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NÃO ME FORMEI PROFESSORA! ...

DESAFIOS DA
PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE DE “NÃO LICENCIADOS” QUE ATUAM NO
ENSINO SUPERIOR – CONFISSÕES E REFLEXÕES

Patrícia Rodrigues da Silva

INTRODUÇÃO
Entende-se a formação docente como pedra angular para a constituição de um processo
educativo completo e estruturado, mas, como “se forma” um professor para atuação no Ensino
Superior? Este texto se propõe a relatar experiências e apresentar reflexões acerca da formação
docente, sobretudo, no que tange aos desafios da qualificação pedagógica de professores “não
licenciados” para atuação no Ensino Superior. Para isso, tomarei como objeto de narrativa e
interpretação deste relato, a minha própria trajetória e as experiências vivenciadas com outros
professores no exercício da docência nesse nível de ensino.
Dentro do meu percurso formativo, a experiência com a formação docente pode ser
contemplada em 3 (três) momentos fundantes: (1) enquanto filha de uma professora e pedagoga,
e assim, sujeito “passivo” em cursos e vivências cotidianas; (2) como professora do Ensino
Superior, recém formada em um curso de Bacharelado e no Mestrado em Administração; (3)
estudante de Pedagogia e doutoranda em Educação. Em cada um desses momentos o contato
com a formação docente aconteceu de forma diferente, contudo, cada um deles contribuiu para
a construção de uma práxis pedagógica formadora e transformadora com foco no estudante que
se deseja formar no ensino superior.

SENTIDOS INICIAIS NA PRÁTICA DOCENTE, “TORNEI-ME PROFESSORA”!


Assim como muitos professores bacharéis, iniciei como docente sem formação
pedagógica de graduação ou pós-graduação. O interesse e a preocupação pela “Formação de
Professores” emergiram durante as experiências vivenciadas enquanto professora do Ensino
Superior, hoje, com 15 anos de história, nas quais incluo as leituras e pesquisas ao buscar
orientações para o exercício didático-pedagógico em sala de aula, e principalmente, durante o
Mestrado em Administração, no qual tive como objeto de estudo a ascensão profissional de
indivíduos e a emancipação ocorrida durante a trajetória de suas carreiras.
Nessa trajetória, os processos formativos e educacionais estiveram implícitos na
pesquisa de mestrado e explícitos em minha jornada profissional. Enquanto docente no ensino
superior, participei de uma série de eventos, reuniões e semanas “pedagógicas”, permeados por
discussões sobre tendências educacionais e implementação de práticas de ensino, muitas vezes
de maneira isolada, sem refletir sobre o contexto, o público e os objetivos de sua utilização.
Algo muito comum durante esses encontros, nas conversas com outros colegas de profissão,
eram as indagações, os anseios e as inquietações sobre conseguir transpor didaticamente os
conteúdos, de modo a gerar significado aos alunos e fazendo uso dos aspectos, ferramentas e
tecnologias que estavam sendo apresentados nesses espaços de formação. Por vezes, tinha-se a
impressão de que os momentos de formação estavam mais focados em apresentar “modismos
pedagógicos” do que em contribuir para a construção de uma prática docente elaborada e
reflexiva. Assim sendo, aprendíamos muito, uns com os outros, na empiria, na vivência, na
tentativa e erro.
Em sua maioria, os professores “não licenciados” exercem a docência paralelamente a
sua profissão “de formação”, o que por um lado é muito bom, por trazer vivência e experiência
aos estudantes, mas por outro, pode revelar práticas de ensino negligenciadas e delineadas como
utilitaristas no processo de formação. É muito comum, por exemplo, o estudante de graduação
em cursos de bacharelado da área de Sociais Aplicadas, nos questionar: “- Onde e como eu vou
usar isso? Como acontece na prática?”, levando o professor a fazer uso de sua experiência
profissional cotidiana para a elaboração de um discurso que responda e satisfaça as inquietações
do aluno. Não que isso não deva acontecer, mas, nesse discurso também reside o perigo de os
processos de ensino e aprendizagem se transformarem em representações de receituários
profissionais.
Nesse contexto complexo e contraditório, vê-se que a ressignificação da identidade dos
professores “não licenciados” do ensino superior, perpassa pela necessidade da constituição de
processos de formação pedagógica que preparem esse docente para transformar o seu saber –
tecnológico, científico ou empírico – em conteúdos formativos que, por meio da mediação
reflexiva e crítica, conduza os seus alunos a pensar, sentir e agir na profissão e na sociedade.
Como nos aponta Almeida (2012, p. 15), “[...] trabalhar o conhecimento no processo formativo
dos alunos significa proceder à mediação entre os significados do saber no mundo atual e
aqueles dos contextos nos quais foram produzidos”.
Vê-se assim, a necessidade de um debruçar sobre os processos de formação pedagógica
docente para o Ensino Superior, com espaços coletivos de escuta, vivência e planejamento,
principalmente ao ter-se como foco capacitar qualitativamente profissionais que são professores
sem a formação didático-pedagógica. Muitos desses profissionais, mesmo com formação e
preparação docente em cursos pós-graduação stricto sensu e experiência profissional
significativa, sentem-se despreparados para lidar com os processos de ensino e aprendizagem
ao adentrarem em sala de aula.

NO PERCURSO DA VIDA, “TORNEI-ME PEDAGÓGICA”!


Segundo Libâneo (2008) quem lida com educação precisa estar preparado a enfrentar
complexidades. Assim, é imprescindível que sejam desenvolvidas nestes profissionais,
capacidades de descobrir as relações sociais reais e as implicações do seu contexto de sala de
aula, por meio dos conteúdos que ensina e de seus discursos, como também de cada
acontecimento de sua vida pessoal e profissional. Entendo o professor como um educador e
mediador do conhecimento, independentemente do nível de ensino em que atua. O trabalho
educativo, em sua essência, consiste no “[...] ato de produzir, direta e intencionalmente, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto
dos homens” (SAVIANI, 2003, p. 13). Mas como estar preparado para tal feito?
As inquietações pessoais acerca da necessidade de construir processos formativos em
sala de aula de maneira segura e significativa e as experiências profissionais vivenciadas no
ensino superior, mobilizadas pelo ideal pedagógico de que a formação do sujeito autônomo e
crítico tem como pressuposto a formação do educador, ingressei no curso de Pedagogia e
posteriormente o Doutorado em Educação. Em outras palavras, tornei-me academicamente
pedagógica. Processo esse, que muito se alinha com a concepção de Almeida acerca do percurso
formativo do professor do ensino superior, que, do ponto de vista pessoal tem sido chamado a,

de modo mais intenso, tomar decisões sobre seu próprio percurso formativo e
profissional, romper paulatinamente com a cultura de isolamento profissional
mediante a ampliação da convivência com colegas em projetos integrados,
grupos de pesquisa e instâncias acadêmicas, em momentos de discussões
coletivas nos quais se debatem e reivindicam as condições que permitam
viabilizar a essência do próprio trabalho (ALMEIDA, 2012, p. 78).

Assim, no que diz respeito a formação pedagógica do professor “não licenciado” que
atua no ensino superior, vê-se a necessidade de contribuir para o desenvolvimento de bases que
o levem a compreender e investigar a sua própria atividade, e a partir dessas bases constituir
saberes em um processo contínuo. Acredita-se que com esse fortalecimento pedagógico para a
atuação docente, os professores tornem-se “[...] sujeitos capazes de discutir, analisar e
reconfigurar a própria prática (ALMEIDA, 2012, p. 76), de modo a ampliar a compreensão que
se tem sobre as mudanças que os atingem e, principalmente, como forma de responder ao
compromisso social da universidade na oferta de excelência acadêmica no ensino, pesquisa e
extensão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse relato de experiência é uma narrativa pessoal com reflexões e apontamentos acerca
de aspectos que compuseram e ainda compõem uma trajetória acadêmica e profissional.
Compreendo que o caminho apresentado nessas páginas, não é o percurso a ser trilhado por
todos os docentes “não licenciados” do ensino superior. Mas, de modo a contribuir para a
formação de outros profissionais que assim como eu ingressaram na vida docente sem formação
pedagógica para tal, e no intuito de demonstrar a importância e peso da formação pedagógica e
didática para a atuação docente, optei por percorrê-lo.
Espera-se com essa narrativa, refletir e chamar a atenção para a questão da formação
pedagógica de professores do Ensino Superior, em especial os “não licenciados”, pressupondo-
se que ainda há muito que se estruturar e se revelar nesse campo educacional.
Assim, diante das limitações que se impõem a formação do docente para o ensino
superior e ensejando a qualificação profissional como determinante para a qualidade do ensino
ministrado em sala de aula, além de estudos individuais e coletivos faz-se necessária a formação
pedagógica para que o docente esteja apto a unir os seus conhecimentos pessoais, as suas
experiências, com o conhecimento sistematizado, acadêmico para sustentar a sua atuação em
sala de aula, para a materialização da práxis pedagógica.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria I. Formação do professor do Ensino Superior: desafios e políticas


institucionais. São Paulo: Cortez, 2012.
LIBÂNEO, José C. Didática. São Paulo: Cortez, 2008.

SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 3. ed. Campinas


– Autores Associados, 2003.

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