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Departamento de Engenharia Naval e Oceânica

Programa de Pós-Graduação em Engenharia Naval e Oceânica


Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

HIDRODINÂMICA
COMPORTAMENTO NO MAR DE SISTEMAS OCEÂNICOS:
EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE 1ª ORDEM

Alexandre Nicolaos Simos

Texto de apoio à disciplina PNV5200/5201

Revisão 2 (2014)
Hidrodinâmica I

Índice

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 2

2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS ............................................... 20

2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica ... 21

2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Escoamento Potencial ................................... 30


2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades ........................................................................ 31
2.2.2. O Problema de Contorno .......................................................................................................... 34
2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno ................................................... 37
2.2.4. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................................. 41
2.2.5. Massa Adicional ....................................................................................................................... 50

3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE ................................................... 54

3.1. Nota Histórica ................................................................................................................ 55

3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas .............................................. 59

3.3. Energia ............................................................................................................................ 71

3.4. Efeitos de Profundidade Variável................................................................................. 74

3.5. Superposição de Ondas Planas ..................................................................................... 79

3.6. Ondas Irregulares .......................................................................................................... 85


3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar ................................................................................................ 89
3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................................................................... 95
3.6.3. Espectros de Energia Padrão .................................................................................................. 104
3.6.4. Espalhamento Direcional ........................................................................................................ 109
3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar ..................................................................... 110

4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS ....................................... 119

4.1. Hipóteses Simplificadoras ........................................................................................... 119

4.2. Definições e Hidrostática ............................................................................................. 124

4.3. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................... 131


4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação .................................................................... 136
4.3.2. Forças de Excitação em Ondas ............................................................................................... 138
4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas .................................................................. 142
Hidrodinâmica 1

4.3.2.2 A Fórmula de Morison .................................................................................................. 146

4.4. Resposta em Ondas Regulares .................................................................................... 148


4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso ............................................................................... 153

4.5. Resposta em Ondas Irregulares.................................................................................. 155


4.5.1. Alguns Comentários sobre a Abordagem no Domínio do Tempo .......................................... 158

4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais ................................................................. 162

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS ............................................................................. 165


Hidrodinâmica 2

1. INTRODUÇÃO

“...there was far more imagination in the head of


Archimedes than in that of Homer.”
Voltaire

O curso: Objetivos, conteúdo, abordagem e aspectos gerais

A mecânica dos fluidos é uma das ciências fundamentais para diversas


áreas da engenharia, como as engenharias mecânica, hidráulica, aeronáutica,
naval e oceânica. Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação
tecnológica requer conhecimentos específicos e, assim, por exemplo, efeitos de
compressibilidade no escoamento se mostram de fundamental importância para a
engenharia aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão frequentemente
presentes nos estudos de engenharia naval e oceânica.
O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que
naveguem ou mantenham sua posição, na superfície da água ou imersos, de
forma eficiente. A medida de tal eficiência depende do tipo de sistema em
questão, mas, de uma maneira geral, objetivos como a redução da potência
necessária para navegação, um bom comportamento dinâmico em ondas,
estabilidade direcional e boa manobrabilidade são constantemente perseguidos
em qualquer projeto. Para que estes objetivos possam ser alcançados, é
fundamental o conhecimento das forças externas que atuarão sobre o sistema,
permitindo uma correta avaliação de sua dinâmica sob a ação destas forças. Além
das forças aerodinâmicas decorrentes da ação do vento, os sistemas navais e
oceânicos estão constantemente submetidos à ação de correntezas marítimas e
de ondas de superfície. Consequentemente, a hidrodinâmica assume um papel
crucial na formação do engenheiro naval, fornecendo o ferramental teórico para
Hidrodinâmica 3

que ele modele a ação destes agentes ambientais e, com isso, possa prever suas
consequências sobre o desempenho do sistema que está sendo projetado.
Evidentemente, as aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia
naval e oceânica são vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico
de uma embarcação pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência
ao avanço e propulsão (resistance and propulsion), manobrabilidade
(manoeuvering) e comportamento no mar (seakeeping), sendo que este último
tópico de estudo corresponde ao alvo principal deste curso.
A disciplina PNV5201 (Comportamento no Mar de Sistemas Oceânicos:
Efeitos de 1ª ordem), foi elaborada como uma disciplina básica de pós-graduação
na linha de hidrodinâmica teórica, e é sugerida como um estágio inicial àqueles
que pretendem uma especialização nesta área. Seu enfoque recai sobre aspectos
de comportamento no mar de navios e sistemas oceânicos, dando maior ênfase a
estes últimos (sistemas estacionários), os quais englobam, por exemplo, as
plataformas flutuantes de prospecção de petróleo no mar. Ao contrário dos
estudos de resistência, propulsão ou manobrabilidade, para os quais os efeitos de
viscosidade da água e a vorticidade do escoamento são primordiais para o
cômputo das forças hidrodinâmicas, os movimentos de corpos flutuantes em
ondas não são, grosso modo, afetados por tais efeitos de forma tão significativa.
Assim, boa parte da teoria apresentada neste texto é regida pela hipótese de
fluido ideal. As bases para o estudo de escoamentos potenciais já foram
estabelecidas nas disciplinas de mecânica dos fluidos e, para os graduandos ou
graduados em engenharia naval, revistos nas disciplinas de mecânica dos meios
contínuos e hidrodinâmica. Dessa forma, este texto apresenta apenas uma breve
revisão das equações de governo destes escoamentos e das hipóteses
simplificadoras que adotaremos para a modelagem matemática. Espera-se
também que o aluno tenha conceitos básicos de funções analíticas 1 e
conhecimentos básicos de dinâmica dos corpos rígidos, mecânica analítica e

1 É um procedimento usual tratar os potenciais de velocidade do escoamento originado pela ação


de ondas como funções complexas, tomando partido do caráter harmônico das suas variações no
tempo.
Hidrodinâmica 4

estatística, bem como noções fundamentais de métodos numéricos normalmente


empregados para a solução de problemas de contorno (especialmente o Método
de Elementos de Contorno, apresentado aos alunos do curso de engenharia naval
nas disciplinas de métodos computacionais).
Após uma breve revisão de mecânica dos fluidos, o curso passa a enfocar
a modelagem dos efeitos ondulatórios na superfície do mar, adentrando pela
chamada Teoria Linear de Ondas de Gravidade como base para a subsequente
representação estatística das ondas de superfície do mar. Neste contexto, são
também discutidos alguns aspectos básicos de geração de ondas marítimas,
como forma de justificar determinadas características comuns observadas na
descrição estatística dos mares reais. Segue-se, então, um estudo das forças
hidrodinâmicas induzidas por estas ondas sobre corpos rígidos próximos à
superfície e seus efeitos sobre o comportamento dinâmico de estruturas flutuantes
em ondas. Apresenta-se, então, uma breve discussão dos métodos
computacionais usualmente empregados para a solução dos problemas de valor
de contorno envolvidos na modelagem destas forças, apresentando suas
vantagens e limitações. O curso se encerra com uma introdução aos problemas
causados por efeitos hidrodinâmicos não-lineares, indicando a relevância prática
dos mesmos.
É importante mencionar, porém, que, muito embora boa parte do curso seja
realmente dedicada à apresentação e discussão dos fundamentos teóricos de
hidrodinâmica de superfície, como aliás se espera de um curso em hidrodinâmica
teórica, os objetivos estarão sempre vinculados a problemas reais enfrentados
atualmente no projeto de sistemas oceânicos. Sempre que possível, também, será
dada ênfase especial aos principais sistemas oceânicos de interesse no contexto
nacional. O caráter aplicado do curso se apresenta, então, através da abordagem
de problemas atuais de engenharia naval e oceânica e da introdução às técnicas
hoje disponíveis para a avaliação e solução destes problemas.
Atualmente, no cenário mundial de exploração de petróleo e gás no mar,
um dos principais desafios tecnológicos que se impõem diz respeito à viabilização
de operações em águas profundas e ultra-profundas, que hoje já se dá em
Hidrodinâmica 5

lâminas d’água superiores a 2000 metros. No cenário brasileiro, esse desafio


adquire uma relevância especial, uma vez que a maior parte das reservas
comprovadas em território nacional se encontram em águas profundas. O
problema tem seus desdobramentos nas mais diferentes áreas tecnológicas em
engenharia oceânica, e, particularmente, na modelagem computacional da
hidrodinâmica dos sistemas flutuantes. De fato, uma das principais barreiras hoje
enfrentadas neste estudo é a crescente dificuldade, ou mesmo a impossibilidade,
já na maioria dos casos, de se realizar ensaios completos em tanques de provas
com modelos em escala reduzida. Esse fato é decorrência direta das limitações
físicas destes tanques e do crescente aumento das lâminas d’água operacionais,
fato que será discutido em maior profundidade mais adiante. Em razão das
dificuldades crescentes para a avaliação experimental do comportamento no mar
de sistemas oceânicos em águas profundas, os métodos numéricos têm se
tornado ferramentas de projeto ainda mais importantes. Cada vez mais, uma
abordagem combinada unindo técnicas experimentais e análises numéricas vem
se definindo como o padrão para o projeto de novos sistemas oceânicos de
produção de petróleo e gás. Assim, no decorrer deste curso, pretende-se discutir
problemas relevantes na área de engenharia oceânica e quais são as técnicas,
tanto experimentais quanto numéricas, que estão hoje disponíveis para o seu
tratamento, ao mesmo tempo fornecendo o embasamento teórico necessário para
a compreensão e o trabalho com tais técnicas.
No que se refere a este texto, ele deve ser entendido mais como um guia
para a orientação dos estudos, os quais devem ser necessariamente enriquecidos
pela consulta às referências bibliográficas sugeridas ao longo do mesmo. O
conjunto de referências fundamentais que servirão de apoio para o curso é
composto tanto por textos já clássicos em hidrodinâmica marítima, os quais
possibilitam um aprofundamento nos conceitos básicos, como textos mais
modernos que abordam especificamente técnicas experimentais ou numéricas
usualmente empregadas no contexto da engenharia naval e oceânica. O aluno
deve ter em mente que o estudo destes textos complementares é fundamental
para a solidificação dos conceitos que serão discutidos no curso e para permitir
Hidrodinâmica 6

um maior aprofundamento nos diferentes tópicos de interesse, constituindo


requisito básico para uma especialização adequada àqueles que atuam ou
pretendem atuar na área. Uma descrição mais detalhada das principais
referências bibliográficas sugeridas é apresentada ao final deste primeiro capítulo.

Alguns Problemas Atuais de Interesse

A necessidade de exploração em águas profundas e ultra-profundas orienta


o desenvolvimento tecnológico no contexto atual da engenharia oceânica mundial
e, particularmente, no caso brasileiro. Esse desafio tem influenciado a área de
pesquisa e desenvolvimento em engenharia oceânica há anos, desenvolvimento
este que converge, por exemplo, para novas concepções de sistemas flutuantes
capazes de viabilizar técnica e economicamente a exploração de petróleo a tais
profundidades. No contexto nacional, a importância estratégica de se enfrentar
esse desafio é clara. A Petrobras estima que a produção de petróleo nacional
atinja a marca de 5 milhões de barris/dia até o ano de 2030, dos quais a maior
parte será proveniente de reservas em águas profundas ultra-profundas na Bacia
de Santos, conhecida como parte da região do Pré-Sal.
Como regra, os custos iniciais envolvidos na concretização de um novo
sistema de produção aumentam na razão direta da profundidade na qual o mesmo
será instalado. À parte as maiores dificuldades de perfuração dos poços, o
montante de linhas de amarração, cabos umbilicais e risers aumenta, assim como
aumentam as exigências estruturais sobre os mesmos e, consequentemente, seu
custo por metro. As maiores dificuldades de fundeio também contribuem para a
elevação dos custos. Dessa forma, para garantir a viabilidade econômica da
exploração, uma maior capacidade de produção se faz necessária, com plantas de
capacidade na faixa de 300.000 bopd. Por fim, as maiores exigências de payload,
em conjunto com as maiores cargas de linhas e cabos, acabam por impor
sistemas flutuantes de dimensões cada vez maiores.
Hidrodinâmica 7

Uma outra característica tem sido perseguida constantemente nos projetos


de sistemas recentes: uma pequena resposta à excitação de ondas, com
movimentos verticais do casco que sejam suficientemente baixos para viabilizar o
emprego dos chamados risers rígidos. Estes são dutos compostos basicamente
de uma armação de aço com uma concepção estrutural bem mais simples se
comparada aos chamados risers flexíveis (ver Figura 1), e, por isso mesmo, seu
custo/metro é muitas vezes inferior. Uma vez que os custos dos subsistemas
submersos (linhas e cabos) respondem por boa parte do custo total inicial de um
sistema de produção, os risers rígidos rapidamente se tornaram objeto do desejo
das indústrias de petróleo. Não obstante a questão do custo, um outro aspecto
torna a necessidade de emprego de risers rígidos ainda mais premente. Os risers
flexíveis já esbarram, atualmente, em limitações de integridade estrutural para
resistir às pressões impostas a grandes profundidades.

Figura 1 – Representação esquemática da estrutura de um riser flexível


(fonte:www.zentech.co.uk)

Por outro lado, os risers rígidos, embora tenham uma resistência estrutural
muito superior ao colapso, sofrem mais quando expostos a cargas dinâmicas,
principalmente aquelas impostas por movimentos verticais nos pontos de conexão
com os sistemas flutuantes. Não suportando a flambagem localizada, as cargas de
compressão dinâmica às quais estarão submetidos devem ser limitadas. Uma vez
que estas cargas variam diretamente com as amplitudes de movimento de
primeira-ordem do sistema flutuante, daí decorrem exigências mais restritivas
Hidrodinâmica 8

quanto ao comportamento em ondas dos sistemas que desejem empregar risers


rígidos.
Há, ainda, uma outra fonte de economia diretamente dependente de uma
boa resposta em ondas: a possibilidade de se adotar a chamada completação
seca. Por “completação seca” entende-se que todo o comando de válvulas do
poço é instalado no próprio sistema flutuante e não nas cabeças dos poços sobre
o leito do mar (conhecido como sistema de completação molhada).
À medida que a produção avançava para profundidades maiores, diferentes
concepções de casco foram desenvolvidas. As plataformas semi-submersíveis,
tipo de casco que reinava praticamente absoluto entre os sistemas flutuantes de
produção nas décadas de 1970 e 1980, passaram a perder espaço para novas
concepções como as plataformas de pernas tracionadas (Tension Leg Platforms,
ou TLPs) e as plataformas SPAR.
Os cascos das plataformas TLP em
muito se assemelham aos das semi-
submersíveis, mas seus movimentos
verticais são reduzidos mecanicamente
pela ação de tendões pré-tracionados
fundeados verticalmente no fundo do
mar, os quais também conferem a
necessária restauração da plataforma
no plano horizontal. Plataformas TLP
passaram a ser empregadas
especialmente no Golfo do México e
hoje operam instaladas em
Figura 2 – Representação de Plataforma TLP
profundidades superiores a 1000
metros.
Hidrodinâmica 9

Ao contrário das plataformas TLP, as


chamadas plataformas SPAR procuram
reduzir seus movimentos verticais
minimizando as forças hidrodinâmicas
de ondas. Seus cascos cilíndricos de
grandes calados proporcionam baixa
excitação em primeira-ordem, tirando
proveito do decaimento exponencial do
campo de pressões linear induzindo
pelas ondas com a profundidade.
Figura 3 – Concepção de Plataforma SPAR

Obviamente, a redução de movimentos verticais almejada pelos novos


sistemas apresenta um custo em termos de projeto. As TLPs são concepções de
altíssimo custo inicial. As plataformas SPAR, por sua vez, sofrem com outros tipos
de excitação hidrodinâmica, como os movimentos induzidos por vórtices (vortex
induced motions, ou VIM) resultantes da ação de correntezas marítimas. Para
atenuar estes movimentos, supressores de vórtices (denominados strakes) devem
ser posicionados ao longo do casco da plataforma e representam um custo
considerável.
No Brasil, condições ambientais menos severas do que aquelas que se
apresentam no Golfo do México ou no Mar do Norte aliadas a uma conjuntura
econômica particular da Petrobras, levou à priorização de uma configuração
diferente de sistema de produção: os sistemas FPSO (Floating Production,
Storage and Offloading systems). Ao final da década de 1980, a Petrobras
contava com uma frota de navios petroleiros do tipo VLCC (Very Large Crude
Carrier) prestes a se tornar obsoleta por sua idade média e também em virtude de
novas leis internacionais de navegação que exigiam cascos-duplos para
petroleiros. A possibilidade de conversão destes navios em sistemas de produção
abria, então, uma alternativa econômica interessante para o emprego destes
navios e, tomando partido de condições ambientais relativamente brandas nas
Hidrodinâmica 10

costas brasileiras, vários sistemas FPSO passaram a ser instalados na Bacia de


Campos já no início da década de 1990.

Os sistemas FPSO apresentavam


vantagens consideráveis em termos de
payload e capacidade de
armazenamento do óleo, mas seus
elevados movimentos em ondas
inviabilizavam o emprego direto de
risers rígidos e a completação seca.
Figura 4 – Sistema FPSO

Em virtude destas condições particulares, os sistemas oceânicos flutuantes


que entraram em operação no Brasil nos últimos anos foram quase todos
baseados em sistemas FPSO e em plataformas semi-submersíveis.
No entanto, como mencionado acima, o emprego de FPSOs traz consigo
problemas inerentes principalmente aos elevados movimentos induzidos por
ondas. Como seus cascos não foram projetados para serem “transparentes” às
ondas, estes sistemas são normalmente sujeitos a movimentos verticais de
grandes amplitudes se comparados aos outros tipos de sistemas flutuantes. As
forças de correnteza experimentadas por seus cascos também podem atingir
valores elevados, exigindo sistemas de amarração mais robustos. Inicialmente,
procurando minimizar os esforços ambientais combinados de ondas, ventos e
correntezas, os sistemas FPSO eram usualmente concebidos na chamada
configuração Turret. Este tipo de configuração consiste em um cilindro inserido na
proa do navio e que suporta todos os risers e linhas de amarração. Através de um
sistema de rolamentos, o casco pode, então, pivotar em torno do turret, permitindo
que o navio se alinhe com a resultante dos esforços ambientais. Mais
recentemente, porém, sistemas alternativos de amarração passaram a ser
empregados, caso por exemplo do sistema SMS (Spread-Mooring System), o qual
consiste, basicamente, em dois conjuntos de amarras com rigezas diferentes à
proa e à popa do FPSO, conferindo apenas uma baixa flexibilidade ao sistema em
Hidrodinâmica 11

termos de aproamento. Qualquer que seja a configuração da amarração, contudo,


os sistemas FPSO sofrem intensas solicitações ambientais. Em situações
extremas de ondas os movimentos verticais são de tal ordem que inviabilizam o
emprego direto de risers rígidos, uma séria desvantagem deste tipo de sistema.
A operação de descarregamento (ou alívio) dos sistemas FPSO envolve o
acoplamento de um navio petroleiro (shuttle), normalmente à popa do navio-
cisterna, e o transbordo do óleo é realizado através de um mangote. Dependendo
do porte relativo dos dois navios, esta operação pode levar dias, período no qual
os navios estarão sujeitos a variações climáticas de ondas, correnteza e ventos.

O sistema composto pelos dois navios


acoplados (em tandem) pode apresentar
problema de instabilidade dinâmica,
conhecido por fishtailing. O risco
inerente à operação faz com que
normalmente sejam empregados
rebocadores ou, mais recentemente,
navios aliviadores dotados de sistema
Figura 5 – Operação de Alívio de Sistema
de posicionamento dinâmico (SPD).
FPSO

De qualquer forma, a operação de alívio envolve um risco considerável e


tem sido objeto de diversos estudos numéricos e experimentais. Devido à
proximidade entre os dois corpos, os efeitos de interferência hidrodinâmica entre
os dois navios desempenham um papel importante nas forças de ondas e de
correnteza e, consequentemente, na dinâmica do sistema tandem. Apenas alguns
simuladores dinâmicos no mundo são capazes de considerar os efeitos de
interferência de origem potencial (nas forças de ondas) ao longo das simulações
de operações de alívio e poucos possuem um modelo teórico ou numérico
consolidado para o cálculo das interferências nas forças de correnteza e vento.
Este tópico é um dos objetos atuais de pesquisa na área.
Outro tema central para a engenharia oceânica atual continua sendo o
desenvolvimento de novas concepções de casco que combinem um bom
Hidrodinâmica 12

comportamento em ondas (viabilizando o emprego de risers rígidos) com outras


características que facilitem a viabilização econômica da exploração em águas
profundas como, por exemplo, a capacidade de armazenamento do óleo ou a
possibilidade de emprego de completação seca. Novas propostas de casco estão
sendo analisadas atualmente para o cenário nacional como possibilidades
promissoras.
Uma dessas concepções é a chamada
plataforma MonoColuna, consistindo
em um casco cilíndrico dotado de uma
abertura interna (moonpool) cuja
função é reduzir os movimentos de
ondas do casco. Um sistema deste
tipo foi projetado no PNV EPUSP em
parceria com a Petrobrás (projeto
MonoBR) e alia bom comportamento
em ondas, capacidade de

Figura 6 – Plataforma MonoBR armazenamento de óleo além de


permitir completação seca.

O PNV participa também do desenvolvimento de uma nova concepção de


casco FPSO, denominado FPSOBR, que apresenta uma nova geometria e
dimensões maiores do que os FPSOs atuais, visando reduzir os movimentos de
primeira-ordem induzidos por ondas e viabilizar o emprego de risers rígidos.
Simultaneamente, novas plataformas semi-submersíveis encontram-se em
construção para operação na Bacia de Campos. Em geral, a configuração atual se
baseia em quatro colunas e quatro pontoons e os cascos apresentam dimensões
avantajadas (com deslocamentos superiores a 80.000 toneladas).
Como ponto em comum, estes novos sistemas se caracterizam por um
aumento de suas dimensões principais, se comparados aos sistemas mais
antigos. Isto serve a dois propósitos interessantes: em primeiro lugar, propicia um
aumento do payload e, portanto, da capacidade de produção, o que favorece a
viabilidade econômica para sistemas em águas ultra-profundas.
Hidrodinâmica 13

Concomitantemente, permite uma elevação dos períodos naturais de movimento


de heave, roll e pitch (valores acima de 30 segundos são típicos para estes
sistemas) e, assim, os afasta dos períodos de ondas de maior energia e garante,
por fim, menores movimentos de primeira-ordem.
Todavia, esses benefícios não se apresentam sem acarretar o
aparecimento de novos problemas. Ensaios em tanque de provas destas novas
concepções já apontam para o preocupante aparecimento de ressonâncias nos
movimentos verticais induzidas por efeitos hidrodinâmicos não-lineares, fato, até
então, não observado para plataformas semi-submersíveis ou sistemas FPSO.
Este tipo de fenômeno pode ter impacto sobre o projeto da unidade flutuante,
especialmente em termos de fadiga dos risers rígidos, e também constituiu um
novo e importante tema de investigação.
Em resumo, passeando através desta breve introdução, é possível
perceber que os desafios impostos pela exploração de petróleo e gás em águas
profundas e ultra-profundas são enormes. Vários tópicos de pesquisa e
desenvolvimento na área de hidrodinâmica ainda estão em aberto e requerem
extensos estudos teóricos, numéricos e experimentais. Cada vez mais, o
engenheiro que pretende atuar nesta área precisa aprofundar seus conhecimentos
técnicos na busca de soluções adequadas para estes problemas. O objetivo deste
curso é apresentar alguns dos fundamentos de hidrodinâmica necessários para
um estudo mais específico de diversos problemas atuais na área de engenharia
naval e oceânica. Ao longo de todo o texto, procura-se relacionar os tópicos de
estudo com as tarefas de responsabilidade dos profissionais desta área,
descrevendo os principais problemas práticos associados a estes tópicos e
orientando estudos futuros.

Uma Breve Discussão sobre o Estado da Arte

O avanço da capacidade de processamento numérico presenciado nas


últimas décadas possibilitou um significativo progresso dos métodos numéricos
para a engenharia em geral e hoje o projetista conta com uma vasta gama de
Hidrodinâmica 14

ferramentas numéricas já bem consolidadas. Todavia, os alunos de engenharia


naval e oceânica percebem, desde o início do curso, que as técnicas
experimentais são ainda hoje de fundamental importância para a área, tanto em se
tratando do projeto de navios como para o projeto de sistemas oceânicos. Em se
tratando de hidrodinâmica, o que se observa hoje é uma crescente interação entre
métodos numéricos e experimentais, o que tem proporcionado processos de
projeto mais expeditos, reduzindo o número de ensaios necessários entre as fases
de concepção e o projeto final de um navio ou sistema oceânico.
O emprego das chamadas ferramentas numéricas de computational fluid
dynamics (CFD) destinadas à solução aproximada de problemas de escoamentos
de fluidos reais já é relativamente comum no projeto de navios para auxiliar na
predição de resistência ao avanço e propulsão. Em função principalmente dos
elevados números de Reynolds que caracterizam o problema, a aplicação dessas
técnicas é, ainda hoje, limitada, e não permite excluir totalmente as avaliações
experimentais em tanque de provas e outras técnicas de previsão. Contudo,
análises de CFD são incorporadas rotineiramente nas etapas preliminares de
projeto por exemplo para a avaliação de variações geométricas nos cascos e nos
apêndices, eliminando assim a necessidade de um grande número de modelos em
escala reduzida ou do emprego de métodos estatísticos e suas inerentes
imprecisões. Ainda no tocante à resistência ao avanço, ferramentas
computacionais baseadas no método de elementos de contorno (boundary-
elements method, BEM) são amplamente empregadas, por exemplo, para o
estudo do corpo de proa e da influência do bulbo na geração de ondas. Com isso,
é possível perceber um declínio constante nas encomendas de testes realizadas
por estaleiros nos principais tanques de provas mundiais desde a década de 1980.
Este declínio é parcialmente compensado, por outro lado, por um aumento dos
ensaios financiados por instituições de fomento à pesquisa e destinados
principalmente à validação dos códigos numéricos.
Quando se trata do estudo de manobras, a aplicabilidade dos métodos de
CFD fica ainda mais comprometida. A grande influência de efeitos viscosos
devidos a variações na esteira rotacional e as alterações no campo de ondas
Hidrodinâmica 15

associadas às acelerações do corpo não podem ser reproduzidas numericamente


com a precisão necessária. Ainda hoje, portanto, a avaliação de manobras recai
sobretudo no emprego de métodos semi-empíricos nos quais as forças
hidrodinâmicas são calibradas através de coeficientes experimentais obtidos em
tanques de provas. Testes de manobras controladas com modelos cativos são
realizados para a obtenção de coeficientes de forças hidrodinâmicas que serão
introduzidos nas equações do movimento do navio e que, assim, permitirão uma
avaliação de seu comportamento por intermédio de simuladores dinâmicos.
No que se refere ao estudo de comportamento no mar (seakeeping), por
usa vez, os métodos numéricos já assumem um papel crucial há décadas. Em
virtude da menor influência de efeitos de viscosidade no escoamento, o problema
normalmente pode ser tratado sob a ótica dos escoamentos potenciais, o que
permite soluções numéricas com maior grau de precisão. Para o projeto de navios,
ensaios de comportamento no mar já são realizados apenas para efeitos de
validação do projeto final, com exceção de alguns tipos particulares de
embarcações (caso dos navios ro-ro), para os quais as regulamentações da IMO
(International Maritime Organization) ainda exigem alguns estudos experimentais
relativos à segurança no mar. No projeto de sistemas oceânicos, devido às
maiores restrições sobre os movimentos induzidos por ondas, os ensaios em
tanque de provas ainda são parte inerente do processo de projeto, especialmente
em se tratando de novas concepções de cascos. Todavia, o emprego de
programas de BEM em etapas preliminares de projeto para a predição das
características de comportamento no mar já é uma atividade corriqueira.
A aplicação de métodos numéricos baseados em BEM para a predição do
comportamento no mar de embarcações com velocidade de avanço apresenta um
fator complicador representado, basicamente, pela superposição do campo de
ondas estacionário gerado pelo deslocamento da embarcação com os campos de
ondas irradiados e difratados pela mesma. Quando a velocidade de avanço não é
nula, é necessário discretizar a superfície-livre do fluido e a existência de diversos
campos de ondas com comprimentos e direções de propagação diferentes
dificultam o ajuste da malha numérica e a solução do problema. Em aplicações
Hidrodinâmica 16

offshore, por outro lado, normalmente se trabalha com o problema de velocidade


de avanço nula. Nesse caso, a solução do problema é mais simples e, nas
análises lineares, normalmente é possível evitar a necessidade de discretização
da superfície-livre através do emprego de funções matemáticas (funções de
Green) que satisfazem automaticamente a condição de contorno linearizada na
superfície. Os métodos baseados em BEM (normalmente conhecidos como
métodos de painéis - panel methods) podem determinar as forças e os
movimentos induzidos por ondas tanto no domínio da frequência (aplicação mais
comum) como no domínio do tempo.
Desde o início da década de 1980,
pacotes comerciais (como os programas
WAMIT, WADAM, AQWA e outros)
foram rapidamente aceitos pela indústria
e instituições de pesquisa e hoje são
amplamente empregados em projetos
da área offshore. Movimentos e forças
de primeira-ordem são calculados
Figura 7 – Malha numérica de plataforma S/S
através destes programas de forma
gerada para emprego de software baseado
confiável e com excelente precisão. em BEM

Todavia, muitos dos problemas de interesse na área naval e oceânica são


inerentemente não-lineares e, nestes casos, a análise numérica se torna muito
mais complexa e onerosa em termos computacionais. Deve-se ter em mente que
o processo de linearização do problema de valor de contorno que caracteriza as
análises de comportamento no mar admite, como premissas básicas, baixa
declividade de ondas e pequenos movimentos do corpo flutuante. Assim, os
movimentos de navios ou plataformas em mares extremos certamente apresentam
não-linearidades com respeito à altura das ondas, mas, para efeitos práticos de
projeto, costuma-se desconsiderá-las. As chamadas forças de deriva-média em
embarcações são um fenômeno não-linear que também pode ser tratado através
de aproximações com base exclusivamente nos resultados de análises lineares,
sem maiores consequências na maioria dos casos. No entanto, alguns problemas
Hidrodinâmica 17

mais específicos requerem necessariamente uma abordagem não-linear. Na área


naval, um exemplo clássico é o problema de resistência adicional em ondas
(added resistance in waves), causada na maior parte por perturbações do
escoamento ao redor do casco devidas ao movimento do navio em ondas. Em
virtude destas perturbações, a resistência ao avanço do navio será maior em
ondas do que em águas calmas. Trata-se de um efeito de segunda-ordem
proporcional ao quadrado das amplitudes de movimento do navio. Exemplos de
problemas na área offshore que exigem um tratamento não-linear incluem a
predição de air-gap em plataformas semi-submersíveis, o problema de wave runup
em colunas de plataformas e cascos de navios (e consequentemente, a predição
de embarque de água no convés ou greenwater). Nestes casos, os efeitos não-
lineares são fundamentais para uma correta avaliação do problema em situações
extremas de ondas, uma vez que os mesmos serão tanto maiores quanto maior
for a declividade das ondas (wave steepness). Pode-se mencionar ainda os efeitos
de springing (forças verticais de segunda-ordem em alta frequência) e ringging
(forças causadas pelo impacto de ondas de alta declividade sobre o casco) que
excitam os tendões de plataformas TLPs. Problemas de excitação de movimentos
ressonantes por forças de segunda-ordem de baixa frequência são usuais em
plataformas do tipo SPAR (slow-pitch e/ou slow-roll) e, mais recentemente,
começaram a ser observados também em plataformas semi-submersíveis e até
mesmo em sistemas FPSOs em razão do aumento de suas dimensões e períodos
naturais de oscilação.
Via de regra, para o tratamento dos problemas mencionados acima, uma
análise numérica racional ainda não é viável como parte da metodologia
tradicional de projeto, quer seja pela falta de maior consolidação e/ou validação
dos métodos disponíveis, ou em função dos elevados custos computacionais
envolvidos. Assim, em muito dependem, ainda hoje, de análises experimentais e
do emprego de modelos semi-empíricos ou abordagens estatísticas. No que se
refere ao comportamento no mar de navios ou plataformas oceânicas, a
modelagem analítica ou numérica destes problemas não-lineares constitui,
Hidrodinâmica 18

atualmente, um dos principais focos de pesquisa e desenvolvimento na área


hidrodinâmica.

A Bibliografia Básica do Curso

A bibliografia referenciada ao longo deste texto é extensa e compreende


desde livros indicados para um acompanhamento geral do curso até trabalhos que
abordam problemas específicos com elevado grau de profundidade. Nesta seção,
pretende-se discutir os primeiros, através de uma revisão sucinta dos principais
textos que devem ser adotados pelos alunos como um complemento fundamental
para os estudos.
Faltinsen (1990) apresenta uma visão geral dos problemas enfrentados na
área de hidrodinâmica de navios e sistemas oceânicos. O livro apresenta uma
visão geral dos modelos teóricos e das técnicas experimentais e numéricas
usualmente adotadas no tratamento destes problemas. Não há uma abordagem
aprofundada em cada tópico, mas o livro é bastante completo e ainda apresenta
uma excelente coleção de referências para estudos suplementares, o que o torna
uma boa opção para uma primeira leitura.
Bertram (2000) trata exclusivamente da hidrodinâmica de navios. Por ser
um livro mais recente, é uma boa referência para um primeiro contato com os
métodos numéricos empregados atualmente para o estudo de resistência ao
avanço, propulsores, comportamento no mar e manobras.
Uma excelente apresentação da teoria linear de ondas de gravidade e da
modelagem teórica de comportamento no mar de sistemas oceânicos pode ser
encontrada em Newman (1977), texto que já pode ser considerado clássico em
hidrodinâmica marítima. O enfoque apresentado é eminentemente teórico e requer
um conhecimento básico prévio de mecânica dos fluidos e cálculo. É uma leitura
fortemente recomendada para o acompanhamento do curso.
O livro de Dean & Dalrimple (1991) é uma excelente referência para o
estudo de teoria de ondas de gravidade, incluindo aí efeitos lineares e não-
lineares em ondas livres. Massel (1996), por sua vez, discute tópicos mais
Hidrodinâmica 19

específicos da teoria de ondas do mar com maior profundidade, como, por


exemplo, aspectos da teoria de geração de ondas e abordagem estatística das
ondas do mar (espectros de energia). Uma outra boa opção para um estudo mais
profundo da teoria de ondas é o livro de Mei (1989).
Leeandowsky (2004) dedica metade de seu livro à modelagem do problema
de comportamento no mar. Price & Bishop (1974), outro livro já clássico em
hidrodinâmica marítima, tratam do mesmo problema, mas aqui sob um enfoque
probabilístico. Já Chakrabarti (1994) discute exclusivamente técnicas
experimentais empregadas para diversos fins no contexto de hidrodinâmica
marítima e representa uma ótima fonte complementar para as discussões
referentes a ensaios em tanques de provas com modelos em escala reduzida.
Hidrodinâmica 20

2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS

Todos os homens tendem, por natureza, a saber.


Aristóteles (Metafísica)

Um primeiro objetivo deste capítulo é rever alguns conceitos básicos de


mecânica dos fluidos que permitirão recordar as hipóteses fundamentais por trás
do estudo do escoamento de fluidos ideais. O entendimento destas hipóteses e
suas implicações é necessário para se divisar com exatidão as vantagens obtidas
em termos de complexidade matemática do problema e, principalmente, as
limitações desta abordagem. Assim, a seção 2.1 trará uma revisão das equações
de movimento que descrevem a dinâmica de um fluido. Uma vez que todos os
conceitos e a formulação apresentados já foram discutidos ao longo do curso de
graduação, não haverá a preocupação em se deter nos pormenores das deduções
matemáticas, devendo o aluno recorrer, para isto, aos textos básicos de mecânica
dos fluidos ou mecânica dos meios contínuos. Além disso, não se pretende
simplesmente reproduzir uma série de equações que já foram vistas e revistas ao
longo do curso de graduação, o que tornaria a leitura, no mínimo, desinteressante.
Tirando proveito do fato que os conceitos fundamentais por trás da formulação já
foram (ou deveriam ter sido) absorvidos pelo aluno, procura-se, então, rever os
conceitos fundamentais sob uma perspectiva histórica e, até certo ponto,
cronológica. Esta abordagem pode não ser a melhor do ponto de vista didático,
mas (espero eu), torna a recordação mais instigante.
Já a seção 2.2, por sua vez, tratará exclusivamente da teoria de
escoamentos potenciais. A intenção aqui será a de estender os conceitos
apresentados na graduação através de uma discussão de aspectos matemáticos
fundamentais para uma maior compreensão da abordagem empregada no
equacionamento e das técnicas existentes para a solução de diferentes problemas
Hidrodinâmica 21

envolvendo escoamentos potenciais, dentre eles o problema de comportamento


no mar, que será apresentado mais adiante.
Por fim, deve-se mencionar que a notação seguida ao longo do texto segue
de perto aquela introduzida nas apostilas de PNV2342 (Hidrodinâmica) e
PNV2441 (Métodos Numéricos para Engenharia I).

2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva


histórica

As evidências da existência de fricção nos fluidos foram levantadas muito


antes dos estudos de Sir Isaac Newton (1642-1727)2, mas coube a Newton
formular, de maneira inédita, uma lei que descrevesse a interdependência entre as
tensões de cisalhamento entre diferentes “camadas do fluido” e os parâmetros que
caracterizam o movimento das mesmas. Em seu Philosophiae naturalis principia
(1687), Newton escreveu que se uma porção de um corpo fluido é mantida em
movimento, este movimento gradualmente se comunica ao restante do fluido.
Esse efeito, já observado muito antes de seu nascimento, foi atribuído por ele a
um defectus lubricitatis, ou seja, um “defeito de lubrificação” ou uma fricção interna
ou, finalmente, uma “viscosidade” (termo que, no entanto, não está presente em
sua obra).
Newton postulou uma lei para a fricção em um fluido que hoje em dia é
quase sempre ilustrado através do seguinte modelo: Considere-se duas placas
paralelas, cada qual com uma área unitária, separadas por uma região fluida
preenchendo a distância y, como representado na figura abaixo:

2 Para uma descrição mais detalhada sugere-se, por exemplo, a leitura de Tokaty (1994).
Hidrodinâmica 22

Figura 8 – Ilustração do modelo de fricção delineado por Newton

Se a placa superior é posta em movimento com uma velocidade V com


respeito à placa inferior, então o perfil de velocidades no fluido entre as placas é
linear e a força necessária para manter o movimento é proporcional a:

V dV
  ou   (2.1)
y dy

onde:
 coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido kg m.s ;
 : força de cisalhamento por unidade de área ou tensão de cisalhamento
(N/m2)

Após os estudos de Newton, a Mecânica dos Fluidos rapidamente ganhou


forte impulso em termos de sua modelagem matemática, mas 150 anos se
passariam após a lei postulada por Newton para que a viscosidade do fluido fosse,
finalmente, integrada às equações gerais do movimento dos fluidos.
Antes que isso acontecesse, ver-se-ia surgir a formulação matemática que
descreve os movimentos dos fluidos através de um equacionamento que hoje nos
é familiar e que, ao ignorar a influência da viscosidade, forma a base do que hoje
conhecemos como dinâmica dos fluidos ideais.
Hidrodinâmica 23

Leonhard Euler (1707-83)3, de forma inédita, empregou de forma


sistemática e organizada os conceitos relativamente recentes de cálculo
diferencial e integral ao estudo da dinâmica de meios contínuos e, dessa forma,
deduziu um conjunto de equações que lhe rende o título de fundador da área que
hoje conhecemos como Mecânica dos Fluidos. Foi somente a partir dos trabalhos
deste grande matemático que a dinâmica dos escoamentos passou a ser
estudada através de uma modelagem matemática estruturada. Em 1755, Euler
aplicou os conceitos da segunda lei do movimento de Newton ao problema de
escoamento de um fluido. Para os chamados escoamentos incompressíveis e com
fluido homogêneo (=cte), o conjunto de equações diferenciais que representa as
equações de movimento propostas por Euler e que leva seu nome é dado por:

Dv x v x v v v 1 p
  vx x  v y x  vz x    gx
Dt t x y z  x
Dv y v y v y v y v y 1 p
  vx  vy  vz   gy (2.2)
Dt t x y z  y
Dv z v z v v v 1 p
  vx z  v y z  vz z    gz
Dt t x y z  z

       
nas quais o campo vetorial v ( x, t )  v x ( x, t )i  v y ( x, t ) j  v z ( x, t )k representa o

campo de velocidades do fluido e, juntamente com o campo escalar p( x , t ) que
representa o campo de pressões no escoamento, definem o conjunto de quatro
incógnitas a serem determinadas como solução deste problema matemático.
Em sua forma vetorial, a equação de Euler pode ser escrita de forma mais
compacta:

v   1 
 v (v )   p  g (2.3)
t 

3 Euler, Leonhard (1707-83): brilhante matemático suíço, gerou contribuições fundamentais para
diversos ramos da matemática e suas aplicações: equações diferenciais, séries infinitas, cálculo de
variações, funções analíticas, mecânica e hidrodinâmica. Foi um dos nomes de maior destaque na
ciência durante o século XVIII.
Hidrodinâmica 24

No conjunto de equações (2.2), representa a densidade (ou massa


específica) do fluido. Percebe-se, portanto, que o conjunto de forças sugerido por
Newton e expresso em (2.1) não se encontra incorporado às Equações de Euler.
As equações de Euler representam as equações de movimento de escoamentos
do que hoje conhecemos como fluidos ideais (incompressíveis e inviscidos).
Euler introduziu, também, o conceito de linhas de corrente (streamlines),
definindo-as como o conjunto de curvas (imaginárias) tangentes em cada ponto ao
vetor velocidade doescoamento. Se uma destas curvas é descrita
 
parametricamente por x  x (s, t ) em um instante de tempo t qualquer, então as
linhas de corrente são as soluções de:

dx  
 v ( x, t )
ds
em um instante de tempo fixo t. Em um sistema de coordenadas cartesianas, esta
equação vetorial dá origem a três equações escalares:
dx dy dz
 vx ;  v y ;  vz
ds ds ds
ou, de maneira equivalente:
dx dy dz
  (2.4)
vx v y vz

Obs: As linhas de corrente não devem ser confundidas com as trajetórias (paths)
descritas pelas partículas fluidas e representadas por:

dx  
 v ( x, t )
dt
e, portanto, as linhas de corrente coincidem com as trajetórias das partículas, em
geral, apenas para o caso de escoamento permanente.

Outra inestimável contribuição de Euler foi a dedução da equação da


continuidade em sua forma diferencial, a qual expressa a conservação de massa
do escoamento na forma:
Hidrodinâmica 25

   ( v x )  ( v y )  ( v z ) 
   0 (2.5)
t  x y z 

e que, sob a hipótese de fluido incompressível e homogêneo se reduz


simplesmente a:

   v v y v z 
divv    v   x   0
 (2.6)
 x y z 

Dessa forma, tem-se um conjunto de quatro equações formado por (2.2) e


(2.6) que permite obter as quatro incógnitas procuradas, as quais, uma vez
determinadas, caracterizam qualquer escoamento de fluido ideal.
Euler abriu, dessa forma, um novo campo para o estudo de escoamentos
fluidos, até então de caráter eminentemente empírico. Como escreveu Lagrange4,
“através das descobertas de Euler, toda a mecânica dos fluidos foi reduzida a um
problema de cálculo e, se as equações algum dia se mostrarem integráveis, as
características do escoamento e o comportamento de um fluido sob a ação de
forças estarão determinados para todas as circunstâncias”. Na verdade, hoje
percebemos um certo exagero na constatação de Lagrange, mas é inegável que o
trabalho de Euler forneceu todas as bases para avanços posteriores, como a
própria incorporação dos efeitos de viscosidade.
De fato, o próprio Lagrange chegou à conclusão que as Equações de Euler
poderiam ser resolvidas apenas em duas condições específicas: escoamentos
  
irrotacionais ( rotv    v  0 ) ou escoamentos rotacionais, mas permanentes. O

primeiro caso levou à definição do potencial de velocidades  ( x, t ) , uma função
  
escalar com a seguinte propriedade: v ( x, t )   ( x, t ) .

4 Lagrange, Joseph Louis (1716-1813): nascido na Itália, desenvolveu seus trabalhos mais
importantes na França e revolucionou o estudo da mecânica. Foi um dos fundadores do cálculo
variacional, posteriormente expandido por Wierstrass, e introduziu os princípios analíticos no
estudo da mecânica e fluido-dinâmica.
Hidrodinâmica 26

Observando a equação de Euler (2.3) e lembrando a identidade (verificar


como exercício):
  1    
v (v )  (v  v )  v  (  v )
2
pode-se escrever:

v 1 p   
  v 2      v  (  v )
t 2  
onde já se adotou a hipótese de que as forças de campo são exclusivamente
conservativas e, portanto, podem ser escritas por um potencial de força  (se as
 
únicas forças atuantes forem gravitacionais e g   gk , então    gz ).
  
Mas, se o escoamento for potencial ( v ( x, t )   ( x, t ) ), então,
  
necessariamente (demonstrar): rotv    v  0
e a equação de Euler se reduz a:
  1 2 p  
  v      0
 t 2  

Lagrange então deduziu que (e esta é a conhecida integral da equação de Euler


proposta por Lagrange para escoamentos irrotacionais de fluido incompressível):

 1 2 p
 v     C (t ) (2.7)
t 2 

No caso particular de escoamento irrotacional e permanente  t  0 e,


portanto:
1 2 p
v   C (2.8)
2 
Hidrodinâmica 27

As equações (2.7) e (2.8) são duas formas da conhecida equação atribuída


a Daniel Bernoulli5, deduzidas para o caso particular de escoamento irrotacional.
Bernoulli, contemporâneo de Euler, realizou uma série de estudos sobre
escoamentos de fluidos. Foi o responsável pelo primeiro texto didático em
mecânica dos fluidos, seu Hydrodynamica (1738), no qual relaciona, de forma
inédita, o campo de pressões ao campo de velocidades. É interessante notar,
todavia, que as relações deduzidas por Bernoulli apresentam uma forma diferente
daquela expressa na equação que hoje carrega seu nome, obtida mediante a
integral das Equações de Euler deduzida por Lagrange.
Deve-se notar também, que a equação de Bernoulli também é válidas para
o segundo caso previsto por Lagrange, o caso de escoamentos permanentes e
rotacionais, embora, neste caso, sua aplicação seja restrita às linhas de corrente
do escoamento. De fato, retomemos a equação:

v 1 p   
  v 2      v  (  v )
t 2  

Uma vez que o escoamento é permanente v t  0 e, portanto:

1 p   
 v 2      v  (  v )
2  
Sabe-se que f é um vetor perpendicular à superfície f(x)=cte, e, assim, o vetor
 
v  (  v ) deve ser perpendicular às superfícies nas quais:
1 2 p
v   C (2.9)
2 
   
Mas, v  (  v ) é perpendicular tanto a v como a   v . Dessa forma, as
superfícies nas quais a equação (2.9) se aplica são as superfícies que contém os
 
vetores v e   v . Um conjunto de linhas que satisfaz esta propriedade é o
conjunto de linhas de corrente do escoamento. Assim, embora as equações (2.8)
e (2.9) sejam matematicamente idênticas, no caso de escoamentos permanentes

5 Bernoulli, Daniel (1700-82): Nascido na Holanda, membro de uma famosa família suíça da qual
vários se destacaram como importantes matemáticos, é conhecido por seus trabalhos em
mecânica dos fluidos e teoria cinética dos gases. Também trabalhou em astronomia e magnetismo.
Hidrodinâmica 28

rotacionais, (2.9) se aplica apenas ao longo de uma linha de corrente. Valores


diferentes da constante C são atribuídos às diferentes linhas de corrente. Já no
caso de escoamentos irrotacionais (permanentes ou não) a equação de Bernoulli
(na forma (2.8) ou (2.7)) se aplica indistintamente entre quaisquer pontos no
domínio do fluido.
Ao longo do século XVIII, a fluido-mecânica se desenvolvia rapidamente.
Vários pesquisadores trabalhavam em diversos problemas práticos de
escoamentos fluidos, debruçados sobre o novo ferramental proporcionado pelo
cálculo diferencial e integral. Dentre estes trabalhos, merece destaque, por
exemplo, o estudo realizado por D’Alembert6 sobre a resistência oferecida por um
fluido a corpos que se deslocam com velocidade constante através do mesmo. Em
sua obra Essai d’une nouvelle theorie de la resistance des fluides (1752),
D’Alembert introduziu o importante conceito de ponto de estagnação e chegou à
perturbadora conclusão de que a teoria indicava que a resistência total oferecida
pelo fluido seria nula (o conhecido Paradoxo de D’Alembert).
Estudos experimentais também proliferavam, como os trabalhos realizados
por Chevalier de Borda (1733-99). Borda estudou os efeitos de constrição do fluxo
através de tubos e também soou um alarme quanto ao fato que os resultados nem
sempre pareciam em harmonia com as leis formuladas por Bernoulli e Lagrange,
pois, explica, quando um escoamento encontra uma expansão súbita (de área),
ele é perturbado de tal maneira que acaba perdendo parte de sua “living force”. Na
verdade, as observações de Borda se relacionam com a separação da camada-
limite e com a turbulência, conceitos que só seriam entendidos anos mais tarde.
Ficava cada vez mais claro, portanto, que a mecânica dos fluidos carecia
de uma formulação mais geral. O próximo “salto” qualitativo viria com a publicação
do trabalho de Claude Louis Navier7 que, unindo a hipótese de fricção de Newton

6 D’Alembert, Jean le Rond (1717-83): Matemático francês desenvolveu diversos trabalhos em


mecânica geral e mecânica dos corpos celestes, além de fazer importantes contribuições à teoria
de equações diferenciais a derivadas parciais.
7 Navier, Claude Louis Marie Henri (1785-1836): Matemático francês que realizou diversos
trabalhos na área de mecânica. É mais conhecido por suas equações de movimento de fluidos
que, de forma inédita, incluíram efeitos de viscosidade.
Hidrodinâmica 29

a observações experimentais, incluiu, de forma inédita, as forças de cisalhamento


oriundas da ação da viscosidade do fluido, complementando as equações
originalmente propostas por Euler:

 v     
   v (v )   p  v  g (2.10)
 t 
ou, na forma escalar:

v x v v v 1 p   2v  2vx  2vx 
 vx x  v y x  vz x      2x     gx
t x y z  x  x y 2 z 2 
v y v y v y v y 1 p   2v y  2v y  2v y 
 vx  vy  vz    2    g
t x y z  y  x  y 2
 z 2  y
 
v z v v v 1 p  v2
 vz  vz 
2 2
 vx z  v y z  vz z      2z   2   g z
t x y z  z  x  y 2
z 
(2.11)

As equações acima são conhecidas como Equações de Navier-Stokes8.


No conjunto de equações (2.10) e (2.11),  representa a chamada
constante de viscosidade dinâmica (    é o coeficiente de viscosidade
cinemática). O termo entre parênteses no lado esquerdo da equação corresponde
ao campo de acelerações do fluido definido segundo a representação Euleriana do

escoamento. O termo ( gradp  v ) é o próprio divergente do chamado Tensor
de Tensões sob a hipótese de fluido newtoniano e engloba todas as chamadas
forças de superfície (forças de pressão e tensões de cisalhamento) atuantes sobre
as partículas fluidas. Lembramos que o operador “nabla” é dado por:

 2 (.)  2 (.)  2 (.)


(.)   2 (.)   
x 2 y 2 z 2

8 Em um trabalho apresentado à Academie de Sciences, em Paris, em 18 de março de 1822,


Navier apresentou, pela primeira vez, sua teoria, cujas equações seriam publicadas anos depois.
Em uma forma diferente, as mesmas equações foram obtidas por Sir George Gabriel Stokes (1819-
1903), físico-matemático britânico, em um trabalho datado de 1845.
Hidrodinâmica 30

Deve-se observar que aproximadamente 150 anos se passaram entre a Lei


de fricção de Newton e a incorporação dos efeitos de viscosidade nas equações
de movimento do fluido. A partir dos trabalhos de Navier e Stokes, uma nova
perspectiva se abriu na área de mecânica dos fluidos: o estudo dos chamados
fluidos reais.
Quanto ao escopo deste curso, focado no estudo de ondas de gravidade e
no problema de comportamento no mar, no entanto, normalmente os efeitos de
viscosidade são pequenos o suficiente para que possamos considerá-los
desprezíveis ou, alternativamente, propormos correções externas aproximadas
que os incorporem, de alguma forma, quando necessário. Assim, o arcabouço
matemático sobre o qual nos basearemos corresponde, em sua maior parte, ao
estudo de fluidos ideais e, em especial, ao problema de escoamentos potenciais,
aos quais daremos maior atenção no restante deste capítulo.

2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Escoamento Potencial

Apesar de suas óbvias limitações, o estudo de escoamentos potenciais é


de suma importância na mecânica dos fluidos e, em particular, na hidrodinâmica
marítima. A teoria do potencial constitui a base sobre a qual se fundamenta a
Teoria de Ondas de Gravidade e, portanto, o estudo do comportamento no mar,
como veremos nos próximos capítulos.
Trataremos aqui de escoamentos incompressíveis e irrotacionais, hipóteses
que, do ponto de vista matemático, introduzem grandes simplificações, como foi
possível perceber nas discussões realizadas anteriormente. Neste contexto,
veremos que a equação da continuidade é expressa pela equação de Laplace. As
equações do movimento do fluido, que incorporam a dinâmica do escoamento, se
reduzem às equações de Bernoulli (2.7) ou (2.8).
No curso de mecânica dos meios contínuos uma introdução ao problema de
escoamento potencial ao redor de corpos submersos foi apresentada. Vimos que
a hipótese básica para que a hipótese de escoamento potencial seja assumida é
Hidrodinâmica 31

que a camada-limite seja fina comparada com as dimensões características do


corpo, o que implica, por sua vez, que o número de Reynolds (Re) do problema
seja alto. Em outras palavras, as forças que regem a dinâmica do escoamento
devem ser preponderantemente de origem inercial.
O objetivo, no restante deste capítulo, é fazer uma breve revisão dos
conceitos fundamentais e, por vezes, recuperar tais conceitos através de uma
demonstração matemática mais rigorosa. Lembremo-nos de Lagrange ao observar
que, se a teoria em construção se mostrasse válida, todo o problema da dinâmica
dos fluidos se reduziria a um problema de cálculo. Lagrange queria dizer, de fato,
que esperava que se houvesse ultrapassado a barreira da transformação do
problema físico em um problema tratável pela lógica matemática. Mais de dois
séculos após a observação de Lagrange, muitos modelos matemáticos já se
encontram bem estabelecidos na área de hidrodinâmica. Por vezes, esses
modelos requerem o conhecimento de tópicos avançados de matemática.
Inegavelmente, um bom hidrodinamicista deve, necessariamente, aliar a
percepção do fenômeno físico a um vasto ferramental matemático. Para o
engenheiro que pretende se especializar na área de hidrodinâmica, o estudo de
diferentes tópicos de matemática (equações diferenciais a derivadas parciais,
teoria de funções a variáveis complexas, entre outros) deve ser encarado também
como condição necessária. Em suma, o que se pretende dizer com essa pequena
digressão é: “estamos frente a uma excelente oportunidade para revermos e
aprofundarmos os conceitos que vimos nas disciplinas de cálculo”.

2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades

Vimos que as equações de governo do movimento de fluidos ideais são as


equações de Euler (2.2) e a equação da continuidade (2.6). Vamos, aqui, discorrer
um pouco mais sobre a definição do chamado potencial de velocidades e as
simplificações matemáticas decorrentes da hipótese de escoamento irrotacional.
Definimos circulação em torno de uma curva fechada ct (contorno material)
como sendo:
Hidrodinâmica 32

  
   v ( x, t ).dr (2.12)
ct

O teorema de Kelvin (da conservação da circulação) afirma que em um


fluido ideal, sob ação de forças exclusivamente conservativas, a circulação em
torno de qualquer contorno material que se desloca com o fluido permanece
constante9, ou seja:
d d   
  v ( x , t ).dr  0 (2.13)
dt dt ct

O significado físico deste teorema pode ser entendido pelo fato de, na
ausência de efeitos de viscosidade e, portanto, de tensões de cisalhamento, não
haver forças capazes de alterar a taxa de rotação das partículas fluidas.
De acordo com (2.13), a circulação em um escoamento de fluido ideal é
constante com o tempo. Podemos considerar, então, sem perda de generalidade,
que o fluido tenha partido do repouso em algum instante de tempo passado e que,
portanto, =0 para qualquer instante de tempo e qualquer contorno material
definido no escoamento.
Por outro lado, o teorema de Stokes para um campo vetorial contínuo e
diferenciável relaciona o conceito de circulação com o conceito de vorticidade do
campo vetorial, na forma:
  
 rotv.ndS   v.dr
S S
(2.14)

onde S é a superfície limitada pelo contorno fechado S . O lado esquerdo da


equação (2.14) representa a vorticidade (em inglês, vorticity), enquanto o lado
direito é, por definição, a circulação, que deve ser nula para qualquer contorno
material. Assim, a vorticidade deve se anular para qualquer superfície S definida
no domínio do fluido e, portanto10:

9 A demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em Newman (1977), pgs. 103
e 104.
10 É importante observar que nem sempre conseguimos aplicar o teorema de Stokes, podendo
causar certa confusão. Isso ocorre, por exemplo, em problemas planos de escoamento potencial
em torno de corpos submersos. Qualquer contorno material que envolva o corpo não permite a
Hidrodinâmica 33

  
rotv    v  0
ou seja, o escoamento que conserva circulação deve ser, necessariamente,
irrotacional. Esta conclusão é extremamente importante, pois é possível
demonstrar que um campo vetorial para o qual o rotacional é identicamente nulo
pode ser representado como o gradiente de um campo escalar. Esta afirmação
pode ser demonstrada, sem maiores dificuldades, a partir do próprio teorema de
Stokes, como, aliás, pode ser encontrado na maioria dos textos de mecânica dos
fluidos. Outra forma de se verificar esse fato decorre do teorema de Helmholtz,
teorema fundamental do cálculo vetorial (a demonstração deste teorema pode ser

encontrada, por exemplo, em Wills (1958), pg. 121). Seja F um campo vetorial
finito e contínuo. O teorema de Helmholtz afirma que esse campo vetorial pode ser
decomposto em um campo gradiente (cujo rotacional é nulo) e um campo
solenoidal (cuja divergência é nula), na forma11:
 
F      A

onde  é uma função escalar e A um campo vetorial cuja divergência é nula. A

definição do campo vetorial A mostra que esse campo sempre poderá ser
 
considerado identicamente nulo se   F  0 12.
 
O campo de velocidades v ( x, t ) de um escoamento irrotacional pode,

portanto, ser descrito através do gradiente de uma função escalar  ( x, t ) ,
  
denominada potencial de velocidades: v ( x, t )   ( x, t )
Obviamente, o potencial de velocidades é uma abstração. Sua introdução,
contudo, permite uma grande simplificação matemática, uma vez que as três
componentes do vetor velocidade podem ser derivadas a partir de uma única

aplicação do teorema, pois a superfície interior não será definida exclusivamente por este contorno
(trata-se de um domínio que não é simplesmente conexo).

11 Uma importante conseqüência deste teorema é o fato de que o campo vetorial F estará
completamente determinado uma vez conhecidas a sua divergência e o seu rotacional.
 
12 Observar que   (  A   )    (  A)
Hidrodinâmica 34

função escalar. De fato, a equação da continuidade (2.6) para escoamentos


potenciais resulta, simplesmente:
   2   2  2  
divv    ( )   2  2  2     0 (2.15)
 x y z 

que é a conhecida equação de Laplace. Assim, em um escoamento potencial, o


campo de velocidades (e, portanto, de acelerações) decorre exclusivamente da
condição de conservação de massa. A solução da equação de Laplace (uma
equação diferencial linear de segunda-ordem a derivadas parciais) fornece
diretamente o potencial de velocidades e, dessa forma, o campo de velocidades
do escoamento. A incógnita restante, o campo de pressões, é então obtido através
da equação de Bernoulli (2.7). O problema matemático se reduz, assim, a um
 
problema envolvendo duas equações e duas incógnitas (  ( x, t ) e p( x , t ) ).

2.2.2. O Problema de Contorno

A equação de Laplace representa a forma mais simples de uma classe de


equações diferenciais de segunda-ordem conhecidas como equações elípticas13.
Aparece em muitos ramos da física-matemática e muitas características
pertinentes às funções que a satisfazem (as chamadas funções harmônicas) são
bem conhecidas. Sabe-se, por exemplo, que estas funções e suas derivadas
espaciais são finitas e contínuas, exceto pela possibilidade de singularidades nas
fronteiras de seu domínio. Sabe-se também que, se conhecermos o valor destas
funções em toda esta fronteira, fatalmente saberemos o valor que as mesmas
terão em qualquer ponto do domínio14.

13 Uma discussão quanto à classificação das equações a derivadas parciais de segunda-ordem e


sobre as diferentes aplicações da Equação de Laplace pode ser encontrada, por exemplo, em
Sobolev (1989).
14 Esta afirmação é uma consequência do Teorema da Divergência, e é expressa nas chamadas
“Identidades de Green”. É também o que justifica o emprego das chamadas técnicas de elementos
de contorno na solução de problemas de valor de contorno envolvendo escoamentos potenciais.
Hidrodinâmica 35

A distinção entre diferentes casos de escoamento potencial resulta da


análise das condições impostas nestas fronteiras, as chamadas condições de
contorno. Nos problemas de mecânica dos fluidos, estas podem representar
condições cinemáticas (relativas às velocidades do fluido na fronteira) ou
dinâmicas (condições sobre as forças exercidas nas fronteiras).
Um dos problemas de interesse mais simples corresponde ao caso de um
escoamento uniforme sobre um corpo rígido fixo, com superfície designada por SB,
em um fluido sem outras fronteiras. O problema é esquematizado na figura abaixo.
z y

U x

SB

Figura 9 – Escoamento Uniforme sobre Corpo Fixo

Sabemos que, por se tratar de um escoamento irrotacional, a condição


cinemática apropriada na fronteira do corpo é a condição de impermeabilidade,
uma vez que a condição de não-escorregamento necessariamente implicaria em
rotacionalidade do escoamento junto à superfície sólida. Neste problema, uma
segunda condição se impõe em uma fronteira definida a uma distância
suficientemente distante do corpo e que implica que a perturbação causada pela
presença do corpo deve, necessariamente, tender a zero à medida que nos
afastamos do mesmo. A esta condição se dá o nome de condição de
evanescência.
Dessa forma, o problema de contorno pode ser facilmente equacionado:
Determinar o potencial de velocidades , tal que:
Hidrodinâmica 36

  0
 
  n S   0; (2.16)
B
n SB

lim   Ui
x 

Uma questão que naturalmente se coloca neste ponto diz respeito à


unicidade das soluções dos problemas de contorno. Na realidade, é trivial
demonstrar que, se a região ocupada pelo fluido é simplesmente-conexa, a
solução, de fato, será univocamente determinada a menos de uma constante.
Para demonstrar este fato, suponhamos que o problema acima de fato admitisse
    
duas soluções distintas 1 ( x ) e 2 ( x ) . Então a função  ( x )  1 ( x )  2 ( x ) deverá
satisfazer as seguintes condições:

  0

  n S  0;
B

lim   0
x 

O domínio do fluido está compreendido pela fronteira S (por exemplo, no


caso acima, representada pela união do contorno do corpo com uma superfície
definida no infinito). Observando que:
 
  (  n)dS   (  )  ndS  0
S S

e aplicando o teorema da divergência:



 (  )  ndS   div(  )dV        dV  0 15
S V V

Como   0 , chega-se, finalmente, a:

 (   )dV   ( ) dV 0


2

V V

15 A segunda passagem nesta dedução corresponde à forma geral da conhecida fórmula de


integração por partes e pode ser demonstrada facilmente. Esta demonstração fica como exercício.
Hidrodinâmica 37

de onde decorre que   0 ou   cte e, portanto, as soluções do problema de


escoamento potencial estão univocamente definidas, a menos de uma constante.
Todavia, é importante ressaltar que a prova de unicidade apresentada
acima pressupõe que o domínio fluido seja simplesmente conexo16 (premissa do
teorema da divergência) e que a posição das fronteiras seja conhecida a priori. No
entanto, haverá casos em que a posição e a velocidade na fronteira não serão
conhecidas a priori. É o caso, por exemplo, do problema de escoamento induzido
por ondas na superfície-livre do fluido, pois a forma da onda e, portanto, a
elevação da superfície, não estarão previamente determinadas. Serão, ao
contrário, consequência da própria solução do problema de contorno. Nesse caso,
informações adicionais serão necessárias e serão providenciadas através de uma
condição dinâmica na superfície, a qual impõe que a pressão na superfície seja
igual à pressão atmosférica.

2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno

No curso de Mecânica dos Meios Contínuos (PNV2340) vimos algumas


soluções analíticas para problemas de escoamento potencial ao redor de corpos
de geometrias simples, como cilindros circulares. Posteriormente, na disciplina de
Métodos Computacionais (PNV2441), estendemos as possibilidades de solução
através de técnicas numéricas que permitem resolver o problema para corpos de
geometria arbitrária. Vimos, em particular, que as perturbações causadas por um
corpo imerso em um escoamento originalmente uniforme podem ser
representadas por combinações lineares de funções singulares (singularidades), a
mais comum das quais é representada pela função que conhecemos como fonte
ou sorvedouro.
Nos cursos de graduação, a introdução destas singularidades foi
apresentada de forma ad hoc. Assim, por exemplo, vimos que a solução analítica
do problema de escoamento bidimensional em torno de um cilindro circular é

16 Um caso evidente para o qual o domínio fluido não será simplesmente-conexo se refere ao
problema bidimensional de escoamento em torno de um corpo rígido.
Hidrodinâmica 38

obtida pela superposição do potencial de velocidades do escoamento uniforme e


do potencial de um dipolo situado no centro do cilindro. Na realidade, o dipolo é
uma singularidade que pode ser definida matematicamente pela combinação de
uma fonte e um sorvedouro, quando a distância entre as duas singularidades
tende a zero17. As técnicas numéricas estudadas em PNV2441 se baseavam em
duas abordagens distintas, o método das fontes e o método de Green, e, em
ambos os casos, o potencial de velocidades das fontes/sorvedouros eram parte
inerente da solução.
Não nos interessa, aqui, reproduzir novamente as soluções analíticas já
discutidas na graduação, embora uma recordação por parte do aluno seja
importante neste momento. Para tanto, o aluno pode recorrer a bons livros de
mecânica dos fluidos (como sugestão, Batchelor (1967)) e de hidrodinâmica (por
exemplo, Newman (1977)), além das apostilas dos cursos citados acima.
Nossa intenção no restante desta seção será o de analisar aspectos
matemáticos da solução de problemas de contorno governados pela equação de
Laplace com o objetivo de melhor fundamentar as técnicas anteriormente
apresentadas e tentar identificar a razão da aparente onipresença destas
singularidades.

Uma função de Green é uma função que representa a solução de uma


equação diferencial não-homogênea. Há toda uma teoria no estudo de equações
diferenciais a derivadas parciais que define uma metodologia para a construção
destas funções. Obviamente, uma discussão sobre esta teoria foge do escopo
deste curso, mas, para aqueles que desejam se aprofundar neste estudo, uma
boa referência é Sobolev (1989). Discutiremos, aqui, apenas alguns aspectos
principais. Tecnicamente, uma função de Green de um operador linear L em um
ponto x0 é qualquer solução de (Lf)(x) = (x-x0), onde  representa a função delta
de Dirac. Esta função, por sua vez, é uma função descontínua que apresenta a

17 Para a definição precisa, consultar, por exemplo, Newman (1977), pg. 114.
Hidrodinâmica 39

seguinte propriedade: =0, para qualquer x≠x0 e (x0) = ∞. Além disso, temos que:


  ( x)  1 .

 
Denominemos G ( x , x0 ) a função de Green de um problema de contorno

particular. No caso da equação de Laplace, o operador linear L corresponde ao


próprio operador Laplaciano  () . Assim, neste caso, a função de Green deverá
satisfazer a seguinte identidade:
 
G( x , x0 )   ( x  x0 , y  y 0 , z  z 0 )

e, consequentemente:
 
 G( x, x0 )dV  1
V

onde V representa uma região que envolve o ponto (x0,y0,z0).

Sem a imposição de condições de contorno específicas, a função de Green


referente à equação de Laplace é dada por:
  1 1
G ( x , x0 )   (2.17)
4 ( x  x0 ) 2  ( y  y 0 ) 2  ( z  z 0 ) 2

ou, definindo r como a distância entre os pontos (x,y,z) e (x0,y0,z0): G  1 4r .


Esta função é conhecida como solução fundamental (ou solução principal) da
equação de Laplace.
Podemos indicar como se procede à demonstração deste fato: De acordo
com o teorema da divergência, podemos escrever:
    
 G( x, x0 )dV    G( x, x0 )dV   G  ndS  1
V V S

onde S representa a fronteira da região V, orientada segundo o versor normal n .
Trabalhando em coordenadas esféricas e considerando que S corresponda à
superfície de uma esfera de raio r centrada no ponto (x0,y0,z0), temos, então:
 G G(r )
 G  ndS   r dS  4r 1
2

S S
r

e, portanto:
Hidrodinâmica 40

1
G(r )  
4r

A função de Green definida por (2.17) é justamente o que convencionamos


chamar de potencial de velocidades de uma fonte unitária tridimensional. Assim, a
equação da continuidade   0 , tem como solução fundamental, no caso
tridimensional, o potencial de uma fonte de intensidade unitária S dado por:
  1 1
 S ( x , x0 )  
4 ( x  x0 ) 2  ( y  y 0 ) 2  ( z  z 0 ) 2

De maneira análoga, pode-se demonstrar que, para o caso bidimensional, a


solução principal é dada por:
  1
 S ( x , x0 )  log ( x  x0 ) 2  ( y  y0 ) 2
2
que representa, por sua vez, o potencial de uma fonte unitária bidimensional.
Decorre daí, portanto, o fato de estas singularidades estarem presentes
como núcleo das soluções de vários problemas de escoamento potencial que já
estudamos ao longo da graduação.
Obviamente, porém, as soluções dependerão das condições de contorno
específicas de cada problema. Várias técnicas matemáticas podem ser
empregadas para se estimar estas soluções. Assim, por exemplo, no caso de
estarmos trabalhando com escoamentos bidimensionais, uma série de
ferramentas matemáticas podem ser exploradas através da teoria das funções
analíticas, com a definição do potencial complexo. Em particular, esta opção
permite o emprego do chamado mapeamento conforme, que possibilitar resolver
casos de escoamentos envolvendo geometrias 2D complexas mediante a solução
de problemas de contorno com geometrias mais simples18. A técnica de separação
de variáveis pode ser empregada em casos de escoamentos tridimensionais,
através da qual se obtém uma aproximação para o potencial de velocidades

18 No caso específico do problema de comportamento no mar, a técnica de mapeamento conforme


é uma alternativa para ser empregada no tratamento de corpos esbeltos, através da chamada
teoria de faixas (strip theory). Uma discussão sobre este ponto é feita no Capítulo 5.
Hidrodinâmica 41

procurado através de uma combinação linear dos chamados multipolos. Uma boa
referência para uma primeira leitura sobre estas técnicas é Newman (1977).
Para o caso de problemas de escoamento potencial com superfície-livre e
geometrias complexas, como cascos de navios ou plataformas oceânicas, a
solução do problema de contorno invariavelmente recorre a métodos
computacionais. Um dos métodos mais difundidos atualmente para a solução do
problema de comportamento no mar de sistemas oceânicos é o método de
elementos de contorno (boundary elements method, BEM). O estudo dos
fundamentos deste método já foi realizado em PNV2441 e será retomado no
Capítulo 5 deste texto. Devemos nos lembrar, contudo, que a operacionalização
deste método depende de uma modelagem matemática prévia do potencial de
velocidades procurado. Esta modelagem pode ser feita, por exemplo,
considerando-se o potencial de velocidades procurado como aquele decorrente de
uma distribuição de fontes sobre a superfície do corpo (método das fontes) ou,
alternativamente, através de uma aplicação direta do teorema de Green. Neste
último caso, a solução numérica se baseia na definição da função de Green
apropriada para cada problema em questão. A função apropriada é aquela que
naturalmente satisfaz as condições de contorno em parte da fronteira
(retomaremos essa discussão no capítulo 5). Em ambas as modelagens, contudo,
as singularidades (fontes) são partes inerentes da solução.

2.2.4. Forças Hidrodinâmicas

Retomemos o problema de escoamento potencial ao redor de um corpo


imerso em fluido sem fronteiras para discutirmos o equacionamento das forças
que atuam sobre o corpo em decorrência do campo de pressões dinâmico.
Iniciaremos com o caso mais simples, quando o escoamento é uniforme. Neste
caso, supondo Oxyz solidário ao corpo, os dois problemas ilustrados abaixo são
idênticos do ponto de vista dinâmico, pois decorrem de uma simples mudança
entre referenciais inerciais:
Hidrodinâmica 42

z y z y

U x x

U
n n

SB SB

  0   0
  
  n S  0;   n S  Ui ;
B B
 
lim   Ui lim   0
x  x 

Figura 10 – Escoamento uniforme: corpos fixos e corpos em movimento

 
No caso mais geral, quando o escoamento não é uniforme e U  U (t ) , as
mesmas condições cinemáticas se aplicam às velocidades do corpo e do fluido,
porém, agora, os problemas não mais serão iguais do ponto de vista dinâmico.
Nas deduções a seguir, consideraremos o caso no qual o corpo se move através

de um fluido originalmente em repouso, com velocidade U (t ) . Consideraremos,
 
então, as seis componentes do vetor de forças F (t ) e momentos M (t ) de origem
hidrodinâmica que atuam sobre o corpo em movimento e que serão obtidos
mediante integração direta do campo de pressão sobre a superfície do corpo:

 
F   pn dS
SB
   (2.18)
M   p(r  n )dS
SB


onde n é o versor normal orientado para “fora” do domínio fluido (e, portanto, para

dentro do corpo) e r é o vetor posição da superfície dS no sistema de referências
O(x,y,z).
Desconsiderando a parcela hidrostática do campo de pressão (que
resultarão nas forças de empuxo sobre o corpo), este será obtido a partir da
equação de Bernoulli na sua forma (2.7) e, assim:
Hidrodinâmica 43

   1 
F           ndS
SB  t 2 
(2.19)
   1   
M           (r  n )dS
SB  t 2 

É possível obter um equacionamento alternativo para as forças e momentos


expressos em (2.19) ao considerarmos uma superfície de controle SC fixa, exterior
à superfície do corpo SB, como ilustrado na figura abaixo.
SC
n

U(t)
n

SB

Figura 11 – Esquematização da superfície de controle SC

É possível demonstrar19 que as forças e momentos sobre o corpo podem


ser escritos também na forma:
    
F    ndS          n  dS
d 1
dt S B SC 
n 2 
(2.20)
      
M     (r  n )dS    r        n  dS
d 1
dt S B SC  n 2 

Do ponto de vista matemático, a vantagem obtida ao se equacionar as


forças e momentos na forma (2.20) não é evidente, se as compararmos com as
expressões (2.19). Todavia, uma grande simplificação pode ser obtida, por
exemplo, no caso de um corpo se movendo em fluido sem outras fronteiras físicas.

19 Essa demonstração é relativamente extensa e envolve a aplicação do teorema da divergência e


do teorema do transporte. Pode ser encontrada em Newman [1977] pg. 132 a 134.
Hidrodinâmica 44

Neste caso, tomando partido do fato de a superfície de controle ser arbitrária,


podemos posicioná-la na região que convencionamos denominar campo distante
(far field, em inglês). Como o próprio nome indica, trata-se da região do
escoamento suficientemente afastada do corpo, região na qual, por definição, os
detalhes geométricos do corpo não mais são importantes para o escoamento
local. A conveniência da formulação (2.20) neste caso ficará clara a seguir.

Consideremos, então, o problema de um corpo rígido que se move em um


fluido sem fronteiras, originalmente em repouso. Nesse caso, se tomarmos a
superfície de controle em uma região suficientemente distante do corpo, as
contribuições para as forças e momentos oriundos da integração em SC tenderão
a zero e, dessa forma, resultando simplesmente:
 d 
F    n dS
dt S B
 (2.21)
d  
M     (r  n )dS
dt S B

Para o caso particular de o corpo se mover com velocidade constante



U  (U 1 ,U 2 ,U 3 )  cte , recaímos em um problema de escoamento potencial em

regime permanente e, nesse caso, a integral sobre o corpo na primeira equação


de (2.21) resulta independente do tempo. Consequentemente, conclui-se que,
para o problema de translação do corpo com velocidade constante através de um
escoamento suposto irrotacional, a resultante das forças hidrodinâmicas sobre o
 
corpo será necessariamente nula ( F  0 ). Este resultado configura o conhecido
Paradoxo de D’Alembert, ao qual nos referimos anteriormente. Todavia, nesta
mesma situação, um momento não nulo pode existir. De fato, consideremos como
exemplo o caso de um corpo se deslocando paralelamente ao eixo x (sistema de
 
referência Oxyz, fixo), com velocidade U  U1i . O problema somente será
independente do tempo em um sistema de referências que se move com o corpo
(O’x’y’z’). A relação entre os dois referenciais é dada por:
Hidrodinâmica 45

x '  x  U 1t
y'  y
z'  z
  
e, portanto: r '  r  U 1ti
Neste sistema de referências, o potencial  ( x' , y' , z ' ) será independente do
  
tempo, assim como o versor normal n  (n1 , n2 , n3 ) , mas o produto vetorial r 'n

não o será, pois:


     
r 'n  r  n  U 1tn3 j  U 1tn 2 k

Assim, retomando o caso mais geral de translação uniforme com



U  (U 1 ,U 2 ,U 3 )  cte e observando que podemos escrever:
     
r 'n  r  n  t (U  n)
então, o momento sobre o corpo em (2.21) pode ser reescrito na forma:
 d   d   d  
M     (r  n )dS     (r 'n )dS    t (U  n )dS
dt S B dt S B dt S B

e, finalmente:

    
M     (U  n)dS   U  ndS (2.22)
SB SB

A expressão (2.22) demonstra que o momento hidrodinâmico atuante sobre o



corpo é perpendicular ao vetor velocidade U . Mais ainda, esse momento será
nulo apenas se o corpo possuir simetria em relação aos dois eixos

perpendiculares a U (pois a integral nessas duas direções resultará nula devido à

simetria do termo n ). Assim, o momento sobre uma esfera em translação
uniforme será nulo, mas, por exemplo, no caso de deslocamento de um submarino
ou torpedo (que apresenta simetria apenas com relação ao plano “vertical” que
inclui a linha de centro), o corpo experimentará um momento de pitch (que tende a
“subir” ou “baixar” sua proa), desestabilizando o movimento do corpo.
O momento expresso em (2.22) é conhecido como momento de Munk e
desempenha um papel crucial em aerodinâmica e hidrodinâmica. Como vimos, um
Hidrodinâmica 46

corpo como um torpedo ou a fuselagem de um avião em movimento retilíneo


uniforme sofrerá a ação do momento de Munk, que tenderá a desviá-lo de seu
curso original. Este fato exige a adoção de medidas corretivas para garantir a
estabilidade direcional do corpo. De forma empírica, a solução deste tipo de
problema é conhecida há muito tempo e explica, por exemplo, a necessidade do
emprego de penas na extremidade posterior de uma flecha. O mesmo papel é
desempenhado pelos estabilizadores adotados em aviões, torpedos e submarinos,
por analogia denominados genericamente empenagens20. Deve-se observar
também que, mesmo que haja simetria geométrica do corpo, a simetria do
escoamento dependerá da direção de propagação. Assim, por exemplo, mesmo
que a fuselagem seja um corpo de revolução alongado em movimento retilíneo
uniforme, qualquer perturbação na velocidade (pequenas e inevitáveis
componentes de velocidade perpendiculares à velocidade de avanço) acarretará
em uma perda da simetria do escoamento e induzirá um momento
desestabilizador.

Retomemos, agora, o caso mais geral quando o movimento não é uniforme,


considerando os seis graus de liberdade do corpo. Nesta seção, tomaremos a
liberdade de utilizar uma notação alternativa para simplificar o equacionamento.
Assim, denotaremos as três componentes de translação (surge, sway e heave)
através dos índices i={1,2,3}, respectivamente. Da mesma forma, as três
componentes de rotação (roll, pitch e yaw) serão referenciadas através dos
índices i={4,5,6}. Dessa forma, se o corpo apresenta velocidades de translação
 
U (t ) e rotação (t ) com relação a um referencial que se move com o corpo, em
nossa notação indicial podemos escrever:

U (t )  (U 1 (t ), U 2 (t ), U 3 (t ))

(t )  (1 (t ),  2 (t ),  3 (t ))  (U 4 (t ), U 5 (t ), U 6 (t ))
A condição de contorno apropriada no corpo (condição de
impermeabilidade) implica que:

20 Do francês empennage, “penas de uma flecha”.


Hidrodinâmica 47

    
  n  (U    r ' )  n em SB
ou, alternativamente:
     
 U  n    (r 'n) em SB
n
A forma da condição de contorno acima permite supor uma solução do tipo:
6
   U i (t ) i (2.23)
i 1

Aqui, cada componente  i representará, fisicamente, o potencial de velocidades


relativo a um movimento com velocidade unitária no grau de liberdade i. É fácil
perceber que (2.23) será de fato solução desde que as respectivas componentes
 i satisfaçam a equação de Laplace, a condição de evanescência e as seguintes
condições no corpo:
 i
 ni i=1,2,3
n
(2.24)
 i  
 (r 'n ) i 3 i=4,5,6
n

É importante notar também que cada um dos componentes  i depende apenas

da geometria do corpo, não dependendo das velocidades do corpo rígido e,


portanto, do tempo.
A força hidrodinâmica atuante sobre o corpo é dada pela equação (2.21).
Considerando (2.23) em (2.21), percebemos que a força total será obtida através
da composição de seis vetores, na forma:
 6 
F   Fi
i 1
 
d    n
Fi     U i (t ) i ndS   U i   i ndS U i   i dS
dt S B SB SB t

É importante notar que, devido à rotação do corpo, o versor normal sofre


variação com o tempo, a qual, por sua vez, é expressa por:

n  
  n
t
Hidrodinâmica 48

Assim, a força hidrodinâmica total é dada pela somatória das seguintes


componentes:
   
Fi   U i  i ndS U i    i ndS (2.25)
SB SB

O momento hidrodinâmico também está expresso na equação (2.21).



Todavia, deve-se notar que o vetor r é definido em relação ao referencial fixo no

espaço e, portanto, depende do tempo. Se rO (t ) denotar o vetor posição da

origem do sistema de coordenadas solidário ao corpo, podemos escrever:


  
r  rO (t )  r '

e o momento será dado por:


 d   d  
M     (rO  n )dS    (r 'n )dS
dt S B dt S B

ou:
 d    d  
M    rO  ndS     (r 'n )dS
dt  SB  dt S B
 
e, lembrando que d rO (t ) dt  U (t ) , temos:
     d  
M  rO  F  U  n dS    (r 'n )dS
SB
dt S B
 
Por fim, devemos observar que (r 'n ) é um vetor fixo com relação ao
sistema de coordenadas solidário ao corpo e, portanto:
 
d (r 'n )   
   (r 'n )
dt
O momento resulta, então:
          
M  rO  F  U   ndS    (r 'n )dS      (r 'n )dS
SB S B t SB

Deve-se notar que o primeiro termo corresponde ao momento gerado pela



força resultante F aplicada na origem do sistema móvel em relação à origem do
Hidrodinâmica 49

sistema fixo. Dessa forma, o momento hidrodinâmico calculado com relação à


origem do sistema que se move com o corpo é dado por:
        
M   U   ndS    (r 'n )dS      (r 'n )dS (2.26)
SB S B t SB

Considerando, agora, a decomposição do potencial (2.23) na expressão do


momento (2.26), temos:
 6 
M  Mi
i 1

onde:
       
M i   U iU   i ndS  U i  i (r 'n)dS  U i    i (r 'n)dS (2.27)
SB SB SB

As expressões (2.25) e (2.27) sumarizam o cálculo da força e momento


hidrodinâmicos atuantes sobre um corpo tridimensional que realiza um movimento
arbitrário através do fluido. Cabe notar, todavia, que cada um dos integrandos
presentes nestas duas expressões representa um vetor que depende apenas da
geometria do corpo. Cada um destes vetores apresenta três componentes
{j=1,2,3} e, de acordo com as condições de contorno no corpo definidas em (2.24),
podemos escrever cada uma destas componentes de uma maneira alternativa:
 j
 i n j dS   i
SB SB
n
dS

   j 3
 (r 'n )
SB
i j dS   i
SB
n
dS

Dessa forma, verifica-se que todas as integrais presentes em (2.25) e (2.27)


podem ser agrupadas em uma matriz (6X6), usualmente denominada matriz de
massa adicional, dada por:
 l
mlk    k dS k=1,..,6 e l=1,..,6 (2.28)
SB
n

Cada um dos termos de força e momento hidrodinâmicos depende apenas


das velocidades e acelerações de corpo rígido e dos coeficientes de massa
adicional mkl. Esses últimos, por sua vez, dependem exclusivamente da geometria
Hidrodinâmica 50

do corpo e, uma vez que estamos trabalhando no contexto de fluido inviscido, os


coeficientes de massa adicional caracterizam plenamente as propriedades
hidrodinâmicas do corpo21.
É importante ressaltar, também, que as expressões de força e momento
(2.25) e (2.27) foram deduzidas sob a hipótese de o fluido não ser limitado por
outras fronteiras que não aquelas impostas pelo próprio corpo. Nos casos em que
efeitos de superfície-livre são relevantes, por exemplo, estas expressões se
modificam. Retornaremos a este problema nos capítulos 4 e 5.
Antes de encerrar este breve apanhado sobre a teoria de escoamento
potencial, algumas propriedades importantes relativas aos coeficientes de massa
adicional serão discutidas a seguir.

2.2.5. Massa Adicional

As massas adicionais do corpo representam, do ponto de vista físico, a


quantidade de fluido acelerada pelo movimento do corpo. Sua denominação
decorre de uma analogia direta com as forças de inércia do corpo rígido, as quais
se expressam na mesma forma das expressões (2.25) e (2.27), com a massa e os
momentos de inércia do corpo substituindo os coeficientes de massa adicional
(para uma demonstração desta analogia, ver Newman (1977), pg.148). Esta
igualdade de forma permite que as forças inerciais totais agindo sobre o corpo
sejam escritas através de uma matriz de massas virtuais, cujos coeficientes são
dados pela soma das inércias do corpo e adicionais (Mij + mij).
Deve-se, no entanto, tomar certo cuidado com essa analogia, observando,
por exemplo, que, em geral, as massas adicionais de translação (m11, m22, m33) de
um corpo são diferentes (a menos que simetrias geométricas sejam garantidas) e,
portanto, essas “massas” adicionais dependem da direção do movimento do
corpo. Além disso, não havendo a referida simetria, coeficientes cruzados (m12,

21 Obviamente, a geometria do corpo traz implicações também sobre o arrasto hidrodinâmico


decorrente dos efeitos de viscosidade.
Hidrodinâmica 51

m13, m23) serão não-nulos, o que implica que as forças inerciais hidrodinâmicas
terão direção diferente da aceleração do corpo.
Do fato de as inércias fluidas dependerem da direção de movimento do
corpo decorre também o fato de o vetor quantidade de movimento do fluido não
ser, em geral, paralelo ao vetor velocidade do corpo, o que explica, de outro ponto
de vista, a existência do momento de Munk discutida anteriormente.

A matriz de massas adicionais é uma matriz simétrica, ou seja: mij  m ji . A

demonstração dessa propriedade é simples, bastando-se aplicar o Teorema de


Green aos potenciais  i e  j sobre a superfície SB + SC (ver Figura 11). Se

tomarmos a superfície SC a uma distância suficientemente grande do corpo (e


temos liberdade para isso, nesse caso), a integral sobre S C se anulará em
decorrência da condição de evanescência do potencial. Assim:
  j  i 
 
SB
i
n
 j
n 
 dS  0

e, portanto:

mij  m ji

Há, também, uma relação direta entre massa adicional e energia cinética do
fluido, como mostraremos a seguir:
A energia cinética do fluido (T) é dada por:
1
2 
T  (   )dV (2.29)
V

com o domínio de integração representado todo o domínio fluido limitado por S B e


SC, de acordo com a Figura 11.
A energia cinética pode ser reescrita em função dos potenciais  i ,

empregando-se, para isso, a decomposição (2.23) na expressão (2.29):


1
  (U i  i )  (U j  j )dV
2 i j 
T
V
Hidrodinâmica 52

1
T  U iU j ( i   j )dV
2 i j V

Por outro lado, a partir da definição dos coeficientes de massa adicional


(2.28) e da aplicação do Teorema da Divergência, temos22:
 i
mij    j dS     ( j  i )dV    ( i   j )dV
SB
n V V

e, portanto:
1
T  mijU iU j
2 i j
(2.30)

Assim, é fácil perceber que, para o cômputo da energia cinética do


escoamento, as massas adicionais são constantes que multiplicam termos
quadráticos nas componentes de velocidade do corpo, o que reforça, mais uma
vez, a analogia dos coeficientes mij com “massas”.

Newman (1977) apresenta valores dos coeficientes de massa adicional


para algumas geometrias particulares, 2D e 3D, para as quais é possível se obter
valores analíticos das massas adicionais. A Figura 12 apresenta os coeficientes de
massa adicional de algumas figuras planas (a maioria calculada através de
técnicas de mapeamento conforme).

22 Lembrar que  i  0
Hidrodinâmica 53

Figura 12 – Coeficientes de massa adicional de alguns corpos 2D (fonte: Newman,1977)

A Figura 13, por sua vez, apresenta os coeficientes normalizados para


elipsóides de revolução, empregando como fatores de adimensionalização a
massa e o momento de inércia do volume fluido deslocado pelo corpo.

Figura 13 – Coeficientes de massa adicional de elipsóides de revolução


Hidrodinâmica 54

3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE

“The basic law of the seaway


is the apparent lack of any law”
Lord Rayleigh

O que caracteriza de fato a chamada hidrodinâmica marítima é o estudo da


propagação de ondas na superfície do mar. O estudo do comportamento dinâmico
de estruturas flutuantes em ondas requer, como ponto de partida, que sejamos
capazes de modelar a excitação causada por uma determinada situação de mar.
O caráter aleatório das ondas do mar traz como consequência a necessidade de
um tratamento estatístico do problema (que será discutido nas seções 3.6 e 3.7),
tratamento este que se funda, como veremos, no estudo da chamada Teoria
Linear de Ondas de Gravidade.
Toda a modelagem matemática que será apresentada neste capítulo é
baseada na teoria do escoamento potencial, implicando, portanto, em escoamento
incompressível e irrotacional. De fato, os fundamentos da teoria que hoje
agrupamos sob o nome de teoria de ondas de superfície foram estabelecidos
antes da dedução das equações de Navier-Stokes, como veremos na seção 3.1.
Efeitos de viscosidade são importantes em alguns problemas específicos, como
no caso do estudo das forças de excitação de ondas sobre corpos de pequenas
dimensões (problema que discutiremos mais adiante, no Capítulo 4) e no
problema de geração de ondas pelo vento (discutido, de forma breve, na seção
3.7). Todavia, para o estudo geral de ondas de superfície e para o problema de
comportamento no mar, os efeitos de viscosidade podem ser na maioria das vezes
desprezados, com excelentes comprovações experimentais (voltaremos a discutir
este ponto na seção 4.1).
É importante destacar também que outros fenômenos ondulatórios são
verificados no ambiente oceânico, além das ondas de superfície que trataremos
Hidrodinâmica 55

neste capítulo. Exemplos destes fenômenos são as chamadas ondas internas


(internal waves), causadas por diferenças de densidade, e as ondas inerciais
(inertial waves), associadas à aceleração de Coriolis. Nestes dois casos, no
entanto, as frequências de oscilação são baixas o suficiente para não causar
efeitos dinâmicos significativos em corpos flutuantes ou imersos e, assim,
apresentam pouco interesse no contexto da engenharia naval. No outro extremo
do espectro, há fenômenos ondulatórios em altas frequências, como as ondas
capilares, que também não afetam significativamente corpos de dimensões usuais
em engenharia naval e oceânica23.
Dessa forma, este capítulo é dedicado à teoria que nos permite representar
as ondas de superfície e sua ação sobre corpos flutuantes e imersos e também as
ondas geradas pelo movimento de uma embarcação (importante, por exemplo, no
estudo de resistência ao avanço). Em particular, estudaremos esta teoria no
contexto das ondas de pequena amplitude, o que nos permitirá linearizar o
problema de contorno, trazendo grandes simplificações matemáticas. Veremos
que este procedimento é adequado para boa parte dos problemas em engenharia,
embora efeitos não-lineares sejam importantes em muitas aplicações de
engenharia naval e oceânica. De fato, a teoria não-linear de ondas é um tópico de
estudo importante para aqueles que pretendem atuar na área, mas não faz parte
do escopo deste curso básico.

3.1. Nota Histórica

Raros são os livros didáticos na área de hidrodinâmica que trazem um contexto


histórico da evolução da teoria que trata das ondas de superfície. Este fato talvez
se deva a uma relativa desorganização do processo que levou ao que hoje
entendemos como teoria de ondas de gravidade. De fato, vários cientistas
abordaram o tema, desenvolvendo um equacionamento que tem origem
praticamente simultânea com o desenvolvimento da teoria de fluidos ideais,

23 Para uma descrição aprofundada destes fenômenos ondulatórios ver, por exemplo, Phillips
(1966).
Hidrodinâmica 56

especialmente a partir do século XVIII, como vimos anteriormente. Muitos dos


trabalhos originais mais importantes, embora contribuam com resultados
fundamentais quanto à modelagem matemática do problema, trazem erros e foram
alvo de controvérsias no meio acadêmico durante muito tempo. Nesta seção
discutiremos alguns aspectos importantes deste desenvolvimento, com a
finalidade de situá-lo no contexto histórico abordado no capítulo anterior. Para os
que tiverem interesse em maiores detalhes, duas excelentes referências são Craik
(2004) e Craik (2005). Ao longo deste capítulo, notas adicionais sobre as origens
da teoria de ondas de superfície serão apresentadas, concomitantemente com o
equacionamento.

Não é de se surpreender que Newton tenha sido pioneiro na tentativa de


elaborar uma teoria matemática de ondas. Em seu Principia (1687), Newton
propôs uma analogia entre as ondas de superfície e o escoamento oscilatório em
um tubo em U. Embora com óbvias limitações, as hipóteses de Newton permitiram
equacionar corretamente a relação entre a frequência angular () e o comprimento

de onda () na ausência de efeitos de fundo, deduzindo que   1  . Newton


estava consciente das limitações do modelo que propunha em representar o
escoamento real sob uma onda e explicitou que “isto é verdade na suposição de
que as partes de água sobem ou descem em linha reta, mas, na verdade, este
movimento é realizado em um círculo”.
Quase um século depois, já conhecidas as equações propostas por Euler,
Laplace reexaminou o problema das ondas. Foi ele o primeiro a mostrar que o
escoamento induzido pelas ondas é governado pela equação diferencial que hoje
conhecemos como Equação de Laplace. Através de uma descrição “Lagrangiana”
do movimento e denotando por x e z pequenos deslocamentos das partículas na
direção horizontal e vertical, com posição inicial (X;Z), Laplace chega às seguintes
soluções periódicas:
Hidrodinâmica 57

x  A(t ) sen
c

X Z /c
e  e Z / c 
X

z   A(t ) cos e Z / c  e  Z / c
c

com z=0 representando o fundo. Já se verifica na dedução de Laplace, portanto, a
variação hiperbólica com a profundidade e as trajetórias elípticas das partículas
fluidas, corretamente satisfazendo a condição de impermeabilidade em Z=0.
Simultaneamente e de forma independente, Lagrange derivou as equações
linearizadas para ondas de pequena amplitude e obteve a solução para o caso
limite de ondas longas em profundidade finita. Para ondas em profundidade finita,
Lagrange descobriu que “a velocidade de propagação das ondas será aquela que
um corpo pesado iria adquirir ao cair de uma altura correspondente à metade da
altura da água no canal”, ou seja, gh .

Conquanto vários trabalhos adicionais tenham sido publicados neste


período, com diferentes graus de sofisticação, o próximo passo significativo na
modelagem adveio de um trabalho publicado por Cauchy24, então com 25 anos de
idade, como resultado de sua participação em um concurso lançado em 1813 pela
Académie de Sciences, do qual saiu vencedor. Poisson25, então um dos juízes do
concurso, depositou um memorial independente sobre o tema. Os trabalhos
apresentavam uma sofisticação matemática muito acima do comum para a época,
o que afastou os leitores e rendeu violentas críticas posteriores, especialmente por
parte dos cientistas ingleses que desenvolveram importantes trabalhos neste
campo ao longo do século XIX. A análise de Cauchy e Poisson empregava
transformadas de Fourier com superposição de infinitos modos estacionários,
cada qual com frequência própria de oscilação, e aproximações assintóticas para
realizar as integrações. Além dos métodos matemáticos repelirem boa parte dos

24 Cauchy, Agustin-Louis (1789-1857): Matemático francês, famoso pelo rigor empregado em suas
demonstrações, realizou contribuições importantíssimas em diversas áreas da matemática
(análise, teoria das séries, cálculo a variáveis complexas, etc.) e física (óptica, hidrodinâmica,
elasticidade).
25 Poisson, Siméon Denis (1781-1840): físico-matemático francês com inúmeros trabalhos
fundamentais em matemática pura e aplicada, física-matemática e mecânica.
Hidrodinâmica 58

leitores, alguns resultados físicos, decorrentes de fato do caráter dispersivo das


ondas de gravidade, eram contrários à intuição, o que colaborou ainda mais para
as críticas negativas. Todavia, embora trouxesse algumas inconsistências, a
análise de Cauchy-Poisson é hoje tida como um importante marco da teoria
matemática de problemas de valor inicial.
A partir da primeira metade do século XIX, grandes contribuições à teoria
de ondas de superfície foram dadas por pesquisadores ingleses. Seguindo a
tradição empirista britânica, estes trabalhos foram orientados por importantes
experimentos científicos realizados em tanques de provas, dentre os quais
aqueles realizados por Russell26. Os experimentos de Russell ficaram famosos por
sua descoberta da onda solitária (solitary wave), à qual chamou (com certo
exagero, como depois escreveria Airy27) de “The Great Primary Wave”.
Dentre os importantes trabalhos desta época estão os de Green 28, Airy e,
finalmente, Stokes29. Mais uma vez, intensas disputas acadêmicas em torno da
teoria foram travadas à época (ver Craik (2004), para maiores detalhes). Em seu
trabalho “On the motion of waves in a variable canal of small depth and width”, de
1838, Green apresenta provavelmente a primeira aplicação do que hoje
conhecemos como “Método de Escalas Múltiplas” ao problema de ondas e prova
que, em profundidade infinita, as trajetórias das partículas fluidas são círculos com

26 Russell, John Scott (1808-1882): Nascido em Glasgow, lecionou matemática e filosofia natural
na Universidade de Edimburgo. Posteriormente, trabalhou como engenheiro naval, função na qual
realizou diversos ensaios em canais.
27 Airy, Sir George Biddell (1801-1892): Astrônomo britânico, fez importantes contribuições à teoria
de ondas.
28 Green, George (1793-1841): matemático britânico; seu trabalho mais importante “An Essay on
the Applications of Mathematical Analysis to the Theories of Electricity and Magnetism” (1828),
introduz vários conceitos importantes, entre eles a idéia de funções potenciais e a classe de
funções que hoje recebe seu nome.
29 Stokes, George Gabriel (1819-1903): físico-matemático irlandês, Stokes lecionou durante muito
tempo na Universidade de Cambridge, período no qual publicou seus mais importantes trabalhos.
Considerado um dos cientistas mais importantes de seu tempo, tem contribuições fundamentais
em mecânica dos fluidos (entre elas, as equações de Navier-Stokes), óptica e física-matemática
(incluindo o teorema hoje conhecido como Teorema de Stokes).
Hidrodinâmica 59

raios que decaem exponencialmente com a profundidade (muito embora esse


resultado pudesse ter sido facilmente obtido a partir do equacionamento proposto
muito tempo antes por Laplace). Embora seu maior interesse fosse na teoria das
marés, Airy trabalhou também sobre o problema de ondas em um canal, provando
a forma elíptica das trajetórias em profundidade finita e deduzindo corretamente a
relação de dispersão de ondas neste caso. Além disso, Airy afirmou
categoricamente que “...provided it be long in proportion to the depth of the fluid,
the wave can, when moving freely, have no other velocity than gh ...but Mr.

Russel was not aware of the influence of the length of the wave in any case and
therefore has not given it…”. Isto, combinado com sua crítica à importância
desproporcional dada por Russel à onda solitária, iniciou uma longa disputa entre
os dois pesquisadores.
Os trabalhos mais importantes de Airy foram publicados quando Stokes
começava seus estudos sobre ondas. Sem dúvida, os trabalhos posteriores de
Stokes estão entre os mais influentes na história da teoria de ondas de superfície,
tendo sido ele, por exemplo, quem formalizou de forma definitiva o
equacionamento de ondas irregulares através da somatória de componentes
harmônicas e deduziu (com auxílio das observações de William Froude em seu
tanque de provas de Torquai) o conceito de velocidade de grupo. Stokes também
introduziu importantes avanços com relação à modelagem não-linear de ondas,
inclusive propondo o tratamento do problema de contorno através da técnica de
perturbação que define as diferentes ordens de magnitude dos efeitos de ondas e
que hoje leva seu nome. Um histórico bastante completo da trajetória científica de
Stokes pode ser encontrado em Craik (2005).

3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas

Revisaremos, deste ponto em diante, os principais aspectos da chamada


Teoria Linear de Ondas de Gravidade, com a qual o aluno já teve um primeiro
contato nas disciplinas de graduação do curso de Engenharia Naval. Estudaremos
inicialmente o problema mais simples, referente a uma onda plana progressiva,
Hidrodinâmica 60

problema cuja solução constitui a base para a modelagem estatística das ondas
do mar que discutiremos mais adiante. Este problema está ilustrado,
esquematicamente, na figura abaixo.

Figura 14 – Onda plana progressiva em região de profundidade h

A onda, neste caso, se caracteriza por sua amplitude A (a na figura), pelo seu
comprimento  e seu período de oscilação T. A elevação da superfície é descrita
pela relação z = (x,t). A partir destes parâmetros básicos, podemos definir outros
que serão importantes para a compreensão do problema. Assim, podemos definir
a frequência angular da onda (   2 T ) e o chamado número de onda
( k  2  ).
A velocidade de fase (ou velocidade de propagação) da onda é a velocidade
de movimento de suas cristas e cavas e é, obviamente, definida por:

c (3.1)
T
A altura de onda (H) é definida pela altura entre a crista e a cava da onda e a
chamada declividade de onda (wave steepness, em inglês) pode ser medida, por
exemplo, pela relação H/

No contexto da teoria potencial, o problema consiste em determinar o potencial
de velocidades (x,z,t) do escoamento induzido por este campo ondulatório. Uma
Hidrodinâmica 61

vez conhecido tal potencial, o campo de velocidades no fluido estará definido,


assim como o campo de pressão, obtido através da Equação de Bernoulli na sua
forma (2.7). Discutiremos, a seguir, a formulação do problema de valor de
contorno e sua solução mais simples, que dá origem à chamada teoria linear de
ondas.

Condição de Continuidade e Equação de Laplace

Como vimos anteriormente, no contexto da teoria potencial toda a dinâmica


do fluido resulta da imposição da condição de conservação de massa. Assim, a
equação básica a ser satisfeita é a equação de Laplace:
  2  2  2 
   2  2  2   0
 x y z 

No caso em estudo, temos:  y  0 e  2 y 2  0 . Assim, no problema


plano:
  2  2  
   2  2   0 (3.2)
 x z 

Procuramos uma solução que resulte em uma oscilação harmônica do


potencial em x e no tempo e sabemos que a perturbação causada pela onda decai
à medida que nos afastamos da superfície. Tais aspectos físicos naturalmente nos
induzem a procurar uma solução da forma30:
 ( x, z, t )  Re[ P( z )e ikxit ] (3.3)
Substituindo (3.3) na equação de Laplace, resulta a seguinte equação
diferencial ordinária de segunda-ordem:
d 2 P( z )
 k 2 P( z )  0 ,
z 2

30 Podemos descrever a solução em termos reais como  ( x, z, t )  P( z )sen(kx  t ) , bastando


lembrar que: e i  cos( )  isen ( ) . Todavia, nos interessa manter a notação complexa, pois
esta será importante no tratamento do problema de comportamento no mar, que será discutido no
capítulo 5.
Hidrodinâmica 62

a qual deve ser satisfeita em todo o domínio fluido. A solução mais geral desta
equação é dada em termos de funções exponenciais:
P( z )  C1e kz  C 2 e  kz (3.4)
com constantes C1 e C2 a serem determinadas. Portanto, a solução geral da
equação de Laplace com uma função da forma (3.3) resulta:
 ( x, z, t )  Re[(C1e kz  C 2 e  kz )e ikxit ] (3.5)

As duas constantes ainda indefinidas presentes na solução, cujos valores a


particularizam, dependerão, então, das condições de contorno do problema. O
contorno em questão é dado pelo fundo e pela própria superfície-livre z = (x,t). A
seguir, discutiremos as condições físicas que devem ser impostas nestas duas
fronteiras.

A Condição de Contorno no Fundo

Naturalmente, a condição de contorno a ser imposta no fundo é a condição


de impermeabilidade desta fronteira (z = -h), que se expressa por:

 0 em z =-h (3.6)
z
e, substituindo (3.5) em (3.6), temos:
C1e  kh  C 2 e kh  0

condição satisfeita se: C1  C 2 e kh e C 2  C 2 e  kh


Portanto, a função P(z) dada em (3.4) pode ser reescrita na forma:
C k ( z h)
P( z )  (e  e k ( z h ) )  C cosh k ( z  h)
2
e o potencial de velocidades resulta, então:
 ( x, z, t )  Re[C cosh k ( z  h)e ikxit ] (3.7)
restando, ainda, a determinação de C.
Hidrodinâmica 63

Condição de Contorno Dinâmica na Superfície-Livre

A natureza da superfície-livre, cuja forma e posição é desconhecida a priori,


exigirá duas condições diferentes a serem impostas. A primeira, chamada de
condição dinâmica, garante que a pressão hidrodinâmica na superfície seja igual à
pressão atmosférica, ou seja p=p0 para z=. Assim, sobre a superfície-livre, a
equação de Bernoulli para escoamentos não-permanentes (2.7) implicará que:
 1 p  p0
  2  g   0 (3.8)
t 2 
É possível mostrar, através de um argumento de escala, que na hipótese
de ondas de pequena declividade ( A /   1 ou, alternativamente, kA  1 ), o
termo quadrático na velocidade é desprezível face ao termo linear  / t , pois31:

 2
 O(kA)  1
 / t
Como primeira etapa da linearização do problema, podemos portanto
desprezar o termo quadrático na condição dinâmica, cuja forma linear resulta
então:
1 
 
g t
A rigor, a condição acima deveria ser imposta sobre a superfície z=, a qual
não é conhecida a priori, o que, de fato, constitui outra fonte de não-linearidade do
problema. Todavia, é fácil notar que, de forma consistente com a linearização
proposta acima, podemos adotar ( e é possível mostrar que com erros da mesma
ordem):
1 
  em z=0 (3.9)
g t
Dada a variação harmônica no espaço e no tempo assumida para o
potencial de velocidades (eq. 3.3), a condição (3.9) implica em uma oscilação
também harmônica da superfície-livre, a qual, então, pode ser admitida da forma:
 ( x, t )  A cos(kx  t ) (3.10)
Hidrodinâmica 64

Assim, substituindo (3.7) em (3.9) e observando (3.10) vamos obter,


finalmente:
igA
C
 cosh kh

O potencial de velocidades do escoamento resulta, então:


 igA cosh k ( z  h) ikx it  gA cosh k ( z  h)
 ( x, z, t )  Re e    sen (kx  t ) (3.11)
 cosh kh cosh kh

Observando (3.11), é fácil notar que, no limite de profundidade infinita


( h   ), o potencial de velocidades é dado simplesmente por:
 igA kz ikxit  gA kz
 ( x, z, t )  Re e e    e sen (kx  t ) (3.12)


Neste ponto, aparentemente a solução está completa, mas, como veremos,


há ainda uma restrição adicional que traduz uma característica extremamente
importante da física das ondas de gravidade.

Condição de Contorno Cinemática na Superfície-Livre

Devemos garantir a compatibilidade entre a velocidade do fluido (  ) e a


velocidade da superfície. Para isso, observemos mais uma vez que a superfície é
descrita por z=(x,t) e, portanto:
dz   dx
  em z=
dt t x dt
 A referida compatibilidade cinemática implica, então, que:
   
  em z=
z t x x

31 A demonstração fica como exercício.


Hidrodinâmica 65

mas, de acordo com a hipótese de pequena declividade, o segundo termo na


equação acima é pequeno comparado com o primeiro32 e, dessa forma, podemos
desprezar este termo de segunda-ordem, resultando:
 
 em z=0 (3.13)
z t

No contexto da teoria linear, a condição cinemática (3.13) pode ser


combinada com a condição dinâmica (3.9) para fornecer uma condição de
contorno única na superfície, conhecida como condição de Cauchy-Poisson:
z 1  2
 0 em z=0
t g t 2
ou, alternativamente:
 2 
g 0 em z=0 (3.14)
t 2
z

Substituindo a solução (3.11) na identidade acima, decorre uma relação


entre a frequência  e o número de onda k na forma:

2
k
g tanh kh
(3.15)
relação esta que é conhecida como relação de dispersão de onda.

Analogamente, substituindo (3.12) em (3.14) ou observando que tanh kh  1


quando kh   , obtém-se a relação de dispersão simplificada que é válida em
águas profundas:

2
k (3.16)
g

32 Observar que  x  O( A /  )
Hidrodinâmica 66

A relação de dispersão é de fundamental importância para o entendimento


da física das ondas de gravidade. Ela expressa a existência de uma relação direta
entre o comprimento de onda e seu período de oscilação. Em termos da
velocidade de propagação da onda, (3.15) implica que:

  g
c   tanh kh (3.16)
T k k
a partir da qual se nota, portanto, que a velocidade de propagação da onda cresce
com seu comprimento. Essa dependência da velocidade de propagação na
frequência (e, portanto, no comprimento de onda) mostra que ondas de diferentes
frequências se propagarão com velocidades diferentes. Assim, se em um dado
momento verificamos um mar no qual identificamos uma superposição de
componentes de energia significativa que oscilam em diferentes frequências (o
que é característico, por exemplo, de um mar em uma região de tempestades),
com o passar do tempo, à medida que estas ondas se afastam da região de
geração, as diferentes “componentes” do mar tendem a se dispersar, formando
zonas mais homogêneas, com períodos e comprimentos bem definidos (condição
de mar conhecida como swell)33. A bem da verdade, decorre deste fenômeno de
separação das diferentes componentes o fato de dizermos que as ondas de
gravidade são ondas dispersivas.

Através de (3.16) podemos também avaliar a influência da profundidade


sobre a velocidade de propagação e estudar os seus limites assintóticos em águas
profundas e em águas rasas.
Em águas profundas, a velocidade de fase é dada por:

g
c  1.25   1.56T
k
Já no limite de águas rasas ( kh  0 ) a velocidade de propagação será
(como já observara Airy em sua contenda com Russel) necessariamente:

33 Isso explica porque os marinheiros experientes interpretam um swell como sinal de aproximação
de uma tempestade.
Hidrodinâmica 67

c gh
indicando que, neste limite, as ondas deixam de ser dispersivas. A esta velocidade
se dá o nome de velocidade crítica de propagação. De fato, (3.16) já mostra que, à
medida que a onda caminha para regiões de menor profundidade, ela sofre uma
desaceleração. Essa dependência da velocidade de propagação na profundidade
dá origem também ao fenômeno de refração de ondas que discutiremos mais
adiante.

Campo de velocidades e campo de pressões

Uma vez determinado o potencial de velocidades do escoamento, conhece-


se a cinemática das partículas fluidas e, através da equação do movimento, o
campo de pressões no fluido.

O campo de velocidades no fluido é dado por:


  
v ( x, z, t )   ( x, z, t )  u( x, z, t )i  w( x, z, t )k
com as componentes de velocidade, no caso mais geral de profundidade finita, na
forma:
cosh k ( z  h)
u ( x, z , t )  A cos(kx  t )
sinh kh
(3.17)
sinh k ( z  h)
w( x, z , t )  A sin( kx  t )
sinh kh

A variação espacial deste campo de velocidades é ilustrada na figura abaixo, que


deve ser entendida como um “retrato” do campo em um determinado instante de
tempo.
Hidrodinâmica 68

Figura 15 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade finita

É fácil verificar que no limite de profundidade infinita o campo de velocidades


resultará:
u ( x, z , t )  Ae kz cos(kx  t )
(3.18)
w( x, z , t )  Ae kz sin( kx  t )
demonstrando que, na ausência de efeitos de fundo, a velocidade do escoamento
(e, como veremos, o campo de pressões dinâmicas) decai exponencialmente com
a profundidade, como ilustrado abaixo:

Figura 16 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade infinita

As trajetórias descritas pelas partículas fluidas podem ser facilmente


obtidas observando-se que, no contexto de pequena declividade da onda
(pequenos deslocamentos das partículas fluidas), podemos aproximar a equação
Hidrodinâmica 69

da trajetória integrando no tempo os campos de velocidade (3.17) e (3.18) em


torno da posição média de cada partícula ( x  x ; z  z ).
Assim, em profundidade finita, podemos escrever:
(x  x)2 (z  z)2
 1
 cosh k ( z  h)   sinh k ( z  h) 
2 2

A  A 
 sinh kh   sinh kh 
indicando que, no contexto da teoria linear de ondas, as trajetórias das partículas
fluidas em profundidade finita correspondem a órbitas elípticas, cujos semi-eixos
verticais decaem mais rapidamente com a profundidade, até o limite em que
resultam nulos sobre o fundo ( z  h ). Na superfície-livre ( z  0 ), o semi-eixo
vertical equivale à amplitude da onda. Estas trajetórias são esquematizadas na
figura a seguir.

Figura 17 – Trajetórias das partículas em profundidade finita

Em profundidade infinita, por sua vez, as trajetórias correspondem a órbitas


circulares, cujo raio decai exponencialmente com a profundidade:
( x  x ) 2  ( z  z ) 2  ( Ae kz ) 2
e a figura abaixo ilustra as trajetórias neste limite:

Figura 18 – Trajetórias das partículas em profundidade infinita


Hidrodinâmica 70

O campo de pressão no fluido é obtido mediante a aplicação da equação de


Bernoulli para escoamentos irrotacionais não-permanentes (eq. 2.7). Todavia,
para sermos consistentes com a linearização empregada, devemos desprezar o
termo não-linear nas velocidades (proporcional a  2 ) e, dessa forma, obtemos o
chamado campo de pressões linear, dado por:
cosh k ( z  h)
p( x, z, t )   gz  gA cos(kx  t ) (3.19)
cosh kh

ou, no caso de profundidade infinita:


p( x, z, t )   gz  gAe kz cos(kx  t )   gz  g ( x, t )e kz (3.20)

Nas expressões (3.19) e (3.20), o primeiro termo corresponde à parcela


hidrostática da pressão e o segundo à chamada parcela de pressão dinâmica. No
estudo de comportamento mar, a ação desta parcela dinâmica de pressão será
responsável pelas chamadas forças de excitação de ondas de primeira-ordem ou
lineares, forças que acarretarão que o corpo flutuante apresente movimentos nas
mesmas frequências da ondas34. Retornaremos a este ponto no Capítulo 4.

34 Esta igualdade entre a frequência de movimento do corpo e a frequência da onda caracteriza o


estudo linear do problema de comportamento no mar. Ao se tratar o problema incluindo efeitos
não-lineares decorrentes da ação da ondas, deduz-se que haverá forças e portanto movimentos do
corpo em frequências diferentes das frequências de ondas, podendo estas ser tanto mais baixas
como mais altas que a frequência de excitação. As chamadas forças de deriva que ocorrem
quando um corpo flutuante é submetido à ação de ondas é uma das evidências mais conhecidas
da existência deste fenômeno.
Hidrodinâmica 71

3.3. Energia

As ondas de gravidade decorrem de um balanço entre a energia cinética e


a energia potencial do fluido. A definição da energia de onda e da velocidade com
a qual essa energia é transportada é importante, por exemplo, no estudo de
resistência ao avanço de embarcações.
No caso geral, em um certo volume de fluido pré-definido (), a energia
total será dada pela soma das parcelas cinética (K) e potencial (P), na forma:
1 
K  P        gz d (3.21)
  
2
Consideremos agora uma coluna vertical que se estende do fundo à
superfície-livre, de forma que a área da superfície-livre média (z=0) delimitada por
esta coluna seja unitária. A densidade de energia ou energia por unidade de área
da superfície-livre média será dada por:
 
1  1 1
E  K  P         gz dz      dz  g ( 2  h 2 )
 h 
2 2 h 2

Deve-se observar, no entanto, que o termo de energia potencial dado por 1 / 2 gh 2
corresponde a uma parcela de energia constante entre o fundo e a superfície
média e, portanto, não está relacionado ao movimento ondulatório, razão pela qual
será desconsiderado doravante.
Retomando o problema mais simples de uma onda plana progressiva em
profundidade infinita, podemos considerar o campo de velocidades (  ) cujas
componentes são dadas por (3.18) e proceder à integração do termo de energia
cinética, resultando:
 2 A2 1
E e 2 k  g 2 (3.22)
4k 2
Podemos simplificar a expressão acima notando que, no contexto da teoria
linear, temos necessariamente k  1 e, portanto, o termo exponencial na parcela
cinética pode ser considerado simplesmente igual a um. Além disso, empregando
a relação de dispersão em águas profundas (3.16) e a equação da superfície
(3.10), podemos reescrever (3.22) na forma:
Hidrodinâmica 72

gA2 1
E  gA2 cos2 (kx  t )
4 2
É interessante tomarmos o valor médio da energia ( E ) no decorrer de um
período de onda35 (T) e, neste caso, chega-se a:
gA2 gA2 1
E   gA2 (3.23)
4 4 2
Seguindo procedimento análogo, é possível mostrar que a equação (3.23)
vale também para o caso mais geral de ondas em profundidade finita (a
demonstração fica como exercício) e, portanto, que a energia média de onda se
divide igualmente entre as parcelas cinética e potencial.

Podemos analisar também a velocidade com que a energia média de onda


é transportada à medida que a onda se propaga. Para tanto, determinaremos o
trabalho realizado pelo fluido. A figura abaixo mostra um plano vertical AA’
perpendicular à direção de propagação da onda. Consideraremos um elemento
desse plano com largura unitária e altura dz (destacado na figura):

Figura 19 – Esquema para cálculo do fluxo de energia

t T
1
35 E
T  Edt
t
Hidrodinâmica 73

O trabalho realizado pelo fluido que passa por este elemento é dado pelo
produto entre a força e a distância, ou seja:
dW  p.1.dz.(u.dt)
e, portanto, o trabalho médio realizado em um período de onda, ou a potência, é
dada por:
t T 0
1
W 
T   pudzdt
t h

já considerando que a parcela entre z=0 e z= pode ser desprezada no contexto
da teoria linear de ondas. Empregando (3.19) e (3.17), a expressão acima resulta:
kg 2 A t T 0
T sinh kh t h
W  z cosh k (h  z ) cos(kx  t )dzdt 

t T 0
(3.24)
kg 2 A 2
   cosh k (h  z ) cos (kx  t )dzdt
2 2

T sinh kh cosh kh t h

É fácil perceber, no entanto, que o primeiro termo de (3.24) resulta nulo e


observando que:
0
1 1
 cosh k (h  z )dz  sinh 2kh  h
2

h
4k 2

chega-se a:
gA2  1 1 
W   sinh 2kh  h 
sinh 2kh  4k 2 
ou ainda, em termos da velocidade de fase ( c   k ):

1 c 2kh 
W  gA2 1   (3.25)
2 2  sinh 2kh 

Velocidade de Grupo

A potência média realizada em um ciclo de onda (3.25) pode ser também


escrita em termos da energia média na forma:

W  Ecg
Hidrodinâmica 74

onde cg representa, então, a velocidade com que a energia se propaga e é


chamada velocidade de grupo (group velocity)36.
No caso mais geral de profundidade finita, a velocidade de grupo é,
portanto, dada por:
c 2kh 
cg  1   (3.26)
2  sinh 2kh 

Os limites assintóticos são fáceis de se verificar:


i) Em profunidade infinita ( kh   ), a velocidade de grupo é metade da
c
velocidade de fase: cg 
2
ii) No limite de águas rasas (kh  0) , a velocidade de grupo coincide com

a própria velocidade de fase: c g  c

Voltaremos a discutir o conceito de velocidade de grupo mais adiante, na


seção (3.5). Antes, contudo, discutiremos efeitos interessantes que ocorrem
quando ondas planas progressivas se propagam em regiões de profundidade
variável.

3.4. Efeitos de Profundidade Variável

Até o momento, a teoria apresentada considerou o problema de ondas em


profundidade constante. Estudaremos, agora, os efeitos previstos pela teoria linear
quando a onda se propaga em um local no qual a profundidade varia de forma
considerável em relação ao comprimento de onda. Talvez o exemplo mais claro
deste tipo de situação sejam as ondas que chegam a uma praia, provenientes de
alto-mar. Todavia, no caso de profundidade variável, o período de onda (e,

36 A razão desta denominação ficará mais clara quando discutirmos a superposição de ondas, mais
adiante.
Hidrodinâmica 75

portanto, sua freqüência) é a única propriedade que se mantém inalterada. Alguns


fenômenos importantes como variações na velocidade de fase e velocidade de
grupo podem ser inferidas a partir da teoria já apresentada nas seções
precedentes. Nesta seção, discutiremos aspectos importantes referentes a
variações na altura de onda e no movimento do fluido e o chamado fenômeno de
refração de ondas.

Variações na Altura de Onda e no Movimento das Partículas Fluidas

A variação na altura de onda (H) induzida por variações de profundidade


pode ser inferida considerando-se o princípio de conservação da energia de onda.
Assim, tomemos o exemplo ilustrado abaixo de uma onda que se propaga de uma
região de grande profundidade para um local (praia) de profundidade decrescente.

Figura 20 – Propagação de Ondas em Profundidade Variável

Suponhamos dois planos verticais perpendiculares à frente de ondas, o


primeiro ainda em profundidade infinita e o segundo em uma profundidade
genérica h. Sabemos que a energia de onda entre os dois planos verticais deve
ser conservada e, portanto, os fluxos de energia através dos dois planos verticais
devem ser iguais. Assim, empregando o sub-índice “” para indicar as
propriedades da onda em profundidade infinita, podemos escrever:

1 c 1 c 2kh 
W  gA 2   gA2 1   W
2 2 2 2  sinh 2kh 
Hidrodinâmica 76

e, assim:

A H c 1
  
A H  c  2kh 
1  
 sinh 2kh 
ou, a partir das relações (3.16) e após alguma álgebra, pode-se escrever:

A H 1
  (3.27)
A H   2kh 
tanh kh1  
 sinh 2kh 
Além da variação na altura de onda, podemos inferir as variações na
trajetória e velocidade das partículas fluidas. De fato, é fácil verificar a partir das
equações (3.17) e (3.18) que as relações entre as amplitudes das componentes
de velocidade das partículas fluidas na superfície média (z=0) são dadas por:
u ( z  0) A cosh kh

u  ( z  0) A sinh kh
(3.28)
w ( z  0) A

w ( z  0) A
Percebe-se, portanto, que, enquanto a velocidade vertical aumenta na
proporção da altura de onda, a velocidade horizontal sofre um acréscimo muito
mais significativo à medida que a profundidade de onda diminui. Isso traduz,
obviamente, um alongamento horizontal das trajetórias à medida que a onda se
propaga para regiões de menor profundidade. Esse efeito é ilustrado na figura
abaixo, que mostra as variações nas trajetórias para uma onda de comprimento
  100m para diferentes valores de profundidade:

Figura 21 – Efeitos de profundidade sobre as trajetórias das partículas fluidas


Hidrodinâmica 77

A figura a seguir apresenta as variações de altura de onda (3.27) e


velocidade horizontal (3.28) em função do parâmetro adimensional h  .

Profundidade adimensional h 

Figura 22 – Efeitos de profundidade sobre a altura de onda e velocidade do fluido

Algumas consequências práticas importantes podem ser discutidas à luz


dos resultados apresentados acima. Inicialmente, observamos que a altura de
onda aumenta à medida que a profundidade diminui. Ao mesmo tempo, porém,
sabemos que o comprimento de onda sofre uma redução, acompanhando a
redução na velocidade de fase da onda, uma vez que    tanh kh .37
Consequentemente, a declividade da onda aumenta conforme a profundidade
diminui. Há um limite de estabilidade da onda caracterizado por um valor máximo
de declividade, observável experimentalmente, acima do qual a onda irá
“quebrar”38. Nesse limite, obviamente, efeitos não-lineares se tornam importantes,
fugindo do contexto da teoria linear. No entanto, os resultados acima identificam

37 Podemos entender o que ocorre à medida que as ondas atingem a praia como uma
“compactação” do trem de ondas, com consequente aumento de altura em função da conservação
da energia de ondas.
38 Em águas profundas, esse limite é dado aproximadamente por H   0.14
Hidrodinâmica 78

os fenômenos físicos principais que explicam, por exemplo, o comportamento das


ondas do mar que incidem sobre uma praia.
É interessante notar ainda que variações significativas na altura de onda só
são previstas para profundidades muito baixas, tipicamente para h   0.06 e,
dessa forma, essa variação é de pouco interesse no contexto da engenharia naval
e oceânica, muito embora seja importante, por exemplo, para a área de
engenharia costeira. Por outro lado, a variação na velocidade horizontal do
escoamento é mais significativa e encontra aplicações importantes no estudo de
forças hidrodinâmicas sobre plataformas fixas em regiões de baixa profundidade,
por exemplo.
Por fim, os resultados da figura acima atestam, de forma gráfica, que os
efeitos de profundidade sobre o campo de velocidades do escoamento e sobre o
perfil da onda são de fato desprezíveis para h   0.5 , valor usualmente
empregado como limite de validade da hipótese de profundidade infinita.

O Fenômeno de Refração de Ondas

Suponhamos o caso de um trem de ondas planas que incide obliquamente


sobre uma praia de batimetria uniforme, ilustrado na figura abaixo.

praia
h1
h2
h3

direção da onda
cristas

Figura 23 – Onda incidindo obliquamente em praia de batimetria uniforme


Hidrodinâmica 79

Como a velocidade de fase (que caracteriza a velocidade das cristas)


diminui com a profundidade, as regiões das cristas localizadas em maior
profundidade se moverão com velocidades maiores do que aquelas em
profundidades menores. Assim, o trem de ondas experimentará uma rotação,
alterando a sua direção à medida que a onda se aproxima e tendendo a incidir
paralelamente à linha da praia. A esse fenômeno de variação da direção do trem
de ondas dá-se o nome de refração39. Esse fenômeno explica, portanto, a
tendência que observamos de as ondas incidirem de forma mais ou menos
paralela à praia, independentemente da direção de propagação em alto mar.

3.5. Superposição de Ondas Planas

O princípio de superposição de ondas pode ser aplicado, por exemplo, para


modelar o problema de reflexão de ondas. O caso mais simples é o de uma onda
plana com amplitude A e freqüência que incide sobre uma parede vertical. Essa
parede reflete integralmente a energia de onda incidente. Nesse caso, portanto, o
sistema de ondas final será composto por duas componentes harmônicas de
mesma freqüência, mas que se propagam em direções opostas:

 ( x, t )  A cos(kx  t )  A cos(kx  t )  2 A cos kx cost (3.29)

e o potencial, no caso de águas profundas, será dado por:

2 gA
 ( x, z, t )   e kz cos kx sin t (3.30)

Percebe-se, assim, que a onda gerada na superfície através da superposição


das ondas incidente e refletida terá amplitude máxima igual ao dobro da amplitude
de onda incidente. Além disso, esta onda não se caracteriza como uma onda

39 Do latim “re-frangere”, que significa “mudar de direção”.


Hidrodinâmica 80

progressiva, sendo conhecida como “onda estacionária” (em inglês, standing


wave). É fácil verificar que existem infinitos pontos na superfície

x1  n ; n  1,3,5,.. nos quais a amplitude de onda é sempre nula no decorrer do
2k
tempo. Estes pontos, assim como os pontos de amplitude máxima, são fixos no
tempo e daí decorre a denominação “onda estacionária”. A figura abaixo
apresenta uma superposição de fotografias de uma onda estacionária obtida em
tanque de provas. É interessante observar que as trajetórias das partículas fluidas
de uma onda estacionária não correspondem a órbitas fechadas como no caso de
ondas progressivas.

Figura 24 – Movimento do Fluido sob uma Onda Estacionária. (fonte: Newman,1977)

Em engenharia naval este tipo de onda surge, por exemplo, no movimento do


líquido contido no interior de tanques de embarcações parcialmente cheios,
fenômeno conhecido como sloshing, embora, neste caso, efeitos de profundidade
finita devam ser incorporados. Ondas estacionárias também se podem se fazer
presentes em moonpools de sistemas oceânicos.
No caso de ondas que incidem sobre uma praia (a qual absorverá parte da
energia de onda incidente) ou sobre um navio (o qual irá refletir parcialmente a
energia de onda, permitindo a transmissão da energia restante), a amplitude da
onda refletida será reduzida. A razão entre a amplitude de onda refletida e a
amplitude de onda incidente (A) define o chamado coeficiente de reflexão (C R).
Hidrodinâmica 81

Assim, no caso bidimensional, o campo de ondas composto pela onda incidente e


pela onda refletida pode ser escrito40:
 ( x, t )  A Re[e ikxit  C R e ikxit ] (3.31)
Em um tanque de provas, quer seja ele dotado de absorção passiva (praia)
ou de algum sistema ativo de absorção de ondas, é comum a presença de ondas
refletidas nas próprias extremidades do tanque ou por um modelo presente no
tanque. Geralmente essas ondas são de pequena amplitude e se fazem notar na
forma de uma modulação de amplitude do campo de ondas incidente. De fato,
(3.11) pode ser reescrita na forma:
 ( x, t )  A Re[e ikxit (1  C R e i 2kx )] (3.32)
onde o termo entre parênteses denota a variação de amplitude, que oscila em x
com metade do comprimento de onda incidente (ou com o dobro do número de
onda). Com o auxílio de (3.32), o coeficiente de reflexão de ondas regulares de um
tanque de provas pode então ser medido através da monitoração da amplitude de
onda em dois ou mais pontos ao longo da direção de propagação.

Através da superposição de ondas podemos também realizar uma


interpretação alternativa do conceito de velocidade de grupo. Imaginemos, então,
a superposição de duas ondas harmônicas de mesma amplitude e com
freqüências próximas    e correspondentes números de onda k  k , as
quais se propagam na mesma direção, sendo que    1 (e, portanto,

k k  1 ). A elevação da superfície será dada por:


 ( x, t )  A cos[(k  k ) x  (  )t ]  A cos[(k  k ) x  (  )t ]
e a expressão acima pode ser reescrita na forma:
 ( x, t )   ( x, t ) cos(kx  t )
(3.33)
 ( x, t )  2 A cos(kx  t )

40 Adotaremos a notação complexa, pois a fase da onda refletida pode ser diferente de zero e,
nesse caso, o coeficiente de reflexão assume valores complexos.
Hidrodinâmica 82

A função  ( x, t ) é uma função de modulação, conhecida como envoltória,

cujo período 2  e comprimento de onda 2 k são muito maiores do que os


respectivos períodos e comprimentos das componentes harmônicas que se
sobrepõem. Para ilustrar tal modulação, a figura da página seguinte apresenta a
elevação da superfície para o caso em que A=1,   1 e    1 20 , em
diferentes instantes de tempo (verifique que, para    1 , k k  2  ). O
perfil apresentado é conhecido como batimento e é típico das ondas observadas
na superfície do mar. Na figura (a) estão indicados os comprimentos das
componentes harmônicas (aproximadamente 2 k ) e da modulação ( 2 k ).
Sabemos que as velocidades de fase das duas componentes
harmônicas são praticamente iguais e podem ser dadas, aproximadamente, por
c   k . Todavia, a envoltória se propaga com uma velocidade c g   k , a qual,

no limite em que k  0 , pode ser definida como:


d
cg  (3.34)
dk
A velocidade de grupo, portanto, corresponde também à velocidade com
que o “pacote” ou grupo de ondas se propaga (daí seu nome). Para ilustrar este
fato, na figura abaixo estão indicados dois pontos: o ponto denotado por ‘o’ se
desloca no tempo com a velocidade de grupo do sistema, enquanto o ponto
denotado por ‘’ se propaga com a velocidade de fase da onda. Percebe-se que
as componentes de onda se movem mais rapidamente, se deslocando através dos
“pacotes” de onda.
Hidrodinâmica 83

t=0 s
4

3 2k
x,t)

-1

-2

-3 2k

-4
0 100 200 300 400 500 600 700 800
x1

t=15 s
4

-1

-2

-3

-4
0 100 200 300 400 500 600 700 800
x1

t=45 s
4

-1

-2

-3

-4
0 100 200 300 400 500 600 700 800
x1

Figura 25 – Composição de ondas de freqüências próximas em diferentes instantes de


tempo
Hidrodinâmica 84

Algumas observações interessantes podem ser feitas a partir dos


resultados acima: A figura a seguir, extraída de Newman (1977), apresenta um
conjunto de imagens seqüenciais de um trem de ondas gerado em tanque de
provas. O eixo das abscissas representa a posição ao longo do tanque. Cada
imagem representa uma “fotografia” da superfície do tanque em um determinado
instante de tempo, avançando no sentido vertical (de cima para baixo). As ondas
se propagam da esquerda para a direita (batedor de ondas à esquerda). A
profundidade do tanque é suficiente para que se desconsiderem efeitos de fundo.

Figura 26 – Velocidade de Fase e Velocidade de Grupo (fonte:Newman,1977)

As duas linhas indicadas como “group velocity” indicam o deslocamento da


frente de onda e do final do trem de onda, como vistos no tanque, os quais se
movem com a velocidade de grupo da onda. A linha indicada por “phase velocity”
acompanha o deslocamento de uma crista de onda, que, obviamente, se propaga
com a velocidade de fase. Como a velocidade de fase é maior do que a
velocidade de grupo, o que ocorre é que as cristas de onda parecem “morrer” na
Hidrodinâmica 85

frente do trem de ondas, enquanto ondulações surgem na superfície ao final do


mesmo.
Um outro ponto interessante: os períodos típicos das ondas do mar se situam
por volta de 4 a 12 segundos. O período das ondas representado nas figuras da
página anterior é de 6.28 segundos, portanto típico. Os surfistas costumam ter
como regra a afirmação de que, em um swell, “uma onda grande chega a cada
três ondas”. De fato, tal regra empírica apresenta uma certa consistência com a
teoria, o que pode ser confirmado ao se observar os batimentos apresentados
anteriormente.

Por fim, cabe destacar que a superposição de ondas harmônicas em seu caso
mais geral, com componentes de diferentes amplitudes, freqüências e, muitas
vezes, direções de propagação, constitui a técnica básica para a modelagem
estatística das ondas do mar, que será discutida em detalhes nas próximas
seções.

3.6. Ondas Irregulares

Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos


ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada
pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas
por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da
engenharia naval e oceânica, uma vez que apresentam períodos e amplitudes
típicos capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios ou sistemas
oceânicos usuais. Estas ondas são de caráter aleatório, com períodos e alturas de
ondas variando continuamente com o tempo e, muitas vezes, com ondas se
propagando em diferentes direções. Essa aleatoriedade nos obriga, então, a uma
modelagem estatística das ondas do mar com o intuito de extrairmos informações
importantes sobre os efeitos causados por diferentes “estados de mar” sobre
navios ou sistemas oceânicos.
Hidrodinâmica 86

Atualmente, existem diversas bases de dados com informações estatísticas


das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases foram
construídas ao longo dos anos com base em registros de ondas dos diferentes
locais, registros estes que podem ser obtidos por diferentes meios. Originalmente,
informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em
observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, há
diversos mecanismos, muito mais precisos, para a inferência estatística das ondas
do mar em determinado local. O método mais difundido consiste na utilização das
chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada vez mais
difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares de
superfície.

A figura abaixo apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar.

Figura 27 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas

Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise


simplificada é suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via
de regra, considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes
maior do que o maior período de ondas registrado para se garantir uma base
estatística confiável. Nas próximas páginas, vamos discutir alguns dos parâmetros
estatísticos mais comumente empregados para a descrição estatística das ondas
do mar. Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns parâmetros estatísticos
fundamentais através de um exemplo numérico e um tratamento simplificado.
Hidrodinâmica 87

Período Médio de Ondas


Com base em um registro como aquele da Figura 27, há mais de uma
forma de se definir os diferentes ciclos de ondas. Pode-se, em uma primeira
abordagem, separar os ciclos identificando-se cristas e cavados sucessivos, como
indica a figura. Neste caso, um período representativo deste registro seria obtido
simplesmente pela média dos períodos de cada ciclo ( T , average wave period).
Alternativamente, a fronteira entre diferentes ciclos pode ser definida através da
identificação dos chamados zeros ascendentes do registro (pontos quando a série
cruza o zero com derivada positiva). A média dos intervalos de tempo de cada
ciclo obtidos desta forma forneceria então o chamado períodos entre zeros
ascendentes (average zero up-crossing period). É fácil perceber, no exemplo da
figura acima, que os ciclos resultantes da aplicação dos dois critérios e,
consequentemente, os períodos representativos, seriam um pouco distintos.

Estatísticas de Altura de Ondas


De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida
com base em um histograma contendo as informações do número de ocorrências
dentro de determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de
ocorrências em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece
quocientes de frequência que caracterizam a chamada função densidade de
probabilidade f(x) (probability density function). A soma cumulativa destes
quocientes fornece, por fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution
function) das alturas de onda.
Um exemplo numérico é fornecido abaixo, extraído de Journée & Massie
(2001), para um registro de 150 ciclos:
Hidrodinâmica 88

Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A


função densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a).
A função de distribuição é dada em (b).

Figura 28 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de Alturas de


Ondas

Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função


f(x). Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um
certo valor a é dada simplesmente por:

~
P{H w  a}   f ( x)dx (3.35)
a
Hidrodinâmica 89

Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a


altura de onda exceder 3.25m é de 4%.

A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por:



H   x. f ( x)dx (3.36)
0

e, no caso acima, H  1.64 m.

Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um


determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3
(significant wave height)41. A altura significativa é definida como a médias das
ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em
três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a
altura significativa será dada por:

H 1 / 3   x. f ( x)dx
a0

No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50


maiores ondas no registro e, portanto, H 1 / 3  2.51 m.

3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar

Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa


do registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling)
da elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de

41 A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica.
Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica
de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já
ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a
altura significativa passou a ser um parâmetro tradicional na análise estatística das ondas.
Hidrodinâmica 90

registros tomados a intervalos de tempo iguais ( t ), conforme ilustrado na figura


abaixo.

Figura 29 – Amostragem de um registro de ondas.

O tempo total do registro é dado por T=N t e a frequência de amostragem


(sampling frequency) é dada por f S  1 t . Na análise das ondas do mar,

usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição, com


frequência de amostragem típica por volta de 2 Hz. A menos na condição de um
swell muito longo, esses tempos de registro são altos o suficiente para garantir a
aquisição de um número mínimo de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente
para evitar a influência espúria de fenômenos de baixa frequência, como a
variação dos níveis de maré.
Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação  n

medida a cada intervalo de tempo.

Irregularidade do Mar e Gaussianeidade

A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função


densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície  n é muito

bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como  n

representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio


que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de  n pode

ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão  :


Hidrodinâmica 91


2
1
f ( )  e 2 2
(3.37)
2
sendo o desvio-padrão dado por:

1 N 2
  n
N  1 n 1
(3.38)

Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois


parâmetros: sua média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo
apresenta a representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula
e desvio-padrão   1.

Figura 30 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e   1.

Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por


x   . Em uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória
exceda um certo valor a é dada por:
 

2
1
P{  a}   f ( )d  e 2 2
d (3.39)
a 2 a
Hidrodinâmica 92

A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de


aproximadamente 32%, ou seja P{   }  0.32 , enquanto que a probabilidade de

exceder um valor equivalente a 3 é de apenas 0.3% ( P{  3 }  0.003 ).


A razão da Gaussianeidade de f ( ) pode ser melhor entendida se nos
remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são
resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento
em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões diferentes
ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregulares podem ser
entendidas como a soma de variáveis aleatórias independentes42. Sabe-se, a
partir do Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma
variável aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é
Gaussiana, independentemente da forma das distribuições de probabilidade das
variáveis originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da
importância da distribuição normal na teoria da probabilidade.
As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser
encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em
especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e,
portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável
Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é
uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média  e variância  2 , então
a variável Y  aX  b também terá distribuição Gaussiana com média a  b e

variância a 2 2 . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema


oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta
do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que  (t ) também o é.
Essa questão será fundamental para o estudo estatístico da resposta do sistema

42 A Gaussianeidade das ondas do mar deriva da própria aleatoriedade do processo de geração


das ondas pelo vento, mas ela não deve ser tomada como uma verdade no sentido estrito. De fato,
o modelo Gaussiano pressupõe a superposição de componentes de onda aleatórias e lineares. A
distribuição estatística da elevação de onda em mares em que a não-linearidade das ondas se
mostra mais pronunciada tende a se afastar da distribuição normal. Maiores detalhes podem ser
encontrados, por exemplo, em Ochi (1998).
Hidrodinâmica 93

em um mar cuja estatística é conhecida, ponto que será retomado no próximo


Capítulo.

Distribuição de Rayleigh das Amplitudes

Se a faixa de frequências em um estado de mar não for muito ampla, o seu


espectro de energia é dito de banda estreita. Faremos uma análise mais
detalhada quanto à largura de banda do espectro mais adiante. No momento, nos
basta observar que uma boa parte dos estados de mar de interesse pode ser
caracterizada por espectros de banda estreita. Nesse caso, e como a distribuição
de probabilidade da elevação é suposta Gaussiana, é possível mostrar que a
estatística de amplitudes (ou alturas) de ondas seguirá uma distribuição de
Rayleigh43. Esta distribuição é dada por:
2
A A
f ( A)  e 2 2
(3.40)
 2

De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude A


exceda um determinado valor a é dada por:
  2 2
1 A a
P{ A  a}   f ( A)dA   Ae 2 2
dA  e 2 2
(3.41)
a  2
a

O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado,
graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura
abaixo:

43 A demonstração matemática deste fato pode ser encontrada, por exemplo, em Price & Bishop
(1974).
Hidrodinâmica 94

Figura 31 – Distribuição de Rayleigh

Por definição, como vimos, a amplitude significativa é dada pela média das
amplitudes 1/3 maiores:

A1 / 3   A. f ( A)dA
a0

a0 2

sendo: P{ A  a0 }  e 2 2
 1/ 3

e, portanto, a0 = 1.4823
Assim, é fácil verificar que:
A1 / 3  2
(3.42)
H 1 / 3  4
A expressão (3.41) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na
forma:

 2  h 2

P{H  h}  e  H1 / 3 
(3.43)
a qual indica a probabilidade de a altura de onda exceder um determinado valor h
em um mar cuja altura significativa é H1/3.

Um parâmetro normalmente empregado na análise da dinâmica de


sistemas oceânicos no mar é a máxima altura de onda ( H MAX , maximum wave
height) esperada em um determinado estado de mar. Por convenção, esta altura é
Hidrodinâmica 95

calculada como sendo aquela cuja probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse
valor, aparentemente arbitrário, foi definido considerando-se que um estado de
mar típico tem duração aproximada de 3 horas (tempo característico de uma
tempestade) e contém, grosso modo, um número de ciclos de ondas próximo de
1000. Segundo esta convenção, a máxima altura de onda HMAX pode ser
calculada em função de H1/3 por intermédio de (3.43), resultando:
H MAX  1.86 H 1 / 3 (3.44)

Até aqui, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos importantes


que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um enfoque estatístico
da resposta de sistemas oceânicos, no entanto, é ainda necessário que
caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por “estados de mar”.
No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são realizadas com base
em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá operar. As
características do mar em uma dada região são obtidas através de análises
estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes estados é feita
através do chamado espectro de energia de ondas. Essa representação será
discutida em detalhes a seguir.

3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar

Caracterização do Mar


Denotemos por  ( x1 , t ) o registro de ondas obtido em uma posição arbitrária

x1 . Se pudermos distinguir uma direção única de propagação de forma que toda a
irregularidade da onda se manifeste nesta direção, o mar é chamado um mar de
swell ou mar de cristas-longas (long-crested sea). Neste tipo de mar, considera-
se que, embora a amplitude e o espaçamento das cristas varie com o tempo, as
ondas permanecem paralelas.
Hidrodinâmica 96

Em um mar de cristas-longas, dada a sua homogeneidade espacial, o


 
registro realizado na posição x1 (  ( x1 , t ) ) e um outro registro realizado na posição
 
x 2 (  ( x2 , t ) ) serão processos aleatórios caracterizados pelas mesmas relações
estatísticas (desde que a distância entre os dois pontos de medida se mantenha
dentro de certos limites). Em outras palavras, embora a “história” da elevação da
superfície possa ser diferente, a estatística do mar dentro da região que inclui os
 
pontos x1 e x 2 independe da posição de medida e o mar pode ser caracterizado
exclusivamente com base em sua variação temporal  (t ) . Consequentemente, a
estatística do mar pode ser dada com base apenas na frequência de onda e em
sua amplitude.
Por outro lado, se as ondas do mar se propagam não em uma direção
única, mas sim com uma certa dispersão angular, o mar é chamado de mar local
ou de cristas-curtas (short-crested sea). Este tipo de situação ocorre,
tipicamente, quando observamos o mar próximo a ou no próprio local de sua
geração (tempestade), daí o nome “mar local”. Neste caso, é difícil identificar as
cristas das ondas e o mar se mostra “confuso”. A posição de registro do mar é
agora importante e a estatística dependerá não apenas do tempo, mas também da

posição  ( x , t ) . Nesta situação, a estatística do mar deverá ser descrita não
apenas em função da frequência, mas também em função da direção. Os
espectros de mar que caracterizam mares short-crested são conhecidos como
“espectros direcionais” e normalmente são parametrizados por uma medida de
“espalhamento direcional” ().
Podemos representar esquematicamente as diferenças entre um swell e um
mar local através de gráficos de contorno (contour plots) de seus espectros de
energia (cuja definição daremos a seguir). Por ora, basta perceber que os
espectros de mar-local apresentam distribuição em uma larga faixa de direções
(ou um maior espalhamento), enquanto os espectros que caracterizam um swell
apresentam espalhamento pequeno e, portanto, na prática, são considerados
unidirecionais.
Hidrodinâmica 97

Figura 32 – Diferença de espalhamento de um mar local (a) e um swell (b). Fonte: Price &
Bishop (1974).

É importante mencionar, por fim, que um mar real é comumente formado


pela composição de diferentes mares, por exemplo, pela composição de um swell
e um mar local, geralmente se propagando em direções distintas. Nesse caso, o
espectro de energia do mar será caracterizado por mais de um pico de energia.
A seguir, discutiremos a definição de espectro considerando o caso mais
simples de um mar unidirecional (long-crested). Na seção 3.6.4 discutiremos, de
forma breve, a representação espectral de mares com espalhamento direcional
(short-crested).

Superposição de Ondas e Espectro de Energia

As ondas irregulares do mar podem ser representadas através da


superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e frequências. O
procedimento clássico para se obter o conteúdo em frequência de um certo sinal
aleatório é decompô-lo através de uma série de Fourier44.
Suponhamos então um certo registro de onda  (t ) com tempo total de
medição T. Definindo:

44 Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Price & Bishop (1974).
Hidrodinâmica 98

2
 
T
 j  j
a série de Fourier do sinal será dada por:

 
 
 (t )  [c j cos j t  s j sin  j t ]  1 / 2 A j e
i ( j t  j )
 (*) (3.45)
j 1 j 1

onde (*) indica o complexo conjugado do termo à esquerda e, obviamente:

Aj  c j  s j
2 2

 j  arctan( s j c j )
Os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes
harmônicas e os coeficientes j suas respectivas fases.
Os coeficientes de Fourier são definidos por:
T
2
T 0
cj   (t ) cos j t.dt
T
(3.46)
2
s j    (t ) sin  j t.dt
T 0

Como  (t ) é suposto um sinal Gaussiano de média nula, os coeficientes de


Fourier também o serão. Portanto, a amplitude (Aj) do sinal deve ter distribuição
segundo a distribuição de Rayleigh e a fase j deve ser uniformemente distribuída
no intervalo     j   .

Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em


reproduzir a real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases j
entre as componentes harmônicas podem ser desconsideradas.
Uma medida da densidade de energia das ondas do mar em torno de uma
dada frequência  n é dada por:

1 n   1 2
S  ( n )   An
 n 2
(3.47)
Hidrodinâmica 99

Deve-se observar que, se multiplicada por g, a expressão acima fornece o


valor médio da energia por unidade de área das ondas na faixa de frequências
 (ver eq. 3.23).
No limite em que   0 , tem-se então:
1 2
S (n ).d  An (3.48)
2
e a função S ( ) assim definida é conhecida como “densidade espectral” ou

simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as


definições acima.

Figura 33 – Definição de Densidade Espectral

Por definição, a variância do sinal  (t ) também pode ser dada a partir de


seu espectro de energia, na forma:

   S  ( n ).d
2
(3.49)
0

A figura abaixo fornece uma interpretação gráfica do significado físico do


espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original.
Hidrodinâmica 100

Figura 34 – Representação esquemática da relação entre o espectro de energia e o registro


de ondas original (extraída de Journée & Massie (2001))

Em unidades SI, o espectro S ( ) tem unidade de m2s e pode ser

representado também em termos da frequência de onda em Hertz ( f ). Nesse


caso, porém, convém observar que o espectro sofre uma transformação. O
requisito a ser seguido impõe que a energia total contida nos intervalos  e
f seja igual, e, portanto:

S ( ).d  S ( f ).df

e, como d df  2 :

S ( f )
S ( )  (3.50)
2
A relação (3.50) permite converter a representação do espectro da
frequência para a frequência angular e vice-versa. A figura abaixo ilustra a
representação de um espectro de mar típico nas duas bases diferentes.
Hidrodinâmica 101

Figura 35 – Espectro de Mar em termos de  (rad/s) e f (Hz)

Parâmetros Estatísticos Importantes

Como veremos abaixo, uma série de parâmetros estatísticos importantes


pode ser derivada diretamente a partir dos chamados “momentos espectrais”,
definidos por:

mk    k S  ( ).d (3.51)
0

onde o sub-índice k denota o momento k-ésima ordem.


É fácil verificar, a partir de (3.49) e (3.51), que a variância da elevação  (t )
corresponde ao momento espectral de ordem zero (m0). O desvio-padrão do sinal
de elevação da superfície é então dado por:
1/ 2
 
  RMS  m0   S ( ).d  (3.52)
0 
Através da expressão (3.42), pode-se relacionar também o momento m0
com a amplitude (ou com a altura) significativa de onda na forma:
A1 / 3  2 m0
(3.53)
H 1 / 3  4 m0
Hidrodinâmica 102

Dois períodos característicos importantes são relacionados aos momentos


de primeira e segunda-ordem. De fato, o momento de 1ª ordem (m1) permite
estimar a frequência do baricentro do espectro através da relação m1  1 m0 e,
assim, o período (T1) dado por:
m0
T1  2 (3.54)
m1
é conhecido como período central do espectro (mean centroid wave period).

O momento de 2ª ordem, por sua vez, fornece uma estimativa do momento


de inércia de área do espectro. Esse momento pode ser escrito como m2   2 m0 ,
2

onde a frequência  2 faz o papel de “raio de giração”. O período associado, dado


por:
m0
T2  2 (3.55)
m2

é chamado período médio entre zeros (mean zero-crossing wave period). Muitas
vezes esse período aparece na literatura denotado por Tz.

Como veremos na próxima seção, outro período característico importante é


o período de máxima energia do espectro ou seu período de pico (Tp). Este, por
sua vez, se relacionará com o período central e com o período entre zeros
dependendo da forma do espectro de energia.

A energia de onda se distribui em torno da frequência central 1 em uma


faixa de frequências da ordem  . Podemos definir a “largura de banda” do
espectro como sendo e   / 1 . Se e  1 , o espectro é dito de “banda estreita”.
Neste caso, o mar é “quase harmônico”. Se, por outro lado, e for próximo de 1 ou
maior, dizemos que o espectro é de “banda larga”. Uma definição usualmente
aceita para a largura de banda em função dos momentos espectrais é45:

45 Para maiores detalhes quanto a essa dedução, ver Price & Bishop (1974), seção 9.6.2.
Hidrodinâmica 103

2
m
e  1 2 (3.56)
m0 m4

A influência do Tempo de Registro

A forma do espectro e os valores estatísticos dependerão, como vimos, do


tempo total de registro de onda (T). A duração do registro também pode ser
caracterizada pelo número total de ciclos de ondas que ele contém (N). Como
discutimos no início desta seção, há um valor mínimo para N acima do qual
consideramos que o registro fornece uma base estatística apropriada para a
análise espectral. Valores de N muito baixos obviamente prejudicam as
estatísticas, enquanto valores muito altos também podem “corromper” a análise ao
incorporar variações espúrias da superfície (como, por exemplo, variações de
maré).
A figura abaixo foi extraída de um estudo da ITTC (International Towing
Tank Conference) e ilustra a variação de alguns parâmetros estatísticos
significativos em função do número de ciclos empregado na análise. Os resultados
da figura apresentam a razão entre o valor calculado com registros de diferentes
durações e aquele calculado com um grande número de ciclos. Esse estudo foi
realizado com um mar de período central T1 aproximadamente igual a 6 segundos.
É possível observar que, para N>50, as razões se mostram mais ou menos
constantes, mas que um número maior de ciclos é necessário para garantir uma
convergência razoável dos parâmetros medidos.
Hidrodinâmica 104

Figura 36 – Efeito do tempo de registro sobre as estatísticas

De acordo com as recomendações da 17ª ITTC (1984), o valor N=50 deve


ser adotado com um limite inferior para a análise espectral de um determinado
estado de mar. Atualmente, o valor N=100 é usualmente adotado com padrão e
N=200 é considerado “excelent practice” pela ITTC. Na prática, um registro com
duração 100 vezes maior do que o maior período esperado é considerado um
procedimento-padrão. Para mares típicos, isso significa tempos de registro entre
15 e 20 minutos, conforme dissemos no início deste Capítulo.

3.6.3. Espectros de Energia Padrão

Vários estudos foram realizados, especialmente a partir da década de 1960,


com o intuito de relacionar as ondas do mar e as características do vento que as
gerou, dando origem à chamada “teoria de geração” das ondas do mar. Alguns
aspectos dessa teoria serão apresentados, apenas de forma bastante breve, na
próxima seção. Esses estudos incentivaram várias tentativas de se correlacionar a
velocidade de vento com o espectro de ondas do mar gerado.
Miles (1960) e Phillips (1966) mostraram que existe uma relação entre a
pressão aerodinâmica na zona de geração e a frequência das ondas geradas. As
ondas mais curtas (frequências mais altas) crescem até que se tornam instáveis e
Hidrodinâmica 105

“quebram” e, dessa forma, a energia do mar em altas frequências passa a ser


limitada por essa dissipação.
Se existir uma “pista” (fetch) suficientemente longa para a ação do vento
sobre a superfície e o vento soprar por um tempo igualmente suficiente, o mar
gerado atingirá uma situação de equilíbrio. Nesta situação, o mar é chamado de
“plenamente desenvolvido” (fully developed sea). O espectro de energia de um
mar plenamente desenvolvido atinge um máximo (pico) em uma frequência  p que

é inversamente proporcional à velocidade do vento. Este fato pode ser melhor


entendido se considerarmos, como argumento físico, que na situação de equilíbrio
a velocidade do vento deverá igualar uma velocidade de grupo típica ( g / 2 p ), a

qual, como vimos nas seções anteriores, caracteriza a velocidade com que a
energia das ondas se propaga.
Através de um argumento dimensional, Phillips (1966) demonstra que no
limite de altas frequências deve-se ter:

g2
S  ( )  (   ) (3.57)
5
Desde então, vários formatos padronizados foram propostos para
representar a função S ( ) com base na velocidade do vento no local de geração.

Exemplos são o espectro de ondas de Darbyshire, o espectro de ondas do British


Towing Tank Panel e o espectro de ondas de Neumann, todos os quais, hoje em
dia, se encontram praticamente em desuso46.
Dois formatos padronizados de espectro são os mais frequentemente
empregados nos dias atuais e, por essa razão, serão discutidos em maiores
detalhes a seguir.

O Espectro de Pierson-Moskowitz

O espectro original proposto por Pierson & Moskowitz (1963) foi obtido de
forma semi-empírica com base na análise de um grande número de registros de

46 Maiores informações podem ser encontradas em Price & Bishop (1974).


Hidrodinâmica 106

ondas do Atlântico Norte. Por terem sido realizados em uma região “aberta”,
supostamente estes registros se referem, em sua maioria, a mares plenamente
desenvolvidos. O espectro original era dado por:

0.0081 g 2   gV  
4

S ( )  exp  0.74   (3.58)


5     

onde V é a velocidade média do vento medido a uma altura de 19.5 metros.


Posteriormente, algumas modificações foram propostas e o espectro
passou a ser aceito com o seguinte formato:
A B 
S  ( )  exp  4  (3.59)
   
5

A ITTC de 1969 propôs uma representação baseada em apenas um


parâmetro, a altura significativa H1/3. Recomendou, então, que se adotassem os
seguintes valores para as constantes A e B:
A  0.0081 g 2
3.11
B 2
H1/ 3
Em 1967, a ISSC (International Ship Structures Congress) recomendou, por
sua vez, a adoção de dois parâmetros como base para a representação do
espectro, a altura significativa e o período central T1. Nesse caso:
2
173 H 1 / 3
A 4
T1
692
B 4
T1
O espectro sugerido pela ISSC é também conhecido como espectro de
Bretschneider e é, hoje em dia, a forma mais usual de emprego do espectro de
Pierson-Moskowitz. Para esta forma de espectro, as seguintes relações teóricas
podem ser obtidas para os períodos característicos:
T p  1.296T1  1.407T2 (3.60)

Convém ainda observar que os espectro proposto pela ISSC recai naquele
proposto pela ITTC quando T1  3.86 H 1 / 3 , uma relação que está de acordo com
Hidrodinâmica 107

os resultados originais analisados por Pierson e Moskowitz. De fato, alguns


pesquisadores argumentam que a representação por dois parâmetros distintos
apresenta o inconveniente de permitir uma utilização imprópria da formulação,
uma vez que existe uma relação teórica entre ambos que deve ser preservada,
dado que está relacionada a uma declividade característica do espectro.

O Espectro de JONSWAP

Entre 1968 e 1969 um extenso programa de monitoração de ondas,


conhecido como Joint North Sea Wave Project (JONSWAP) foi conduzido no Mar
do Norte ao longo de uma linha de 100 milhas com origem na ilha Sylt (costa
noroeste da Alemanha). A análise dos dados resultou na proposta de um formato
de espectro para mares gerados em pistas limitadas (fetch-limited) ou costeiros.
A 17ª ITTC (1984) recomenda a seguinte definição do espectro de
JONSWAP para mares com pista limitada:

320.H 1 / 3
2 
  1950 4 

S  ( )  4
 5 exp  4
  A (3.61)
Tp 
 Tp 

com:
  3.3
   1  
2

   p  
A  exp    
   2  
   

e a constante  assume diferentes valores dependendo de :


 = 0.07 (se    p )

 = 0.09 (se    p )

A relação entre os períodos característicos para o espectro (3.61) é dada


por:
T p  1.199T1  1.287T2 (3.62)
Hidrodinâmica 108

O parâmetro  é conhecido como peak enhancement factor. O valor de


=3.3 sugerido pela ITTC é, na verdade, um valor médio. Atualmente, na grande
maioria dos casos o espectro de JONSWAP é empregado com um ajuste variável
para o valor do parâmetro 
É importante mencionar que o espectro (3.61) recupera o espectro de
Bretschneider ao se considerar  A  1.522 .

Comparação entre os Espectros

A figura abaixo apresenta uma comparação entre os espectros de onda de


Bretschneider e JONSWAP para mares com altura significativa de 4 metros e
períodos de pico de 6, 8 e 10 segundos.

Figura 37 – Comparação das formulações espectrais de Bretschneider e JONSWAP

Percebe-se que os espectros de JONSWAP se caracterizam por


apresentarem picos mais pronunciados. Logo, a declividade média das ondas é
maior segundo a representação de JONSWAP. De fato, uma das críticas
Hidrodinâmica 109

encontradas na literatura ao modelo proposto por Pierson-Moskowitz se refere a


uma eventual subestimação da declividade característica do mar.
Como prática de projeto, é usual a modelagem de “mares locais” tendo
como base o espectro de JONSWAP e a consideração do espectro de
Bretschneider para regiões “abertas”, ou mares considerados plenamente
desenvolvidos, embora mais recentemente note-se uma prevalência de critérios
de engenharia que adotam apenas o modelo JONSWAP.

3.6.4. Espalhamento Direcional

Conforme discutimos anteriormente, os mares, especialmente aqueles


próximos à zona de geração, se caracterizam por um certo espalhamento
direcional. A representação dos chamados mares de cristas-curtas (short-crested)
exige que o espectro de energia traga informações sobre esse espalhamento.
Uma distribuição na forma de cosseno-quadrado é usualmente empregada
para introduzir o espalhamento direcional em um espectro. Com esse modelo, a
energia de onda unidirecional, discutida na seção precedente, é distribuída em
uma certa faixa angular, na forma:
2   
S  ( ,  )   cos2 (    )S  ( ) ;   (    )  (3.63)
  2 2
onde  representa a direção de onda dominante.
Neste modelo simplificado, a faixa de espalhamento é fixa (180o) e a
variação de energia ocorre de forma independente na frequência e na direção.
Assim, em cada direção a forma do espectro é a mesma, apenas a sua
intensidade varia. Uma comparação entre o modelo proposto em (3.63) e um
espectro medido em campo é apresentado na figura abaixo.
Hidrodinâmica 110

Figura 38 – Espectro Direcional de Ondas

Modelos mais elaborados podem ser encontrados na literatura, nos quais a


distribuição de energia e a faixa angular do espalhamento são controladas por um
ou mais parâmetros. Uma discussão mais aprofundada sobre estes modelos foge
do escopo deste curso, mas pode ser encontrada, por exemplo, em Massel (1996)
e Ochi (1998).

3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar

Em 1805, o Almirante Sir Francis Beaufort propôs uma escala para medida
da intensidade do vento no mar. Sua escala relaciona a velocidade de vento, as
ondas do mar e as atitudes a serem tomadas a bordo dos navios, à época, de
propulsão a vela. A chamada “escala de Beaufort” foi posteriormente adaptada
para uso em terra e, ainda hoje, é empregada por várias estações meteorológicas.
A figura abaixo apresenta impressões visuais dos estados de mar tipicamente
associados com os diferentes valores da escala de Beaufort. A figura na página
seguinte apresenta uma definição dos valores da escala e diferentes descrições
dos estados de mar associados.
Hidrodinâmica 111

Como indica a escala de Beaufort, as ondas do mar estão associadas ao


vento, pois são geradas por variações da pressão atmosférica com o movimento
das massas de ar. Nossa intenção, nesta seção, é introduzir alguns conceitos da
teoria de geração das ondas do mar para que seja possível compreender melhor a
relação entre um estado de mar e o vento que o gerou.

Figura 39 – Impressão visual de estados de mar associados às intensidades Beaufort


Hidrodinâmica 112

Figura 40 – A escala de intensidade de vento de Beaufort


Hidrodinâmica 113

Pela própria natureza do fenômeno, podemos relacionar como parâmetros


importantes na geração de onda pelo vento: a velocidade do vento (U); a distância
existente sobre a qual o vento pode atuar na superfície do mar (normalmente
chamada de “pista” ou, em inglês, fetch (F)) e a duração da tempestade ou o
tempo total de ação do vento. A figura abaixo relaciona os parâmetros acima com
os parâmetros estatísticos do mar gerado. No eixo vertical esquerdo lê-se a altura
significativa de onda (em escala logarítmica) em função de U, F e da duração. Os
períodos de onda podem ser obtidos pela interpolação das curvas tracejadas.

Figura 41 – Relação entre parâmetros na geração de ondas pelo vento.

Percebe-se claramente nos resultados acima que os parâmetros de onda


tendem assintoticamente a situações de equilíbrio para cada valor da velocidade
de vento (U). Estas situações de equilíbrio estão indicadas pela região triangular à
direita do gráfico. Uma vez atingido o equilíbrio, a altura e o período de onda não
Hidrodinâmica 114

mais variarão, mesmo que o vento ainda tenha pista e tempo para agir. O mar que
atinge tal situação é conhecido como mar plenamente desenvolvido (fully
developed sea). A seguir, apresentaremos um argumento físico que explica o
mecanismo pelo qual esse equilíbrio é atingido e o que ele representa.
De acordo com as equações (3.23) e (3.53), a energia média de ondas de
um determinado estado de mar pode ser expressa por:
1
E gA1 / 3 2  2gm0 (3.64)
2
A velocidade média com que essa energia é propagada pode ser expressa
através de uma velocidade de grupo representativa do mar, a qual associaremos à
frequência de pico do espectro:
g
cg  (3.65)
2 p

De acordo com os resultados apresentados no gráfico acima, a energia


média e a velocidade de grupo serão função dos parâmetros F, U e da duração.
Na situação de equilíbrio, contudo, passam a depender exclusivamente da
velocidade do vento. A razão para isso é simples: o aumento da energia de ondas
não pode depender da velocidade absoluta do vento (U), mas sim de sua
velocidade relativa à velocidade de propagação do grupo de ondas (U-cg). Há,
portanto, um limite para o crescimento da altura de ondas expresso pela condição
c g  U . Dessa observação decorre que deve existir uma “declividade padrão”, que

podemos definir por  p  H1 / 3  p   p H1 / 3 / 2g , a qual deve ser praticamente


2

invariante para qualquer mar plenamente desenvolvido.


A tabela abaixo apresenta uma indicação da relação típica entre velocidade
de vento, altura e período de onda, baseada em registros obtidos em área aberta
(Open Area) e em região de pista limitada (North Sea Area).
Hidrodinâmica 115

A partir dos resultados acima, é possível inferir, a partir dos resultados


obtidos em águas abertas, o valor de declividade padrão. Relembrando que, para
um espectro de Bretschneider T p  1.296T1  1.407T2 , os resultados indicam uma

certa variação da declividade padrão, com valores entre 1.2% (Beaufort 1) e 3,6%
(Beaufort 12). O valor de  p  2,6% poderia, então, ser considerado como um

valor típico para um mar plenamente desenvolvido. Devemos notar que esse é
precisamente o valor de declividade pressuposto na relação T1  3.86 H 1 / 3 ,

quando o espectro da ISSC (de 2 parâmetros) recupera o espectro proposto pela


ITTC.
A existência de um valor típico de declividade para mares plenamente
desenvolvidos ou, em outras palavras, a existência de uma relação típica entre
altura e período de ondas, justifica as críticas quanto ao espectro proposto pela
ISSC, uma vez que este permite a adoção de valores de altura e período de forma
independente.
Observando as relações (3.62), também podemos calcular os valores de  p

com base nas observações feitas no Mar do Norte. Para uma dada intensidade de
vento, os resultados indicam valores um pouco maiores de declividade se
Hidrodinâmica 116

comparados com o caso de águas abertas. Os valores variam na faixa


1.8%   p  4.1% . Os resultados estão de acordo com o fato de o espectro de

JONSWAP se caracterizar por declividades maiores, fato este já mencionado


anteriormente.
As estatísticas de longo-termo das condições de mar de uma determinada
região são realizadas com base na monitoração de ondas no local durante um
longo período de tempo. Através da análise de um grande número de registros é
possível gerar uma tabela de ocorrência de ondas, como aquela exemplificada
abaixo. Essa tabela foi obtida para certa região do Mar do Norte e corresponde às
condições registradas durante períodos de inverno. Obviamente, dadas as
especificidades climáticas e geográficas, as condições dependerão fortemente do
local e da época do ano no qual foram realizados os registros. Assim, é comum
que essas tabelas sejam apresentadas com uma periodicidade mensal. Para a
confecção da tabela abaixo, por exemplo, foram tomados aproximadamente um
milhão de registros de onda.

Através das tabelas de ocorrência de ondas é possível fazer inferências


estatísticas de longo prazo. Esta análise dos registros é conhecida como análise
estatística de longo-termo e corresponde ao tipo de análise que fornece as
Hidrodinâmica 117

condições de mar que caracterizam determinada região. Verificou-se, de forma


empírica, que a probabilidade de exceder uma determinada altura de ondas pode
ser bem reproduzida através de uma distribuição log-normal ou, alternativamente,
através de uma distribuição de Weibull. A figura abaixo apresenta uma
comparação entre a distribuição logarítmica e os dados experimentais referentes à
tabela acima.

Figura 42 – Distribuição logarítmica baseada em dados de ondas do Mar do Norte.

Nesse caso, para se calcular a probabilidade de que a altura significativa de


onda H1/3 exceda um determinado valor h naquele local e naquela época do ano,
basta considerar:
1
log{P( H1 / 3  h)}  h
a
onde a é um parâmetro que se refere à declividade da curva e deve ser ajustado
aos dados experimentais.
A distribuição de Weibull é uma generalização da distribuição acima,
expressa matematicamente na forma:

 hc 
b

P( H 1 / 3  h)  exp    

  a  
Hidrodinâmica 118

onde b é um parâmetro de ajuste e c um limite inferior (lower-bound) para a altura


de ondas. Como, no caso de ondas do mar, o parâmetro c é usualmente próximo
de zero e b próximo de 1, as duas distribuições normalmente se equivalem em
termos de precisão das estimativas.
A figura abaixo apresenta um exemplo de um histograma de altura de
ondas (a) e a comparação de resultados com uma distribuição logarítmica (b) e
uma distribuição de Weibull (c).

Figura 43 – Histograma de altura de ondas, distribuição log-normal e distribuição de Weibull

Mediante o procedimento de análise ilustrado acima, é possível levantar um


conjunto de informações importantes para o projeto de sistemas oceânicos.
Parâmetros comumente empregados, por exemplo, são as chamadas condições
de mar “anuais”, “decenárias” e “centenárias”, que se referem às piores condições
de mar previstas para ocorrerem em um determinado local em horizontes de
tempo de um, dez ou cem anos, respectivamente.
Hidrodinâmica 119

4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS

“As far as the laws of mathematics refer to reality, they are not certain;
and as far as they are certain,
they do not refer to reality”
Albert Einstein [Geometry and Experience]

4.1. Hipóteses Simplificadoras

Neste capítulo apresentaremos um modelo para descrição do comportamento


no mar de sistemas oceânicos. Trata-se de um modelo aproximado que, em
virtude destas aproximações, carrega com si algumas limitações. Estudaremos a
dinâmica de sistemas flutuantes sob a óptica da teoria linear e no domínio da
frequência. Trataremos o sistema flutuante como um oscilador linear com seis
graus de liberdade (os movimentos de surge, sway, heave, roll, pitch e yaw do
corpo flutuante). A linearidade imposta ao modelo de forças de excitação e ao
modelo dinâmico do corpo possibilitará empregar a hipótese de superposição de
ondas harmônicas e tratar o problema de um mar real de forma estatística, com
base em seu espectro de energia. Dessa forma, a dinâmica correspondente a
cada componente harmônica do mar será equacionada de forma independente.
Através desta abordagem poderemos inferir características dinâmicas importantes
da resposta linear do corpo (movimentos do corpo nas frequências das ondas do
mar), também conhecida como resposta de 1ª ordem. Uma vez que o problema é
linear, a dinâmica de 1ª ordem pode ser caracterizada através de funções de
transferência denominadas Response Amplitude Operators (RAOs). Uma vez
obtidos os RAOs e com base em um espectro de energia de ondas que
caracterize um determinado estado de mar, é possível avaliar as estatísticas de
resposta do sistema submetido a este mar, inferindo, por exemplo, as amplitudes
máximas esperadas para os movimentos nos seis graus de liberdade. A teoria
Hidrodinâmica 120

linear, embora aproximada, fornece aproximações excelentes para a resposta de


1ª ordem para a grande maioria dos sistemas oceânicos de interesse e, assim, é
prática fundamental no projeto destes sistemas. Nesta seção, procuraremos
incialmente explorar as características físicas do problema que nos permitem
adotar as simplificações inerentes à teoria linear e discutir quais as limitações
decorrentes desta abordagem.
As duas hipóteses simplificadoras fundamentais que serão adotadas na
modelagem das forças hidrodinâmicas atuantes sobre o corpo são as hipóteses de
escoamento potencial e de que as condições de contorno na superfície-livre e na
superfície do corpo sejam lineares. Vimos, no capítulo precedente, que a adoção
destas duas hipóteses se justifica no problema tratamento das ondas do mar,
desde que a declividade da onda seja baixa (kA<<1). Agora, estamos
interessados não mais no problema de uma onda livre, mas sim no caso em que
esta onda encontra um corpo flutuante ou submerso e na dinâmica resultante
deste encontro. Precisaremos, pois, justificar as mesmas hipóteses neste novo
contexto. Esse é o objetivo almejado com a discussão que se segue.
No capítulo 3 vimos que o escoamento induzido por uma onda que se propaga
na superfície do mar é oscilatório e, portanto, caracterizado por acelerações do
fluido. Este escoamento acelerado causará, como consequência, forças e
possivelmente acelerações de um corpo que esteja imerso neste fluido. A questão
que se coloca é a seguinte: Podemos considerar também o escoamento resultante
do movimento deste corpo como potencial? Obviamente, isto só será possível se
pudermos garantir, mais uma vez, que as forças inerciais no escoamento
decorrente deste movimento sejam muito maiores do que as forças viscosas. Um
insight importante sobre este problema é dado pelo estudo experimental do
escoamento em torno de corpos acelerados. A figura abaixo, extraída de Newman
(1977), apresenta uma visualização do escoamento decorrente de uma aceleração
impulsiva de um cilindro imerso. Cada fotografia representa um instante posterior
ao início do movimento, partindo-se do repouso até o momento em que o cilindro
já adquiriu velocidade constante. Este conjunto de fotografias foi registrado em um
Hidrodinâmica 121

trabalho de Prandtl em 1927 e seu estudo nos permite observar características do


escoamento que serão fundamentais para a nossa análise.
Percebe-se que, nos instantes iniciais do movimento, há a formação de uma
esteira com dois vórtices simétricos. Posteriormente, à medida que o cilindro
continua avançando para a esquerda em movimento acelerado, esta esteira
simétrica acaba por perder a estabilidade e dá origem a uma esteira oscilatória,
com desprendimento alternado de vórtices (padrão conhecido como padrão de
esteira de von Karmán).

Figura 44 – Visualização do escoamento em torno de um cilindro acelerado impulsivamente


(extraída de Newman (1977))

A característica que para nós é importante aqui é a seguinte: Até o


momento em que a esteira perde a estabilidade, tudo se passa como um
escoamento potencial em torno de um corpo que se alonga (entendendo o corpo
como o cilindro mais os dois vórtices simétricos à jusante). Nos instantes iniciais
do movimento, a contribuição da viscosidade sobre a dinâmica global do fluido é
pequena e, enquanto a espessura da esteira à jusante do corpo for pequena, o
efeito da viscosidade sobre as forças de pressão atuantes no corpo também o
será. Podemos quantificar essa discussão: As forças inerciais dependem da
Hidrodinâmica 122

aceleração do fluido e podem ser inferidas, ao menos nos instantes iniciais, como
FI  m11U (ver equações 2.25 e 2.28). Normalizando esta força obtemos um

coeficiente de força inercial C FI  m11U 1 / 2 U 2 l 2 onde l representa a dimensão


característica do corpo (no caso, o diâmetro do cilindro). Se o coeficiente de
arrasto viscoso é dado por CD, podemos inferir a relação entre as forças viscosas
e inerciais da seguinte forma:
C D 1 / 2 U 2 l 2 C D U 2
  (4.1)
C FI m11U Ul
uma vez que a massa adicional é proporcional ao volume do corpo.
Suponhamos, agora, que o corpo de dimensão característica l esteja sujeito
ao escoamento oscilatório imposto pela passagem de um onda harmônica de
amplitude A e frequência . Sabemos que a amplitude da velocidade do
escoamento oscilatório será dada por A e a amplitude da aceleração por 2A.
Dessa forma, (4.1) implicará que:
CD A
 (4.2)
C FI l
A relação acima indica, portanto, que podemos garantir que a influência das
forças viscosas na dinâmica do fluido (e nas forças de pressão sobre o corpo) será
pequena neste problema de escoamento oscilatório desde que A<<l.
Em resumo, na hipótese de que a amplitude da onda seja pequena
comparada com as dimensões típicas do corpo, a hipótese de escoamento
potencial deve ainda fornecer bons resultados. Além disso, sob esta hipótese a
força sobre o corpo pode também ser considerada linear e, assim: C F  C FO e it  .

No caso de navios, a hipótese acima é normalmente satisfeita, a não ser em casos


de ondas de mar com amplitudes extremamente elevadas. No caso de cascos
como os de plataformas semi-submersíveis, um outro efeito atua em favor desta
simplificação: Como boa parte do volume de deslocamento se encontra submerso
e como a velocidade e aceleração do fluido decaem rapidamente com a
profundidade, a ação das forças viscosas (quadráticas em U) decai mais
rapidamente do que a ação das forças inerciais (lineares em U ). Vemos, portanto,
Hidrodinâmica 123

que as próprias características geométricas dos sistemas garantem a qualidade da


aproximação para a grande maioria dos casos de interesse em engenharia naval e
oceânica. Alguns casos práticos para os quais a hipótese de que A<<l não pode
ser garantida são, por exemplo, o estudo de risers ou tubulações próximas à
superfície e de sistemas flutuantes de dimensões reduzidas, como, por exemplo,
monobóias. Uma discussão sobre estes casos será realizada mais adiante, na
seção 4.3.2.2. Outro problema se dará, obviamente, quando, apesar das
pequenas amplitudes de ondas, o movimento do corpo assumir grandes
amplitudes (o que ocorre em situações de ressonância de movimentos pouco
amortecidos). Neste caso, então, é de se esperar que os efeitos de viscosidade e
de separação da camada-limite sobre o corpo se mostrem mais pronunciados.
Logicamente, o modelo linear, quando adotado, traz como consequência
algumas limitações de aplicação. Em termos práticos, no contexto da engenharia
oceânica, uma das principais se refere à impossibilidade de se prever os
chamados movimentos de deriva de sistemas flutuantes induzidos por ondas. Tais
movimentos decorrem de um fenômeno hidrodinâmico não-linear de segunda-
ordem, cuja consideração é fundamental para o dimensionamento do sistema de
amarração. Além deste, outros fenômenos hidrodinâmicos não-lineares
frequentemente causam problemas e dão trabalho aos projetistas. Dentre eles,
pode-se citar o problema de wave run-up sobre estruturas de grandes dimensões
(fenômeno importante, por exemplo, para a definição do air gap mínimo de
plataformas e para a previsão de embarque de água no convés, problema
conhecido por greenwater) e também problemas de vibrações estruturais
causadas pelo impacto hidrodinâmico com ondas de maior declividade. Cada um
destes tópicos requer a consideração de uma teoria de ondas que inclua efeitos
de ordem superior (quadráticos ou até mesmo de ordem superior na amplitude de
onda).
Uma outra consequência direta das simplificações adotadas no estudo da
resposta dinâmica em primeira-ordem diz respeito à sua precisão no que se refere
à previsão de movimentos ressonantes de sistemas oceânicos. Sabe-se que as
amplitudes de movimentos ressonantes dependem fundamentalmente do
Hidrodinâmica 124

amortecimento. Assim, se efeitos de origem viscosa contribuírem com uma


parcela significativa para o amortecimento total do movimento os erros envolvidos
serão grandes, já que os efeitos de viscosidade foram desconsiderados a priori.
Um caso típico é o de movimento de jogo (em inglês, roll) de navios. Os períodos
naturais de roll de navios se situam tipicamente entre 10 e 20 segundos e, por
esta razão, respostas ressonantes são frequentemente induzidas pelas ondas do
mar. Neste caso, dada a geometria usual dos cascos, os efeitos de dissipação de
energia por radiação de ondas são pequenos e o amortecimento costuma ser,
portanto, dominado por efeitos viscosos. Via de regra, o emprego da teoria linear
para estudo do comportamento no mar de navios é prática padrão e apresenta
bons resultados, desde que correções sejam adotadas no caso de eventuais
movimentos ressonantes. Uma discussão quanto aos métodos disponíveis para
tais correções será apresentada na seção 4.4.1.

4.2. Definições e Hidrostática


Consideremos um corpo flutuante em situação de equilíbrio hidrostático, livre
para se mover em seus seis graus-de-liberdade, como ilustrado na figura abaixo:

z

ondas  
 y

A, 


x

Figura 45 – Definição dos movimentos do corpo em seis graus-de-liberdade


Hidrodinâmica 125

O sistema de referências Oxyz é suposto fixo no espaço e com origem na


superfície-livre indeformada do mar (representada, então, por z=0). Na notação
indicial que adotaremos a seguir, os movimentos de translação em relação aos
eixos x, y e z (surge, sway e heave) têm amplitudes referenciadas por ( 1 ;  2 ;  3 ),

respectivamente. Os movimentos de rotação em torno dos mesmos eixos (roll,


pitch e yaw) têm amplitudes dadas por (  4 ;  5 ;  6 ).

Nesta seção vamos recuperar conceitos básicos de hidrostática, já velhos


conhecidos dos alunos de engenharia naval. De fato, a hidrostática é, do conjunto
de disciplinas que hoje formam o escopo básico da engenharia naval, a mais
antiga. Através desse estudo equacionaremos as forças e momentos de
restauração hidrostáticos que regem a flutuabilidade e a estabilidade estática do
corpo flutuante.
O problema hidrostático se caracteriza pela ausência de velocidades e
acelerações do fluido (e, portanto, do corpo flutuante). Nesse caso, o campo de
pressões (já entendo a pressão como relativa à pressão atmosférica) é dado
simplesmente por:
p   gz (4.3)
As resultantes de força e de momento decorrentes da integração de (4.3) sobre
a superfície molhada do corpo (SB) resultam então:
 
F   g  zn dS
SB
   (4.4)
M   g  z (r  n )dS
SB

onde r representa o vetor posição (x,y,z).
Suponhamos, agora, um referencial O’x’y’z’ solidário ao corpo, ilustrado na
figura abaixo:
Hidrodinâmica 126

z z’

y y’ x’







Figura 46 – Referencial fixo e referencial solidário ao corpo

Para um corpo livre, a força e o momento em (4.4) serão contrabalançados


pela força peso do corpo. Como o centro de gravidade do corpo (CG) se desloca
com o corpo, é conveniente expressar o momento em termos do referencial

solidário ao corpo. Se  T  (1 ,  2 ,  3 ) denota o vetor de translação do corpo, então
  
podemos escrever r  r 'T e assim, aplicando a fórmula de mudança de polo
entre os pólos O e O’, verifica-se que o momento em relação ao referencial

solidário ao corpo ( M ' ) é expresso por:
   
M '   g  z[(r  T )  n]dS (4.5)
SB

Obviamente, a área molhada do corpo depende dos valores de {  j ; j  1,...,6 }.

Dessa forma, para avaliar a força em (4.4) e o momento em (4.5) vamos


considerar o volume V definido como o volume interno do corpo abaixo do plano
z=0. Esse volume é limitado pela superfície molhada do corpo e pela área de corte
no plano z=0. Aplicando o Teorema de Gauss para a expressão da força em (4.4),
concluímos que:
 
F  g (z )dz  gVk (4.6)
V

pois a integral de superfície sobre o plano z=0 é nula.


A força em (4.6) é obviamente a força de empuxo (buoyancy em inglês)
atuante sobre o corpo. Analogamente, para o momento (4.5), podemos aplicar
Hidrodinâmica 127

uma das variantes do Teorema de Gauss, aquela que estabelece para uma campo

vetorial Q a seguinte relação47 (com a normal exterior ao domínio):
  
 (n  Q)dS  (  Q)dV
S V

através da qual deduzimos que:


    
M '   g   z (r   T )dV  g [( y   2 )i  ( x  1 ) j ]dV (4.7)
V V

Mostraremos, agora, que o momento (4.7) é o produto entre a força de empuxo


e o vetor posição do centro de empuxo do corpo (ou centro de carena, CB). Para
tanto, notemos que o volume V (instantâneo) pode ser obtido como a diferença
entre o volume de deslocamento original (  , abaixo da linha d’água z’=0) e o
volume da “cunha” definida entre os planos z=0 e z’=0 ( V0 ). Na hipótese de

pequenos deslocamentos, um elemento de volume dessa cunha pode ser escrito


como dV0  zdx' dy' e, portanto, o volume da cunha pode ser obtido mediante
integração sobre a área do plano de linha d’água (AW). Dessa forma:
  
F  g    zdx' dy' k (4.8)
 AW 
    
M '  g [( y   2 )i  ( x  1 ) j ]dV  g  z (r 'k )dx' dy' (4.9)
 AW

Note que as integrais acima, agora, são feitas sobre parâmetros conhecidos a
priori para um determinado calado do corpo. Para tornar as expressões ainda mais
convenientes, seria interessante reescrevê-las em termos do referencial solidário
ao corpo. Para isso, observamos que a relação entre os dois sistemas de
coordenadas pode ser aproximada, mais uma vez supondo pequenos
deslocamentos de rotação, na forma:
    
x  x ' T   R  x ' (4.10)
Considerando (4.10) em (4.8) e (4.9), obtemos:

47 Esta variante decorre diretamente do Teorema da Divergência, bastando, para isso, tomá-lo para
   
um campo vetorial F  c  Q , onde c é um vetor constante no espaço e não nulo.
Hidrodinâmica 128

  
F  g    ( 3   4 y' 5 x' )dx' dy' k (4.11)
 AW 
  
M '  g [( y ' x'  6  z '  4 )i  ( x' 5 z ' 6 y ' ) j ]dV

  (4.12)
 g  ( 3   4 y ' 5 x' )( y ' i  x' j )dx' dy'
AW

Por fim, sendo:


 1 
x B  ( x B , y B , z B )   x ' dV (4.13)
 
a posição do centro de carena do corpo (note que as coordenadas já são dadas
em relação ao referencial do corpo) e:
S1   x' dS
AW

S 2   y ' dS
AW

S11   x' 2 dS (4.14)


AW

S12   x' y ' dS


AW

S 22   y ' 2 dS
AW

os momentos de área do plano de flutuação, as equações (4.11) e (4.12) podem


ser reescritas na forma:

 
F  g    3 AW   4 S 2   5 S1 k (4.15)
 
M '  g[( y B   6 x B   4 z B )   3 S 2   4 S 22   5 S12 ]i 
 (4.16)
 g[( x B   5 z B   6 y B )   3 S1   4 S12   5 S11 ] j

Como esperado, a força hidrostática confere a restauração em heave enquanto


o momento hidrostático é responsável pelas restaurações em roll e pitch. Os
movimentos do corpo no plano horizontal não possuem restauração hidrostática e,
portanto, só podem ser restritos através de forças externas (por exemplo, através
de algum tipo de ancoragem ou amarração).
Hidrodinâmica 129

Para um corpo submerso, AW e os momentos (4.14) são nulos e as


restaurações hidrostáticas dependem apenas do volume de deslocamento e da
posição do centro de carena.
O ponto de coordenadas ( S1 AW ; S 2 AW ; 0 ) é conhecido, na terminologia naval,
como centro de flutuação (em inglês, center of flotation, CF) e representa o centro
de giro do corpo flutuante em roll e pitch (desconsiderando, é claro, efeitos
inerciais). No restante desta seção, consideraremos o CF como a origem do
sistema de coordenadas solidário ao corpo (nesse caso, S1  S 2  0 ) e que o
corpo possui um plano de simetria vertical48 (caso de um navio, por exemplo),
então S12  0 .
As forças e momento hidrostáticos são contrabalançados pela força peso do
corpo ( 0;0;mg ) e seu momento em relação à origem do sistema de coordenadas
do corpo. Se as coordenadas do centro de gravidade do corpo (CG), escritas no
sistema local, são dadas por ( xG ; y G ; z G ) podemos somar as contribuições do peso

às forças e momentos hidrostáticos e escrever as forças e momentos totais como:

 
Ft    m g   3 AW k (4.17)
 
M t '  [( gy B  mgyG )   6 ( gx B  mgxG )   4 ( gz B  mgzG  gS 22 )]i 
 (4.18)
 [( gx B  mgxG )   5 ( gz B  mgzG  gS11 )   6 ( gy B  mgyG )] j

Adotando a notação indicial para forças ( F1 ; F2 ; F3 ) e momentos ( F4 ; F5 ; F6 )

podemos reescrever (4.17) e (4.18) na forma matricial:

Fi  g  mg  i ,3  ( gy B  mgyG ) i , 4  ( gx B  mgxG ) i ,5  [C ] i


(4.19)
 i, j  1 ; i  j e  i, j  0 ; i  j

48 Mesmo que o corpo não o possua, pode-se sempre adotar uma rotação dos eixos horizontais de
forma a anular o momento cruzado de área.
Hidrodinâmica 130

A matriz [C ] é uma matriz (6x6) conhecida como matriz de restauração


hidrostática , cujos termos não nulos são dados por:
c33   gAW
c 44  ( gz B  mgzG  gS 22 )
c 46  ( gx B  mgxG ) (4.20)
c55  ( gz B  mgzG  gS11 )
c56  ( gy B  mgyG )

Para que o corpo esteja em equilíbrio (  i  0 ), a expressão (4.19) impõe as

seguintes condições:
x B  xG
m   e
y B  yG

A primeira condição recupera o Princípio de Arquimedes. A segunda impõe


que as forças peso e empuxo tenham pontos de aplicação na mesma vertical,
anulando os momentos. Nesta situação de equilíbrio, os termos em (4.20)
resultam:
c33   gAW
c 44  mg ( z B  z G  S 22 )
c 46  0 (4.21)
c55  mg ( z B  z G  S11 )
c56  0

O termo entre parênteses na restauração em roll ( c44 ) em (4.21) é conhecido


na nomenclatura naval com altura metacêntrica transversal (GMt), enquanto o
termo equivalente na restauração em pitch é a chamada altura metacêntrica
longitudinal (GMl). É normalmente deste ponto que a maioria dos livros básicos de
Arquitetura Naval parte para o estudo de estabilidade estática de embarcações.
Toda a dedução acima, no entanto, será muito importante para o equacionamento
da dinâmica de um corpo flutuante em ondas, dado que a matriz [C] é usualmente
a única fonte de restauração dos movimentos de heave, roll e pitch.
Hidrodinâmica 131

4.3. Forças Hidrodinâmicas

Nossa intenção, agora, é descrever as forças hidrodinâmicas que atuarão


sobre o corpo flutuante quando da incidência de uma onda plana progressiva de
pequena amplitude (A) e frequência . Consideraremos, portanto, ondas lineares e
os movimentos induzidos pelas mesmas e assim, para facilitar o desenvolvimento
algébrico, adotaremos novamente a notação complexa.
As amplitudes de movimento {  j ; j  1,...,6 } serão números complexos,

trazendo com si não apenas as informações de amplitude de deslocamento do


corpo mas também as informações das fases relativas entre cada movimento e a
onda incidente. Dessa forma, as seis componentes de velocidade do corpo podem
ser expressas na forma:
U j (t )  Re(i  j e it ) j  1,...,6 (4.22)

Como as ondas incidentes sobre o corpo são supostas de pequena amplitude,


os deslocamentos do corpo também o serão e, assim, podemos adotar
procedimento análogo àquele empregado no Capítulo 2 (ver eq. 2.23) e decompor
o potencial de velocidades procurado na forma:

 6   
 ( x, y, z, t )  Re  j j ( x, y, z )  A A ( x, y, z )e it  (4.23)

 j 1   
Em (4.23) cada potencial {  j (x, y, z) ; j  1,...,6 } representa o potencial de

velocidades devido a um movimento de amplitude unitária no correspondente grau


de liberdade, na ausência de ondas incidentes. O potencial resultante da soma
dessas seis componentes é conhecido então como potencial de radiação. O nome
se refere ao fato de que o corpo, ao se movimentar, irradia ondas que se
propagam, afastando-se do mesmo.
O potencial  A (x, y, z) , por sua vez, representa o potencial devido à presença
da onda incidente com amplitude unitária e sua interação com o corpo fixo e é
conhecido como potencial de difração. Pode ser decomposto também em duas
Hidrodinâmica 132

componentes distintas, a primeira referente ao potencial de onda incidente não


perturbada, ou seja, na ausência do corpo ( 0 (x, y, z) ) e a segunda representado o

“espalhamento” desta onda uma vez que a mesma incide sobre o corpo fixo
( 7 (x, y, z) ):

 A (x, y, z)  0 (x, y, z)  7 (x, y, z) (4.24)

Deve-se observar que toda essa decomposição de efeitos indicada em (4.23)


e (4.24) somente é possível graças à hipótese de pequenas amplitudes de onda e
pequenos deslocamentos do corpo. Nessa situação, podemos desconsiderar
variações geométricas da região molhada do corpo e, uma vez que a teoria é
linear, podemos admitir a superposição dos diferentes campos ondulatórios.

Cabe-nos, agora, equacionar o problema de contorno em função das oito


componentes distintas identificadas acima. Considerando (4.23), sabemos que
cada componente deverá satisfazer a equação da continuidade:
 j  0 j  0,1,...,7 (4.25)

A imposição da condição de Cauchy-Poisson na superfície-livre (z=0), por sua


vez, implica em:
2  j
 j  0 em z  0, j  0,1,...,7 (4.26)
g z
e a condição de impermeabilidade no fundo:
 j
0 em z  -h, j  0,1,...,7 (4.27)
z
ou, alternativamente, em profundidade infinita {  j  0 ; j  0,...,7 } quando

{ z  - }.
Finalmente, para os potenciais de radiação, a condição de contorno no corpo
exige que:
 j
 in j em S B , j  1,2,3
n
(4.28)
 j  
 i ( r  n ) j  3 em S B , j  4,5,6
n
Hidrodinâmica 133

Já para o potencial de difração, a correta imposição da condição de contorno


implica em:
 A
0 em S B
n
e, portanto:
7 
 0 em S B (4.29)
n n

A solução do problema de contorno consiste em determinar as sete incógnitas


representadas pelos seis potenciais de radiação e pelo potencial de
espalhamento, já que o potencial de onda incidente é conhecido. Essa solução
pode ser entendida como a superposição de dois problemas de natureza física
distinta. O primeiro corresponde àquele expresso pelas equações (4.25-4.28) e é
conhecido como problema de radiação. O segundo, referente à solução das
equações (4.25-4.27 e 4.29), é chamado problema de difração. Como veremos a
seguir, da solução do primeiro resultam as forças hidrodinâmicas inerciais
(massas adicionais) e o chamado “amortecimento de radiação” (radiation
damping), enquanto do segundo resultam as chamadas “forças de excitação”
(wave-exciting forces) que são aquelas efetivamente responsáveis por induzir os
movimentos do corpo.
Antes, contudo, precisamos discutir a necessidade de uma condição de
contorno adicional chamada condição de radiação. Tal necessidade fica óbvia se
observarmos, por exemplo, que um termo na forma C. A (x, y, z) , com C
representando uma constante arbitrária, pode ser somado a qualquer um dos
potenciais de radiação  j (x, y, z) ; j  1,...,6 sem violar as condições de contorno

(4.26-4.28). Em outras palavras, a unicidade das soluções não está ainda


garantida. Esse problema pode ser eliminado através da imposição de uma
condição que garanta que as ondas irradiadas e espalhadas tenham o sentido de
propagação correto, afastando-se do corpo. Assim, definindo R  ( x 2  y 2 )1 / 2 pode-
se escrever:
Hidrodinâmica 134

1
j  e ikR p/ R  , j  1,2,...,7 (4.30)
R
onde o decaimento com a distância é imposto para garantir a conservação de
energia à medida que a onda se afasta do corpo. Em um caso bidimensional, a
condição correspondente seria simplesmente dada por:

 j  e  ikx p/ x   (4.31)

As forças hidrodinâmicas atuantes sobre o corpo podem ser calculadas


mediante a integração do campo de pressão linear sobre a superfície S B, campo
este obtido através da equação de Bernoulli, desprezando-se o termo quadrático
na velocidade do fluido:

p(x, y, z, t)     gz
t
ou:

 6  

p( x, y, z, t )    Re  j j ( x, y, z )  A A ( x, y, z )ie it   gz (4.32)

 j 1  

Assim, as forças e momentos sobre o corpo resultam:

 
F (t )   g  zndS
SB

6 
 
  Re  i  j e it  j n dS  (4.33)

j 1  SB 
  
  ReiAe it  ( 0   7 )n dS 
 SB 
Hidrodinâmica 135

  
M (t )   g  z (r  n )dS
SB

6  
 
  Re  i  j e it  j (r  n )dS  (4.34)
j 1 
 SB 
   
  ReiAe it  ( 0   7 )( r  n )dS 
 SB 

Cada uma das três componentes nas equações (4.33) e (4.34) representam
diferentes contribuições para a força e para o momento resultante. Comparando
essas duas equações com (4.4), percebe-se que o primeiro termo de força e
momento correspondem, na verdade, às contribuições hidrostáticas49. Estas foram
discutidas na seção anterior e, como já sabemos, serão as responsáveis pela
restauração hidrostática do corpo em heave, roll e pitch. As integrais no segundo
termo de (4.33) e (4.34) são facilmente identificadas com os termos de força e
momento derivados em (2.25) e (2.27) no estudo das forças hidrodinâmicas sobre
um corpo com movimento arbitrário em fluido infinito. Naquela ocasião, definimos
tais integrais como sendo as massas adicionais do corpo. Aqui, porém, os
potenciais {  j (x, y, z) ; j  1,...,6 } são complexos. A massa adicional corresponderá

à parte real destas integrais, enquanto a parte imaginária resultará no chamado


amortecimento de radiação. Por fim, a terceira componente em (4.33) e (4.34)
representa a força e o momento induzidos pela ação da onda incidente sobre o
corpo fixo.
As forças e momentos hidrostáticos já foram discutidos na seção 4.2. A seguir,
discutiremos separadamente as demais forças e momentos hidrodinâmicos.

49 Cabe aqui um comentário quanto à influência da onda sobre a área molhada do corpo. Na
hipótese de pequena amplitude de onda e pequenos deslocamentos do corpo, é possível mostrar
que a contribuição de força decorrente da variação da superfície molhada do corpo induzida pelo
movimento da superfície-livre é uma contribuição de segunda-ordem na amplitude da onda e pode,
assim, ser desprezada. Para maiores detalhes ver Newman (1977).
Hidrodinâmica 136

4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação

Discutiremos nesta seção as características das componentes de força e


momento representadas pelo segundo termo das equações (4.33) e (4.34). Para
facilitar a exposição, trabalharemos novamente com uma notação indicial

denotando as três componentes dessa força e momento na forma F  ( F1 , F2 , F3 ) e
  
M  (M 1 , M 2 , M 3 )  ( F4 , F5 , F6 ) , lembrando que {F , M } agora se referem
exclusivamente à força e momento representados pelo segundo termo em (4.33) e
(4.34). Através dessa notação podemos representar as seis componentes de
forma matricial:
6 
Fi  Re  j e it f ij  i  1,2,...,6 (4.35)
 j 1 
onde, considerando (4.28) em (4.33) e (4.34):
i
f ij      j dS (4.36)
SB
n

É fácil perceber que os 36 coeficientes f ij são análogos às massas adicionais

definidas em (2.28). Aqui, porém, estes coeficientes são complexos e suas partes
real e imaginária dependem da frequência da onda incidente  , o que pode ser
depreendido das condições de contorno (4.26) e (4.28). Definindo-se, então:
f ij   2 aij  ibij (4.37)

as componentes de força (4.35) resultam:


6 

Fi  Re  j e it  2 aij  ibij   i  1,2,...,6
 j 1 
e, lembrando que as velocidades e acelerações do corpo são dadas por:
U j (t )  Re(i j e it ) j  1,...,6
U (t )   Re( 2 e it )
j j j  1,...,6

podemos reescrever as forças na forma:


6
Fi   aijU j  bijU j  i  1,2,...,6 (4.38)
j 1
Hidrodinâmica 137

Observa-se, assim, que as forças e os momentos resultantes sobre o corpo


apresentam componentes que estão em fase com a aceleração do corpo
(inerciais) e componentes que estão em fase com as velocidades do corpo
(amortecimentos), respectivamente proporcionais a:
1  i
aij ( ) 
 2
Re( f ij )  
2  n  dS
SB
j

(4.39)
1  
bi j ( )   Im( f ij )   i  j dS
  S n B

Os coeficientes aij são os coeficientes de massa adicional enquanto os

coeficientes bij recebem o nome de coeficientes de amortecimento de radiação.

É importante notar que as massas adicionais definidas acima diferem


daquelas correspondentes ao corpo imerso em fluido sem fronteiras devido à
presença da superfície livre.
O amortecimento por radiação se deve ao fato de que o corpo, ao oscilar,
irradia ondas que se propagam para longe do corpo drenando energia.
Consideremos agora um único modo de oscilação do corpo. Observando (4.38)
percebemos que o trabalho médio realizado para contrabalançar as forças
impostas pelo fluido ao longo de um ciclo de onda é dado por:
1
 FiU i  biiU i   2 bii  i
2 2
(4.40)
2
Lembrando que a energia média transportada pela onda é proporcional ao
quadrado de sua amplitude, (4.40) mostra que há uma relação direta entre os
coeficientes de amortecimento bij e a amplitude de onda irradiada pelo corpo.

Uma propriedade importante dos coeficientes aij e bij é a simetria. A

demonstração desse fato é análoga à que fizemos para demonstrar a simetria das
massas adicionais mij na seção 2.2.5, mediante o emprego do Teorema de

Green. Aqui, todavia, o teorema deve ser aplicado considerando-se não apenas a
superfície do corpo (SB), mas também a superfície-livre (SF), o fundo (Sbot) e a
fronteira distante do corpo (S):
Hidrodinâmica 138

  j  
 i
S B  S F  Sbot  S  
n
  j i  dS  0
n 
(4.41)

É fácil verificar, no entanto, que a consideração das condições de contorno


correspondentes em cada uma das fronteiras, com exceção da superfície do
corpo, implica na anulação do integrando e, assim:
  j  
 i
SB 
n
  j i  dS  0
n 
(4.42)

o que implica, finalmente, em: f ij  f ji

Além disso, é possível demonstrar que nos limites de baixas e altas


frequências (   0 e    ) existem relações diretas entre os coeficientes de
massa adicional do corpo no problema com superfície-livre ( aij ) e aqueles obtidos

em fluido sem fronteiras ( mij ). Uma discussão sobre o comportamento da massa

adicional e do amortecimento nesses limites assintóticos pode ser encontrada, por


exemplo, em Newman (1977).

4.3.2. Forças de Excitação em Ondas

Resta-nos, por fim, analisar o terceiro termo nas expressões de força e


momento (4.33) e (4.34). Estes, como dissemos, se referem às forças e momentos
causados pela incidência de ondas sobre o corpo fixo. Empregando novamente
uma notação indicial, podemos escrever as três componentes de força e de
momento de excitação na forma:

Fexc,i  Re Ae it X i  i  1,2,...,6 (4.43)

e, empregando-se as condições de contorno (4.28) em (4.33) e (4.34), obtém-se:


i
X i     (0  7 ) dS (4.44)
SB
n
Hidrodinâmica 139

Os termos X i representam, portanto, as amplitudes complexas de força de


excitação nos respectivos graus de liberdade, para uma amplitude de onda
unitária. Graças à linearidade do problema, uma vez obtidos os valores de X i ,

serão conhecidos os valores das forças para qualquer valor de amplitude de onda,
bastando-se multiplicá-los de acordo com (4.43).
O potencial de onda incidente  0 é conhecido. O potencial  7 deve ser

determinado como solução do problema de difração, discutido anteriormente.

Cabe aqui uma pequena digressão. As parcelas de força de excitação que


i
dependem exclusivamente da ação da onda incidente ( X i    0 dS ) são
SB
n

conhecidas como forças de Froude-Krylov. A chamada hipótese de Froude-Krylov


consiste, então, em aproximar as forças de excitação desconsiderando-se a
perturbação causada pelo corpo no escoamento. Trata-se, de fato, da
aproximação mais simples para estas forças e sua aplicação, embora muito
limitada, pode ser justificada em alguns casos. Um exemplo é o caso das forças
de excitação sobre um navio esbelto (alto L/B), quando o comprimento de onda é
muito maior do que a boca da embarcação. Neste caso pode-se mostrar que as
componentes de Froude-Krylov são os termos dominantes nas forças de surge,
heave e pitch e bons resultados podem ser obtidos com o emprego da técnica
conhecida como teoria de faixas (strip-theory)50. Todavia, na grande maioria dos
problemas envolvendo corpos flutuantes de grandes dimensões, a influência do
potencial de espalhamento é decisiva e os dois termos da equação (4.44) devem
ser considerados para o cômputo das forças de excitação.

No contexto da teoria linear, os coeficientes de força de excitação (4.44) serão


calculados sobre a superfície-molhada média do corpo, isto é, sem considerar a
influência da elevação da superfície sobre tal área. Consequentemente, as forças
de excitação serão idênticas quer o corpo esteja fixo ou livre para se mover em

50 Maiores detalhes podem ser encontrados em Newman (1977).


Hidrodinâmica 140

ondas. A distinção entre os dois problemas só é observável a partir de modelos de


segunda-ordem ou superiores.
Uma vez que o potencial de espalhamento  7 e os potenciais de radiação

i (x, y, z) ; i  1,...,6 satisfazem as mesmas condições de contorno na superfície-


livre e no fundo e a mesma condição de radiação, podemos novamente empregar
o Teorema de Green para obter:
  7  
 
SB
i
n
  7 i  dS  0
n 
(4.45)

e, substituindo (4.45) em (4.44), escrever:


   
X i       0 i  i 7 dS
SB 
n n 

Porém, observando a condição de contorno (4.29), vemos que é possível escrever


as forças de excitação de uma forma alternativa, independente do potencial de
espalhamento:
   
X i       0 i  i 0 dS (4.46)
SB 
n n 

As relações (4.46) são conhecidas na literatura como Relações de Haskind.


Elas expressam as forças de excitação nos vários graus de liberdade em função
de seus respectivos potenciais de radiação. Expressam, portanto, uma relação
intrínseca entre os dois problemas (difração e radiação). É interessante notar
ainda que, novamente de acordo com o teorema de Green:
 i  0 
  0 n  i n  dS  0
S B  S F  S bot  S   
(4.47)

e, aqui, as integrais em SF e Sbot mais uma vez se anulam devido às condições de


contorno, mas a integral em S não, pois o potencial de onda incidente não
satisfaz a condição de radiação. Dessa forma, podemos reescrever (4.46) como:

   
X i      0 i  i 0 dS (4.48)
S 
n n 
Hidrodinâmica 141

e verificamos, portanto, que as forças de excitação no corpo também podem ser


obtidas com base nos potenciais de radiação calculados no chamado “campo
distante” (far-field, em inglês).
Mais ainda, pode-se mostrar51 que no campo distante os potenciais de
radiação são proporcionais à raiz quadrada do fluxo de energia, que por sua vez,
como discutimos anteriormente, se relaciona com os coeficientes de
amortecimento de radiação. Empregando-se o método da fase estacionária, pode-
se encontrar a relação entre as forças de excitação e os coeficientes de
amortecimento de radiação:
2
k
bii  X ( ) d
2
(4.49)
8gc g
i
0

onde o ângulo  denota a direção de incidência de onda.

A expressão (4.49) permite inferir o comportamento das forças de excitação


no limite de altas frequências (    ). Sabendo que o amortecimento de radiação
tende a zero neste limite (ver Newman (1977), pgs 303-304), pode-se deduzir que
as forças de excitação devem tender a zero mais rapidamente do que o termo
c g / k  . Considerando-se a relação de dispersão de ondas verifica-se, então,
1/ 2

que no limite de altas frequências as forças de excitação em um problema


tridimensional decaem mais rapidamente do que  3 / 2 . Para problemas
bidimensionais, de forma similar, esse decaimento deve ser mais rápido do que
 1 / 2 . O significado físico deste decaimento é fácil de compreender: O limite de
altas frequências    corresponde também ao limite em que o comprimento de
onda tende a zero   0 e, nesta situação, a superfície do corpo estará sujeita à
ação simultânea de vários ciclos de ondas cujos efeitos acabam por se cancelar.
Além disso, o decaimento exponencial da perturbação ondulatória sobre o fluido
aumenta com a frequência de onda, o que implica que, neste limite, a pressão
dinâmica só será significativa em uma faixa muito estreita abaixo da superfície
média do fluido. Denotemos por l B um comprimento típico do corpo. Os dois

51 Para uma discussão mais elaborada ver, por exemplo, Newman (1977).
Hidrodinâmica 142

efeitos acima, combinados, explicam porque as forças de excitação devem tender


a zero à medida que    ou, alternativamente, à medida que o comprimento de
onda se torna muito pequeno face às dimensões típicas do corpo  / l B  1 .

Situação muito diferente ocorre na condiação oposta, no limite de baixas


frequências   0 ou quando o comprimento de ondas é muito grande
comparado às dimensões típicas do corpo (  / l B  1 ). Este é o chamado regime
de ondas longas e será discutido em maiores detalhes a seguir.

4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas

Interessa-nos agora estudar uma aproximação para as forças de excitação no


regime de ondas longas (   0 ).
A condição de contorno no corpo implica que:
 
7 .n  0 .n em SB (4.50)

mas esta pode ser reescrita a partir dos potenciais de radiação, bastando para
isso considerar as condições (4.28):
 i        
 7 .n   0 1  0 2  0 3  em SB (4.51)
  x n y n z n 

e, portanto:
 i     
7 .n   0 1  0  2  0 3 .n em SB (4.52)
  x y z 

No regime de ondas longas, a aproximação consiste em considerar o campo


de velocidades induzido pela onda incidente como um campo constante sobre o
corpo 0 SB
 cte . Nessa condição, podemos reescrever (4.52) como:

 i     
 7 .n   0 1  0  2  0 3 .n em SB (4.53)
  x y z 
Hidrodinâmica 143

da qual deduzimos que o potencial de espalhamento  7 pode, no regime de ondas

longas, ser aproximado por:


i   0   
7   1  0  2  0 3  (4.54)
  x y z 
Substituindo (4.54) em (4.44) tem-se, então:

   i 3   
X i     0 i dS    f ij 0  (4.55)
SB 
n   j 1  x j 
O primeiro termo em (4.55) será responsável pela força e pelo momento
induzidos pelo potencial de onda incidente:
   
Fexc,0 (t )    ReiAe it 0 ndS 
 SB 
(4.56)
    
M exc, 0 (t )    ReiAe it 0 (r  n )dS 
 SB 

No entanto, aplicando-se o teorema de Gauss na forma do gradiente,


podemos calcular a força com base no volume de deslocamento do corpo (  ) e
na área do plano de flutuação, pois:
 
0 ndS  0 dV  0 ndS
SB  Aw
(4.57)

Todavia, como no regime de ondas longas a variação espacial do potencial


0 é lenta (já que k  0 ), podemos aproximá-lo através da seguinte expansão em
série de Taylor:

   0 0 
0 ( x )  0 (0)  x y (4.58)
x   y   
 x 0 x 0 

e, assim:
   0   0 
0 ndS  0  Aw0 (0)  x  
 xndS 
x  0 Aw y  
 yndS
SB x  0 Aw

Mas, lembrando das definições dos momentos de área do plano de flutuação


dadas em (4.14), podemos ainda escrever:
Hidrodinâmica 144

   0 0 
 S 2 k
  0 n dS    0  A 
 w 0
( 0)
x  
S1 
y 
(4.59)
SB  x 0
 
x 0 

Analogamente, aplicando o teorema de Gauss na forma do rotacional tem-se


para a integral no cálculo do momento:
    
0 (r  n)dS    (0 r )dV  0 (r  n)dS
SB  Aw

ou:
    
0 (r  n)dS  0  xB  0 ( yi  xj )dS
SB Aw
(4.60)

e, considerando (4.58):

      0  0 
  ( r  n ) dS     x B    0 (0) S 2  S12  S 22 i 
0 0
x   y 
SB  x 0
 
x 0 
(4.61)
    
   0 (0) S1  0 S11  0 S12  j
 x   y 
 x 0
 
x 0 
Cabe, então, observar que as derivadas do potencial  0 serão termos

proporcionais a ( k 0  1 ). Dessa forma, os termos proporcionais a essas

derivadas em (4.59) e (4.61) são pequenos se comparados aos termos


proporcionais a  0 , assim como é pequena a contribuição advinda do potencial de

espalhamento (ver (4.55)). Dessa forma, os termos dominantes de força e o


momento de excitação neste limite podem ser expressos simplesmente por:

 
Fexc (t )    Re iAe it Aw0 (0) 

  

 (4.62)
M exc (t )    Re iAe it 0 (0)( S 2 i  S1 j )
Finalmente, observando que:
 
Re{iAe it 0 (0)}   g (0, t )

chega-se às seguintes expressões para esses termos:


  
Fexc (t )  gAw (0, t )k
    (4.63)
M exc (t )  g (0, t )( S 2 i  S1 j )
Hidrodinâmica 145

Percebe-se, portanto, que no limite de baixas frequências (   0 ), as forças e


momentos de excitação dominantes correspondem às forças e momentos
hidrostáticos associados à elevação de onda incidente sobre o corpo.
A contribuição do potencial de espalhamento em (4.55) pode ser relacionada
com os coeficientes de massa adicional e amortecimento (parte real e parte
imaginária de f ij ).

Podemos inferir a influência desta contribuição através da análise de um caso


simples. Suponhamos, então, um corpo flutuante simétrico em relação aos planos
x=0 e y=0. Vamos calcular a força vertical sobre este corpo induzida por ondas de
baixa frequência. Neste caso, dada a simetria do corpo, sabemos que
f 31  f 32  0 , assim como os momentos de área S1  S 2  0 . De (4.55) e (4.59),

temos então:
 i 
X 3  i0  iAw0 (0)  f 33 0
 z

e, de (4.26) e (4.37) e considerando 0  k0 (0) :
  i 
X 3  ik0 (0)  iAw0 (0)  ( 2 a33  ib33 )k0 (0)

ou:
  
X 3  ik0 (0)a33    b33 k0 (0)  iAw0 (0)

e, assim:
   
F3 (t )  Re ik0 (0)a33    b33 k0 (0)  iAw0 (0) 
 
  
 

Por fim, notando que Re ik 0 (0) Ae it  w (0, t ) e Re k0 (0) Ae it  w(0, t )

podemos escrever:
F3 (t )  a33  w 0 (t )  b33 w0 (t )  gAw 0 (t ) (4.64)

A expressão (4.64) demonstra, portanto, que além da força hidrostática


associada à onda, a qual representa aqui o termo dominante, há ainda um termo
inercial, proporcional à aceleração vertical do fluido calculada na origem, e um
termo de amortecimento, proporcional à velocidade vertical do fluido neste mesmo
ponto.
Hidrodinâmica 146

Se o corpo estiver submerso a uma profundidade tal que efeitos de superfície-


livre possam ser ignorados, então poderíamos admitir que
a33  m33 ; b33  0; Aw  0 . Nesse caso, a expressão (4.64) se resumiria a:

F3 (t )  m33  w 0 (t ) (4.65)

4.3.2.2 A Fórmula de Morison

É fácil perceber a semelhança de (4.65) com o termo inercial da chamada


fórmula de Morison, já conhecida dos estudantes de engenharia naval. Esta
equação foi proposta de maneira ad hoc na década de 50 por J.E. Morison, então
aluno de graduação no Caltech, para o cálculo das forças sobre uma coluna
vertical de seção circular exposta a ondas. Para isso, Morison sobrepôs dois
efeitos: a força inercial de ondas e a força de origem viscosa e, assim, derivou
uma equação para a força em cada seção da coluna. A abordagem empregada
por Morison se mostra apropriada para o estudo da força sobre corpos no regime
de ondas longas, com aplicações, por exemplo, no estudo de forças sobre risers,
umbilicais, dutos submersos, estruturas treliçadas de plataformas do tipo jaqueta e
até mesmo como aproximação para forças sobre plataformas semi-submersíveis
em ondas suficientemente longas. Tomemos como exemplo o problema de um
cilindro circular horizontal longo, submerso a uma profundidade h, sob a ação de
uma onda regular com amplitude A e frequência :
A

Figura 47 – Ação de ondas sobre um cilindro circular submerso


Hidrodinâmica 147

Neste caso, empregando-se a abordagem proposta por Morison, a força


seccional de heave é dada por:

f 3 (t )  S C M  1w 0 (t )  C D Dw0 (t ) w0 (t )
1
(4.66)
2
onde S corresponde à área da seção, CM é o coeficiente de inércia da seção em
heave e CD é o coeficiente de arrasto do cilindro. A força é então composta por um
termo inercial e um termo não-linear (quadrático) de arrasto, o segundo defasado
de 90o do primeiro.
Keulegan & Carpenter (1958) determinaram experimentalmente os valores de
CM e CD para vários tipos de cilindros sob escoamento oscilatório e verificaram
que os resultados apresentavam boa aderência com o adimensional que hoje leva
o nome de número de Keulegan Carpenter (KC):
VT
KC  (4.67)
D
onde V aqui representa a amplitude de velocidade do escoamento e T o período
de oscilação do mesmo.
No caso do escoamento induzido por ondas harmônicas, temos V  Ae kz e,
assim, o valor de KC para o cilindro da figura 47 é dado por:
A kh
KC  2 e (4.68)
D
No regime de KC baixo (tipicamente KC<3), as forças inerciais são
dominantes e o termo de arrasto pode ser desprezado. Conforme discutimos na
seção 4.1, neste caso a amplitude de movimento do fluido é muito pequena para a
formação da camada-limite e para a separação da mesma, não havendo a
formação de uma esteira rotacional significativa. Nesse limite, vale a aproximação
de escoamento potencial e o coeficiente de inércia corresponderá ao coeficiente
de massa adicional teórico da seção. Assim:
f 3 (t )  S C M  1w 0 (t ) (4.69)

e a força total sobre o cilindro recuperará, então, aquela prevista pela equação
(4.65).
Hidrodinâmica 148

Para valores mais altos de KC, o termo de arrasto passa a desempenhar


papel importante. Nessa situação, portanto, os efeitos viscosos serão importantes
e os coeficientes de inércia (CM) e de arrasto (CD) serão influenciados pelo número
de Reynolds (Re) e pela rugosidade da superfície. Um estudo bastante completo
sobre os valores destes coeficientes para diferentes valores de KC pode ser
encontrado, por exemplo, em Sarpkaya & Isaacson (1981).

4.4. Resposta em Ondas Regulares

Nas seções anteriores discutimos as forças hidrostáticas e hidrodinâmicas


atuantes sobre um corpo flutuante ou submerso sob a ação de ondas. Nosso
objetivo, agora, é levantar as equações do movimento do corpo e discutir alguns
aspectos importantes da dinâmica de sistemas oceânicos usuais.
As equações do movimento decorrem diretamente da segunda lei de Newton
ao se igualar as forças e momentos inerciais do corpo às forças e momentos
decorrentes do campo de pressão do fluido (4.33) e (4.34). Assim, observando
(4.19)52, (4.35) e (4.43), podemos escrever as seis equações de movimento
acopladas na forma complexa:
6 6 
 M ij U
j  e it
  j (cij  f ij )  AX i  i=1,2,...,6 (4.70)
j 1  j 1 
onde os termos Mij representam os coeficientes da matriz de inércia do corpo,
dada por:
m 0 0 0 mzG -myG
0 m 0 -mzG 0 mxG
0 0 m myG -mxG 0
[M] =
0 -mzG myG I11 I12 I13
mzG 0 -mxG I21 I22 I23
-myG mxG 0 I31 I32 I33

52 Por simplicidade, os termos decorrentes do peso próprio do corpo em (4.19) já foram


incorporados nos coeficientes cij.
Hidrodinâmica 149

Lembrando que:
U j (t )  Re(i j e it )
j=1,2,...,6 (4.71)
U (t )  Re( 2 e it )
j j

temos, então:

   
6

j
2
M ij  f ij  cij  AX i i=1,2,...,6
j 1

Finalmente, de (4.37) temos que f ij   2 aij  ibij e, assim, podemos

reescrever as equações do movimento na forma final:

   
6

j
2
( M ij  aij )  ibij  cij  AX i (4.72)
j 1

As seis equações em (4.72) podem ainda ser escritas na forma matricial, ao


se definir a matriz de massas adicionais [A], a matriz de amortecimento de
radiação [B] e a matriz de restauração hidrostática [C]:

  2

([ M ]  [ A])  i[ B]  [C ]    AX  (4.73)

Deve-se notar que em (4.73) os coeficientes das quatro matrizes são reais,
enquanto o vetor de forças de excitação {X} é complexo, assim como também é
complexo o vetor das amplitudes de movimento {}.

O vetor complexo definido por {Z}  { } A representa os movimentos do corpo


(amplitude e fase) quando excitado por uma onda de amplitude unitária. Este vetor
corresponde, portanto, a uma função de transferência que relaciona a amplitude
de onda com a resposta linear do sistema dinâmico. É mais conhecido na
literatura como o vetor dos Response Amplitude Operators (RAOs). Obviamente,
os RAOs dependerão não apenas da frequência de onda  mas também da
direção de incidência da onda em relação ao corpo (). Assim, observando (4.73),
verificamos que o vetor de RAOs pode ser calculado como:


{Z (,  )}    2 ([ M ]  [ A])  i[ B]  [C ]  X 
1
(4.74)
Hidrodinâmica 150

O vetor {Z }  {Z1 , Z 2 ,..., Z 6 } é complexo e, portanto, cada elemento é dado por:

Z j  Z j , R  iZ j , I j=1,2,...,6

O módulo de Zj ( Z j  Z j , R  Z j , I ) fornece a amplitude de movimento no


2 2

grau de liberdade j para uma onda de amplitude unitária de frequência  que


incide sobre o corpo com um ângulo A fase de Zj (  j  arctan( Z j , I / Z j , R ) )

representa a diferença de fase entre o movimento do corpo no grau de liberdade j


e a onda incidente.
A figura abaixo ilustra os RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro (sem
velocidade de avanço) para duas diferentes direções de incidência:
(incidência de ondas pela proa) e (incidência de través). Neste caso,
os coeficientes potenciais (massas adicionais, amortecimentos, restaurações e
forças de excitação) foram calculados através de um software baseado na técnica
de teoria de faixas.

Figura 48 – RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro


Hidrodinâmica 151

Podemos discutir alguns aspectos qualitativos da resposta. Tomemos como


exemplo, então, o movimento de heave. Dada a simetria do navio em relação ao
plano y=0, a maioria dos acoplamentos dinâmicos com o movimento vertical
resulta nula, exceto um possível acoplamento heave-pitch. Este acoplamento de
fato existe no exemplo acima e se apresenta claramente nos resultados. Todavia,
por simplicidade, vamos supor que a influência do movimento de pitch no RAO de
heave é pequena, como de fato o é na realidade, dados os valores usualmente
elevados da restauração hidrostática de pitch. Assim, ignorando esse possível
acoplamento, o RAO de heave será dado por:
X3
Z 3 ( ,  )  (4.75)
{ (m  a33 )  ib33  c33}
2

onde: m   é o deslocamento em massa do corpo e c33  gAW representa a

restauração hidrostática em heave (ver 4.20). Assim:


X3
Z 3 (,  )  (4.76)
{ (   a33 )  ib33  gAW }
2

No limite de baixas frequências (   0 ), a força de excitação em heave pode


ser aproximada por (4.64), o que significa, portanto, que:
Z 3 ( ,  )  1 para   0 (4.77)

como mostram os resultados da figura (4.38). Além disso, a fase resulta nula neste
limite (  3  0 qdo   0 ). Ou seja, quando a onda é muito longa em comparação

com as dimensões típicas do navio, o navio simplesmente acompanha a elevação


da superfície-livre.
Por outro lado, no limite de altas frequências (    ), vimos que a força de
excitação deve tender a zero e, portanto:
Z 3 ( ,  )  0 para    (4.78)
Percebe-se em (4.76) que o movimento de heave apresenta uma freqüência
natural dada por:
Hidrodinâmica 152

gAW
n 3  (4.79)
  a33
e, portanto, o navio experimentará uma ressonância em heave quando a
frequência de onda coincidir com a frequência natural (    n 3 ). Através dos

resultados da figura 48 percebemos que  n 3  0.5 rad/s para o navio em questão.

Ou seja, o período natural do movimento vertical é aproximadamente 12,5


segundos.
No caso de corpos flutuantes, ressonâncias ocorrerão também para os
movimentos de pitch e roll, em função da restauração hidrostática nestes modos.
No caso de navios, como a restauração em pitch é usualmente grande, as
frequências naturais são elevadas e normalmente não há problemas de
ressonância com as ondas do mar. O mesmo não ocorre, todavia, para o
movimento de roll. Outros tipos de sistemas como as plataformas semi-
submersíveis, por exemplo, são projetados com o objetivo específico de
apresentarem frequências naturais em heave, roll e pitch suficientemente baixas
para estarem dessintonizadas da faixa de frequências de maior energia das ondas
do mar. O objetivo destes sistemas é justamente reduzir os movimentos
ressonantes nestes modos e, com isso, minimizar os movimentos verticais.
Se não houver nenhum tipo de restrição externa aos movimentos do plano
horizontal (surge, sway e yaw) esses movimentos não apresentarão ressonâncias
pois a restauração hidrostática nesses modos é nula. Sistemas oceânicos
ancorados passarão a ter frequências naturais de oscilação no plano horizontal
cujos valores serão diretamente proporcionais à rigidez conferida pelas linhas de
ancoragem. Em geral, principalmente em sistemas de águas profundas, estas
frequências são baixas, com períodos típicos da ordem de 100 segundos. Dessa
forma, ressonâncias não serão excitadas em primeira-ordem, mas apenas através
de forças hidrodinâmicas de baixa frequência de segunda-ordem, dando origem
ao fenômeno conhecido como deriva-lenta (slow-drifts).
Como no caso de um oscilador mecânico, a amplitude de resposta
ressonante será inversamente proporcional ao coeficiente de amortecimento do
movimento. Na modelagem baseada em escoamento potencial, esse
Hidrodinâmica 153

amortecimento depende exclusivamente dos coeficientes bij, ou seja, do


amortecimento por irradiação de ondas. Nos casos dos movimentos de heave,
pitch e roll, em alguns casos esse amortecimento pode ser baixo, de forma que a
influência dos amortecimentos de origem viscosa passe a ser importante para a
estimativa da amplitude de movimento na ressonância. Esse aspecto é sempre
relevante na modelagem de navios e outros sistemas oceânicos e será discutido
em maiores detalhes a seguir.

4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso

Em alguns casos, o corpo flutuante praticamente não gera ondas ao oscilar


e, dessa forma, o amortecimento por radiação de ondas é pequeno. Um caso
típico no qual isso frequentemente ocorre é o movimento de roll do casco de um
navio. Além disso, cascos que são projetados com o propósito de apresentar
pequenos valores de força de excitação em heave, pitch e roll necessariamente
apresentarão também baixos valores de amortecimento de radiação nestes
movimentos, fato que pode ser deduzido diretamente a partir das relações de
Haskind (ver eq. 4.49). Nessa categoria se enquadram, por exemplo, os cascos de
plataformas semi-submersíveis, TLPs, Spars e Mono-Colunas.
Em todos os exemplos citados acima, o amortecimento viscoso pode ser da
mesma ordem ou até mesmo dominante no amortecimento total do sistema e deve
ser incluído de alguma forma no cálculo dos RAOs, sob pena de superestimar, e
muito, as amplitudes de resposta ressonantes. Sabemos, contudo, que o
amortecimento de origem viscosa é tipicamente quadrático na velocidade do
movimento (Uj). Assim, o amortecimento total pode geralmente ser modelado na
forma:
Bj  d j U j  d j U j U j
(1) ( 2)
(4.80)

O problema está, então, em como obter valores representativos destes


coeficientes de amortecimento. Os valores dos coeficientes linear e quadrático
Hidrodinâmica 154

(1) ( 2)
(d j ; d j ) podem ser obtidos, por exemplo, a partir de ensaios de decaimento

realizados em tanque de provas com modelos do casco em escala reduzida.


A figura a seguir ilustra os resultados de ensaios de decaimento em heave e
roll de um modelo de navio FPSO (escala 1:90).

Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo

8
0.3

6
0.25

0.2 4

0.15 2

0.1 0

0.05 -2

0 -4

-0.05 -6

-0.1
-8
10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 180 200 220 240 260 280 300 320 340 360
t(s) t(s)

(a) (b)

Figura 49 – Resultados de ensaios de decaimento em heave (a) e roll (b) com modelo de
navio FPSO

Uma discussão sobre aspectos operacionais envolvidos neste tipo de


ensaio e sobre as técnicas existentes para a obtenção dos coeficientes de
amortecimento a partir de seus resultados pode ser encontrada, por exemplo, em
Chackrabarti (1994) e em Faltinsen (1990).
Deve-se observar, todavia, que para o cálculo dos RAOs supõe-se que a
dinâmica do sistema seja linear. Assim, para se preservar a linearidade da análise
(eq )
dinâmica deve-se obter um valor de amortecimento linear equivalente (d j ),

definido com base na hipótese de que a energia dissipada por esse


amortecimento no decorrer de um ciclo do movimento seja igual àquela dissipada
pelo amortecimento original. Ou seja:
T T
1 1
 d j U j .U j dt   (d j U j  d j U j U j ).U j dt
( eq ) (1) ( 2)
(4.81)
T 0 T 0

Observando (4.71) e após alguma álgebra, conclui-se então que o


amortecimento pode ser escrito como:

Bj  d j
( eq )
Uj
Hidrodinâmica 155

com:
8
dj
( eq )
 dj
(1)
  j d j ( 2) (4.82)
3
O segundo termo em (4.82) deve então ser somado ao termo de
amortecimento de radiação (bjj) para o cômputo dos RAOs. Este é o procedimento
usualmente empregado pelos softwares que trabalham com o problema de
comportamento no mar no domínio da frequência, por exemplo o programa
WAMIT®. Esta abordagem apresenta, contudo, um problema de ordem prática.
Percebe-se em (4.82) que o amortecimento equivalente dependerá não apenas da
frequência da onda, mas também da amplitude do movimento, desconhecida a
priori. Isto normalmente obriga o ajuste dos coeficientes de amortecimento com
base em valores experimentais de RAO obtidos através de ensaios em ondas
regulares.
Por esta razão, também, em simulações dinâmicas do sistema no domínio
do tempo é preferível não empregar diretamente os RAOs para cálculo dos
movimentos, mas sim utilizar os coeficientes potenciais calculados numericamente
para, então, se resolver uma equação dinâmica não-linear, incluindo os termos de
amortecimento quadrático. Uma discussão sobre o enfoque no domínio do tempo
será apresentada na seção 4.5.1.

4.5. Resposta em Ondas Irregulares

Uma vez conhecidas as funções de transferência dos movimentos para


amplitude de onda unitária (RAOs), espectros de energia dos movimentos
(também chamados espectros de resposta) podem ser facilmente calculados para
qualquer espectro de mar S ( ) .

O procedimento para tanto é simples. Lembremos, inicialmente, da definição


do espectro de energia do mar (ver eq. 3.48):
1 2
S (n ).d  An
2
Hidrodinâmica 156

Analogamente, o espectro de resposta do sistema no grau de liberdade j pode


ser definido por:
1 2
S j ( ).d   j ( ) (4.83)
2
e, portanto:

 j ( ) 1
2

S j ( ).d  A( ) 2
A( ) 2

ou seja:
2
S j ()  Z j () S () (4.84)

onde Z j ( ) representa o RAO do grau de liberdade j.

O procedimento expresso por (4.84) para obtenção dos espectros de resposta


é conhecido como cruzamento espectral. Uma interpretação gráfica deste
procedimento é apresentada na figura abaixo.

Figura 50 – Interpretação gráfica do cruzamento espectral (extraída de Journée & Massie


(2001)).
Hidrodinâmica 157

Uma vez determinados os espectros de resposta S j () , os mesmos

procedimentos estatísticos já discutidos na seção 3.6.2 (então, com respeito às


estatísticas das ondas do mar) podem ser aplicados agora para os movimentos do
corpo. A validade desta aplicação deriva da novamente da suposição de
linearidade da resposta dinâmica.
Obtêm-se, então, as estatísticas de resposta do corpo para um determinado
estado de mar. Tomemos mais uma vez como exemplo o movimento de heave
para exemplificar o processo. O espectro de resposta em heave é S 3 ( ) . O
momento espectral de k-ésima ordem do movimento de heave é então dado por:

m3,k    k S 3 ( ).d
0

(4.85)
A amplitude significativa do movimento de heave será:

A 31 / 3  2 m 3, 0

e o período médio de movimento pode ser estimado como o período central do


espectro de resposta:
m3,0
T1  2
3

m3,1

O período entre zeros do movimento, por sua vez, é dado por:


m3,0
T2  2
3

m3, 2

Como a dinâmica do sistema foi suposta linear, a função distribuição da


resposta será Gaussiana, na medida que a distribuição de onda também o é. A
distribuição da amplitude da resposta seguirá também a distribuição de Rayleigh
e, portanto, a probabilidade de que a amplitude de heave exceda um determinado
valor a pode ser obtida através de:
2
a
P{ A  a}  e
3 2 m3 , 0

Pode-se ainda estimar o número médio de vezes que isso ocorrerá ao longo
de uma hora:
Hidrodinâmica 158

3600
N hora  P{ A3  a}
T23
Procedimentos análogos podem ser realizados para os outros graus-de-
liberdade, complementando-se assim as estatísticas de resposta dos movimentos
de primeira-ordem.

4.5.1. Alguns Comentários sobre a Abordagem no Domínio do Tempo

Simuladores computacionais do comportamento dinâmico de sistemas


flutuantes são ferramentas de projeto cada vez mais importantes no contexto da
engenharia naval e oceânica. Estes códigos permitem avaliar, no domínio do
tempo, as respostas de sistemas flutuantes sob ação de ondas, vento e correnteza
marítima. Consideram a influência de risers e linhas de amarração e, hoje em dia,
dadas as lâminas d’água de operação cada vez maiores, representam um
complemento importantíssimo aos estudos em tanques de provas, já que estes
últimos passam a sofrer sérios problemas de escala.
Uma abordagem no domínio do tempo permite ainda lidar, de uma forma um
pouco mais direta, mas ainda assim bastante aproximada, com efeitos de natureza
não-linear como, por exemplo, o problema de amortecimento viscoso discutido na
seção precedente.
Apesar do rápido avanço da capacidade de processamento numérico, ainda
hoje a grande maioria dos simuladores de sistemas oceânicos emprega os
resultados de programas que calculam previamente os coeficientes
hidrodinâmicos potenciais no domínio da frequência. Raros são os simuladores
que buscam a solução simultânea do problema hidrodinâmico e da equação de
movimento do corpo, ambos no domínio-do-tempo. Estes poucos se restringem,
via de regra, a aplicações acadêmicas.
O procedimento operacional empregado pela maioria dos simuladores requer,
então, uma realização do espectro de mar e uma transformação dos resultados
hidrodinâmicos obtidos no domínio da frequência para que estes possam ser
empregados no domínio do tempo.
Hidrodinâmica 159

No decorrer desta seção apresentaremos, de forma muito breve, os


fundamentos desta transformação. Nosso objetivo aqui não é o de equacionar de
forma completa o problema, mas sim indicar os princípios nos quais este
equacionamento se baseia e as referências para o aluno que quiser buscar mais
detalhes. Para tanto trabalharemos, por simplicidade, com o movimento em um
único grau-de-liberdade.

As Funções de Resposta Impulsivas

Suponhamos, então, um corpo flutuante livre para se mover em um grau-de-


liberdade, com movimento descrito por x(t), e que no instante de tempo t=t0 o
corpo esteja em repouso. Durante um pequeno intervalo de tempo t , o corpo
realiza um deslocamento impulsivo x com velocidade constante V , de tal forma
que: x  Vt .
O potencial de velocidades do escoamento induzido por este movimento
impulsivo  ( x, y, z, t ) pode ser escrito como:
 ( x, y, z, t )   ( x, y, z, t )x ; (4.86)
onde  ( x, y, z, t ) é o potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento.
Obviamente, o fluido ainda realizará movimentos após o intervalo t , quando
o corpo volta ao repouso. O princípio básico da técnica que vamos descrever é,
então, o seguinte: Um movimento arbitrário do corpo pode ser descrito como uma
sucessão de deslocamentos impulsivos. O escoamento fluido durante um intervalo
de tempo t qualquer, contudo, será influenciado pelo movimento que o fluido
tinha nos instantes anteriores e, da mesma forma, influenciará o escoamento nos
instantes posteriores. O fluido apresenta então uma certa memória daquilo que
ocorreu com o escoamento em instantes passados.
O potencial do escoamento durante um intervalo ( t m , t m  t m ) será então

escrito como:
m
 (t )  Vm    (t mk ,t mk  t )Vk t (4.87)
k 1

com:
Hidrodinâmica 160

m: número de time-steps;
tm: t 0  mt

Vm: velocidade durante o intervalo ( t m , t m  t );

Vk : velocidade durante o intervalo ( t m  k , t m  k  t );


: potencial de velocidades normalizado pela velocidade no intervalo

( t m , t m  t );

: potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento no intervalo

( t m  k , t m  k  t );

No limite em que t  0 , (4.87) pode ser reescrita como:


t
 (t )  x (t )    (t   ).x (t )d (4.88)


O campo de pressões do escoamento, por sua vez, pode ser estimado


diretamente da equação de Bernoulli. Supondo que o problema seja linear, a
pressão dinâmica será então dada por:

p(t )   
t
e a força sobre o corpo é obtida mediante integração sobre a superfície molhada
SB:

F   pndS
SB

Somando também a essa força um termo de restauração hidrostática e uma


força de excitação externa W(t), Cummins (1962) demonstrou que a equação do
movimento pode ser escrita na forma:

( M  A) x(t )   B( ).x (t   )d  Cx(t )  W (t ) (4.89)
0

com coeficientes (A;B) a serem determinados a partir dos potenciais  e  . Hoje,


a equação (4.89) é conhecida como equação de Cummins.
Hidrodinâmica 161

Ogilvie (1964), posteriormente, relacionou os coeficientes (A;B) com os


coeficientes de massa adicional a( ) e de amortecimento por radiação b( )
demonstrando que:
A  a(  ) (4.90)
e

2
B( ) 
  b( ) cos( )d
0
(4.91)

A equação (4.91) é conhecida como função de retardo ou função de


memória. Através de (4.90) e (4.91) pode-se equacionar o problema no domínio
do tempo empregando-se a equação de movimento (4.89) e os coeficientes
potenciais calculados no domínio da frequência. Resta ainda, porém, a
necessidade de realizar no tempo as forças externas (por exemplo, a força de
excitação de ondas). Para tanto, parte-se do princípio de superposição de ondas
harmônicas, permitido no contexto da teoria linear de ondas. Supondo que o corpo
esteja sob ação de um mar com espectro de energia dado por S ( ) e lembrando

que:
N
 (t )   An cos( n t   n )
n 1

podemos escrever:
N
W (t )   X ( n ) An cos( n t   n   Xn ) (4.92)
n 1

onde X(n) são as forças de excitação de ondas para amplitude de onda unitária
discutidas na seção (4.3), que apresentam fase  Xn .

Com as forças calculadas em (4.92) e com os coeficientes dados por (4.90) e


(4.91), pode-se finalmente integrar numericamente a equação do movimento
(4.89) tendo como dados de entrada os coeficientes potenciais calculados através
de um programa linear no domínio da freqüência (por exemplo, o programa
WAMIT®).
Hidrodinâmica 162

4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais

Não poderíamos concluir este texto sem fazer ao menos uma menção breve
às técnicas disponíveis para a solução dos problemas de valor de contorno e a
efetiva obtenção dos potenciais de velocidade que são empregados para o cálculo
das forças hidrodinâmicas. De fato, ao longo deste capítulo apresentamos a
modelagem teórica que permite calcular estas forças hidrodinâmicas e, em última
instância, a chamada resposta de primeira-ordem de sistemas oceânicos
flutuantes. Esse cálculo, todavia, depende da solução dos problemas de contorno
de radiação (eqs. 4.25 – 4.28) e de difração (eqs. 4.25 – 4.27 e 4.29). Somente
através desta solução serão conhecidos os potenciais de radiação e
espalhamento {  j (x, y, z) ; j  1,...,7 } e, de posse dos mesmos, será possível então

calcular as massas adicionais, amortecimentos de radiação e forças de excitação.


Atualmente, essa solução pode ser obtida através de procedimentos
numéricos baseados em técnicas que consideram escoamentos potenciais
bidimensionais (2D) ou tridimensionais (3D). Uma discussão mais profunda sobre
as técnicas e métodos numéricos empregados para a determinação dos potenciais
de velocidade foge do escopo deste curso. No entanto, algumas menções serão
feitas a seguir, com o objetivo de orientar aqueles que desejarem iniciar um estudo
sobre essas técnicas.
Originalmente, uma das primeiras técnicas desenvolvidas para o estudo de
comportamento no mar de navios foi baseada na chamada Teoria de Faixas (Strip
Theory). Esta se caracteriza por transformar o problema tridimensional em uma
série de problemas bidimensionais independentes. O processo consiste em
estudar cada seção do navio como uma seção independente, resolvendo então
problemas de valor de contorno bidimensionais. Obviamente, esta aproximação
será tanto melhor quanto menores forem os efeitos tridimensionais do escoamento
sobre o corpo. Em geral, admite-se que uma precisão aceitável pode ser obtida
para corpos esbeltos, com relação comprimento/boca elevada (tipicamente L/B
>3). Os resultados finais são então obtidos mediante uma simples integração ao
longo do comprimento do corpo.
Hidrodinâmica 163

O passo inicial para o desenvolvimento dessa metodologia foram os trabalhos


de Ursell (ver, por exemplo, Ursell (1949)), que obteve uma solução analítica para
o escoamento em torno de um cilindro circular infinitamente longo semi-imerso em
um fluido. Todavia, as seções usuais de casco de navios não são exatamente
circulares. Tasai (1959) empregou então técnicas de mapeamento conforme para
obter os potenciais de velocidade em sway, heave e roll de seções geométricas
típicas de cascos de navios. O método consiste em mapear seções quaisquer em
seções circulares no plano complexo, onde valem as soluções derivadas por
Ursell, para, posteriormente, projetar estas soluções de volta para o plano real.
Uma das limitações do método de Ursell-Tasai é a impossibilidade de mapear
seções completamente submersas, como, por exemplo, o bulbo de proa de
navios. Esta limitação foi posteriormente superada por Frank (1967). A teoria
proposta por Frank obtém as soluções procuradas com base no potencial da
chamada fonte pulsante bidimensional.
Mais recentemente, com o progressivo aumento de capacidade dos
processadores numéricos, os métodos para a solução do problema de
escoamento tridimensional, considerando radiação e difração de ondas, se
tornaram viáveis. Atualmente, o procedimento mais difundido para o estudo do
problema de comportamento no mar é baseado na técnica numérica denominada
método de elementos de contorno (boundary elements method, BEM). Esse
método consiste, como o próprio nome diz, na solução do problema considerando
apenas o contorno do domínio fluido (ao contrário do método de elementos finitos,
por exemplo, em que é necessário discretizar o próprio seio do fluido) e é
vantajoso em termos de esforço numérico para problemas de contorno lineares
baseados na equação de Laplace. Os alunos de engenharia naval da EPUSP têm
um primeiro contato com a aplicação deste método para a solução de problemas
de escoamento potencial na disciplina Métodos Computacionais para Engenharia I
(PNV2441).
Em geral, a modelagem teórica para a solução do problema 3D se baseia na
aplicação do Teorema de Green para obter uma equação diferencial cuja variável
é o próprio potencial de velocidades procurado. A solução é em muito simplificada
Hidrodinâmica 164

com o conhecimento das chamadas Funções de Green do problema de contorno


específico. Essas funções de Green são o equivalente da fonte pulsante 2D
empregada originalmente por Frank. No caso do estudo de comportamento no mar
de sistemas flutuantes sem velocidade de avanço, por exemplo, a função de
Green permite que a equação diferencial seja automaticamente satisfeita em boa
parte do contorno (no caso, na superfície-livre e no fundo, além de garantir a
satisfação da condição de radiação de ondas). Com isso, a solução da equação
diferencial deve ser realizada exclusivamente sobre a superfície molhada do
corpo. As técnicas empregadas para essa solução podem se basear em uma
discretização da superfície do corpo na forma de painéis (o chamado método dos
painéis) ou através da representação analítica desta superfície por funções B-
spline. A metodologia acima descrita é empregada por diversos programas
desenvolvidos para a solução do problema de comportamento no mar, entre eles o
programa WAMIT®, desenvolvido originalmente no Massachusetts Institute of
Technology (MIT).
Mais recentemente passaram a ganhar maior relevância os métodos
numéricos que são baseados em funções mais simples, as chamadas fontes de
Rankine. A vantagem aqui advém da maior simplicidade para o cálculo do
potencial destas fontes e de suas derivadas, embora, uma vez que as fontes de
Rankine não satisfazem automaticamente as condições no contorno que não
pertence à superfície do corpo, a aplicação desta técnica requeira malhas
numéricas de maiores dimensões. O problema pode ser facilmente equacionado
tanto no domínio-da-frequência como no domínio do tempo e, por esta razão, é
visto como uma abordagem mais apropriada para o tratamento de efeitos não
lineares.
Maiores detalhes sobre as técnicas numéricas existentes para solução do
problema de escoamento potencial podem ser encontrados, por exemplo, no livro
de Bertram (2000).
Hidrodinâmica 165

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