Você está na página 1de 38

http://dx.doi.org /10.

1590 /2238-38752017v734

1 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Museu Nacional,


Rio de Janeiro, RJ, Brasil
lfdduarte@uol.com.br

Luiz Fernando Dias Duarte I

O Valor dos valores: Louis Dumont na


antropologia contemporânea

C’est très simple. On ne peut pas se débarrasser de toute


transcendance, il n’y a rien qui puisse ne reposer que sur soi-même.
En particulier, tout ordre humain se fonde sur l’au-delà”
(Dumont, apud Enthoven, 1984: 29)

INTRODUÇÃO
A intensificação recente do recurso ao pensamento de Louis Dumont em di-
versas searas antropológicas, exemplificada por outros textos componentes
deste volume, sugere a oportunidade e conveniência de um balanço sobre a
complexidade das vias pelas quais se disseminou sua herança nas últimas
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

décadas e se enriqueceu o acervo reflexivo sobre suas hipóteses e categorias


analíticas.
Ao entusiasmo com que acolhi a contribuição do autor ainda no final
dos anos 1970 acrescentaram-se muitas novas perspectivas, emergentes em
áreas mais distantes de minha competência, que só fizeram intensificar minha
convicção original de consistir o pensamento do autor em uma das mais pere-
nes fontes de inspiração construtiva para a antropologia contemporânea e pa-
ra a interpretação, em um sentido geral, dos fenômenos desafiadores que ca-
racterizam a condição contemporânea da cultura ocidental moderna.
A par do prestígio que lhe garantem as variadas apropriações de sua
obra, raros antropólogos importantes da segunda metade do século XX terão
sido tão criticados e combatidos por diversas vias e em diversos sentidos quan-
to Dumont. 1 Esse traço de sua fortuna crítica sugere com ainda mais premência
uma revisitação regular, que busque esclarecer o sentido não só da obra origi-
nal, mas das próprias críticas, muito reveladoras das características do campo
intelectual em que se movem tanto o autor quanto seus contendores.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

736

Como se verá, será necessário perseguir os rumos da recepção dumon-


tiana em uma série de nichos, bastante diversos entre si. Como eles tendem a
se desenvolver em círculos especializados, não se encontram frequentemente
conscientes dos vínculos possíveis com outros, em que questões homólogas se
desenvolvem com proveito. O interesse de uma revisão mais geral também por
aí se justifica como tentativa de indicação de pontes entre os ramos desgarra-
dos da influência comum.
Os estudos do parentesco e da religião, a interpretação da configuração
cultural indiana, a teoria da “hierarquia” e o “holismo metodológico”, a história
e a sociologia da “ideologia do individualismo”, o estatuto da noção de “totali-
dade”, a dinâmica da mudança cultural, a dimensão ética da noção de “valor”
e a antropologia da cultura ocidental são os principais domínios da influência
atual a ser sucessivamente evocados.
Uma vez que cada um desses círculos se nutre de determinados aspec-
tos da teoria dumontiana e apesar de já haver inúmeros resumos competentes
de sua contribuição teórica geral, 2 convém retomar previamente, ainda nesta
introdução, alguns de seus fundamentos, para benefício dos menos habituados
à frequentação dessa seara. Que fique logo evidente, ao mesmo tempo, que um
intuito tão abrangente, a cobrir vasta e dinâmica literatura, só pode ser aten-
dido de modo parcial, insuficientemente profundo no tocante a cada uma das
áreas envolvidas, articuladas como são a campos de conhecimento de grande
desenvoltura e variado dinamismo.
A contribuição analítica de Dumont se bifurca, por mais estreitamente
associados que os dois rumos se encontrem em sua obra: a análise do fenôme-
no da distribuição diferencial do “valor”, elaborada sob a forma de uma “teoria
da hierarquia” (e das “ideias-valor”), e a análise do fenômeno do individualismo,
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

elaborada sob a forma historicamente mais precisa da “ideologia do individua-


lismo” (em sua intrínseca relação com a cultura ocidental).
A teoria da hierarquia procura dar conta do fenômeno, considerado uni-
versal, da distribuição diferencial do valor em todas as dimensões da experiên-
cia humana (cognitiva e moralmente). Ela se manifesta sob a forma do “englo-
bamento do contrário”, condição em que, numa determinada dimensão ou nível
de alguma totalidade ou conjunto, se manifestam ao mesmo tempo relações de
oposição e pertencimento entre dois elementos. A oposição hierárquica difere
da “oposição distintiva” pela intrínseca diferença e contiguidade entre os ele-
mentos em um determinado nível, correspondendo a um “escândalo lógico”,
transgressor da lógica da identidade e da não contradição. A bidimensionalida-
de dos níveis na totalidade é absolutamente intrínseca à oposição hierárquica,
permitindo a ocorrência de “inversões hierárquicas”, ao sabor das alterações de
nível e de situação. A hierarquia, nesse sentido convencionado por Dumont,
envolve necessariamente desigualdade, mas não pode ser confundida com as
implicações sociopolíticas do poder e da dominação. Poder e hierarquia podem
artigo | luiz fernando dias duarte

737

se imbricar e associar em muitas formações sociais, mas não em todas, e cer-


tamente não em todos os seus níveis ao mesmo tempo. Como diz Tcherkézoff
(1993: 145): “A prática ‘hierárquica’ que Dumont apregoa nada tem a ver com a
desigualdade, mas sim com a integração hierárquica das situações”. 3
Os universos sociais em que se manifesta a oposição hierárquica cor-
respondem a uma condição cosmológica que chama Dumont de “holismo”, uma
vez que as relações hierárquicas implicam a definição de algum tipo de totali-
dade, só no interior da qual vigem as condições de diferença (e de inversão)
pertinentes. A análise do binômio hierarquia/holismo (originalmente descrito
a partir da etnografia da sociedade indiana) dependeu da instituinte definição
comparativa com o fenômeno do “individualismo”, característico da cultura
ocidental. Embora o valor do “indivíduo” como “sujeito normativo” e “ser moral”
também seja um valor diferencial (em relação a algum seu oposto), a ideologia
do individualismo, em seu formato mais pleno, aspira à superação da hierarquia,
pelo cultivo dos valores da igualdade e da liberdade e pela implantação de um
universalismo plano em todas as dimensões da realidade. Trata-se, assim, de
um “holismo” anti-holista, bem ao estilo das oposições hierárquicas (Duarte,
1986a: 51; Strenski, 2014: 27).
Em um texto menor, Dumont apresenta um resumo esclarecedor da “con-
figuração individualista”, com o seu característico primado do valor “indivíduo”,
de fundas implicações para a modernidade ocidental enquanto uma formação
específica de “ideias-valores”:

1. Individualismo (enquanto oposto ao holismo),


2. Primado da relação com as coisas (enquanto oposto à relação entre
os seres humanos),
3. Distinção absoluta entre sujeito e objeto (enquanto oposta a uma
distinção apenas relativa, ou flutuante),
4. Segregação dos valores em relação aos fatos e às ideias (enquanto
oposta à sua indistinção ou estreita combinação),
5. Distribuição do conhecimento em planos (disciplinas) independentes,
homólogos e homogêneos (Dumont, 1986: 4, minha tradução).

Dumont se dedicou à análise de numerosos problemas relativos ao es-


tatuto da oposição e convivência entre esses princípios em diferentes contex-
tos históricos ou à própria história da constituição da forma paradoxal de ho-
lismo em que consiste o individualismo, com questões históricas mais precisas
como a do “renunciante” indiano enquanto “indivíduo”, a do “individualismo
fora do mundo” da Europa medieval ou a das “perversões” da hierarquia em
certas combinações sociais (como as do racismo e do nazismo do século XX).
Para todos os efeitos de sua contribuição etnográfica e teórica é estra-
tégica a ênfase do autor no caráter crucial da “pesquisa empírica” e da “com-
paração” (cf. Coppet, 1992; Tcherkézoff, 1993; Iteanu & Moya, 2015). Esta última,
embora seja considerada um dos eixos centrais da fundamentação analítica da
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

738

antropologia em geral, ganha em Dumont um estatuto particularmente crítico,


ao sublinhar os efeitos necessários da “apercepção sociológica” ou tentativa de
se colocar na perspectiva do outro sem deixar de manter a consciência das
condições da ordem simbólica de onde se alça o pensamento do pesquisador
(Dumont, 1972: 39).
Também é muito importante para quem se inicia no conhecimento do
pensamento dumontiano poder reconhecer em que ele pode ser considerado
uma variante do estruturalismo lévi-straussiano, ainda que contraditória em
pontos cruciais, como o do postulado da universalidade da oposição hierárqui-
ca, antes inspirado diretamente no pensamento de Marcel Mauss, de quem
Dumont foi reverente discípulo.
O rumo das seções seguintes, voltadas para os diferentes focos da in-
fluência dumontiana, foi ditado pela disponibilidade de uma constante e cres-
cente bibliografia, decorrente, muitas vezes, de seminários direcionados dire-
tamente para a revisitação da obra de Dumont. Foi, entretanto, sobretudo mui-
to influenciado pelo contato mais próximo com o pensamento de Joel Robbins
e com o campo em que se move atualmente, graças à mediação de minha co-
lega Aparecida Vilaça, partícipe da antropologia do cristianismo a que seu no-
me está hoje tão intensamente associado. 4
Das pertinentes múltiplas coletâneas ou números temáticos recentes,
tem particular importância a seção especial “Comparison made radical:
Dumont’s anthropology of value today”, publicada em HAU: Journal of Ethnogra-
phic Theory, 5/1 (2015), com seis textos originais e a tradução do clássico de
Michael Houseman; 5 seguida, aliás, no mesmo número, de outra seção especial
muito ligada à temática dumontiana (“The anthropology of personhood”) e
também aqui parcialmente revista. 6
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

Entre os muitos sinais do dinamismo corrente desses círculos de estudos


dumontianos consta a informação de uma nova seção temática em preparação
para a revista L’Homme, organizada por Ismaël Moya, Cécile Barraud e André
Iteanu, e dedicada a “Louis Dumont. Diversité des sociétés et idéologie univer-
saliste”.
Não deixa de fazer parte desse dinâmico quadro internacional o presen-
te número de Sociologia & Antropologia, como oportunidade de fazer dialogar
com tantos focos ativos mundiais a tradição de estudos dumontianos não et-
nológicos, inaugurada por Roberto DaMatta e Gilberto Velho ainda no final dos
anos 1970, a partir do Museu Nacional, e disseminada em meio a seus orien-
tandos, entre os quais eu mesmo vim a me encontrar (bem como a atual edi-
tora da revista, Maria Laura Cavalcanti).
Em seu artigo inaugural, de 1994, Joel Robbins (1994: 25) comentava que
o adjetivo “dumontiano” ainda não era tão óbvio no campo norte-americano
de sua formação antropológica quanto “maussiano” ou “lévi-straussiano”. Nes-
sa época, no entanto, no Brasil o adjetivo já era mais do que corrente, testemu-
artigo | luiz fernando dias duarte

739

nha de interesse e polêmica precoces que nunca arrefeceram, mesmo que te-
nham assumido novos ares, novos focos e novas interlocuções.

a via “etnológica” do parentesco e da relacionalidade


Cécile Barraud (2015) apresentou recentemente uma estimulante revisitação
da contribuição de Dumont aos estudos de parentesco, particularmente a par-
tir da configuração dravidiana, explorando o tema da igualdade e da hierarquia
nos sistemas de sexo/gênero em algumas formações sociais, para demonstrar
o quanto a via dumontiana pode esclarecer a constante pergunta sobre o esta-
tuto da desigualdade entre os gêneros na experiência histórica humana.
Ela menciona uma das mais importantes vias de utilização criativa do
modelo dumontiano, a que tem cultivado Viveiros de Castro ao longo de sua
obra, particularmente no tocante ao estatuto da afinidade nas sociedades ama-
zônicas.
Como resume Aparecida Vilaça (2015: 207) a esse respeito,

A apropriação por Viveiros de Castro da hierarquia dumontiana foca precisamente


o ponto em que, para Dumont (1983: 166-167), os termos em oposição são equiva-
lentes, no caso a relação entre consanguíneos e afins nos sistemas de parentesco
dravidianos, comuns à Índia e à Amazônia [...]. Em contraste com o universo indiano,
no entanto, Viveiros de Castro (1993: 171-174) postula que no mundo amazônico a afi-
nidade engloba a consanguinidade como um valor não marcado, exatamente como o
individualismo no mundo cristão conforme Dumont.

Viveiros de Castro empreende efetivamente uma cuidadosa recuperação


da contribuição dumontiana ao conhecimento do dravidianato, atento às im-
plicações mais abstratas e abrangentes da teoria da hierarquia (cf. 1998, 2000,
2001, 2002). Como ele próprio declara, “aplicando, por assim dizer, Dumont
sobre si mesmo” (Viveiros de Castro, 2000: 10), ele recupera a preeminência
geral da diferença sobre a oposição “equistatutária” do modelo de parentesco
da Índia do sul, deslocando-a inicialmente para um englobamento da consan-
guinidade pela afinidade e, finalmente, convertendo esse par de oposição na
forma mais geral da relação entre o construído e o dado.
O autor é bastante explícito sobre a importância geral da teoria da hie-
rarquia para a construção de sua nova modelização da ontologia ameríndia:

[...] o conceito de oposição hierárquica pareceu-me uma extensão interessante do


conceito linguístico de marca. Nesse sentido, minha tese sobre a afinidade como hie-
rarquicamente superior à consanguinidade não pretendia dizer senão que a primeira
é a categoria não marcada da socialidade amazônica, significando “relação” nos con-
textos genéricos, enquanto a segunda é a categoria ou qualidade relacional marcada.
A consanguinidade é não afinidade, antes de ser qualquer outra coisa (Viveiros de
Castro, 2000: 18).

Outro foco intenso de reapropriação do pensamento de Dumont é o da


obra de Joel Robbins, melanesista que se tornou muito influente por sua minu-
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

740

ciosa interpretação das condições da conversão de uma determinada socieda-


de indígena ao cristianismo e pelo consequente estímulo à constituição de uma
rede planetária de debates em torno do que se passou progressivamente a
chamar de antropologia do cristianismo, voltada sobretudo para a compreensão
dos muitos cristianismos emergentes nas periferias do mundo moderno con-
temporâneo, entre as mais variadas sociedades de pequena escala. 7
Sua leitura de Dumont enfatiza centralmente a dimensão dos “valores”
entranhados na consideração da estrutura cultural das diferentes formações
sociais. Os valores, no sentido de representações entranhadas nas ações, nas
decisões morais de cada momento, são considerados a base de cada estrutura
cultural. 8
Robbins inovou não apenas pela ênfase na dimensão “moral” do modelo
dumontiano, mas também por propor uma alternativa reconhecível na Melané-
sia ao dualismo entre o “holismo” e o “individualismo”, 9 que ele chamou de
“relacionalismo”. Não deixava de seguir, nesse sentido, o próprio Dumont, que
mais de uma vez manifestou notoriamente seu ceticismo sobre a possibilidade
de compreender as sociedades melanésias segundo seu esquema dualista ca-
racterístico (cf. Dumont, 1985: 216; Robbins, 2004: 13). O relacionalismo é descri-
to como um “valor primário” (Robbins, 2004: 13), que se caracteriza pela preemi-
nência atribuída à criação e manutenção das relações sociais, fazendo com que
esse seja o critério para os juízos comuns relativos à conveniência dos elemen-
tos da cultura (Robbins, 2004: 306).
A caracterização das sociedades melanésias como “holistas” seria incon-
veniente, dada a notória ausência de representações sobre o “todo social” ou
sobre um “modelo abrangente da sociedade”: “Não há nem uma totalidade re-
conhecida cuja condição possa ser avaliada nem um ideal que sirva como mo-
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

delo em relação ao qual tal avaliação possa ser realizada” (Robbins, 2004: 292).
Por outro lado, a aplicabilidade da noção de “individualismo”, no sentido
estrito de Dumont, seria motivo de uma complexa discussão empreendida pelo
próprio Robbins (e por seus interlocutores) a respeito do estatuto da “mudança
cultural” em curso na sociedade Urapmin a partir de sua “conversão” a uma
versão do cristianismo. Essa discussão é muito marcada pela ênfase de Robbins
na “descontinuidade cultural”, por oposição ao que considera ser a tendência
dominante na antropologia: a de privilegiar a continuidade cultural subjacente
a todas as situações de mudança (cf. Robbins 2007b: 301). A ênfase na desconti-
nuidade emergente nas conversões ao cristianismo é a fonte mesma da possi-
bilidade de uma antropologia do cristianismo, distinta das descrições etnológi-
cas tipicamente autorreferidas e remetidas à tradição cultural local.
As propostas de Robbins enriqueceram sobremaneira um debate em curso
já há tempos sobre as condições do uso das categorias analíticas de Dumont apli-
cadas a sociedades de pequena escala, melanésias ou não. O próprio Dumont
privilegiou, em seus últimos anos de atividade, um círculo comprometido com
artigo | luiz fernando dias duarte

741

esse horizonte de debates, em torno de Daniel de Coppet e de seus discípulos et-


nólogos André Iteanu, Jean-Claude Galey e Serge Tcherkézoff, em diálogo com
colegas como Bruce Kapferer.
Esses debates ganharam novo ímpeto a partir das propostas associadas
à também melanesista Marilyn Strathern (1988) de um “dividualismo” e de uma
“partibilidade” da pessoa. 10 Embora a própria Strathern não tenha incluído Du-
mont em seu horizonte de discussão, muitos dos etnólogos afetados por suas
propostas abriram espaço para esse inevitável confronto, em um processo em
pleno curso na atualidade. 11
Como é notório, Strathern buscou deslocar a compreensão da pessoa
melanésia dos pressupostos de totalidade indivisa da ideologia ocidental mo-
derna, enfatizando o caráter fundamentalmente relacional da produção e trans-
formação das pessoas, em suas relações constitutivas interpessoais (sobretudo
as de gênero) e em sua integração e distribuição pelo mundo dos demais seres
culturalmente pertinentes. Embora Strathern seja mais conhecida pela sua
denúncia dos efeitos etnocêntricos do uso da categoria de “sociedade”, a im-
portância de sua contribuição à discussão do estatuto da pessoa ultrapassa em
muito aquela outra ênfase.
Uma vertente instigante desses novos diálogos é a que se desenvolveu
a partir da associação de “individualismo” e “cristianismo” – e suas implicações
para a compreensão do estatuto da pessoa implicada em processos de conver-
são (ou não). De um modo geral, seguindo um tópos mais generalizado da his-
tória das ideias ocidentais, ou, mais localizadamente, a associação feita por
Dumont entre a emergência e generalização da ideologia do individualismo no
Ocidente e o pano de fundo da cultura cristã, passou-se a discutir a concomi-
tância ou não entre a conversão ao cristianismo e a entrada em um regime de
individualização.
Toda a literatura da antropologia do cristianismo repercute essa polê-
mica, com os mais variados focos e nuanças. Como exemplo de alguns dos
embaraços envolvidos, evoco a posição muito peculiar de Mark Mosko (2010 e
2015) em defesa da preeminência do “dividualismo” nas situações de conversão
tribal, como recurso contra a associação entre cristianismo e individualismo,
presente em Max Weber, Kenelm Burridge e Dumont (e, de certo modo, em
Robbins). De um modo geral, Mosko confunde o nível dos sistemas de repre-
sentações e valores com a experiência concreta dos sujeitos sociais. Isso é
particularmente grave no caso da apreciação do modelo de Dumont, que ana-
lisa explicitamente uma “ideologia do individualismo”, ou seja, uma configura-
ção de ideias-valores – e não a sua transformação em uma realidade vivencial
concreta, imediata e uniforme para todos os sujeitos submetidos a sua influên-
cia, em cada período de sua história e em cada formação nacional ou regional.
Como lembra Sahlins (2011: 13), a respeito exatamente do “dividualismo” de
Strathern, trata-se provavelmente de uma condição experiencial bem mais
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

742

geral, até nas sociedades em que é hegemônica a ideologia do individualismo.12


Assim como a ideologia hierárquica das castas não corresponde a uma experi-
ência comum e uniforme, onde quer que esse fenômeno social se manifeste (cf.
Iteanu & Moya, 2015: 117), tampouco coincidem a ideologia do individualismo
e uma experiência uniforme e constante de um sujeito indiviso e estanque. 13
Como lembra Robbins (2015b: 176), o individualismo (assim como o cristianis-
mo) é uma ideologia “transcendente”.
A posição de Robbins é a de uma complexa articulação hierárquica entre
as camadas precedentes de valores e as que se acrescentam com a adoção de
alguma versão das religiões cristãs. Essa articulação, em constante mutação,
se manifesta primordialmente no modo como as contradições são tematizadas
no mundo ritual e nos cuidados com a condição ética dos sujeitos. 14
Vilaça (2015: 218) propõe que, nas sociedades amazônicas (como a que
estuda), não é rentável buscar uma articulação hierárquica entre as dimensões
conflitivas componentes do universo ontológico e moral nativo, sugerindo subs-
titutivamente a ideia de “alternação” entre regimes cosmológicos.

a via “indianista”
A obra de Dumont sobre a Índia foi uma pedra de toque de todos os desenvol-
vimentos da ciência social indiana desde a publicação do primeiro volume do
Contributions to Indian sociology, em 1956, uma iniciativa sua e de David Pocock.
A interpretação de uma “Índia das castas” aí defendida se contrapunha às aná-
lises de uma “Índia das aldeias” do principal sociólogo indiano, Mysore Nara-
simhachar Srinivas, tendo se desencadeado a partir daí uma fieira de polêmicas
que tenderam a perdurar nas novas gerações, ainda que com novos focos e
ênfases.
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

Os antropólogos brasileiros foram apresentados a esse fascinante cam-


po intelectual das ciências sociais indianas e, particularmente, ao papel nele
desempenhado pela obra de Dumont, por Mariza Peirano, a partir de 1987 (ano
em que fez também sua visita pioneira à academia indiana) e sua permanente
atenção aos desdobramentos da antropologia produzida por indianos dentro e
fora daquele país. Esse esforço analítico complementava sua disposição em
compreender os desenvolvimentos “nacionais” da antropologia a partir do ca-
so brasileiro, estudado na tese de doutorado (Peirano, 1991c).
É particularmente interessante para os fins deste artigo relembrar o que
nos diz Peirano sobre a posição de Dumont em relação à polêmica original com
Srinivas, pois busca justamente explicitar os móveis do pensamento do autor ao
lidar com o fenômeno da indianidade, com as fundas implicações que isso teria
para toda a sua teoria e suas análises do mundo ocidental.15 Essencialmente:

Dumont não se preocupava com a Índia como nação, mas com o tipo de civilização
a ser contrastado com o Ocidente. Neste contexto, seu interesse recaía no sistema
de castas, que traz consigo princípios ideológicos diferentes, se não opostos, aos da
artigo | luiz fernando dias duarte

743

civilização ocidental. Para os intelectuais franceses, em geral, a ideia de construção


da nação é um problema ausente [...]. Seguindo os passos de Mauss, a preocupação de
Dumont com a unidade sociológica da Índia − da “India as a whole” [...] − se dá no nível
da civilização indiana e não da Índia como nação-estado (Peirano, 1987: 119, grifos
meus).

As análises de Peirano permitem perceber como a “perspectiva estrutu-


ral” que Dumont advogava na interpretação da Índia (influenciado por Lévi-
-Strauss e Evans-Pritchard) se contrapunha ao empirismo da tradição radcliffe-
-browniana tão estruturante da incipiente sociologia indiana, fazendo retornar
ao centro da cena a particularidade “civilizacional” de uma “totalidade” cultu-
ral tão marcantemente diversa da ocidental. Veem-se aqui, além das influências
originais de Mauss e Durkheim (sem esquecer a de Weber), também as mais
recentes de Georges Dumézil e de Karl Polanyi. 16
As polêmicas em torno de Contributions to Indian Sociology, em suas duas
fases, a europeia e a indiana (a partir de 1967), foram a espinha dorsal de uma
vasta rede de rejeições e apropriações críticas da proposta dumontiana, envol-
vendo os principais cientistas sociais indianos, desde o tradicionalista Awadh
Kishore Saran nos anos 1960 até a contemporânea Veena Das − de cuja ambi-
valência crítica em relação a Dumont trata Peirano (1997: 80). O papel mediador
desempenhado por Triloki Nath Madan é bem ressaltado, desde suas críticas
originais nos anos 1960 até a incorporação representada pelo volume de come-
moração dos 70 anos de Dumont publicado pela revista em 1981 (e depois como
livro: Madan, 1982) (cf. Peirano, 1991a: 221).
Mariza Peirano não tratou de Dumont apenas no contexto das polêmicas
indianas, mas trouxe a inspiração para outras dimensões de sua obra, particu-
larmente no tocante à construção das tradições analíticas da antropologia e
sua relação com os campos intelectuais nacionais. A questão do “universalismo”
característico da atitude intelectual de Dumont (inseparável da ênfase na di-
mensão “civilizacional” tão essencial na polêmica indiana) está presente na
comparação empreendida com o pensamento de Antonio Candido (1985), tanto
quanto na que, desde sua tese, havia empreendido com o pensamento de Pei-
rano (1991c). As diferenças de concepção de uma ciência social do francês Du-
mont 17 com as do brasileiro Candido e do alemão Elias (envolvidos com a dis-
cussão da ancoragem local, nacional, do pensamento social) permitem desven-
dar fundamentos mais amplos da atitude universalista dumontiana, de sua
ênfase “civilizacional”, e de seu ceticismo quanto à possibilidade de alguma
antropologia reversa e quanto à capacidade iluminadora linear da antropologia
na condução do destino prático das culturas e das nações.
O interesse das polêmicas “indianistas” em torno da obra de Dumont é mui-
to amplo, concentrando inúmeros fios de discussão muito presentes na antropolo-
gia contemporânea, particularmente no tocante aos chamados “estudos pós-colo-
niais”. Nesse sentido, acho bem expressivo o artigo de Appadurai (1988) em que
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

744

esmiúça as imbricações de cada categoria analítica de Dumont contra o pano de fundo


do campo intelectual ocidental, a começar pela estratégica noção de “hierarquia”.

a via do “holismo metodológico” e do “estruturalismo dialético”


Constante atenção é dada pelos discípulos e comentadores de Dumont às dimen-
sões mais epistemológicas de sua teoria e às relações de sua concepção do que seja
a tarefa antropológica com as dos demais projetos de conhecimento das ciências
sociais contemporâneas.
É provavelmente a expressão “holismo metodológico” a que melhor conden-
sa o núcleo da proposta dumontiana. Designa-se assim um programa de conheci-
mento que preceitua a preeminência da totalidade sobre as partes, por oposição
à conhecida expressão de um “individualismo metodológico”, corrente no mundo
da sociologia. 18 Como se verá, essa preeminência da totalidade consiste na verda-
de na preeminência das relações articuladoras entre as partes, mais do que na
apoteose de alguma totalidade pré-dada e autoevidente − ou, nos termos de Bruce
Kapferer (2010: 188): “No entendimento de Dumont, ‘holismo’ refere-se ao valor
relacional que engloba todos os demais que podem ser concebidos como parte de
seu conjunto”.
Um aspecto fundamental dessa metodologia holista é o que impõe ao an-
tropólogo incluir nas propriedades de situação de seu labor sua qualidade de ob-
servador externo, como parte da totalidade experiencial que autoriza sua obra:
“Entre as diferenças, há uma que domina todas as outras. É a que separa o obser-
vador, enquanto portador das ideias e valores da sociedade moderna, daqueles que
ele observa” (Dumont, 1985, p. 13).
Há duas propriedades dos fenômenos sociais que constituem para Dumont
parte essencial da metodologia holista. Trata-se das propriedades de “nível” e de
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

“situação”, intrínsecas à percepção das relações hierárquicas. O conceito de “situa-


ção”, herdado explicitamente de Evans-Pritchard, ressalta a especificidade das
condições em que um fenômeno se manifesta a cada ocorrência, de modo geral e
particularmente, ante os olhos de um pesquisador. 19 O conceito de “nível” torna
concreta a percepção da bidimensionalidade da relação hierárquica, manifesta no
princípio do “englobamento do contrário”, nunca absoluta ou permanente em todas
as dimensões de sua atualização. 20 Os dois conceitos são inseparáveis da ideia de
“valor” – critério ou móvel central da manifestação em curso.
Essa ênfase nos aspectos dinâmicos dos fenômenos culturais, decorrentes
da dimensão hierárquica sempre presente, de forma mais ou menos preeminente
ou explícita, levou Robbins a se referir ao método dumontiano como um “estrutu-
ralismo dialético” (Robbins, 1994: 136),21 aproximando-o das características da obra
de Sahlins. Em texto recente, eu ressaltava essa mesma qualidade dialética, apro-
ximando-a de Bateson, do Lévi-Strauss de O pensamento selvagem e de R. Wagner:

Quando Bateson propõe as duas cismogêneses, Dumont, a oposição hierárquica, Lévi-


-Strauss, a distinção entre formas “selvagem” e “cultivada” de pensamento, ou Wagner, a
artigo | luiz fernando dias duarte

745

oposição entre “invenção” e “convenção”, a referência comparativa com a dialética é


sempre inevitável, mesmo quando ela é englobada ou superada. Em todos esses ca-
sos, afirma-se uma relação não linear entre os termos dos dualismos estruturantes;
com a modernidade emergindo como um dos polos ou dimensões do enigma. Seja
na forma da cismogênese complementar ou do holismo, do pensamento selvagem
ou das dinâmicas diferenciadoras, o que se afirma é uma oposição à racionalização
máxima implícita na modernidade ocidental (Duarte, 2015b: 184; grifo meu).

Também se deve a Robbins a cunhagem da expressão “dinamismo hie-


rárquico” para designar a característica já mencionada do esquema dumontia-
no de que um valor nunca é homogênea e linearmente dominante; sua pree-
minência ou hegemonia enfrenta desafios de combinação com outros valores,
ao sabor dos níveis e situações da vida social (Dumont 1991: 21). Ou, nos seus
próprios termos,

Porém mesmo nos casos de clara dominância, nenhum valor específico disporá de
todo o campo social para si. Por essa razão, o dinamismo é inerente à vida social. E
é porque muito desse dinamismo é conduzido por lutas entre valores, que as noções
de Dumont de oposição hierárquica, englobamento, e níveis são tão cruciais para nós
antropólogos quando tentamos produzir relatos etnográficos que reflitam adequada-
mente os processos sociais acionados por tal dinamismo (Robbins, 2015: 28).

Um dos pontos metodológicos mais controversos atualmente é o pressu-


posto de “totalização” sobre o qual se assenta a teoria da hierarquia e que se ex-
pressa diretamente na utilização da categoria “holismo”. A desconfiança nomi-
nalista “pós-moderna” ou “pós-social” em relação às “grandes narrativas” e ao
que se considera reificações etnocêntricas, tais como “sociedade” e “cultura”,
assim como a ênfase neorromântica no “fluxo” em detrimento de qualquer esta-
se, se concerta para descrédito de categorias analíticas comprometidas com de-
marcações identitárias ou estruturais.22 Mas as resistências à noção de “todo” já
se expressavam nas primeiras avaliações das propostas dumontianas, particu-
larmente em relação ao que seria considerável uma “Índia” (cf. Appadurai, 1988).
Há pelo menos três acepções para a noção de “totalidade” no pensamen-
to de Dumont: uma é a que decorre do próprio jogo do “englobamento hierár-
quico”, outra é a que decorre da atenção ao jogo dos valores em um determi-
nado contexto social; e a terceira é a que decorre das condições “comparativas”
em que a experiência se move. No primeiro sentido, o reconhecimento da exis-
tência de um determinado núcleo de oposição hierárquica, caracterizado pelo
“englobamento do contrário” e pela possibilidade de uma “inversão hierárquica”,
importa automaticamente em uma unidade de significação social que tem que
ser considerada, mesmo que apenas de um ponto de vista estratégico, “total”.
No segundo sentido, também endógeno, o que importa para a demarcação do
“fato social total” em análise é a percepção dos limites dentro dos quais um
determinado jogo de tensões entre valores permanece reconhecível e além dos
quais ele não é mais pertinente. 23 No terceiro, exógeno, o que prevalece são as
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

746

condições do procedimento de “comparação” entre entes diferentes sobre que


se assenta todo projeto antropológico, 24 ensejando um balizamento circunstan-
cial, estratégico, não substancialista, das “identidades” em confronto.
Também aparece na literatura a qualificação de “comparação radical”
para o procedimento dumontiano, em função do pressuposto do reconhecimen-
to inarredável do papel das ideias do pesquisador na definição das unidades
de análise em cada caso (cf. Dumont 1986: 6, apud Iteanu & Moya, 2015: 117).
Iteanu e Moya, em artigo em que buscam definir o projeto analítico da
“comparação radical” de Dumont em relação aos de Marilyn Strathern e de
Eduardo Viveiros de Castro (e os ontologistas), assim resumem a démarche du-
montiana:

Dumont (1986: 2) construiu o conceito de “fato social total” como “um complexo es-
pecífico de uma sociedade (ou tipo de sociedade) particular, que não podemos fazer
coincidir com nenhum outro.” Em outras palavras, isso corresponde primeiramente
a uma ênfase na diferença; os fatos reagem às categorias, teorias, e ideias implícitas
com as quais os abordamos. Trata-se de um experimento comparativo que envolve o
sujeito com seu objeto (ibid.: 199). E, em segundo lugar, o aspecto “total” do fato sig-
nifica que o objetivo não é o de estudar elementos em separado, mas o de comparar
‘totalidades’. “Como encontrar isso [i.e. a totalidade]? Em certo sentido, a sociedade
é a única ‘totalidade’, mas tão complexa que não importa quão escrupulosamente a
reconstruamos, sempre há dúvida quanto ao resultado. Porém, há casos [i.e. fatos so-
ciais totais] em que a consistência se encontra em complexos menos amplos, em que
a ‘totalidade’ pode ser mais facilmente mantida sob consideração” (ibid.: 194) (Iteanu
& Moya, 2015: 117; grifo no original).

Tanto na atual etnologia melanésia quanto na amazônica, argumentos


empíricos se levantaram contra a aplicabilidade da noção de “totalidade”. Já
mencionei que Robbins (2004: 292) argumenta que não há “todos sociais” ou
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

“modelos abrangentes da sociedade” na Melanésia, tendo esse argumento sido


o que o levou à proposta de um modelo “relacionalista”, que escapasse às exi-
gências totalizantes do modelo “holista”.
Viveiros de Castro foi bastante esclarecedor a respeito do desafio da
“totalidade” dumontiana, ao examiná-lo à luz da etnologia amazônica. Por um
lado, considera que as implicações “identitárias” dessa “totalidade” (na primei-
ra acepção que arrolei há pouco) não permitem dar conta daquele regime cos-
mológico, organizado em torno da preeminência da alteridade:

Nas mãos de Dumont, o englobamento gera a característica de uma Totalidade, den-


tro da qual as diferenças estão ordenada e ordinalmente aninhadas. Tal estrutura,
com efeito, não tem exterior, pois o englobamento é uma operação análoga à notória
“sublação” dialética: movimento de síntese inclusiva, de subsunção da diferença pela
identidade. A diferença é interior ao todo, mas também lhe é inferior. A ênfase da et-
nologia amazônica no papel constitutivo da alteridade, ao contrário, visa um regime
no qual o englobamento não produz ou manifesta uma unidade metafísica superior.
Não existe identidade transcendente entre diferença e identidade − apenas diferença,
de cima a baixo (Viveiros de Castro, 2001: 20-21).
artigo | luiz fernando dias duarte

747

Sua reflexão é suficientemente matizada para reconhecer, porém, a per-


tinência de um certo modo de conceber como “totais” as cosmologias, indepen-
dentemente do modo interno como cada uma delas projeta o seu senso de
realidade:

Não estou, com isso, advogando que fujamos de toda noção de “todo”, como se essa
fosse uma categoria visceralmente antiamazônica, mas apenas que cuidemos para
não cair em uma falácia da totalidade mal-colocada. Qualquer cosmologia é, por defi-
nição, total, no sentido de que não pode não pensar tudo o que há, e pensá-lo − a esse
tudo que não é um todo, ou a esse todo que não é uno − segundo um número finito de
pressupostos. Mas daí não se segue que toda cosmologia pensa tudo o que há sob a
categoria da totalidade, isto é, que ponha um Todo como o “correlato objetivo” de sua
própria exaustividade virtual (Viveiros de Castro, 2001: 22).

Creio que, de qualquer modo, a questão da “totalização” em Dumont tem


muito menos a ver com a substancialização das identidades do que com a es-
tratégia metodológica da produção de unidades de comparação, verdadeiro
objetivo último do projeto da “comparação radical”.
Ainda no registro das leituras “metodológicas” da obra dumontiana, con-
vém abordar a leitura, de que Joel Robbins tem sido o principal porta-voz, da
categoria “valor” no pensamento de Dumont como uma efetiva referência à
dimensão “ética” da experiência humana, ou seja, a que sublinha a indissocia-
bilidade entre pensamento e ação: um valor ou uma “ideia valor” é uma repre-
sentação de definida relevância comportamental, comprometida com a inter-
venção no mundo interpessoal.
Robbins (2004: 12) associa essa dimensão ética do “valor” dumontiano à
influência do pensamento de Max Weber. A noção de “esferas de valor”, tão
característica das análises weberianas, teria uma continuidade na concepção
dumontiana do jogo dos valores em níveis e situações, compondo um jogo di-
nâmico e dialético. 25 Nos seus termos, seria necessário considerar “como Du-
mont adota a discussão de Weber acerca das esferas de valores, dessa vez com
uma ênfase na natureza das relações que vinculam as diferentes esferas de
valores em uma cultura”.
Constitui-se assim uma verdadeira “antropologia da moralidade” (Rob-
bins, 2007a), que trata dos modos pelos quais as pessoas buscam viver de ma-
neira correta (Robbins, 2004: 314). Esse domínio moral consistiria em “um do-
mínio no qual os atores são culturalmente construídos como seres conscientes
tanto da força diretiva dos valores quanto das escolhas que permanecem aber-
tas a eles ao responderem a essa força” (Robbins, 2004: 315).
A leitura pela perspectiva do “valor” concebido num registro moral apro-
xima o pensamento de Dumont de movimentos contemporâneos contrários à
tradição racionalista e estruturalista. Nesse sentido, Bruce Kapferer (2010: 194)
especula sobre possíveis aproximações do pensamento dumontiano com aspec-
tos da obra de Giorgio Agamben, e com diversos autores associados ao “pós-
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

748

-estruturalismo”, tais como Gilles Deleuze (tratando de uma possível correlação


entre a oposição de arbóreo e rizomático e a que distingue a hierarquia do indi-
vidualismo), Alain Badiou, Bruno Latour e Manuel DeLanda (Kapferer, 2010: 204).

a via “cosmoSsociológica” – análise de sociedades


concretas contemporâneas
O esquema analítico central de Dumont, voltado a princípio estrategicamente
para a comparação empírica entre a Índia e o Ocidente, tornou-se mais nuan-
çado à medida em que o autor se aproximou da interpretação da dinâmica
histórica deste último, exigindo-lhe melhor explicitação dos diferentes modos
pelos quais a “ideologia do individualismo” aí se desenvolveu e se implantou
como dimensão cosmológica central. A oposição entre as três grandes vias
culturais da Europa moderna, a francesa, a anglo-saxã e a germânica, já exigi-
ram o recurso à determinação de diferentes modos de relação entre o indivi-
dualismo e a hierarquia, ou ainda entre configurações diversas dos elementos
constitutivos da própria ideologia do individualismo (como entre “liberdade” e
“igualdade”) (cf. Dumont, 1978a: xvi, para a questão das “variantes nacionais”).
Fenômenos mais específicos, como o da relação entre individualismo e cristia-
nismo ou o da emergência do nazismo e do racismo permitiram formulações
mais complexas sobre a história do Ocidente, tais como os conceitos de “indi-
vidualismo-fora-do-mundo” (Dumont, 1985: 38), “artificialismo moderno” (Du-
mont, 1985: 102; Moya, 2015: 155) ou “pseudo-holismo” (Dumont, 1985: 151;
Robbins, 2004: 309).
A categoria “individualismo” já tinha consistido numa importante chave
de interpretação da modernidade ocidental desde o começo do século XIX, a
partir das interpretações negativas da Revolução Francesa, por um lado; das
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

elaborações pastorais do cristianismo católico ameaçado pelos protestantismos


e pelo “modernismo”, e das formulações românticas, sobretudo germânicas,
sobre a importância do desenvolvimento da sensibilidade interior e da singu-
laridade pessoal (a Bildung). Encontram-se assim fora do esquema dumontiano
seus numerosos predecessores (entre os quais ele próprio privilegiou C. Bouglé,
Max Weber e A. De Tocqueville); mas também diversos contemporâneos e su-
cessores, que se mencionarão eventualmente. É digno de nota que ele não tenha
dialogado com as análises de Georg Simmel (sobretudo quanto à distinção en-
tre um “individualismo quantitativo” e um “individualismo qualitativo”), e nem
tenha conferido importância ao texto de Émile Durkheim “O individualismo e
os intelectuais” (1970), que foi, a meu ver, a primeira tentativa de apresentação
analítica dessa ideologia ao mesmo tempo como um valor estruturante da vida
social moderna e como um objeto de estudo e compreensão sociológica.
Inúmeros são os autores prestigiosos que, na sociologia e na história, se
utilizaram da categoria “individualismo” como elemento estruturante de suas
análises das sociedades contemporâneas. Seguiram a tradição novecentista de
artigo | luiz fernando dias duarte

749

designação, por meio dessa categoria, das grandes transformações que carac-
terizaram a emergência da pessoa ocidental moderna, com o frequente coro-
lário de oposição à “sociedade” ou à coletividade, e a contínua promessa de
autonomia e emancipação contraposta à concomitante e constante ameaça de
fragmentação dos vínculos coletivos. Com graus muito diversos de sofisticação
analítica e de compromisso com as evidências empíricas, trata-se essencial-
mente de modelos descritivos empiristas e funcionalistas, seja no registro so-
ciológico, seja no registro histórico. Sem pretensão de exaustividade, podem
ser nomeados François de Singly (com inspiração na obra de Alain Renaut e em
sua distinção entre “independência” e “autonomia” dos “indivíduos”), Charles
Taylor, Raymond Williams, Anthony Giddens, Zigmunt Baumann, Stephen Lukes,
Ulrich Beck (e sua teoria da individualização na “segunda modernidade”), Robert
Bellah, Marcel Gauchet, Ernest Gellner, Crawford B. Macpherson (o proponente
da prestigiosa teoria histórica do “possessive individualism”) ou Alan Macfarlane
(que critica Dumont, do ponto de vista historiográfico, em 1992). Os recentes
trabalhos sobre a “individualização” na China, da lavra de Yunxiang Yan (2009,
2010), seguem sobretudo as propostas funcionalistas de Giddens e de Beck, sem
qualquer menção a Dumont.
A proposta mais restritiva de acepção da noção de “individualismo” cons-
truída por Dumont inspirou numerosos trabalhos voltados para a compreensão
de sociedades ou de grupos específicos dentro das sociedades modernas, em-
bora esse filão tenha enfrentado eventuais restrições ao modo como se afirmou,
por ensejar acusações de reificação tipologizante. 26
Roberto DaMatta (1979), por exemplo, utilizou intensamente o pensa-
mento de Dumont na guinada que caracterizou sua obra a partir de Carnavais,
malandros e heróis, passando dos estudos etnológicos para a interpretação da
sociedade nacional brasileira, em contraste sobretudo com a sociedade esta-
dunidense. Seu uso das categorias “ideologia do individualismo” e “indivíduo”
foi bastante idiossincrático. Em seu trabalho, “indivíduo” é tanto o portador da
“ideologia do individualismo” (característico das sociedades efetivamente “mo-
dernas”) quanto o sujeito social desprovido dos atributos de uma “pessoa” ple-
na, característico do “povo” das sociedades “semitradicionais”. DaMatta (1983:
31) caracterizou a sociedade brasileira por um dilema entre o “individualismo”
e o que chamou de “personalismo”. Este último, equivalente à “hierarquia”,
seria o núcleo da ideologia “relacional” da formação nacional brasileira, carac-
terístico do “mundo da casa”, enquanto o individualismo estaria cantonado no
“mundo da rua”, lugar da desordem carnavalesca − “é assim que, no universo
da casa, todos são pessoas, mas no mundo da rua, todos são, em princípio, in-
divíduos” (DaMatta, 1983: 42). O mundo da ordem jurídico-política impessoal
seria caracterizado por ele como “hierárquico”, num sentido, portanto, mais
próximo do senso comum de “diferenciação social” ou “dominação”, do que do
sentido dumontiano de distribuição diferencial de valor. A presença da ideolo-
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

750

gia do individualismo na conceptualização do Estado moderno e na instrução


formal das elites brasileiras pareceu consistir, para ele, assim, em algumas de
suas análises, numa justificação para o jugo de elites (personalistas) sobre uma
população “individualista” (DaMatta, 1979: 235). 27
João de Pina Cabral (2007) publicou uma crítica sobre essa interpretação
de DaMatta da categoria “individualismo” para a sociedade brasileira. Ele con-
siderava, nesse texto, porém, que o autor estivesse efetivamente aplicando a
acepção dumontiana do termo, em continuidade linear com as representações
prevalecentes na Escola Sociológica Francesa sobre a oposição entre um indi-
víduo subjacente, universalmente dado, e a pessoa socialmente construída.
Essa formulação, que Pina Cabral corretamente localizava com clareza no ensaio
sobre a pessoa, de Marcel Mauss, tinha também sustentado toda a antropologia
inglesa inspirada por Émile Durkheim. Para Dumont, porém, contrariamente
ao que pensava o autor, não se poderia confundir de modo algum a individua-
lidade que ele chama de “biopsicológica”, característica da espécie humana,
infrapessoal, com a individualidade como valor cultural, hiperpessoal, especí-
fica de determinadas formações históricas; como variante peculiar – paradoxal
mesmo – das teorias relacionais da pessoa socialmente constituída. 28
Ainda em relação à interpretação da sociedade brasileira, é preciso men-
cionar os trabalhos muito expressivos de Luis Tarlei de Aragão (cf. sobretudo,
1983), discípulo direto de Dumont, sob cuja orientação elaborou uma tese sobre
uma ville nouvelle francesa (de que há um resumo em Aragão, 1979). 29 Discípula
de DaMatta, Lívia Barbosa (1992) dedicou-se à interpretação de aspectos da
relacionalidade brasileira, a propósito da categoria “jeitinho”. Em comparação
com o racismo brasileiro, Fernando Rosa Ribeiro (1993, 1995a e 1995b) dedicou-
-se a analisar o sistema do apartheid sul-africano numa chave dumontiana. O
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

primeiro texto a empregar as categorias analíticas de Dumont no Brasil foi um


artigo de Viveiros de Castro e Ricardo Benzaquen de Araújo (1977) sobre a ten-
são entre o “amor” e o Estado no alvorecer da modernidade, tal como encenado
no Romeu e Julieta, de Shakespeare, originalmente apresentado como trabalho
de curso a Gilberto Velho (de quem falarei mais adiante). Araújo (1980) voltaria
a lançar mão do pensamento dumontiano em sua tese sobre carreiras no fute-
bol brasileiro, também sob orientação de Gilberto Velho. 30
Pode-se ainda registrar, fora do Brasil, alguns exemplos de análises de
aspectos das sociedades modernas contemporâneas com inspiração dumontia-
na (além dos do próprio Dumont, é claro), em artigo de Serge Tcherkézoff (1996)
sobre a ordem política na França e em Samoa; de André Iteanu (2013) sobre a
França; de Ismaël Moya (2015) sobre a relação da etnia Wolof com o Senegal; e
nos trabalhos de Théry (2001, 2010a e 2010b) sobre a construção do gênero no
mundo contemporâneo. Embora cite Dumont, a análise de Hervé Varenne (1977)
do individualismo estadunidense não utiliza centralmente seu esquema analí-
tico, seguindo tendências culturalistas mais gerais da antropologia dos EUA.
artigo | luiz fernando dias duarte

751

No Brasil, outra tendência de interpretação antropológica com base no


esquema analítico de Dumont foi desencadeada pela obra de Gilberto Velho,
dedicada em boa parte à explicitação do estilo de vida das camadas médias das
metrópoles brasileiras. O processo de modernização urbana acelerada caracte-
rístico da segunda metade do século XX foi interpretado pioneiramente por
Velho à luz da teoria de Dumont, combinada com a sociologia de Georg Simmel
– esta inseparável das fontes estadunidenses da antropologia urbana que ele
implantou entre as ciências sociais brasileiras. Velho (1981, 1986, 1998, 2001)
analisou não apenas a tendência de “individualização” associada à moderniza-
ção urbana, mas também esmiuçou as diferentes modalidades possíveis desse
processo, sob a forma de “estilos de vida” associados a diferentes “grupos de
status” dentro do universo maior das “camadas médias” e “elites” urbanas bra-
sileiras.
A inspiração de Velho, com sua ênfase na complexidade e historicidade
dos processos sociais, imantou toda uma geração de discípulos, que se dedica-
ram à compreensão de diversos aspectos da vida das classes médias, à luz da
teoria dumontiana. Uma avaliação precoce, mas muito esclarecedora, desse
movimento foi feita por Tania Salem (1985), resumindo diversos aspectos es-
senciais do trabalho então em curso. O primeiro era o do sentido da aproxima-
ção entre o pensamento de Dumont e o de Simmel, sublinhando como a “so-
ciologia das experiências pessoais” do pensador alemão complementava a
análise estrutural e abrangente propiciada pelas teorias dumontianas. A asso-
ciação entre um estruturalismo dinâmico e a fenomenologia permitia descrever
de modo mais próximo a experiência do “individualismo” e da “hierarquia”, em
suas múltiplas combinações empíricas nas metrópoles brasileiras (Salem, 1985:
10). A autora sublinha como a compreensão do fenômeno da psicanálise se
tornou uma das pedras de toque do movimento, comportando continuada dis-
cussão sobre as versões psicologizadas da “individualização” (cf. Velho & Fi-
gueira, 1981). 31 Salem (1985) destaca particularmente as contribuições em cur-
so sobre a experiência da família e do gênero, em situações de mudança e ex-
posição aos valores individualistas (cf. também Franchetto, Cavalcanti & Heil-
born, 1981; Heilborn, 1984). 32 Expressa a grande preocupação presente nesses
trabalhos em não permitir confusão entre o binômio “individualismo/hierarquia”
e o binômio “modernidade/tradição”, ao recusar o caráter estanque dos termos
e suas conotações evolucionistas (Salem, 1985: 14). Deixa claro haver algum
dissenso entre os autores sobre o caráter universal da experiência da “indivi-
dualização” ou sobre sua restrição aos contextos afetados pela ideologia do
individualismo, em seu sentido dumontiano. Expõe finalmente com grande
propriedade uma das chaves do estilo de trabalho comum, a da “constante
tensão entre os valores individualistas e os hierárquicos” (Salem, 1985: 13):

Tomando como pano de fundo a dicotomia individualismo/hierarquia, esta litera-


tura insiste na questão de uma dominância relativa, e não exclusividade absoluta,
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

752

da ideologia que adquire proeminência em um dado segmento social. Nesta medida,


e de forma recorrente, alude-se a uma tensão derivada da presença de orientações
culturais subordinadas que, em determinadas situações e contextos, deixam-se fazer,
contraditando os padrões ideológicos dominantes (Salem, 1985: 13-14)

Esses mesmos princípios estiveram na raiz de minha própria contribui-


ção inicial aos debates desencadeados por Gilberto Velho, ao examinar não as
classes médias, mas as classes trabalhadoras urbanas da região do Rio de Ja-
neiro (Duarte, 1986a). Meu interesse foi o de demonstrar as diferenças de cons-
trução da pessoa entre esses dois grandes segmentos, a partir do conjunto
categorial nativo dos “nervos”, por oposição às representações psicologizadas.
Enquanto estas últimas testemunhavam uma aproximação à ideologia do in-
dividualismo, o código físico-moral dos nervos permitia o acesso a uma visão
de mundo primordialmente hierárquica e relacional. 33
A hipótese da relação entre psicologização e ideologia do individualismo,
que já suscitara alguma literatura local, em diálogo também com psicanalistas
(cf. Figueira, 1981 e 1985; Bezerra, 1982) foi por mim posteriormente aprofun-
dada, em diálogo com Tania Salem (1992) e com Jane Russo (1993), que também
se utiliza do esquema analítico dumontiano em seu trabalho sobre a construção
da carreira dos profissionais de diferentes tradições psicoterapêuticas.
Toda essa linha de trabalho em que Dumont é colocado ao lado de Sim-
mel também o associa ao pensamento de Michel Foucault, apesar das enormes
diferenças epistemológicas entre os dois autores. As propostas de Foucault
sobre a emergência do sujeito moderno, particularmente em Vigiar e punir e
História da sexualidade I permitem mais uma vez fazer deslizar as grades ana-
líticas abrangentes de Dumont para uma apreciação mais próxima dos temas
experienciais da corporalidade, sexualidade e gênero em contextos de moder-
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

nização e “individualização” (cf. Duarte, 1986a: 55).


O ponto principal de distanciamento entre a inspiração de Dumont e a
de Foucault é sem dúvida o tema do “poder”, tão presente – ainda que de forma
peculiar – no segundo, ao mesmo tempo em que essencialmente distante no
primeiro autor, dada a distinção básica dumontiana entre hierarquia e “poder”,
contra o senso comum da cultura ocidental e de suas ideologias eruditas he-
gemônicas.
Talvez o único ponto empírico de contato (fora as discussões mais teó-
ricas) entre esses desenvolvimentos da inspiração dumontiana na antropologia
urbana brasileira e os que se desenvolveram na seara etnológica seja o dos
estudos do “gênero”. A temática mereceu trabalhos específicos tanto na pri-
meira linha (cf. Franchetto, Cavalcanti & Heilborn, 1981; Heilborn, 1995, 1999,
2004, 2006; Salem, 1989, 2006, 2007) quanto na segunda (cf. Tcherkézoff, 1992,
2011; Théry, 2001, 2010a, 2010b; Cécile Barraud, 2015) e bem mereceria uma
aproximação mais sistemática do que é possível fazer neste contexto.
artigo | luiz fernando dias duarte

753

a via da antropologia da cosmologia ocidental em


seus valores estruturantes
As análises históricas do Ocidente moderno apresentadas por Dumont enseja-
ram uma compreensão bastante renovada de uma antiga oposição relativa à
evolução das ideias ocidentais a partir do século XVII: a que opõe o “iluminis-
mo” ao “romantismo”. Ao iluminismo podem corresponder em princípio as
referências dumontianas aos valores “universalistas” e “individualistas”, asso-
ciáveis às análises de seu Homo Aequalis [I]: génèse et épanouissement de l’idéologie
économique (Dumont, 1977), enquanto correspondem ao romantismo as indaga-
ções sobre a continuidade do holismo e da hierarquia no pensamento europeu
pós-iluminista, concentradas no Homo Aequalis II. L’Idéologie Allemande. France,
Allemagne et retour (Dumont, 1991).
Em contraposição às numerosíssimas interpretações do que seja o fe-
nômeno do “romantismo”, tendencialmente mais descritivas e empiristas, Du-
mont o percebe como uma disposição reativa de defesa e recomposição dos
valores holistas em face da crescente hegemonia da ideologia anglo-francesa,
iluminista, do individualismo. Sua análise do pensamento de Herder é particu-
larmente expressiva dessa disposição (Dumont, 1985), embora ela tenha vindo
a ser aplicada a um vasto leque de ideólogos, de Fichte a Hitler.
Esse é um contexto em que fica mais expressiva a disposição de Dumont
em compreender a dinâmica da história ocidental à luz de uma permanente
tensão entre conjuntos antípodas de valores, nunca afirmados – um e outro – de
forma absoluta e unívoca em todos os níveis das diferentes sociedades moder-
nas. Nos termos de Iteanu e Moya (2015:129):

O método de Dumont assume que nenhum valor único pode ser plenamente hegemô-
nico: um valor primordial sempre coexiste com os outros valores que o contradizem.
Mesmo o individualismo sempre se combina com valores holísticos que o contradi-
zem de um modo ou de outro (Dumont 1983: 17-19, 1991: 32-56) (adaptação minha das
referências bibliográficas internas).

Dumont expressou claramente esse projeto na própria bifurcação da


interpretação do Ocidente entre os dois Homo aequalis, abordando sucessiva-
mente as formas portadoras privilegiadas da ideologia individualista e as que
testemunharam a continuidade do holismo sob as vestes da modernidade oci-
dental. 34 Seu interesse se voltou para as grandes formações ideológicas, da
economia e da política sobretudo; ainda que por meio das formulações sempre
mais complexas da filosofia.
A apreciação da articulação entre os valores individualistas e hierárqui-
cos levou-o à formulação de algumas sugestões analíticas interessantes, como
a do “artificialismo” e a do “pseudo-holismo”, para dar conta dos impasses e
embaraços mais escandalosos do projeto de implantação de uma ordem polí-
tica “individualista” racionalizada e plenamente hegemônica. 35 Os fenômenos
do nazismo e do racismo serviram particularmente como laboratório para a
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

754

elaboração desse aparelho analítico relativo às formas híbridas desafiadoras


do grande ideal preeminente.
Inspirado pela modelização dumontiana, mas numa direção muito dife-
rente, venho buscando investigar as relações entre a ideologia do individualis-
36

mo e as demais dimensões da cosmologia ocidental na constituição de dois


domínios bastante diversos entre si, mas perfeitamente complementares. O
primeiro é o das implicações da tensão entre os componentes epistemológicos
do individualismo, particularmente o racionalismo iluminista e o nominalismo
empirista, e a configuração epistemológica característica da filosofia moderna
é o reino privilegiado da dimensão romântica e as ciências naturais continuam
sendo, desde o século XVII, o reino primordial do projeto iluminista, a filosofia
e as ciências humanas, em diferentes dosagens, testemunham a complexidade
do diálogo entre as orientações opostas, produzindo uma pletora de híbridos
fascinantes até o presente momento. Dediquei-me particularmente à análise
dessa dinâmica na antropologia e na psicanálise, dois dos domínios em que o
componente romântico parece vicejar de modo mais expressivo e constante
(2004, 2013a, 2015a, 2015b).
O outro domínio consiste numa exploração da tensão entre iluminismo/
individualismo e romantismo/holismo na constituição das formas da sensibi-
lidade moderna, particularmente no tocante às artes ambientais (cf. Duarte,
2011, 2013b). A emergência da arte moderna da jardinagem (a partir dos lands-
cape gardens do século XVIII) e seus desenvolvimentos posteriores permitem
apreciar o modo pelo qual o “individualismo qualitativo” (à la Simmel) se nutriu
de uma particular disposição de envolvimento com a “natureza” enquanto “mun-
do envolvente” (o Umwelt da fenomenologia). Esse holismo sentimental – que
caracteriza toda a arte ocidental moderna – é o veículo privilegiado de afirma-
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

ção de uma das vertentes mais vívidas da ideologia do individualismo. Os va-


lores da “natureza” e da “vida”, inextricáveis por um lado dos desenvolvimen-
tos da racionalização científica herdeira do iluminismo, vêm servindo de dife-
rentes maneiras para expressar a permanência da dimensão holista, românti-
ca – também na filosofia contemporânea (cf. Duarte, 2015b) e em suas reper-
cussões antropológicas.

***

A apresentação, por sumária que possa ser neste contexto, dos tão ricos
fios da tradição dumontiana visa sobretudo tentar dispersar os estereótipos
fáceis que se acumularam a respeito de uma teoria tão desafiadora, orientando
os novos leitores para uma disposição de conhecimento e debate de uma he-
artigo | luiz fernando dias duarte

755

rança prenhe de possibilidades de fertilização da compreensão sociológica e


antropológica.
Se os ventos contemporâneos tendem a privilegiar as propostas hiperem-
piristas ou neorromânticas, consentâneas com um movimento geral das ciên-
cias humanas de dúvida e rejeição do componente iluminista (racionalista, uni-
versalista) da grande tradição ocidental, nada parece esgotar a riqueza de um
modelo em que o reconhecimento da potência romântica na construção de nos-
sa complexa modernidade é inseparável do reconhecimento da condição hierár-
quica universal da experiência humana – com in finitos corolários para a com-
preensão de nossa tradição e de todos os fenômenos socioculturais contemporâ-
neos. Como pondera Dumont (1985: 236), “Se unir na diferença é ao mesmo
tempo o objetivo da antropologia e a característica da hierarquia, elas estão
condenadas a se frequentar”.

Recebido em 27/09/2017 | Aceito em 24/10/2017

Luiz Fernando Dias Duarte é antropólogo, professor


titular do PPGAS/Museu Nacional/UFRJ.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

756

NOTAS
1 Entre as numerosas apreciações críticas (excetuadas as
indianas, de que trataremos depois) talvez sejam consi-
deradas mais “clássicas” as de F. G. Bailey (1959, apud Pei-
rano, 1991b: 213 – primeira a ser formulada contra o arti-
go original de Dumont & Pocock na Contributions to Indian
Sociology, também de 1959); de MacKim Marriott (com sua
proposta dos “divíduos” na Índia, 1969 e 1976); de Gerald
Berreman (1971); de André Béteille (1986); de Rodney Ne-
edham (contra a noção de hierarquia – 1987); de Alan Ma-
cfarlane (1992 – sobre a histór ia do indiv idualismo). É
peculiar a cr ítica de Lardinois (1995), que explora a in-
f luência juvenil do metafísico René Guénon no destino
intelectual de Dumont; o que deve ser considerado uma
característica muito significativa, mais do que um vício.
2 Revisões mais gerais podem ser encontradas em Galey,
1982, 1984, 1991; Berthoud & Busino, 1984; Duarte 1986a,
2015a; Parkin, 1994, 2003; Toffin, 1999; Stolcke, 2001; Leir-
ner, 2003; Strenski, 2014; entre muitas outras.
3 Todas as citações foram traduzidas para o português [N. E.].
4 Em determinado ponto da entrevista publicada neste nú-
mero de Sociologia & Antropologia, Robbins oferece um qua-
dro informativo precioso do campo em que a antropologia
do cristianismo e o pensamento de Dumont se entrecru-
zam. Naomi Haynes, autora de outro artigo deste volume,
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

faz parte desse quadro.


5 Esses textos tinham sido apresentados no Dumont Centen-
nial (Paris, 2011). O conjunto completo do encontro foi pu-
blicado depois em Barraud, Iteanu e Moya, 2016.
6 Esse número da Hau foi precedido por dois outros (3/1 e 3/2,
2013), voltados para o tema “Valor como Teoria”, abordado
num registro dumontiano por pelo menos quatro das contri-
buições; neles também foram republicados dois artigos
clássicos: o de Hertz sobre a hierarquia das mãos, de 1909, e
o de Dumont intitulado “Sobre o valor”, de 1980. A introdu-
ção de Otto & Willerslev (2013) é bastante estimulante, tanto
na discussão sobre uma possível teoria antropológica geral
do valor, quanto no tocante à contribuição dumontiana.
7 Robbins oferece em sua entrevista neste volume um am-
plo panorama dessa antropologia do cristianismo. Ao qua-
artigo | luiz fernando dias duarte

757

dro de autores mais tradicionais, como Br uce Kapferer,


Mark Mosko, Webb Keane, Birgit Meyer, Jon Bialecki e Apa-
recida Vilaça, acrescenta nomes mais recentes, como os
de Jukka Siikala (Ilhas Cook), Naomi Hay nes (Zâmbia)
(também neste volume), Annelin Eriksen (Vanuatu, Mela-
nesia), Knut Rio (Vanuatu, Melanesia), Ismaël Moya (Se-
negal islâmico) e Guido Sprenger (Laos setentrional).
8 “Para Dumont, todavia, os valores são parte da cultura e
os valores de uma cultura se expressam da maneira pela
qual essa cultura se organiza. Como nos modelos linguís-
ticos dos marcadores diacríticos, com relação aos quais
as ideias de Dumont g uardam semelhança mais do que
passageira, os valores são vistos como construídos dentro
da própria estrutura” (Robbins, 2004: 11).
9 “Eu não o acompanho nessa tendência de sugerir que há
apenas dois tipos de valores primordiais a serem encon-
trados no mundo [ holismo /indiv idualismo ] ” ( Robbins,
2004: 13).
10 A respeito da categor ia “div idualismo”, Iteanu & Moya
(2015: 122) chamam a atenção para o importante fato de
que “nesse ponto Marilyn Strathern segue explicitamente
McKim Marriot (1976), que cunhou o termo relativo à Índia
em sua crítica a Dumont”.
11 Bialecki & Daswani (2015) apresentam uma boa revisão da
literatura etnológica sobre dividualismo (cum partibilida-
de) e individualismo, remetendo às propostas originais de
Roy Wagner, Marilyn Strathern e Alfred Gell, e resenhan-
do as polêmicas internas à antropologia do cristianismo.
12 Essa discrepância entre a transcendência da ideolog ia
indiv idualista e uma exper iência v iv ida em condições
concretas em que holismo e hierarquia (e “dividualismo”)
se articulam se encontra na raiz da recorrente referência
de Dumont (1995) ao individualismo como “artificial”: “o
artificialismo prometeico da civilização moderna”.
13 Um ponto fundamental da teorização dumontiana sobre
o individualismo é o da diferença entre o “agente empíri-
co” e o “sujeito normativo” (ou o “ser moral” do ideal in-
dividualista) (Dumont, 1972: 43; 1977: 17).
14 O contato com as propostas de Robbins sobre as conver-
sões ao cristianismo e o particular desafio da análise de
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

758

religiosidades híbridas, me remete quase automaticamen-


te às análises de R. Bastide sobre o mundo religioso afro-
brasileiro, ainda que, provavelmente, as críticas de Rob-
bins (2011: 421) ao estilo de análise de uma “criptorreligião”
pudessem se aplicar a certos aspectos da complexa obra
de Bastide. Duas condições distinguem porém a situação
histórica brasileira das que caracterizam as análises re-
centes dos “cristianismos nativos”: o contexto de escra-
vidão difusa no seio de uma nação estruturada e o pano
de fundo hegemonicamente católico de todo o processo.
15 “Esta proposta tem seu interesse não só porque foi no
diálogo com a civilização indiana que Louis Dumont de-
senvolveu suas principais proposições, mas, mais ainda,
porque foi respondendo a antropólogos e filósofos sociais
indianos que ele construiu grande parte da sua obra” (Pei-
rano, 1987: 109).
16 “No artigo inaugural [1957], Dumont e Pocock afirmam a
especificidade da Índia como civilização e, enquanto tal,
como totalidade. Procurando fugir dos estudos de peque-
na escala, os autores se propunham estudar a Índia atra-
vés de suas ideias e valores, unindo os métodos etnográ-
ficos tradicionais da pesquisa de campo à indologia e aos
estudos clássicos, numa clara linha herdada de Mauss e
Durkheim” (Peirano, 1991a: 213).
17 “Resulta disto que o cientista francês, diferentemente do
brasileiro, não se vê dividido entre duas lealdades mas
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

que, como é o caso do próprio Dumont, a ideologia univer-


salista que partilha como cientista já é ‘nacionalmente’
francesa” (Peirano, 1985: 39).
18 “Sua antropolog ia se disting ue por uma tentativa de ir
além do holismo como um modo de descrição (i.e., a apre-
sentação das sociedades como totalidades institucional-
mente integradas) e de torná-lo uma metodologia para a
análise antropológica” (Kapferer, 2010: 187). O artigo de
Tcherkézoff (2017) neste volume é dedicado justamente à
demonstração empírica do funcionamento do “holismo
metodológico” de Dumont.
19 “Para Evans-Pritchard, a questão é a da não substancia-
lidade, a relatividade das diversas ordens de agrupamen-
tos ou distinções, no que toca à situação em que são vistos
artigo | luiz fernando dias duarte

759

em ação [...] a segmentação é um aspecto da estrutura que


se opõe à substância” (Dumont, 1972: 79; itálicos meus).
20 “Postulada uma relação entre superior e inferior, é preci-
so nos habituar a especificar em que nível se situa essa
própria relação hierárquica. Ela não pode ser verdadeira
de uma ponta à outra da experiência (só as hierarquias
artificiais têm essa pretensão), pois isso seria negar a pró-
pria dimensão hierárquica, que supõe que as situações se
distingam pelo valor” (Dumont, 1978b: 402).
21 Robbins menciona na entrevista publicada neste volume
o modo como seu orientador, R. Wagner, o alertou para
essa qualidade “dialética” da obra de Dumont. Também
lembra ali que Sherry Ortner se referiu positivamente a
essa qualidade em seu clássico artigo “Theory in Anthro-
pology since the sixties”. Houseman (2015: 256 e seg.) ob-
serva, porém, que, num sentido mais específico, Dumont
procurou distinguir a dinâmica da dialética hegeliana da
que caracteriza o “englobamento hierárquico”.
22 “Acrescente-se a isso, enfim, a imagem negativa que hoje
envolve as ideias de Dumont, denunciadas que foram co-
mo uma espécie de despotismo or ientalista (um “black
holism”, digamos), ou o corrente desfavor de que gozam
termos como “hierarquia” e “estrutura”, cujas ressonâncias
supostamente antiprocessivas e anticonstrutivas são con-
sideradas impalatáveis” (Viveiros de Castro, 2001: 19).
23 “O que define a totalidade, ou os limites da totalidade, é
efetivamente o ponto em que a lógica dinâmica de englo-
bamento pelo Todo das Partes (que são diferenciações do
valor ao longo do Todo) alcança um limite como princípio
organizador e gerador de relações sociais” (Kapferer, 2010:
196).
24 “Eu não tenho ideia, a comparação a traz” (Dumont, 1991: 8).
25 Tcherkézoff considera ainda mais ampla essa inf luência,
sugerindo que as proposições de Weber sobre o individua-
lismo em geral teriam constituído uma espécie de “pro-
grama de trabalho” para Dumont (Dumont, 1985: 73; 1972:
43; apud Tcherkézoff, 1993: 141).
26 Tcherkézoff (1993: 144) comenta com muita propriedade
quão grave é o risco de “tipologização” do esquema ana-
lítico de Dumont, tão essencialmente dialético. Na mesma
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

760

direção, Lanna, em sua discussão do estatuto da hierarquia


em face da noção de reciprocidade no contexto etnológico,
aduz o comentário de E. Leach (apud Lanna, 1996: 130) de
que “sérios mal-entendidos surgem constantemente a par-
tir da tendência para confundir diag ramas estr uturais
com realidade etnográfica”.
27 Em um texto sobre a noção de “valor” em Mauss, formulei
a oposição entre “indivíduo infrassocial” e “indivíduo hi-
p e r s o c i a l” p a r a d a r c ont a d a p o s iç ão or ig i n á r i a de
Durkheim a respeito da identidade social; o que poderia
estar na raiz do equívoco de DaMatta (1979: 233) – parti-
cularmente em relação a uma categoria tal como “super-
pessoa” (cf. Duarte, 1986b: 76-77).
28 As leituras “cosmossociológ icas” brasileiras do “indivi-
dualismo” de Dumont envolveram variadas elaborações
da questão da “individualidade”, “individualização” ou
“individuação” dos sujeitos em situações em que a “ideo-
logia do individualismo” não era hegemônica. As próprias
referências de Dumont ao renunciante indiano ou aos
membros da pólis grega permitiam essas interpretações,
eventualmente considerando, como o faria Gilberto Velho,
que a “individualização” ser ia um fenômeno universal.
Embora se trate em todos os casos de um mero problema
de convenção semântica dos termos, a ênfase nesse pon-
to revela certamente a inquietação quanto a sua aplicabi-
lidade no caso de uma sociedade “atípica” como a brasi-
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

leira. Como diz DaMatta (2000: 21; itálico meu), seria ne-
cessário: “acentuar uma oposição bem marcada entre a
individualidade, que v ivencia e conceitualiza o colet ivo
como complementar, e o individualismo, que vivencia o afas-
tamento do grupo como um movimento marcado por in-
terioridade e subjetividade”.
29 A dificuldade de acesso aos artigos muito esparsos de Ara-
gão virá a ser superada com a publicação de uma coletânea
organizada por Luis Eduardo Abreu, para a qual escrevi
um prefácio (Duarte, no prelo).
30 Nesses primeiros anos da década de 1980, outros três im-
portantes antropólogos brasileiros se ocuparam do pen-
samento de Dumont em trabalhos específicos. Luís Rober-
to Cardoso de Oliveira (1984) comparou minuciosamente
as leituras da Índia feitas por Max Weber e Dumont; Otá-
artigo | luiz fernando dias duarte

761

vio Velho (1984) recorreu a uma comparação entre o binô-


mio dumontiano e a oposição de Nietzsche entre o apolí-
neo e o dionisíaco para sua contestação da tradição “fun-
cionalista” da antropologia; e Peter Fry (1982) construiu
sua prestigiosa interpretação dos dois regimes do homo-
erotismo brasileiro com base na oposição entre hierarquia
e individualismo.
31 Entre as contribuições dessa linha de trabalho, avultou a
hipótese do “desmapeamento” social em situações de mu-
dança acelerada e sua relação com o crescimento da bus-
ca de terapias psicológicas (cf. Figueira, 1981 e 1985).
32 Salem dar ia continuidade a essa linha de pesquisa em
diversos trabalhos poster iores: 1989, 1992, 2007; assim
como Heilborn: 1995, 1999, 2004, 2006.
33 Salem (2006) chamaria essa proposta de compreensão da
cultura das classes populares brasileiras de “paradigma
holista”, ao examinar um vasto material sobre as relações
de gênero naquele universo.
34 “Procuramos, para começar, isolar o que é característico
por sua oposição àquilo que o precedeu e que coexiste com
ele, e a descrever a gênese dessa coisa qualquer, que nós
chamamos aqui de individualismo. Nessa etapa, tendemos
amplamente a identificar individualismo e modernidade.
O fato massivo que se impõe agora é que há no mundo con-
temporâneo, mesmo em sua parte ‘avançada’, ‘desenvolvi-
da’ ou ‘moderna’ por excelência, e mesmo no plano exclu-
sivo dos sistemas de ideias e de valores, no plano ideológi-
co, uma coisa distinta do que havíamos definido diferen-
cialmente como moderno. Além disso, nós descobrimos
que certas ideias-valores que considerávamos como mais
intensamente modernas são, em realidade, o resultado de
uma história no curso da qual modernidade e não moder-
nidade, ou mais exatamente as ideias-valores individualis-
tas e seus contrários, combinaram-se intimamente” (Du-
mont, 1985: 30-31). Ver também sua entrev ista em Ber-
thoud & Busino, 1984: 160.
35 “A ideologia tem o poder de transformar a realidade social
apenas dentro de certos limites e quando se ignoram esses
limites produz-se o contrário do que se desejava” (Dumont
1977: 21).
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

762

36 A que Dumont não deixou de se referir, mas como outra


via: “Está bastante claro que a categoria estética ampliou-
-se desde 1750 a tal ponto que qualquer um hoje em dia
pode considerar-se e desejar ser um artista. […] Com re-
lação ao econômico, vemos na estética um progresso da
interioridade” (entrevista publicada em Berthoud & Busi-
no, 1984: 153).

ReferênciaS BIBLIOGRÁFICAs

Appadurai, Arjun. (1988). Putting hierarchy in its place. Cul-


tural Anthropology, 3/1, p. 36-49.

Aragão, Luis T. (1983). Em nome da mãe. Perspectivas Antro-


pológicas da Mulher, 3. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

Aragão, Luis T. (1979). Ville, quartier, famille à St. Quentin


en Yvelines. Esprit, 3, p. 51-61.

Araújo, Ricardo Benzaquen de. (1980). Os gênios da pelota.


Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em
Antropologia Social/Museu Nacional/Universidade Federal
do Rio de Janeiro.

Bailey, F. G. (1959). For a sociology of India. Contributions to


Indian Sociology, 3, p. 88-101.

Barbosa, Lívia. (1992). O jeitinho brasileiro: a arte de ser mais


igual que os outros. Rio de Janeiro: Campus.
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

Barraud, Cécile. (2015). Kinship, equality, and hierarchy:


sex distinction and values in comparative perspective.
HAU: Journal of Ethnographic Theory, 5/1.

Barraud, Cécile; Iteanu, André & Moya, Ismaël. (2016). Puis-


sance et impuissance de la valeur. Paris: CNRS Éditions.

Berreman, Gerald. (1971). Review of Louis Dumont: Homo


Hierarchicus. Man, 6/3.

Berthoud, Gérald & Busino, Giovanni (orgs.). (1984).


L’exploration de la modernité. La démarche de Louis Du-
mont. Revue Européenne des Sciences Sociales (Cahiers Vilfredo
Pareto XXII), 68.

Béteille, André. (1986). Individualism and equality. Current


Anthropology, 27/2, p. 121-34.
artigo | luiz fernando dias duarte

763

Bezerra Jr., Benilton. (1982). A noção de indivíduo: reflexão


sobre um implícito pouco pensado. Dissertação de Mestrado.
Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio
de Janeiro.

Bialecki, Jon & Daswani, Girish. (2015). Introduction: What


is an individual? The view from Christianity. HAU: Journal
of Ethnographic Theory, 5/1, p. 271-294.

Coppet, Daniel de. (1992). Comparison, a universal for


antropology. From "re-presentation" to the comparison of
hierarchies of values. In: Kuper, Adam (org.). Conceptualizing
society. London/New York: Routledge.

DaMatta, Roberto. (2000). Individualidade e liminaridade:


notas sobre o conceito de rito de passagem. Mana, 6/1, p.
7-29.

DaMatta, Roberto. (1983). Le dilèmme brésilien: individu,


individualisme et personne dans les sociétés semi-tradi-
tionelles. Esprit, 79.

DaMatta, Roberto. (1979). Carnavais, malandros e heróis. Para


uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar.

Duarte, Luiz Fernando D. (no prelo). Prefácio. In: Aragão,


Luiz Tarlei de. Coronéis, candangos e doutores. Por uma antro-
pologia dos valores. Edição, introdução e comentários de Luiz
E. Abreu. Brasília: Editora Virtual.

Duarte, Luiz Fernando D. Interview with Joel Robbins about


his work and Louis Dumont. Sociologia & Antropologia, 7/3
[neste volume].

Duarte, Luiz Fernando D. (2015a). Louis Dumont. In: Rocha,


Everardo & Frid, Marina (orgs.). Os antropólogos. De Edward
Tylor a Pierre Clastres. Petrópolis/Rio de Janeiro: Vozes/Edi-
tora PUC.

Duarte, Luiz Fernando D. (2015b). Romanticism and holism


in the anthropology of the West: revisiting Bergson’s para-
dox. Anthropological Theory, 15/2, p.179-199. DOI:
10.1177/1463499614567690. Disponível em <http://ant.sa-
gepub.com/content/15/2/179.full.pdf+html>. Acesso em 19
mar. 2016.

Duarte, Luiz Fernando D. (2013a). Antropología y psicoaná-


lisis: retos de las ciencias románticas en el siglo XXI. Re-
vista Culturas PSI/PSY Cultures, 1, p. 45-63.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

764

Duarte, Luiz Fernando D. (2013b). Artes ambientais e socie-


dade: paisagem como projeto no Ocidente. In: Reinheimer,
Patricia & Parracho, Sabrina (orgs.). Manifestações artísticas
e ciências sociais: reflexões sobre arte e cultura material. Rio de
Janeiro: Folha Seca, p. 47-60.

Duarte, Luiz Fernando D. (2011). Damascus in Dahlem: art


and nature in Burle Marx' tropical landscape design. Vibrant,
8/1, p. 495-509.

Duarte, Luiz Fernando D. (2004). A pulsão romântica e as


ciências humanas no Ocidente. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, 19/55, p. 5-18.

Duarte, Luiz Fernando D. (1986a). Da vida nervosa (nas clas-


ses trabalhadoras urbanas). Rio de Janeiro: Jorge Zahar/CNPq.

Duarte, Luiz Fernando D. (1986b). Classificação e valor na


reflexão sobre identidade social. In: Cardoso, Ruth (org.). A
aventura antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, p. 69-92.

Dumont, Louis. (1995). Entretien, Le Monde.

Dumont, Louis. (1991). Homo Æqualis II. L’Idéologie Allemande.


France, Allemagne et retour. Paris: Gallimard.

Dumont Louis. (1986). L'individu et les cultures. Communi-


cations, 43 (Le croisement des cultures), p. 129-140. Dispo-
nível em <http://www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1986_
num_43_1_1644>. Acesso em 21 mar. 2017.
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

Dumont, Louis (1985) [1983]. O individualismo. Uma perspec-


tiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco.

Dumont, Louis. (1983). Affinity as value: marriage alliance in


South India with comparative essays on Australia. London:
University of Chicago Press.

Dumont, Louis. (1978a). Préface à l'édition Tel. In: Dumont,


Louis. Homo Hierarchicus. Paris: Gallimard.

Dumont, Louis. (1978b). Vers une théorie de la hierarchie.


In: Dumont, Louis. Homo Hierarchicus. Paris: Gallimard, p.
396-403.

Dumont, Louis. (1977). Homo Æqualis: génèse et épanouisse-


ment de l'idéologie économique. Paris: Gallimard.

Dumont, Louis. (1972). Homo Hierarchicus. London: Palladin.


artigo | luiz fernando dias duarte

765

Durkheim, Émile. (1970) [1898]. L'individualisme et les in-


tellectuels. In: Filloux, Jean-Claude (org.). La science sociale
et l'action. Paris: PUF.

Enthoven, Jean-Paul. (1984). Dumont, l’intouchable (entre-


tien). Revue Européenne des Sciences Sociales (Cahiers Vilfre-
do Pareto), XXII/68, p. 29-33.

Figueira, Sérvulo. (1985). Cultura da psicanálise. São Paulo:


Brasiliense.

Figueira, Sérvulo. (1981). O contexto social da psicanálise. Rio


de Janeiro: Francisco Alves.

Franchetto, Bruna; Cavalcanti, Maria Laura & Heilborn, Ma-


ria Luiza. (1981). Antropologia e feminismo. Perspectivas
Antropológicas da Mulher 1. Rio de Janeiro, Zahar Editor, p.
13-47.

Fry, Peter. (1982). Para inglês ver. Rio de Janeiro: Zahar.

Galey, Jean-Claude. (1991). Dumont, Louis. In: Bonte, Pierre


(org.). Dictionnaire de l’éthnologie et de l’anthropologie. Paris:
PUF.

Galey, Jean-Claude (org.). (1984). Différences, valeurs, hie-


rarchie (mélanges offertes à Louis Dumont). Paris: EHESS.

Galey, Jean-Claude. (1982). The spirit of apprenticeship in


a master craftsman. In: Madan, Triloki Nath (org.). Way of
Life. King, householder, renouncer: essays in honour of Louis
Dumont. Paris: Ed. de la MSH, p. 3-22.

Haynes, Naomi. (2017). Contemporary Africa through the


theory of Louis Dumont. Sociologia & Antropologia, 7/3
[neste volume]

Heilborn, Maria Luiza. (2004). Dois é par: gênero e identidade


sexual em contexto igualitário. Rio de Janeiro: Garamond.

Heilborn, Maria Luiza. (1999). Construção de si, gênero e se-


xualidade. In: Heilborn, Maria Luiza (org.). Sexualidade: o olhar
das ciências sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. p. 40-58.

Heilborn, Maria Luiza. (1995). O que faz um casal, casal?


Conjugalidade, igualitarismo e identidade sexual em ca-
madas médias urbanas. In: Ribeiro, Ana Clara Torres & Ri-
beiro, Ivete (orgs.). Família em processos contemporâneos:
inovações culturais na sociedade brasileira. São Paulo: Edições
Loyola.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

766

Heilborn, Maria Luiza. (1984). Visão de mundo e éthos em


camadas médias suburbanas no Rio de Janeiro. In: Rodri-
gues, Leôncio Martins et al. Ciências Sociais Hoje. São Paulo,
Cortez, p. 88-99.

Heilborn, Maria Luiza et al. (2006). O aprendizado da sexua-


lidade. Reprodução e trajetórias sociais de jovens brasileiros. Rio
de Janeiro: Garamond/Fiocruz.

Houseman, Michael. (2015). The hierarchical relation: a


particular ideology or a general model? HAU: Journal of Eth-
nographic Theory, 5/1, p. 251-269.

Iteanu, André. (2013). The two conceptions of value. HAU:


Journal of Ethnographic Theory, 3/1, p. 155-171.

Iteanu, André. (2009). Hierarchy and power: a comparative


attempt under assymmetrical lines. In: Rio, Knut M. &
Smedal, Olaf H. (orgs.). Hierarchy: persistence and transforma-
tion in social formations. Oxford: Berghahn.

Iteanu, André & Moya, Ismaël. (2015). Introduction: Mister


D.: radical comparison, values, and ethnographic theory.
HAU: Journal of Ethnographic Theory, 5/1, p. 113-136.

Kapferer, Bruce. (2010). Louis Dumont and a holist anthro-


pology. In: Otto, Ton & Bubandt, Nils (orgs.). Experiments in
holism: theory and practice in contemporary anthropology. Chi-
chester: Wiley & Blackwell.

Lanna, Marcos. (1996). Reciprocidade e hierarquia. Revista


sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

de Antropologia. São Paulo, 39/1, p. 111-144.

Lardinois, Roland. (1995). Louis Dumont et la science indi-


gène. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 15.

Leirner, Piero de C. (2003). Hierarquia e individualismo em


Louis Dumont. Rio de Janeiro: Jorge Zahar (Coleção Passo-a-
-Passo).

Macfarlane, Alan. (1992). Louis Dumont and the origins of


individualism. Cambridge Anthropology, 16/1, p. 1-28.

Madan, Triloki Nath (org.). (1982). Way of life. King, house-


holder, renouncer: essays in honor of Louis Dumont. Paris: MSH.

Marriott, McKim. (1976). Hindu transactions: diversity with-


out dualism. In: Kapferer, Bruce (org.). Transaction and mean-
ings. Philadelphia: Institute for the Study of Human Issues,
p. 109-142.
artigo | luiz fernando dias duarte

767

Marriott, McKim. (1969). A review of Homo hierarchicus by L.


Dumont. American Anthropologist, 71, p. 166-175.

Mosko, Mark S. (2015). Unbecoming individuals: the par-


tible character of the Christian person. HAU: Journal of Eth-
nographic Theory, 5/1, p. 361-393.

Mosko, Mark. (2010). Partible penitents: dividual person-


hood and Christian practice in Melanesia and the West.
Journal of the Royal Anthropological Institute (N.S.), 16/2, p.
215-240.

Moya, Ismaël. (2015). Unavowed value: economy, compari-


son, and hierarchy in Dakar. HAU: Journal of Ethnographic
Theory, 5/1, p. 151-172.

Needham, Rodney. (1987). Hierarchy. In: Needham, Rodney.


Counterpoints. Berkeley: University of California Press.

Oliveira, Luís Roberto Cardoso de. (1984). Compreensão e


comparação em Max Weber e Louis Dumont. Anuário An-
tropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p. 66-94.

Otto, Ton; Willerslev, Rane. (2013). Introduction: Value as


theory. Comparison, cultural critique, and guerilla ethno-
graphic theory. Part I. Special Issue of Hau: Journal of Eth-
nographic Theory, 3/1, p. 1-20.

Parkin, Robert. (2003). Louis Dumont and hierarchical opposi-


tion. Oxford: Berghahn.

Parkin, Robert. (1994). Equality, hierarchy and temperament.


Journal of the Anthropological Society of Oxford, 25/1, p. 69-76.

Peirano, Mariza. (1998). When anthropology is at home: the


different contexts of a single discipline. Annual Revew of
Anthropology. 27, p. 105-128.

Peirano, Mariza. (1997). Onde está a antropologia? Mana,


3/2, p. 67-102.

Peirano, Mariza. (1991a). Diálogos, debates e embates. In:


Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas.
Brasília: Editora UnB.

Peirano, Mariza. (1991b). Uma antropologia no plural. In


Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas.
Brasília: Editora UnB.

Peirano, Mariza. (1991c). The anthropology of anthropology:


the Brazilian case. Brasília: UnB. Série Antropologia, 110.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

768

Peirano, Mariza. (1988). Are you catholic? Relato de viagem,


reflexões teóricas e perplexidades éticas. Dados, 31/2, p.
219-242.

Peirano, Mariza. (1987). A Índia das aldeias e a Índia das


castas. Dados, 30/1, p.109-122.

Peirano, Mariza. (1985). O antropólogo como cidadão. Dados,


28/1, p. 29-43.

Pina Cabral, João de. (2007). A pessoa e o dilema brasileiro:


uma perspectiva anticesurista. Novos estudos Cebrap, 78, p.
95-111. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002007000200010&ln
g=en&nrm=iso>. Acesso em 11 jul. 2017.

Ribeiro, Fernando Rosa. (1995a). A construção da nação na


África do Sul: a ideologia individualista e o apartheid. Anu-
ário Antropológico, 94. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, p.
161–188.

Ribeiro, Fernando Rosa. (1995b). “Apartheid” and “democracia


racial”: South Africa and Brazil in contrast. Tese de Doutorado.
Universidade de Utrecht.

Ribeiro, Fernando Rosa. (1993). Apartheid e democracia ra-


cial: raça e nação no Brasil e na África do Sul. Estudos Afro-
Asiáticos, 24, p. 95-120.

Robbins, Joel. (2015a). On happiness, values, and time: the


long and the short of it. HAU: Journal of Ethnographic Theory,
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

5/3, p. 215-233.

Robbins, Joel. (2015b). Dumont's hierarchical dynamism:


Christianity and individualism revisited. HAU: Journal of
Ethnographic Theory, 5/1, p. 173-195.

Robbins, Joel. (2011). Crypto-religion and the study of cul-


tural mixtures: anthropology, value, and the nature of syn-
cretism. Journal of the American Academy of Religion, 79/2, p.
4 0 8 - 4 2 4 . D i s p o n í v e l e m < h t t p : / / w w w. j s t o r. o rg / s t a -
ble/23020432>. Acesso em 23 jan. 2017.

Robbins, Joel. (2007a). Between reproduction and freedom:


morality, value, and radical cultural change. Ethnos, 72/3, p.
293-314.

Robbins, Joel. (2007b). Continuity thinking and the problem


of Christian culture. Current Anthropology, 48/1, p. 5-38.
artigo | luiz fernando dias duarte

769

Robbins, Joel. (2004). Becoming sinners. Christianity and mor-


al torment in a Papua New Guinea Society. Berkeley/Los An-
geles/London: University of California Press.

Robbins, Joel. (1994). Equality as a value: ideology in Du-


mont, Melanesia and the West. Social Analysis, p. 21-69.

Russo, Jane A. (1993). O corpo contra a palavra: as terapias


corporais no campo psicológico dos anos 80. Rio de Janeiro: Ed.
UFRJ.

Sahlins, Marshall. (2011). What kinship is (part one). Journal


of the Royal Anthropological Institute, 17, p. 2-19.

Salem, Tania. (2007). O casal grávido. Disposições e dilemas da


parceria igualitária. Rio de Janeiro: Ed. FGV.

Salem, Tania. (2006). Tensões entre gêneros nas classes po-


pulares: uma discussão com o paradigma holista. Mana.
Estudos de Antropologia Social, 12/2, p. 419-447.

Salem, Tania. (1992). A ‘despossessão subjetiva’: dos para-


doxos do individualismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais,
18/7, p. 62-77.

Salem, Tania. (1989). O casal igualitário: princípios e im-


passes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 3/9, p. 24-37.

Salem, Tania. (1985). Família em camadas médias: uma re-


visão da literatura recente. Boletim do Museu Nacional, 54, p.
1-29 (Nova Série – Antropologia).

Stolcke, Verena. (2001). Gloria o maldición del individual-


ismo moderno según Louis Dumont, Revista de Antropologia,
44/2, p. 7-37

Strathern, Marilyn. (1988). The gender of the gift: problems


with women and problems with society in Melanesia. Berkeley/
Los Angeles/London: University of California Press.

Strenski, Ivan. (2014) [2008]. Dumont on religion: difference,


comparison, transgression. London/New York: Routledge.

Tcherkézoff, Serge. Louis Dumont, a comparação das so-


ciedades e o diálogo cultural. Sociologia & Antropologia, 7/3.
[neste volume]

Tcherkézoff, Serge. (2011). La distinction de sexe, la socio-


logie holiste et les Îles Samoa. L’Homme, 198-199, p. 333-354.
Disponível em <http://lhomme.revues.org/22806>. Acesso
em 15 jul. 2017.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

770

Tcherkézoff, Serge. (1996). Les oppositions dualistes (droite/


gauche). La politique française récente et l'anthropologie
des classifications. Gradhiva, 20, p. 67-82.

Tcherkézoff, Serge. (1993). L’“Individualisme” chez Louis


Dumont et l'anthropologie des idéologies globales. Génèse
du Point de Vue Comparatif, 1 ère Partie. Anthropologie et So-
ciétés, 17/3, p. 141-158.

Tcherkézoff, Serge. (1992). La question du ‘genre’ à Samoa.


De l'illusion dualiste à la hiérarchie des niveaux. Anthro-
pologie et Sociétés, 16/2, p. 91-117.

Théry, Irène. (2010a). Le genre: identité des personnes ou


modalité des relations sociales?. Revue Française de Pédago-
gie, 171, p. 103-117. Disponível em <http://rfp.revues.
org/1923>. Acesso em 14 jul. 2017.

Théry, Irène. (2010b). Qu’est-ce que la distinction de sexe ?


Bruxelas: Yapaka.

Théry, Irène. (2001). La côte d'Adam. Retour Sur Le Paradoxe


Démocratique. Esprit, 273/3-4, p. 10-22.

Toffin, Gérard. (1999). Louis Dumont (1911-1998). L'Homme,


39/150, p. 7-14.

Varenne, Henri. (1977). Americans together. Structured diver-


sity in a Midwestern town. New York: Teachers College Press.

Velho, Gilberto. (2001). Família e parentesco no Brasil con-


temporâneo: individualismo e projetos no universo de ca-
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

madas médias. Interseções. Revista de Estudos Interdisciplina-


res, 3/2, p. 45-52.

Velho, Gilberto. (1998). Nobres & anjos: um estudo de tóxicos


e hierarquia. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getulio Vargas.

Velho, Gilberto. (1986). Subjetividade e sociedade. Rio de Ja-


neiro: Zahar.

Velho, Gilberto. (1981). Individualismo e cultura: notas para


uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro:
Zahar.

Velho, Gilberto & Figueira, Sérvulo (orgs.). (1981). Família,


psicologia e sociedade. Rio de Janeiro: Campus.

Velho, Otávio. (1984). As bruxas estão soltas e o fantasma


do funcionalismo. Boletim do Museu Nacional. Rio de Janeiro,
48. (Nova Série − Antropologia).
artigo | luiz fernando dias duarte

771

Vilaça, Aparecida. (2015). Dividualism and individualism


in indigenous Christianity: a debate seen from Amazonia.
HAU: Journal of Ethnographic Theory, 5/1, p. 197-225.

Viveiros de Castro, Eduardo. (2002). O problema da afinida-


de na Amazônia. In: A inconstância da alma selvagem. São
Paulo: Cosac Naify.

Viveiros de Castro, Eduardo. (2001). GUT feelings about


Amazonia: potential affinity and the construction of soci-
ality. In: Rival, Laura M. & Whitehead, Neil L. (orgs.). Beyond
the visible and the material: the amerindianization of society in
the work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press, p.
19-43.

Viveiros de Castro, Eduardo. (2000). Atualização e contrae-


fetuação do virtual na socialidade amazônica: o processo
de parentesco. Ilha. Revista de Antropologia, 2/1, p. 5-46.

Viveiros de Castro, Eduardo. (1998). Dravidian and related


kinship systems. In: Godelier, Maurice; Trautmann, Thom-
as R. & Fat, Franklin Tjon Sie (orgs.). Transformations of kin-
ship. Washington, DC: Smithsonian Institution Press, p.
332-385.

Viveiros de Castro, Eduardo. (1993). Alguns aspectos da afi-


nidade no dravidianato amazônico. In: Cunha, Manuela
Carneiro da & Viveiros de Castro, Eduardo (orgs.). Amazônia:
etnologia e história indígena. São Paulo: Núcleo de História
Indígena e do Indigenismo da USP/Fapesp, 149-210.

Viveiros de Castro, Eduardo & Araújo, Ricardo B. de. (1977).


Romeu e Julieta e a origem do Estado. In: Velho, Gilberto
(org.). Arte e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar.

Yan, Yunxiang. (2010). The Chinese path to individualiza-


tion. British Journal of Sociology, 61/3, p. 489-512.

Yan, Yunxiang. (2009). The individualization of Chinese society.


Oxford/New York: Berg.
o valor dos valores: louis dumont na antropologia contemporânea

772

O VALOR DOS VALORES: LOUIS DUMONT NA


ANTROPOLOGIA CONTEMPORÂNEA
Resumo Palavras-chave
Trata-se de uma revisão dos principais focos de influência Valor;
do pensamento de Louis Dumont nas ciências sociais con- hierarquia;
temporâneas, mostrando as diversas correntes analíticas holismo;
em que sua contribuição tem sido frutífera, com ênfase em individualismo;
diferentes aspectos de suas teorias e interesses etnográfi- totalidade.
cos. Os estudos do parentesco e da religião, a interpretação
da configuração cultural indiana, a teoria da “hierarquia”
e o “holismo metodológico”, a história e a sociologia da
“ideologia do individualismo”, o estatuto da noção de “to-
talidade”, a dinâmica da mudança cultural, a dimensão
ética da noção de “valor” e a antropologia da cultura oci-
dental são os principais domínios da influência atual evo-
cados.

THE VALUE OF VALUES: LOUIS DUMONT IN


CONTEMPORARY ANTHROPOLOGY
Abstract Keywords
This is a review of the main foci of influence of Louis Du- Value;
mont’s thought in contemporary social sciences. Several hierarchy;
analytical currents will be described in which his contribu- holism;
tion has been effective, with an emphasis on different as- individualismo;
pects of his theories and ethnographic interests. The main totality.
areas currently influenced by his work investigated in this
sociol. antropol. | rio de janeiro, v.07.03: 735 – 772, dezembro, 2017

article are: kinship and studies of religion; the interpreta-


tion of the Indian cultural configuration; the theory of “hi-
erarchy” and “methodological holism”; the history and
sociology of the “ideology of individualism”; the status of
the notion of “totality”; the dynamics of cultural change;
the ethical dimension of the notion of “value”; and the
anthropology of Western culture.

Você também pode gostar