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Introdução
Em oposição o próprio B. J., como ficou conhecido, foi muito prolixo, seja como
crítico dos jornais do grupo Folha e Estado, ou escrevendo na revista cultural Anhembi,
de 1946 até 1965. Antes atuou como fotógrafo no jornal Diário Nacional, a partir de
1940; depois fotógrafo no Departamento de Cultura da Prefeitura do Município de São
Paulo, Seção de Iconografia entre 1937 e 1964. A partir daí se dedicou “integralmente”
ao cinema científico, apesar de já realizar documentários possivelmente desde 1936,
sendo contratado pela Faculdade de Medicina da USP de 1965 até 8 de julho de 1995
quando falece aos 85 anos (nasceu em 11 de julho de 1910 em Franca).
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Específico sobre ele há a tese do professor Afrânio Mendes Catani “Cogumelos de uma só manhã. B. J.
e o cinema brasileiro. Anhembi: 1950-1962” Doutorado em Sociologia, FFLCH, 2 vols., 1991.
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Exemplo os artigos do livro “História da cidade de São Paulo. A cidade no império 1823-1889”, vol. 2,
2004, org. por Paula Porta. Nos capítulos de Boris Kossoy, Luzes e sombras da metrópole: um século de
fotografias em São Paulo (1850-1950), p. 387-456, pelo viés da fotografia e de Rubens Machado, São
Paulo e o seu cinema: para uma história das manifestações cinematográficas paulistanas (1899-1954), p.
457-506, pelo viés do cinema. Depois disso há a tese de Marina Castilho Takami, Fotografia em marcha:
Revista S. Paulo, 1936, mestrado em estética e história da arte, USP, 2008, revista em que B . J. foi
fotógrafo mas na qual não é personagem principal. Mais recentemente o mestrado de Priscila Almeida
Xavier, Representação cinematográfica e história institucional: uma análise de filmes sobre o Instituto
Butantan (1928-1953), na ECA, 2010. Em que analisa, entre outros, o filme Viagem em redor de São
Paulo (1943-1944).
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Existem no total cerca de 40 filmes de B. J. na Cinemateca de São Paulo, dos
quase 500 que ele assinala em suas memórias ter realizado. Entre seus documentários
mais importantes e acessíveis estão:
Ciência e cinema
Uma parte da discussão possível que trago para debate são as várias
possibilidades de caracterização do conjunto do trabalho de B. J. Entre filmes
claramente institucionais como aqueles executados para empresas como o caso do filme
“Um lençol de algodão”, produzido pela Rex Filmes, para a companhia de tecidos
Santista ou filmes dirigidos para o Departamento de Cultura ou Departamento de Obras
Municipais, como Retificação do Rio Tiete, e depois aqueles científicos, inicialmente
como o filme “A saúva”, 1960, também com a Rex Filmes, patrocínio do Governo do
Estado, com orientação científica de biólogos do Instituto Biológico, e de um
engenheiro agrônomo da prefeitura, B. J. realizaria vários documentários para a
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Faculdade de Medicina ou para médicos e suas instituições, como Válvula Cardíaca,
Marca-passo Implantável e Transplante Cardíaco.3
Esses dois temas recorrentes na obra vista até aqui podem ser avaliados a partir
dos seus lugares como:
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Neste sentido a questão da divulgação pode ser visualizada. Nesse caso a
atividade de ciência que se expressa é mais um caso de “ciência tornada
pública”, “ciência e públicos”, do que de divulgação, vulgarização ou
alfabetização de um público leigo apenas. Nisto o cinema de B. J. pode auxiliar
a compor este quadro. Os filmes dele falam de “divulgação”, memória,
especialização, rede, construção de conhecimento.
A discussão sobre o que vem a ser conhecimento científico e sobre como agem e
pensam os responsáveis individuais e institucionais dedicados a esta produção passou ao
longo dos últimos 20 ou 30 anos a interessar uma gama diferente de críticos.
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Deste episódio em particular e da contracultura epistemológica e científica
iniciante destacaram-se alguns debates que colocaram em discussão os componentes
sociais na produção científica. Longe de apenas serem entendidas como causas
exógenas, as sociedades passavam a ser vista como mais do que causa de influência
externa, passavam a ser também constitutivas das ciências. O fim dos anos 1970 e
aqueles iniciais 1980 foram sendo assim ocupados por autores que questionavam a
descrição comumente aceita das ciências, das atividades desempenhadas por cientistas,
e seus objetos híbridos. Também o público teve seu papel modificado, de plateia
pacífica a agente questionador, principalmente a partir da participação como
interessados em políticas públicas de saúde e público atento de testes clínicos.
Tais questões são inseridas aqui para sugerir que a leitura de parte da produção
de Benedito Junqueira Duarte fazem parte de uma tentativa de produzir uma leitura
conjunta entre questões conceituais sobre ciência e sociedade, aliadas á discussão
específica das questões levantadas pelas imagens produzidas pelo cineasta, intimamente
conectado ao ambiente médico acadêmico de São Paulo de meados do século XX.
Os filmes
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Parques criados com sentido lúdico e artístico, principalmente para filhos de
operários na administração/prefeitura de Fábio Prado, criados em bairros de grande
concentração operária, três primeiros: Lapa e Ipiranga, além do precursor no Parque D.
Pedro, centro. Os Parques eram destinados a crianças que estivessem fora do Jardim de
Infância e do Ensino Primário, maioria entre 3 e 12 anos.
O projeto dos Parques pode ser também então avaliado na produção de B. J. Este
filme em particular estabelece explicitamente o ensino escolar como motor de uma
possível transformação moral da infância e da juventude, ancorado sobre noções de
saúde e bem estar, em que o suporte do conhecimento de bases científicas esteve sempre
presente. Este filme apresenta grande coincidência de tomadas com a memória
imagética dos primeiros tempos da saúde pública paulista e pode ser considerado um
modelo para a produção posterior, realizada a partir da década de 1960, na qual o diretor
vai buscar desenvolver filmes de temática médico-científica.
Nas suas memórias sua dedicação ao documentário científico teve como fator
desencadeante, como impulso, a busca por ser “dono do próprio nariz”; pela
possibilidade de convivência com “gente diferenciada”; pela realização de uma
atividade cuja autoria poderia ser “bi-partida”, ele como realizador, autor técnico, e o
assessor científico como autor intelectual.
Outro filme que pode aqui ser comparado é o filme Uma Escola de Médicos,
realizado para a então Escola Paulista de Medicina, em 1964. O filme constrói medicina
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Duarte, Benedito Junqueira. Lâmpada cialítica: namoros com a medicina – Crônica da memória, vol.
III. São Paulo, Massao Ohno – Rowistha Kempf Editores, 1982, vol. III, p. 18.
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Sobre esse primeiro transplante, encontram-se acessíveis somente as fotos publicadas na revista Fatos e
Fotos, feitas com exclusividade por B. J. e seu assistente Estanislau Szankovski.
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como atividade “puramente” experimental, básica (fisiologia, farmacologia, cirurgia
experimental), realizada, sobretudo no laboratório, dá identidade à instituição. Não há
menção ao hospital, local de risco, de atendimento à população, embora a imagem do
hospital seja a maior referência visual, mas não é identificada pela fala. Visão em pleno
acordo com o projeto da EPM, repetido em seus próprios discursos, também apresenta
visualidade moderna, povo é citado, mas não aparece, assim como doentes, também não
são apresentados.
Tal natureza é aquela que resulta de uma intervenção que apresenta como natural
algo constituído pela agência humana, esta de existência permanente pois criada
historicamente, em uma dada configuração particular, geográfica e temporal. Esta
natureza construída é capaz também de uma performance mas não aquela resultante de
uma descoberta científica mas de uma invenção e suas construções. A natureza-
invenção por ser mais bem apropriada é mais eficaz, se “torna” cada vez mais eficaz por
estar permanentemente sendo construída a cada dia.
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das suas informações, aqui no cinema documental a elaboração destes passos podem ser
problematizados.6
Bibliografia
________. A luz fosca do dia nascente. Crônica da memória, vol. I; Nas trilhas
do cinema brasileiro. Caçadores de imagens. Crônica da memória, vol. II; Lâmpada
cialítica: namoros com a medicina – Crônica da memória, vol. III. São Paulo, Massao
Ohno – Rowistha Kempf Editores, 1982.
Gaycken, Oliver. ‘A Drama Unites Them in a Fight to the Death’: some remarks
on the flourishing on a cinema of scientific vernacularization in France, 1909-1914.
Historical Journall of Film, Radio and Television, vol. 22, no. 3, 2002, pp. 353-374.
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Cenas de filmes utilizados aqui: Parques Infantis da Cidade de São Paulo (P/b, 9' min., 1954); Uma
Escola de Médicos (P/b, 8'min, 1963); Marca-passo implantável, assessoria científica de Adib Jatene (cor,
5’40 min. (provável), 1968) - Ganhou o prêmio no IV Festival do filme científico do Brasil, no Congresso
Paulista de Cirurgia; Válvula Cardíaca, assessoria científica de Adib Jatene (cor, 7’min (provável), 1968.
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Latour, B. Drawing things together. In : Representation in scientific practice.
Lynch, M. & Woolgar, S. (Ed.) London : The MIT Press, 1990, pp.19-68.
Silva Neto, Antônio Leão da. Dicionário de Filmes Brasileiros. São Bernardo do
Campo : Edição do autor, 2006.