimentos de educação ou assistência. Os direitos subjetivos – dos filhos
e dos pais – de não serem separados uns dos outros – condicionam a expulsão de cidadãos estrangeiros
na medida em que essa expulsão implicar – direta ou indiretamente – a expulsão dos filhos menores
(cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/04).

7. Os deveres fundamentais dos pais para com os filhos

O n.º 5 do art. 36.º da CRP é muito relevante neste sentido na medida em que o direito e o dever
dos pais de educação e manutenção dos filhos são um verdadeiro direito-dever subjetivo e não uma
simples norma programática, integrando o chamado poder paternal (que se trata de uma
constelação de direitos e deveres, dos pais e dos filhos, e não de um simples direito subjetivo dos
pais perante o Estado e os filhos). O cariz de direito-dever subjetivo dos pais traduz-se, na linguagem
atual, na compreensão do poder paternal como obrigação de cuidado parental. É notório, todavia, que
ele não exclui a colaboração do Estado na educação dos filhos, como, aliás, estabelece a própria CRP
(arts. 67.º -2/c) e 68.º - 1), nem, muito menos, o direito do Estado a garantir o direito ao ensino
através de um sistema público de ensino, incluindo o ensino básico obrigatório (art. 74.º -2/a). Aliás,
«educação» tem aqui um sentido distinto e bastante mais amplo do que «ensino»: abrange
designadamente todo o processo global de socialização e aculturação, na medida em que ele é
realizável dentro da família. Quanto ao direito e dever de manutenção, ele envolve especialmente o
dever de prover ao sustento dos filhos, dentro das capacidades económicas dos pais, até que eles
estejam em condições (ou tenham obrigação) de o fazer. Daí o fundamento da obrigação de alimentos
por parte do progenitor que não viva com os filhos.

Convém frisar que o dever de educação e manutenção dos filhos, além de um dever ético-social,
é um dever jurídico, nos termos estabelecidos na lei civil (arts. 1877.º e ss.) e em convenções
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internacionais (cfr. Protocolo n.º 7 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem «CEDH», art.º
5.º).

Nos termos do n.º 3 do art. 36.º da CRP, o direito e o dever de educação e manutenção dos
filhos pertencem igualmente a ambos os cônjuges (e, por identidade de razões, a ambos os
progenitores não casados), desde que, naturalmente, estes coabitem (cfr. também art. 68.º -1). Mas
mesmo no caso de separação dos progenitores, mantém-se no fundamental tal igualdade.

Refira-se que o art. 36.º da CRP faz remissões para os arts. 67.º e 68.º da mesma Lei
Fundamental. Acresce ainda de grande importância o fato de o instituto “A Família” ainda se
encontrar salvaguardado em legislação avulsa de cariz internacional, como sucede na CEDH, mais
precisamente no seu Protocolo.

Ora, no que respeita ao art. 67.º da CRP, na redação que lhe foi dada pela 1.ª revisão
constitucional (LC n.º 1/82), este preceito reconhece a família, enquanto tal, isto é, enquanto
instituição, como titular direto de um direito fundamental, se bem que o que esteja em causa seja a
«realização pessoal dos seus membros» (n.º 1, in fine), o que não permite qualquer leitura
transpersonalista deste direito. No art. 36.º, a CRP garante o direito das pessoas a constituir família;
aqui garante o direito das próprias famílias à proteção da sociedade e do Estado e à realização pessoal
dos seus membros. Trata-se de um típico «direito social», isto é, de um direito positivo que se analisa
numa imposição constitucional de atividade ou de prestações por parte do Estado (cfr. n.º 2), que
não gozam de exigibilidade direta, carecendo de implementação legislativa, cuja falta, porventura,
pode dar lugar a inconstitucionalidade por omissão.

Importa enunciar que a par da garantia dos direitos das famílias (de cada família), este preceito
reconhece também a família como realidade social objetiva, garantindo-a enquanto instituição jurídica
necessária. Esta garantia institucional decorre da consideração da família como «elemento
fundamental da sociedade» (n.º 1), sendo, porém, uma categoria existencial, um fenómeno da vida, e
não uma criação jurídica.

Contudo, não existe um conceito de família constitucionalmente definido, sendo ele, por isso,
um conceito relativamente aberto, cuja «densificação» normativo-constitucional comporta alguma
elasticidade, tendo em consideração designadamente as referências constitucionais que sejam
relevantes (por exemplo, o art. 36.º -1, de onde decorre que o conceito de família não pressupõe o
vínculo matrimonial podendo existir sem ele, como no caso das chamadas «uniões de fato», (que no
entanto podem dispor de reconhecimento e proteção jurídica aproximada das relações matrimoniais)
e as diversas conceções existentes na coletividade.

Importa agora referir a importância do art. 68.º da CRP, na medida em que na formulação que
lhe foi dada pela 1.ª revisão constitucional (LC n.º 1/82), este preceito passou a reconhecer e a garantir
um verdadeiro direito fundamental dos pais e das mães, enquanto tais, isto é, nas suas relações com
os filhos. Sendo-lhes constitucionalmente garantido o direito e o dever de educação dos filhos (cfr.
art. 36.º -5), têm também o direito à proteção (ou seja, ao auxílio) da sociedade e do Estado no
desempenho dessa tarefa, abrangendo designadamente a cooperação do Estado (art. 67.º -2/c), de
maneira a não impedir a sua realização profissional e a participação na vida cívica do país (n.º 1, in
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fine). Tratando-se de um «direito social», em sentido próprio, traduzido essencialmente em direito a


prestações públicas, a concretizar por lei, os direitos dos pais e das mães à proteção valem também
face à «sociedade», ou seja, face aos particulares, em especial as entidades empregadoras, nos termos
das leis concretizadoras deste direito (eficácia direta de direitos fundamentais entre privados).

Pressuposto implícito deste direito é, naturalmente, o direito de ter filhos de acordo com os
projetos pessoais de cada um (cfr. art. 36.º -1) – incluindo o direito ao planeamento familiar e a
garantia de uma «maternidade e paternidade consciente» (art. 67.º -2/b) -, bem como o direito de
cuidar dos filhos, considerando a CRP ser «insubstituível» (n.º 1) a ação paterna e materna de criação
e educação dos filhos. O que está aqui em causa não é tanto a proteção das crianças (cfr. art. 69.º),
mas sim a proteção dos pais e mães nos seus direitos e deveres em relação aos filhos. Neste sentido,
este direito não só implica uma proibição de princípio de separar as crianças dos pais (cfr. art. 36.º -
6), mas também a garantia de exercício desse direito por ambos os progenitores, em caso de separação
destes (regulação do poder paternal em caso de divórcio, atualmente designadas por responsabilidades
parentais,etc.).

A CRP não se limita a reconhecer um direito dos pais à proteção e ao auxílio do Estado para
poderem cuidar dos filhos sem prejuízo para a sua «realização profissional» (o que constitui uma
garantia da liberdade de profissão) e, se for caso disso, para a sua «participação na vida cívica do país»
(o que pode abranger o exercício de cargos públicos, em geral, e de cargos político, em especial) (n.º
1). Ao caraterizar a paternidade e a maternidade como «valores sociais eminentes» (n.º 2), ela
reconhece-as igualmente como garantias institucionais, protegendo-as como valores sociais e
constitucionais objetivos.

Fato de particular significado é a ênfase posta na afirmação da igualdade dos pais e das mães, que
decorre do enunciado dos n.ºs 1 e 2, quer no respeitante às tarefas em relação aos filhos, quer na
consideração social e constitucional do valor da maternidade e da paternidade. Trata-se de um
corolário do princípio da igualdade entre homens e mulheres (cfr. art. 13.º -2) e, em particular, da
igualdade dos cônjuges, sobretudo no que respeita à manutenção e educação dos filhos (art. 36.º -3,
2.ª parte).

Porém, existe igualdade constitucional dos pais e das mães mesmo que não sejam casados, não
podendo haver discriminação em relação aos filhos, (cfr. art. 36.º -4).

Importa salientar que a norma do n.º 4 (acrescentada pela LC n.º 1/97) contém uma imposição
constitucional de legislação para regular os direitos de dispensa de trabalho por parte das mães e dos
pais, tratando-se, deste modo, de dar centralidade aos interesses da criança ou do agregado familiar,
reconhecendo-se a licença por maternidade (cfr. Código do Trabalho, art. 35.º: 120 dias, 90 dos quais
necessariamente a seguir ao parto) e a licença de paternidade: (cfr. Cód. Trab., art. 36.º). Tais direitos
não consomem outras licenças especiais (ex: dispensa para consultas, etc).
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8. As normas do CC.

As responsabilidades parentais encontram-se previstas no art. 1877.º e ss. do CC.

Como tal resulta que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou
emancipação (cfr. Redação da Lei n.º 61/2008, de 31-10).

O art. 1878.º do CC revela-nos que é da competência dos pais, no interesse dos filhos, velar pela
segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que
nascituros, e administrar os seus bens, sendo certo que os filhos devem obediência aos pais; estes,
porém, de acordo com a maturidade dos filhos, devem ter em consideração a sua opinião nos assuntos
de cariz familiar relevantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida.

Porém, assim que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou
outros rendimentos os encargos com o sustento, segurança, saúde e educação os pais ficam
desobrigados de tais encargos (cfr. art. 1879.º do CC).

O art. 1880.º faz alusão às despesas com os filhos maiores ou emancipados, mantendo-se a
obrigação dos pais de suportarem as obrigações referidas no art. Anterior até que os filhos completem
aquela formação. O art. 1881.º do CC refere-se ao poder de representação. O art. 1882.º do CC, por
sua vez, refere-se ao fato dos pais não poderem renunciar às responsabilidades parentais.

O art. 1885.º do CC e ss. diz respeito às responsabilidades parentais relativamente à pessoa dos
filhos mais concretamente diz respeito à educação dos filhos que cabe aos pais de acordo com as suas
condições económicas, à educação religiosa, cabendo aos pais decidir sobre a educação religiosa dos
filhos menores de 16 anos, ao abandono do lar, não podendo os menores abandonar o lar, nem dele
serem retirados, ao convívio com irmãos e ascendentes, não podendo os filhos serem privados de tal
convívio pelos pais.

O art. 1888.º e ss. do CC reportam-se às responsabilidades parentais relativamente aos bens dos
filhos.

Porém, o exercício das responsabilidades parentais está previsto no art. 1901.º e ss. do CC, na
medida em que na constância do casamento, tal exercício pertence a ambos os pais e tais
responsabilidades são exercidas por mútuo acordo, e este faltar qualquer um deles pode recorrer ao
tribunal, que tentará a conciliação. Se tal conciliação não for possível, o filho será ouvido pelo tribunal,
antes de decidir, exceto quando circunstâncias ponderosas o desaconselhem (cfr. art. 1901.º do CC).

Especial relevância tem o art. 1903.º do CC na medida em que quando um dos pais não puder
exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado
pelo tribunal, caberá esse exercício unicamente ao outro progenitor (,ou seja, à mãe) ou, no
impedimento deste, a alguém da família de qualquer deles, desde que haja um acordo prévio e com
validação legal.

PATRÍCIAPINTOALVES
Portal Verbo Jurídico | 03-2015

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