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04/04/2020

embora vivamos como seres humanos, não lutamos


segundo os padrões humanos. As armas com as quais
lutamos não são humanas; pelo contrário, são
poderosas em Deus para destruir fortalezas.
Destruímos argumentos e toda pretensão que se
levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos
cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a
Cristo.
2 Coríntios 10:3-5

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04/04/2020

Rodolfo Amorim
Cosmovisão: evolução do
conceito e aplicação cristã
ȋʹͲͲ͸Ȍ

Ao observarmos a igreja evangélica


brasileira hoje, constatamos um fato
irrefutável: ela não tem refletido, em
influência concreta na realidade sociocultural
que nos cerca, a amplitude de seu crescimento
numérico... A civilização ocidental tem
relegado o cristianismo brasileiro a uma
dimensão estreita da vida, sem capacidade de
se apresentar como verdade total... Temos
aprendido a nos relacionar com Deus salvador
e adorá-lo, mas não temos aprendido a servi-lo
e honrá-lo como o Deus Criador.

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Rodolfo Amorim
Cosmovisão: evolução do
conceito e aplicação cristã
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Para restaurarmos essa capacidade


em nossas vidas, precisamos
redescobrir o cristianismo histórico
como a interpretação total da realidade a
partir da revelação de Deus. Temos de
enxergar o mundo com os olhos de Deus e
interagir com ele a partir desse
conhecimento e da sabedoria revelada,
pois somente Deus detém o conhecimento
adequado da realidade, a qual criou e
mantém sob seu soberano controle.

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Friedrich Nietzsche
No Crepúsculo
dos Ídolos
ȋʹͲͲ͸Ȍ

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Ao se abdicar da crença cristã, expele-


se a pontapés o direito à moral cristã.
Esta não se compreende pura e
simplesmente a partir dela mesma: é preciso
sempre e novamente que se traga este
ponto à luz, apesar da estultícia inglesa. O
cristianismo é um sistema, uma visão total
das coisas pensada em conjunto. No que se
rompe um de seus conceitos centrais, a
crença em Deus, também dissipa-se com
isso o todo: não se tem mais nada de
necessário entre os dedos.
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James Orr
(1844-1913)
The Christian View of
God and the World
(1893)

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A oposição que o cristianismo enfrenta não


está confinada a doutrinas especiais ou a
pontos supostamente em conflito com as ciên-
cias naturais... Mas estende-se à forma total de
se conceber o mundo, do lugar do homem nele,
da maneira de conceber o sistema total das
coisas, naturais e morais, das quais nós somos
uma parte. Não temos mais uma oposição de
detalhes, mas de princípios. Esta circunstância
precisa de uma extensão igual na linha de defesa.
É a visão cristã das coisas em geral que é atacada,
e é apenas pela exposição e vindicação da visão
cristã das coisas como um todo que esse ataque
poderá ser detido.

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Europa do final do séc 19,


começo do séc 20
Pós-revoluções do século 18
Processo de secularização

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Necessidade
de uma
apresentação da
pessoa de Jesus à
mentalidade
moderna

Salvador Dali, Corpo Hiperbólico,1954

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James Orr
(1844-1913)
The Christian View of
God and the World
(1893)

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Aquele que de todo o coração crê em


Jesus como o Filho de Deus está, ato
contínuo, comprometido com muitas
outras coisas também. Está comprometido
com uma visão de Deus, uma visão do
homem, uma visão do pecado, uma visão da
redenção e uma visão do destino humano que
só são encontradas no cristianismo. Isso forma
uma “Weltanschauung” ou “visão cristão de
mundo” que está em nítido contraste com as
teorias desenvolvidas sob um ponto de vista
puramente filosófico ou científico.
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David K. Naugle
Cosmovisão: a história
de um conceito
(2002)

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Quais são as causas, indaga Orr, que


levam à formação das cosmovisões?
Para ele a resposta reside fundo na
natureza humana e nas capacidades nativas
de pensar e agir. Teoreticamente, a mente
humana não se satisfaz com um conhecimento
fragmentado, mas busca integridade na
compreensão da realidade. As cosmovisões são
geradas pela aspiração da mente a uma
compreensão unificada do Universo, reunidos
fatos, leis, generalizações e respostas paras as
questões últimas.
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James Orr
(1844-1913)
The Christian View of
God and the World
(1893)

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Há uma visão cristã definida das coisas


que tem um caráter, uma coerência e
uma unidade próprios e que está em
nítido contraste com as teorias e
especulações oponentes ... Essa cosmo-visão
tem o selo da razão e da realidade, podendo
se justificar amplamente no tribunal da
história e da experiência. Tentarei mostrar
que a visão cristã das coisas forma um todo
lógico que não pode ser violado, aceito ou
rejeitado de forma fragmentada, mas
permanece ou cai na sua totalidade.
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Tanto Gordon H. Clark como Carl F. H.


Henry parecem ser herdeiros imediatos
do legado de cosmovisão de Orr... Assim,
os mananciais da concepção do cristianismo
como uma Weltanschauung abrangente e
sistemática tiveram origem na Escócia, na vida e
no pensamento do grande teólogo presbiteriano
James Orr. A partir dessa fonte, as águas do
pensamento de cosmovisão foram continuamente
bombeados para dentro do mainstream
evangélico na América do Norte pelos escritos do
filósofo Gordon Clark e do teólogo Carl Henry.

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Avaliação da contribuição de Orr

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David K. Naugle
Cosmovisão: a história
de um conceito
(2002)

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O projeto de Orr, no entanto, teve poten-


ciais detratores, e eles expressaram duas
objeções básicas... Em primeiro lugar,
estão aqueles que advogam uma teologia de
sentimento e identificam a religião como as
condições e afeições do coração. Por consequên-cia,
descartam completamente o elemento cognitivo da
espiritualidade e negam existir algo como uma
Weltanschauung cristã intelectual... Orr ressalta o
componente ideativo necessário para a vida
religiosa, especialmente no cristianismo. Assim,
segundo ele, “uma vida religiosa estável e forte não
pode ser construída em nenhum outro terreno
exceto o da convicção inteligente.
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Em segundo lugar, a teologia


continental que faz uma forte
distinção entre concepções e mundo
religiosas e teóricas... Orr admite que o
conhecimento religioso e conhecimento teórico
não são rigorosamente a mesma coisa. Mesmo
assim, ele assume esse dualismo e defende
uma visão holística da verdade e a operação
unificada na mente humana... Afirmando que: a
fé não pode deixar de buscar o avanço do
conhecimento – isto é, a compreensão reflexiva
e científica do seu próprio conteúdo.

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Kevin J. Vanhoozer
Quadros de uma
Exposição Teológica
(2016)

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a imaginação não é apenas cognitiva. Ela


envolve de igual modo a mente a vonta-
de e as emoções. É, portanto, uma faculda-
de integradora que se dirige à totalidade dos
seres humanos. Justo por isso alguns propõem
a ligação entre a imaginação e o que a Bíblia
chama “coração”... A Bíblia fala do coração
com regularidade como o lócus da volição,
emoção e crença ou descrença (Sl 14.1). A
expressão “olhos do coração” comunica com
eloquência como as crenças, os desejos,
pensamentos e sentimentos atuam em
conjunto para definir nossa humanidade.

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O desenvolvimento
da ideia de
Cosmovisão por
Abraham Kuyper
(1837-1920)
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Abraham Kuyper
Palestras Stone
sobre Calvinismo
(1898)

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Um desejo tem sido a paixão dominante


da minha vida. Um motivo elevado tem
agido como estímulo sobre a minha
alma e mente... Consiste no seguinte: que,
não obstante, toda a oposição mundana, as
santas ordenanças de Deus sejam
novamente firmadas nos lares, nas escolas
e no Estado para benefício do povo; para,
por assim dizer, gravar na consciência da
nação as ordenanças do Senhor, das quais
testemunham a Bíblia e a criação, até que a
nação volte a render homenagem a Deus.
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Abraham Kuyper
Soberania das Esferas
(1880)

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Como isso poderia ser de outro modo?


O homem como um pecador caído, contras-
tado com um homem como um produto em
autodesenvolvimento da natureza, vai aparecer
novamente como “o sujeito que pensa” ou “o objeto
que leva outros à pensar”, em cada faculdade, em
cada ciência, e com cada pesquisador. Ó, não existe
nenhuma parte sequer do nosso mundo do
pensamento que possa ser hermeticamente
separado das outras partes; e não há um único
centímetro quadrado, em todo o domínio de nossa
vida humana, sobre o qual Cristo, que é soberano
sobre tudo, não clame: “Meu!”.

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David Koyzis
Visões e Ilusões
Políticas (2014)

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[Kuyper] não se contentou em definir a fé


cristã somente em termos de teologia e
igreja, mas expandiu seu âmbito, encaran-
do-a como uma abrangente visão de mundo
e de vida. Esse desdobramento contrasta com os
focos principais de atenção dos calvinistas da
América do Norte e dos outros lugares, que se
preocupavam mais com questões teológicas,
como a doutrina da predestinação. Para os
seguires de Kuyper na Holanda, ser reformado
significa assumir um compromisso com o
desenvolvimento e a aplicação prática de uma
cosmovisão marcadamente cristã, que incluía a
política e outras áreas culturais e sociais.
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(Dê à fé uma voz)

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Abraham Kuyper
Palestras Stone
sobre o Calvinismo
(1898)

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Não há dúvida, então, de que o Cristianismo


está exposto a grandes e sérios perigos. Dois
sistemas de vida estão em combate mortal. O
Modernismo está comprometido em construir
um mundo próprio a partir de elementos do homem
natural, e a construir o próprio homem a partir de
elementos da natureza; enquanto que, por outro
lado, todos aqueles que reverentemente humilham-
se diante de Cristo e o adoram como Filho de Deus
vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a
“herança cristã”. Esta é a luta na Europa, está é a luta
na América, e esta também é a luta por princípios em
que meu próprio país está engajado, e na qual eu
mesmo tenho gasto todas as minhas energias por
quase quarenta anos.
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Nesta luta apologética não temos avançado um


único passo. Os apologistas invariavelmente
começam abandonando a defesa assaltada, a fim
de entrincheirarem-se covardemente em um
revelim atrás deles. Desde o início, portanto, tenho sempre
dito a mim mesmo – “Se o combate deve ser travado com
honra e com esperança de vitória, então, princípio deve ser
ordenado contra princípio. A seguir, deve ser sentido que o
Modernismo, a imensa energia de um abrangente sistema
de vida nos ataca; depois também deve ser entendido que
temos de assumir nossa posição em um sistema de vida de
poder, igualmente abrangente e extenso. E este poderoso
sistema de vida não deve ser inventado nem formulado por
nós mesmos, mas deve ser tomado e aplicado como se
apresenta na história.

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Aproximações e distanciamentos entre


Abraham Kuyper e James Orr

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Peter S. Heslam
Creating a Christian
Worldview: Abraham
Kuyper’s Lectures
on Calvinism
(1998)
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Orr argumentava que o cristianismo tinha uma


cosmovisão independente, unificada e coerente
derivada de uma crença ou princípio central, um
argumento que é virtualmente idêntico ao de
Kuyper em favor do calvinismo. Kuyper também se
assemelha a Orr em seu argumento de que as cosmovisões
modernas são expressas num sistema unificado de
pensamento, que elas são derivadas de um único princípio
e incorporadas em certas formas de vida e atividade que
são antitéticas ao cristianismo. Do mesmo modo, a
alegação de Kuyper de que a única defesa do calvinismo
contra o modernismo estaria no desenvolvimento de uma
cosmovisão igualmente abrangente, situação em que um
princípio seria contraposto a outro princípio, é quase
indistinguível do argumento de Orr acerca do cristianismo.

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David K. Naugle
Cosmovisão: a história
de um conceito
(2002)

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Aqui é onde eu vejo Kuyper e Orr


desviar em seus respectivos propó-
sitos. Por um lado, a preocupação de
Orr era esclarecer a essência da
cosmovisão cristã teologicamente;
centrando sua apresentação na
encarnação; Kuyper, por outro lado,
estava preocupado em demonstrar as
implicações da cosmovisão calvinista
culturalmente, mostrando a relevância
da teologia reformada em toda a vida.
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Abraham Kuyper
Palestras Stone
sobre o Calvinismo
(1898)

53

Para nossa relação com Deus: uma


comunhão imediata do homem com o
Eterno, independentemente do sacerdote ou
da igreja. Para a relação do homem com o
homem: o reconhecimento, em cada pessoa, do seu
valor humano em virtude de sua criação segundo a
semelhança divina e, portanto, de igualdade de todos
os homens ante Deus e seu magistrado. E para nossa
relação com o mundo: o reconhecimento de que em
todo o mundo a maldição é contida pela graça, que a
vida do mundo deve ser honrada em sua
independência, e que devemos, em cada domínio,
descobrir os tesouros e desenvolver as potências
escondidas de Deus na natureza e na vida humana.

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A Graça de
Deus para
conter a
maldição e
desenvolver
as potências
nas Ciências
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Abraham Kuyper
Sabedoria e Prodígios
(1905)

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Portanto, se o pensamento de Deus é


eterno, e se a totalidade da criação deve
ser compreendida simplesmente como o
fluxo desse pensamento divino, de tal modo que
todas as coisas vieram à existência e continuam
a existir por meio do Logos – isto é, mediante a
razão divina, ou mais particularmente, através
do Verbo –, então o caso é: o pensamento
divino se encontra incorporado em todas as
coisas criadas. Então, não há nada no universo
que deixe de expressar – de encarnar – a
revelação do pensamento de Deus.

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A essência mesma de cada coisa é


constituída por um pensamento de Deus,
de maneira que foi esse pensamento que
prescreveu para os entes criados seus modos de
existência, suas formas, seus princípios de vida,
suas destinações e seu progresso... A pessoa
descuidada não é capaz de observar na natureza e
em toda a criação nada mais do que a aparência
externa das coisas... Todos aqueles que são
instruídos pela Palavra de Deus sabem, no que
diz respeito à criação divina, que por detrás desta
natureza, atrás desta criação, existe uma operação
secreta, velada, do poder e sabedoria de Deus
58

Abraham Kuyper
Palestras Stone
sobre o Calvinismo
(1898)

59

Tão certo como cada planta tem


uma raiz, um princípio subjaz cada
manifestação da vida. Esses princípios são
interconectados e têm sua raiz comum num
princípio fundamental; e, a partir deste último,
se desenvolve lógica e sistematicamente todo o
complexo de ideias, e concepções governantes
que perfazem nossa visão de mundo e vida. Com
tal visão de mundo e de vida coerente,
firmemente ancorada em seu princípio e
autoconscistente em sua esplêndida estrutura, o
modernismo agora confronta cristianismo
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GENERAÇÃO
Necessidade de um
novo nascimento

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Abraham Kuyper
Encyclopedia of Sacred
Theology: Its Principles
(1898)

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Não somos demasiadamente enfá-


ticos, portanto, quando falamos de
dois tipos de pessoas. Ambas são
humanas, mas uma é interiormente
diferente da outra, e por consequência sente
um teor diferente vindo de sua consciência;
assim elas encaram o cosmo por diferentes
pontos de vista e são impelidas por
diferentes impulsos. E o fato de que há dois
tipos de pessoa ocasiona necessariamente
haver dois tipos de vida humana e
consciência de vida, e dois tipos de ciência.
65

Os Herdeiros
de Abraham
Kuyper no
Continente
Americano

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David K. Naugle
Cosmovisão: a história
de um conceito
(2002)

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Descrito por seus adversários como


“um oponente de dez cabeças e uma
centena de mãos” e por seus amigos
como “uma dádiva de Deus à nossa era”,
Abraham Kuyper foi verdadeiramente um
homem da Renascença, um verdadeiro gênio
tanto em assuntos intelectuais como práticos.
Notório jornalista, político, educador e teólogo
de vigor mosaico, ele é especialmente
lembrado como fundador da Universidade
Livre de Amsterdam, em 1880, e como o
primeiro ministro da Holanda entre 1901-1905.
70

Vincent E. Bacote
Introdução ao livro
Sabedoria e Prodígios
(2011)

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Não é necessário concordar plenamen-


te com uma pessoa a fim de admirá-la ou
crer que suas contribuições são de grande
valor... Embora incrivelmente visionário com
relação a alguns desenvolvimentos na
sociedade, Kuyper, todavia, não era onisciente,
de maneira que por vezes arriscava algumas
opiniões que podemos achar espantosas. Isso
talvez se torne mais claro ao observar seus
comentários com relação aos africanos e aos
“povos primitivos” que aparecem nestas
discussões sobre ciência e arte.
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Como muito de sua época, Kuyper via os


africanos como estando bem atrás dos outros
povos civilizados. Embora sua teologia enfati-
zasse a criação de todos os seres humanos segundo
a imagem divina, tais ênfases, contudo, não o
levaram a uma apreciação adequada de todos os
seres humanos. Ao passo que isto revela que Kuyper
possuía pés de barro, não é contudo justificativa
para desconsiderar a tremenda contribuição de
suas obras, tais como seus volumes sobre a graça
comum... Podemos criticar Kuyper no que ele diz
acerca de etnia e gênero, ao mesmo tempo em que
reconhecemos que tais afirmações são de fato
periféricas ao seu argumento.
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DUAS POSSIBILIDADES
De vivenciar a fé cristã
no espaço público

Individual, futurista
e extramundana
Comunitária, escatológica
e intramundana
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As Fé Cristã
como Cosmovisão
É um esforço de
apresentar a
capacidade do
evangelho de
transformar
o núcleo da
personalidade
humana e, em consequência,
atingir todas as áreas da vida

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Rodolfo Amorim
Cosmovisão: evolução do
conceito e aplicação cristã
(2006)

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O conceito de cosmovisão trouxe fortes


questões e novas implicações para o
pensamento ocidental, mobilizando
defensores e críticas em torno da discussão
sobre sua gênese, suas funções, seus
desenvolvimentos e limites. Novas
categorias de pensamento passavam a
surgir, o que despertou a atenção de
cristão que reconheciam o próprio
cristianismo como uma visão acerca do
mundo e da vida, um antagonismo a
outros sistemas de vida.
79

Entretanto, novas questões estão


intrinsecamente ligadas a essa atraente
categoria de pensamento, reclamando
cuidadosa discussão. Uma cosmovisão seria
compartilhada inconscientemente por indivíduos
ou etnias, inseridas em um contexto histórico
especifico, como afirma Hegel, ou seria construída
individualmente a partir de experiências
existenciais, como propõe Kierkegaard? A aceitação
da categoria de cosmovisão não conduziria
invariavelmente a um relativismo historicista, como
propôs Dilthey, no qual todas as formas de
concepção do mundo são igualmente válidas?

80

A centralidade do homem
volitivo conhecedor no processo
de cognição não erodiria a
objetividade da realidade externa,
conduzindo inevitavelmente a um
perspectivismo nietzschiano e ao fim
da objetividade científica? Essas
questões precisam ser exploradas por
não-cristãos e cristãos, ao lidarmos
com o conceito de cosmovisão.
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Precisamos
de um
refinamento
filosófico

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Hans Rookmaaker
(1922-1977) Bob Goudzwaard
Hendrik Van Riessen (1934-)
(1911-2000) Egbert Schuurman
(1937-)

D. H. Th. Vollenhoven Herman Dooyeweerd


(1892-1978) (1894-1977)

G. G. van Prinsterer Abraham Kuyper Herman Bavinck


(1801-1876) (1837-1920) (1857-1921)

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Hans R. Rookmaaker
O que a filosofia da
ideia cosmonômica
significou para mim
(1967)

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Lentamente, enquanto continuava


a pensar e a estudar, cresceu em
mim a consciência de um conflito
fundamental, que formulei da seguinte
maneira: posso tornar-me um cristão
e ser um intelectual atuante ao
mesmo tempo, especialmente em
filosofia? Não tinha feito uma escolha
por uma escola de filosofia específica,
mas a formulei como se fosso, por
exemplo, o kantismo.
86

Essa busca por uma intelecção foi


fundamental. Para mim, tudo
dependia disso na época. Se, como
cristãos, tivesse de deixar de pensar e
não pudesse procurar inteligir numa
dada realidade, então ser cristão era
algo difícil de aceitar. Pois é inumano
não ser permitido pensar acerca dessa
realidade. Ao mesmo tempo, percebi
que era difícil tornar o kantismo
compatível com a verdade bíblica.
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Durante aquele período decisivo, fui


apresentado ao capitão (e mais tarde
professor) Mekkes. Ouvi do capitão
Mekkes a respeito de Dooyeweerd e comecei a
ler o livro de Dooyeweerd. Aliás, devorei-o. Pois
descobri já na página 1, que alguém estava
falando e que começou exatamente com esta
questão, e oferecia uma solução clara, a saber,
que ser kantiano e se cristãos eram coisas
irreconciliáveis, mas que, não obstante, o
cristão tem uma tarefa clara, também como
filósofo. Ele afirmava que o pensamento cristão
não é fechado, mas, na verdade, é aberto.
88

Herman Dooyeweerd
(1894-1977)
New Critique of
Theoretical Thought
(1953)

89

Originalmente, estive sobre forte


influência, primeiramente da filosofia
neokantiana e, depois, da fenomeno-
logia de Husserl. A grande virada em meu
pensamento foi marcada pela descoberta da
raiz religiosa do próprio pensamento,
quando também uma nova luz foi lançada
sobre a derrocada de todas as tentativas,
incluindo a minha própria, de estabelecer
uma síntese interna entre fé cristã e uma
filosofia que é radicada na fé e na
autosuficiência da razão humana.
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Vim compreender o significado central de


“coração”, repetidamente proclamado nas
santas Escrituras, como a raiz religiosa da
existência humana. Na base desse ponto de
vista cristão central, vi a necessidade de uma
revolução no pensamento filosófico, pensada
em um caráter profundamente radical. Em
confronto com a raiz religiosa da criação, nada
menos está em questão do que como
relacionar todo o cosmo temporal, tanto nos
seus assim chamados aspectos “naturais”
como nos “espirituais”, a esse ponto de
referência.
91

92

O idealismo alemão
fincou as raízes da ideia
de Weltanschauung,
desde a mera “intuição
sensível do mundo”
em Kant, até Hegel que
diz ser “a razão que
une essa totalidade
objetiva à totalidade
subjetiva para formar
uma intuição de
mundo infinita”.

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Herman Dooyeweerd
(1894-1977)
New Critique of
Theoretical Thought
(1953)

94

De um ponto de vista cristão,


toda a atitude do pensamen-
to filosófico que proclama a
autossuficiência do próprio
pensamento, torna-se
inaceitável, porque ela retira o
pensamento humano para
longe da revelação divina em
Cristo Jesus.
95

Necessidade de uma
crítica transcendental
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Nós temos visto em um breve


contexto, que esse assim
chamado “sujeito transcendental”
não é nada mais que a absolutização
da função lógica do pensamento, e
que essa absolutização é inspirada
pelo motivo base Humanista,
implicando a autonomia do
pensamento humano.

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O que é típico nessa e em


classificações similares de “visão
de mundo e de vida” é que elas,
são construídas de pontos de partida
imanentes, obliterando a única
verdadeira antítese radical; isto é, que
entre a imanência e o ponto de
partida cristão transcendente; e
tentam submeter o ponto de partida
cristão em filosofia sob um dos muitos
“-ismos” da filosofia da imanência.
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Hans R. Rookmaaker
Os princípios básicos
da filosofia da ideia
cosmonômica
(1947)

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Abstrair algo quer dizer retirar, no


pensamento teórico, uma parte da
coerência da realidade temporal. Por
exemplo, se fizer isso com a função psíquica,
chegará ao psicologismo, como no
romantismo. No caso da função lógica, tornar-
se-á reine Vernunft, pensamento puro (como
exposto por Kant e muitos outros). Este
processo também pode ser aplicado à função
física (como nos materialistas extremamente
consistentes), à função biótica (como no
vitalismo, por exemplo...
100

É aí que as pessoas se prostram diante


de uma abstração, feita por eles mesmos,
enquanto transgridem o segundo manda-
mento de Deus. Filósofos cristãos, contudo, não
deveriam absolutizar um dos aspectos da
realidade, porque conhecem o Deus verdadeiro.
Não distorcem a realidade e, deste modo, só eles
podem chegar a uma verdadeira compreensão
da realidade, pela luz da palavra de Deus. E se,
como filósofos cristãos, humildemente realizamos
nossa tarefa na arena acadêmica, em submissão a
ele, orando para que nos ajude com seu Espírito
no trabalho para o qual nos chamou
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Willem J. Ouweneel
Coração e Alma
(1984)

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Desde tempos imemoriais, inventou-se


todo tipo de nome para designar aquele
ponto de unidade [do ser humano].
Entre eles havia: alma, espírito, ego,
personalidade, “eu”, o ser. De minha parte,
prefiro usar o termo que a Bíblia
geralmente aplica para esse ponto, ou seja,
o coração. É claro que devemos ter em
mente que mesmo esse termo é apenas
uma imagem. A Bíblia quase nunca se
refere ao órgão que bombeia o sangue
quando usa a palavra “coração”.
103

Concepções não cristãs do homem


geralmente procuram localizar esse “eu”
ou ego em uma das estruturas humanas.
Consequentemente, alguns declaram que a
vida espiritiva (ou, por vezes, sensível), ou
mesmo a vida biótica, ou a pura matéria como
sendo aquilo que é o mais fundamental do
homem. Mas todos esses pontos de vista
resultam em erro. O ego não é uma “parte” do
homem, e sim aquele “ponto” em que todas
as “partes” se unem e encontram unidade. Na
verdade, ele é o ponto de onde o homem
transcende toda a sua diversidade temporal.
104

Portanto, o coração é a parte mais


profunda, o próprio núcleo interno,
real e essencial, da personalidade
humana. Visto dessa maneira, o coração
tem enorme importância religiosa. “Religião”
(aqui definida como a adoração e o serviço
seja a Deus seja a um ídolo qualquer) não é
apenas uma questão de uma estrutura humana
especial ou de uma “parte” do homem. O
coração está totalmente inacessível à
psicologia e só pode ser conhecido por meio
da revelação da Palavra de Deus.
105

35
04/04/2020

Hans R. Rookmaaker
O que a filosofia da
ideia cosmonômica
significou para mim
(1967)

106

Uma observação final: experi-


mentei pessoalmente como a
filosofia da ideia cosmonômica tem
importância evangelística. Estamos
suficientemente conscientes disso? E
estamos usando-a o bastante?
Percebemos, por exemplo, o quanto é
importante a obra de catedráticos
bem posicionados na Universidades
do Estado e também daqueles na
Universidade livre?
107

108

36
04/04/2020

Herman Dooyeweerd
(1894-1977)
New Critique of
Theoretical Thought
(1953)

109

Como devemos então, do nosso ponto de


vista, determinar a relação entre filosofia
e uma “visão de vida e de mundo”? Come-
çamos colocando em primeiro plano que o
conceito de “visão de vida e de mundo” é
erguido acima do nível de representações
vagas, carregadas com ressentimento ou com
veneração exagerada, somente se for entendido
dentro do sentido que ele é necessariamente
inerente nele como uma visão da totalidade.
Uma impressão individual da vida, alimentada a
partir de uma certa esfera de convicções, não é
uma “visão de vida e de mundo”.
110

A genuína visão de mundo e de vida


tem, sem dúvida, uma estreita
afinidade com a filosofia, pois se
dirige essencialmente à totalidade do
sentido de nosso cosmo. Uma visão de
mundo e de vida também implica um ponto
arquimediano. Assim como a filosofia, ela
tem seu motivo-base religioso. Como a
filosofia, ela requer o compromisso
religioso de nossa personalidade [selfhood].
Ela tem sua própria atitude de pensamento.

111

37
04/04/2020

Contudo, ela não é, como tal, de


caráter teórico. Sua visão da totali-
dade então não é teórica, mas sim pré-
teórica. Ela não concebe a realidade em
seus aspectos modais abstraídos de
significado, mas, antes, em estruturas
típicas da individualidade que não são
analisados de uma forma teórica. Ela não
está restrita a uma categoria especial de
“pensadores filosóficos”, mas se aplica a
todos, os mais simples aqui incluídos.

112

Portanto, é totalmente errado ver na filosofia


cristã [sistema de ideias] apenas uma visão de
mundo e de vida filosoficamente elaborada.
Fazê-lo seria um mal-entendido fundamental acerca
dos verdadeiros relacionamentos. A Palavra-
revelação divina dá ao cristão uma visão de mundo
e de vida tão pouco detalhada, como também uma
filosofia cristã pouco detalhada; todavia, dá a ambos
simplesmente sua direção a partir do ponto de
partida em seu motivo básico central [o coração].
Mas essa direção é de fato radical e integral,
determinando todas as coisas. O mesmo vale para a
direção e visão que os motivos religiosos apóstatas
dão à filosofia e a visão de mundo e de vida.
113

Portanto, a filosofia e uma visão de


vida e mundo estão, na raiz,
absolutamente unidas entre si, mesmo
que não sejam identificadas. A filosofia
não pode tomar o lugar de uma visão de
vida e mundo, nem o reverso, porque a
tarefa de cada uma é diferente. Cada uma
delas deve ser compreendida mutuamente
a partir de sua raiz religiosa comum.
Entretanto, com certeza, a filosofia deve
ter uma abordagem teórica de uma visão
de vida e mundo.
114

38
04/04/2020

Expressões culturais
Ideias, Artefatos Culturais,
Instituições e Movimentos

Ciências
Humanas e Naturais
Teórico
Reflexão
Filosófica
Pré- Experiência
Ordinária
Teórico Relação cotidiana
com a realidade
Cosmovisão
Motivos básicos que nos
fornecem uma imagem do mundo
Supra Regeneração
Teórico A mudança na direção
do coração humano

115

Jacob Klapwijk
On Worldviews and
Philosophy
(1999)
116

Dooyeweerd não conclui que toda filosofia


e toda teoria são necessariamente pré-
condicionadas pela herança histórica e
cultural de alguma cosmovisão. Em vez
disso, conclui que a única (e necessária)
precondição da filosofia e da teoria são as
condições e compromissos últimos do
coração humano, que caiu em pecado, o
qual ou ainda está nessa condição ou foi
renascido e restaurado pelo Espírito de
Deus.
117

39
04/04/2020

Assim, não existe nenhum pluralismo


histórico de cosmovisões na base da
filosofia e teoria, mas apenas dois
motivos-base “religiosos” em oposição
antitética. Essa antítesse “religiosa”, por
exemplo, de homem convertido a deus
versus homem desviado de Deus, é
decisiva para toda a vida e todo o
pensamento.

118

Herman Dooyeweerd
(1894-1977)
New Critique of
Theoretical Thought
(1953)

119

A filosofia nunca estará em


posição de substituir a visão de
vida e mundo. Não pode fazê-lo pelo
mesmo motivo que não é possível
substituir a experiência ordinária por
conhecimento teórico. Há um resíduo
de imediatismo vivo em toda visão de
vida e mundo, que deve
necessariamente escapar dos
conceitos teóricos.

120

40
04/04/2020

uma autêntica visão de vida e mundo nunca


é um sistema; não que ela se perca na fé e
no sentimento, mas porque, no entanto,
deve permanecer concentrada na realidade
concreta. Isso é exatamente o que o
pensamento teórico e sistemático, como tal, não
pode fazer. Uma visão de vida e de mundo não
tem universalidade no sentido de um sistema
(filosófico). Não tem um caráter "fechado" ... É
necessário que ela permaneça continuamente
aberta para cada situação concreta da vida, na
qual se encontra colocada. Sua unidade mais
profunda reside apenas na sua raiz religiosa.

121

A validade universal a que se


baseiam os primeiros julgamen-
tos depende do acordo ou do
desacordo com a unidade religiosa
central da lei divina, tal como é
revelada na Palavra de Deus, e ao qual
está sujeita ao julgamento da sua
personalidade no coração de sua
existência, quanto à lei de
concentração religiosa de sua
existência temporal.
122

Roy Clouser
O Mito da
Neutralidade Religiosa
(1991)

123

41
04/04/2020

A enorme influência de crenças religiosas


continuam, no entanto, em grade parte
escondida do olhar casual; sua relação com o
restante da vida é como a das grandes placas
geológicas da superfície da terra com os continentes
e oceanos. A movimentação dessas placas não é
visível em uma inspeção eventual de alguma religião
em particular e só pode ser detectada com muita
dificuldade. No entanto, essas placas são tão
imensas, com um poder tão impressionante, que
seus efeitos visíveis – cordilheiras, terremotos e
erupções vulcânicas – não passam de pequenas
manchas na superfície quando comparados com as
próprias poderosas placas.
124

125

Kevin J. Vanhoozer
Quadros de uma
Exposição Teológica
(2016)

126

42
04/04/2020

Poetas medievais, diferentemente de


suas contrapartes pós-modernas, não
precisavam usar a linguagem para
construir a realidade social. Não havia
necessidade de criar sentido ou inventar
aspectos novos e surpreendentes para as
coisas; bastava testemunhar as riquezas a elas
inerentes. Os poetas medievais não queriam
ser “originais”, apenas fazer jus ao assunto em
si. Um quadro da imaginação poética
proveniente do gênio individual mantém os
modernos cativos. Tendemos a nos concentrar
no poeta, em sua experiência e criatividade.
127

128

O conceito medieval e
completamente diferente: o
aspecto central na poesia não é a
experiência, a criatividade ou o gênio do
poeta, mas a coisa para a qual o poema
aponta. Os adoradores modernos da
personalidade celebram o poeta, ao passo que
no modelo medieval os poetas apenas são
ministros das coisas – as presenças reais – que
importam de verdade. A imaginação não é
apenas uma faculdade para a criação de
imagens, mas, muito mais importante que isso,
129

43
04/04/2020

a faculdade para a criação ou


descoberta de ligações e formas
dotadas de sentido. A razão analítica
desmembra as coisas; a imaginação sintética as
une. Pense na imaginação como um poder
“formador”: a habilidade de criar ou perceber
totalidades dotadas de sentido e forma
coerentes. A imaginação é, pois, um auxilio vital
no discernimento da adequação – modo como as
partes “pertencem” ao todo. Em particular, a
igreja precisa da imaginação instruída pela bíblia
para perceber, como, na plenitude do tempo,
todas as coisas “convergiram” em Cristo (Ef. 1.10).
130

131

Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca


desce para o ventre, e é lançado fora?
Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso
contamina o homem. Porque do coração procedem os
maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação,
furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas
que contaminam o homem; mas comer sem lavar as
mãos, isso não contamina o homem.

Mateus 15.17-20

132

44
04/04/2020

James W. Sire
Dando nome ao
elefante
(2004)

133

Durante quase cinquenta anos,


tenho buscado pensar em termos de
cosmovisão... Há muito tenho me interes-
sado em detectar os compromissos intelectuais
básicos que fazemos como seres humanos...
Após a publicação da primeira edição de O
Universo ao lado, em 1976, surgiram
comentários ocasionais em resenhas de livros e
entre meus amigos sobre a definição de
cosmovisão que eu havia dado. Em 1984 eu
editei o livro A visão Transformadora de Brian
Walsh e Richard Middleton; em certo sentido
sua abordagem era diferente da minha;
134

Além disso, em 1989, o conceito foi analisado


em Stained Glass, editado por Paul Marshall,
Sander Griffoen e Richard Mouw, uma impor-
tante coleção de ensaios focalizando a natureza das
cosmovisões por parte de estudiosos engajados em
análise cultural e intelectual... O principal estímulo,
no entanto, é o meu crescente sentimento de
insatisfação pelo modo superficial com que tenho
lidado com o conceito de cosmovisão. A definição
nas três primeiras edições de O universo ao Lado
parece-me agora inadequada. O presente livro
tenta corrigir isso ao tratar uma série de perguntas
problemáticas não abordadas por mim antes.

135

45
04/04/2020

A primeira é o reconhecimento que


cosmovisão não é só um conjunto de
conceitos básicos, mas uma orientação
fundamental do coração. A segunda é a insistência
explícita em que na raiz mais profunda de uma
cosmovisão está seu compromissos para um
entendimento “realmente real”. A terceira é uma
consideração sobre o comportamento na
determinação que consistirá realmente a
cosmovisão da própria pessoa ou de terceiros. A
quarta é um entendimento mais amplo de como as
cosmovisões são compreendidas como narrativas,
e não apenas como proposições abstratas.
136

Vamos Definir Cosmovisão


137

James Sire
Dando nome ao
elefante
(2004)

138

46
04/04/2020

Uma cosmovisão é um compromisso,


uma orientação fundamental do
coração, que pode ser expresso como
uma narrativa ou um conjunto de
pressuposições (suposições que podem ser
verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou
totalmente falsas) que sustentamos
(consciente ou subconscientemente,
consistente o inconsistentemente) sobre a
constituição básica da realidade, e que
fornece o fundamento no qual vivemos,
nos movimentos e existimos.
139

James Sire
Dando nome ao
elefante
(2004)

140

Em primeiro lugar, cosmovisão não é


fundamentalmente um conjunto de
proposições ou uma teia de crenças. Ou
seja, não é antes e tudo uma questão de
intelecto. Tampouco é fundamentalmente uma
questão de linguagem ou um sistema semiótico
de sinais narrativos... a essência de uma
cosmovisão reside profundamente nos
recônditos interiores do eu humano. Ela é uma
questão da alma, e é representada mais como
uma orientação, ou talvez disposição, espiritual
do que como uma questão de mentes apenas.

141

47
04/04/2020

Sonda-me, ó Deus, e conhece o


meu coração; prova-me, e conhece
os meus pensamentos. E vê se há
em mim algum caminho mau, e
guia-me pelo caminho eterno.

Salmos 139.23-24

142

David K. Naugle
Cosmovisão: a história
de um conceito
(2002)

143

Como imagem e semelhança de


Deus, as pessoas são animadas
subjetivamente a partir do âmago
e em todo o seu ser por uma faculdade
elementar do pensamento, afeição e vontade
que a Bíblia chama de “coração”. Em hebraico,
“coração” (leb, lebab) pode ter sido derivado
de uma antiga raiz semita que significa
“pulsação”, o que sugere um significado
original temático. Ocorre, aproximadamente,
855 vezes no A.T., onde representa “todos os
aspectos de uma pessoa”.
144

48
04/04/2020

Em segundo lugar, dentro do coração


procedem as fontes da vida. Antes que
as fontes da vida fluam do coração,
algo deve primeiro e inclusive continuar fluindo
dentro dele. O coração não expressa a vida
dentro dele somente, mas também recebe do
exterior [as três relações básicas de Kuyper]. As
cosmovisões, de uma forma ou de outra, são
sempre obras em progresso. Ao longo da vida,
portanto, o coração não apenas dá, mas recebe,
e o que flui para dentro do coração a partir do
mundo externo finalmente determina o que flui
para fora no curso da vida.
145

James Sire
Dando nome ao
elefante
(2004)

146

Em segundo lugar, cosmovisão é um


compromisso mas não um compromisso
que é necessariamente resultado de uma
decisão consciente. Estamos comprometidos
quando agimos em direção a um fim mesmo
quando inconscientes de nossos motivos ou
objetivos para os quais nossas ações tendem. O
caráter desse compromisso determina o caráter e
direção da vida da pessoa. Esse compromisso é
geralmente subconsciente, mas pode se tornar
consciente pela autorreflexão. A própria análise
de cosmovisão pode nos ajudar a nos tornar mais
conscientes do que esse compromisso tem sido.

147

49
04/04/2020

Os propósitos do coração do
homem são águas profundas,
mas quem tem discernimento
os traz à tona.

Provérbios 20:5

148

Porque a palavra de Deus é viva e eficaz,


e mais penetrante do que espada
alguma de dois gumes, e penetra até à
divisão da alma e do espírito, e das
juntas e medulas, e é apta para discernir
os pensamentos e intenções do coração.

Hebreus 4.12
149

Abraham Kuyper
A Obra do Espírito
Santo
(1900)

150

50
04/04/2020

Na regeneração, Deus realiza,


nesse centro controlador do
nosso ser, um ato maravilhoso,
convertendo essa natureza, essa forma
formativa, em algo inteiramente diferente.
Consequentemente, nosso ser, operação e
fala são, daí em diante, controlados por
um outro mandamento, lei de vida e
governo, e essa nova força formativa
cinzela outro homem em nós, novo e santo,
um filho de Deus criado em justiça.

151

Nesse sentido, a regeneração é o


ponto de partida. Deus se aproxima
de uma pessoa nascida em iniquidade
e morta em seus delitos e pecados e
planta o princípio de uma nova vida
espiritual em sua alma... Mas essas
mudança não é completada de uma só
vez... mas, quando ela começa a
funcionar, a operação é de acordo com
a natureza da nova vida.

152

Por que uma narrativa é


preferível nesse caso?

153

51
04/04/2020

Michael Horton
Doutrinas da Fé
Cristã
(2011)

154

Quando alguém nos pede para explicar


quem somos, nós contamos uma história.
Ademais, interpretamos nossas narrativas
pessoais como parte de um enredo maior.
Quem somos? Por que estamos aqui? Para onde
estamos indo? Qual é o objetivo? Existe um
Deus e, em caso afirmativo, é possível conhecê-
lo? Por que existe mal no mundo? As questões
mais importantes, que exigem uma análise
intelectual mais rigorosa, são realmente
doutrinas que emerge de uma história particular
que nós ou pressupomos ou aceitamos com
convicção explícita.
155

O drama determina as grandes perguntas,


bem como as respostas. As doutrinas são
convicções que emergem à luz desse drama.
Pessoas não ajuntam suas crenças uma a uma,
empilhando uma sobre a outra. Em vez disso, há
certa limitação nas crenças que uma pessoa
específica está disposta a aceitar dada a
plausibilidade do paradigma (ou drama) que ele
ou ela no momento assuma como verdadeiro.
Não menos do que o cristianismo, o marxismo, o
capitalismo, a democracia e o totalitarismo, o
feminismo e o fascismo são, de fato, histórias
que envolvem compromisso pessoal
156

52
04/04/2020

A fé cristã é, em primeiro lugar e


acima de tudo, um drama, uma
peça de teatro em ação... Essa
história que vai de Gênesis a
Apocalipse, centrada em Cristo, não
apenas informa nossa mente de
maneira rica; ela cativa o coração e
a imaginação, animando e
motivando nossa ação no mundo.
157

Kevin J. Vanhoozer
Quadros de uma
Exposição Teológica
(2016)

158

É difícil negar a extensão com que


a filosofia e a cultura contem-
porânea tornam-se, de modo geral,
“teatrais”. Em outra parte descrevi o
momento presente como “a virada em
direção ao drama”. A “virada” é a
reorientação radical, a mudança de
paradigmas que altera o modo como as
pessoas, em uma variedade de
disciplinas, percebem a si mesmas e o
mundo.
159

53
04/04/2020

A virada em direção ao drama é a


culminação de três viradas
anteriores. A virada à linguagem.
Provavelmente o maior acontecimento
na filosofia do século XX foi a virada à
linguagem. Passaram a considerar a
linguagem o meio do pensamento e da
existência. Ela reconhece algo anterior e
mais profundo que o sujeito cognoscente
que serve como estrutura de referência
para a razão e a experiência humana.
160

A virada à narrativa. Visto que


somos seres-no-tempo, com
passado e futuro, bem como presente,
nossa vida possui qualidade narrativa
irredutível. Com efeito, o filósofo Paul
Ricouer crê que a narrativa é o único
modo de articular a identidade humana
ao longo do tempo. As narrativas
também são indispensáveis para moldar
a identidade de uma comunidade.

161

A virada à prática tradicionalizada.


Após a virada à narrativa, a raciona-
lidade encontra-se atada não à natureza
humana partilhada com todos, mas à tradição
compartilhada pela história. As narrativas
geram tradições que, por sua vez, geram
certas práticas: um conjunto de atividades
compartilhadas por um grupo social e voltado
para um propósito social. A pessoa não é mais
uma mente desencarnada (em oposição a
Descartes), mas o agente que age, junto com
outros, no mundo cultural-linguístico.
162

54
04/04/2020

Kevin J. Vanhoozer
O Drama da
Doutrina
(2005)

163

O drama da doutrina defende


não haver tarefa mais urgente
na igreja do que demonstrar a
compreensão da fé por meio de uma
vida correta com os outros diante de
Deus. Este livro apresenta novas
metáforas para a teologia (dramaturgia),
para as Escrituras (o roteiro), para a
compreensão teológica (atuação), para a
igreja (a companhia) e para o pastor (o
diretor).
164

O evangelho é “teodramático” –
uma série de entradas e saídas
divinas, em especial aquilo que diz respeito
ao que Deus fez em Jesus Cristo. A igreja é
uma companhia de atores reunidos para
atuar em cenas do reino de Deus em prol
de um mundo de espectadores. Portanto, a
direção da doutrina nos capacita, como
indivíduos e como igreja, a tornar público o
evangelho ao viver nossa vida como
imitação criativa de Cristo.
165

55
04/04/2020

Kevin J. Vanhoozer
Quadros de uma
Exposição Teológica
(2016)

166

O cristianismo não é uma filosofia


nem um sistema de moralidade.
Estes são apenas subprodutos do
aspecto central: o evangelho, o
anúncio das boas novas de que Deus
agiu na história de Jesus, cumprindo
sua palavra e demonstrando sua
retidão, um Deus de amor constante e
fidelidade. O cristianismo é em
essência um teodrama: uma ação
divina.
167

Os discípulos precisam não só de


entendimento teórico, mas
teodramático: a apreensão não
só do que Deus disse e fez, mas também
do que se deve dizer e fazer em resposta,
com o intuito de participarmos de forma
correta da ação. Apenas por meio dessa
participação correta se podemos
demonstrar que de fato entendemos. A
demonstração do entendimento cristão é,
em si, necessariamente dramática.
168

56
04/04/2020

169

170

171

57
04/04/2020

172

173

Devocional
Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me
dada toda a autoridade no céu e na terra.
Portanto, vão e façam discípulos de todas as
nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e
do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a
tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre
com vocês, até o fim dos tempos”.

Mateus 28.18-20

174

58
04/04/2020

175

Herman
Dooyeweerd
(1894-1977)
Raízes da cultura
ocidental (1963)

176

O desenvolvimento da cultural ocidental


tem sido controlado por vários motivos
religiosos básicos. Os mais importantes
desses poderes foram o espírito da civilização
antiga (Grécia e Roma), o cristianismo e o
moderno humanismo. Uma vez que cada um
destes encontrou na história, permaneceu
em tensão com os outros. Essa tensão nunca
foi resolvida por um tipo de “equilíbrio de
poderes”, porque o desenvolvimento
cultural, para que possa ser ininterrupto,
sempre exige um poder dominante.
177

59
04/04/2020

O motivo grego Matéria e Forma

178

Guilherme de Carvalho
Cosmovisão Cristã e
transformação
(2006)

179

A religião pré-homérica era uma forma


primitiva de culto à natureza, ou a “mãe-
terra”. Essa religião cultuava o fluxo orgânico
da vida e morte... O motivo da forma é o
centro da religião olímpica... Era centrada na
harmonia, na beleza e na permanência
eterna. Essa é a situação dos deuses, que
têm uma forma eterna idealizada... Somente
em Platão e Aristóteles a polaridade entre os
motivos matéria e forma chegou a uma
estabilidade, com a assimilação do motivo da
matéria no da forma.
180

60
04/04/2020

181

Guilherme de Carvalho
Cosmovisão Cristã e
transformação
(2006)

182

Na segunda metade da era medieval,


alguns teólogos cristãos, dos quais o
mais proeminente foi Tomás de Aquino,
tentaram realizar uma síntese da
teologia cristã com a concepção
aristotélica de natureza. Surgiu assim o
motivo-base escolástico natureza/graça,
que introduzia no interior do
pensamento cristão a dualidade
matéria/forma, inicialmente.
183

61
04/04/2020

184

O motivo Humanista Natureza e Liberdade

185

Guilherme de Carvalho
Cosmovisão Cristã e
transformação
(2006)

186

62
04/04/2020

A marca principal do humanismo é a noção


de que o homem encontrará suas realização
plena por meio de uma libertação plena de toda
opressão... Ao lado de uma valorização crescente
do homem e da liberdade humana, os humanistas
defendiam o controle racional da realidade...
Conforme esse dualismo moderno, o homem é
essencialmente um espírito racional, ansiando por
liberdade para se realizar. Mas o principal
obstáculo a essa realização é a natureza, que
impõe limitações à liberdade. O homem entra
então em uma luta com a natureza, buscando
controlá-la por meio da tecnologia.

187

188

189

63
04/04/2020

190

O que é a Realidade?

191

Sociedade sem absolutos

192

64
04/04/2020

Música
pop

193

194

195

65
04/04/2020

Guilherme de Carvalho
Cosmovisão Cristã e
transformação
(2006)

196

O motivo bíblico nasceu da revelação redentora


de Deus ao homem, consumada na pessoa
de Jesus Cristo e aplicada pelo Espírito Santo. Essa
revelação nos fornece as estruturas fundamentais de
uma cosmovisão cristã. Em primeiro lugar, ela
reconhece todo o cosmo como criação de Deus. Deus
é a única origem absoluta... A queda do homem
alienou toda a criação de Deus. Não destruiu a
própria estrutura da criação, nem tornou nenhum de
seus aspectos essencialmente maligno, mas a colocou
numa direção de apostasia... A redenção, consumada
por Jesus Cristo, envolve a recriação do homem, como
“novo homem” em si mesmo, e, com isso, o
redirecionamento da criação para Deus.

197

Michael Goheen
Craig Bartholomew
O Drama da Escritura
(2013)

198

66
04/04/2020

199

200

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67
04/04/2020

202

203

204

68
04/04/2020

Herman
Dooyeweerd
(1894-1977)
Raízes da cultura
ocidental (1963)

205

O motivo básico bíblico da religião


cristã – criação, queda e redenção por
meio de Cristo Jesus – opera por meio
do Espírito de Deus como força motriz
na raiz religiosa da vida temporal.
Assim que toma conta de nós por
completo, promove uma conversão
radical da nossa posição diante da vida
e de toda concepção da vida temporal.

206

Percebem que nada na realidade criada


fornece alicerces nem uma base sólida
para a sua existência. Compreendem como a
realidade temporal e seus aspectos e suas
estruturas multifacetadas e cheias de
nuances estão concentrados como um todo
na comunidade básica religiosa da dimensão
espiritual da humanidade. Veem que a
realidade temporal procura incansavelmente
sua origem divina no coração humano, e
compreensão que a criação não pode
descansar até que ela descanse em Deus

207

69
04/04/2020

Citação da Nwe Critique, sobre os


vários estudiosos, p. IX

208

Desenvolvimentos específicos
Hans Rookmaaker Egbert Schuurman
James K. A. Smith
David Koyzis

Vincent Bacote

Calvin Seerveld Gerrit Glas Janet C. Wesselius

Bob Goudzwaard

209

210

70
04/04/2020

211

212

213

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Uma das maneiras mais interes-


santes de se obter uma compreen-
são geral da história cristã (embora
existam muitas outras) é examinar
momentos críticos de transição dessa
história. A identificação desses momentos
críticos é um exercício subjetivo, pois as
decisões de um observador sobre quais são
esses pontos de transição importantes
depende inevitavelmente daquilo que o
observador considera importante
3

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O estudo da história da igreja


também é útil como um laboratório
para o exame das interações cristãs
com a cultura circundante... Sobre uma
questão que pode ter consequências de
vida ou morte, os cristãos modernos
enfrentam escolhas difíceis acerca de como
viveremos como crentes em diferentes
situações políticas. Novamente, a história
do cristianismo não pode oferecer respostas
definitivas, mas pode proporcionar um
conjunto de cenários contrastantes.
4

A despeito de uma história


emaranhada, a promessa
do Salvador acerca da
igreja tem sido cumprida:
“As portas do inferno não
prevalecerão contra ela”
(Mt 16.18). Mas essa
história confusa aponta
exatamente para a razão
por que o cristianismo tem
persistido: “Eu edificarei a
minha igreja”
5

Meta História do Conflito entre


Cosmovisões no Ocidente
6

76
04/04/2020

Quando finalmente, a pergunta


é feita sobre a causa mais
profunda de desarmonia no
processo de desdobramento da
história, somos confrontados com o
problema concernente ao
relacionamento entre fé e cultura e
com os motivos básicos religiosos que
operam na esfera central da vida
humana.
8

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04/04/2020

A causa que deu origem à fé


cristã e à doutrina cristã foi e
é um homem chamado Jesus,
que surgiu na Terra Santa no tempo
do imperador Tibério e foi crucificado
sob o procurador romano Pôncio
Pilatos. Jesus é o explicandum
fundamental da teologia cristã. Ele é
algo e alguém que requer explicação.

10

A doutrina cristã não está interes-


sada, em primeiro lugar, nos
insights de Jesus de Nazaré, e
sim nos insights da comunidade de fé a seu
respeito. Mas como pôde esse Jesus ser
colocado no mapa da linguagem sobre
Deus e a humanidade? Como puderam os
padrões de pensamento e os modos de
reflexão então existentes ser empregados
para exprimir a importância de Jesus como
portador do juízo e da renovação divinos?
11

Na tentativa de demarcar a
importância de Jesus em tais
fórmulas está a origem da
doutrina cristã. Isso porque a repetição fiel e
acrítica das fórmulas, por mais conveniente que
possa ter sido para a afirmação litúrgica da
fidelidade às comunidades cristãs primitivas, foi,
paulatinamente, se tornando inadequada como
meio de preservação da continuidade com a
igreja apostólica, exceto no nível meramente
formal. A necessidade de um “renascimento de
imagens” subjaz à gênese da doutrina.

12

78
04/04/2020

13

14

Desejamos estabelecer, de início,


que o verdadeiro conhecimento
de Deus e de nós mesmos
ultrapassa todo pensamento teórico. Esse
conhecimento não pode ser objeto teórico,
seja de uma teologia dogmática seja de uma
filosofia cristã. Ele pode apenas ser
adquirido pela operação da palavra de Deus
e do Espírito Santo no coração, ou seja, na
raiz e centro religioso de nossa existência e
experiência humana em sua inteireza.
15

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04/04/2020

Sendo uma ciência, a teologia


dogmática está limitada à
atitude teórica do pensamento...
Essa atitude teórica surge tão logo opomos o
aspecto lógico de nosso pensamento aos
aspectos não lógicos de nossa experiência...
Em outras palavras o objeto científico
apropriado da teologia dogmática pode ser
delimitado unicamente por meio de um
aspecto modal especial de nosso horizonte
temporal da experiência. Esse aspecto não
pode ser outro senão o aspecto da fé.
16

A teologia dogmática é uma ciência


muito perigosa. E sua elevação a um
mediador necessário entre a palavra de
Deus e o crente constitui-se em uma idolatria
e demonstra uma incompreensão
fundamental em relação à sua posição e
caráter real. Se a nossa salvação é dependente
da teologia dogmática e da exegese, estamos
perdidos. Pois ambos são o trabalho humano,
susceptíveis a todos os tipos de erros,
discordâncias de opiniões e heresias.

17

Alister McGrath
A Gênese da Doutrina
(1990)

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04/04/2020

Portanto, não se deve encarar a


doutrina como um distancia-
mento alienante do evangelho;
trata-se antes, do desenvolvimento de
um nível mais avançado de consciência
interpretativa dentro da comunidade
cristã. A mera repetição das fórmulas
neotestamentárias precisava dar lugar a
algo mais complexo, alguma coisa mais
ameaçadora e desafiadora: a
formulação da doutrina, como síntese.
19

Embora alguns autores do período da


Reforma tratassem as Escrituras como um
livro-fonte de doutrina (Melanchthon),
surgiu recentemente uma tendência, plenamente
justificável, de acentuar o caráter narrativo do
material escriturístico. Ao indagarmos a respeito
da importância de Jesus de Nazaré,
questionamos de que modo a narrativa a seu
respeito pode ser interpretada em nossa
situação. A doutrina, portanto, diz respeito à
interpretação dessa narrativa, analisando e
ampliando padrões de interpretação que já
coexistem com essa narrativa.
20

21

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04/04/2020

22

Alister McGrath
A Gênese da Doutrina
(1990)

23

A expansão do cristianismo
para o contexto helenístico
nos primeiros séculos de sua
história elucida esse ponto: raras
vezes, se é que isso ocorreu, foi
possível simplesmente “usar”
elementos da cosmovisão helênica,
que traziam consigo um conjunto de
associações e valores. Contudo, quais
deles deviam ser negados e aceitos?
24

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04/04/2020

A decisão de passar da
repetição ou reiteração das
Escrituras para a exposição
doutrinária através de uma linguagem
e de uma estrutura conceitual já
existente trazia inevitavelmente
consigo a demanda de um
compromisso com a visão, ou série de
visões, da realidade associada àquela
linguagem e estrutura conceitual.
25

Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

26

Em toda religião podemos


apontar para um motivo básico
exercendo essa força. É uma força
que atua como mola mestra espiritual da
sociedade humana. É uma força
orientadora absolutamente central
porque, a partir do centro religioso da
vida humana, governa as expressões
temporais. No sentido mais profundo
possível, determina toda a maneira de
viver da sociedade e sua visão de mundo.
27

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04/04/2020

O desenvolvimento da cultura
ocidental tem sido controlado por
vários motivos religiosos básicos.
Uma vez que cada um destes entrou
na História, permaneceu em tensão
com os outros. Essa tensão nunca foi
resolvida por um tipo de “equilíbrio de
poderes” [dialética], porque o
desenvolvimento cultural, para que
possa ser ininterrupto, sempre exige
um poder predominante
28

Alister McGrath
A Gênese da Doutrina
(1990)

29

A natureza dessa interação talvez


seja mais sutil do que normalmente
se imagina. Erramos ao não levar em
conta as pressões que confrontavam
os primeiros pensadores cristãos
quando pensamos neles como pessoas
que simplesmente incorporaram
visões filosóficas ou civis preexistentes
dos atributos divinos. É preciso
reconhecer a existência de uma
influência potencialmente mais sutil.
30

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04/04/2020

As convenções que prevaleciam


na época sobre a natureza do discurso
informado relativo a um assunto de tal
importância quanto o era a natureza da
divindade, e a maneira que tal discurso devia
ser regulado e articulado. A maneira que o
discurso referente a Deus era conduzido pela
filosofia pagã era, até certo ponto, tida como
modelo pelos teólogos cristãos. A interação
entre teologia cristã e a filosofia pagã, portanto,
ocorreu nos campos da gramática e da lógica
tanto quanto no nível das conceitualidades.
31

O resultado histórico do conflito


quanto sobre a avaliação das
conceitualidades contribuiu de forma
substancial para as grandes controvérsias
doutrinárias da era patrística. A formulação
doutrinária trazia consigo não apenas um
convite, mas também uma exigência de
revisão dos horizontes intelectuais, para
que a tradição cristã entrasse em contato
com as cosmovisões do seu entorno – seja
para transformá-las, seja para ratificá-las.
32

Por um lado, era necessário ir


além dos insights das Escrituras
para fazer frente aos novos desafios
intelectuais postos diante das comunidades
cristãs; por outro lado, era necessário garantir
que essas extensões do vocabulário
escriturístico e da estrutura conceitual
estivessem de acordo com seus insights
fundamentais. A rejeição absoluta da inovação
ou do desenvolvimento era uma impossibilidade,
porque só assim o cristianismo seria entendido
como uma opção intelectual genuína.

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04/04/2020

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04/04/2020

Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

37

É absolutamente necessário o motivo


básico grego primeiro, visto que, apesar
de suas modificações, continuou e
continua até hoje a operar tanto no catolicismo
romano quanto no humanismo. Esse motivo o
controlou o pensamento e a civilização gregos
desde o surgimento das cidade-Estados gregas.
Ele se originou do conflito irresoluto dentro da
consciência religiosa grega, entre o motivo
básico das antigas religiões da natureza e o
motivo básico da então mais recente religião
cultural, a religião das divindades olímpicas.
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04/04/2020

Martin Heidegger
Discurso do Reitorado
(1935)

40

Temos que nos situar de novo sob o


poder do começo do nosso Dasein
[ser-aí] histórico pelo espírito. Esse
começo é a ruptura pela qual se inaugura a
filosofia grega. Aí se edifica o ser humano
do Ocidente: a partir da unidade de um
povo, em virtude da sua língua, pela
primeira vez virado para o ente por inteiro,
questiona-o e capta-o enquanto o ente que
é. Toda a ciência continua imbricada nesse
começo da filosofia. É dele que extrai a
força de sua essência
41

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04/04/2020

A religião pré-homérica era uma forma


primitiva de culto à natureza, ou a “mãe-
terra”. Essa religião cultuava o fluxo
orgânico da vida e morte. O motivo da forma
é o centro da religião olímpica. Era centrada
na harmonia, na beleza e na permanência
eterna. Essa é a situação dos deuses, que têm
uma forma eterna idealizada. Somente em
Platão e Aristóteles a polaridade entre os
motivos matéria e forma chegou a uma
estabilidade, com a assimilação do motivo da
matéria no da forma.
43

Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

44

[esse motivo] levou o pensamento grego


maduro a aceitar uma origem dupla do
mundo. Mesmo quando os pensadores
gregos passaram a reconhecer a existência de
uma ordem cósmica, originada por meio de
um desígnio divino e de um plano divino, ainda
assim continuavam a negar categoricamente
uma criação divina. Uma concepção dualista
da natureza humana estava diretamente
relacionamento com essa ideia dualista da
natureza divina. Encontrava dento de si mesma
a dualidade básica de uma “alma racional” e
de um “corpo material”
45

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04/04/2020

Friedrich Nietzsche
A filosofia na época
trágica dos gregos
(1873)

46

É certo que se empenharam em apontar


o quanto os gregos poderiam encontrar
e aprender no estrangeiro, no Oriente, e
quantas coisas, de fato, trouxeram de lá. Era, sem
dúvida, um espetáculo curioso, quando colocavam
lado a lado os pretensos mestres do Oriente e os
possíveis alunos da Grécia. São admiráveis na arte
do aprendizado fecundo, e assim como eles
devemos aprender de nossos vizinhos, usando o
aprendido para a vida, não para o conhecimento
erudito. Ou seja, inventaram a cabeça filosófica
típica, e a posteridade inteira nada mais inventou
de essencial a acrescentar.
47

E quanto a Igreja?

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Motivo Básico Bíblico

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50

O motivo bíblico nasceu da revelação


redentora de Deus ao homem, consumada
na pessoa de Jesus Cristo e aplicada
pelo Espírito Santo. Essa revelação nos fornece as
estruturas fundamentais de uma cosmovisão cristã. Em
primeiro lugar, ela reconhece todo o cosmo como
criação de Deus. Deus é a única origem absoluta. A
queda do homem alienou toda a criação de Deus. Não
destruiu a própria estrutura da criação, nem tornou
nenhum de seus aspectos essencialmente maligno, mas
a colocou numa direção de apostasia. A redenção,
consumada por Jesus Cristo, envolve a recriação do
homem, como “novo homem” em si mesmo, e, com
isso, o redirecionamento da criação para Deus.
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Apóstolos

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Michael Goheen
Craig Bartholomew
O Drama da Escritura
(2013)

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Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

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A igreja percebeu o enorme perigo que


o motivo greco-zoroastriano representava
para o puro motivo básico da revelação
divina. Numa luta de vida e morte contra esse
motivo, a igreja formulou a doutrina da
unidade divina do Pai e do Filho (o Verbo, ou
Logos) e, pouco depois, a doutrina da
Trindade, do Pai, Filho e Espírito Santo.
Especificamente, essas formulações de credos
romperam a perigosa influência do
gnosticismo durante os primeiros séculos da
igreja cristã, de modo que um ponto de
partida puramente bíblico foi restaurado
63

95
04/04/2020

Porém, mesmo fora desse círculo, entre


os assim chamados pais apostólicos da
igreja, os quais procuraram defender
a religião cristã contra o pensamento grego, a
influência do motivo básico grego era
evidente. Os pais da igreja concebiam a criação
como sendo resultado da atividade divina de
dar forma à matéria. Também nesse contexto,
o conhecimento teórico especulativo acerca de
Deus, elaborado numa teologia filosófica, foi
colocado acima da fé da comunidade
eclesiástica. Assim a religião cristã foi
despojada do seu caráter indivisível e radical.
64

Alister McGrath
A Gênese da Doutrina
(1990)

65

Houve, portanto, uma tendência de


fundir o vocabulário escriturístico
sobre Deus com as convenções teístas
filosóficas clássicas. Os dados das Escrituras e
a tradição cristã foram assim interpretados à
luz de pressupostos, dentro de uma estrutura
hermenêutica, alheios às suas fontes. Afinal
de contas, a metafísica grega havia
desenvolvida a ideia de “um deus” antes do
seu encontro com o cristianismo, disso
resultando que a proclamação de Jesus Cristo
nesse contexto requeria negociações um
tanto tortuosas com esse deus metafísico
66

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Um episódio que pode ser tomado


como ponto decisivo no processo
do desenvolvimento doutrinário
foi a controvérsia ariana do século quarto.
O debate entre Ário e seus adversários, se
tomado em nível estritamente bíblico,
resultou basicamente num empate. Tanto
Ário quanto Atanásio, por exemplo,
exploraram o quarto Evangelho em busca
de munição para sua campanha
cristológica.
67

Os dois se consideravam defensores


de certas fórmulas de importância
fundamental da tradição cristã em
desenvolvimento. Contudo, a crise de
Niceia em torno do termo não bíblico
homoousios colocou em evidência as
insuficiências de uma teologia de
repetição, de adesão estrita a fórmulas
verbais arcaicas. Tanto a Escritura quanto a
tradição precisavam ser relidas para que se
evitasse uma interação meramente
superficial com seus insights.
68

Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

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Em outras palavras, não enxergaram


que, em razão do seu caráter radical,
o motivo básico da religião cristã exigia
uma reformulação interna da visão científica
da ordem do mundo e da vida temporal. Em
vez de reformar, procuraram acomodar;
procuraram adaptar o pensamento pagão à
revelação divina da Palavra.Essa adaptação
assentou a base para o escolasticismo [motivo
básico natureza-graça] que, até hoje, tem
continuando a impedir o desenvolvimento de
uma direção verdadeiramente reformadora na
vida e no pensamento cristão.
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73

Na segunda metade da era


medieval, alguns teólogos
cristãos, dos quais o mais proeminente
foi Tomás de Aquino, tentaram realizar
uma síntese da teologia cristã com a
concepção aristotélica de natureza.
Surgiu assim o motivo-base escolástico
natureza/graça, que introduzia no
interior do pensamento cristão a
dualidade matéria/forma, inicialmente.

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Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

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O motivo básico da natureza e


da graça manteve a mente cristã
numa tensão polar. Perto do fim da
Idade Média, essa tensão levou, finalmente,
à total separação de Ockham entre a “vida
natural” e a “vida cristã” da graça. Lutero, o
grande reformador, estivera sob a influência
do círculo de Ockham durante sua
permanência no mosteiro de Erfurt. Para
Lutero, esse conflito [de vida “natural” e
vida cristã “sobrenatural”] se expressava
como a oposição entre Lei e evangelho.
77

Por causa desse dualismo, Lutero não


pôde concluir que o cristão devesse
fugir do mundo. Ele acreditava que era da
vontade de Deus que os cristãos se sujeitassem à
ordenanças da vida terrena. Quando, hoje em dia, Karl
Barth nega todo ponto de contato entre natureza e a
graça, percebemos nisso a influência da oposição entre
lei e evangelho de Lutero. A dialética peculiar do motivo
básico da natureza e da graça levou o amigo e
colaborador erudito de Lutero, Melanchthon a buscar
uma nova síntese entre a religião cristã e o espírito da
cultura grega. Melanchthon tornou-se o pai do
escolasticismo protestante, que ainda hoje se opõe a
uma abordagem bíblica no pensamento.
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Raízes da Cultura
Ocidental
(1959)

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Nesse período crucial, surgiu um


movimento dentro do escolasti-
cismo do final da Idade Média que
fraturou a síntese artificial da igreja entre
a visão grega da natureza e a religião
cristã. Isso provou ser de importância
decisiva para o período moderno. O
movimento renascentista, o primeiro
precursor do humanismo, seguiu o
primeiro caminho; com consistência
variável, a Reforma seguiu o segundo.
82

No entanto, o humanismo não se


revelou em suas primeiras caracte-
rísticas em termos dessas tendências
anticristãs. Homens como Eramos, Rodolfo
Agrícola e Hugo Grócio representam um
“humanismo bíblico”; juntamente com a
admiração que sentiam pelos clássicos gregos e
romanos também defendiam um estudo livre e
a exegese da Escritura. No entanto, um exame
mais atento revela que a verdadeira força
espiritual por trás do “humanismo bíblico” não
era o motivo básico da religião cristã.
83

A consistente aplicação do motivo da


natureza não deixava lugar na
realidade para a liberdade e a autonomia
humana. Desde o início, “natureza” e “liberdade”
estiveram num conflito irreconciliável. Foi a
crescente consciência desse conflito que causou a
primeira crise do humanismo. Ao resolver as
tensões entre “natureza” e “liberdade”, alguns
tentaram moderar as pretensões do antigo ideal
de ciência, limitando a validade das leis da natureza
aos fenômenos sensorialmente perceptíveis. Acima
desse reino sensorial da “natureza”, existia um
reino “suprassensorial” da liberdade moral, que
não era governado por leis mecânicas.
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A marca principal do humanismo é


a noção de que o homem encontrará
suas realização plena por meio de uma
libertação plena de toda opressão. Ao lado de uma
valorização crescente do homem e da liberdade
humana, os humanistas defendiam o controle
racional da realidade. Conforme esse dualismo
moderno, o homem é essencialmente um espírito
racional, ansiando por liberdade para se realizar.
Mas o principal obstáculo a essa realização é a
natureza, que impõe limitações à liberdade. O
homem entra então em uma luta com a natureza,
buscando controlá-la por meio da tecnologia.
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Nietzsche falando do Platonismo do


Cristianismo...

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Cosmovisão
em Ciências Naturais
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Michael Polanyi
(1891-1976)

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Ele nasceu em uma família de judeus húngaros,


a qual o seu pai havia deixado na Hungria em
1848, mudando-se para a Suíça e “tornando-se
um calvinista inflexível”. Desde muito novo era apaixonado
pela Química, mas tinha muito medo de não ser aceito na
universidade por ser judeu. Por isso, em 1909 ele
matriculou-se na Universidade de Budapeste para estudar
medicina, formando-se em 1914. Com a eminência da
Primeira Guerra Mundial, Polanyi serviu como oficial
médico do Império Austro-Húngaro até ser retirado do
campo de batalha por uma licença médica. Nesse período
de internação, ele escreveu sua tese de doutorado sobre
adsorção e a submeteu à Universidade de Budapeste,
tendo sido aprovado. Um fato notável é que sua pesquisa
foi encorajada pelo próprio Albert Einstein.

97

Após seus estudos, Polanyi trabalhou


como Secretário do Ministro da Saúde
até a República Soviética da Hungria ser
derrubada, quando ele mudou-se para
Karlsruhe, a convite do Prêmio Nobel, Fritz
Haber, para lecionar. Nessa época ele também
se converteu ao cristianismo e se casou. Em
seguida mudou-se para Berlim, onde trabalhou
no Instituto Física e Eletroquímica , em um
período em que pode conviver com Schrödinger,
Planck e Einstein. Em 1933, contudo, renunciou
a esse cargo em oposição ao regime nazista.
98

Tudo isso fez com que o convite para a cátedra


de Físico-Química da Universidade de Manchester,
no Reino Unido, viesse na hora certa. Ali ele
permaneceu por treze anos, construindo uma sólida
reputação de cientista, amplamente reconhecido. Alguns
fatos nos ajudam a entender a dimensão de seu trabalho:
além de ter sido colega de vários prêmios Nobel em física e
química, dois de seus alunos, Eugene Wigner e Melvin
Calvin, ganharam um prêmio Nobel. Em 1944, o próprio
Polanyi foi eleito membro da Royal Society, a distinta
sociedade científica do Reino Unido. Em razão de seus
interesses em Economia e Ciências Sociais, a Universidade
de Manchester criou uma nova cátedra apenas para ele
nessas áreas. Por fim, temos noticia inclusive que seu filho,
John Polanyi, ganhou o prêmio Nobel em química em 1986.

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No decorrer dessa inquestionável


trajetória científica, Polanyi nunca
deixou de ocupar-se com questões mais
gerais sobre o trabalho científico. No prefácio de
sua principal obra, Conhecimento Pessoal (1957)
ele diz que se encontrou “perante o trabalho de
justificar o fundamento de convicções
tradicionais e não comprovadas na ciência”. Essa
preocupação de Polanyi pelos fundamentos do
trabalho científico é justamente aquele exame das
rotinas, das liturgias da vida no laboratório,
universidade e institutos de pesquisa que julgamos
ser urgentes para todo intelectual cristão.
100

Michael Polanyi
(1891-1976)

101

Desde os seus primeiros anos em


Manchester, Polanyi tinha uma preocupação
central: questionar o ideal de conhecimento
verdadeiro como aquele que é adquirido por meios
objetivos, neutros e distanciados dos objetos de
pesquisa. Claramente, está no centro dos seus
questionamentos aquela imagem pública do
trabalho intelectual metodologicamente neutro, em
que o cientista, o jurista, o administrador ou o
economista deve lidar friamente com os dados e
nunca envolver-se pessoalmente com a pesquisa.
Para Polanyi, além de falsa, essa imagem havia
comprometido profundamente o trabalho
intelectual na cultura ocidental.
102

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04/04/2020

Michael Polanyi
Contexto e Perspectiva
(1964)

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A concepção popular de um cientista a


colecionar pacientemente observações, sem
preconceitos ditados por qualquer teoria, até
que finalmente consegue estabelecer uma nova
generalização, é completamente falsa... várias
descobertas envolveram previsões da mais alta
importância, que muitas vezes só vieram à luz do dia
muitos anos depois da descoberta. Todo este
conhecimento novo da natureza foi adquirido pela mera
reconsideração dos fenômenos já conhecidos, mas num
contexto novo que se sentia ser mais racional e mais
real. Os pressupostos que guiaram estas descobertas
foram as premissas da ciência, ou seja, as conjecturas
fundamentais da ciência acerca da natureza das coisas.

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04/04/2020

Pesquisadores do Observatório de
Interferometria a Laser de Ondas
Gravitacionais (LIGO), anunciaram pela
primeira vez em fevereiro de 2016 a descoberta de
ondas produzidas pelo choque de buracos negros.
Trata-se de vibrações no espaço-tempo, a
constituição mais básica do que é formado o
universo. Essa descoberta ajudará a entender como
se forma os buracos negros, quantos existe e
também outros detalhes da formação e
desaparecimento das estrelas no universo. A grande
surpresa nessa descoberta, no entanto, é que ela foi
adiantada em quase 100 anos por Albert Einstein.

106

Segundo sua Teoria Geral da Relatividade,


precisavam existir algum fenômeno que
transformassem parte de sua massa em
energia e a emitisse em forma de ondas,
deformando assim o espaço e o tempo em sua
trajetória. Einstein tinha convicção disso em
1916, mas sem capacidade de confirmar sua
hipótese, pois ele sabia que esse tipo de vibração
aconteceria em lugares tão distantes da terra que
mal conseguiríamos detectá-las. O que os
pesquisadores do LIGO fizeram foi identificar a
origem dessas ondas gravitacionais na fusão de
buracos negros.
107

Michael Polanyi
Conhecimento Pessoa
(1976)

108

110
04/04/2020

Einstein já tinha especulado, enquanto aluno,


com a idade de dezesseis anos, sobre as
curiosas consequências que poderiam acontecer
se um observador externo acompanhasse um sinal
luminosos enviado por ele mesmo. A sua autobiografia
revela que ele descobriu a relatividade “após dez anos
de reflexão... a partir de um paradoxo que já tinha
encontrado aos dezesseis anos”... Os seus resultados
foram intuídos racionamento por Einstein, na base pura
da especulação, antes de ter alguma vez ouvido falar
dela. Para ter a certeza disso, dirigi uma pergunta ao
falecido professor Einstein, que me confirmou o facto
da “experiência de Michelson-Morley ter sido um efeito
insignificante na descoberta da relatividade”

109

O relato habitual nos livros-texto sobre a


relatividade como uma resposta à experiên-
cia de Michelson-Morley é uma invenção. É o
produto de um preconceito filosófico... [só] Um leigo,
[é] ensinado a venerar os cientistas dado o seu respeito
absoluto pelos factos observador, e pelo distanciamento
judicioso e puramente provisional da maneira como
suportam as teorias científicas... Podem-se multiplicar
estes exemplos, pelos quais a física moderna
demonstrou o poder da mente humana para descobrir e
exibir uma racionalidade que governa a natureza,
mesmo antes de se aproximar do campo da experiência
em que previamente descobriu harmonias matemáticas
que se haviam de relevar como fatos empíricos.

110

a forma como o ser humano


descobre e propõe mapas teóricos
para explicar a racionalidade que
governa a natureza é sempre
antecipada por uma narrativa
pré-teórica

111

111
04/04/2020

Michael Polanyi
Contexto e Perspectiva
(1964)

112

Como uma arte não pode ser


definida com precisão, só pode
ser transmitida pela prática que a
incorpora. Quem aprende pela
observação de um mestre precisa de
confiar no seu exemplo... Esta é a
maneira de adquirir conhecimento que
os pais da igreja cristã descrevem como
fides quaerens intellectum, “fé em
busca de entendimento”.
113

Michael Polanyi
Conhecimento Pessoa
(1976)

114

112
04/04/2020

Permitam-me observar que este acreditar


em mim mesmo é por si um ato fiduciário,
que por sua vez legitima a transposição de
todas as minhas suposições em declarações das
minhas próprias convicções. Quando dei o
subtítulo “rumo a uma filosofia pós crítica” a este
livro, tinha em mente este ponto de viragem... O
homem moderno não tem precedente; temos que
regressar a Santo Agostinho para reencontrar o
equilíbrio dos nossos poderes cognitivos. No
quarto século da nossa era, Santo Agostinho
acabou com a filosofia grega ao inaugurar pela
primeira vez uma filosofia pós crítica.
115

Ensinou que todo o conhecimento era um


dom ou uma graça, pela qual nos devemos
esforçar, guiado pelas convicções anteriores:
nisi credideritis, non intelligetis [sem acreditar, não
se entende]. A sua doutrina dominou a mente dos
acadêmicos cristãos durante um milênio. Então a fé
declinou e o conhecimento demonstrável ganhou
uma superioridade. Pelo fim do século XVII Locke
distinguia como se segue entre conhecimento e
fé... Acreditar aqui já não é um poder superior que
nos revela conhecimento para além da observação
da razão, mas uma mera aceitação pessoal não
susceptível de demonstração empírica e racional
116

Fica aqui a rutura pela qual a mente


crítica repudiou uma das faculdades
cognitivas e tentou basear-se única-
mente na outra. Acreditar foi de tal forma
desacreditado que, aparte algumas
oportunidades especialmente privilegiadas, tal
como ainda é dado pelos atos de assumir e
professar convicções religiosas, o homem
moderno perdeu a sua capacidade para aceitar
qualquer julgamento explícito como a sua
própria convicção. Todas as convicções foram
reduzidas ao estatuto da objetividade.
117

113
04/04/2020

118

Richard Swinburne
Deus existe?
(1996)

119

Nos últimos trinta ou quarenta anos,


houve a retomada de um debate sério
entre os filósofos do mundo anglofônico
acerca da existência de Deus...
O entendimento público dos anos recentes
acerca da existência de Deus foi –
compreensivelmente – muito influenciado
pelas descobertas da ciência moderna acerca
dos mecanismos da evolução biológica, o
desenvolvimento do nosso universo desde o
Big Bang há treze bilhões e meio de anos, e a
existência possível de outros universos.
120

114
04/04/2020

Contudo, essas descobertas


deixaram aberta a questão de
se existe um Deus que causou e
sustenta a existência e operação de
nosso universo e de quais quer outros
universos que possa haver de acordo com
processo regulares (e que de vez em
quando intervém nesses processos) que
os cientistas estão descobrindo; ou se a
existência e operação do universo não
têm uma explicação última
121

A estrutura básica do meu argu-


mento é a seguinte: cientistas,
historiadores e detetives observam
dados e, a partir disso, chegam a alguma
teoria acerca do que explica melhor a
ocorrência desses dados. Podemos anali-
sar os critérios que eles usam ao chegarem
à conclusão de que certa teoria é mais bem
sustentada pelos dados que uma teoria
diferente – ou seja, é mais provável com
base nesses dados, que seja verdadeira
122

Ao usar aqueles mesmos crité-


rios, descobrimos que a visão
de que Deus existe explica tudo
o que observamos, não apenas um
conjunto limitado de dados... Os
mesmos critérios que os cientistas usam
para chegar a suas próprias teorias nos
leva a ir para além daquelas teorias
rumo a um Deus criador que sustenta
tudo na existência
123

115
04/04/2020

Como explicamos as coisas?

124

Seres humanos sempre busca-


ram as explicações verdadeiras
de todos os eventos (todos os
fenômenos) que eles conhecem,
buscaram descobrir as causas dos
eventos e as razões pelas quais
aquelas causas tiveram os efeitos
que tiveram. Nós temos objetivos
práticos com isso... Contudo, os
seres humanos também têm
125

profundos objetivos não práticos


na busca das causas das coisas e
das razões pelas quais as causas
produzem os efeitos que
produzem... Nós encontramos dois
tipos diferentes de explicações de
eventos, dois modos diferentes pelos
quais os objetos causam eventos.
Existem a causalidade inanimada e a
causalidade intencional
126

116
04/04/2020

127

O modelo de explicação
pessoal é, tal como o
inanimado, inevitável em
nosso pensamento sobre o mundo.
Alguns pensadores afirma que
pessoas e seus propósitos não
fazem realmente diferença no que
acontece... Contudo, ninguém pode
pensar desse modo
consistentemente...
128

se pararmos de formar
propósitos e de tentar
executá-los, nada vai acontecer;
nós pararíamos de comer e falar
e escrever e caminhar como o
fazemos. O que tentamos
realizar faz toda a diferença no
que acontece

129

117
04/04/2020

Tipicamente, leis de nível baixo, voltadas


para coisas imediatamente observáveis (por
exemplo, volumes de um gás num tubo de
ensaio) em alguma região limitada (por exemplo,
perto da superfície da Terra) são explicadas por
leis de “nível mais alto” que se ocupam do
comportamento de coisas não tão
imediatamente observáveis (as moléculas ou
átomos dos gases) em uma região mais ampla.
Do mesmo modo, voltando-nos para a
explicação pessoal, alguns poderes, propósitos e
crenças podem ser explicados por outros
propósitos e crenças.

130

Eu formo o propósito de ir à
dispensa porque tenho o propósito
de pegar comida e acredito que há comida
na dispensa. Por “explicação plena” de um
evento, quero dizer uma explicação tal
que, dadas as substâncias e as condições
nas quais estas ocorram, seus poderes e
propensões para agir (ou crenças e
propósitos), que a explicação descreve, o
evento deve inevitavelmente ocorrer

131

Materialismo
como explicação tem limites

132

118
04/04/2020

Uma possibilidade é de que


a existência e funcionamento
dos fatores envolvidos na explicação
inanimada devem ser explicados em termos
pessoais, nos quais as pessoas incluem não
apenas pessoas humanas, mas pessoas de outro
tipo. Uma teoria desse tipo, o teísmo, é a tese de
que Deus existe... A hipótese simples do teísmo
nos leva a esperar todos os fenômenos que
venho descrevendo com algum grau razoável de
probabilidade. Sendo onipotente, Deus pode
produzir um mundo ordenado nesses aspectos. E
ele tem boa razão para escolher fazê-lo
133

esses fenômenos eram claramente


coisas “grandes demais” para a ciência
explicar. Eles são onde a ciência para,
constituem a estrutura da própria ciência.
Argumentei que não é uma conclusão
racional supor que a explicação deva parar
onde a ciência para, e assim deveríamos
buscar uma explicação pessoal para a
existência, conformidade a leis e potencial
evolutivo do universo. O teísmo oferece uma
explicação exatamente assim...

134

Note que não estou postulando


um “Deus das lacunas”, um deus
meramente para explicar o que a
ciência explica; eu não nego que a
ciência explica, mas postulo Deus para
explicar por que a ciência explica. O
próprio sucesso da ciência em nos
mostrar o quanto o mundo natural é
profundamente ordenado oferece fortes
razões para acreditar que existe uma
causa ainda mais profunda dessa ordem
135

119
04/04/2020

Precisamos de algo
a mais do que só o teísmo.
Precisamos da Trindade
136

Francis A. Schaeffer
O Deus que se revela
(1972)

137

Tomemos a primeira alternativa —


um Deus infinito pessoal. Somente um
Deus infinito pessoal é suficientemente
grandioso. Platão já entendia que é preciso
admitir absolutos, para que as coisas tenham
qualquer sentido. Mas a dificuldade que Platão
estava enfrentando residia no fato de que os seus
deuses não eram suficientemente grandes para
atingir o fim desejado. Assim, embora ele
reconhecesse a necessidade, esta caiu por terra,
porque os deuses dele não eram grandes o
suficiente para serem pontos de referência para
seus absolutos, para seus ideais.
138

120
04/04/2020

Na literatura grega, muitas vezes


o destino parece estar por trás
dos deuses, controlando-os;
noutras ocasiões, os deuses é que
parecem controlar o destino. Por que a
confusão? Porque tudo falha neste
ponto do seu pensamento, pois os
seus deuses limitados não são
suficientemente grandes. Esta é a
razão porque precisamos de um Deus
infinito pessoal. Isso para começar.
139

Em segundo lugar, necessitamos de


unidade e diversidade pessoal em
Deus, não apenas um conceito abstrato
de unidade e diversidade, pois, como vimos,
precisamos de um Deus pessoal. Precisamos
de uma unidade pessoal na diversidade. Sem
isto, nunca alcançaremos respostas. O
Cristianismo as tem na Trindade. Estamos
aqui falando da necessidade filosófica, no
campo do Ser, da existência, do fato de que
Deus existe. É nisto que tudo se baseia: ele
existe mesmo.
140

Não há outra resposta filosófica


suficiente além desta que apresentei.
Por mais que você possa pesquisar a
filosofia das universidades, o "subterrâneo",
dos postos de gasolina — não importa onde —
não há outra resposta filosófica suficiente para
a existência, para o Ser, do que a que eu acabei
de apresentar. Existe somente uma filosofia,
uma religião capaz de preencher esta
necessidade constante em toda a história do
pensamento humano, seja ele oriental ou
ocidental, antigo ou moderno, novo ou velho.
141

121
04/04/2020

Somente uma preenche a


necessidade filosófica da existên-
cia do Ser, e trata-se da resposta
filosófica do Deus judaico-cristão — não
um conceito abstrato, mas antes, Deus
existe de verdade. Ele existe. Não há
outra resposta e os cristãos ortodoxos
devem sentir-se envergonhados de
terem sido defensivos por tanto tempo.
Não é tempo de sermos defensivos. Não
há outra resposta possível.
142

122
04/04/2020

Cosmovisão cristã e cultura pop

Slavoj Žižek
Bem vindo ao
Deserto do Real
(2002)

123
04/04/2020

A hegemonia da arte pop em nossa cultura é


semelhante a ausência da tinta vermelha em
nossa cosmovisão cristã para o cenário
cultural
6

124
04/04/2020

Danilo Santos de Miranda


Editorial
(2017)

O Sesc mantém foco nas relações


entre arte e desenvolvimento
humano por acreditar em seu potencial
como vetor para estimular novas práticas e
hábitos de interação em sociedade. Nesse
sentido, o contato com a diversidade
musical pode abrir outras perspectivas de
apropriação e diálogo, como também,
potencializar o aprimoramento de artistas e
cidadãos em um processo educativo
permanente e transformador

Steve Turner
Engolidos pela
Cultura Pop
(2013)

125
04/04/2020

Ouço pessoas justificando o


consumo acrítico a partir da ideia
de que o que estão assistindo, lendo,
jogando ou ouvindo é apenas “para
relaxar” ou “não deve ser levado a
sério”. Elas acham que avaliar o que
estão consumindo envolve muito
esforço e vai contra o espírito do
entretenimento. Dizem que não querem
ser sérias demais ou muito “rígidas”
10

Essa atitude subestima seriamente


a inteligência e a motivação daqueles
que produzem a cultura popular. Esses
profissionais não são crianças brincando
com fiz de cera. Predominantemente, são
pessoas treinadas com um profundo
conhecimento de sua forma de arte e de
sua história. Eles tendem a ser pessoas
bastante inflexíveis com relação à visão
de mundo que querem expressar.

11

O que eles
têm em
comum?

12

126
04/04/2020

Max Martin
O sueco, herdeiro do veterano Denniz
Pop e habitué do topo da Billboard,
poderia se chamar Midas.
Compôs para: Demi Lovato, Britney
Spears, Backstreet boys, Nscync, Katy
Perry
Dr. Luke
Parceiro de Martin, é adpto da tática de oferecer
músicas a novos artistas. Alguns que dão certo, como
Katy Perry e Ke$ha.

Ester Dean
Também cantora, Ester já quis ir para
o palco, mas desistiu. Suas demos
(com sucessos de Rihanna) vazaram
no YouTube.

13

Você, fã de pop
music, na verdade,
é fã de um sueco de
meia-idade que escreve
sobre o sonho adolescente.
Só não sabia disso.

14

Steve Turner
Engolidos pela
Cultura Pop
(2013)

15

127
04/04/2020

Quando pensamos que algo é


relativamente frívolo desarmamos
nossos sistemas de alarme crítico e
permitimos que as influências entrem
desapercebidas... Quando suspeitamos
que a cultura possui uma agenda,
ficamos naturalmente mais
desconfiados. Quando pensamos que
elas está ali apenas para nos fazer
cócegas, nos entregamos ao riso.

16

Há em nosso mundo a tentação de consumir


sem pensar. Talvez tenhamos de usar nosso
espírito crítico para fazer uma prova, mas não
ao assistir Two and Half Men com um pedaço
de pizza na mão. Ainda assim, o perigo de
assistir a algo sem julgar é que permitimos
que nossos valores sejam subitamente
moldados por um insistente estímulo. Ver
um mau comportamento representado e
aprovado em uma série pode ter um efeito
mais profundo em nós do que uma palestra
defendendo o mesmo comportamento.

17

18

128
04/04/2020

"Não temos medo de ataques. Nessa


sociedade em que vivemos não tem
como fugir disso. O conservadorismo
está crescendo e as pessoas com as redes
sociais acabam ampliando essa voz, esse
discurso conservador. Mas antes de tudo a
Pabllo e nós pensamos muito nos fãs. Tem
garotos que estão crescendo e começando a
entender a identidade de gênero e se
espelham na Pabllo. Então, a mensagem
que queremos passar para eles é: podemos
ser o que quisermos", diz.
19

Pabllo, que nasceu Phabullo Rodrigues da


Silva, em São Luís, no Maranhão, muitas
vezes usa o pronome masculino quando
fala de si mesma, apesar de ser uma drag
mulher. E diz que as pessoas podem chamá-la
de ela ou ele, como queiram. "Contanto que seja
com respeito", diz ela, que é gay e se define
como sendo de gênero fluído, se identificando
tanto com o masculino quanto com o feminino.
O fato de ser drag, diz Pabllo, não é o que a fez
se tornar um sucesso. "Minha carreira se
sobressai a isso, é porque a música é boa. E
quando é boa, meu amor, todo mundo gosta"
20

E se fosse uma escola islâmica?

21

129
04/04/2020

Giorgio Agamben
O Reino e a Glória
(2011)

22

23

24

130
04/04/2020

25

26

27

131
04/04/2020

Noam Chomsky
A manipulação das
mídias
(1991)

28

29

30

132
04/04/2020

31

32

Steve Turner
Engolidos pela
Cultura Pop
(2013)

33

133
04/04/2020

Cultura é uma palavra do século


15 com origem no latim cultus
(do verbo colere), que descrevia o
labor da terra. Cultus tinha significados
associados à proteção, provisão, adorno
e devoção a um Deus. Mantemos alguns
desses significados nas palavras cultivar,
cultura (como em “cultura de
bactérias”). Assim, pensava-se que a
cultura tinha seu papel quando se tratava
de desenvolver as pessoas.
34

Herman Dooyeweerd
No Crepúsculo do
Pensamento Ocidental
(1960)

35

Uma realidade de caráter puramente


cultural não pode existir... Portanto,
substituiremos o nome cultura pelo adjetivo
cultural, de forma a enfatizar que se trata apenas
de um aspecto modal de nosso horizonte
temporal. Tomada em seu sentido modal, o
termo “cultural” não significa mais do que um
modo particular (experiencial) de formação ou
modelagem, que é fundamentalmente distinto
de todos os modos de formação encontrados na
natureza e concernido nos aspectos físico-
químcos ou bióticos da experiência.

36

134
04/04/2020

A aranha tece sua teia com precisão


perfeita; mas o faz a partir de um
padrão fixo e uniforme prescrito pelo
instinto da espécie. Falta-lhe, assim, livre
controle ou domínio sobre seu material,
domínio esse que é a própria condição da
variabilidade de toda formação cultural. Assim,
o modo cultural de formação deve receber sua
qualificação específica a partir da liberdade de
controle, dominação ou poder. É por isso que
o grande mandato cultural dado ao homem
reza: “Dominai a terra e sujeitai-a”.
37

A arte pop é
um movimento
artístico do
início do século
XX que transforma
em arte os elementos
cotidianos da cultura
popular, reinterpre-
tando imagens das
mídias de massa e do
mundo do consumo.
38

Steve Turner
Engolidos pela
Cultura Pop
(2013)

39

135
04/04/2020

O produtos geralmente são


produzidos em massa,
predominantemente consumido
durante horas de lazer,
majoritariamente produzidos
visando ganho financeiro, não
requerem uma educação especial
para que sejam apreciados e podem
geralmente ser apreciados por uma
audiência vasta e não elitizada.
40

Andy Warhol
Warhol Exposition
(2017)

41

No futuro, todo mundo


será famoso durante
quinze minutos. Todo
mundo deveria ter o
direito a quinze
minutos de glória

42

136
04/04/2020

Nós fomos engolidos pelo pop?

43

Seus leitores gastam 11,5 horas por


semana ouvindo música, 7,9 horas vendo
TV, 4,4 horas em redes sociais, 3 horas
lendo revistas e 2,8 horas jogando
videogames. Isso significa pelo menos um
dia por semana imerso em cultura popular.
Quase 95% dos entrevistados disseram que
a música era “extremamente importante”
para suas vidas

44

Paul Schrader
Beyond the silver
screen
(2009)

45

137
04/04/2020

Em média, uma pessoa de 30 anos


de idade e com alguma experiência
em mídia já viu cerca de 35 mil horas
de “narrativa audiovisual”, incluindo de
filmes e novelas, até desenhos e clipes
do YouTube. O pai dessa pessoa, com a
mesma idade, teria visto apenas 20 mil
horas; seu avó, 10 mil horas; e seu
bisavô, 2,5 mil. Somos bombardeados
pela narrativa, estamos nadando em
narrativas.
46

Markus Gabriel
Por que o Mundo não
existe
(2013)

47

48

138
04/04/2020

49

50

51

139
04/04/2020

Brian Godawa
Cinema e fé cristã
(2002)

52

Se você não tem uma boa história,


não terá um bom filme, não importa
quem esteja atuando, cuidando da
iluminação, dirigindo ou produzindo o
filme. Foi essa importância primária da
história que originalmente me atraiu para
os filmes. Existe algo em uma boa história
que me faz sentar e prestar atenção: a
captação da narrativa, o magnetismo do
dama, a curiosidade de personagens
interessantes e o significado de tudo isso.
53

Não é surpresa que Jesus tenha


usado parábolas e histórias para
ilustra suas lições e explicar a
natureza inexplicável do Reino de Deus
aos seus seguidores. Uma história nos
capacita a entender uma realidade
transcendente que não seríamos capazes
de perceber de outra maneira, com a
mera abstração racional. O drama dá vida
às questões cotidianas. Grandes filmes
são como sermões narrativos.
54

140
04/04/2020

Markus Gabriel
Por que o Mundo não
existe
(2013)

55

56

57

141
04/04/2020

58

Francis A. Schaeffer
Como viveremos?
(1976)

59

Ou seja, a mesma dicotomia básica


– que associa a razão ao pessimismo
e que lança todo o otimismo para o
campo irracional – nos rodeia de todos os
lados e atinge-nos de quase todos os cantos.
De todas as disciplinas, a primeira que
adotou esta perspectiva no seu ensino foi a
filosofia, da qual já falamos o suficiente. Em
seguida ela passou a ser apresentada por
meio da arte, da música, depois da cultural
geral e, finalmente da teologia.
60

142
04/04/2020

No campo da arte, o caminho foi


preparado por uma curiosa guinada
no estilo de pintura dos naturalistas.
Quem se aproxima da pintura de uma forma
consegue até ver o que o artista está
retratando, mas de outra se pergunta: “existe
algum sentido no que eu estou vendo?” A
arte se tornou estéril... Não é menos
importante destacar o lugar deles na cultura,
já que a arte se tornou meio de disseminação
da visão do homem moderno acerca da
fragmentação da verdade e da vida.

61

62

Hans R. Rookmaaker
Os princípios básicos
da filosofia da ideia
cosmonômica
(1947)

63

143
04/04/2020

Abstrair algo quer dizer retirar, no


pensamento teórico, uma parte da
coerência da realidade temporal. Por
exemplo, se fizer isso com a função psíquica,
chegará ao psicologismo, como no
romantismo. No caso da função lógica, tornar-
se-á reine Vernunft, pensamento puro (como
exposto por Kant e muitos outros). Este
processo também pode ser aplicado à função
física (como nos materialistas extremamente
consistentes), à função biótica (como no
vitalismo, por exemplo...
64

Markus Gabriel
Mitologia, Riso e
Loucura
(2009)

65

66

144
04/04/2020

67

68

Hans R. Rookmaaker
Os princípios básicos
da filosofia da ideia
cosmonômica
(1947)

69

145
04/04/2020

É aí que as pessoas se prostram diante


de uma abstração, feita por eles mesmos,
enquanto transgridam o segundo manda-
mento de Deus. Filósofos cristãos, contudo, não
deveriam absolutizar um dos aspectos da
realidade, porque conhecem o Deus verdadeiro.
Não distorcem a realidade e, deste modo, só eles
podem chegar a uma verdadeira compreensão
da realidade, pela luz da palavra de Deus. E se,
como filósofos cristãos, humildemente realizamos
nossa tarefa na arena acadêmica, em submissão a
ele, orando para que nos ajude com seu Espírito
no trabalho para o qual nos chamou

70

Um estudo de
caso com
Negro
Spirituals,
Vocal Blues,
e a arte popular
negra norte-
americana
71

O que é a arte popular? Arte


popular é a arte que não se
diferenciou o bastante e em
relação á qual não se pode falar de
grandes personalidades
formadoras de estilo. Ainda não é
uma arte livre, mas ainda está
intensamente entrelaçada com o
aspecto social.

72

146
04/04/2020

Quando a ouvimos, surge


imediatamente a questão de como se
deve julgar esta música. Se
pretendemos julgar esta música
conforme as normas que nós, como
europeus, positivamos na música, que
defendemos como música “clássica” –
esta última tomada em sentido amplo
de uso geral – então não se pode falar
muito bem sobre ela.

73

Se queremos julgar esta música,


dar uma resposta à pergunta se e
esteticamente justificável ou não,
então precisamos familiarizar-nos
com a cultura negra (em que
medida ainda podemos chamá-la
primitiva? Que crenças a orientam?
E quanta diferenciação já ocorreu?)
e estudar essa música
extensamente.
74

Só então seremos capazes de


julgar se, e em que medida,
afro-americanos deram forma
positiva às normas estéticas
em sua positivação da norma,
ou se, e em que medida, em
vez disso formaram as leis de
caráter antinormativo.

75

147
04/04/2020

Francis A. Schaeffer
Dois Conteúdos,
Duas realidades
(1965)

76

O cristianismo exige que tenhamos


compaixão suficiente para
aprendermos as questões da nossa
geração. O problema com muitos de
nós é o desejo da capacidade de
responder a essas perguntas de
imediato; seria como pegar um funil e
colocá-lo na orelha, despejar os fatos,
e, em seguida, sair, regurgitá-los e
vencer todas as discussões. Isso é
impossível.
77

Responder perguntas é um
trabalho árduo. É possível
responder a todas as perguntas?
Não, mas é preciso tentar. Comece a
ouvir com compaixão. Procure
conhecer as perguntas reais do
homem e tente responder a elas. E
se você não souber a resposta, tente
ir a algum lugar, ou leia e estude
para encontrar a resposta.
78

148
04/04/2020

Nem todos são chamados para


responder perguntas de intelectuais,
mas quando se vai ao trabalhador
de estaleiro a tarefa é similar. Meu
segundo pastorado foi com
trabalhadores de estaleiros e digo-lhe
que eles têm as mesmas perguntas
de homens da universidade. Eles
apenas não as articulam da mesma
maneira.
79

80

149

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