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,) 141 HISTÓRIAS DEVIDA: TRANSMISSÃO INTERGERAClONAL

E FORMAÇÃO'

Martine Laní-Bayle/

oâmbito das narrativas de experiência, tal como po-

N dem ser postas em prática, qual é a parcela de aconte-


cimentos percebida? Como restituir a memória? Que
memória, e a partir de quais escolhas e quais distorções? O que
fazer de tudo isso e com que objetivo? .;/

Partindo dessas questões, procurarei, aqui, pôr em evidên- fi?


cia as específicidades desenvolvidas ao longo de minha prática.
.Se o rocedimento bio ráfico ermite construir e con uista ~
sua história narran o-a -e dando-lhe forma,.formar-se -, elJL F
dá acesso também a essa dimensão da anterioridade pela im- ~
ortância conferida ao e e Ó ico na ênese a essoa tanto
pessoal quanto cultura! .Desse modo, introduzo o que deno;
fF
JIlino de clínica narrativa, via a "história de vida genealógica" ~
, e "geracional" ou "geradQrà', que assim categorizei. E essa ante-
.,I· ~
..•.rioridade possibilita o acesso à cultura...
Pois, estudar a parcelados acontecimentos que se revelaram
marcantes na vida de cada um, do modo como a narrativa os

~
manifesta, e segundo o grau de proximidade experimentada,
tanto no espaço quanto no tempo, põe em evidência a anteci-
pação aprisionante, na construção dos saberes, partindo-se dos
mais próximos e familiares' para os mais distantes. Disso decor-
re a eficiência possível do' trabalho, com base em narrativas de
.-
~

F.
experiência em formação - o que, no entanto, não deve estimu-
lar a subestimar seus limites nem seus riscos.

1 Tradução de Marcos Antonio de Carvalho Lopes, professor do


Departamento de Educação ..e da Pós-graduação em Educação da
UFRN.
2 Professora titular em Ciências dá Educação da Universidade de Nan-
tes, www.lani-bayle.com

__ --'I
I 2981 Histórias~e vida: transmissão intergeracional e formação ., Martine Lani-Bayle 1299
~
~ .1
I
~~ ,[
. ~ ~e vida produção de sentidos a partir d~ fa- Mas, foi mais precisamente a Escola eleChicago (1915-1940)
"
tos temporais vividos, como Gaston Pineau costuma d~fím-l~s_ que deu origem às histórias de vida, COI n o estudo de Thomas e
~ I Znaniecki, em 1918, sobre os camponeses poloneses. Trata-se,
:@ ! ~rgiram, primeiramente, como corre~te ~e pesqulsa e • e
reflexão em_sociologia e, em seguida, ~o ~~blto da formaçao~ na verdade, da primeira pesquisa de campo, reconhecida em
~ Após uma rápida apresentação desse histórico, pretendo ~os . sociologia, utilizando documentos biográficos, e que resultará
~ trar, de modo breve, as principais etapas ~ue me condu~l:a~, em uma obra: de sociologia da imigração. No entanto, de 1930
primeiramente, à sua descoberta, em seguida, a d~senvo ve- as a 1970, aproximadamente, a tendência a quantificar os fatos so-
~
1l~
e, finalmente, a ensiná-Ias ou utilizá-Ias em pesquisa. ciais continuou a aumentar a demanda de questionários, son-

~ª Surgimento geral e posição-das nar~ativas de vida na


. formação e n~pesqU1sa
dagens ... As histórias de vida, pouco reconhecidas e ainda num
estágio artesanal, caíram na "lixeira da história", antes mesmo
de serem verdadeiramente conhecidas .
~
No centro desse intervalo, entretanto, a abordagem começou
~ a conquistar credibilidade, desde os anos 1950, na Itália, com os
Como modalidade de expressão, as "histórias de vidà: não trabalhos de Franco Perrarottí, em 1961, a partir do México,
~
são recentes, Ninguém precisou esperar a E,scola de Chicago com a obra As crianças de Sanchez, de Oscar Lewis, mostrando
~ -, falar de si a alguém ou para escutar alguém, nem mesmo a
uma sociedade por meio da visão de urna família do interior;
8 ~:~utica nem a psicologia, bem-mais t~rd~:.Mas a abo~dagem no início dos anos 1960, na França, com Daniel Bertaux. Ao
aSSImnomeada, apesar' de suadesign~çao slmples,~ facilme~te
S compreensível, evoca uma prática particular que foi ~.~tr?duzlda
mesmo tempo, as narrativas de prática se desenvolvem,assim
como as observações e estudos longitudinais, habilitando as
!li tardiamente e "de contrabando';' co~~ semp~~. ~~.r.r::a?ast~n" . metodologias qualitativas. Uma parte da sociologia torna-se
8 Pi~eau, no seio das ciência~ soc~als. M~sm? nao sen o .' . "compreensiva" interessando-se pelo sentido que os atores so-
....a.
~
facilmente recorrhecidasporsua validade c~entlfic~ ~nq\l~~() • \\ ciais dão, eles mesmos, aos seus próprios atos .
. és uisa,: elas' foram' propostas na f~rmaçao de- adultos em .
;8 ~irtGde de-seu efeito formativo,distanclando:se~entretanto; das
Contudo, foi apenas a partir dos anos 1980 que essa cor-
1 \


.'
rente abarcou uma gama considerável de domínios. E mesmo
abordagens com objetivo abertamente terapêutíco. .
i'i,. se sua validade ainda permanece em debate, a abordagem é
cada vez mais freqüentemente utilizada e ganha legitimidade

•,,!
til'
De onde surgiu essa abordagem?

o contexto mais próximo de seu surgimento remonta ao fi-


nal.do século XIX, quando as Ciências Humanas c,omeç~ a
nos diversos campos das Ciências Soe laís (notadamente em
Sociologia Clínica e em Ciências da Educação). Essa corrente
não nega a perspectívamílítante da gernção de 1968, que pro-
curava romper com a história única das elites e lutar contra a
ai ganhar autonomia, em relação ~ Filosofia,. às.Letras.e.às Ciên- hegemonía do número em ciências, que havia alcançado, nesse
ínterim, as Ciências ditas humanas. Ela recomenda, igualmen-
cias Exatas. Na Alemanha, onde a tradição filosófic~ sem que:
~) te, o retorno do ator, desenvolve as abordagens humanistas e


rer 'abandonar o modelo do sentido. e permanecer vmc.ulada a
tã da história Wilhelm Diltey colocou as bases epísterno- integra perspectivas dialéticas. A articulação da teoria com a
ques ao, d C' • . d t re prática desenvolve-se, então, na formação de adultos, a partir
.,;
~
,~ lógicas do método biográfico, ~is,ti.nguin o lenc:as a na u -
za (explicação) e Ciências do espírito (compreensao). .
das Ciências da Educação.

~
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~
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Martine Lani-Bayle 1301
,;360'1 Hi~t6rias de vida: transmissão intergeracional e formação
1~;\f" .;. ....
,y;," "
essa
quê. razão, precisavam sabe
Os adultos . r o que lh""es tinha acontecido e por
..ps
jr~~ , .
,pes'quisadores-práticos organizaram-se em redes desde
-1'983. No plano internacional, a ASIHVlp3 foi criada, em 1991, recusavam-se a'l~~: ~:~~hqam elhssesfsalabere~ausentes sobre elas,
• ue es tava. Suposta t
em.'torno de uma carta que define o quadro e os limites dos p.rotege-Ias.de ~prendizagens difíceis ou dolorosas mque;~~~~a
.procedimentos a serem adotad6s em pesquisa-formação. Des- ziam respeito diretamente.' 1-
. de então, essa corrente se propaga cada vez mais, infelizmente,
de forma, muitas vezes, anárquica e sem as mínimas precauções
de base quando se toca nas e pelas práticas sociais e públicas, na Poder c:ntar /ua história para viver a sua vida,' dando-lhe
ma orma que lhe corresponda e a revele ...
vida priváda das pessoas.
No entanto, sua legitimidade, no âmbito das Ciências Huma-
nas, parece hoje reconhecida, uma vez que seus procedimentos . ~o longo de minha prática, as crianças foram os meu .
mostraram sua fec.undidade heurística._Mas, ainda assim, ela .,cipais mestres nesse domínio A exp .•. fi' s prm-
lado delas mostrou-me que nã~ adiantaenenCla. pro sSlO~al ao
coloca a questão de seu uso na formação em diferentes idades
e de suas frónteiras com as técnicas terapêuticas. Nos planos
político e midiático, ela necessita também de parâmetros, numa
to, nem .tentar (~poste:iorJ. desviá-lo co:fa~::so
;esmo l;por
;~1~~~:~1I1~::
interdições de saber': Sem fazer uma ob~essão
época em que testemunhos, injunções de memória e de narra- "interdíc ~o, nem uma obrigação de lembrar-se, ou ainda uma
tivas constituem-se, ao mesmo tempo, uma banalidade e uma erdíção de esquecer", autorizar uma visão policrônica t
necessidade, quaisquer que, sejam as, circunstâncias reflexivas versal, ~ue permita desvelar a história, sua históri t rans-
que possam acompanhá-Ias (sobretudo fora delas), e até na "te- suas ongens como em seu di . na, anto em
equilíbrio ;~tre essas. dua:Yi~~~~0;~::!~:s'p~~~Si~r~~7~pu:
linha" televisiva.
uma. memona .escolhida ou transformada. . r
Experiência e descoberta profissional das histórias de vida zin~:Sm~~sdg~sstdêm, ebntreta~to,.aoportunidade de descobrir, so-
e de sua ação formadora , e sa eres contidos em si
ainda desconhecidos inscientesr E 1 bmes~o, .mas latentes,
b '.' sse sa er insciente- é o
~se.sa, e sem saber, o que se sabe sendo proibido saber ou sim-
Desde os anos 1970, comecei a praticar as histórias de vida ~lesmente, falta.palavras ou-ocasiões para dizê-lo O' '. m-
sem saber ou sem designá-lasassim. Na verdade, na minha prá- e o que se sabe para além' ou, a uém da .' mS~I~nte
tica de psicóloga clínica, numa instituição de Ajuda Social à 1n- Pois, quando viv 1 .' '." q .' s palavras para dízê-lo.
t fi emos a go, ISSOse inscreve dentro de nós Nã
fância". eu acolhia, à época, crianças que nem sempre careciam se em orçosamente os meios para recu á1 1· . . o
de uma terapia. Entretanto, necessitavam de "cuidados" - mas, para. contar e.assim poder (re)apre.sep:t~~ro,-t~;neá~l~ng:n:~:~'
no sentindo de "cuidar" deles e não no sentido terapêutica do mas
. .ISSOcontínua
, no nosso ínteri nor. 15'·
.·. ··.. d essa constataçã
iante P ,
termo. O que elas buscavam, na verdade, era compreender a ínscíente e um saber que não se sabe ( . d ) _ o, o
~~a, ou o que sua Vida tinha sido até então para elas e, por. direito de se conhe . ain a, porque nao tem o
a ocasião de se ex ressar simplesmente, porque não teve ainda
potencial, nosso ~forJ.:r ~qo:::l~t~l. Isso c~nstitui nosso estoque
. ' e que nao se tem (ainda) for-
3Associação Internacionaldas Históriasde Vidaem Formação. (N,T.)
4 Administraçãoque Ije ocupa de crianças que, sob ordem judicial,
devem ser retiradas, por um período mais ou menos longo, do seio
da famíliade origem em situação de carência. Essas crianças são en- Traduzimos msus nao sabirdos, não conhecidos) por "inscientes".
5(N.T.) lI' "( -

tregues a uma famílinque as acolhe ou a uma instituição, até que a


situação se normaliZEI
~
ee , -
3021 Histórias de vida: transrrussao . t er geracional
in e formação

Martine lani-Sayle /303


.~
~'=
A função formadora da narrativa
~
a Essa potencialidade formad\9ra, entretanto, não se origina
~ de uma narrativa simples, natural; é necessário, com base num
dizer que "relataria" apenas o que se produziu em nossa vida,
evidenciar vüículos com o que é evocado, transformar esses di-;

.-
~ zeres em informações, as quais vão "informar" sobre essas evo-
cações e "formar" tanto o narrador como os ouvintes.
~
I
Informar, E isso o que os fatos evocados podem nos ensi-
I nar, e isso é a base: nós anotamos e registramos. De qualquer
• I
~'
modo, temos necessidade disso. Porém, esses fatos nada signifi-
~ cam, se estiverem isolados da pessoa que narra, desencarnados.

~
~
li
! I
A constru<rãp de saberes não pode se satisfazer dessa primeira
etapa. De posse dessas bases iniciais, convém buscar o que os
fatos evocados fizeram ao narrador (ou seja, a "narrativa de ex-
periência" decorre desses fatos evocados e deixa surgir o "expe-
If',
.1
''<''

íl rienciado'; resultante das provas atravessadas tal como foram


.! relatadas). Em seguida, é' necessário tentar tomar consciência
"
I,
;J do que o narrador fez de tudo isso (ou seja, a "narrativa de for-o
'I mação'; que se pode extrair do nível precedente) .
q
i Considerando-se bem e para ir da ín formação à instrução,
!
';':1
trata-se de transformar, via narrativa e a formação por ela pro-
movida, o material bruto, insignificante, isoladamente, numa
~ empresa de sentido, via a consideração e o entreGruzamento


;8
;I
~ cada vez 'lU~ a, . ãesencadeada, conduz a uma
quando uma narratIva, :sslm to isso e eu nem mesmo sabia
~exclamação de surpresa: eu con
, ue eu sabíal', _
com o experienciado. E isso ao longo de ~s etapas, não crono-

caso O primeiro
mas fre üentemente, entrel
nível sirva de ponto de partida:
1: os fatos ("eu relato" - aspecto de agenda, escrita "pla-

••• q

rior à "relação
,
Tudo iss~ me levou a co~ce
Ctr ~
ber o insciente como algo ante
O seu crisol, aquilo que nos
sabe:~a~~:r essas potencialidades, ligá-
permite constru - o.. azer do tempo da narrativa, articulan-
na") exterior 7 (interior)
• 2: o que isso me causou e/ou me causa ("eu explicito" _
reflexiono) exterior f-7 interior
Ias ao que se produziu afuntes_ otencialmente formadora da • 3: o que faço com isso ("eu reflito" - "reflexão": toda uma
do-as, é o que nutre a nçao p
história!) interior 7 (exterior)
narrativa biográfica.,
Retomemos essas três etapas (LANI-BAYLE, 2006), fazendo
uso dos pontos de identificação espaciais e temporais. O pri-
meiro tempo recebe e marca o gue é cantado do mundo, o gue

.~-.. _- ... _--.- .... -


Martine Lani-Bayle1305
304 \ Histórias de vida: transmissãointergeracional e formação

Por uma história de vida transgeracíonal


toca e atinge a pessoa, o que ela "retém": é a fase foto- ráfic
-descritiv~ As p avras nao estão lá naquele momento, elas pre- Meu pai não acreditou dever me'f' . , -
cedem e seguem ao mesmo tempo o que é captado. A segunda
fase gira em torno da impressão, uma vez que compõe um qua-
mitiu o que ele havia tocad u '" t
"às coisas que ele me lego [ ] F ~rnec~r.lns~ruçoes relativas
em silêncio que me trans-
o sem rases [",] e eu fiquei sozinho
~
sobre a nova margem, ~
dro impressionista, com base em como a luz é vista (tanto quan-
Pierre Bergounioux6 ~
to a sombra), de onde escapa imagens que marcarão. A fase de
expressão, que daí se origina, esculpe nossa representação do ~
mundo,articulando uma terceira dimensão às duas preceden- Mas nossa história posta em 1 ("""
tes. A conceitualização está a caminho e, mais adiante, servirá a expressão de Paul Ricoe~~ 198~)av:a~ . em mtnga, segundo
ou será utilizada pela ficção (pondo em relevo o fato de que as do narramos, começamos eralm se micia antes de nós: quan-
ses antes-de-nós-mesmos "g en:e por esses antes, e são es-
palavras não são a vida, mesmo se elas a evocam). As palavras " que constituem nosso p é
contam sempre outra coisa diferente do que se produziu, pro- esse anterior não é inerte ' ele se fiez sem nós mas elr -texto. Ora,
curando colar mais ou menos ao factual. Uma vez que são da ba d e ter coisas a nos diz'er, COIsasque contribue,e nunca aca-
ordem da répresent~\ção e não do vivido). constituição. Interessar-se por elas b m para a nossa
interessamos por nós para ' a ertamente, quando nos
Na etapa documt'ntal inicial, o eixo é cronológico, é aquele . ,gerar nosso próprio
rníte que nos aproximemos da il percurso, per-
do tempo dos relóglos. Para a segunda etapa, o eixo é tempo-
antes de nós, e que desatado d;~ó~ ,;ue se pr~duziu sem nós,
ral, isto é, organizado no tempo de modo pessoal, e o tempo
psíquico que dele resulta não se sobrepõe ao preceflente, mas
se forma com o ate mporal do inconsciente, como observou
Socialmente, isso autoriza igualmente e pr?d~ZlU ao seu modo.
em um destino fatalmentere d a por a prova as crenças
gerador de alteridade, mas t~~é~t~r que se re~e~a,não apenas
/.
I
Freud. A últimá etnpa contribui para a constituição do eixo
ao desenvolvimento coleti e laços SOCIaIS.Em relação
histórico, que ultrapassa e transcende a reflexão, tornando-a . lVO, em um dado m
n ecímento conduz també ,_ omento, esse co-
h m a uma inversao entre gerações.
-produtiva.
Dito de outra forma: .'
A importância da dimensão intergeracional nas
Unicia-se uma etapa inaugural de busca, de abertura e de narrativas de vida

encontro;
2.nesse encontro, cada indivíduo imprime sua marca pes- Ela não lia sua própria vida, segundo um modO ', -
que os outros lhe haviam
r'
dei d de utilizaçêc
erxa o em suas mãos?
soal naquilo que reteve e que se torna no "memorável",
Milan Kundera
para retomar a expressão utilizada por Maria da Concei-
ção Passeggi (2005), etapa ativa de assimilação/acomo-
. A dimensão intergeracional od .
dação recíprocas;
3.segue-se uma fase de recuo, de diferenciação.
dida com a ajuda dessa ima em f
u e ser, m~ls bem compreen-
, e começa a lhe contar' M g ~ m a~o poe seu neto no colo
. eu avo me disse que o pai dele... Se
É por meio desse tríplice processo que se manifesta a função
; Todas as ~pígrafes foram traduzidas.
formadora das narrativas. Cf. uma figuração proposta or EI' b
de doutorado na UniversidadeP d e Nlsa eth Heutte em seus trabalhos
antes,
~
Martine Lani-Bayle 1307
~ 3061 Histórias dlil,\Jida: transmissão intergeraciona.1 e formação

~
ba
J!l:'= considerarmos uma distância padrão de trinta .anos,entre as ge-
vidas que não viveu e que, no entanto, não ignora totalmente,
visto que pode escrevê-Ias: o insciente manifesta nisso o parado-
rações..e se o neto nasceu em 1990, ess~ ~imples fal~,far' pouc~
~ xo central de sua expressão ..
;:a a pouco, existir na criança, e to~na f~~ihar,.aprese~ça ~e uma
pessoa nascida em. 1840, ou seja, ~a exat~ente.u-~ seculo e Chamei essa rática de história de vida genealó ica LANf-_

:=~:~
iit meio antes dela, É assim que semamfesta O IntergeraclOna~ BAYL~, 1997aj 1997 :. escrever-se no te~Q anterior a si
vi,( da narrativa e da relayão com o resente esse contato ue
4
próprIo, através da escrita dos. antepassados (no sentido amplo
~ do termo - e não somente no sentido 8MétjcoJ) No entanto,
~'t 'si es a el~tre
j§iu ~ssC;
1:- U1!.Ura uy
as gerações está pa~::o
desenvolvimento ~ e~ próPfl;nar: não .se trata, através dessa abordagem, de uma pesquisa
desviada ou voltada para o passado, mas sim de uma tentativa
~ J,'ativa.É atrav~ dele que dominamos o mundo (LANI-BAYLE;
de isolar uma configuração da qual se participa, a partir de um
ai ~
TEXIER, 2007)k~e entr~o~a cultunv que se inicia no~
_. determinado momento, momento voltado para aqueles que nos
r-.=t-. A partir daí, pode-se dizer que todo mundo, para en~rar ~a
precederam. Ele autoriza o estabelecimento, não de certezas,
~vi~entemente, mas, na verdade, de um relativismo: o passado
~ cultura, deveria possuir, flutuando em seu context~, ou seja, dIS-
e tao vasto, rapidamente infinito, que é bom, então, que se
~ poníveis, esses elementos de vida que fazem sua vida no tempo,
escolha suas marcas, suas balizas, com base em pistas variadas
para' construir-se, não somente em carne e oSS?,~as, com e em
~ e múltiplas, e que cada um vai compor ao seu modo, todas
palavras. Via o processo de escrita conectado a vida, esboçam-
te~do os mesmos direitos, mas grande parte permanecendo,
~ se, nesse sentido, várias perspectivas no modo de fazer des.sa
felizmente, esquecida. Com essa argila, cadaurn pode se tornar
?-li vida, que nos ultrapassa no tempo, do começo ao fim, uma hIS-
autor de um texto pessoal, compondo com esses ingredientes
tória que será um pouco a nossa, ou a dos nosSOS... ~o lor:go
~ que surgem do passado, tanto individual como coletivo.
de minha experiência, descobri'assim três grandes onentaçoes
8
~ para um procedimento, que esbocei anteriormente •
A "história de vida geracional"
~
A "história de vida genealógica"
~
Tais procedimentos. de histórias de vida genealógicas são
~.
atualmente, mais ou menos usuais, enquanto a memória entra
-,
, Recolhendo seixos e cinzas, deixadas pelos antepassados -
na moda - embora maltratada ou, até mesmo, explorada -, a
face aparente da transmissão -, e duplicando esse trabalho por
g~~ealogia vende bem e em todo lugar, as árvores ditas genea-
~ um efeito de eco, qu:e por si só pode dar novamente ,c~rne ao
lógicas florescem, do mesmo modo que as narrativas de família.
d'-
.--'
esqueleto, incompleto, exumado, graças a alguns ve~tlgl~?Sres-
O que há de ainda mais grave é se passar de um uso espontâneo
tant 'ossível realizar, pela escrita, o que chamei de art
~) para uma recuperação quase obrigatória e não refletida: o passo
reve " ou se' a, dar a luz às essoas das quais descen emo
da generaliiaç~o e do efeito automático é dado com freqüência.
~\ . .ssa abordagem autoriza, cada um e nos, a atualizar uma p~r-
Mas, nem por ISSO,se faz necessário que essas múltiplas derivas
-) te de nossa "dimensão noturna'" ,.pois é possível que alguem
.. matem o que, com sabedoria e lucidez, se pode esperar de tal
'""'"" se surpreenda ~sctevendo, talvez até com facilidade, partes de
-tentativa que, aliás, não esperou virar mania para se expressar.
", Ela surge até mesmo quando não é solicitada diretamente. Foi O
,.. 8 Cf. Chemins de formation n° 9, octobre 2006, « La transmission inter-
que aconteceu durante algumas de minhas aulas na Universida-
~ de Permanente de Nantes (LANI-BAYLE, 2000,2001).
gérationneI1e», p.90-101.
I) 9 Cf. Gilbert Durand ou Gaston Pineau .
.ã;)

:;;:
3081 Histórias de vida: traru.rnissão intergeracional e formação
Martine Lan~-Bayle/309

Diante de um título, utilizado para estimular "experiências


a questionar também a neta. "Você pode tent h
formadoras", ou simplesmente, "experiências de vida", boa par- diz ele m . ar me con ecer,
te dos participantes upresentou, espontaneamente, experiên- . ; "as ~u, como posso saber quem você é se você não
me dIZ ..... Caindo na própria armadmí .1 '
cias genealógicas. E, então, a perspectiva se ampliou e passou, viés, escrever-se. a, e a consegue, por esse
abertamente, do córrego à fonte: o retorno aos antepassados,
disseram: os mais velhos, eu não faço issopara narrar a história ?utra estudante do-grupo apropriou-se também
desse ro-
d~, nem para falar de mim através deles, mas para transmitir cedimenre, ~o qual presente e passado se interrogam mufua-
explicitamente, e com minhas 'Palavras, esse passado aos meus ;nlente e, rapídamenrs, não se sabe mais qual gera o outro A ~"Z!
~
descendentes, às gerações seguintes. o:t~aonto que o avô de uma aluna se pôs a escrever ao avô' da
e só ~~fesse modo, o [ue a escrita torna possível é excepcional ~
Esse procedimento, que, por definição, vai do passado para
o futuro, chamei, para distingui-Ia em seus objetivos e em seu e ~ara ser exp orado. As gerações não necessitam ser ts
olhar temporal diferente da precedente, de história de vida gera- c?nt~mp~raneas para dialogar. Pois esse diálogo se dá no inte- @:;;j
cional. E observei que nossos antepassados também não espe- rtor e ca a um no presente. Ele toca cada um de nós e contríb '
para nossa constituição. UI ~
raram para produzir textos semelhantes. Encontrei documen-
tos escritos por certa bisavó, ou deixados por certo ancestral, e . ~as era nece.ssário também dar um nome a essa forma er-
dedicados aos eventuais e hipotéticos bisnetos, nos quais falam mítída pela escnta e descoberta por Edith L' .p
C h" . aunois. pensei en-
, de si, dão conta dos grandes acontecimentos da vida, freqüen- sao, ,em. istoria d~ vida generantelO, para permanecer na lÍnha
temente, recolocados em época futura (JACQUARD, 2000). A emanne, dos dOIS termos precedentes A idéia de " ticí
presente"lJ la b fi . . par rcipio
preocupação com a transmissão e a antecipação sempre exis-
prontament~~l~ol~~'d~ss ee~~~~;:~e:ce~:1a~:%potenciais foram,
'tiram e sempre foram .mais ou 'menos conscientes.· Notar, não
sem um pouco de lucidez ou mesmo de provocação, que trans-
mitimos justamente aquilo que não se diz ou o que não se quer De Édipo a Hermes ...
dizer não apaga esse desejo de controle, muito pelo contrário ...

A "história de vida geradora" ti. .~usaan~~réc~;~f~~~:é~ s~~:r c:~s~~;~ ~~~~i:e~~~;~~r~~~~


~t-wtX>-
Michel Serres
É nesse ponto q\le a situação pode mudar e uma forma de
interatividade se instala, para além dos tempos. Não sabendo Houve um tempo em qu ' . b
triangul L . _. e ousei que rar a representação
como escrever sobre seu avô que ela não havia conhecido (por Preud ar, p ana, pal-mae-filho, chamada de edipiana desde
ter morrido antes de seu nascimento), uma estudante, durante , e propus uma representação em volume estendend
um dos meus cursos, decidiu escrever-lhe uma carta, reunindo ~~~; e~a base de duas di~ensões, a temporalidad~ genealógic~:
as perguntas que ela gostaria de lhe fazer. Surpresa! Na sessão . 0- e ao mesmo tempo espaço e ar e estí ul d
Im
seguinte, a jovem chegou com uma resposta do avô. Uma car- em relevo (LANI-BAYLE 1997a p 35-62) H an o a 'pensar
, ,. ~.. ermes servia bem
ta cheia de vida, na qual foram expressos esboços de respostas
cuja pertinêncía, no que concerne ao personagem principal, ;~ Chamado pelo nosso grupo "o princípio d'Edith.
desconhecido, era incontestável. Uma "correspondência" se es- A autora chama de "histoire d ' "
mando que se trata de um '0 o de v!e generante", "générant", afir-
tabeleceu sobre essas bases, mas, rapidamente, o avô começou s~nte do verbo" générer", ~gs
trad Iln,guagem e=
o partiSípio pre-
pio presente de "gerar" por via erud~:~~~dUO~ISSj~.~te particí-
t
, \," "-----310 I Hist6rias ae VIUa, •• ~"-"

, I, " ',-
Para urna I..u.un..••fi•..••• -- 0- ,
, I , -, d títuír É' dipo de s~as fiUl.~,es/na verdade, mais c.ompl/:addaf! \
Para es , ,'Eu concordei , ;semp!e, t a"lvez hOJ'e maIS
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;t . do que "cqmp exas. bstituiçã'O;.'mantendo, contudo, algum IUma vez a pessoa reintegrada em sua história. reconhecida
;§ " que nUJ1ca codm
.: oese~~:s~oam~aç~:e a ideologia bate à porta, ' ,através da realidade de sua Wência ~ensorial, emocional e QUo.
reserva, q u
an o ',' , ,( ti4iana, ela pode,assim encontrar nela ()s-vestígios de ~\l.i12re-:
~,

=decessores (sobretudo, DO senti~õ p.slllMi;o e simIóli-co LP-:ara


~,
~\ od " " a artir de tais ·bases que é
:.9 possíveL a cada um. construir sua 12I2. I ia !;&W. ntegra a em.
ifj Naquele livro fundador (op.~~t;;p.l ô), eu dizia o seguínte: , umIF perspectiva piramidal,: a 'p.ess.aa..]luderá ocURar, em uma,
lin~~em e em uma cultura social, o lugar que ela fará s'elJ..

ª
~.
;jj
,,

,
.' "o ento de' cultivar esses enig~as.
, Deixemos, portaYlto um:m ~ entem suas estéreis nostalgias:
d
lembro - e nunca é emals~"íI ug do certamente mas
d d de ret,ornílr ao passa ,
trata-se, na ver a e,
' 6 .
Ih '. propulsar adiante. ~ quando n ,S í
I
É nesse sentido que propus essa ext ensão da abordagem de
hist6ria 'de vida, para uma ,éifnica dó gcnealágico, que consiste
em fazer aparecer um modo -de inteliglbilidade da história ge-
:9 como uma mola para .me °tr se u não queo pa's'sado agarra. '1;.- racional (e, portanto, generativa) que n os forma e que pode' ser
" o ignoramos volunt~nam~n 6l,O " ,'" I
): assim formulada: como falar de si próprio verticalmente, atra-
~!
, .vés da narrativa de seus antecedentes! E nota-se que essa fala, se
?ti 'd roc~~irtlento geneal6gico; geraci~nal\', ' não for freada, se exprime quase sozinha, toda narrativa .de vida
Quer se trate e um P . ,'.. hiun deles se vol- ,
"
.,Q d sua: aparêncIa, nen ., origina-se, naturalmente; naquela dos ascendentes~p-ossi.
~. ou generante, apesar e a o futuro. Olhar para..ftente'torna ,
vel cZ{nlca narrativa e g.enealog'Íca mostrabna verdadeLc'omQ' st;,..
ê", '"\.. I ta para o pas~ado, mas p~ num carro, para avançar com um "
&"possível ir adiante .•~ 'COID " . os olhar o que se passa '--:='-;--:-, od smo dando à luz',aots) mai~yelho(s) or
~:, i ·
m Olmo
de segurança n ós pre.cIs;un
" 'd "á p: à~~~os {Com,efeito! ó passa o
d meio da narratiy.a..É.a..q!le...C.Onstltuia "gênese- o..s.ab.ei,'.~.'
~'!'"
atrás justamente por on e J, " , ,. Mas, sabemos; muitos passados são dolorosos. Tentar livrar-
",I \ ,' . ' t com' o av co v - se deles, tomar uma distância necessária, não modifica o que se .•
F8:i.;,.. ~ passou. As palavras, do mesmo modo que, as suas articulações
.,Q, ' "

~ o,e', ',\ somente nesse caso ara s , ..' . . numa história, não têm esse poder e não devem, também, fe-
.ICiItI. n' ; , , 'de
um cuidado necessário ,~om o conheci- char o acesso à memória, ou mesmo acentuar recaídas, tentan-
~"·II'f,·.
. :', . Trata-se" pOlS, . ue é útil na perspectiva de forma-
mento e o reconhecImento: q am muito menos espaço do "lavar" a memória, No entanto, as palavras, as frases podem
- areial (os retrovlsores,ocup . servir para modificar a relação que' cada um pode manter com
çao, mas p b . d niodo i'lteral), servindo para onent~,
~

!",:",..
;í ;.:..,
que o pára- nsa e d: se vem, 'co$preender o solo que s.eplsa
para perceber de on f idídade. Mas esses procedlme~-: :
1 esse passado, do qual ninguém é obrigado a ser vítima passiva.
Apesar de toda essa'passagem do sensível ao inteligível, mes-
,

-, paisagem com sua pro un . ,, -, d t mo sendo eficiente, ela é das mais árduas a nego dar. Insisto no
'",,- e a _. d se vai, '~ sobre essas"bases tu o res a,
tos na,o dl2:m para on _e trata de um fun em si mesmo, cada fato de que essas propostas e pistas de pesquisa não autorizam a
portanto, a IDventar. Nao se ~ P diz o que ainda não acon- recuperação das técnicas de narratividade reflexiva' em um qua-
rocedimento indica, mas nao re,. '_ , dro Injuntlvo, funcionandosob a proteção de comandos externos
P anhã ainda' não está, esc;nto se ele a ,
tece' ,.' intrusos, e com objetivos que escapam à pessoa Interessada. A
, t m não se r,a a e melutável con
com o on e I ,."
1 "
, única atitude vital possível, face à expressão do percurso biográ-
ainda menos de uma fàtalidad;t', fico de cada um, é feita de respeito e de dignidade conjugados,
_ .... \_---

----------
I 312' Histórias de vida: transmissão intergeracional e formação

Martine Lani-Bayle , 313 .


I
Perspectiva arco-íris

li f
Confiantes nesses procedimentos ó
que somos produzidos e/o- ,n s tomamos consciência ~~
A evocação de situações extremas não deve esconder o or- . somos o produto de nPo queb(pordaque,les) que produzimos (nós ~
ssas oras evída) - .
dinário, que tece o essencial de nossas existências e serve de .~omente, por aqueles que no duz . e nao mars, ou não ;
. s pro UZIranr Um '- ~
trama às diferentes narrativas de vida. Ordinário esse que se rníte escapar da fatalidade m . . A' vtsao que per-
• ~

encontra, não somente ao longo do tempo e dos tempos, mas finitamente, criadores daq~iloas ~:Ja eXlgenc~a ~ nos tornar, in- ~
se mostra tão semelhante para nós, independentemente das di- tempo, do qual não p d q nos constituí e devedores do ~
ferenças culturais e sociais. Assim sendo, a narrativa de uns se amanhã. Para conse ~r ei~~s escapar, ,?ara viver. hoje e, talvez,
~
.!Q!Jla Q eco des.encadeador da narrativa dos O..llJrQs. É, aliás, o mãos, tomando cons~iêncÚt d~ a:::r;çoes ~ec:sslt~m se dar as
que nutre o essencial de nosso interesse pelas biografias, tanto nos chega dos mais jovens' "M q fil~ansmIssao é, in fine, o que ~
históricas quanto contemporâneas. raizes", observa Tím Gué . deus 1 o~ tornaram-se as minhas ~
nar .corn a ucidez q ,
É, pois, antes de mais nada, toda uma perspectiva de rela- re a s escritores que sabe - ,ue a escnta confe-
m o ue uer dIzer escrever a vid~ ~
ção social que se estende com base nesse procedimento clínico,
~
tanto mais aberto que a sua expressão se desenvolve no tempo e
A guisa de postscriptum: delegação entre geraçoMes .
~
que essa relação social se torna relação entre gerações. Diga-me, ... ou. como
como era quando você era pequeno(a)? É um questionamento-
se aprende o mundo? ~
tipo, permitindo construir uma temporalidade que distingue
I os períodos, criando a amplidão que os separa "de geração em A memória familiar não é trans "
adquirida, nas interações ord' " md,tlfda. ~as precisamente
. geração" (segundo a fórmula já consagrada), depois, de séculos manas a amdla e sem vontade

I
em séculos: Entre as leituras mais propícias para desencadear explícita de transmitir,
.narrativas pessoais e escritas, quase involuntariamente, sem in- David Lepoutre
tenções, encontram-se esses textos genealógicos e geracíonais,
senão (re)generantes. Um projeto reflexivo aponta
para o que está próximo d p~ra a transmissão dos saberes:

I
UnPdas mais ricas ilustrações que se pode acrescentar a vivência, posso me contenta edmim e/ou concerne à minha
essa observação encontra-se nos contatos entre gerações, nas construir saberes. Esse fato r e ,pegar, narrar e, desse modo,
casas e lares de repouso, onde entre mais velhos e jovens há chama de "autoformação" ;proxlma-se do que Gaston Pineau
trocas e estímulos de narrativas, orais e escritas, sobre a vida tanto no espaço como no' te~ersaI?ente, o, ~ue está distante,
de uns e de outros, regenerando os mais velhos ao mesmo tempo para desenvolver um sab po, e necessano ser aprendido
em que regenera os mais jovens. Laços ancestrais são assim cria- er a esse respeit N '
delegação entre gerações é post o, esse processo, uma
dos espontaneamente, intercâmbios de histórias que despre- a em marcha:
zam inscrições, tanto genéticas quanto de estado civil, e que,
no entanto, funcionam, esboçadas por intenções tais como a
frase que deu início à segunda parte deste texto: Meu avô me
disse que seu pai ... e que será respondida por uma palavra de
criança sobre sua própria vida e sobre seus projetos, sobre sua
inscrição no mundo ., que, para ela, se fará na medida em que
vai falando de si. .
I

I , , de vida,
3141 Histórias " trans missão intergeracional

Geração 1
, ,
e formação

Geração 2 Geração 3
Martine Lani-Bay/e 1315

Antlga Agora
• com o corpo, mas sem saber, para os primeiros: a geração
dos ancestrais;
X
r Vivido .., ' - ", Xou- - - • com a intuição, para os segundosl2;
(sem palavras)

ª X
• com o intelecto, para os terceiros.

ª ~
U Ressentido I X X
(por contato.
sem vivência)
- Na continuidade desses trabalhos sobre o intergeracional,
realizamos urna pesquisa, intitulada Chemtns de Formation.

~ª -
X

Aprendido.
llil2
Parcours mêlé de Ia persohne et des idécs que se interessa pela
gênese da relação com o saber na perspectiva das "grandes
testemunhas'; ou seja, das pe.ssoas que tiveram como profis-

ªª
-~+
+ "você não são (ou como vocação) elaborar e publicar pistas de saber ou
fiQiIlliiQ
~, "'Sabero.J ~
Reclamado viveu isso, de reflexão. A narrativa do seu próprio percurso de formação,
;si voei ndo pode
ou
(em falta) saber.." recolhida principalmente sob a forma de vídeo, constitui uma
(mídla, TV) fonte eminentemente formativa, tanto para os ouvintes quanto

ª
Conquistado
illYU.d2
"não posso para o narrador, a exemplo de suas produções mais clássicas.

I c'
:E1
~
- - dos saberes entre gerações
saber,foi
antes de meu.
nascimento",
As narrativas videogravadas põem em relevo e fazem viver de
outra maneira. Ainda nes~a perspectiva, desenvolvemos uma .


pesquisa internacional, realizada na Universidade de Nantes
íiI Quadro 1. A transmíssão-cnação
Evénements et jormation de Ia personne. Ecarts Internationaux
ri et intergénérationnel (LANI-BAYLE; MALLET, 2007j LANI-
". dor, r
colunas. Vamos partir de .um BAYLEjMALLET, 2007), da qual o Brasil participa. De fato. tais
ij
Esse quadro deve ser 1 o ~( t po" e atingiu diretamen-
acontecimento que s
e passou no em
, oluna da esquerda: eles po er~o
d _ . aborda ens inte ram-se, exatamente, no que se pode chamar
das Ciências que seriam "humanas" - pa.rtin o o humano e a,
*
te a geração dos ancestrais, c te esse acontecimento, mas nao serviço o umano.
i ter vivido e ressentido fortemen I s para dízê-lo e transrni-
;,
..- dispõem necessariamente de pa avra dos (por eles ou pelo
c oibidos ou recusa
tí-lo, se eles roram pr _ . I tariamente um problema,
6f ) EI terão entao, mvo un ,
entorno. es .' tal pela geração seguinte que, em

~
~ " uma zona ressentida como d á
contato com e es, c
não conseguem, s
1 ompreen er que
ozinhos encon ra
,
houve alguma coisa, mas
S b
t r palavras para isso. a e-
, I
d de consciência possrve .
rão mas intuitivamente, sem toma a tido como ausente, pois
' - 1 r o saber ressen 1 ,
Poderão entao rec ama de elos precedentes. As pessoas
~ foi retido, contra a sua v~ntd~ , p em da vivência direta, nem
- - vao lspor n _
da terceirageração nao _ id de de aprender (a funçao 12 « [".J enfant, déjà, avant même de savoir parler et me taire, {avais
!j ti do Terão entao necessi a
do ressen 1 • t abem: senti et donc su de quoi mon pere vou/ait nous protéger et ce quoi iI
da escola começa aí) o que os ou ros s . tentera toute sa vie de nous protéger (Gi/a lustinger, Nous sommes,
fij Stock 2005, page 76), "[",J criança, já, antes mesmo de saber falar e
me calar, eu tinha sentido e logo percebido que meu pai queria nos
~ proteger e isso é o que ele tentará por toda a sua vida",
~

--------_ _-------.
.. __ _----_._- - -
...
3161 Histórias de vida: transmissão intergeracional e formação

Referências
14/ A PERSPECTIVA DE GtNER
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS O ~~S ESTUDOS SOBRE

JACQUARD, Albert, A toi qui nést pas encore néie). Lettre à mon
arriere-petit-enfant. Calmann- Lévy, 2000,
LANI-BAYLE, Martine. Taire et transmettre. Les histoires de vie au Cynthia Pereira de Sousa 1
risque de I' ímpensable, Chronique Sociale. 2006,
_' L 'histoite de vie généalogique, d 'Oedipe a Hermes, I must be conscious that no one is
L 'Harmattan 1997 et De femme à femme à travers /es générations, h wel! qualified as myself to d escn ib e
50

Histoire de vie généa/ogique de Caroline Lebon -Bayle, 1824-1904. tJ eh series of my thoughts and ac tilons,
o n Stuart Mil! (Autobiography, 1873)
L'Harmattan 1997,
___ ' L' histoire de vie généaIogique, d' Oedipe à Hermês,
L'Harmattan'1997a et Defemme à [emme à travers Ies générations,

D
_' Histoire de viegénéalogique de Caroline Lebon -Bay/e, 1824- esde os anos 1970, pelo men '
passou a dar grande i ,os" a pesquisa acadêmica
1904, L'Harmattan 1997b, no gênero autobio ráfi~ortancIa, a textos produzidos
_' Taire et transmeure. Les histoires de vie au risque de to dessa forma de express!a dos ~~?~strullldo teorias a respeí-
I' impensable, Chronique Socíale. 2006, para a emergência desse int )~Itos, Uma das explicações
_' Enfants déchirés, enfants déchirants, Editions Universitaires 1983, rencialidade" (NEUMAN l~~et;e fOI a, chamada "crise de refe-
LANI _BAYLE,Martine; TEXIER, François, Appivoiser I' avenir pour auto-representação do su.'eito A' ou se!,a, ~a representação e da
et avec les jeunes, Bntretiens intergérationneIs avec André de Peretii, e havido como internam;nte ~stá~u~le ~u (selj), até então tido
Mare et Martin, 2007, Chemins deformation n° 9, octobre 2006, « La mo tendo passado por des 1 ,e, unificado e coerente, mes-
envo vimento e d
a ser a!vo de questionarnentos n, ,mu ança, começou
transmission intergérationnelle», 90-101.
LANI-BAYLE, Martine; MALLET, Marie-Anne (Org.).
jeito como alguém construído
produto de um nexo de dis
1~r
~e~rIas que explicavam o su-
1st/rICa e culturalmente, como
Evénements et formation de Ia personne. Ecarts internationaux et ' , cursos cu turais A - ,
intergénérationneIs, Tome 1 e Tome 2, Paris: r.:Harmattan, 2006, fi
01 muito bem analisada P St .Aquestão mais geral
" or uart Hall - '
mas d as ciências sociais ' a crise dos paradig-
LANI-BAYLE.Martine; MALLET.Marie-Anne (Org.). Quarante ans , , - caractenzada p I d
SUJeIto, expondo sua instabilidade ,e o ,escentramenta do
apres mai 1968, Regards intergénérationnels rroísés. Contribution de Gaby do uma visão ou concepçã " , e m,ultIp~icldade e instauran-
Cohn-Bendit, André de Peretti, Edgar Morin, Paris: Téraedre 2008, o mais social e interativa do sujeito,
PASSEGGI, Maria da Conceição, ",car l'autobiographie donne sens
et forme à Ia vie. Chemins de formation au fiI du temps, Nantes, n.B, 1 Professora associada da Universidade de São Paulo-USP,
p,178-185, oct. 2005, )
RICOEUR, Paul. Tem/'s et récit, 1. L'Intrigue et le récit. Paris: Seuil,
1983, Chemins de farlllatian aU fil du temps .. , n° 9, octobre 2006,
éd, Téraedre, « Histoit es de vie généalogique, générationnelle et
générante ».

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