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Acesso: 04/11/2018 as 10h44

A concepção de cidade em diferentes matrizes teóricas das Ciências Sociais

A concepção de cidade em diferentes


matrizes teóricas das Ciências Sociais
Maria Josefina Gabriel Sant´Anna *

Resumo - A cidade ocidental moderna tem sido pensada no âmbito das Ciências Sociais
sob distintas matrizes teóricas, com diferentes graus de abstração e de generalização.
Busca-se aqui formular um breve panorama de algumas das diversas concepções que
marcam o pensamento sobre a cidade, com destaque para os pensadores clássicos da
Sociologia – Marx, Weber e Durkheim –, para a Escola de Chicago, bem como para a
sociologia urbana francesa.
Palavras-chaves
Palavras-chaves: cidade; urbano; industrialização; urbanização.

A cidade segundo os clássicos:


Marx, W eber
eber,, Durkheim
Weber
Para Marx e Engels, a cidade ocidental evidencia a exploração à qual os trabalhado-
moderna constitui o local da produção e re- res estão submetidos e onde, dialeticamente,
produção do capital, produto da sociedade tal exploração será superada, pela revolução
capitalista, e, portanto, parte integrante de pro- operária. A cidade capitalista, nessa perspec-
cessos sociais mais amplos. A reflexão dos tiva, tem concretude histórica.
autores incide, dessa forma, sobre uma cida- As grandes cidades industriais expressam
de específica – a cidade industrial moderna, também a miséria e a degradação da classe
já que, para eles, “a história de qualquer soci- operária, denunciadas com contundência por
edade até nossos dias é a história da luta de Engels em A situação da classe trabalhado-
classes” (Manifesto Comunista/1848). De- ra na Inglaterra, de 1845, idéia retomada
riva daí a concepção do papel histórico e es- posteriormente por Marx em O Capital, de
tratégico que eles imputam à cidade industrial 1867. Após observar Manchester por vinte
no século XIX, como locus da luta de classes. meses, Engels afirma, em relação à moradia e
Berço da burguesia e de sua ascensão revolu- às famílias operárias: “nas habitações operá-
cionária, a cidade é também o espaço onde se rias de Manchester não há limpeza nem con-

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Professora do IFCH/PPCIS/UERJ. E-mail: mase@uerj.br.

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forto, e, portanto, não há vida familiar possí- te incorporado em Economia e Sociedade


vel; só uma raça desumanizada, degradada, com o título de “A dominação não-legítima
rebaixada a um nível bestial, tanto do ponto (tipologia de cidades)”. Neste texto, Weber
de vista intelectual quanto moral, fisicamente reúne uma série de estudos sobre a Antigüi-
mórbida poderia sentir-se à vontade e sentir- dade, a ética protestante, o espírito do capita-
se em casa” (1985, p.79). lismo e a moral econômica das grandes religi-
Ao conceber a cidade capitalista a partir ões. É indispensável reter o registro desse con-
de sua concretude histórica, Marx e Engels junto de idéias, alerta Bruhns (1988), para
afastam-se e mesmo se opõem à ótica de não se enganar a respeito das intenções de
Weber, outro pensador clássico das Ciências Weber. Trata-se de uma pesquisa sobre a polí-
Sociais, que concebe a cidade como tipo-ideal, tica econômica urbana, tal como ela se desen-
demarcando um outro campo teórico. volveu na cidade medieval, para se compre-
ender o papel da cidade no capitalismo mo-
A análise de Weber sobre a cidade é muito
derno: “decisivamente, o capitalismo surgiu
ampla, pois visa explicar a origem e o desen-
através da empresa permanente e racional, da
volvimento do capitalismo moderno e a
contabilidade racional, da técnica racional e
racionalidade que o atravessa em todas as es-
do direito racional. A tudo isso se deve adicio-
feras. Interessa ao autor identificar o papel que
nar a ideologia racional, a racionalização da
a cidade desempenha na emergência desses
processos. vida, a ética racional na economia” (Weber,
1968, p.310).
Na sua forma típica ideal, a cidade carac-
teriza-se por constituir-se como mercado e Para Marx e Weber, consideradas as pro-
possuir autonomia política. Exatamente por- fundas distinções das concepções que os ori-
que reflete sobre a cidade típica ideal (um entavam, a cidade é parte de uma totalidade;
modelo, uma abstração), Weber encontra, esta, sim, objeto legítimo de análise. Concebi-
pelas evidências históricas empíricas, diferen- da como uma categoria histórica, é expressão
tes tipos de cidades com graus distintos de de uma realidade mais abrangente, não ten-
aproximação ao tipo ideal. Chama a todas de do, portanto, o atributo de variável explicativa.
cidade, pois se enquadram no conceito. Em Durkheim (1971), por sua vez, vai-se in-
detalhado e minucioso inventário, trabalha as teressar pela cidade de uma forma mais indi-
especificidades de cada uma delas e as com- reta, devido à atenção que concede à
para. A cidade medieval ocidental é a que mais morfologia social. O autor toma como refe-
se aproxima do tipo ideal. rência para a análise da sociedade a disposi-
A reflexão mais sistemática sobre a cidade ção, em determinado território, de uma mas-
está no texto “The City” (1922), posteriormen- sa de população de certo volume e densida-

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de, concentrada nas cidades ou dispersa nos demográfico espantoso (as famosas cifras ates-
campos, que, servida por variadas vias de co- tam), o imenso contigente imigratório, os
municação, estabelece diferentes tipos de con- guetos de diferentes nacionalidades gerado-
tato. É, então, no contexto da anatomia da so- res de segregação urbana, a concentração
ciedade, em seus aspectos marcadamente es- populacional excessiva e as condições de vida
truturais, que a cidade surge como substrato e de infra-estrutura precaríssimas favorecem
da vida social, acumulando e concentrando a formulação pela Escola da idéia da cidade
parcelas significativas da população. como problema, dificultando a transcen-
Com esse breve panorama das concep- dência de tal realidade imediata e a articula-
ções que marcam o pensamento dos clássi- ção de um pensamento com maior grau de
cos sobre a cidade, é possível reafirmar a abstração sobre o tema.
presença de marcos teóricos distintos A especificidade da abordagem ecológica
embasando esses estudos. Os preceitos teóricos estaria no fato de tratar a cidade isolada-
e o alto grau de abstração e de generalidade pre- mente, o que em si não constituiria um mé-
sentes no pensamento desses autores clássicos rito. Pelo contrário, essa visão marca o iní-
da Sociologia opõem-se à abordagem largamente cio de um estudo mais sistemático sobre a
empiricista que marca a Escola de Chicago. cidade, ao menos tradicionalmente, forne-
cendo a base teórica para a constituição da
Sociologia Urbana.
A Escola de Chicago
Chicago:: o nasci- A validade dessa reverência é discutível,
mento da Ecologia Urbana por exemplo, para Castells: tal sociologia,
A Escola de Chicago inaugura um tipo de marcada por tais origens, que advoga a idéia
reflexão, até então inédita, que tem a cidade da existência de um urbano per se, que tem
como objeto privilegiado de investigação; “a na cidade a própria variável explicativa, não é
cidade como laboratório social” tem como uma ciência, mas, sim, uma ideologia (Castells,
referência a própria Chicago dos anos de 1920. 1977). Essa crítica, mesmo procedente, não
O empirismo que envolve a abordagem da invalida a importância da abordagem ecológi-
Escola de Chicago resulta do intuito de buscar ca na construção de um conhecimento espe-
soluções concretas para uma cidade caótica, cífico sobre a cidade. As duas vertentes da Es-
marcada por intenso processo de industriali- cola – ecólogos e culturalistas – orientam-se
zação e de urbanização, na virada do século pelos conceitos da ecologia humana, elabo-
XIX para o XX. Cidade industrial por excelên- rados por Robert Park (1987). A cidade é
cia, Chicago torna-se nessa época a mais im- concebida como uma entidade físico-
portante dos Estados Unidos. O crescimento territorial empiricamente constituída e delimi-

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tada no espaço por critérios geográficos, Chicago, demarcando uma ruptura teórica
demográficos, numéricos e político-adminis- com essa “sociologia urbana”, principalmen-
trativos. Park identifica, no interior de uma te a partir da França. Para os sociólogos fran-
comunidade urbana, um sistema de forças que ceses (bem como para os norte-americanos
tende a produzir um grupamento ordenado e fundadores da new urban sociology, C. Wright
característico de sua população e de suas ins- Mills e Floyd Hunter), a cidade deveria ser
tituições (Grafmeyer; Joseph, 1979). compreendida como espaço socialmente pro-
Segundo Wirth, outro autor de destaque da duzido, assumindo diferentes configurações
Escola de Chicago, ligado à vertente culturalista, de acordo com os vários modos de organiza-
a cidade fabrica um produto bem característi- ção socioeconômica e de controle político.
co: a cultura urbana, expressa na formulação Ganha importância a interação entre as rela-
do urbanismo como modo de vida, que, por ções de produção, consumo, troca e poder
sua vez, transcende os limites espaciais. Esta idéia que se manifestam no ambiente urbano
é totalmente inovadora, uma vez que afirma que (Valladares; Freire-Medeiros, 2001).
a cidade atua e se desdobra para além dos limi- Vários teóricos franceses – entre eles
tes físicos, pela propagação do estilo de vida Castells, Lojkine, Ledrut e Lefèbvre – propõem
urbano, e se torna o locus do surgimento do outros marcos para a renovação da reflexão
urbanismo como modo de vida. Descarac- sobre a cidade, por meio de uma produção
teriza-se, assim, a importância da delimitação de inspiração marxista, o que expressa o des-
física da cidade, presente em outros estudos contentamento desses estudiosos com a idéia
dos autores da Escola, e destaca-se a capacida- defendida pela Escola de Chicago, de que ha-
de de a cidade moldar o caráter da vida social à veria um urbano per se, a partir do qual seria
forma especificamente urbana. possível explicar toda uma série de fenôme-
Uma das mais incisivas críticas de Castells nos sociais.
(1977) a Wirth objetiva exatamente mostrar Na medida em que, conforme se disse, a
que a cidade não produz a própria cultura; cidade passa a ser pensada pela interação
não há uma cultura da cidade, mas, sim, uma entre as relações de produção, consumo, tro-
cultura da sociedade capitalista. ca e poder, configura-se um novo enfoque
relativo à cidade que politiza a questão ur-
bana e surgem novas questões de investiga-
A sociologia francesa: o urba-
ção: os movimentos sociais urbanos, os meios
no capitalista de consumo coletivo, a estruturação social do
No final da década de 1960, a cidade será território na sociedade capitalista e o papel do
discutida por uma ótica crítica à Escola de Estado na urbanização (Gonçalves, 1989).

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Castells (1977), que elabora a crítica mais ológica da produção do espaço, que resulta-
contundente e sistemática à Escola de Chica- ria numa “sociologia do planejamento urba-
go, argumenta que a abordagem ecológica no”; solução discutível, segundo Gonçalves
não teria fornecido nem objeto próprio nem (1989, p.70).
conhecimento específico à sociologia urba- Os trabalhos de Castells, de certo modo,
na, mas teria refletido sobre uma sociologia lideram um movimento de retomada da ques-
da integração ou da cultura. As teorias que tão urbana numa perspectiva crítica ao capi-
concebem a cidade como variável talismo. Emerge uma produção voltada para a
determinante da cultura são, para o autor, te- pesquisa sobre a especificidade do desenvol-
ses ideológicas sobre a sociedade urbana. vimento urbano sob o capitalismo, no quadro
Podem ser tanto de direita, como a expressa do capitalismo monopolista de Estado que
por Wirth, quanto de esquerda, como a de caracteriza as nações de industrialização avan-
Lefèbvre, na qual uma forma – a sociedade çada. Conforme se disse, a partir desse enfoque
urbana – é definida por um conteúdo que é o politiza-se a questão urbana, e novas questões
reino da liberdade e do novo urbanismo. brotam dessa discussão.
O urbano é concebido como cotidianidade, que
Nesse movimento, destacam-se, entre ou-
se torna o eixo do desenvolvimento social e da
tras, a contribuição de Lojkine (1983) , que
conclusão cultural da história (Castells, 1977).
discute a questão do Estado na sociedade de
Ambas as teorias – de direita e de esquer- capitalismo avançado. A hipótese é a de que a
da – têm por base a idéia de que o espaço urbanização, como uma forma desenvolvida
determina o comportamento; ambas são ide- da divisão social do trabalho, representa um
ologias, diz Castells, e embora contribuam com dos maiores determinantes do Estado, tal
grandes achados do ponto de vista empírico, como ele se apresenta. Lojkine, diz Gonçalves
as articulações teóricas são fracas, porque to- (1989), analisa o papel do Estado na urbani-
das contêm um pecado original: desembocam zação capitalista, a relação da política urbana
no lugar do espaço na estrutura social. Para e suas dimensões com a luta de classes e a
Castells, esse lugar está associado à reprodu- questão dos movimentos sociais urbanos di-
ção, ao consumo coletivo. Consequentemente, ante do Estado
o espaço não é uma página em branco, ele é
Castells e Lojkine, embora por caminhos
determinado pela reprodução; o espaço não
diferentes, partilham da concepção de que o
existe em si, ele é socialmente determinado.
desenvolvimento urbano no capitalismo tem
Para Castells, a sociologia urbana merece- uma especificidade determinada pelos meca-
ria um novo ponto de partida: a criação de um nismos sociais que vão se criando, tendo em
novo campo teórico, que seria a análise soci- vista a articulação entre o Estado e o processo

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de acumulação, o que engendra desigualda- espaço (1990, p.61-69), numa clara alusão à
des (não apenas sociais, mas também na crítica de Castells.
estruturação social do território) e contradi- Pela ótica desses pensadores franceses,
ções, além da emergência de movimentos so- incorpora-se à discussão relativa à cidade a
ciais urbanos. Em resumo, o desenvolvimento noção de processo social econômico e políti-
urbano resulta do avanço das forças pro- co e se subordina a análise do urbano às de-
dutivas e do desdobramento de novas ne- terminações advindas do desenvolvimento
cessidades para a realização dos diferentes capitalista.
momentos da produção, considerando a re-
produção ampliada do capital e da força de
trabalho. Reflexão sobre a cidade no
Lefèbvre, outro expoente dessa vertente Brasil
francesa, traz um novo enfoque sobre a cida- A década de 1960 inaugura também a re-
de, concebendo-a como o reino da liberdade flexão latino-americana sobre a cidade pelos
e do novo urbanismo. Mesmo reverenciado estudos sobre urbanização e desenvolvimen-
como um dos maiores teóricos do marxismo to em “países periféricos”. Aníbal Quijano e
contemporâneo, Lefèbvre tem as últimas obras José Nun, entre outros, elegem a teoria da
criticadas, no campo da discussão urbana, marginalidade e da pobreza como principal
tanto por Castells (1977) quanto por Ledrut foco de atenção ao discutir a temática urbana.
(1976). Argumentam que o autor expulsa o Esse paradigma, que sempre fornece explica-
marxismo do campo das lutas de classe para ções veladamente funcionalistas à desigualda-
o da “cultura”, formulando assim uma con- de socioeconômica, será criticado por estudi-
cepção ideológica do urbano. Pode-se, em osos urbanos brasileiros. (Valladares; Freire-
defesa de Lefèbvre, dizer que para ele o urba- Medeiros, 2001).
no não representa apenas a transformação, No Brasil, podem-se identificar alguns es-
pelo capitalismo, do espaço em uma merca- forços isolados de pesquisa sobre pequenas
doria, mas também a arena potencial do coti- comunidades urbanas desde fins dos anos
diano vivido como jogo, como festa (Lefèbvre, 1940 (inspirados, sobretudo, por antropólo-
1970). Em entrevista publicada originalmen- gos americanos como Donald Pierson e
te em Villes en Parallèle 7 (1983), ele declara Charles Wagley). Estudos mais sistemáticos
que considera simplista “a concepção que começam a aparecer no final da década de
coloca, de um lado, a empresa e a produção 1960, tendo como marco o trabalho de J. B.
e, de outro, a cidade e o consumo”, o que não Lopes – intitulado Desenvolvimento e mu-
permite desvendar a verdadeira dimensão do dança social: formação da sociedade urba-

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no-industrial no Brasil –, que, segundo dadãos submetidos à lógica da expansão me-


Valladares e Freire-Medeiros (2001), carac- tropolitana que lhes negava o acesso aos bens
teriza a primeira grande tentativa de reflexão de consumo coletivos (Valladares; Freire-
sociológica sobre a relação entre desenvolvi- Medeiros, 2001).
mento industrial, falência do modelo
patrimonial e urbanização.
O trabalho de Lopes e os estudos latino-
Considerações Finais
americanos motivaram os sociólogos brasilei- Quanto à influência dos pensadores clás-
ros da década de 1960, que, entretanto, rejei- sicos da Sociologia nos estudos urbanos bra-
taram criticamente o paradigma da sileiros, foi o pensamento de Marx que influ-
marginalidade. Pesquisas pioneiras, como as enciou de forma marcante a produção sobre
de Francisco de Oliveira, Paul Singer, Maria a cidade, quer por meio da sociologia urbana
Célia Paoli, Manoel Tostes Berlink, demons- francesa, quer na visão crítica da teoria da
tram que a marginalidade que se descortina marginalidade.
nas cidades brasileiras resulta não de um pro- No que se refere à Escola de Chicago, sabe-
blema de integração social, mas de uma ques- se que ela exerceu grande influência sobre os
tão estrutural: a preservação da pobreza estudiosos brasileiros. A herança foi marcante,
ocorre através de mecanismos institucionais seja fundando, curiosamente, os estudos de
que nada têm de “marginais” ao sistema. Ins- comunidade próprios da Sociologia Rural, que
tala-se, então, uma ruptura com as concep- têm na obra de Antonio Candido, Parceiros
ções anteriores sobre migração e margina- do Rio Bonito (de 1964), o exemplo
lidade e se traz à tona o papel desempenha- emblemático, seja na Antropologia Urbana,
do por formas não-capitalistas de produção que até hoje utiliza métodos e alguns concei-
na acumulação do capital (Valladares; Freire tos da Escola de Chicago, como por exemplo,
Medeiros, 2001). a noção de “zona moral” de Park.
Como resultado, nas pesquisas que se vol- Por outro lado, os preceitos da sociologia
tam para o estudo das cidades brasileiras, as urbana francesa marcaram os anos de 1980
noções de “espoliação urbana” (Kowarick, como pano de fundo teórico e como início
1979) e de “periferização” orientam um ou- dos estudos sobre as contradições urbanas,
tro enfoque de discussão. Ganha destaque a sobretudo a grande novidade temática da dé-
dimensão política da urbanização e proli- cada: os movimentos sociais urbanos.
feram os estudos sobre a dupla espoliação Atualmente, nota-se ainda a influência de
sofrida pelas classes populares: como força paradigmas originários da Europa e dos Esta-
de trabalho subjugada pelo capital e como ci- dos Unidos sobre as análises voltadas para a

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Artigos

cidade brasileira, contudo, percebe-se o em- no Brasil: delimitação de campo de pes-


penho de investigar e de explicar suas parti- quisa. Espaço e Debate, n. 28, 1989, p.
cularidades. A temática da globalização, por 67-79,
exemplo, está presente nos estudos sobre as GRAFMEYER, Y.; JOSEPH, I. (Org.) L’École de
grandes cidades brasileiras. A discussão so- Chicago. Paris: Éditions du Champ Urbain,
bre dual city, uma cidade de estrutura social 1979.
polarizada, em que o espaço dos ricos con- HECKSHER, M. H. Os homens da Terra. Dis-
trapõe-se ao dos pobres, resultante da sertação de Mestrado. São Paulo: PUC,
globalização das economias urbanas, não dei- 1997.
xa de motivar os pesquisadores urbanos, mas KOWARICK, Lucio. A espoliação urbana. Rio
há uma preocupação com os limites da de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
aplicabilidade de tal noção. O que se destaca LEDRUT, R. L’ espace en question. Paris:
como peculiar à reflexão contemporânea so- Anthropos, 1976.
bre a cidade é que ela se torna cada vez mais LEFÈBVRE, H. La vie sociale dans la ville. In:
ampla e multidisciplinar, incrementando o le- _____. Du rural à l’urbain. Paris:
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agosto, 2001. no. Rio de Janeiro: Zahar 1987.

Abstract – The modern city of the west has been interpreted by social sciences according
to distinct theoretical molds, with different levels of abstraction and generalization.
We try to formulate here a brief view of some of these various conceptions, focusing
on the classical thinkers of Sociology – Marx, Durkhein, Weber -, The Chicago School,
as well as on the French urban sociology.
Keywords: city; urban; industrialization; urbanization.

Resumen – La ciudad occidental moderna ha sido pensada en el ámbito de las


Ciencias Sociales bajo distintas matrices teóricas, con distintos grados de abstracción
y de generalización. Se busca aquí formular un sencillo panorama de algunas de
las diversas concepciones que enmarcan el pensamiento sobre la ciudad, con
énfasis en los pensadores clásicos de la sociología - Marx, Durkheim y Weber -, en la
Escuela de Chicago, y en la sociología urbana francesa.
Palabras-clave
Palabras-clave: ciudad; urbano; industrialización; urbanización.

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