Você está na página 1de 38

CADERNO DE ESTUDOS

T R I L H A S PA R A A B R I R O A P E T I T E P O É T I C O

O QUE É O PROJETO TRILHAS

D esde 1995, a NATURA desenvolve o Programa Crer para Ver, que tem o objetivo de contribuir para
a melhoria da qualidade da educação pública do Brasil. No contexto desse programa, o Instituto
Natura desenvolveu, em parceria com a Comunidade Educativa CEDAC, Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público, o projeto TRILHAS, que visa orientar e instrumentalizar os professores e diretores
de escolas para o trabalho com os alunos de 6 anos, com foco no desenvolvimento de competências e
habilidades de leitura e escrita.

Este material contribui para ampliar o universo cultural de alunos e professores, por meio do acesso à
leitura de obras da literatura infantil. A escolha da leitura como principal tema do projeto justifica-se
por ser uma estratégia mundialmente reconhecida como determinante para a aprendizagem e melhoria
do desempenho escolar ao longo de toda a vida do estudante.

Esperamos que você possa utilizá-lo da melhor forma para que a melhoria da educação pública seja
concretizada em nosso país.
Para que um Caderno de estudos

ste Caderno tem a finalidade de aprofundar os conteúdos das atividades propostas nos Cadernos de
orientações do conjunto Trilhas para abrir o apetite poético, dando especial atenção aos processos de
aprendizagem da criança. A intenção é fundamentar a prática pedagógica, aprofundando os conteúdos e as
aprendizagens das situações sugeridas nos Cadernos. Partimos do pressuposto de que determinados tipos
de aprendizagem são favorecidos conforme o planejamento que se faz e como a atividade se desenrola, ou
seja, como se dão os procedimentos de atuação do professor. O planejamento é a principal ferramenta do
professor, na medida em que se tenha clareza do objetivo da atividade e que se seja capaz de antecipar os
desafios lançados às crianças. Justamente por essa razão, damos especial atenção para analisar como, para
que e por que propor as atividades aqui recomendadas.

Este Caderno está organizado em três partes:

Na primeira, há uma apresentação dos conteúdos dos Cadernos de orientações deste conjunto e dos
materiais específicos que a compõem, com detalhes sobre como e por que foram pensadas as propostas de
atividades a ser realizadas com as crianças. É nessa parte que também se definem o trabalho com livros e
as letras das canções dos CDs e os benefícios desse tipo de texto para as aprendizagens de leitura e escrita
das crianças.

A segunda parte está organizada em torno de como se trabalha com os textos poéticos. Nela você poderá
compreender melhor os conteúdos tratados nas atividades sugeridas nos Cadernos de orientações, refletin-
do sobre a melhor maneira de apresentá-los às crianças, de forma a favorecer as aprendizagens esperadas.

Na terceira parte, há um glossário e uma bibliografia. No glossário você vai encontrar as definições de ter-
mos que estão destacados com uma cor diferenciada nos Cadernos de orientações. Criamos esse glossário
por acreditar que um maior aprofundamento nos conceitos que fazem parte do conhecimento da língua
ajuda o professor na formulação e condução de suas atividades em sala.

Na bibliografia há a lista dos livros e materiais que foram consultados para a concepção e escrita do mate-
rial que compõe o conjunto Trilhas para abrir o apetite poético.

Desejamos a você um bom estudo!


2 |T R I L H A S
3| C a d e r n o d e e st u d o s
PARTE I. APRESENTAÇÃO DO CONJUNTO 7
Abrir o apetite poético. 7
Organização dos Cadernos de orientações deste conjunto.
Mesma atividade, novos desafios.
Textos poéticos: O que são, o que se aprende e o que é preciso para
ler e produzir.
PARTE II. O TRABALHO COM TEXTOS POÉTICOS 15
Os textos poéticos e as crianças. 15
Conhecer o livro. 15
Escutar e ler textos poéticos. 16
Visualizar a estrutura do texto.
Memorizar e recitar. 19
Aprender a recitar para declamar.
Brincar com os sons a partir do texto. 20
Brincar com o ritmo do texto.
As rimas, assonâncias e aliterações nos textos poéticos.
Brincadeiras sonoras.
Participar de atividades de atenção ao texto. 23
Corresponder um texto memorizado ao texto escrito.
Ler para localizar e ordenar palavras, versos e estrofes.
Ditar um texto ao professor.
Escrever palavras, versos e estrofes.
Aspectos a serem considerados no processo de ensino
e aprendizagem 27
A escrita como sistema de representação.
Para além da dicotomia “certo ou errado”.
A diversidade de conhecimentos das crianças.
PARTE III. GLOSSÁRIO E BIBLIOGRAFIA 31



6 |T R I L H A S
7| C a d e r n o d e e st u d o s

Apresentação do conjunto
Abrir o apetite poético
esde pequenas as crianças brincam com a linguagem. Começam explorando os sons, seus efeitos e
intensidades. Em todas as culturas, os adultos – especialmente as mães – utilizam uma linguagem
diferenciada ao se relacionar com os pequenos. O discurso materno é mais sistemático e rítmico que a
fala ordinária entre adultos ou mesmo crianças maiores. As mães lançam mão de uma série de recursos,
com uma fala que tende a ser repetitiva, pausada, com modulações e entonações, para despertar a atenção
e gerar receptividade nos filhos. Elas se fazem valer dos mesmos recursos presentes na poesia.

É evidente que, da perspectiva dos bebês, os temas e as palavras são incompreensíveis. Portanto, os aspec-
tos sonoros e poéticos podem ser considerados como uma estratégia das mães para ampliar a interlocu-
ção com seus filhos. É a partir de estímulos como esses que os bebês começam a produzir linguagem. A
“primeira fala” que emitem é repleta de sons que se assemelham a jogos fonéticos – que vão preparando o
desenvolvimento posterior da linguagem.

Conforme as crianças crescem, essas brincadeiras vão se transformando e passam a criar ruídos para re-
presentar objetos, como, por exemplo, um carrinho (vrummmm). Pouco a pouco, elas começam a brincar
com as rimas, com as formas de diálogos e com a própria comunicação. Perguntam-se: “Você sabia que o
sabiá sabia assobiar?”; divertem-se imitando o outro falando com um sotaque diferente e brincam com as
palavras (“Pepe qué qué mamá!” ou “Pedro Calil caiu no barril”).

As crianças logo descobrem que as palavras podem encantar e iniciam suas primeiras construções poéti-
cas, estimuladas pelo próprio prazer que essa brincadeira gera. Mas podem também ser incentivadas nas
escolas, por meio de situações que contribuam para o desenvolvimento desse apetite poético. Os textos
poéticos são ótimos para serem trabalhados nessa etapa da escolaridade: ao mesmo tempo que estão mui-
to próximos desses jogos com a linguagem, favorecem o ingresso na cultura escrita.
8 |T R I L H A S

22 | TRILHAS

Atividade 8

Ler partes da história

professor convida as crianças para ler os trechos do livro


Pêssego, pera, ameixa no pomar, fazendo desse momento uma
leitura compartilhada.

Roteiro de trabalho
Preparação
Marcar nas frases da história as linhas que você vai ler e as que as crianças lerão. Organizar cantos com diferentes
jogos para as crianças que não realizarão a atividade com você nesse dia.

Organização do espaço e das crianças


Essa atividade deve ser realizada em pequenos grupos. Você pode organizar as crianças de forma que, enquanto
dá atenção especial a um grupo, as demais crianças realizem outra atividade que tenham condições de desen-
volver sozinhas (por exemplo, brincar com jogos conhecidos). Ao longo de alguns dias, você fará essa mesma
proposta, de forma a atender cada grupo separadamente.

Orientações para o professor


Contar às crianças como será a atividade. Você pode fazer uma roda e explicar que elas vão trabalhar em
grupos e, enquanto você faz uma proposta com um grupo, as demais crianças podem escolher um jogo bastante
conhecido e que saibam jogar sozinhas, também em pequenos grupos.

Explicar às crianças, já no pequeno grupo, que elas lerão com você o livro Pêssego, pera, ameixa no pomar.
Você pode dizer: “Hoje vamos ler juntos esse livro; eu leio uma linha e vocês leem outra”.

Combinar que as crianças lerão uma de cada vez. “Eu vou ler a primeira linha dessa página, e um de vocês lê a
segunda, depois eu leio novamente a primeira linha da página seguinte e outra criança lê a linha seguinte. Vamos
assim até o final do livro, sempre na mesma ordem, ou seja, primeiro eu, depois vocês, e assim por diante”.
O que as crianças
podem pensar,
dizer e fazer.
Conversar sobre os recursos que elas têm para ler o texto. Você pode dizer: “Se vocês não souberem alguma
Relacionar
informações sobre parte do texto, como podem fazer para lembrar?” Nesse momento, ajude-as a recordar o que elas já sabem sobre
a estrutura do texto
e a relação a estrutura do texto e a relação entre texto e ilustração.
texto-ilustração
para ler.
Iniciar a leitura da primeira linha e indicar onde a primeira criança deve ler. Seguir com essa orientação
Ler partes
da história. durante toda a atividade.

Lembrar a cada criança que ela deve ficar atenta à leitura do professor e à dos colegas para poder realizar a dela.

Possíveis adaptações
Caso o desafio proposto nessa atividade se mostre muito difícil para algumas crianças, você pode sugerir que
acompanhem a leitura realizada por você e deixem para ler em voz alta só as partes que se repetem na história:
“E eu vejo” e os nomes dos personagens.

Roteiro das atividades:


Título da atividade: O título é sempre apresentado do ponto de vista da ação que a atividade convida
a criança a fazer.

Roteiro de trabalho: Tópicos que orientam o planejamento do professor para a realização da ativida-
de. Não precisam ser cumpridos passo a passo. É apenas uma referência para que você possa fazer o
seu planejamento.

Preparação: O que é preciso fazer antes da atividade para que ela possa ser realizada.

Organização do espaço e das crianças: Breve orientação sobre a organização do grupo para a ativida-
de e sugestões de como organizar a sala.

Orientações para o professor: Conjunto de orientações que propõem um encadeamento de ações a


serem realizadas com as crianças.
9| C a d e r n o d e e st u d o s

23 | HISTÓRIAS RIMADAS

tes

o
n-
a

te

Se o desafio proposto nessa atividade parecer muito fácil para algumas crianças, você pode sugerir que elas
dividam os turnos das leituras entre si. Nesse caso, você não participa da atividade lendo as primeiras li-
nhas, mas apenas acompanhando os grupos para ajudá-los na organização da leitura.

a O que as crianças podem aprender


Ao convidar as crianças para ler partes da história atentando para o apoio da ilustração e para a regulari-
dade do texto, possibilita-se que experimentem ler com mais autonomia.

a Ao propor que as crianças se alternem para ler as linhas da história, possibilita-se que elas aprendam a
bre controlar a sua vez de ler e permaneçam atentas à leitura do professor.

O que mais é possível fazer


o Você pode propor que as crianças apresentem essa leitura para outras pessoas da escola. Para isso, é
importante organizar momentos em que as crianças ensaiem e, no dia da apresentação, preparar o ambiente de
modo que as crianças sejam ouvidas e vistas por todos os convidados. Uma dica é explicar aos convi-
. dados que essa é a finalização de uma sequência de atividades realizadas a partir de um livro lido pelo
grupo, e que as crianças se prepararam e farão as apresentações de acordo com suas possibilidades.

e O que é possível fazer em casa


ria: Você pode sugerir que as crianças contem em casa sobre a experiência de ler partes da história sozinhas.

Relacionado a algumas orientações, você vai encontrar um link que apresenta o que as crianças podem
pensar, dizer e fazer a partir das intervenções e ações do professor, de modo a evidenciar o papel ativo da
criança na sua aprendizagem. O que de fato importa é criar condições para que elas produzam respostas
ao que lhes foi proposto, processem as informações dadas e se apropriem delas.

Possíveis adaptações: Orientações para adaptar a atividade proposta, considerando o grau de desa-
fio que ela representa.

O que as crianças podem aprender: Lista de possíveis aprendizagens das crianças, sempre relaciona-
das com as ações do professor na atividade.

O que mais é possível fazer: Sugestões de novas atividades que podem dar continuidade à ativida-
de apresentada ou ao conteúdo tratado.

O que é possível fazer em casa: Propostas que favorecem a troca entre as experiências que a criança
vive em casa e na escola.
10 | T R I L H A S

As oito atividades foram elaboradas a partir do livro ou CD de referência. No entanto, você pode experi-
mentar o mesmo tipo de atividade tendo como base os demais livros e CDs que acompanham o material.
Além disso, essas atividades estão organizadas de forma a garantir uma sequência de propostas às crianças,
envolvendo um aumento gradual dos desafios presentes a cada nova situação. Além disso, é importante
considerar que as situações propostas só têm sentido se criarem condições para promover aprendizagens
concretas. Portanto, a ação do professor deve estar sempre conectada com essa preocupação, adequando o
roteiro apresentado às condições e necessidades de aprendizagem específicas das crianças. Apesar de estar
em um grupo, cada criança é única, e assim dificilmente uma atividade será igualmente realizada e compre-
endida por todas, o que não é um problema.

Nesse sentido, o desafio apresentado ao professor é constantemente adaptar a proposta às possibilidades de


seu grupo e à resposta de cada criança na mesma atividade.

As atividades propostas nos Cadernos de orientações pressupõem, na rotina diária das crianças, momentos
exclusivos de leitura em que elas tenham a oportunidade de apreciar e se divertir com a escuta de diferentes
narrativas e textos poéticos, entre outros. Sabemos que, quando as crianças gostam de um texto, apreciam
ouvi-lo e pedem que seja relido ou recitado diversas vezes. É importante que elas tenham oportunidade
tanto de ler por prazer quanto de aprender a ler e escrever. Nesses Cadernos, as atividades sempre partem
do texto presente no livro ou no CD, mas isso não quer dizer que a cada atividade seja necessário reler o li-
vro ou escutar a canção antes. A proposta é que a leitura dos textos se dê em diferentes momentos da rotina
da sala e que as atividades do Caderno possam considerar que as crianças já têm uma familiaridade com o
texto e seu conteúdo.

Mesma atividade,
novos desafios
As crianças costumam ser imprevisíveis
e espontâneas, além de gostar muito de
novidades. Mas, quando se trata de uma
aprendizagem intencional, é preciso manter
regularidade e continuidade de algumas pro-
postas sobre certos objetos de conhecimento.
O processo de aprendizagem da leitura e
da escrita pelas crianças na escola envolve
necessariamente essas características em relação à construção dos diferentes saberes em jogo.

Ao longo do conjunto de Cadernos de orientações que fazem parte do TRILHAS você vai encontrar uma
diversidade de atividades que se assemelham. Essa semelhança não é casual, pelo contrário, é intencional. A
ideia é que o conjunto de atividades propostas possa oferecer a você, professor, a oportunidade de cons-
truir um planejamento para as atividades de leitura e escrita que favoreça uma regularidade nas situações
propostas às crianças, assim como a possibilidade de que haja continuidade entre elas, contribuindo para a
construção de saberes que precisam de tempo e investimento para serem aprendidos.

Veja um exemplo: as crianças aprendem a brincar de rimar palavras, desde que haja esta oferta de jogos de
palavras ou de linguagem na rotina da qual participam nas escolas. A proposta de que comparem os sons
das palavras pode e deve ser repetida sistematicamente. Nos Cadernos de orientações do conjunto Trilhas
11 | C a d e r n o d e e st u d o s

para abrir o apetite poético, você vai encontrar uma série de atividades que envolvem uma propos-
ta de brincadeira com os sons das palavras a partir de um apoio escrito. Veja exemplos de algumas:
observar e localizar palavras que rimam no texto; fazer uma lista de palavras rimadas; trocar palavras
que rimam no texto (Caderno de orientações Histórias Rimadas e Poemas); brincar com rimas (Cader-
no de orientações Poemas).

Para planejar e desenvolver as atividades propostas nos Cadernos deste conjunto é importante conhecer
as decisões sobre os conteúdos e os procedimentos de atuação e observar atentamente as estratégias que
as crianças utilizam em suas aprendizagens. O planejamento de qualquer atividade implica uma tomada
de decisões (propor que as crianças recitem um poema, por exemplo, implica decidir qual poema escolher,
como recitar e para que recitar). Para dar mais autonomia nessa tarefa de adequação de conteúdo, propos-
tas e necessidades de aprendizagem das crianças, a seguir aprofundaremos conceitualmente algumas das
atividades que fazem parte dos Cadernos de orientações deste conjunto.

O que são textos poéticos


Os textos poéticos expressam a beleza por meio da linguagem. Colocam a língua em primeiro plano por
meio do uso de recursos que fazem a linguagem adquirir forma literária.

Para as crianças, assim como para a maioria das pessoas, o que caracteriza os textos poéticos são a sua mu-
sicalidade (que consiste em um uso característico de vogais, consoantes, cadências e ritmos) e sua forma
gráfica (a disposição em versos e estrofes). Sem esses dois aspectos, sonoro e gráfico, o texto não será iden-
tificado como poético. No caso dos poemas, por exemplo, podemos identificar essas duas características
por meio de recursos como aliteração (repetição da mesma consoante), assonância (repetição da mesma
vogal) e rima (repetição de sons) que se organizam em unidades rítmicas denominadas versos. A combina-
ção dos versos ao longo do poema se denomina estrofe.

A presença de recursos linguísticos que exploram a sonoridade das palavras, conferindo um ritmo próprio
ao texto e favorecendo a construção de significado, é um dos elementos que tornam a recitação atraente
para as crianças, já que elas gostam de brincar com palavras, criando-as e reinventando-as.

Os textos de tradição oral e a literatura infantil têm feito uso dessas propriedades da linguagem e desse
interesse das crianças por canções, poemas, parlendas, histórias com rimas etc. Esses textos poéticos dirigi-
dos às crianças podem apresentar as seguintes composições:

a) Composição oral breve de tradição infantil, com rimas ou aliteração, frequentemente dialogada, que
acompanha a ação e os movimentos infantis.

b) Composição que nomeia uma série de elementos, números, meses, dias, personagens, com ou sem conexão,
por meio de procedimentos enumerativos, encadeados ou acumulativos, e frequentemente com metrificação
irregular, ou seja, sem preocupação com a medida dos versos. Um exemplo é a conhecida parlenda “Um, dois,
feijão com arroz / Três, quatro, feijão no prato”. Nesse caso, os números são apresentados de maneira sequen-
ciada, aos pares, com o apoio de outros elementos a eles associados pela rima (dois/arroz; quatro/prato). Outro
exemplo é a parlenda “Hoje é domingo/ Pede cachimbo/ Cachimbo é de barro”. Já nesse caso, utiliza-se o proce-
dimento do encadeamento – a última palavra de cada verso dá início ao seguinte.
12 | T R I L H A S

c) Composição oral de tradição infantil conhecida como nonsense, por não apresentar preocupação com a
construção de um sentido lógico. Fazem parte desse grupo os textos normalmente compostos de palavras
inventadas, curtas e silabadas que lembram as receitas de feitiço e encantamento como o “pirlimpimpim” e o
“abracadabra”.

É o caso da conhecida brincadeira de escolha “Pomponeta”: “Pom po ne ta / Pi ta pi ta / Pe ta pe ru ge / Pom


po ne ta / Pi ta pi ta / Pe ta pe trim”.

Em relação à linguagem, esses textos geralmente apresentam algumas características comuns que lhe conferem
coesão mediante os seguintes procedimentos: a reiteração, ou seja, a repetição de estrofes, versos, palavras ou sons;
e o paralelismo entre certas características (por exemplo, o verso e a linha, a rima e a expressão de sentido):

a) Possuem um estilo simples, em que se privilegia o ritmo com repetição de algumas palavras, como por
exemplo, na parlenda “Pão, pão, pão, é de leite, é de pão, sapatinho branco, meinha de algodão”.

b) Apresentam estrutura repetitiva com algumas variações, que podem ser o nome de alguém, uma parte do
corpo etc. Por exemplo, na canção A canoa virou: “Se eu fosse um peixinho / E soubesse nadar / Eu tirava
a Maria / Do fundo do mar” (presente nos livros: Brinque-book canta e dança e Quem canta
seus males espanta 1).

c) São breves, com exceção das séries enumerativas e acumulativas, como, por exemplo, na parlenda “Um,
dois, feijão com arroz” ou na canção popular “Um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomo-
dam, incomodam muito mais. Três elefantes...”

d) Mantêm intencionalmente a recorrência de uma mesma estrutura no início dos versos, permitindo anteci-
pações por parte de quem lê ou recita. Trata-se de um recurso denominado paralelismo, marcado pela repetição
entre partes do texto ou entre modos de construção (por exemplo, a construção sintática e a expressão de sentido).
Exemplos: “Este diz que quer comer; Este diz não tem o quê; Este diz que Deus dará; Este diz que roubará;
Este diz: Alto lá!”; “Amanhã é segunda, que preguiça imunda!; Amanhã é terça, você compareça...”
(Parlendas do livro Salada, Saladinha).

O que as crianças aprendem a partir dos textos poéticos


No decorrer de sua infância, as crianças passam por um processo de construção tanto da linguagem oral
quanto escrita. Os textos poéticos são uma fonte de trabalho privilegiada, uma vez que, ao escutar, ler, recitar
e escrever textos como poemas, canções, parlendas e outros, as crianças podem aprender muito sobre a
linguagem e também sobre o sistema de escrita.

O trabalho com esses textos é interessante por colocar em destaque:

a) Aspectos sonoros, já que o ritmo e a musicalidade são elementos próprios desses textos. Esses aspectos
favorecem a atenção sobre o som. As rimas são um bom exemplo: ao antecipar palavras que podem rimar
no final dos versos, as crianças pensam na semelhança do som.

b) Aspectos s, chamando atenção para a disposição em linhas e estrofes, que são formas carac-
terísticas da maioria desses textos. Mesmo nos casos em que há apenas uma estrofe (como as quadrinhas)
13 | C a d e r n o d e e st u d o s

ou um texto mais extenso (como as parlendas que reproduzem diálogos), a organização visual do texto é
facilmente reconhecida e reproduzida pelas crianças.

c) A proximidade entre oralidade e escrita, já que são textos facilmente memorizáveis e próprios para recita-
ção, possibilita que a escrita seja reproduzida de maneira literal, a partir da fixação do texto.

d) A compreensão do conteúdo, uma vez que o sentido do texto se constrói apoiado na forma como está or-
ganizado, com recursos visuais e sonoros, em comparação com textos cujo discurso se articula com menos
paralelismo entre a forma e o sentido, como alguns textos narrativos ou expositivos.

e) A própria linguagem poética com suas particularidades. O trabalho com a palavra em toda a sua poten-
cialidade (sonora, visual e semântica) converte os textos poéticos em fonte de apreciação e exploração da
linguagem literária.

Sendo assim, ao trabalhar os textos poéticos, as crianças, além de terem acesso a textos que fazem parte da
tradição oral brasileira e da cultura da infância, podem:

Jogar com a linguagem, colocando atenção em um aspecto de sua forma ou sonoridade, e começar a com-
preender como ela funciona.

Observar a importância dos recursos gráficos na construção do poema.

Aprender sobre as características das palavras rimadas.

Compreender as relações entre oralidade e escrita.

Aprender sobre as características da linguagem escrita.

Aprender procedimentos de recitação, como ritmo e entonação da voz, desenvolvendo atenção sobre a linguagem.

O que é preciso para ler e produzir textos poéticos


Para que as crianças aprendam a ler e produzir textos poéticos é importante que com frequência sejam
propostas atividades que favoreçam o desenvolvimento do hábito de escutar, recitar e ler textos poéticos.
Essas atividades precisam contar sempre com uma intencionalidade do professor que as planeja, preocupa-
do em envolver as crianças de forma ativa. É somente por meio dessa rotina estrategicamente pensada pelo
professor que será possível criar uma diversidade de tarefas que envolvam as crianças e, ao mesmo tempo, se
desenvolvam os procedimentos fundamentais para aprender a ler e produzir textos poéticos.

Além de incluir a recitação, a leitura em voz alta e a brincadeira com canções na rotina de trabalho, é fun-
damental criar situações em que as crianças tenham de resolver problemas que explicitem o funcionamento
da linguagem poética. Por exemplo, criar novos versos seguindo a estrutura de um poema conhecido, trocar
nomes dos personagens nas histórias rimadas, trocar onomatopeias nas canções.

Ao experimentar com frequência atividades como essas é que a criança vai tendo oportunidade de desven-
dar a linguagem poética, tornando-se gradualmente capaz de ler e produzir esse tipo de texto.
14 | T R I L H A S

CA D
15 | CADERNO DE ESTUDOS

O trabalho com textos poéticos


Os textos poéticos e as crianças

O trabalho com os textos poéticos proposto neste conjunto apresenta uma diversidade de situações
que se desenvolvem em sequência, mas não de forma linear. Estão organizadas como em uma espi-
ral, com diferentes níveis de profundidade se alternando entre a oralidade, a leitura e a escrita, e em que as
falas, ações e pensamentos são distribuídos entre professor e crianças.

Os Cadernos de orientações procuram organizar o trabalho de forma a criar condições para planejar e
realizar as atividades dentro de um percurso no qual as crianças possam conhecer o livro/CD e seus textos,
escutá-los e lê-los, memorizá-los e recitá-los, visualizar sua estrutura, brincar com os sons de suas
palavras e participar de atividades de atenção sobre o texto. Entretanto, essa proposta não pode ser
CA DE RN
TRILH
O DE EST
AS PA
RA
UD OS
LER E
ESCRE
VER T
EXTO
S

seguida rigidamente em um caminho único: ela deve ser adequada às condições de cada grupo de
crianças.

CONHECER O LIVRO
Para
ara saber mais,
consulte

Diante de um livro é normal que as crianças sempre fiquem curiosas. O livro é uma caixinha de surpresas
e logo elas aprendem isso. O primeiro contato com uma obra nova deve sempre contar com a chance de
exploração de todas as informações que a capa aporta (quem é o autor, se tem ilustrações, se já conhece outros
trabalhos do mesmo autor, como é a capa, como são as ilustrações, suas cores etc.). É interessante comparar o
livro em questão com outros da sala, para explorar suas semelhanças e diferenças. Considerando os livros de
poemas e parlendas ou o livro de canções com CD, pode-se explorar também o índice, realizando na frente
das crianças uma prática comum entre os leitores: a escolha do texto que será lido.

Muitos dos livros com textos poéticos são compostos por um conjunto de textos, conforme os sugeridos. Um exemplo
são os poemas, que formam um todo, mas que podem ser lidos isoladamente. Embora a própria natureza desse texto
dê margem à exploração específica de um ou outro poema, é sempre interessante dar oportunidade às crianças de
conhecer o livro inteiro. É importante que elas conheçam o contexto em que aquele poema foi publicado,
verifiquem se são todos do mesmo autor ou se é uma coletânea etc. É interessante que a primeira atividade
realizada seja uma exploração livre sobre o livro (índice, diagramação etc.), seguida da leitura de um ou
mais textos.
UD OS
16 | T R I L H A S
O DE EST
CA DE RN
S
EXTO
VER T
ESCRE
RA LER E
A S PA
TRILH

Escutar e ler textos poéticos


Para saber mais,
consulte
A leitura de textos poéticos permite um trabalho diferente em relação ao que frequentemente se propõe
com narrativas porque implica não só ler, mas também representar a estrutura do texto, com suas peculia-
ridades sonoras e visuais, procurando reproduzi-la oralmente. A voz que lê é muito importante porque
requer cuidados com aspectos próprios da oralidade, como a entonação, a acentuação e o ritmo, aspectos
não verbais importantes em todo contato com um público ouvinte e o respeito à literalidade do texto.

a) Aspectos próprios da oralidade:

A entonação traduz as variações das intenções presentes no texto e permite ao ouvinte, além de diferen-
ciar uma exclamação de uma afirmação ou interrogação, perceber nuances mais sutis, como as emoções
expressadas (alegria, tristeza, raiva etc.).

A acentuação é a ênfase que se coloca em uma ou várias sílabas, palavras ou versos inteiros do poema,
a depender do efeito que se quer produzir no ouvinte. Muitas vezes, essa acentuação é determinada pelas
próprias sílabas que compõem as rimas. Se tivermos rimas terminadas em “ão”, por exemplo, haverá um
acento natural. Quando a sílaba não possuir tonicidade própria, fica a critério do leitor imprimir sua inter-
pretação oral mediante o uso de determinados acentos.

O ritmo, dado pela própria organização do texto, inclui tanto os acentos quanto as pausas feitas durante a
leitura. Pode ter maior ou menor regularidade, a depender do modo como o texto está estruturado. Por exem-
plo: as parlendas dialogadas pedem um ritmo próprio para a leitura, diferenciando-se a voz que pergunta
da voz que responde, seja por meio de uma entonação específica, seja simplesmente por meio de uma pausa
realizada entre uma voz e outra.
17 | C a d e r n o d e e st u d o s

b) Aspectos não verbais:

Qualidade da voz, melodia, pausas, respiração, risos, suspiros.

Atitudes corporais, movimentos, gestos, troca de olhares, mímicas faciais.

Posição dos participantes na recitação: ocupação de lugares, espaço pessoal, distâncias, contato físico.

Aspecto exterior: roupas, disfarces, penteado, óculos, limpeza.

Disposição dos lugares: iluminação, ordem, ventilação, decoração.

c) Literalidade do texto:

Os textos poéticos pedem uma leitura estrita, ou seja, o texto deve ser seguido literalmente, porque há
uma organização interna intencional que precisa ser respeitada para garantir a construção do sentido e a
percepção da linguagem em toda a sua potencialidade. É preciso lê-lo ou recitá-lo tal como foi escrito, sem
mudar nada.

A leitura de textos como poemas, parlendas, canções ou histórias rimadas precisa acontecer mais de uma
vez. Isto porque essa repetição permite às crianças:

Memorizar e participar durante a leitura, acompanhando o professor, “atuando” e antecipando o que se segue.

Chamar atenção sobre a forma ou o significado do texto, já que cada leitura pode revelar um aspecto antes
não percebido.

Conforme participam de diferentes situações de leitura pelo professor e junto com ele, as crianças ganham
cada vez mais condições para atuar de forma ativa na leitura. Essas situações podem variar segundo a ação
proposta às crianças:

Uma leitura em coro, em que elas retomam o texto de memória apoiadas pela leitura concomitante do
professor.

Uma leitura com ritmo e movimento, na qual podem envolver-se com palmas ou gestos, marcando a
musicalidade do texto.

Uma leitura recitada, em que elas se apropriam de procedimentos como ritmo e entonação da voz, desen-
volvendo atenção sobre a linguagem.

Uma leitura em que devem completar partes do texto oralmente, na qual o professor lê o texto, mas, por
exemplo, omite a última palavra da segunda linha, deixando que as crianças digam o que está escrito, ou
omite uma linha, e assim por diante.

Uma leitura em que o professor para em partes interessantes de acentuação do texto, atraindo a atenção
das crianças e solicitando, por exemplo, que repitam uma linha.
18 | T R I L H A S

Uma leitura em que o professor faz perguntas às crianças, como, por exemplo: “O que pensam disto que
está escrito?”, favorecendo que pensem sobre a língua e a linguagem.

É das diversas oportunidades em que escutam e leem textos poéticos que resultará um maior domínio, a
longo prazo, tanto das características desse tipo de texto quanto da leitura e da escrita. Ao manter na rotina
a leitura e a recitação, promovendo variações na maneira de se relacionar com o texto, certamente estare-
mos aumentando as possibilidades de interação e compreensão dos textos poéticos.

Visualizar a estrutura do texto

vejo dois mosquitos pelo ar já voaram pra outro lugar


vejo dois mosquitos na sua perna

Vários movimentos literários, como o modernismo no Brasil, por exemplo, empenharam-se em ampliar o
conceito de poema para além destes três itens: rima, verso e estrofe. Por isso, encontramos muitos poemas
sem rimas e que não apresentam organização gráfica em versos regulares ou estrofes. Os chamados poemas
visuais ou concretos são um bom exemplo. Nestes textos, a disposição gráfica das letras, palavras e frases
procura aproximar-se do conteúdo que está sendo transmitido. Pode-se criar um poema sobre um jacaré
que está escrito graficamente em forma de um jacaré (Jacaré letrado, Sérgio Capparelli, presente no livro
Poesia fora da estante, Editora Projeto), rompendo completamente com a ideia de que todo poema contém
rimas, versos e estrofes.

A rima é o nome que se dá à repetição de sons semelhantes no final da palavra e em diversas posições dos
versos de um poema. Os versos são subdivisões dos textos e em geral coincidem com as linhas gráficas.
A estrofe é um conjunto de versos. Um espaço costuma separar uma estrofe da outra, separando-a das
demais partes do poema e marcando a sua unidade. Há estrofes de diferentes tamanhos e, conforme o
número de versos, a estrofe recebe nomes diferentes (a quadra, ou quadrinha, por exemplo, é uma estrofe
de quatro versos).
19 | CADERNO DE ESTUDOS

Propor que as crianças observem os versos de um texto, além de aproximá-las dessa terminologia própria
de um discurso letrado, também permite que notem que os textos se dividem em partes, e o verso corres-
ponde a uma delas.

Quando criamos situações em que se evidencia a repetição de palavras no texto, levando as crianças a
observarem sua relação com o formato gráfico, as ajudamos a observar a relação entre o ritmo do texto
recitado e as linhas escritas, favorecemos que atentem para a sua estrutura e percebam a relação com a
construção de seu significado. Além disso, ao colocar ênfase na visualização desses aspectos, podemos cha-
mar atenção das crianças e tornar observáveis os diferentes aspectos do texto. A própria visualização pela
criança favorece que ela perceba o que é próprio do texto poético, fazendo comparações com outros textos
conhecidos, como, por exemplo, as narrativas, considerando as características de sua apresentação gráfica.
Por isso, é aconselhável que as crianças tenham a oportunidade de estar com o livro nas mãos ou que possam
observar a escrita do texto em cartazes, na lousa ou em folhas.

Vale ressaltar também que muitos poemas têm estruturas diferentes, e é interessante que as crianças
possam entrar em contato com essa diversidade de possibilidades de representação de um mesmo tipo
de texto. Por exemplo, nos poemas A galinha-d’angola (com versos curtos, de uma ou duas palavras) e
São Francisco (com estrofes longas de 5 versos em cada), do livro A arca de Noé, além de outros sugeridos
no Caderno de Indicações Literárias.

MEMORIZAR E RECITAR
A maioria dos textos poéticos é facil-
mente memorizada por sua organização,
estrutura rítmica e repetições de sons e
palavras. Em razão de sua estrutura, são
particularmente propícios para serem
recitados. Isso também ocorre com vários
textos da tradição oral, que, justamente
por essa organização, se perpetuam ao
passar de geração a geração, sempre da
mesma forma, mesmo antes de ganhar
uma versão escrita.

Essa estrutura dos textos reforça a exigên-


cia de fidedignidade. É impossível fazer
uma paráfrase (dizer o mesmo com outras palavras), uma reformulação ou um resumo de um poema, por-
que isso o destruiria. É necessário repeti-lo de forma literal, ou seja, a leitura ou declamação tem de ser
idêntica ao que o autor produziu. Isso é interessante, pois estimula o uso da repetição de forma diferente
daquela utilizada na linguagem cotidiana, na qual o que foi dito pode ser exato (literal), com uma pequena
variação, com inclusão de uma paráfrase ou reformulando a sentença. Na linguagem poética, a repetição
tem função linguística específica, em que as palavras não são escolhidas apenas por seu significado, mas
porque cumprem um papel sonoro, criam paralelismos gramaticais que isolam as unidades e mostram
como a estrutura repetitiva se apresenta. Essa estrutura ajuda a manter o texto na memória, de modo que
possa ser declamado sempre que desejado. Além disso, a repetição também favorece a previsibilidade,
20 | T R I L H A S

contribuindo para uma melhor compreensão e apropriação do texto, já que a possibilidade de antecipar o
que virá é grande.

Promover situações para que memorizem um poema, uma parlenda ou mesmo uma canção também favo-
rece que as crianças observem uma das características da escrita, a representação do oral. Essa oportunidade
é uma grande contribuição para que as crianças entendam a relação entre oralidade e escrita alfabética. Isso
porque, quando repetimos oralmente as palavras de forma literal, torna-se mais fácil encontrá-las no texto
escrito, pois o que é dito deve coincidir exatamente com o que está escrito. Então, as formas fixas auxiliam
nesse tipo de atividade por facilitar a compreensão da representação da linguagem escrita.

Memorizar um texto requer algum tempo e sistematização. A leitura do texto pode ocorrer em diferen-
tes momentos ao longo de alguns dias. Para que as crianças memorizem, é importante envolvê-las nessa
leitura e, pouco a pouco, deixar que recitem as partes que já conhecem de cor até que memorizem o texto
por completo. Muitas crianças realizam essa atividade de repetição para si mesmas de forma espontânea,
como um recurso de aprendizagem; outras necessitam de estimulação e ajuda do adulto.

Aprender a recitar para declamar


Na escola, temos a liberdade de
propor atividades específicas porque
pretendemos criar condições para
que as crianças aprendam deter-
minados conteúdos. Muitas vezes
são atividades escolares que não se
reproduzem fora desse ambiente.
No entanto, é preciso sempre buscar
um equilíbrio e cuidar para que no
processo de ensino as crianças te-
nham acesso a práticas sociais reais.
Ou seja, é importante levar para
dentro da escola também atividades
com leitura e escrita que ocorrem na
sociedade e que estão presentes entre as pessoas letradas. Uma delas é o sarau, situação na qual recitar e
ouvir poemas é uma atividade com um fim em si mesma. Para terminar o trabalho com poemas, parlen-
das ou até mesmo com canções e histórias rimadas é interessante organizar um pequeno evento em que
as crianças possam apresentar os textos que aprenderam.

Este é o momento apropriado para que exercitem os aspectos relacionados à oralidade (entonação, acen-
tuação e ritmo), bem como a postura adequada diante de um público ouvinte com segurança. Ou seja,
desde cedo dar oportunidade para que aprendam a se colocar, a se apresentar formalmente diante de uma
plateia composta por outros colegas, outros professores ou pais.

Brincar com os sons a partir do texto


A partir da análise de poemas, canções, brincadeiras cantadas, parlendas etc., é possível brincar com os
sons das palavras, bem como manipular as estruturas e características que as compõem (sílabas, rimas,
21 | C a d e r n o d e e st u d o s

aliterações, fonemas). Brincar com os sons das palavras é, então, “pensar sobre a linguagem” para poder
se divertir com ela. Mas por que essa brincadeira com os sons é importante para o aprendizado da
escrita? Muitos estudos dizem que a aprendizagem da escrita alfabética requer uma capacidade espe-
cial, a chamada “consciência fonológica”, que consiste em habilidades metalinguísticas que promovem a
segmentação das unidades sonoras (sílabas e fonemas) e a reflexão sobre esses segmentos. Ou seja, é a
capacidade de segmentar as palavras em seus fonemas e sílabas, saber contá-las e comparar tamanhos.
Nessa perspectiva, atividades que convidam as crianças a brincar com os sons das palavras favorecem o
desenvolvimento da capacidade de segmentar (consciência fonológica), assim como a compreensão do
sistema de escrita.

É importante destacar que a consciência fonológica, ainda que seja necessária para o aprendizado da
escrita alfabética, não é suficiente, uma vez que esta última não se resume a um código, mas, sim, a uma
série de propriedades e convenções.

Ser capaz de segmentar uma palavra em sílabas é um dos indícios de que a criança já está atenta aos
aspectos sonoros da linguagem, o que é importante para que possa relacionar a fala e a escrita.

As brincadeiras sonoras presentes em alguns textos (poemas, trava-línguas, cantigas, parlendas) ou


em alguns jogos verbais permitem que as crianças prestem atenção a esses aspectos da linguagem e se
divirtam com eles, refletindo sobre os sons que compõem uma palavra, buscando aquela que contenha
determinado som, formando novas palavras retirando sílabas ou acrescentando outras. Tudo isso faz
com que realizem diferentes operações linguísticas em que sua reflexão está totalmente centrada nos
sons que compõem a linguagem.

É em brincadeiras como essas que as crianças têm a oportunidade de colocar em prática diferentes habi-
lidades relacionadas à consciência fonológica, pois deixam de tratar a língua apenas como um meio que
permite a comunicação e passam a considerá-la também como um objeto, um quebra-cabeça, em que as
partes se permutam e formam novos textos, novas palavras.

Brincar com o ritmo do texto


Ao propor que as crianças acompanhem
um texto poético com algum tipo de
marcação (como, por exemplo, bater
palmas, estalar os dedos, fazer uma
roda em que se bate com os pés no
chão), favorece-se que atentem para o
ritmo do texto. Ajudá-las a perceber a
relação entre a acentuação das rimas,
a organização dos versos e o ritmo
possibilita que conheçam melhor a
estrutura desse tipo de texto. Isso por-
que, como já foi tratado anteriormente,
os textos poéticos caracterizam-se por uma linguagem construída mediante a junção entre forma e
conteúdo, além de terem a sonoridade como uma de suas principais matérias-primas.
22 | T R I L H A S

As rimas, assonâncias e aliterações nos textos poéticos


Rimas e aliterações são recursos que encontramos frequentemente nos textos poéticos. Como já dito
neste Caderno, a rima é o nome que se dá à repetição de sons semelhantes em diversas posições dos versos
de um poema. Pode aparecer no final dos versos ou mesmo no interior deles. Assonância é a repetição da
mesma vogal no poema, e as aliterações referem-se à repetição da mesma consoante. Os trava-línguas são
bons exemplos de utilização de assonâncias e aliterações, pois repetem, no decorrer do texto, várias vezes a
mesma vogal e/ou a mesma consoante (“A aranha arranha a jarra. A jarra arranha a aranha”).

Quando as crianças reconhecem as rimas, segmentam a palavra para identificar as partes sonoras que são
iguais em palavras diferentes, ou, ainda, quando trabalham com a palavra escrita, elas podem perceber
essa igualdade nas letras finais das palavras rimadas e realizar as correspondências entre o oral e o escri-
to. Isso contribui para ampliar os conhecimentos sobre a estrutura da língua e da escrita alfabética.

As repetições de palavras ou parte delas criam jogos sonoros que contribuem para desenvolver a consciência
fonológica, pois é possível, a partir disso, lidar com a linguagem em sua dimensão sonora, chamando a
atenção para as diferentes partes (as sílabas) que “compõem” as unidades de significado (as palavras e, no
caso dos textos poéticos, os versos).
AS
TRILH

Ao propor que as crianças observem repetições em diferentes palavras – o que ocorre nas rimas, assonân-
cias ou aliterações –, favorece-se que se atenham aos sons que compõem a palavra e não ao seu sentido.
Como dissemos, atividades como essas favorecem as habilidades referentes à consciência fonológica, ou
seja, aquelas que permitem observar a linguagem em seus aspectos sonoros e possibilitam diferentes ope-
rações de segmentação (em sílabas, em fonemas), importantes para favorecer a compreensão do funciona-
mento da escrita. Se, além disso, também se solicitar que observem a relação entre essas semelhanças e as
séries de letras iguais nas palavras escritas, oferecem-se indicações de que a escrita é uma representação da
fala. Apontar essa correspondência também fornece subsídios para que a criança compreenda a natureza
dessa relação, ou seja, permite-se que avance na compreensão de “como” a escrita representa a fala.
23 | C a d e r n o d e e st u d o s

Brincadeiras sonoras
Nas brincadeiras sonoras, o importante é que a proposta leve em conta a regra principal da restrição.
Por exemplo, transformar determinada palavra para que todas as suas vogais sejam A (SAPO – SAPA),
identificar palavras que contenham semelhanças sonoras ou buscar palavras com determinada caracte-
rística (começam pela mesma sílaba). O importante é que essas restrições levem a criança a refletir sobre
os sons das palavras.

As canções monovocálicas são um exemplo de brincadeira sonora e consistem em dizer todas as pala-
vras repetindo a mesma vogal, não importando se fazem sentido, ou não. Quando a criança tem o desa-
fio de transformar, por exemplo, uma canção como O sapo não lava o pé em uma canção monossilábica
(A sapa na lava a pá), o que se pede é que ela brinque com os sons das palavras.

Ao propor diferentes brincadeiras sonoras envolvendo a linguagem oral (encontrar palavras que se
iniciem pelo mesmo som, encontrar rimas, formar novas palavras, brincar com textos monovocálicos),
lançamos desafios que as crianças só conseguirão realizar com sucesso se ficarem atentas à estrutura
sonora da língua.
CADERNO DE APRESENTAÇÃO
UD OS
O DE EST

Além de enriquecer a relação com a linguagem, essas situações também permitem compreender a escrita,
CA DE RN
S
EXTO
VER T
ESCRE
RA LER E
A S PA
TRILH

pois, na medida em que esta representa a língua, favorece-se que as crianças observem essa relação.

Participar de atividades de atenção ao texto


Para saber mais,
consulte
O processo de alfabetização de uma criança se inicia no momento em que ela percebe, em seu meio, os
textos escritos, seus usos, e lhes confere valor: é porque a criança compreende a importância da escrita que
se dedicará a compreendê-la.

Isso pode ocorrer muito cedo, bem antes da entrada da criança na escola, se ela estiver inserida num mundo com
forte presença do escrito. Pode ocorrer mais tarde, às vezes coincidindo com o início da escolaridade formal.
24 | T R I L H A S

Também pode começar quando ela inicia a sua interação com os livros e textos escritos, por exemplo, escu-
tando a leitura em voz alta pelo professor. A participação nessa atividade não precisa esperar a apropriação
do conhecimento sobre o sistema alfabético. Ao contrário, é conveniente iniciar a familiarização com o es-
crito (tanto os escritos funcionais quanto os literários) e a atenção ao texto antes de aprender a escrever ou
ler. Participando de atividades em que centrem a atenção sobre o texto, as crianças começarão a conhecer
suas funções e também os elementos que o compõem: as letras, seus nomes e seu traçado. Começarão tam-
bém a compreender que as letras e sua relação com os sons são arbitrárias, pois se convencionou que
sua forma, seu nome e o valor sonoro a elas associados são algumas das aprendizagens que a criança
construirá aos poucos.

Pesquisas realizadas nos últimos 20 anos indicam que, para aprender a escrever convencionalmente, os
aprendizes passam por vários momentos nos quais ideias diferentes orientam sua compreensão sobre a
relação dos sons da fala e as letras escritas no papel.

Por esta razão, é importante criar ocasiões para que as crianças sejam convidadas a colocar atenção
sobre o texto para logo serem convidadas a escrever (de acordo com suas possibilidades) e colocar
em jogo os conhecimentos adquiridos. Se as encorajarmos a tentar escrever à sua maneira, podemos
compreender o que elas já sabem e o que lhes falta construir sobre o sistema de escrita. Isso permite
realizar intervenções mais ajustadas às necessidades de cada uma.

Quanto mais oportunidades tiverem para escutar leituras em voz alta, observar o texto ao mesmo tempo
que ouvem o que é lido e escrever, mesmo que o resultado esteja distante da escrita convencional, mais
chance terão de explorar, errar, pensar e avançar para alcançar, adiante, o domínio da escrita.

Corresponder um texto memorizado ao texto escrito

Quando ainda não leem e escrevem convencionalmente, atividades de leitura e escrita com textos que
conhecem de memória podem propiciar avanços nas hipóteses das crianças a respeito da língua escrita.
Como sabe exatamente o texto, a criança pode tentar buscar a correspondência entre aquilo que diz em
voz alta e o que está escrito, mesmo que tais correspondências não sejam corretas. Esse ajuste entre o
oral (o que a criança diz) e o escrito (as letras e palavras para as quais aponta enquanto recita) se faz
aos poucos, à medida que ela avança em seu processo de compreensão da escrita.
25 | C a d e r n o d e e st u d o s

O simples fato de solicitar às crianças que leiam acompanhando com o dedo uma parlenda ou outro
texto memorizado convida-as a observar que aquilo que se verbaliza está relacionado ao que está es-
crito. Não é preciso ensinar onde está escrita cada palavra, mas permitir que cada criança, em contato
com as demais, busque essa correspondência para tentar compreendê-la.

Quando é incentivada a ler um texto decorado e acompanhar com o dedo essa leitura, a criança ora
movimenta vagarosamente o dedinho, demorando mais tempo numa palavra ou verso, ora avança
rapidamente e desliza pelas letras. Às vezes, aponta cada letra no ritmo da parlenda ou canção; outras
vezes, cada emissão sonora corresponde a uma palavra. Ela se preocupa em chegar às últimas letras
ao mesmo tempo que pronuncia as últimas palavras. O que parece uma brincadeira, na verdade é um
grande exercício de observação, de controle do que se diz para tentar resolver o mistério do funciona-
mento da escrita.

Ler para localizar e ordenar palavras, versos e estrofes


Propor atividades em que
sejam convidadas a lidar
com as partes e o todo de um
texto também cria desafios
ricos para que reflitam sobre
o texto. Por esta razão é que
nos Cadernos de orientações
propõe-se uma variedade de
atividades para localizar pala-
vras ou trechos. Por exemplo,
solicitar que as crianças loca-
lizem o verso que correspon-
de a um trecho do texto pode
ser uma proposta que coloca
em jogo seus conhecimentos
e indícios gráficos (palavras
ou letras iniciais e finais
conhecidas) para identificar trechos. Tendo em vista que as crianças já conhecem o texto de memória, elas
podem se apoiar na semelhança da escrita para buscar a correspondência sonora.

O mesmo ocorre quando as crianças têm o desafio de ordenar os versos e estrofes de um texto. Nesta
proposta as crianças podem ser lembradas pelo professor de que se trata de um texto conhecido, e podem
repeti-lo em voz alta. Conforme o recitam (pois conhecem este texto de cor) e buscam a representação
gráfica, repetindo sua estrutura fixa, lendo e ordenando os versos ou estrofes, as crianças têm a possibili-
dade de ajustar o que dizem ao que está escrito, além de perceber que há uma quebra de linha ao final de
cada verso, facilitando a localização de cada estrofe.

As crianças podem ter um duplo desafio diante de, por exemplo, quatro estrofes misturadas. Precisam en-
contrar aquela que inicia o poema. Ao localizá-la, têm de ler para verificar se se trata da primeira estrofe, e
para isso usam o que já conhecem sobre os indícios gráficos. E assim sucessivamente, até que ordenem as
quatro estrofes, sempre considerando as ideias que possuem sobre o que está escrito em cada uma.
26 | T R I L H A S

Em propostas como essas, as crianças lidam o tempo todo com a composição e decomposição das partes da
escrita e, assim, refletem sobre o que ela representa (a fala) e como ela o faz. A ideia não é de que acertem
logo no início a ordenação dos versos, mas, sim, que usem argumentos para suas escolhas, cada vez mais
próximos da reflexão sobre a língua.

Ditar um texto ao professor


O processo de ensino envolve sujeitos em momentos diversos do processo de aprendizagem, pois o processo
de ensino é dirigido pelo professor e o processo de aprendizagem é realizado pela criança. Embora o professor
conduza uma mesma atividade para o grupo, cada criança avança de acordo com suas possibilidades. Cabe ao
professor encontrar estratégias para ajudar cada uma, e para isso ele pode assumir diferentes papéis.

Um desses papéis é o de escriba, aquele que escreve o texto ditado. Nessa situação, as crianças devem saber
o que será escrito e por que estão escrevendo. O professor, na medida em que grafa o que é ditado, devolve al-
guns problemas para as próprias crianças resolverem. Pode fazer brincadeiras, exagerar aspectos, errar de propó-
sito, enfim, chamar atenção sobre a escrita. No entanto, seu papel é mesmo o de escrever exatamente da maneira
como as crianças ditam para, num outro momento de revisão, refletirem juntos sobre o que foi escrito.

Enquanto se escreve um texto ditado pelas crianças, verbalizar o que foi escrito e o que falta escrever as
ajuda a considerar a parte e o todo, necessário para a compreensão da relação entre o oral e o escrito. Nessas
situações, o professor tanto pode assinalar a palavra já escrita e aquelas que faltam ditar, o verso já grafado
para conversar sobre o verso seguinte, ou ainda dizer a parte da palavra que já está registrada (as sílabas já
escritas) para discutir o que falta.

Em situações como essas, as crianças podem aprender diferentes procedimentos relacionados ao ato de di-
tar: diferenciar seus comentários sobre o texto daquilo a ser escrito, respeitar o ritmo daquele que escreve (a
escrita costuma ser mais lenta que a fala), reproduzir literalmente um texto e controlar o já escrito e o que
falta escrever, além de assistir à visualização gráfica de um texto que já conhecem de memória.

Ao escrever o que as crianças ditam, assume-se a tarefa de colocá-las, dentro de suas possibilidades, em
contato com a complexidade do sistema alfabético de escrita, pois participam de uma atividade em que está
presente todo o repertório de letras e marcas gráficas da língua (sinais de pontuação, por exemplo), sem que R E

seja necessário saber escrever.

Da mesma forma, que uma situação como esta é uma “janela” para que o professor conheça o que as crianças
sabem, é uma excelente oportunidade para que deixe claras outras características da escrita e do ato de escre-
ver. Vale a pena verbalizar as decisões tomadas enquanto se escreve: assinalar a parte do trecho ditado que já
se escreveu, explicar que se vai mudar de linha porque o verso terminou, apagar determinada palavra, pois foi
escrita muito próxima da anterior ou centralizar o título do texto. Dessa forma as crianças vão fazendo uma
“visita guiada” na complexidade da língua escrita, sem que lhes seja exigida uma resposta específica.

Escrever palavras, versos e estrofes


Escrever é, necessariamente, uma atividade analítica, pois se escreve por partes. Pertence ao ato de escre-
ver controlar o que já foi escrito e o que ainda falta. Se as crianças têm oportunidade de ser incentivadas a
escrever, sem medo de errar, certamente estarão tendo uma chance de ingressar nas práticas letradas de forma
27 | C a d e r n o d e e st u d o s

positiva. Quanto mais escreverem do seu jeito, desde muito cedo, mais garantia teremos de que se alfabetiza-
rão na época esperada.

A atividade de produzir um texto coloca o problema de isolar partes do texto (a competência para analisá-lo
em segmentos) e relacioná-las à escrita. Se, no início do processo, essa relação entre oral e escrito não coincide
com a escrita alfabética, é, ainda assim, necessário que as crianças escrevam do seu jeito. É somente a partir
dessas formas pessoais de escrever que elas chegarão a compreender a escrita alfabética. Nos Cadernos de
orientações, você encontrará uma série de sugestões para que as crianças isolem versos do restante do texto,
escolham a palavra que será escrita, analisem a palavra em sílabas e reflitam sobre quantas e quais letras
utilizarão para representá-las.

Aspectos a serem considerados no processo de ensino


e aprendizagem

Ao ingressarem na escola, as crianças já possuem noções sobre vários assuntos. Em relação à escrita não é
CA DE RN
O DE EST
UD OS
LER E
ESCRE
VER T
EXTO
CADERNO DE APRESENTAÇÃO

S
diferente. Mesmo a criança que vive em ambientes mais isolados tem a chance de construir ideias de como
a escrita se organiza, observando, por exemplo, os adultos que leem ou escrevem e os materiais escritos
RA
A S PA
TRILH

disponíveis à sua volta.

A escrita como sistema de representação


Para saber mais,
consulte
A invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação e não a in-
venção de um código de transcrição. Para compreender o funcionamento de um sistema de representação,
ao aprender a escrever, as crianças se deparam com questões conceituais. Nesse processo, elas precisam ter
oportunidades de pensar sobre a escrita, pois, se apenas copiarem palavras ou sílabas, não terão possibilida-
des de entender e construir os conceitos.

A compreensão do funcionamento da escrita depende da possibilidade de reflexão, e as situações em que as


crianças são convidadas a pensar sobre esse funcionamento podem e devem ser fomentadas e facilitadas no
processo de ensino e aprendizagem. É natural que, ao longo desse processo, construam hipóteses “errôneas”
28 | T R I L H A S

de escrita. Por exemplo, o que pode parecer uma escrita em que faltam letras é a tentativa de escrever, como
se fosse necessária apenas uma marca gráfica (letra) para cada emissão sonora (sílaba).

Para além da dicotomia “certo ou errado”


Somente se aprende a escrever escrevendo – e cometendo “erros”, as chamadas hipóteses. Os erros cons-
trutivos são mais do que necessários para que as crianças aprendam. Esses “erros” são brechas que também
permitem ao professor observar o percurso intelectual das crianças para poder ajudá-las a avançar em suas
reflexões. O mesmo ocorre no plano oral, pois o fato de a criança não ser capaz de verbalizar algo que lhe
foi solicitado não significa que não esteja refletindo sobre a linguagem.

A aprendizagem da leitura, da escrita e da própria linguagem vai sendo construída num processo crescente.
O gatilho para esse aprendizado é justamente a possibilidade de desestabilizar a criança, fazendo-a pensar
sobre sua produção (seja oral, seja escrita). Mais do que classificar como certo ou errado, o que permite
avançar e se apropriar do conhecimento alcançado (mesmo que ainda provisório), é a oportunidade de
pensar e verbalizar o percurso para chegar à resposta dada. Sempre que possível, o que importa é convidar
a criança a justificar sua resposta, pedir que explique o que pensou. Por meio desses questionamentos, ela
é solicitada a falar sobre sua produção e, consequentemente, poderá tomar consciência de seus conheci-
mentos. Isto é o que se chama promover uma reflexão metalinguística e metacognitiva: ir além do “certo ou
errado”, promovendo uma “análise” da resposta dada.

Muitas vezes, apenas saber se acertou ou errou não significa nada, não oferece condições para que a criança
avance. Em compensação, deter-se sobre uma resposta e estimular uma “avaliação” das razões que levaram a
ela pode oferecer pistas importantes para rever, confirmar ou modificar o que se fez. Para ajudar as crianças
neste caminho, compete ao professor inverter o olhar para suas aprendizagens: em vez de observar seus
erros, é importante observar o que já aprenderam.

A seguir, há alguns exemplos, entre muitos, de como é possível enxergar um processo de aprendizagem em
que muitas vezes se lê como erro:

a. Quando a criança já compreende que a escrita representa algo, mas utiliza desenhos de animais para
escrever uma lista de bichos.

b. Quando ela já sabe que, para escrever, são usados símbolos, mas, como ainda não os conhece, usa aqueles
que se parecem com letras, mas são pseudoletras (letras falsas).

c. Quando já sabe que se escreve com letras, mas ainda não conhece todas elas nem sabe como se combi-
nam para formar as palavras, e utiliza uma escrita fixa que repete para todas as escritas (a mesma letra ou
palavra para escrever coisas diferentes).

d. Quando, em relação ao conhecimento anterior, a criança já atribui significados diferentes a cada escrita
(mesmo que sejam iguais ou bem parecidas), já que sua intenção era de escrever palavras diferentes.

e. Quando começa a perceber que há uma relação entre as emissões sonoras de uma palavra e a quantida-
de de letras que se usa para escrevê-la, correspondendo partes do falado a partes do escrito [para escrever
CAVALO, que tem três emissões sonoras (sílabas), utiliza três partes escritas (letras)].
29 | C a d e r n o d e e st u d o s

f. Quando começa a escrever correspondendo partes do falado a partes do escrito, já considerando o valor
sonoro do que escreve [ao escrever PICADINHO, utiliza I (PI) A (CA) I (DI) O (NHO)].

A diversidade de conhecimentos das crianças


As crianças têm conhecimentos diferentes sobre a organização gráfica dos textos e a escrita. Tal heterogenei-
dade, muitas vezes percebida como um fator que dificulta a ação do professor, pode ser colocada a serviço do
trabalho didático e da compreensão da escrita por parte do grupo. Para isto, é importante que se organizem
intencionalmente atividades em que as crianças trabalhem com os colegas. Planejar situações em dupla, trio ou
grupos deve fazer parte da rotina, bem como pensar a distribuição das crianças nos grupos em função do nível
de conhecimento de cada uma. O objetivo deve ser favorecer a troca e a ajuda mútua.

As situações em que escrevem em duplas (isso também pode ocorrer em outros tipos de agrupamentos)
podem ser uma ocasião para que os diferentes conhecimentos das crianças, sobre as letras, seus nomes, seu
traçado e seu valor sonoro, possam ser compartilhados e discutidos. Essas trocas, que são possíveis justa-
mente em razão dos diferentes níveis em que cada membro do grupo se encontra, proporcionam avanços
para ambos os integrantes.

Nas atividades de escrita em grupo, além de colocar em jogo o que sabe sobre o sistema de escrita, a crian-
ça também é confrontada com o saber do outro. Às vezes, há um conhecimento compartilhado por ambos
os integrantes. Em outros momentos, cada um domina informações diferentes, é preciso discutir, apoiar-se
nas fontes escritas do grupo e pedir ajuda ao professor para descobrir quem tem razão. Esse confronto e
uma possível discussão permitem que se amplie o que já se sabia.

Os diferentes conhecimentos também podem ser úteis nas discussões coletivas. Algumas crianças chamam
a atenção para características do escrito que já observaram, contribuindo para que outras tenham acesso
a essas informações; algumas utilizam procedimentos interessantes de consulta aos textos ou palavras já
conhecidos, procedimentos que são importantes de compartilhar.

Longe de representar uma dificuldade para o trabalho em sala, a heterogeneidade de conhecimento das
crianças pode ser grande aliada do trabalho feito em classe.
30 | T R I L H A S
31 | C a d e r n o d e e st u d o s

GLOSSÁRIO
A seguir, você encontrará uma lista, organizada em ordem alfabética, dos conceitos linguísticos destacados
nos Cadernos de orientações. Eles estão organizados na forma de um glossário, pois a intenção é tornar
mais clara a definição das terminologias usadas na escrita dos textos, contribuindo para uma melhor
compreensão das propostas.

Aliteração é uma figura de linguagem que consiste na repetição de uma mesma consoante ao longo do
texto poético.

Atividade metalinguística é aquela que toma a própria linguagem como objeto de conhecimento e reflexão,
exigindo atenção aos aspectos que a constituem.

Assonância é uma figura de linguagem que consiste na repetição de uma mesma vogal ao longo do poema.

Cadência é o posicionamento das sílabas tônicas de um verso que lhe confere um ritmo poético.

Campo semântico é um conjunto de palavras unidas pelo sentido, por exemplo, maçã, banana e limão
pertencem a um mesmo campo semântico (frutas). A semântica é um ramo da linguística que estuda a
significação das palavras.

Coerência é um conceito que tem sido objeto de estudo em diferentes áreas do conhecimento e aqui será
tratado como a relação lógica entre ideias, situações ou acontecimentos em um discurso.

Componente sonoro (figuras de efeito sonoro) são figuras de linguagem que produzem determinado efeito
sonoro nos textos poéticos, como, por exemplo, assonância e aliteração.

Concisão é a qualidade do discurso que se caracteriza por transmitir uma mensagem de forma sucinta.

Diálogo é uma parte do discurso que indica uma fala entre duas ou mais pessoas. Nos textos escritos, o
travessão é o sinal gráfico que indica o seu início.

Elementos reiterativos são recursos linguísticos que se repetem ao longo de um texto poético com finalidade
de produzir efeitos específicos na construção do significado, como, por exemplo, o refrão.

Enredo é o que acontece em uma narrativa do ponto de vista do seu conteúdo.

Estrofe é um conjunto de versos. Um espaço costuma separar uma estrofe da outra, diferenciando-a das
demais partes do poema e marcando a sua unidade.

Estrutura composicional dos poemas são os elementos que compõem a forma como o poema é estruturado,
como, por exemplo, título, versos e estrofes.

Fonema é a menor unidade sonora de uma língua.


32 | T R I L H A S

Formas fixas de linguagem são expressões que se repetem de forma estável e, por isso, não podem ser
mudadas.

Gênero são as diferentes formas de expressão que podem ser caracterizadas pelo conteúdo temático e pela
composição e estilo; e está diretamente ligado ao contexto de produção.

Grafema é a unidade mínima da escrita que se refere ao conjunto de letras que compartilham o mesmo valor
sonoro, ou próximo a ele.

Linguagem é o uso da língua (oral e escrita) como forma de comunicação e expressão.

Linguagem escrita é o uso da língua em sua forma escrita para a comunicação e a expressão, entendendo a
escrita como uma forma de representação da língua por meio de signos gráficos.

Melodia é uma sequência sonora organizada sobre uma estrutura rítmica que encerra algum sentido musical.

Metáfora é uma figura de linguagem que consiste em utilizar uma palavra com um novo significado, através da
comparação implícita, existente entre as duas. Por exemplo: “O salto do tigre é rápido / Como raio”. O termo
“raio” mantém seu sentido próprio, mas neste trecho também possui sentido figurado de rápido, ligeiro, veloz.

Narrativa é um discurso que relata uma série de acontecimentos (eventos), frequentemente no passado, que
utiliza verbos declarativos e de ação e movimento para descrever os acontecimentos, que se relacionam uns
com os outros e são realizados por um ou mais protagonistas.

Narrativa poética é um texto em prosa que contém elementos da linguagem poética.

Onomatopeia é uma expressão que representa sons, como a voz e os ruídos de humanos, animais e objetos.
Muito utilizada nas histórias em quadrinhos, esses recursos sonoros servem para trazer musicalidade e ritmo
ao texto. Alguns exemplos: “Glub! glub! glub!” (beber água), “Fom! fom!” (buzina) e “Muuuuuu!” (mugido
de vaca).

Personagem é o responsável pelos acontecimentos relatados em uma narrativa, podendo ser pessoa, animal
ou objeto personificado.

Poema é uma obra literária, do gênero de poesia, que frequentemente se estrutura com rima, em verso e estrofe.

Recurso linguístico é um mecanismo da língua ou do discurso (oral ou escrito) utilizado para reforçar o
sentido e/ou adequar o discurso aos diferentes propósitos comunicativos. Alguns exemplos: substituições de
palavras que se repetem em um texto por outras que conservam o mesmo sentido, ou o uso intencional de
palavras repetidas para acentuar um determinado significado.

Recurso poético é o conjunto de recursos utilizados em textos poéticos. Por exemplo, repetição, rima e paralelismos.

Refrão são os versos, formas fixas de expressão, que se repetem em intervalos regulares em determinadas
canções ou poemas.
33 | C a d e r n o d e e st u d o s

Rima caracteriza-se pela repetição de sons no final das palavras dos versos, em geral, da última vogal tônica
e dos fonemas que eventualmente a seguem.

Ritmo refere-se, nos textos poéticos, à distribuição dos sons, palavras ou expressões, de modo que eles se
repitam em intervalos regulares.

Sequência da narrativa é o encadeamento dos acontecimentos de uma história. início, meio e fim.

Textos instrucionais são textos que apresentam informações sobre procedimentos ou normas adequadas a
um determinado contexto. Caracterizam-se pela apresentação de prescrições de comportamentos ou ações
sequencialmente ordenadas, tendo como principais marcas os verbos no imperativo, infinitivo ou futuro do
presente. Por exemplo: regras de jogos, instruções para confecção de determinados objetos, receitas.

Textos poéticos são composições textuais nas quais predominam a intencionalidade estética da linguagem
e o trabalho com a palavra e suas propriedades sonora, visual e semântica. Podem ter origem na tradição oral
e ter sido passadas para a forma escrita (parlendas, cantigas, trava-línguas) ou de autoria (poemas diversos,
canções etc.).

Tipo de texto é a estrutura que organiza um texto a partir da classificação de sua forma e da maneira como
ele apresenta seu conteúdo.

Verso refere-se a cada uma das linhas de um poema, de uma canção ou de uma prosa poética. Os versos
podem ter uma sucessão de sílabas ou fonemas com unidade rítmica ou melódica.

Vocabulário é o conjunto de palavras de uma língua, também conhecido como léxico. O vocabulário próprio
de uma pessoa é definido como o conjunto de palavras que esta é capaz de compreender e utilizar.
34 | T R I L H A S
35 | C a d e r n o d e e st u d o s

Bibliografia
A seguir listamos alguns dos livros e demais materiais consultados para concepção e escrita dos diferentes
materiais que compõe o conjunto Trilhas para abrir o apetite poético. Esta lista oferece apenas uma refe-
rência de consulta para mais informações sobre os temas dos cadernos, mas não está completa do ponto de
vista acadêmico.

ALVARADO, Monica; MUÑOZ, Susana & FRADKIN, Sabina. La reescritura colectiva de canciones: una experien-
cia didáctica com niños de preescolar. Buenos Aires: Revista Leitura e Vida, nºº. 4, págs. 6-17, 2006

ANDRÍCAN, Sergio & RODRÍGUEZ, Antonio Orlando. Escuela y poesia. Buenos Aires: Lugar Editorial, 2003.

BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos. São Paulo: Educ, 2007.

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Global Editora, 2000.

CHARAUDEAU, Patrick & MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto,
2006.

COOK, Guy. Language Play, Language Learning. Oxford: Oxford University Press, 2000.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, sons, ritmos. São Paulo: Ática, 2004.

GUIMARÃES, Hélio de Seixas & LESSA, Ana Claudia. Figuras de linguagem – teoria e prática. São Paulo: Atual,
1988.

KOCH, Ingedore Villaça & ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever – estratégias de produção textual. São Paulo:
Contexto, 2009.

MELO, Veríssimo de. Folclore infantil. Rio de Janeiro: Itatiaia Editora, 1991.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 2002.

PINHEIRO, Hélder (org.). Poemas para crianças – reflexões, experiências, sugestões. São Paulo: Duas Cidades,
2000.

POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo: Cultrix, 2001.

SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2004.

TAVARES, Bráulio. Contando histórias em versos. São Paulo: Editora 34, 2005.
Créditos institucionais

TRILHAS

Iniciativa:
Instituto Natura

Realização:
Programa Crer para Ver, Instituto Natura

Desenvolvimento:
Comunidade Educativa Cedac

Ficha Técnica

Programa Crer para Ver, Instituto Natura Equipe da Gerência de Educação e Sociedade, Instituto Natura:
Coordenação: Maria Lucia Guardia, Lilia Asuca Sumiya, Maria Eugênia Franco,
Maria Lucia Guardia Fabiana Shiroma, Eliane Santos, Isabel Ferreira, Luara Maranhão,
Marcio Picolo
Comunidade Educativa Cedac
Coordenação: Edição de texto:
Beatriz Cardoso e Tereza Perez Marco Antonio Araujo

Concepção do conteúdo e supervisão: Coordenação de produção:


Ana Teberosky Fátima Assumpção

Direção editorial: Projeto gráfico:


Beatriz Cardoso e Beatriz Ferraz SM&A Design/ Samuel Ribeiro Jr.

Consultoria literária: Ilustrações:


Maria José Nóbrega Vicente Mendonça

Equipe de redação: Revisão:


Ângela Carvalho, Beatriz Cardoso, Beatriz Ferraz, Debora Samori, Ali Onaissi
Maria Grembecki, Milou Sequerra, Patrícia Diaz

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C122 Caderno de estudos : trilhas para abrir o apetite poético. – São Paulo, SP. , 2011.
36 p. : il. ; 28 cm. – (Trilhas ; v. 3)

Inclui bibliografia e glossário.


ISBN 978-85-7783-065-7

1. Leitura - Estudo e ensino (Educação pré-escolar). 2. Escrita - Estudo e ensino (Pré-escolar).


3. Literatura infantil - Poesia - Estudo e ensino. 4. Crianças - Linguagem - Aprendizagem. 5. Atividades
criativas na sala de aula. I. Série.
CDU 372.41
CDD 372.4

Índice para catálogo sistemático:


1. Rudimentos de leitura : Educação elementar 372.41
2. Literatura infantil : Estudo e ensino 087.5

(Bibliotecária responsável: Sabrina Leal Araujo – CRB 10/1507)

“ESTE CADERNO TEM OS DIREITOS RESERVADOS E NÃO PODE SER COPIADO OU REPRODUZIDO, PARCIAL OU
TOTALMENTE, SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO PROGRAMA CRER PARA VER, DO INSTITUTO NATURA,
COMUNIDADE EDUCATIVA CEDAC .”
CADERNO DE ESTUDOS
T R I L H A S PA R A A B R I R O A P E T I T E P O É T I C O

O QUE É O PROJETO TRILHAS

D esde 1995, a NATURA desenvolve o Programa Crer para Ver, que tem o objetivo de contribuir para
a melhoria da qualidade da educação pública do Brasil. No contexto desse programa, o Instituto
Natura desenvolveu, em parceria com a Comunidade Educativa CEDAC, Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público, o projeto TRILHAS, que visa orientar e instrumentalizar os professores e diretores
de escolas para o trabalho com os alunos de 6 anos, com foco no desenvolvimento de competências e
habilidades de leitura e escrita.

Este material contribui para ampliar o universo cultural de alunos e professores, por meio do acesso à
leitura de obras da literatura infantil. A escolha da leitura como principal tema do projeto justifica-se
por ser uma estratégia mundialmente reconhecida como determinante para a aprendizagem e melhoria
do desempenho escolar ao longo de toda a vida do estudante.

Esperamos que você possa utilizá-lo da melhor forma para que a melhoria da educação pública seja
concretizada em nosso país.

Você também pode gostar