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INDUSTRIAL DE RESERVA
Iuri Falcão 1
Resumo
O trabalho trata do conceito de exército industrial de reserva, analisando as alterações na
composição desta categoria social a partir das recentes modificações no mundo do trabalho
trazidas pela reestruturação produtiva promovida pelo “capitalismo flexível”. O texto analisa
como este processo atingiu a proteção jurídica dos trabalhadores, o Direito do Trabalho, e
atacou os fundamentos do limitado Estado do Bem-Estar Social implementado no Brasil,
difundindo a precarização como modelo de gestão do mundo do trabalho, com reforço na
condição de desemprego estrutural. Neste contexto, o trabalho aborda as estratégias de parte
do atual exército de reserva em buscar sobrevivência junto ao mercado informal e do processo
de aproximação de parte dos trabalhadores da ativa das condições de exploração do subtipo
“latente” do exército. Em tais condições de precariedade estrutural e estruturada, questiona a
possibilidade de cidadania para os componentes deste segmento social.
Palavras-chave: Exército Industrial de reserva, reestruturação produtiva, cidadania.
Introdução
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Mestrando em Sociologia e Direito pelo Programa de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
– UFF. Email: iurifalcao@yahoo.com.br
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Essa marca de raiz pode ser notada ainda hoje no exercício da cidadania no Brasil. A
título de exemplo prático, os qualificativos “trabalhador”, em contraponto ao “marginal”,
muito utilizados no jargão policial e jornalístico, recuperam a condição do trabalho como
elemento político estruturante para a forma como se é visto e se relaciona com alguns setores
do Estado.
Não obstante, o tema a ser desenvolvido neste artigo refere-se justamente aos
considerados não-cidadãos desde o berço de nossa sociedade. Pretende-se estudar a categoria
exército industrial de reserva, como definida por Marx em confronto com as modificações
recentes no mundo do trabalho, trazidas pelo dito “capitalismo flexível”. Enfoca-se o
desemprego estrutural produzido pela reestruturação produtiva proposta por este modelo, e a
alternativa mais comum encontrada por estes desempregados para sobreviver, junto ao
mercado informal, bem como o ataque ao Estado do Bem-Estar Social, que mesmo que não
implementado plenamente no país, passou a garantir alguns direitos inerentes à cidadania.
Para definir o exército industrial de reserva, Marx (MARX, 2003, p. 724) faz uma
digressão no processo produtivo e parte de uma suposição inicial de que, em condições fixas
do capital e inalterabilidade das demais condições, a incorporação da mais-valia produzida em
um determinado lapso de tempo ao capital implicaria na expansão dos meios de produção e,
consequentemente, maior necessidade quantitativa de mão-de-obra. Nesse sentido, não
considerando outras modificações externas, acumular capital seria necessariamente aumentar
o proletariado, pois a expansão do capital demandaria a expansão do trabalho.
Não obstante, não é exatamente isto que ocorreria no modo de produção capitalista.
Para Marx, com a ampliação do trabalho gratuito (mais-valia) para o capital, há necessidade
de transformar este acúmulo em novo capital, demandando-se mais trabalho pago, o que
implicaria em elevação dos salários, caso não houvesse alteração das demais condições.
Diante deste aumento do trabalho pago, haveria redução da taxa de mais-valia, tendo o capital
necessidade de promover contra-tendências para barrar o aumento salarial. (MARX, 2003, p.
724). Umas das principais formas dessa contra-tendência é se valer de excedentes de forças de
trabalho que pressionem o mercado de trabalho.
Para melhor compreender a dinâmica produtiva do modo de produção capitalista, é
preciso considerar o avanço da produtividade. A adoção de novas técnicas significa ganhos de
produtividade, o que faz com que o capital constante, representado pelos meios de produção,
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O proletariado, em termos econômicos é o assalariado que produz e expande o capital e é lançado à rua logo
que se torne supérfluo às necessidades de expansão do capital. (MARX, 2003, p. 717, nota 70).
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por outro lado, há redução relativa aos meios de produção, implicando em maior demanda
pela existência de um exército industrial de reserva quantitativamente significativo. E quanto
maior este exército, maiores os níveis de pauperismo. Assim, a acumulação de capital
pressupõe a acumulação da pobreza. Para ser viável, o capitalismo tem que transformar a
fome em algo permanente no seio da classe trabalhadora (MARX, 2003, p. 750).
Adotando esta classificação marxiana, pode-se compreender atualmente, em exercício
aproximativo, os desempregados, sejam eles friccionais, ou mesmo estruturais, a massa
extremamente pauperizada e boa parte dos trabalhadores informais como pertencentes ao
exército industrial de reserva ou superpopulação relativa.
2.1. O fordismo-keynesianismo
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Adotando a nomenclatura utilizada por Harvey (2000, p. 117), entende-se por regime de acumulação a
estabilização, por um longo período, da “alocação do produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica
em alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das condições de
reprodução dos assalariados”. Por outro lado, o modo de regulamentação é entendido como a materialização do
regime de acumulação em diversas esferas da vida social, como normas, hábitos, leis, redes de regulamentação,
mantendo unidade do processo.
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Tal produção era absorvida por um consumo de massas, obtido a partir de ganhos
salariais e redução da jornada de trabalho. Os trabalhadores organizaram-se em grandes
sindicatos, reforçando a implementação do Direito do Trabalho e dificultando os processos de
modificações produtivas que importassem em perdas para a classe. Por fim, o Estado assumia
o papel de controlar ciclos econômicos com políticas fiscais e monetárias, com investimento
em infra-estrutura, que possibilitavam a produção e buscavam o ideal do pleno emprego e
atuava como provedor de políticas universais, especialmente de saúde e educação, além de
promover um seguro social e previdência para os trabalhadores. Esta concertação entre grande
capital, grande sindicato e grande estado é o que se convencionou chamar de “compromisso
fordista” (HARVEY, 2000, p. 129).
Por outro lado, a instalação do fordismo não se deu sem enfrentamentos por parte dos
trabalhadores. Dada as bases deste sistema produtivo, que implicava na “familiarização do
trabalhador com longas horas de trabalho puramente rotinizado, exigindo pouco das
habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle quase inexistente ao trabalhador
sobre o projeto, ritmo e organização do processo produtivo”, houve fortes resistências à sua
implementação. Não obstante, uma das estratégias utilizadas pelo capital para atacar tal
resistência foi justamente se valer do exército industrial de reserva, que, no caso dos Estados
Unidos, era formado pela mão-de-obra imigrante, rural e negra (HARVEY, 2000, p. 123). Isto
mostra a continuidade da importância do exército industrial, mesmo que se esteja referindo à
primeira metade do século XX.
Não obstante, a partir da década de 1970, o modelo fordista, que tinha possibilitado o
que ficou conhecido por “30 gloriosos”, localizado aproximativamente entre 1945 e 1973,
período marcado, nos países desenvolvidos, por prosperidade econômica, baixo índice de
desemprego, elevado consumo e grande cobertura social por parte do Estado, começou a dar
sinais de fragilidades, apontando para sua dissolução.
Segundo Harvey (2000, p. 135/136), as razões para a debilitação do modelo fordista
poderiam ser enfeixadas em uma palavra: rigidez. O início da década de 1970 foi marcado
pela recessão econômica nas economias centrais, motivados pelo excesso de capitais e pouco
investimentos produtivos, o que acelerou a inflação. Com o choque do petróleo em 1973,
houve a necessidade de diversificação da matriz energética, ao que as empresas aproveitaram
para implementar mudanças tecnológicas que, ao mesmo tempo em que significassem
melhora da produtividade, realizassem enxugamento da capacidade produtiva não utilizada e
também poupassem mão-de-obra.
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Estudo realizado entre 2000 e 2006, a partir de dados do Sistema de Contas Nacional, elaborado pelo IBGE,
evidenciam que do total de 93 milhões de ocupações, em 2006, 42,4% eram formais, 22,5% referiam-se aos
empregos sem carteira e 35,1%, aos trabalhadores autônomos. Ou seja, 57,6% dos ocupados no país estão
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3.1. O trabalho no setor informal como alternativa para o exército industrial de reserva
Apesar de parecer contraditório, boa parte dos trabalhadores do setor informal pode
ser encarada como componentes do exército industrial de reserva, na modalidade estagnada,
conforme classificação marxiana apresentada acima. Isto porque muitas vezes encontram-se
nesta situação por terem sido expulsos do mercado formal, ou sequer terem conseguido um
espaço neste, e se valem do setor informal como forma de sobrevivência.
Uma forma de conceituar o trabalho informal é fazê-lo como uma definição negativa
em relação ao que seria o trabalho formal. Estes seriam os vínculos de trabalho regulados por
um contrato válido, formalizado, de acordo com os regramentos trabalhistas vigentes no país.
Todas as outras ocupações que não se adequassem a essa condição é chamada de informal.
Em geral, são os trabalhadores sem carteira assinada ou por conta própria.
Trabalhando com dados entre 1982 e 2001, percebe-se um forte crescimento do setor
informal no Brasil (SABADINI; NAKATANI, 2011). Pelas informações geradas pela referida
pesquisa, o setor informal cresceu de 40% para 50% dos ocupados no país, com
correspondente redução do trabalho formal, que chega em 2001 com 45% dos ocupados.
Este processo de crescimento do setor informal é sensível em praticamente todo o
mundo. Segundo de Mike Davis (2006), cerca de 1 bilhão de trabalhadores estão alocados
neste setor e é o que tem maior crescimento atualmente. Na América Latina, segundo dados
do Banco Interamericano de Desenvolvimento, cerca de 57% da força de trabalho está
inserida no setor informal e este ramo da economia oferece quatro de cada cinco novos
“empregos” (DAVIS, 2006, p. 177).
Tal fenômeno não se concentra apenas nas economias periféricas. André Gorz estima,
em 1990, que entre 35% a 50% da população trabalhadora britânica, francesa, alemã e norte-
americana encontrava-se desempregada ou desenvolvendo trabalhos precários, parciais, que
ele chama de proletariado pós-industrial (apud ANTUNES, 1998, p. 45). Vê-se que a
mundialização do modelo produtivo reestruturado teve impacto significativo no mundo
inteiro.
Aumentando a contradição e complexificando o próprio conceito de exército de
reserva, o próprio processo de reestruturação produtiva incentivou o retorno de sistemas
integrados ao setor informal no que se chama de setor informal. Mesmo descontando-se certo contingente dos
autônomos que são proprietários de seus próprios meios de trabalho, o número de informais no Brasil é
extremamente alto.
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Tal informalidade, além de uma forma desesperada pela sobrevivência e inserção dos
trabalhadores desempregados, constitui-se em espaços de flagrante exploração da mão-de-
obra, com utilização de tecnologia antiquada, baixo investimento de capital, natureza
excessivamente manual de sua produção, misturando em uma forma rebaixada de produção
não apenas aquela superpopulação relativa, como também parte dos trabalhadores clássicos,
centrais na produção, mas em alvo de fortes doses de precarização. Não obstante, os lucros
obtidos destas atividades são altos, com enorme acumulação de capital, além do setor não ser
tributado e registrado. Na realidade, segundo Mike Davis (2006, p. 181), a maior parte dos
participantes da economia informal trabalha direta ou indiretamente para outrem, sendo
verdadeiros empregados invisíveis e não formalizados.
O saldo deste processo é a transformação no modo de controle do trabalho e do
emprego e do solapamento da organização do trabalhador, visto que manter estruturas
sindicais ou similares nestes espaços quase mafiosos ou familiares é perigoso ou não encontra
eco nos trabalhadores, explorados por membros da família, com quem mantém relações
subjetivas. “Politicamente, o setor informal, na falta do respeito aos direitos trabalhistas, é um
reino semifeudal de comissões, propinas, lealdades tribais e exclusão étnica (DAVIS, 2006, p.
185).
Em sentido semelhante, Izabel Lira (2006, p. 137/139) vê a informalidade como uma
“funcionalidade estratégica ao capital, na medida em que se articula às diversas cadeias
produtivas de forma direta através da terceirização, ou indireta na esfera da circulação, de
modo a rebaixar cada vez mais os custos da produção”. O setor informal se funde ao capital,
como fundamento deste, e não simplesmente como opção de vida para os desempregados.
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Segundo José Murilo de Carvalho (2001, p. 215/217), haveria uma categorização informal, na prática, da
cidadania no Brasil. A primeira classe de cidadãos, os “doutores”, formada por 8% da população, com
rendimentos acima de 20 salários mínimos, para os quais não há limitações na lei, pois são guiados pela lógica
do privilégio. A segunda classe seriam os “cidadãos simples”, a classe média modesta, os trabalhadores com
carteira assinada, pequenos funcionários públicos e pequenos proprietários urbanos e rurais, com rendimentos
entre 2 e 20 salários mínimos e conformando 63% da população, que é alvo da aplicação parcial e incerta dos
Códigos Civil e Penal. A terceira e última classe é formada pelos alcunhados de “elementos” no jargão policial.
Formada pela população marginal das grandes cidades, trabalhadores urbanos e rurais sem carteira assinada,
posseiros, empregadas domésticas, biscateiros, camelôs, menores abandonados, mendigos. São “invisíveis
sociais” e tem contra si apenas a aplicação do Código Penal. Segundo o autor, seriam 23% da população.
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reserva e seus efeitos apropriados pelos capitalistas, mas discorda do autor alemão no que
pertine ao crescimento contínuo do exército de reserva.
Para esta visão, o desemprego estrutural, com a criação do exército de reserva,
implicaria na oferta de mão-de-obra barata, que seria utilizada em novos setores da economia.
Estes novos setores utilizariam esta força de trabalho para produção de novos lucros,
reinvestidos na modernização tecnológica, que pouparia mão-de-obra, num ciclo virtuoso de
expansão do capital. Segundo esta teoria, o exército industrial de reserva, deliberadamente
produzido, seria importante para o progresso do capital, mas não se manteria muito tempo
desempregado.
Nesta concepção, as relações entre capital e trabalho devem retornar a uma lógica de
autonomia individual, sem proteção especial do Estado, devendo o Direito do Trabalho se
relacionar apenas ao tangenciamento de relação trabalhista (realizada entre sujeitos
autônomos), incidindo sobre condutas empresariais discriminatórias, material e moralmente
danosas (FREITAS, 1999, p. 92).
A questão central é que o argumento liberal de que a expulsão de mão-de-obra de um
setor seria rapidamente incorporado por outro ramo não condiz com a situação atual. Com a
informatização da economia, que atinge não só o setor industrial, como o de serviços, ambos
promovem descarte de mão-de-obra, que não encontra trabalho em outro ramo, a não ser,
quando muito, na precariedade produtiva do setor informal, em formas ilegais de
sobrevivência ou em bolsas assistenciais do Estado.
4. Conclusão
5. REFERÊNCIAS
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O relatório do Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas (UM-Habitat), intitulado “The
challenge of slum” (Os desafios das favelas) de 2003, assim se posiciona sobre o assunto: “Em vez de foco de
crescimento e prosperidade, as cidades tornaram-se um depósito de lixo de uma população excedente que
trabalha nos setores informais de comércio e serviços, sem especialização, desprotegida e com baixos salários”...
“Isso é resultado da liberação da economia” (apud DAVIS, 2006, p. 175).
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