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Estudos sobre Daniel
Origem, Unidade e Relevância Profética

Todos os direitos reservados para a UNASPRESS. Não é permitida a cópia


total ou parcial sem autorização prévia dos editores.

Editoração: Vanderlei Dorneles e Renato Groger


Revisão: Renato Groger, Felipe Carmo
Programação visual e capa: Fábio Fernandes

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Estudos sobre Daniel : origem, unidade e relevância profética /


Frank B. Holbrook, editor ; tradução Francisco Alves de Pontes,
Fernanda Caroline de Andrade Souza. – Engenheiro Coelho, SP::
Unaspress - Imprensa Universitária Adventista, 2009. – (Série
Santuário e Profecias Apocalípticas ; v. 2)

Título original: Symposium on Daniel : introductory and


exegetical studies.
ISBN 978-85-89504-17-1

1. Adventistas do Sétimo Dia – Doutrinas


2. Bíblia. A.T. Daniel – Profecias 3. Teologia
I. Holbrook, Frank B. II. Série.

09-11102 CDD-224.506
Índices para catálogo sistemático:
1. Daniel : Livros proféticos : Bíblia :
Interpretação 224.506

1ª edição - 2009
2.000 exemplares

Centro Universitário Adventista de São Paulo


Consulte nosso catálogo e adquira as publicações da UNASPRESS
Tel.: (19) 3858-9055 / Home Page: www.unaspress.unasp.edu.br

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Salvo outra indicação, as citações escriturísticas ao longo deste volu-
me são extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição,
1993, da Sociedade Bíblica do Brasil.

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CONTEÚDO

Abreviaturas .......................................................................................................VII
Guia para transliteração . .....................................................................................IX
Ao leitor ...............................................................................................................XI

I
Estudos introdutórios sobre Daniel

1. Autoria, teologia e propósito de Daniel .................................................3


Arthur J. Ferch
Origens do segundo ou sexto século? ............................................................. 3
Autoria única ou múltipla? ............................................................................16
Teologia e propósito ..................................................................................... 36

2. Estabelecendo uma data para Daniel ....................................................67


Gerhard F. Hasel
Questões históricas ........................................................................................67
Linguística . ................................................................................................... 89 V
Temas variados . ...........................................................................................101

3. A unidade de Daniel . ...........................................................................133


William H. Shea
Capítulos 2 e 7 . .......................................................................................... 133
Capítulos 7 e 8 . ...........................................................................................147
Capítulos 8, 9, e 11 . ....................................................................................178

4. Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio .........209


William H. Shea
Intérpretes judeus e cristãos do passado . ................................................... 209
De Porfírio a Jerônimo ................................................................................231

II
Estudos exegéticos sobre Daniel

5. A pedra do reino de Daniel 2 . .............................................................271


Douglas Bennet

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6. O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim:
Um estudo de Daniel 8:9-14 ..................................................................... 311
Gerhard F. Hasel
O “chifre pequeno” – aspectos pagãos (v. 9-10) ........................................... 311
O “chifre pequeno” – aspectos papais (v. 11-12) . ....................................... 326
A audição acerca do santuário (v. 13-14) .................................................... 342

‘Ereb bōqer be Daniel 8:14 reexaminado ................................................383


Sigfried J. Schwantes

Tradução de nisd aq/katharisthēsetai em Daniel 8:14 .............................393


Niels-Erik Andreasen

Dimensões espaciais na visão de Daniel 8 . ................................................ 411


William H. Shea

Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14 . ...............................435


VI
Angel M. Rodríguez

Índex . ..............................................................................................453

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Abreviaturas

AB Anchor Bible
ACF Almeida Corrigida e Fiel
AJSL American Journal of Semitic Languages and Literatures
ANE The Ancient Near East
ANET Ancient Near Eastern Texts
ANF The Ante-Nicene Fathers
Ant. Antiquities of the Jews, Josephus
APOT Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament
ARA Almeida Revista e Atualizada
ASTI Annual of the Swedish Theological Institute
ATQ Aramaic Texts From Qumran l
AUSS Andrews University Seminary Studies
BA Biblical Archaeologist
BASOR Bulletin of the American Schools of Oriental Research
BDB F. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs, A Hebrew and English
Lexicon of the Old Testament VII
BHK Bíblia Hebraica, ed. R. Kittel
BHS Bíblia Hebraica, eds. K. Ellinger and W. Rudolph
Bib Bíblica
BJ Bíblia de Jerusalém
BJRL Bulletin, John Rylands Library
BS Bibliotheca Sacra
CHAL A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament
CT Christianity Today
DA The Desire of Ages (O Desejado de Todas as Nações)
EncJud Encyclopedia Judaica
EvQ Evangelical Quarterly
ExpTim Expository Times
FE Fundamentals of Christian Education (Fundamentos da
Educação Cristã)
HAD Hebrew and Aramaic Dictionary of the OT
HAL Hebräisches und aramäisches Lexikon zum Alten Testament
HSM Harvard Semitic Monographs
HTS Harvard Theological Studies
HUCA Hebrew Union College Annual
IB Interpreter’s Bible

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ICC International Critical Commentary
IDB Interpreter’s Dictionary of the Bible
IDBS Interpreter’s Dictionary of the Bible, Supplement
Int Interpretation
JAOS Journal of the American Oriental Society
JBL Journal of Biblical Literature
JETS Journal of the Evangelical Theological Society
JJS Journal of Jewish Studies
JQR Jewish Quarterly Review
JSOT Journal of the Study of the Old Testament
JSS Journal of Semitic Studies
JTS Journal of Theological Studies
K-B K. Koehler and W. Baumgartner, Lexicon in veteris testament
KBL L. Koehler and W. Baumgartner, Lexicon in veteris testament
KJV King James Version
NAB New American Bible
NASB New American Standard Bible
NEB New English Bible
NIV New International Bible
VIII NPNF Nicene and Post Nicene Fathers
NTS New Testament Studies
OTL Old Testament Library
PCB Peake’s Commentary on the Bible
PG Patrologia Graeca, J. P. Migne, ed.
RB Revue Biblique
RevQ Revue de Qumran
RSPT Revue des sciences philosophiques et theologiques
RSV Revised Standard Version of the Bible
RTP Revue de theologie et de philosophie
1SM Selected Messages, book 1 (Mensagens Escolhidas, vol. 1)
2T, 5T Testimonies for the Church, vol. 2, etc. (Testemunhos para a
Igreja, vol. 2)
TBC Torch Bible Commentaries
TDNT Theological Dictionary of the New Testament, Kittel and
Friedrich, eds.
TDOT Theological Dictionary of the Old Testament, Botterweck and
Ringgren, eds.
TEV Today’s English Version (Good News Bible)
THAT Theol. Handwört. z. AT, Jenni and Westermann, eds.

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TLZ Theologische Literaturzeitung
TM Testimonies to Ministers (Testemunhos para Ministros)
TOTC Tyndale Old Testament Commentary
TRu Theologische Rundschau
TS Theological Studies
ThStKr Theologische Studien und Kritiken
VD Verbum domini
VT Vetus Testamentum
VTSup Vetus Testamentum, Supplements
WTJ Westminster Theological Journal
ZA Zeitschrift für Assyriologie
ZAW Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft
ZDMG Zeitschrift der deutschen morgenlandischen Gesellschaft
ZKT Zeitschrift für katholische Theologie
ZNW Zeitschrift für fie neutestamentliche Wissenschaft

Guia para transliteração


As consoantes das palavras bíblicas aramaicas e hebraicas ou frases são transli- IX
teradas e impressas em itálico como se segue:
Consoantes
Consoantes
a =’ d =d y =y s =s r =r
a =’ d =d y =y s =s r =r
B =b hB == bh Kh ou= h & = kK ou & [= =k ‘ [ =f‘ = ś f =ś
b =b bw == w b wk =ouw $ = k k ou P$ou= k� = pP ou �v ==pš v =š
G =g zG == zg z =lz = l l @ = pp ou @T ==pt
l p=ou T =t
g =g xg == gḥ mx ou = h~ = mm ou c~ ou = m# = ṣc ou #t == st t =t
D =d Dj == dṭ = t ! = n n ou ! =q n= q
jn ou q =q

Vogais Vogais Vogais semibreves


Vogais semibreves
a
'= ā =' āI = i I=i }= }= a
ə
: =a : oo=uaA = ô oou A = ô >= >= ə
E=ē E = ē'= ô '= ô ?= e ?= e
, e
= , We = û
= W =û \= o \= o
y I =î y I =U =î u U=u

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A lista abaixo apresenta a transliteração do alfabeto grego conforme usado
neste volume. Não há indicação de acentos, mas é feita uma diferenciação entre
vogais longas e breves. A aspiração áspera (‘) é transliterada como h; a aspiração
suave (’) não é transliterada, uma vez que não é pronunciada.

α=a ζ=z λ=l π=p φ = ph


β=b η=ē µ=m ρ=r χ = ch
γ=g θ = th ν=n σ=s ψ = ps
δ=d ι=i ξ=x τ=t ω=ō
ε=e ĸ=k o=o υ=u ‘=h

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Ao leitor
O interesse pela validação do princípio dia-ano, a interpretação de Antíoco e o ju-
ízo em Daniel 7 estimularam a comissão a publicar suas pesquisas do livro de Daniel
de maneira gradativa. No final de 1982, os estudos de William H. Shea sobre esses
temas foram publicados sob o título Estudos Selecionados em Interpretação Profética, que
constituiu o volume 1 da série Santuário e Profecias Apocalípticas [em inglês Daniel and
Revelation Committee Series].
A comissão tencionou publicar num momento propício um volume adicional de
suas pesquisas sobre Daniel. Entretanto, o material produzido pelos 11 autores que
trabalharam principalmente em estudos dialéticos foi abundante e levou à decisão de
publicar três trabalhos no seu lugar.
Essa trilogia sobre Daniel e tópicos relacionados (volumes 1 a 3 da série),
portanto, deve ser estudada em conjunto. Nenhum volume sozinho é completo
em si mesmo, mas é parte integral dos outros. Por exemplo, uma exegese apro-
fundada das passagens sobre o juízo em Daniel 7 será encontrada no volume 1,
mas nenhum estudo abrangente dessa importante profecia aparece nos volumes
seguintes. A história da origem da interpretação de Antíoco aparece no volume 2;
a análise da interpretação em si, com relação às profecias de Daniel, porém, será XI
encontrada no volume 1. Da mesma forma, estudos sobre Daniel 9 e Levítico, e
certos temas relacionados à profecia, aparecerão apenas no volume 3. Uma vez
que não foi preparado um índice completo para o volume 1, seus itens principais
serão encontrados listados nos índices dos volumes 2 e 3.
Estudos sobre Daniel (volume 2 da série) está dividido em duas partes. A pri-
meira reúne os artigos que lidam com questões cruciais sobre autoria, unidade,
época da composição do livro e a origem da interpretação de Antíoco. Novas
evidências da pesquisa e descobertas da arqueologia e estudos bíblicos contínuos
fornecem posições fundamentais contra esses temas cada vez mais indefensáveis.
Ao mesmo tempo, tais avanços estão esclarecendo e confirmando interpretações
conservadoras.
Na segunda parte deste volume, a atenção está voltada para uma série de estudos
exegéticos das principais passagens de Daniel 2 e 8, observando também algumas
ligações com os capítulos 11–12. Nessa divisão estão inclusos estudos de termos
e expressões como ‘ereb bōqer (“tarde-manhã”), tāmîd (“diário/contínuo”) e nisdaq
(“purificação/correção”).
O estudo em conjunto naturalmente está sujeito a certas limitações por causa
da autoria múltipla. A fim de permitir que um artigo fosse completo em si mesmo,
nenhum esforço foi feito para apagar partes em comum, nem houve uma tentati-
va consciente de harmonizar os autores onde diferiram em pontos mínimos. No

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entanto, a essência das várias apresentações representa um consenso daqueles que
participaram no trabalho da comissão.
É com genuína satisfação que recomendamos Estudos sobre Daniel para minis-
tros e membros. Desejamos expressar nosso apreço por Iartha Lunt, editora-reviso-
ra e digitadora na equipe do Instituto de Pesquisas Bíblicas pelas centenas de horas
gastas pacientemente em dar forma a esses volumes. Desejamos também agradecer
aos sete autores cujos esforços fornecem o conteúdo deste trabalho:

Niels-Erik Andreasen Angel M. Rodriguez


Douglas Bennett Siegfried J. Schwantes
Arthur J. Ferch William H. Shea
Gerhard F. Hasel

Comissão de Daniel e Apocalipse


Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia

XII

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

I
Estudos introdutórios
1

sobre Daniel

Origem/autoria
Teologia/propósito
Datação
Unidade
Origem/desenvolvimento
da interpretação de
Antíoco IV Epifânio

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Capítulo 1

Autoria, teologia e propósito de Daniel


Arthur J. Ferch

Origens do segundo ou sexto século?

S inopse editorial. Atualmente, estudiosos sustentam duas posições contrastan-


tes sobre as origens do livro de Daniel. O ponto de vista minoritário (adotado
tanto pela sinagoga quanto pela igreja até o século 19) pode ser rotulado como a
tese exílica. Ela aceita como válida o testemunho do próprio livro de que os even-
tos narrados têm lugar durante o cativeiro babilônico dos judeus do sexto século
a. C. Consequentemente, atribui a autoria de todo o livro (tanto suas narrativas
históricas quanto suas visões proféticas) a Daniel, o cativo judeu que ocupava
um cargo importante nos reinados sucessivos de Babilônia e Pérsia da época de
Nabucodonosor a Ciro.
O ponto de vista majoritário, designado algumas vezes de tese macabeia, é pro-
movido por estudiosos da linha crítico-histórica. Ela acredita que o livro de Daniel
foi escrito (se não todo, ao menos substancialmente) durante a perseguição feita
por Antíoco IV Epifânio aos judeus da Palestina, no segundo século a. C. Deixando
de lado o testemunho do livro, os reconstrucionistas primeiramente propuseram
que o documento foi escrito por um autor desconhecido do segundo século, que
assumiu o lugar de estadista-profeta do sexto século. Suas supostas previsões eram
simplesmente eventos históricos registrados após seus acontecimentos.
O estudo contínuo tem forçado um reexame dessa posição. A visão atual é a de
que o trabalho desenvolveu-se no decorrer de um longo período de tempo (come-
çando com o início do cativeiro babilônico) e passou pelas mãos de vários autores/
editores. Sua estrutura final, uma fusão das partes históricas (caps. 1-6) e proféticas
(caps. 7-12) teve lugar durante as lutas do segundo século entre judeus na Palestina.
Assim, sustenta-se que o livro foi designado para fornecer significado e encoraja-
mento aos judeus e seus líderes macabeus no conflito nacional com Antíoco IV.
A tese macabeia defende sua posição com três pilares principais: (1) inexatidões
históricas que sugerem que o documento foi escrito muito depois de o conheci-
mento factual de um cenário do sexto século ter sido perdido e esquecido; (2) o uso

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

feito pelo autor de estrangeirismos persas e gregos, os quais novamente sugerem


uma data posterior para sua composição; e (3) paralelos próximos entre Daniel 11
e os eventos na Palestina entre 168-165 a.C. Em resposta a essas alegações, deve-se
observar que descobertas arqueológicas e a pesquisa de anos recentes têm destruído
amplamente os argumentos contra a integridade histórica de vários temas no livro.
Estudiosos conservadores têm demonstrado apropriadamente que o autor do livro
de Daniel deve ter vivido durante o período do sexto século que ele descreve.
Os argumentos linguísticos (embora não inteiramente respondidos até este
momento) da mesma forma têm sido consideravelmente emudecidos. Os estran-
geirismos persas mostraram ser palavras do persa antigo (principalmente títulos
oficiais) que Daniel teria adquirido naturalmente à medida que trabalhava com
seus colegas persas. Vinte dos 15 estrangeirismos gregos alegados provaram ser
agora de origem persa, e não mais dão suporte à alegação de uma composição do
segundo século.
O leitor desatento pode ver certas semelhanças entre o capítulo 11 e a situação
histórica na Palestina sob o governo de Antíoco IV. No entanto, observa-se que as
fontes históricas são limitadas (três documentos principais) e que apresentam tal
discordância uma da outra, que é impossível fazer, a partir delas, uma reconstru-
ção histórica consistente e acurada. Além disso, as diferenças entre o capítulo 11
4 e as fontes históricas são demasiado grandes para defender a suposição de que os
dois são relatos paralelos que descrevem os mesmos eventos.
Chegamos à conclusão que a tese macabeia cria mais problemas do que solu-
ciona, portanto é suspeita. A tese exílica, que leva a sério o que é dito no livro de
Daniel, é mais satisfatória e convincente.

Esboço da seção

1. Introdução
2. A tese exílica
3. A tese macabeia
4. Avaliação da tese macabeia
5. Resumo

Introdução

É um ditado axiomático que as pressuposições de um pesquisador influenciam


suas conclusões. Isso se tem mostrado verdade principalmente na avaliação da origem,

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Estudos sobre Daniel

estrutura e teologia do livro de Daniel pelos eruditos. Neste capítulo, desejamos fazer
uma breve apresentação e avaliação das pressuposições de alguns eruditos da linha
crítico-histórica na atualidade em contraste com uma abordagem conservadora.

A tese exílica

Até o século 19 de nossa era tanto a sinagoga como a igreja aceitavam as


declarações do livro de Daniel. De acordo com elas, o escritor dos relatos autobio-
gráficos (caps. 7-12) é idêntico a Daniel que, de acordo com a primeira metade do
livro, foi levado como prisioneiro judeu para a Mesopotâmia. Durante o período
do exílio, ele e vários colegas judeus foram promovidos a altas posições adminis-
trativas a serviço dos governos neobabilônico e medo-persa.
Esse mesmo Daniel professou ter tido várias visões e sonhos dados por Deus,
os quais, juntamente com suas interpretações, descreviam eventos que se esten-
diam desde sua era contemporânea até o tempo quando os impérios humanos
terão chegado ao seu fim e o reino de Deus terá sido estabelecido.
Essa convicção com relação ao livro de Daniel, sustentada por quase dois mi-
lênios tanto por judeus como por cristãos, é apoiada pelas afirmações explícitas
5
do livro (1:1-2, 21; 2:1; 7:1-2; 8:1; 9:1; 10:1, etc.). O ponto de vista foi chamado
de tese exílica porque data a origem do documento no sexto século a.C. A partir
dessa perspectiva, a origem, autoria, composição e propósito do livro estão razoa-
velmente claros.1

A tese macabeia

De acordo com K. Koch, a tese exílica, que considerou as declarações do livro


de Daniel ao pé da letra, tem sido desafiada desde 1890 pelos estudiosos da linha
crítico-histórica. Ao seguirem Porfírio, o inimigo neoplatonista do cristianismo
no terceiro século d.C.,2 os estudiosos da linha crítico-histórica pressupõem que
o livro de Daniel foi composto (se não totalmente, ao menos as partes principais)
durante a perseguição religiosa aos judeus por Antíoco IV Epifânio.
A fim de manter essa sugestão, os estudiosos têm que se desviar dos claros
testemunhos fornecidos pelo livro de Daniel, admitir não apenas sua autoria des-
conhecida, mas também conjecturar um propósito e teologia que reflitam a situ-
ação contemporânea do segundo século a.C. Essa abordagem alternativa ao livro
de Daniel tornou-se agora o ponto de vista majoritário e é chamada por Koch de
tese macabeia.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

De acordo com a tese macabeia, o livro de Daniel foi escrito (ao menos em
parte) e/ou editado por um autor desconhecido do segundo século a.C. que se
colocou como um estadista-profeta do sexto século chamado Daniel. Esse escri-
tor/editor tinha a pretensão de oferecer previsões genuinamente inspiradas, as
quais, na realidade, não eram nada mais que narrativas históricas sob o pretexto
de previsões proféticas.
O ponto de vista majoritário na atualidade propõe que a verdadeira época da
composição final pode ser determinada. Sugere-se que certas pistas históricas podem
ser encontradas dentro do livro, e que é possível discernir o ponto exato onde o autor
passa da história verdadeira para “expectação imaginária” e falsas previsões futuras.
Assim, A. Lacocque sugere que em Daniel 11 o autor: (1) dá evidência de que
tem conhecimento da profanação do templo de Jerusalém por Antíoco IV Epifânio
(7 de dezembro de 167 a.C.; conforme 11:31); (2) faz alusão à revolta dos macabeus
e às primeiras vitórias de Judá (166 a.C.); mas (3) não tem conhecimento da purifi-
cação do templo por Judas (14 de dezembro de 164 a.C.), nem da morte de Antíoco
(outono de 164 a.C.). A morte de Antíoco, no entanto, é erroneamente predita e
descrita em 11:40-45. Lacocque conclui que “podemos ao menos situar a segunda
parte do livro de Daniel (caps. 7-12), portanto, com ampla certeza em 164 a.C.”3
Uma vez que estudiosos da linha crítico-histórica desprenderam o livro de
6 Daniel dos ancoradouros de declarações bíblicas explícitas, foram impelidos a
conjecturar novas teorias de composição e propósito. Além disso, questões refe-
rentes à estrutura e à teologia tiveram agora que ser analisadas de uma perspectiva
totalmente diferente.
Até o momento em que o ponto de vista prevalecente era o de que o livro veio
das mãos de um autor do sexto século, questões de autoria, composição, estrutura
apresentavam poucos ou nenhum problema. Tudo isso agora mudou com a intro-
dução da tese macabeia. Em 1975, J. J. Collins reconhecia que “a composição do
livro de Daniel tem fomentado uma ampla confusão de opiniões de estudiosos”.4
Num estágio inicial da pesquisa crítico-histórica, prevalecia a opinião de que o
livro de Daniel originou-se in toto no segundo século a.C. Estudiosos da atualidade
são a favor de um longo processo de desenvolvimento do livro, iniciando na mes-
ma época do começo do exílio babilônico e findando cerca de 164 a.C.
J. G. Gammie defende, entretanto, que vários aspectos no livro de Daniel dis-
cordam da teoria que permite que o contexto macabeu (o estágio final na compo-
sição do livro) domine a interpretação do todo. Ele argumenta que “a única e mais
eminente fraqueza da teoria macabeia de interpretação é que o rei nos capítulos 1,
2, 3, 4 e 6 é estranhamente amigo e simpático com os jovens judeus membros de
sua corte. Esse retrato dificilmente se ajusta aos últimos dias do odiado heleniza-
dor, Antíoco IV Epifânio.”5

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Estudos sobre Daniel

Este e outros fatores que serão mencionados depois instam os estudiosos a con-
siderarem a visão de que houve um crescimento no texto bíblico de Daniel a partir
de um estágio original (possivelmente oral) por meio de várias redações de capítu-
los individuais antes de ocorrerem a reunião dos capítulos 1–6 e a fusão das duas
metades do livro.6 O que fornece ao menos uma medida de unidade para as várias
porções do livro é a onipresença do tirano final, identificado como Antíoco.7
A teoria macabeia de interpretação também tem deixado uma marca indelé-
vel nas abordagens atuais da teologia do livro de Daniel. De acordo com Koch, a
pesquisa crítico-histórica tem procurado, nos últimos 200 anos, destruir a crença
centenária de que Daniel apresenta um esboço bem coordenado da história mun-
dial passada e futura, no qual a própria situação histórica do autor se apresenta
apenas incidentalmente.8
Estudos-chave atuais restringem a relevância do livro de Daniel à metade da
década do conflito entre círculos palestinos leais a Yahweh e seus suseranos selêu-
cidas. Consequentemente, vários estudiosos postulam que a teologia de Daniel re-
flete o conflito entre o judaísmo dos últimos anos – identificado com frequência
como uma religião determinada pela Torá – e o helenismo.
Recentemente, no entanto, Koch questionou outra vez se o livro é realmente
uma das testemunhas eminentes da disputa entre Atenas e Jerusalém. Ele indaga
se o livro de Daniel reflete lutas de poderes político-religiosos entre tobíadas [fac- 7
ção apoiadora das tendências helenistas] e oníadas [partidários do sumo sacerdote
Onias III, defensor do judaísmo] ou testifica de uma onda de religiões introduzi-
das a partir de Babilônia.9
Se a ênfase principal da teologia de Daniel é dar significado e encorajamento
às lutas religiosas dos judeus na metade do segundo século, então todo o aspecto
teológico deve ser considerado de uma perspectiva totalmente diferente do que a
sugerida pela tese exílica. As visões, nada mais que história escrita depois do acon-
tecimento, são dificilmente evidências de providência, previsões e supremacia divi-
nas. O esquema do império é pouco mais que um dispositivo literário designado a
contrastar poderes pagãos mundiais, liderança humana e reinado com Deus.
Da mesma forma, os períodos de tempo não mais transpõem os séculos. São
nada mais que uma série de términos sucessivos que se estendem por menos de
quatro anos, estabelecidos por um círculo cada vez mais frustrado e perseguido
de fiéis israelitas esperando por libertação. O “tempo do fim” é esperado ime-
diatamente – no máximo 1.335 dias à frente – quando o blasfemo tirano será
eliminado. É evidente que a tese macabeia aguarda um fim imediato e não um
fim distante (eschaton).
Pela interpretação macabeia, o vilão desafiador e blasfemo (dos capítulos 7, 8
e 11) é Antíoco IV, e uma dupla aplicação deste símbolo tanto ao soberano sírio

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

como ao anticristo está “fora de questão”.10 A. A. Di Lella condena qualquer apli-


cação dupla como “insensatez exegética e inutilidade religiosa”.11 Nesse contexto,
a ressurreição é interpretada fundamentalmente como a promessa de reparação e
vindicação dos judeus do segundo século, que, a despeito da abrangência e severi-
dade da perseguição, continuam leais à aliança.12
A mudança de opinião com relação à origem do livro tem levado a uma rede-
finição de seu propósito. Dependendo de uma aplicação mais ou menos rígida da
tese macabeia quanto à origem do livro, intérpretes sugerem diferentes propósitos.
Possivelmente, o registro de “encorajamento” desafiando os devotos judeus contem-
porâneos a permanecerem fiéis a Deus apesar da perseguição emergida dos selêucidas
e/ou de seus compatriotas está em todos os propósitos supostos. Assim, o propósito
do livro de Daniel tem sido descrito de variadas formas, como “manifesto político”,
literatura de resistência”, “propaganda política” ou mesmo “manifesto pacifista”.13

Avaliação da tese macabeia

É evidente que o impacto da tese macabeia sobre a compreensão de Daniel


tanto é importante como de ampla abrangência em suas aplicações e implicações.
8
Por essa razão, não podemos deixar de fazer pelo menos uma breve avaliação desse
ponto de vista.
Enquanto a tese macabeia rejeita o explícito testemunho de Daniel, também
chama atenção para várias evidências implícitas dentro do livro, as quais parecem
indicar uma data de autoria subsequente ao exílio. Estudiosos da linha crítico-histó-
rica se focam principalmente em: (1) inexatidões históricas alegadas (a teoria explica
que o escritor compôs o material numa época em que o conhecimento histórico
exato de detalhes estava perdido); (2) certos argumentos linguísticos (particularmen-
te estrangeirismos persas e gregos, bem como a natureza da língua aramaica usada
no livro); e, principalmente, (3) a estreita semelhança histórica entre o capítulo 11
e o período de Antíoco IV Epifânio.14 Enquanto o terceiro dado em si não precisa
argumentar pela origem de Daniel no segundo século a.C. – o capítulo poderia ter
sido escrito profeticamente – os detalhes do capítulo 11 persuadem a maior parte
dos estudiosos a considerarem essa visão (e, consequentemente, todas as profecias
paralelas anteriores) como tendo sido escritas após os acontecimentos.

Inexatidões históricas alegadas


Aspectos considerados inexatidões históricas incluem problemas de datas
nos capítulos 1 e 2, a referência a Belsazar como rei, a figura de Dario, o medo,

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Estudos sobre Daniel

e a natureza dos “caldeus” mencionados como uma classe de homens sábios.15


Infelizmente, abordagens crítico-históricas do tema são bastante frustrantes ao
representarem, na maioria das vezes, repetições não críticas de argumentos ante-
riores e ignorar quase totalmente informações que têm sido obtidas em décadas
recentes. Muito já se escreveu sobre esse tema por estudiosos conservadores, e não
precisamos repetir seus argumentos.
À luz de descobertas mais recentes, esses estudiosos oferecem explicações e sínte-
ses que na verdade dirigem o ataque à historicidade do livro de Daniel ao seu cerne, e
indicam que o autor do livro de Daniel viveu muito provavelmente durante o mesmo
período que ele descreve.16 Isso acontece porque o autor sabe detalhes do que estava
perdido por séculos e milênios logo após os eventos ocorrerem. Em seu exame da
defesa mais recente da origem exílica do livro de Daniel por parte de estudiosos,17 J.
G. Gammie escreveu que J. G. Baldwin “faz uma argumentação razoavelmente con-
vincente” para a historicidade de vários itens mencionados acima, os quais estudiosos
da linha crítico-histórica têm geralmente apresentado como inexatidões históricas.18

Problemas linguísticos
No livro, há vários estrangeirismos persas e gregos. Acredita-se que esses ter-
mos estrangeiros indicam uma data para o livro subsequente ao exílio, possivel- 9
mente depois de Alexandre, o grande conquistador da Palestina ou até uma data
tão tardia quanto o segundo século a.C.19
Além disso, S. H. Horn sugere que o aramaico de Daniel na sua forma presente
parece ser mais recente do que a língua aramaica do quinto século a.C., documentos
elefantinos e o livro bíblico de Esdras.20 Por outro lado, parece que o nível do aramai-
co representado no livro de Daniel é anterior ao Apócrifo de Gênesis (1QapGen)
e ao Targum de Jó (11QtgJob) datados do final do terceiro ou começo do segundo
século a.C.21 Enquanto esses fatores sugerem que o texto de Daniel na sua forma pre-
sente é de um estágio posterior ao sexto século a.C., eles não negam a possibilidade
de uma autoria do sexto século nem provam sua origem no segundo século.
Horn concilia suas descobertas com relação ao texto aramaico de Daniel com
uma origem no sexto século, assumindo que o texto aramaico de Daniel foi moder-
nizado da mesma forma que versões da Bíblia em diversos idiomas são adequadas
ao uso atual da ortografia e gramática. Tais atualizações do texto bíblico podem ser
claramente demonstradas como tendo ocorrido em séculos pré-cristãos.
Para os empréstimos da língua persa em Daniel, K. A. Kitchen observa que
essas são palavras específicas do persa antigo ocorrendo na história da língua persa
até 300 a.C. Ele sugere que se Daniel estava envolvido na administração persa,
como declara o livro, ele teria naturalmente adquirido esses termos (que são títu-
los principalmente oficiais) de seus colegas persas.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Koch declara que em 1814 estudiosos ainda listaram 15 empréstimos gregos no


livro de Daniel. Mais pesquisas da língua persa reduziram esse número para apenas
três, à medida que mais e mais das palavras gregas alegadas terminaram se mostran-
do persas em sua origem.22 Embora as três palavras gregas restantes (que designam
apenas instrumentos musicais no capítulo 3, versículos 5, 7, 10 e 15) apareçam pela
primeira vez em documentos num período posterior ao sexto século a.C., apenas
uma delas não está documentada no sentido usado no livro de Daniel antes do
segundo século a.C. – a palavra sûmpônyāh. Embora os três termos musicais ainda
sejam um problema para os proponentes da tese exílica, é interessante observar que
para um grande número de estudiosos da linha critico-histórica, que confiantemen-
te sugere que os capítulos históricos tiveram origem antes do segundo século a.C.,
essas palavras gregas não apresentam confusão.23
É fato que palavras gregas são geralmente evidenciadas no aramaico do papiro
elefantino e no Oriente Médio muito antes da conquista de Alexandre. O grego era
também falado em Jerusalém desde a época dos ptolomeus. À luz dessas considera-
ções, estudiosos que apoiam a origem do livro de Daniel segundo a tese macabeia
podem, na verdade, estar fazendo a pergunta errada. Numa tese rígida de origem
no século segundo a.C., a pergunta não deveria ser por que há três palavras gregas
no livro, mas por que há apenas três palavras gregas num livro a respeito do qual se
10 alega ter sido escrito tão tardiamente na história dos judeus.

Semelhanças/diferenças entre o capítulo 11 e o segundo século a.C.


Mas e quanto à estreita semelhança histórica entre o capítulo 11 e o período
de Antíoco IV Epifânio? Essas semelhanças são tão notáveis a ponto de forçar um
leitor a admitir que o livro de Daniel originou-se (ou seja, teve seu contexto histó-
rico [Sitz im Leben]) no segundo século a.C.?
Um número significativo de comentaristas conservadores veem em 11:21-
12:4 previsões do sexto século de Antíoco e de acontecimentos além da época
de Antíoco alcançando o fim dos tempos. O ponto de vista predominante, no
entanto, considera as semelhanças entre o capítulo 11 e o segundo século tão im-
pressivas que nega qualquer origem anterior e rejeita qualquer profecia de alcance
além do contexto macabeu. Essa última posição é bem expressa por Di Lella, que
argumenta que nesse capítulo “O reinado de terror desse perverso tirano [ou seja,
Antíoco] é descrito com grande precisão e detalhe – outro indicador de que essa
revelação foi escrita durante sua vida”.24
Num prefácio do comentário de Lacocque sobre Daniel, P. Ricouer aprova a
decisão de interpretar o livro de Daniel unicamente da perspectiva da origem do
segundo século. Ricouer acrescenta a impressiva declaração de que Lacocque “está
correto ao dizer que o recurso à situação original do autor real – o Sitz im Leben – é

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Estudos sobre Daniel

nossa principal defesa contra a pretensão de um leitor moderno tirar do livro de


Daniel profecias com respeito a seu próprio futuro”.25
Fundamental para a opinião crítico-histórica é a pressuposição de que seja
possível uma reconstrução histórica bastante confiável de eventos entre os anos
de 168 e 164 a.C.; além disso, argumenta-se que tal reconstrução coincide estreita-
mente com a informação fornecida na última metade do capítulo 11 (e em menor
escala, nas partes anteriores do livro).
Ao assumir a validez do argumento de que o livro de Daniel surgiu durante o
período da perseguição de Antíoco, o leitor esperaria um relato particularmente
detalhado e exato de eventos desse período. Além disso, com base na sugestão
de que o autor fosse um macabeu ou tivesse inclinações macabeias, ele também
deveria ser capaz de detectar ênfases e perspectivas evidentes na literatura con-
temporânea macabeia. Entretanto, quando o pesquisador se dedica a uma análise
histórica, o argumento de que o capítulo 11 corresponde a eventos do segundo
século a.C. apresenta problemas significativos.26
Em primeiro lugar, as fontes primárias contemporâneas mais importantes que
retratam em detalhes os eventos entre 168 e 164 a.C. são poucas e limitadas, prin-
cipalmente em 1 e 2 Macabeus e Polybius.27 Para complicar um pouco mais, está o
fato de que existem várias e fortes discordâncias nessas fontes, tanto sobre detalhes
como sobre a ordem de acontecimentos nesse período. 11
Em segundo lugar, dadas essas divergências nas fontes primárias e contempo-
râneas disponíveis no momento, é difícil fazer uma reconstrução histórica consis-
tente e exata dos eventos sob consideração.28 Isso, bem como as várias alusões im-
precisas no texto do capítulo 11, impossibilita uma comparação satisfatória entre
o livro de Daniel e os acontecimentos da metade do século.
Eventos ocorridos durante esse período que ainda são um ponto de contro-
vérsia entre os historiadores incluem a causa da perseguição religiosa aos judeus, a
época precisa da rebelião de Jasão, a data da morte de Antíoco e as duas arremeti-
das de Antíoco contra Jerusalém.
Devido a essas questões e ao fato de os livros de Macabeus não citarem os dois
ataques de Antíoco à Cidade Santa, é interessante notar como o famoso erudito
judeu V. Tcherikover reconstrói acontecimentos do período entre 168 e 164 a.C.
Ele reclassifica o procedimento contestável de se tratar o capítulo 11 – o qual men-
ciona um duplo contato entre o rei do norte e o povo de Deus – como um relato
de testemunho ocular. É fundamentado nisso que ele argumenta em prol de dois
ataques de Antíoco a Jerusalém.29
Tcherikover simplesmente admite o que os estudiosos crítico-históricos (ao dis-
cutirem o Sitz im Leben de Daniel) estão tentando provar. A validade desse tipo de
argumento circular está aberta a questionamentos, pois precisamente esses dois

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

ataques de Antíoco a Jerusalém são apresentados como uma das maiores provas
de que o livro de Daniel surgiu no segundo século a.C.
Em terceiro lugar, enquanto se pode propor várias semelhanças entre o livro de
Daniel e a posição de Macabeus, há ainda mais diferenças que têm de ser ignoradas.
As semelhanças entre o capítulo 11 e os livros de Macabeus e Polybius in-
cluem: (1) referência ao estabelecimento da “abominação e desolação” (cf. 11:31;
1Macabeus 1:54; Dn 9:27; 12:11; Mt 24:15), e (2) o duplo conflito do rei do norte
com o rei do sul, bem como a retirada do tirano do norte depois de um encontro
com os navios de Quitim (11:25-31).
Quando esses detalhes são comparados com a profanação do templo por
Antíoco, seus dois ataques contra o Egito e sua expulsão pelo oficial romano
Popillius Laenas, sugere-se paralelos entre eles. Seria fácil para alguém que lesse o
capítulo 11 na época de Antíoco aplicar essas passagens para seu contexto.
No entanto, dada a premissa de que o capítulo 11 (e outras partes no livro de
Daniel) foi possivelmente escrito apenas alguns meses depois que os eventos acon-
teceram, é incrível que tão pouco no relato bíblico reflita os eventos registrados
em 1 e 2 Macabeus. Se, como tem sido proposto, o autor do livro de Daniel era
macabeu,30 ou no mínimo simpatizante da causa macabeia, o pesquisador deveria
esperar detalhes mais precisos de acontecimentos da época. Além disso, deveria
12 ser capaz de descobrir evidências de uma filosofia básica comum a ambos os escri-
tores dos livros de Macabeus e Daniel. Além disso, o teor de 1 e 2 Macabeus e o
de Daniel parecem ser opostos. A literatura macabeia está muito mais preocupada
com a oposição dos judeus ao rei selêucida, ao passo que Daniel está mais interes-
sado nas atividades do rei do norte. O capítulo 11 (principalmente os versículos
36-39 e 8:9-12) demonstra grande interesse no caráter do tirano blasfemo e o des-
creve em termos que muito superam qualquer coisa que conhecemos com relação
ao caráter, pretensões e ações de Antíoco Epifânio.
Antíoco deixou uma incrível impressão na mente e vida dos judeus de seu tem-
po. Ele interferiu nas suas observâncias religiosas, seus ideais, e seu sistema de adora-
ção. Ele atraiu colaboradores e perseguiu impiedosamente aqueles que relutavam a
cumprir seu programa. Antíoco e seus partidários marcharam pelo território judeu.
Ele profanou o templo erigindo uma imagem pagã no seu altar, porém não destruiu
o templo (veja, porém, 8:11). Desde a derrota de seu pai, Antíoco viveu à sombra de
Roma. Até onde podemos verificar, suas proezas militares dificilmente correspon-
dem àquelas atribuídas ao chifre pequeno e ao rei do norte em 8:9 e 11:22.
Mesmo o ponto de vista predominante concorda que 11:40-45 não se harmo-
niza com o que é conhecido sobre o fim de Antíoco. Esses versículos criam um
problema que a tese macabeia procura solucionar relegando esses versículos às
acalentadas, porém falsas esperanças do autor do segundo século. Tal explicação

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Estudos sobre Daniel

é um esquema engenhoso para evitar problemas levantados pelo texto. Aqui, o


ponto de vista predominante torna-se inconcebível, principalmente se aceitamos
sua noção de que o cumprimento de 11:1-39 foi designado a inspirar nos judeus a
esperança e a confiança no cumprimento de futuras profecias.
É da mesma forma estranho que embora se diga que as visões foram escritas
por alguém que estava vivo por ocasião dos acontecimentos, os vários períodos de
tempo listados em Daniel (a perseguição do povo de Deus e a restauração dos ser-
viços do santuário) não coincidam em nenhum lugar com o período de três anos
mencionado em Macabeus para a profanação do templo.31
Enquanto que na literatura macabeia os macabeus e suas vicissitudes são de
fundamental importância, os comentaristas crítico-históricos geralmente vêem
não mais que uma vaga alusão a combatentes da liberdade em Daniel (11:34).32
Se o escritor do livro de Daniel fosse um macabeu, por que silenciou tanto a
respeito dos feitos dos macabeus e suas emocionantes vitórias sobre Apolônio e
Seron (1 Macabeus 3:10-26), Górgias e Lísias (1 Macabeus 4:1-35)? Por que não há
nenhum chamado à batalha em Daniel quando os macabeus estavam preparados
até mesmo para transgredir o sábado com uma revolução para alcançar a indepen-
dência e sobrevivência? Mesmo que o autor fosse um membro dos hasidim (ou um
pacifista), é provável que ele tivesse se entusiasmado com o sucesso de seus conter-
râneos e não deixasse de citar heróis como Matias e Judas Macabeu. 13
À luz desses problemas, a colocação de que o capítulo 11 corresponde a even-
tos na Palestina entre 168 e 165 a.C. de modo tão estrito, a ponto de nos fornecer
o contexto histórico do livro (Sitz im Leben), precisa ser questionada. Enquanto a
tese macabeia demonstra como alguém que leu o capítulo 11 na época de Antíoco
poderia aplicar seções desse capítulo a seu próprio contexto, essa teoria não prova
que o capítulo 11 (ou o restante do livro) teve origem naquela época.
Outro elo fraco na cadeia de argumentos proposta por essa interpretação mais re-
cente de Daniel é a sugestão de que o livro foi uma composição pseudônima, embora
qualificada para inclusão no cânon das Escrituras.33 Proponentes dessa alegação têm
que desconsiderar o fato de que o livro nomeia o autor em todas as seções do livro.
Baldwin, após analisar a questão da pseudonomia no mundo do AT, conclui:
“é significativo que dentro do período que abrange o AT nenhum exemplo até
agora veio à tona de um pseudepígrafo aprovado ou considerado um livro autori-
tativo e, ... houve oposição à interpolação de material novo ao texto.”34 De fato,
as funções que, segundo os eruditos, são cumpridas pela pseudografia, são mu-
tuamente exclusivas. “Por um lado, é-nos pedido que creiamos que essa era uma
convenção literária aceita, livre de engano. Por outro lado, é-nos dito que a adoção
de um pseudônimo (presumivelmente não detectado) aumentava a aceitabilidade
e autoridade de uma obra.”35

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

No entanto, se o livro se originou durante o exílio, a pseudonomia – uma


idéia de certo modo ofensiva tanto à sensibilidade moral como lógica de leitores
leigos do livro de Daniel – não é necessária. Possivelmente, o problema mais sério
com a noção de pseudonomia no livro de Daniel é o fato de que ela rouba desse
livro bíblico seu impacto. G. Wenham afirma muito propriamente que “a idéia
de que Deus declara seus propósitos futuros aos seus servos está no cerne da te-
ologia do livro. Mas, se Daniel é uma obra do segundo século, um de seus temas
centrais é desacreditado, e poder-se-ia afirmar que Daniel deveria ser relegado aos
apócrifos e não reter status canônico como uma parte das Escrituras do AT.”36
Finalmente, a tarefa de demonstrar que o livro é em alguma parte pseudônimo
continua sendo daqueles que fazem tal alegação.
Nesse contexto, também questionamos a noção, frequentemente não declara-
da, de que uma profecia preditiva detalhada é impossível per se.37 A possibilidade
ou impossibilidade de profecia preditiva pertence ao campo das pressuposições.
O leitor do livro de Daniel deve escolher adotar a alegação de que o Deus de
Daniel, diferentemente dos deuses das nações vizinhas, conhece e revela o futuro,
ou rejeitar esse dado bíblico com base nas suposições empíricas modernas.

14 Resumo

Qualquer interpretação do livro de Daniel que negue o testemunho explícito


com relação a quando foi escrito, baseando suas teorias inteiramente ou fundamen-
talmente em indicações implícitas de uma data diferente de origem é tão inadequa-
da quanto uma explicação que desconsidera os dados implícitos e consideram ape-
nas as alegações explícitas do livro. Wenham está certo quando afirma que “aqueles
que crêem que toda a Escritura é inspirada por Deus devem ouvir tanto o que ela
diz sobre sua composição como o que ela implica sobre sua origem”.38
O testemunho explícito do livro de Daniel é claro. Nossa interpretação das in-
formações implícitas não sanou todas as perguntas, mas esforçou-se para demons-
trar que sua origem no sexto século é possível e, de fato, provável. Por outro lado,
parece que a tese macabeia cria mais problemas do que soluciona, e, portanto, é
suspeita. Os argumentos advogados por seus proponentes até então não elevaram
a hipótese além do campo da possibilidade.
Muitos dos dados no livro de Daniel são de longe melhor explicados se o
capítulo 11 e o restante das visões forem considerados como profecias genuínas
escritas antes dos acontecimentos (vaticinia ante eventu). Se, por um lado, pode-
mos não querer pressionar por correspondências históricas para cada detalhe de
uma profecia dada muito antes do acontecimento, por outro devemos esperar

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Estudos sobre Daniel

paralelos estreitos num relato que tenha sido escrito dentro do contexto dos
eventos narrados.
Ao autor deste ensaio parece que a crítica histórica rigorosa não apoia as de-
clarações positivas e confiáveis feitas por adeptos da tese macabeia. Como alter-
nativa, a tese exílica, que (embora não isenta de problemas) procura considerar
seriamente as afirmações do livro de Daniel é mais convincente e satisfatória.
Consequentemente, Daniel é responsável pelas mensagens que refletem sua vida e
a de seus companheiros, bem como pelas visões divinas que abrangem desde o seu
contexto contemporâneo do sexto século até o fim dos tempos (eschaton).

15

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Autoria única ou múltipla?

S inopse editorial. Uma obra literária pode ser uma composição de um autor
ou de vários. Obviamente, um ensaio produzido por um único autor dará
evidências de uma unidade que não seria possível ser alcançada numa obra de
vários autores.
Que evidência o livro de Daniel apresenta nesse sentido? Como um documen-
to escrito, não escapou da faca afiada da crítica literária. Sua unidade (autoria úni-
ca) tem sido objeto de debate desde 1674. Enquanto argumentos foram advogados
por eruditos histórico-críticos em prol de sua unidade (um autor macabeu), outros
têm sugerido vários autores (até nove). De acordo com a tese exílica (que considera
as informações do livro ao pé da letra) Daniel, o cativo judeu do sexto século, é o
autor de todo o livro.
Como observado na seção anterior, estudiosos crítico-históricos atualmente
argumentam em prol de uma autoria múltipla e um processo lento no desenvol-
vimento do livro (do cativeiro babilônico do sexto século à Palestina do segun-
do século). Argumentos contra a unidade de Daniel estão em geral baseados em
supostas contradições, repetições, peculiaridades de estilo e vocabulário, suposta
deficiência em coesão e progressão entre as unidades literárias, diferenças entre a
16
septuaginta grega e o texto hebraico-aramaico (o texto massorético), e especialmen-
te as implicações da tese macabeia. Mas esses argumentos não são convincentes,
uma vez que explicações razoáveis podem ser dadas.
Certas características internas sugerem que o livro de Daniel não foi escrito
de uma vez só; contudo, vários indicadores argumentam em prol de sua unidade e
autoria única. Por exemplo, as várias narrativas pressupõem umas as outras e dão
o contexto necessário para as visões. Temas comuns e marcadores cronológicos
tecem os doze capítulos em uma tapeçaria literária que tem o capítulo 7 como
um entrelaçamento central que liga as porções históricas e proféticas. Da mesma
forma, as estruturas quiásticas, bem como o paralelismo marcante, progressivo das
visões evidenciam o propósito e desígnio de uma única mente.

Esboço da seção

1. Introdução
2. Uma breve história do debate sobre a unidade de Daniel
3. Revisão dos argumentos contra a unidade
4. Indicadores da unidade
5. Conclusão

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Estudos sobre Daniel

Introdução

O livro de Daniel, como outros livros da Bíblia, é uma obra literária. Assim
sendo, deve ser analisado segundo seu gênero (tipo de literatura), tom, forma, estru-
tura, estilo, vocabulário, etc. Falaremos de todos esses aspectos, mas nos limitare-
mos principalmente à estrutura do livro. Discussões gerais sobre a estrutura lidam
fundamentalmente com a soma da relação das partes não-formais da composição
literária. Discussões sobre estilo lidam com as partes formais. Neste capítulo, o ter-
mo “estrutura” irá abranger tanto os elementos formais como não-formais.
Composições literárias diferem muito em sua natureza. Assim, uma criação lite-
rária pode ser o produto de seu autor, composta em um período relativamente curto
e destinada a um público específico sobre um assunto específico. Pode ser uma cole-
ção de discursos, documentos, ou memórias desenvolvida para um certo público ou
públicos. Suas várias partes terão sido produzidas em um período de anos ou mesmo
toda uma vida. No primeiro tipo de composição, o leitor esperaria maior coesão e
unidade. No último, o tom, o vocabulário, a estrutura, o gênero podem variar, embo-
ra ele ainda visse evidência de características literárias e mentais semelhantes.
Por outro lado, obras literárias podem incluir ensaios submetidos por diferen-
tes indivíduos, mas selecionados e arranjados por um editor. Em tal caso, o tato e 17
possivelmente até mesmo a filosofia do editor que deu forma final à composição
pode estar evidente sem obscurecer completamente as características literárias dos
contribuidores individuais.
Na pesquisa do livro de Daniel, a análise da estrutura costumeiramente enfatiza
a questão da unidade do livro. À primeira vista, existem pelo menos três fundamen-
tos para uma teoria de autoria múltipla. São eles: (1) as duas línguas utilizadas no
livro – hebraico (1:1-2:4a; 8:1-12:13) e aramaico (2:4b-7:28); (2) a divisão de con-
teúdos em narrativas históricas (cap. 1:3-6) e visões (cap. 2:7-12); e (3) linguagem
em primeira pessoa da segunda metade do livro (começando com o capítulo 7) em
contraposição com a linguagem de terceira pessoa da primeira metade. Se esses cri-
térios coincidissem, haveria um argumento muito forte contra a unidade do livro.
Em vez disso, as divisões em seções em grego e em aramaico, narrativas e visões, e
relatos de primeira e terceira pessoa vão em direções diferentes e inconclusivas.

Uma breve história do debate sobre a unidade de Daniel

Embora grande quantidade de hipóteses com relação à unidade e estrutura do


livro tenha sido propagada, um breve esboço deve ser suficiente.39 Em 1674 d.C., o
filósofo judeu B. Spinoza declarou que Daniel foi o autor dos capítulos 8-12, mas

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

confessou nada saber do escritor dos primeiros sete capítulos.40 Spinoza conjectu-
rou que os capítulos 8-12 foram compilados antes dos primeiros sete.
No século seguinte, o cientista inglês I. Newton chegou a uma conclusão semelhan-
te. Ele argumentou que embora os capítulos 1-12 tenham vindo das mãos de Daniel,
o profeta, os primeiros seis eram uma coleção posterior de artigos históricos.41
A divisão do livro em várias seções e autores continuou, alcançando maré alta
no começo do século dezenove com L. Bertholdt. Ele postulou nove autores dife-
rentes que teriam escrito em épocas e lugares diferentes durante o período dos se-
lêucidas.42 J. Montgomery declarou essa multiplicidade de autores e composições
como “uma falência da crítica”.43 Enquanto tais teorias divergentes encontraram
apenas um pequeno seguimento, alcançou-se um ponto de convergência quando,
em 1822, F. Bleek argumentou em prol da unidade substancial do livro, a qual,
propôs ele, veio das mãos de um autor macabeu.44
Os argumentos a favor da unidade perduraram por aproximadamente um
século, como é evidente no comentário de Daniel por R. H. Charles, publicado
em 1929.45 A despeito de várias oposições (refletidas nas principais pesquisas
de M. Noth e H. L. Ginsberg),46 H. H. Rowley outra vez se levantou para alegar
uma única autoria de um macabeu no seu discurso presidencial à Sociedade de
Estudo do Antigo Testamento (Society for Old Testament Study) em Londres, em
18 janeiro de 1950.47 Fundamental para a maior parte desse debate foi a natureza do
capítulo 7 e sua relação com os outros capítulos do livro.48
Atualmente, a maioria dos estudiosos crítico-históricos abandonou a proposta
de Rowley. Eles tendem a defender a autoria múltipla e um processo prolongado
de composição do livro de Daniel (começando com o início do cativeiro babilôni-
co e finalizando em algum período do segundo século a.C.). Com frequência, tais
estudiosos rejeitam grande parte das insignificantes e numerosas divisões literá-
rias do texto bíblico de Daniel, mas mantêm a idéia de que as seções escritas pos-
teriormente (basicamente os capítulos 7-12, segundo eles) originaram-se durante
as perseguições religiosas aos judeus por Antíoco IV Epifânio. Argumenta-se que
esses materiais foram escritos para confortar e encorajar o fiel e o combatente.
De acordo com esse ponto de vista, o(s) autor(es) desse último estágio incor-
poraram à obra material escrito ou oral (consistindo fundamentalmente de passa-
gens nos capítulos 3-6) originalmente registrados bem antes da época de Antíoco
IV Epifânio e mantidos para um propósito diferente. Esses capítulos anteriores
foram modificados com as circunstâncias históricas variantes da comunidade
judaica e acrescentadas ao livro. A intenção era fazer com que essas primeiras
seções cumprissem o mesmo propósito conforme alegado sobre os capítulos 7-12.
Uma vez que nem todas as características desse primeiro material podem ser har-
monizadas com o objetivo dos capítulos posteriores, considera-se que cumprem
pouco ou nenhum propósito no livro como o temos agora.

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Estudos sobre Daniel

Uma análise crítica-formal recente de Gammie é típica dessa abordagem. Ele


postula três estágios de crescimento no livro de Daniel.49 Gammie propõe que (1)
a passagem 2:4b–7:18 (menos 7:7b-8, 11a e 12) foi composta durante o reinado de
Ptolomeu IV Filopator (221-204 a.C.). Foi seguida por (2) 1:1–2:4a; 10; 12:1-4, as
quais ele acredita terem sido escritas logo após a virada do segundo século (mas,
antes de Antíoco IV Epifânio). Finalmente, (3) foram acrescentadas as passagens
7:19-28; 8; 9; 11; 12:5-13 e as interpolações 7:7b-8, 11a e 12.
Infelizmente, Gammie não cita nenhuma análise crítica-literária para de-
monstrar a validade de sua apreciação. Seu único critério parece ser uma suposta
correspondência entre essas seções de Daniel e certas circunstâncias históricas
um tanto mal-definidas.50
Koch, ao resumir as pesquisas sobre o livro de Daniel até 1980, sugere que o li-
vro cresceu em seis estágios, iniciando com histórias orais e escritas da última parte
do quarto século a.C.; sendo, então, modificado no terceiro século e primeira parte
do segundo século; e sofrendo acréscimos no período dos macabeus. O sexto está-
gio é representado pela tradução grega do livro no final do segundo século a.C. 51

Revisão dos argumentos contra a unidade


19
Devido aos limites deste capítulo não permitirem um registro detalhado de ar-
gumentos em prol e contra a unidade de Daniel, deve-se fazer um relato resumido
e uma avaliação. Geralmente, críticos literários da Bíblia baseiam suas teorias diver-
gentes em supostas contradições, repetições, peculiaridades de estilo e vocabulário,
e aparente deficiência na coesão e progressão entre as diversas unidades literárias.
1. Alega-se que existe uma contradição no fato de que o capítulo 1 declara que
a educação de três anos de Daniel e de outros jovens hebreus escolhidos começou
no ano em que Nabucodonosor conquistou Jerusalém pela primeira vez (1:5). No
entanto, o capítulo 2 declara que o profeta interpretou o sonho do rei babilônico no
segundo ano do reinado do monarca.
2. P. R. Davies argumentou que o processo editorial do capítulo 2 é mais eviden-
te à luz da “apresentação contraditória do herói”.52 Segundo Davies, a contradição
é clara em virtude do fato de que o capítulo 2 (exceto os versículos 13-23) retrata o
profeta como um desconhecido cativo judeu apresentado ao rei por um dos oficiais
reais, ao passo que, de acordo com os versículos 13-23, o herói é perseguido para ser
executado como alguém que já pertence ao grupo dos sábios do rei. De fato, Daniel
tem acesso ao monarca de uma maneira que fica implícita a segunda situação.
Assim, a apresentação de Daniel (de acordo com 2:13-23) como um sábio
pressupõe o capítulo 1, mas a apresentação como uma pessoa desconhecida nas

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

outras partes do capítulo 2 contradiz o capítulo 1. Dessa forma, Davies propõe que
a passagem 2:13-23 seja concebida como uma inserção posterior pela pessoa res-
ponsável pela edição do capítulo 1. Apesar de o editor ter criado uma contradição,
ela pode ser vista apenas como uma omissão não intencional.
3. O capítulo que mais chama a atenção da análise crítica-literária é o 7. A
alternância entre prosa e poesia, fórmulas introdutórias características, detalhes
mencionados no capítulo, mas omitidos da primeira declaração da visão, e certos
sinônimos têm trazido à tona algumas das mais complexas teorias de progressão
para esse capítulo em particular.53 Alguns eruditos têm presumido estrangeiris-
mos de fontes antigas não-israelitas (por exemplo, babilônicas, cananeias, persas e
gregas) no capítulo 7. Enquanto alguns eruditos vêem essas inclusões de materiais
extra-bíblicos como nada mais que fontes utilizadas pelo editor, outros pesquisa-
dores consideram-nas indícios de autoria composta.
4. A falta de coesão interna entre os capítulos é sugerida como um índice de
falta de unidade.54 Exemplos dados incluem o fato de que apesar de o capítulo 2 re-
gistrar o reconhecimento de Nabucodonosor da superioridade do Deus de Daniel,
o capítulo 3 ainda narra a mesma exigência do rei por adoração a seus ídolos e a
imagem de ouro. No capítulo 3, o rei aparece completamente alheio à soberania do
Deus de Israel. Novamente, o chamado de Nabucodonosor e Belsazar por homens
20 sábios em vez do profeta no capítulo 4 e 5, bem como a aparente completa nova
introdução de Daniel em 10:1, supostamente corrobora a não-unidade interna.
Outros sinais de autorias divergentes são supostas disparidades teológicas. Os
exemplos incluem o seguinte: (1) Daniel 7:18 declara que o reinado será dado aos
santos no fim dos tempos (eschaton), enquanto 12:2 afirma que a ressurreição omi-
te qualquer referência à soberania deles. (2) Repetidas referências são feitas aos
anjos em 7-12. Por outro lado, nenhum desses seres é mencionado nos capítulos
anteriores; (3) há uma aparente disparidade entre a teologia da oração confessio-
nal de Daniel (9:3-21) e o restante do livro.
5. Outro fator que levou os eruditos a assumirem a multiplicidade da autoria
e de documentos é a diferença entre a tradução do grego antigo (conhecida como
a Septuaginta e intitulada LXX) e dos textos hebraicos e aramaicos (conhecidos
como textos massoréticos, abreviados TM) de Daniel. Além de adicionar seções
não encontradas nos TM ou documentos conhecidos do Mar Morto – A Canção
de Azarias (Dn 3:24-90), a história de Susana (13:1-64), Bel (14:1-22) e do Dragão
(14:23-42) – a LXX parece traduzir os capítulos 4 a 6 de uma forma um tanto livre,
ao passo que aderiu mais fielmente aos textos aramaicos e hebraicos na sua tradu-
ção dos capítulos 1-2 e 7-12.
6. Em 1980, P.R. Davies chamou a atenção para a confusão que definições
eruditas de “apocalíptico” estavam causando entre a primeira e a segunda parte

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Estudos sobre Daniel

do livro.55 De acordo com essas definições, as visões do livro são parte de um


tipo de literatura conhecida como “apocalíptica”. Apocalíptica é caracterizada por
aspectos que incluem: (1) revelações de seres sobrenaturais; (2) revelações de rea-
lidades transcendentes, com frequência por meio de simbolismos complexos; (3)
dualismos espaciais, temporais e éticos; (4) um escopo cósmico, porém uma visão
pessimista da história; (5) uma salvação escatológica envolvendo dois éons [eras] e
a ressurreição; (6) pseudonomia; e (7) temas tirados de religiões não-israelitas, es-
pecialmente fontes persas e cananeias. Vistas a partir dessa definição, as visões são
um tanto diferentes das narrativas históricas do livro. As últimas são semelhantes
a histórias bíblicas tais como as de José e Ester.
7. No entanto, a razão mais proferida para a divisão do livro e de seus capítulos
não tem sido a análise puramente literária mencionada acima. Pelo contrario, a
urgência de desmantelar o livro de Daniel deriva-se da tentativa da crítica históri-
ca de reconstruir seu cenário. Uma vez que a tese macabeia foi aceita, assumiu-se
também que o último poder antes do eschaton (o fim dos tempos, mencionado
no livro) deve se referir – a despeito do simbolismo empregado – ao rei arrogante,
blasfemo e implacável, Antíoco IV Epifânio.
Muitos estudiosos não se convenceram da argumentação de Rowley de que
todo o livro de Daniel foi uma variação do tema de Antíoco e sua relação com
os judeus. Portanto, qualquer material do livro que não se ajustava ao suposto 21
contexto do segundo século a.C., eles o designaram a períodos anteriores às atro-
cidades sírias contra os judeus. Assim, começando com a premissa de Antíoco
ligada à analise literária e outras, a crítica histórica forneceu o critério supremo na
reconstrução do desenvolvimento do livro de Daniel.56
Surpreendentemente, foi também a crítica histórica combinada com argumen-
tos linguísticos que fez com que Rowley defendesse a unidade do livro.57 Rowley
discordou da opinião majoritária contemporânea contra a unidade por várias ra-
zões. Ele mencionou, de forma um tanto depreciativa, a diversidade de opinião
dentre aqueles que advogavam uma autoria composta e sinalizou que tal diversida-
de dificilmente inspirava credibilidade em suas presumidas análises. Ele também
comentou a discordância geral dos estudiosos de que os capítulos 8 a 12 vieram
de um só autor. Rowley ainda argumentou que o capítulo 7 estava estreitamente
ligado ao capítulo 2 e ao 8, em virtude de sua linguagem comum e várias ligações
fraseológicas. Rowley chamou atenção para o fato de que figuras da realeza como
Belsazar e Dario, o medo, aparecem em ambas as partes do livro. Entretanto, sua
alegação mais poderosa foi a de que o mesmo raciocínio e as mesmas característi-
cas literárias podem ser encontradas em todo o livro.
Rowley desconsiderou muitas das ambíguas divisões literárias do livro.
Corajosamente, ele desafiou: “O ônus da prova jaz sobre aqueles que criticam

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

uma obra. Aqui, porém, não foi produzido nada que possa ser seriamente chama-
do de prova de autoria composta. Por outro lado, há evidências da unidade do
livro em sua totalidade.”58
Enquanto a maior parte da argumentação de Rowley nunca foi apropriadamente
respondida – mas curiosamente evitada – esse notável erudito inglês se superou quan-
do escreveu que “podem ser encontrados pontos para cada história da primeira parte do livro
no cenário da era dos macabeus, para a qual a última parte está designada”. 59
A resposta de J. J. Collins pode ser considerada como uma representação da
opinião majoritária a esse respeito: “A despeito dos extensos argumentos de Rowley,
está evidente que os contos da corte nos capítulos 16 não foram escritos na época
de macabeus. Sequer é possível isolar um único versículo que denuncie uma inser-
ção editorial daquele período.”60 Os capítulos de 1–6 não foram escritos na época
de Antíoco IV Epifânio porque:
“Essa posição se fundamenta principalmente nos argumentos de que os capítulos
1–6 não contêm clara referência a Antíoco Epifânio ou à sua época... Os contos dos
capítulos 1–6 são ambientados na Diáspora. Não há referências claras a eventos na
terra de Judá... Rowley demonstrou bem como alguém que tenha lido esses contos na
época de Antíoco poderia aplicá-los à sua própria situação. Isso, entretanto, não pro-
va que os contos foram escritos com aquela situação em mente. De fato, se considera-
22 mos os contos como um todo e não simplesmente isolamos seus elementos dispersos,
concluímos que são um tanto inadequados para o período de macabeus... Em suma,
a diferença entre Daniel 1–6 e as visões do restante do livro são muito mais importan-
tes do que os pontos nos quais os contos podem parecer apropriados para os tempos
de macabeus. Não apenas os contos não foram escritos pelo autor das visões, como
não foram sequer editados para mostrar qualquer evidência clara da perseguição de
Antíoco ou para expressar a mesma teologia como o restante do livro.”61
Mais tarde, Collins argumentou:
“Há amplo acordo entre os estudiosos que os contos se originaram na
Diáspora oriental. Embora essa tese não possa ser provada conclusivamente, car-
rega um forte peso de probabilidade. Não há razão aparente por que um judeu na
Palestina devesse escrever ou coletar um conjunto de contos, todos ocorridos em
Babilônia, e cujo herói é um sábio caldeu. Tais contos seriam mais relevantes aos
judeus na Diáspora, especialmente àqueles que tinham um cargo ou aspiravam a
um cargo em qualquer posição numa corte gentia. Isso se aplica não apenas aos
contos individuais, mas também ao conjunto deles.”62
Koch apoia a noção de um cenário oriental para as histórias porque, de acor-
do com E. Y. Kutscher, a vocalização do aramaico em Daniel parece ser oriental
e as personagens da realeza no livro, bem como o contexto da história, apontam
para o oriente.63

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Estudos sobre Daniel

Em suma, Rowley tem que render um dos fundamentos básicos em sua argu-
mentação. Sua alegação em prol da unidade ou sua defesa por uma origem maca-
beia do livro todo deve ser abandonada. Estudiosos têm mostrado corretamente
que essas duas noções não podem ser mantidas de uma vez e ao mesmo tempo.
Apesar de as razões de Rowley para a origem macabeia do livro todo ter convencido
alguns, seus argumentos em prol da unidade ainda aguardam uma refutação.
Críticos que desconsideram o testemunho explícito do livro de Daniel e por
meio da crítica histórica procuram encontrar uma situação diferente para a his-
tória concluem que uma origem macabeia está fora de questão. Simplesmente,
não há clara referência a Antíoco, sua época, ou qualquer referência evidente a
eventos na terra de Judá durante esse período compreendendo Daniel 1-6, nem
há razão aparente por que alguém na Palestina devesse escrever tais narrativas
ambientadas no contexto babilônico.
Consideradas como um todo, as histórias da corte não são apenas impró-
prias para o período macabeu, elas, na verdade, conflitam com seu suposto pro-
pósito de encorajar os judeus perseguidos pelo seu suserano sírio. Atribuir o
capítulo 4 ao segundo século e considerar o orgulho, queda e restauração de
Nabucodonosor uma comparação com Antíoco Epifânio, afirmando que Deus
trataria Antíoco como tratou Nabucodonosor, poderia apenas desencorajar um
judeu que sofria naquele tempo.64 23
O próprio Rowley previu vários desses problemas. Por essa razão, argumentou
que muitos aspectos nas histórias não cumpriam e não deveria se esperar que cum-
prissem o propósito do autor.65 Tal solução parece extremamente inconsistente em
vista de sua justificada exigência por rigor metodológico e sua reprovação à divisão
do livro quando a evidência textual é inconveniente à teoria de alguém.
Parece que o próprio método de Rowley é uma divisão requerida pelo fato de que
a evidência é inconveniente e pode ser descrita, em suas próprias palavras, como “rude
propaganda para um teoria, no lugar de um estudo científico de evidência”.66 Para
manter sua própria explicação, Rowley teve que trazer à tona a evidência textual com
seu suposto propósito do livro e ignorar evidências contrárias como irrelevantes.
O que dizer, porém, dos argumentos acima mencionados a favor da autoria
múltipla? O que dizer das supostas repetições e contradições? Enquanto tais seme-
lhanças são encontradas na LXX de Daniel, isso dificilmente acontece no original
do mesmo livro. Não encontramos mais desnecessárias repetições e semelhanças
do que podem ser encontradas em outros documentos antigos cuja unidade é
questionada. Em Daniel, tais elementos (como listas de palavras para várias classes
de homens sábios, oficiais da realeza ou instrumentos) são com frequência parte
do estilo do escritor. São repetidos ao longo do capítulo de tal forma que realmen-
te se opõe ao argumento para autoria múltipla e favorece a unidade do livro.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

A sugestão da diversidade de autores com base numa suposta falta de coerên-


cia interna se opõe à essência das narrativas históricas. Se lemos sobre os instáveis
absolutistas orientais déspotas, cujo objetivo é seu próprio engrandecimento – im-
pressão transmitida pelo livro conforme se apresenta agora – dificilmente se justi-
fica a defesa de alguma coesão de capítulos nos quais um rei que uma vez entrou
em contato com Daniel e seu Deus nunca mude de idéia. Tal análise do livro lhe
roubaria sua própria mensagem.
É provável que Nabucodonosor tenha construído a imagem relatada no capí-
tulo 3 por causa da imagem do sonho registrada no capítulo 2. De forma similar,
o orgulho demonstrado por ambos, Nabucodonosor e Belsazar, é muito mais real
do que as extrações sugeridas permitiriam. A tendência para separar referências
ao chifre pequeno como inserções editoriais posteriores enfraquece as visões, as
quais, sem essas passagens, perdem sua idéia principal.
A contradição assumida por Davies está no princípio de que os capítulos 1 e
2 estão cronologicamente em conflito e no herói presente, que é, ao mesmo tem-
po, conhecido e desconhecido por Nabucodonosor. A pergunta por que Daniel,
embora um membro do corpo de homens sábios, não foi chamado à corte para in-
terpretar o sonho e busca uma entrevista individual, na qual o emissário real tem
que mediar entre o monarca e o cativo hebreu, é um ponto central a essa questão.
24 No entanto, em vez de assumir uma contradição, o fato de Daniel e seus colegas
não terem sido chamados para interpretar o sonho com os homens sábios pode
ser explicado melhor com outra hipótese. Uma explicação mais simples seria que
uma vez que os jovens tinham recentemente concluído seus estudos (de maneira
notável, certamente), o rei decidiu reunir os membros mais experientes.
Além disso, dever-se-ia reconhecer que o escritor provavelmente usa o mé-
todo antigo de contagem inclusiva (atestado em vários documentos do perí-
odo contemporâneo), começando com o ano da ascensão de Nabucodonosor.
Consequentemente, não há necessidade de afirmar que o capítulo 1 esteja crono-
logicamente contradizendo o capítulo 2. A reconstrução de Davies perde ainda
com o fato de que o suposto editor final, que hipoteticamente juntou os capítulos
1 e 2, não viu a contradição que criou com a forma que deu ao material.
Argumentos que dividem o capítulo 7 foram examinados detalhadamente em
outra parte pelo autor.67 Não é necessário fazer outra análise aqui, a não ser por
algumas observações. Atribuir a visão dos quatro animais a um nível de tradição, o
animal de dez chifres a outro, e o chifre pequeno ainda a outro é algo dúbio, como
o é também a tentativa de separar os versículos poéticos que tratam do Ancião de
Dias, do julgamento e do “um como o filho do homem”. Os argumentos defendi-
dos estão abertos para questionamentos sérios. Além disso, o procedimento como
um todo deixa as seções individuais sem um objetivo.

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Estudos sobre Daniel

Sem o poder representado pelo chifre pequeno (no capítulo 7 e outros lugares
no livro) a visão se enfraquece. “O que o autor do livro, e do capítulo 7 especial-
mente, está escrevendo se deve a uma convicção, que toma a forma de uma pro-
fecia, de que um clímax nos negócios do mundo, que requerem uma intervenção
direta e final de Deus, está se aproximando rapidamente. Essa consideração, isto
é, que uma visão sem o símbolo imperativo do chifre pequeno estaria sem con-
texto, e seria sem dúvida insignificante, parece ser bem mais importante do que o
argumento dado por North.”68
Da mesma forma, os argumentos que relegam a visão do julgamento, do
Ancião de Dias e do “um como o filho do homem” a um outro autor não reco-
nhecem a tendência do livro e do AT de geralmente expressar clímaxes em forma
poética e então interromper o ponto mais alto da visão.69 Razões negativas para
se rejeitar a unidade do capítulo 7 parecem ser reforçadas positivamente por uma
análise estrutural e temática do capítulo.70
Enquanto o estudioso da Bíblia pode tirar muito benefício da crítica literária
confiável, qualquer análise deve estar em harmonia com a natureza do texto.
No caso do capítulo 7, e do livro como um todo, normas e critérios propostos
para apoiar várias camadas textuais tendem a refletir um pensamento silogístico
ocidental que é imposto ao texto bíblico. A esse respeito, o aviso de Deissler é
oportuno: “Deve-se notar que quando se deseja lidar de maneira justa com o 25
texto, um texto antigo, oriental e principalmente apocalíptico, ele não pode ser
simplesmente pressionado a um leito de Procusto da lógica moderna ocidental.
Portanto, o argumento popular de que os versículos que tratam dos dez chifres
ou especificamente do décimo primeiro chifre... podem também ser omitidos
– demonstrando-se, assim, sua natureza secundária – não é válido, pois embora o
teste principal remanescente possa se tornar uniforme, isto é meramente um ‘tronco
apocalíptico’ estrutural e contextual”.71
Já notamos que as peculiaridades da tradução grega do livro de Daniel le-
varam alguns estudiosos a supor a autoria múltipla. A evidência presente cer-
tamente sugeriria que as orações e histórias não-canônicas que não são citadas
nos textos massoréticos hebraicos nem nos rolos do mar morto são composições
posteriores. O pensamento de que essas adições fazem parte de um “ciclo de
Daniel” de contos populares em circulação entre os judeus em direção ao fim da
era passada é apenas conjectura.72
A questão das traduções gregas de Daniel (e suas derivações) é complexa, e o
debate continua com relação a suas origens, natureza e data. A LXX de Daniel é
uma tradução pré-cristã do AT hebraico. A revisão Teodócio de Daniel, comumen-
te datada do segundo século d.C. pode representar um diferente texto, um fenô-
meno também em evidência para outros livros do AT.73 Assim, a revisão Teodócio

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

de Daniel, a mais recente das duas, pode ter ou corrigido a LXX de Daniel ou
seguido uma tradição textual pré-cristã anterior.
De acordo com Montgomery, lecionários gregos parecem conter apenas os
capítulos históricos do livro de Daniel.74 Isto, e o fato de que as histórias do capí-
tulo 3 e 6 são aludidas em 1 Macabeus 2, pode sugerir que as narrativas históricas
usufruíam de certa popularidade além das visões. Além disso, as leituras mais
midráshicas da LXX de Daniel 4-6 podem indicar que as traduções gregas são elabo-
rações secundárias. Essas elaborações poderiam ser ornamentos incluídos numa
época em que a fluidez textual não era incomum. A fluidez textual pode também
ter permitido a inclusão das partes não-canônicas.
Em suma, as narrativas históricas, sendo populares, podem ter circulado inde-
pendentemente, acrescentando-se a elas detalhes fictícios em uma ou mais tradi-
ções textuais específicas. Após obterem sua forma presente, os capítulos 4-6 foram
possivelmente emprestados pelo tradutor dos outros capítulos ou por algum com-
pilador posterior quando o livro foi finalmente reunido na forma que agora temos
a LXX de Daniel. Em vez de indicar dois autores diferentes, a evidência parece
apontar para diferentes tradutores ou compiladores.75
A observação de Davies de que a palavra “apocalíptica” causou divisão entre
as duas partes do livro é válida.76 Como resultado, as visões foram tratadas como
26 sendo a essência do livro, ao passo que as histórias são basicamente consideradas
como um prólogo que introduz o contexto e os personagens para as visões.
Davies é sensível ao fato de que os capítulos de 7-12 tendem a ser interpretados
a partir de um contexto sócio-religioso e literário alheio designado “apocalíptico” e
definido por características muito frequentemente estranhas ao livro de Daniel (e,
devemos acrescentar, às Escrituras como um todo). Entretanto, sua própria propo-
sição de que as histórias praticamente criaram as visões é inaceitável.
Sua tese de que as visões foram escritas durante o período dos macabeus como
uma aplicação contemporânea da mensagem das histórias é falha por causa da
falta de evidência para tal releitura. Ele quer ver uma ligação mais estreita entre
as histórias e as visões, e está correto ao enfatizar a continuidade entre as duas
partes do livro. No entanto, Davies falha em mostrar como “temas específicos na
escatologia das visões derivam de contos”.77
A continuidade entre as visões de Daniel e o material apocalíptico em geral
não pode ser negada. Isso não é inferir que exista alguma relação de origem entre
as duas, mas afirmar que a estrutura e coerência internas das visões “é semelhante
àquela dos apocalipses, e, portanto, destaca o modo de revelação, a natureza espe-
cífica da escatologia e a proeminência da Palavra divina sobrenatural representada
pelos anjos.”78 Deve-se acrescentar que embora apocalipses não-canônicos possam
ser ilustrativos, dificilmente são indispensáveis para nossa compreensão de Daniel.

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Estudos sobre Daniel

Tudo isso tem levado vários comentaristas – de forma correta, cremos – a reco-
nhecer uma certa peculiaridade em Daniel. Consequentemente, Daniel não é consi-
derado como um espécime típico da literatura apocalíptica que surgiu entre 200 a.C.
e 200 d. C., aproximadamente.79 Baldwin observa de forma apropriada: “O livro de
Daniel é um dos primeiros exemplos de seu gênero; sem dúvida deve ser considerado
como um protótipo ou modelo no qual escritores mais tarde se inspiraram.”80
Outra alternativa que busca enquadrar as visões e as histórias sob um guarda-
chuva foi sugerida por Gammie. Ele amplia sua definição de apocalíptico para in-
cluir vários subgêneros, a fim de “dispensar estudiosos da necessidade de dissociar
os capítulos 1–6 da classificação ‘apocalíptica’”.81 Em ambos os casos, nenhuma di-
visão artificial é colocada entre as duas partes do livro por algum critério externo.
A análise histórica não é apenas útil, mas essencial à exegese, uma vez que respei-
te o texto. Entretanto, a crítica histórica pode facilmente levar ao raciocínio circular.
Isso acontece quando a crítica se afasta de uma passagem bíblica para descobrir algu-
ma identificação histórica e, então, retorna ao texto para remover material que não
esteja em harmonia com sua interpretação histórica hipotética. Rowley condenou
tal procedimento quando observou que “isto é fundamentar o caso nos supostos
enganos de uma teoria da origem do livro e não em evidência.”82 Sob nenhuma
circunstância deve o exegeta sacrificar a primazia e integridade do texto.
Irregularidade no texto também tem sido inferida com base no suposto emprés- 27
timo de antigo material tradicional extra-bíblico, principalmente nos capítulos 7-8
e 10-12. Embora nenhuma importação indiscriminada de tais materiais seja conce-
bida, estudiosos propõem derivação de temas da Babilônia, Canaã e Pérsia.83
Este autor examinou a hipótese da origem cananeia para o capítulo 7 e a
achou em falta.84 As teorias babilônicas e persas têm poucos seguidores atualmen-
te, e as alusões míticas sugeridas para os capítulos 8 e 10–12 têm pouca relevân-
cia.85 Outros estudiosos argumentam que o autor de Daniel, se e quando ele usou
fontes bíblicas ou extra-bíblicas, incorporou as fontes de tal maneira que não há
evidência de nenhuma junção.

Indicações de unidade

Os argumentos listados até agora não nos impõem o ponto de vista da autoria
múltipla do livro.86 Entretanto, essa não é uma demonstração em si da unidade
do livro. Há alguma evidência que sugira que a autoria única é uma alternativa
mais convincente?
Aspectos individuais de uma obra literária são essenciais e significativos, e não
pode haver nenhum produto literário sem vocabulário e sintaxe. Tais unidades

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

individuais podem ser comparadas a tijolos no edifício da comunicação. No final


das contas, porém, uma análise detalhada dessas partes apresenta tão pouco da
estrutura e significado gerais de uma obra literária quanto um exame de tijolos
individuais nos diz sobre a natureza e propósito da construção da qual fazem parte.
É por essa razão que agora passamos a uma pesquisa do edifício como um todo.
1. Capítulos posteriores pressupõem materiais anteriores. O autor dos capítu-
los de 1–6 claramente compôs esses capítulos em uma unidade coerente. Assim, o
capítulo 2 pressupõe a introdução de Nabucodonosor, Daniel, e seus amigos como
apresentado no capítulo 1. Da mesma forma, a imagem de ouro do capítulo 3, erigi-
da em honra ao rei, está relacionada à estátua do capítulo 2, onde a cabeça de ouro
representa o rei. Os acontecimentos vividos por Belsazar na noite registrada no capí-
tulo 5 pressupõem a história de Nabucodonosor no capítulo 4; e o reinado de Dario
no capítulo 6 pressupõe a queda de Babilônia narrada no capítulo anterior.87
As narrativas da corte introduzem não só a figura de Daniel e seus amigos,
mas também várias das principais personagens mencionadas no restante do livro.
Portanto, em certo sentido, as histórias descrevem a cena e preparam o leitor para
as visões. As visões, por outro lado, pressupõem o profeta, o contexto histórico e
geográfico e aspectos importantes da mensagem das narrativas anteriores. O rei
Nabucodonosor, Belsazar, Dario o Medo, e Ciro aparecem em ambas as partes. De
28 fato, embora as histórias descrevam a carreira de Daniel se estendendo além do
período de Nabucodonosor até Ciro (1:21; 6:28), não é uma narrativa histórica,
mas sim uma visão (caps. 10-12) que é dada nos tempos de Ciro.
2. Temas comuns. Vários temas são comuns a ambas as partes do livro. A
submissão é imposta ao povo de Deus em todo o livro. Novamente, Deus é retra-
tado como o governante supremo em contraste com os governantes terrenos cujos
reinados decaem. A história humana, a qual o profeta inspirado pode revelar de
antemão, é descrita como uma obra da providência divina. Já nos capítulos 4 e 5
os reis experimentam manifestações sobrenaturais – um, um sonho, o outro, uma
escrita misteriosa –, ambas seguidas de suas interpretações.
De forma semelhante, os sonhos são acompanhados de interpretações detalha-
das nos capítulos 2, 7 e 8. Como o orgulho precede a queda nos capítulos 4 e 5,
também a arrogância do último inimigo de Deus nos capítulos 7–8 e 10–12 leva ao
seu julgamento e destruição. Os capítulos 4 e 5 registram cumprimentos das predições
feitas por Daniel aos seus monarcas contemporâneos. Isso, por sua vez, inspira con-
fiança no cumprimento futuro dos sonhos e interpretações delineados nas visões.88
3. Conexões cronológicas. Conexões cronológicas também estão presentes
nas duas partes do livro. Assim, as narrativas abrangem o período de Babilônia
e Medo-Pérsia (caps. 1–6). De igual modo, as visões, ao invés de continuarem a
sequência cronológica da Medo-Pérsia em diante, retorna à Babilônia e repete o

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Estudos sobre Daniel

padrão (caps. 2, 7-12). Também importante para o padrão da cronologia é o esque-


ma dos quatro impérios – explícitos nos capítulos 2 e 7 e implícitos nos capítulos
8–12. Esse esquema detalha o reinado de quatro poderes mundiais consecutivos,
começando com Babilônia. Portanto, é evidente que as histórias e as visões são
ambas compostas juntas pela cronologia da carreira de Daniel e seguem o mesmo
progresso da história em sequência paralela.
4. Daniel 7 interliga o livro. O capítulo 7 ocupa um lugar central e crucial
dentro de todo o livro. Ele interliga os dois blocos de material. Ele reúne as his-
tórias pela linguagem e simetria e as visões dos capítulos 8–12, pela sequência e
conteúdo cronológico.89 Já observamos que os capítulos 2–7 são escritos em ara-
maico90 (discutiremos mais tarde a disposição simétrica que une esses capítulos).
Também vimos que o capítulo 7 repete o ciclo de datas registradas nos capítulos
1–6 e mencionamos que sua forma e conteúdo literário estão mais estreitamente
relacionados às visões dos capítulos 8–12.
Conexões linguísticas e temáticas entre os capítulos 2, 7 e 8–12 tendem a in-
dicar a coesão das duas partes do livro. Palavras como “forte”, “ferro”, “quebrar”,
“quatro reinos” (2:40; 7:7, 23) conectam os capítulos 2 e 7. Por outro lado, locuções
como “os quatro ventos do céu” (7:2; 8:8; 11:4), “livro(s)” do juízo (7:10; 12:1), e a
expressão única “povo dos santos” (7:27; 8:24) reúnem os últimos cinco capítulos.91
5. Características únicas de estilo. Características peculiares de estilo reapa- 29
recem ao longo do livro. Há uma certa predileção por listas de palavras. Várias
classes de homens sábios (2:2, 10, 27; 4:7; 5:7, 11); listas de oficiais reais (3:2,3;
6:7) e instrumentos da orquestra de Nabucodonosor (3:5, 7 ,10, 15) são repetidos
com frequência. A frase característica “povos, nações, ... línguas” unem os capítu-
los 3–7 (3:4, 29; 4:1; 5:19; 6:25; 7:14).
Outra característica sutil que reaparece em capítulos que dão interpretações
é a introdução ou suplementação de detalhes não mencionados explicitamente
nos sonhos ou nas visões (por exemplo, 2:41-43 suplementa 2:33; 4:33 acrescenta
um aspecto ausente no primeiro sonho; 7:21-22 amplia a primeira visão com a in-
trodução dos “santos”, e a interpretação de 8:19-25 suplementa a visão de 8:3-14).
Rowley chama atenção para o fato de que algumas vezes simbólico e o real alternam
no livro (como em 4:14-17)92. Também certa “irregularidade” e lógica intocadas
pelo silogismo ocidental podem ser traçadas em diversos capítulos do livro.93
6. Padrões literários. Algumas características estruturais dificilmente reco-
nhecidas e nada acidentais devem ser observadas. Em 1972, A. Lenglet publicou
um artigo relevante sobre a estrutura literária de Daniel 2–7 no qual defendeu
uma simetria concêntrica dos capítulos aramaicos.94
Consequentemente, os capítulos 2 e 7 se ajustam como um envelope aos capí-
tulos 3–6. Os capítulos 2 e 7 registram visões que tratam da história de impérios e

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

clímax, de um lado com uma pedra “cortada sem auxílio de mãos”, e, do outro, com
um reino e domínio eterno dados a “um como o Filho do Homem” e aos “santos do
altíssimo” (2:34, 45; 7:13-14, 27). O ciclo seguinte (caps. 3 e 6) é composto de duas
histórias de livramento, a saber, a salvação dos amigos de Daniel da fornalha ardente
e do resgate do próprio Daniel da cova dos leões. Dentro desse círculo novamente
estão os capítulos 4 e 5, que tratam do julgamento de dois reinos gentios.
Esses mesmos capítulos podem também ser dispostos numa forma literária
conhecida como quiasma, um recurso literário que unifica uma composição ao
arranjar suas partes correspondentes numa relação invertida uma com a outra.
Veja a seguinte ilustração:

A. Visão da história mundial (cap. 2)


B. Libertação da fornalha ardente (cap. 3)
C. Julgamento de um rei gentio (cap. 4)
C’. Julgamento de um rei gentio (cap. 5)
B’. Libertação da cova dos leões (cap. 6)
A’. Visão da história mundial (cap. 7)

Embora seja impossível demonstrar que esse quiasma foi escrito de forma
30 deliberada, é pouco provável que tenha sido escrito de maneira acidental, prin-
cipalmente quando se reconhece que estruturas semelhantes ocorrem em outros
capítulos desse livro.
Estudiosos que analisaram ambas as visões e o restante do capítulo 7 em várias
camadas passaram por alto a estrutura quiástica que une esse capítulo. Uma vez que
já discutimos essa característica em outra parte, um resumo de nossa análise será
suficiente aqui.95 É notável que – após uma visão preliminar dos reinos do mundo
(7:2b-3) – a visão flui numa sequência de unidades em direção ao clímax. Ela, en-
tão, reverte a mesma sequência temática como indica o esboço a seguir:

A. Primeiros três animais (v. 4-6)


B. Quatro animais (v. 7)
C. Descrição do chifre pequeno, incluindo sua fala (v. 8)
D. O JUÍZO (v. 9-10 suplementados pela segunda metade
nos versículos 13-14)
C’. Destino do chifre pequeno e sua fala (v. 11a)
B’. Destino dos quatro animais (v. 11b)
A’. Destino dos três animais (v. 12)

A estrutura quiástica dos versículos 4-14, com o juízo no seu centro, primeiro
descreve a ascensão limitada dos poderes do mundo antes de traçar seu destino

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Estudos sobre Daniel

numa ordem exatamente inversa na segunda metade do quiasma. Essa estrutura


argumenta claramente em prol de uma unidade da visão. O fato de os versículos
9-10 e 13-14 estarem em métrica poética, em contraste com a prosa, já indica que
alcançamos o clímax da visão.

Além disso, há três descrições que tratam da opressão, do juízo do reino que
se repetem no capítulo:

A. Opressão A. Opressão A. Opressão


(v. 7-8) (v. 21) (v. 23-25)

B. Juízo B. Juízo B. Juízo


(v. 9-12) (v. 22a) (v. 26)

C.Reino C. Reino C. Reino


(v. 13-14) (v. 22b) (v. 27)

A segunda e a terceira descrição repetem a primeira estrutura de opressão, juí-


zo e reino; entretanto, as cores e os contornos ficam mais pronunciados à medida
que o escritor se move de uma descrição para a próxima. 31
Vários temas reúnem esses recorrentes padrões estruturais. Um tema desen-
volve as vicissitudes de uma força opressora e o tema do reino, enquanto o outro
desdobra a importância do julgamento. Por um lado, vemos os profundos matizes
do principal vilão e seu destino final; enquanto, por outro lado, o reino, que a
princípio pode ter parecido distante, torna-se cada vez mais uma realidade.
As estruturas e linhas temáticas que se apresentam no capítulo unem os ma-
teriais no capítulo 7. Há um plano delicadamente equilibrado e contraditório no
capítulo, que só seria interrompido pela retirada de alguma das partes. Isso, então,
leva ao seguinte esboço de todo o capítulo:

A. Prólogo (v. 1-2a)


B. Visão (v. 2b-14)
C. A reação do profeta à visão (v. 15-16)
D. Breve resumo da interpretação (v. 17-18)
C’. A reação do profeta à visão e sua elaboração (v. 19-22)
B’. Interpretação extensa (v. 23-27)
A’. Epílogo (v. 28)

W. H. Shea chama atenção para outro quiasma literário no próximo capítulo:


8:9-12.96 Numa discussão das dimensões “apocalípticas” horizontais e verticais,

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Shea observa várias declarações no capítulo 8 com respeito às atividades do chifre


pequeno. A primeira e a segunda atividades descrevem o chifre pequeno num pla-
no horizontal (8:9b e 12c), enquanto as outras declarações estão relacionadas com
a atividade vertical do chifre pequeno (v. 10a-12b). Daniel 8:11 constitui o ponto
alto com uma tríade de declarações sobre o “Príncipe do exército”, seu tāmîd (“di-
ário”) e o lugar do seu santuário:

A. A expansão horizontal (terrena) do chifre pequeno (v. 9b)


B. Expansão vertical (v. 10-12b)
A’. Expansão horizontal (terrena) do chifre pequeno (v. 12c)

Outros quiasmos literários podem ser observados em 9:24-27.97 No versículo


introdutório (v. 24) o ponto alto dos seis versos destaca a provisão para o pecado:

A. “Cessar a transgressão,... dar fim aos pecados”


B. “Expiar a iniquidade,...trazer a justiça eterna”
C. “Selar a visão e a profecia,... ungir o Santo dos Santos”

Shea acredita que o Messias está no centro de 9:25-27 e sugere o seguinte padrão:98
32
A. Construção (v. 25a)
B. O Messias (v. 25b)
C. Construção (v. 25c)
D. O Messias (v. 26a)
C’. Destruição (v. 26b)
B’. O Messias (v. 27a)
A’. Destruição (v. 27c)

Embora esses padrões literários possam não ser o resultado de um plano deli-
berado, são, no entanto, de grande interesse em qualquer discussão da estrutura
e unidade desse livro.99 Os elementos centrais nessas estruturas chamam atenção
para o tema do julgamento, o conflito entre o chifre pequeno, o “Príncipe do
exército” e o Messias.
O livro de Daniel também retrata um padrão discernível na linguagem em-
pregada. Sua mudança do hebraico para o aramaico e de volta para o hebraico
segue um padrão A:B:A que também é encontrado no livro de Esdras. O recur-
so literário de envolver uma seção central de uma obra com um “envelope” de
um estilo diferente também é empregado no livro de Jó e no antigo Código de
Hamurabi. Jó começa com um prólogo em prosa, continua com poesia e termina

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Estudos sobre Daniel

com um epílogo em prosa. As leis de Hamurabi do século 17 a.C. são compostas


em prosa e envoltos por uma introdução e conclusão semi-poética. Ao comentar
os livros de Jó e Daniel, C. H. Gordon declarou que “a possibilidade de uma es-
trutura ABA intencional merece consideração séria e deve nos deter de analisar
o texto de forma precipitada.”100
Até agora nenhum argumento promovido torna a natureza original bilíngue
do livro de Daniel uma impossibilidade. De fato, as divisões cronológicas do livro
(caps. 1–6 e 7–12), a separação em visões e narrativas históricas (caps. 2:7-12 e
1:3-6) e seções em terceira e primeira pessoa (principalmente, caps. 1–6, 7–12)
interligam com as mudanças de linguagem de modo a negar qualquer divisão.
Além disso, inter-relações específicas dentro dessas linhas podem ser observa-
das no fato de que 7:1-2 e 10:1-2 começam as visões escritas como autobiografias
com relatos de terceira pessoa. Assim, interligam narrativas biográficas e autobio-
gráficas.101 Uma interligação similar é evidente no fato de que a visão do capítulo
2 é colocada no contexto das narrativas históricas.
7. “Paralelismo Progressivo”. A maioria dos estudiosos reconhece que as visões
no livro são análogas entre si e aos capítulos posteriores, estendendo progressiva-
mente os capítulos anteriores. Assim, o capítulo 2 é o menos complexo, enquanto
as visões nos capítulos 7, 8–9, 10–12 aumentam em complexidade e detalhamento.
Embora tenha repetido a mesma estrutura geral, a revelação progride dentro das 33
séries de visões. Baldwin descreve esse fenômeno como “paralelismo progressivo” e
conclui que isso é evidência “de que o livro deve ter sido obra de uma pessoa que
planejou a apresentação do seu tema com meticuloso cuidado”.102

Conclusão

Em suma, embora as mensagens das histórias e visões não sejam idênticas, a re-
lação das duas seções do livro é mais do que simplesmente uma combinação literária
ou justaposição.103 Há um desenvolvimento orgânico – no qual as histórias preparam
para as visões – que torna improvável argumentar que as visões sempre existiram ou
foram planejadas sem as seções históricas. As narrativas pressupõem umas as outras
e as visões progressivamente correspondem umas as outras. Incidentes históricos são
selecionados sutilmente e simetria literária, detalhes cronológicos, as duas linguagens
e relatos de primeira e terceira pessoa integram ambas as partes.
Daniel 7, em virtude de sua simetria, linguagem, detalhes cronológicos e con-
teúdo liga os capítulos 1–12. As características únicas de estilo, linguística, temáti-
ca testificam uma mente única e um hábito mental semítico intocado por padrões
ocidentais modernos de lógica e literatura. Concordamos com Baldwin que “o

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

problema da autoria múltipla é o de que o livro apresenta bem poucos traços dos
supostos pontos de vista divergentes. Como uma obra literária, ela manifesta uni-
dade de propósito e desígnio”.104
Como uma estrutura literária simétrica, o livro de Daniel consiste de partes
constituintes, nenhuma das quais dispensável. Anteriormente, notamos as inade-
quações dos argumentos contra a unidade de Daniel. Essa avaliação negativa parece
ser justificada pelas ligações estruturais observáveis em todo o livro. Essas apontam
convincentemente em direção a uma autoria única para o livro de Daniel.
Poder-se-ia argumentar que um editor impôs essa estrutura sobre o livro de
Daniel ao reunir materiais diversos em um volume. Embora não possamos rejeitar
tal hipótese imediatamente, as idiossincrasias peculiares e quase inconscientes e as
características de estilo observadas acima tendem a favor da noção de que o livro
procedeu basicamente de uma pena e uma mente.
Ainda uma palavra precisa ser acrescentada. Mesmo que a autoria múlti-
pla seja rejeitada, há várias características do livro que indicam que ele não foi
escrito de uma vez. Com exceção dos capítulos 10–12, cada capítulo no livro
é independente um do outro. Alguns capítulos têm sua própria introdução e
conclusão (por exemplo, 7:1, 28). Enquanto a maioria dos capítulos se lê como
memórias, o capítulo 4 é claramente uma confissão de Nabucodonosor escrita
34 na forma de carta, a qual Daniel incorporou ao seu livro.105 Muitos capítulos são
datados, permitindo ao leitor precisar o ano durante o qual os eventos registra-
dos ocorreram. Apesar de 1:7 identificar Daniel com Beltessazar, isso é repetido
em 2:26; 4:8-9, 19; 5:12, e 10:1. Tal repetição de sua identificação indica relatos
originalmente independentes.
Daniel 1 começa com eventos datados de 605 a.C., mas termina com uma re-
ferência ao ministério de Daniel que se estende ao primeiro ano de Ciro, cerca de
70 anos mais tarde (v. 21). Isso indicaria que o capítulo 1 pode ser uma introdução
deliberada escrita algum tempo depois do primeiro ano de Ciro, mas antes dos
capítulos 10–12.106 Daniel 10:1 coloca a última visão de Daniel no terceiro ano de
Ciro –536/535 a.C. Apesar de essas datas poderem não indicar a época em que
os capítulos individuais foram escritos, não é impossível especular que eles podem
ter sido registrados (ao menos em forma de anotação) pouco depois da data dada.
Daniel pode tê-los mantido como uma coleção de memórias.
O fato de Daniel usar palavras de origem persa, principalmente na primeira
parte do livro, pode dar vazão ao fato de que os capítulos não foram escritos antes
(ou no mínimo foram atualizados) da época em que o império persa sucedeu o ba-
bilônico. Naquele período, Daniel tinha reassumido um alto posto administrativo
e estava constantemente em contato com seus colegas persas. A data dos capítulos
10–12 colocaria os últimos três capítulos do livro algum tempo depois do primeiro

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Estudos sobre Daniel

ano de Ciro, tempo em que os capítulos 1–9 podem já ter sido coletados.
Em suma, se assumirmos que Daniel, sob a direção do Espírito Santo, compi-
lou o livro agora conhecido pelo seu nome até o final de sua vida, reunindo extra-
tos de suas memórias e outros materiais selecionados, podemos facilmente explicar
várias características literárias linguísticas e cronológicas observadas acima.
Nossa análise da estrutura do livro de Daniel nos levou a concluir a favor da uni-
dade do livro, na qual as partes constituintes são todas necessárias à estrutura como
um todo. Dado o argumento para a unidade do livro, podemos também assumir
que esse documento do sexto século apresenta uma teologia basicamente unificada
em vez de uma combinação ou justaposição de várias teologias contestantes, se não
contraditórias.107 Agora passaremos a um exame da teologia do livro de Daniel.

35

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Teologia e propósito

S inopse editorial. Inserida nas narrativas e visões está a descrição que o profeta
faz de Deus como o eterno, onisciente, onipotente, justo, misericordioso e cle-
mente soberano. Uma perspectiva global ou internacional caracteriza a descrição
de Daniel da Deidade. Ele é o Deus de todas as nações, bem como o de Israel. Ele
governa nos reinos dos homens. Ele não só revela o futuro, mas também intervém
na história. Ele não permite que nada frustre seu propósito e objetivo supremo.
Os anjos são proeminentes. Descritos como “santos”, os “guardiões” da ati-
vidade humana, compõem a multidão celestial que assiste o Ancião de Dias no
julgamento no Céu. Algumas vezes, são enviados para proteger e livrar os servos
de Deus. Aparecem mais notavelmente no livro como intérpretes das visões. Um
deles é designado pelo nome.
A fragilidade humana (dependência de Deus para existir) é contrastada com o
orgulho e a arrogância, que às vezes se jacta de sua auto-suficiência até ser humi-
lhada por decreto divino. As experiências de Daniel e seus amigos anteveem a ex-
periência profetizada dos santos. Eles são igualmente ameaçados com sofrimento,
distinguidos por sua lealdade e finalmente libertos. O nome de Daniel (“Deus é
meu juiz”) é uma constante lembrança do dever de prestar contas. Haverá um dia
36
em que os livros serão abertos e a sentença dada; aqueles que forem encontrados
inscritos no livro da vida serão salvos.
Em contraste com concepções pagãs evasivas, Daniel apresenta uma visão linear
da história. Esse eixo horizontal está expresso na cronologia do livro e se estende da
época do profeta através de reinados históricos sucessivos até o estabelecimento do
eterno reino de Deus na terra. Deus determinou o curso do futuro, mas não o des-
tino do indivíduo. O homem é livre para servir ou rejeitar a vontade divina dentro
do curso dos eventos determinado por Deus. Observa-se também no livro um eixo
vertical ou espacial da história. Há uma linha definida entre o plano do céu e o da
terra. Atividades e acontecimentos em ambos os planos se relacionam e afetam um ao
outro. A conexão entre o Céu e a terra é estreita; Deus está no controle de tudo.
O livro trata de uma variedade de temas escatológicos. O papel do Messias em
trazer o fim do pecado e estabelecer a justiça eterna, as aflições apocalípticas do
fim dos tempos, a ressurreição e final libertação do povo de Deus. Repetidamente,
o profeta retorna aos temas do julgamento e do estabelecimento do reino de Deus
na terra, a eterna possessão dos santos.
O livro de Daniel apresenta o escopo da história a partir da perspectiva divi-
na. Sua mensagem é de certeza. A despeito de todas as aparências do contrário, a
humanidade não é deixada às forças da ganância e ambição humanas ou à mera
sorte. Deus está no controle da vida hoje. Ele governa nos reinos dos homens para

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Estudos sobre Daniel

cumprir seu propósito. O Deus onipotente e onisciente está cumprindo seu sábio
desígnio e irá salvar seu povo que depositou nele sua confiança.

Esboço da seção

Introdução
A descrição de Deus por Daniel
A função dos anjos
Natureza humana
Dimensões da história
Escatologia em Daniel
Propósito do livro de Daniel

Introdução

Logo de início, devemos reconhecer que Daniel nunca se propôs a escrever uma
teologia sistematicamente arranjada, a qual posteriormente os leitores pudessem 37
usar como um compêndio doutrinário. Nesse aspecto, o livro de Daniel é como os
outros escritos canônicos. Contudo, o livro em si chama o leitor a descobrir nas suas
páginas o Deus de Daniel e a maneira como Ele se relaciona com o mundo. Aqui
está uma riqueza e variedade de concepções que poucos livros bíblicos oferecem.

A descrição de Deus por Daniel

O Deus de Daniel é primeiramente supremo em sua existência eterna, inson-


dável sabedoria e ilimitado poder.108 As afirmações dos cantos de louvor, frequen-
temente em métrica poética, oferecem algumas das ideias mais exaltadas sobre
Deus. É clássica a declaração de louvor de Nabucodonosor, após o retorno de suas
faculdades mentais: “...eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive
para sempre, cujo domínio é sempiterno, e cujo reino é de geração em geração;
todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua von-
tade, Ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe
possa deter a mão, nem lhe dizer: ‘Que fazes?’” (Dn 4:34-35).
A supremacia divina está enraizada no fato de que somente Ele vive para sem-
pre (cf. 4:34; 6:26), que seu domínio é eterno (2:44; 4:3; 6:26; 7:9), e que Ele não

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

presta contas nem aos poderes do Céu, nem às pessoas na terra. A magnificência
divina é revelada pelos nomes atribuídos a Ele nesse livro.
Designações usadas pelos israelitas e estrangeiros incluem as seguintes: “Deus
do Céu” (2:18-19, 37, 44), “Rei do Céu” (4:37), “Céu” (4:26), “Altíssimo” (4:17, 25;
7:25), “Deus Altíssimo” (3:26; 4:2; 5:18, 21), “Deus dos deuses e Senhor dos reis”
(2:47), “Deus dos deuses” (11:36), “Deus vivo” (6:20), “Deus de meus pais” (2:23),
“Yahweh” (9:2, 4, 13-14, 20), “Senhor” (1:2; 9:3, 7, 8, 19, etc.), “Príncipe do exérci-
to” (8:11) e “Ancião de dias” (7:9,13).
Para Daniel, assim como para Isaías e Jeremias, há apenas um Deus verdadei-
ro, cuja habitação está nos Céus. Falsos deuses e o culto a eles são mera vaidade
(2:18,37). O arrogante desafio de Nabucodonosor expresso nas palavras “E quem
é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” apenas intensifica o contraste
entre a potestade terrena e o Senhor divino quando o rei babilônico finalmente
é forçado a curvar-se em homenagem ao Deus de todas as nações (3:15, 29).
A soberania divina também é demonstrada pela sabedoria ímpar de Deus. Do
Deus do Céu “é a sabedoria e o poder. ... Ele dá sabedoria aos sábios e entendi-
mento aos inteligentes. Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está
em trevas, e com ele mora a luz” (2:20-22; cf. v. 47; Is 45:1-7). Os homens mais
instruídos e sábios do reino reconhecem suas limitações quando Nabucodonosor
38 pede-lhes que reproduzam seu sonho. Nenhum homem na terra pode relatar o so-
nho do monarca e dar sua interpretação (cf. 4:18) “A coisa que o rei exige é difícil,
e ninguém há que a possa revelar diante do rei, senão os deuses, e estes não moram
com os homens” (2:11, grifo nosso).
A Fonte de sabedoria revela mistérios e conhece “o que há de ser nos últimos
dias” (2:28-29, 45). O conhecimento divino é também demonstrado na habilidade
de Daniel de retomar o sonho do rei e apresentar seu significado (2:30; cf. 5:11).
Daniel apenas pode interpretar a visão do capítulo 4 e a escrita do capítulo 5 por
causa do “o espírito dos deuses santos” 4:18; 5:11-12). Da mesma forma, nas visões
do começo do capítulo 7, é Deus que torna conhecido o que irá acontecer “nos
últimos dias” (cf. 8:17, 19; 10:14; 12:9).
A Majestade eterna e sábia dos Céus também possui poder inigualável. Ele, a
quem pertence todo o poder, faz o que lhe apraz com os habitantes dos Céus e da
terra (2:20; 4:35). A liberdade de Deus para agir é reconhecida por Daniel e seus
amigos (3:17-18; 4:27). O Eterno estabelece limites pré-determinados à posse dos
impérios mundiais e verifica seu exercício e escopo de poder. É o Deus dos Céus
quem muda os “tempos e as estações” e “remove reis e estabelece reis” (2:21).
Todo reinado, grandeza, majestade, poder e glória vem do Altíssimo (2:37;
4:25; 5:18). Monarcas terrenos, bons ou maus, pagãos ou israelitas, exercem seu
reinado apenas pela graça divina e não meramente por “direito legal” ou conquista

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Estudos sobre Daniel

(1:2; 4:36; 5:28; 7:6; 9:1). Mesmo aquele “como o Filho do Homem” recebe o “do-
mínio, e glória, e o reino”, assim como “o povo dos santos do Altíssimo”, das mãos
do Ancião de Dias (7:13-14, 27).
Dessa forma, Deus pode determinar os dias da potestade cujo reino encontra-
se em falta, trazê-lo a um fim, e dá-lo a outro (5:26-28). Ele pode humilhar o
orgulhoso (4:37) até que “conheçam os viventes que o Altíssimo tem domínio
sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer e até ao mais humilde dos homens
constitui sobre eles” (4:17). Esses conceitos teológicos são nada mais que uma
demonstração da autenticidade e aplicação da sabedoria israelita em referência à
exaltação e humilhação de reis (cf. Jó 34:16-30; 36:5-14; Pv 16:12).
Todos os reis e impérios devem prestar contas a Deus. Deus fala sério, e deso-
bediência voluntária resulta em terríveis consequências para israelitas ou pagãos,
indivíduos ou nações. Foi a rebelião deliberada de Israel e desobediência à lei de
Yahweh dada por meio de Moisés e pelas instruções dos profetas que ocasionou a
destruição de Jerusalém (9:9-13). No final, nenhum individuo ou reino escapa do
julgamento divino (4:5; 7:9-14; 12:1-2).
Deus não só sabe, como também age. Ele, que determina a história, também
intervém nela. As experiências de Nabucodonosor e Belsazar (caps. 4 e 5) mos-
tram que o Deus de Daniel revela seu plano e o coloca em prática da maneira mais
espetacular. Isso também é mostrado pela justaposição dos capítulos 8 e 9–12. 39
Essa visão do capítulo 8 (dada no terceiro ano do último rei de Babilônia)
designa a Medo-Pérsia como o próximo império (8:20). Tal revelação teria assegu-
rado ao profeta o futuro cumprimento das profecias dos capítulos 9 e 10–12, as
quais foram dadas alguns anos depois que Dario, o Medo e Ciro haviam sucedido
Belsazar. O fato de que Deus não apenas revela, mas também intervém é signifi-
cativo, pois desafia a ideia defendida por alguns de que o Deus da “apocalíptica”
é completamente distante e transcendente.109 Não devemos passar por alto esse
aspecto da intervenção divina ao focarmos a presciência e determinação divinas
da história, um tema para o qual retornaremos depois.110
Alguns atribuem a oração do capítulo 9 a um autor diferente porque pensam
que sua teologia difere do restante do livro – um procedimento um tanto arbitrário.
Mas se o relato é aceito sem questionamentos, ele retrata Daniel relembrando os
poderosos atos divinos de libertação do Egito e suplicando por outra intervenção
poderosa para a salvação em favor do povo escolhido (9:14-16).111 Os atos salvíficos
de Yahweh a favor de Israel não são meramente eventos de um passado distante. A
futura salvação dos santos pelo Ancião de Dias e por Miguel é garantida pelo teste-
munho de Nabucodonosor e Dario de que o Deus vivo liberta, resgata e faz sinais e
prodígios (7:21-22, 27; 12:1-2; 3:29; 6:26-27). A própria promessa da ressurreição é
uma demonstração adicional da liderança de Deus e de seu poder para salvar.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Daniel também descreve seu Deus como justo, misericordioso e clemente. O


Altíssimo decretou que sete anos deveriam passar sobre Nabucodonosor até que ele
soubesse que o “Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem
quer”. Mas, o profeta suplica ao rei que ponha termo em seus pecados para que
“talvez se prolongue” a tranquilidade do monarca (4:25, 27). O chamado ao arre-
pendimento foi ignorado, mas a presciência dos Céus ficou firme e reivindicou.
Daniel considera a misericórdia e o perdão do guardador das alianças, Yahweh,
como a única base sobre a qual pleitear o caso da pecaminosa nação de Israel (9:4-
19). A oração relembra o trato bondoso de Yahweh para com Israel no passado
e chama a atenção para o fato de que a graça de Deus merece uma resposta de
confiança obediente.
Embora os impérios terrenos possam seguir um ao outro em sucessão, o Deus
do céu assegurará o estabelecimento do seu eterno domínio no final. Seu reino
jamais será destruído e nunca passará a outro povo exceto o seu próprio (2:44;
6:26; 7:18). Tais garantias devem ter sido particularmente significativas quando a
Autoridade divina pareceu estar obscura pela derrota, calamidade, cativeiro, per-
seguição, cruel ridicularização e dúvida de Israel.
No entanto, as predições de Daniel não prometiam exatamente paz e pros-
peridade. Os santos seriam perseguidos, brutalmente afligidos e finalmente pas-
40 sariam por um tempo de angústia qual nunca houve (7:21, 25; 8:10, 24; 11:33;
12:1). Os saques constantes de Nabucodonosor a Jerusalém e a destruição do
templo seriam evidências de que o Deus de Israel é muito pequeno ou de que Ele
abandonou seu povo?
A resposta de Daniel é ao mesmo tempo realista e encorajadora. Ele não nega
a perseguição injusta ou mesmo a morte dos piedosos. O profeta simplesmente
convida seus leitores a discernir por trás e além de suas imagens e visões as evidên-
cias da presença de Deus. Na época em que escrevia, a visão do profeta foi aberta
para contemplar os emissários celestes em combate cósmico a favor do povo de
Deus (cap. 10). O Todo-Poderoso se recusa a impor sua vontade diretamente sobre
os imperadores, contudo Ele está no controle da história.
Libertação no passado aponta para salvação no futuro. Embora a ressurreição
seja primeiramente uma demonstração da soberania divina, é também uma defesa
da bondade e poder de Deus. Assegura aos piedosos que a ignomínia presente ou
futura, a injustiça ou mesmo a morte não podem obscurecer o propósito divino
para eles. No final “os santos do Altíssimo receberão o reino e o possuirão para
todo o sempre, de eternidade em eternidade” (7:18).
Resumindo, Daniel ensina que o Deus verdadeiro é um Soberano celestial
eterno, sábio, poderoso, justo, misericordioso e clemente. O Deus de Daniel go-
verna Israel, e ainda mais, Ele governa as nações do mundo. Essa perspectiva mais

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Estudos sobre Daniel

ampla, global é que domina o livro. O Deus dos Céus, que controla toda a história
e determina o futuro, é também o que guarda as alianças, conhecido dos israelitas.
Em majestade inigualável, rodeado por uma hoste celeste, Ele intervém na histó-
ria e não permite que nada frustre seu propósito final.

A função dos anjos

No livro de Daniel, a “palavra do Senhor” nunca é dada diretamente como é


o caso nas profecias clássicas. Essa é uma das razões por que estudiosos de Daniel
algumas vezes hesitam em indicar o escritor do livro como um profeta. Em vez
disso, Deus geralmente usa intermediários. Embora o próprio Daniel interpreta
os sonhos de Nabucodonosor e Belsazar, agentes espirituais atuam como intér-
pretes nos capítulos 7-12. Na maioria das vezes, o anjo intérprete no livro de Da-
niel é Gabriel. (O angelus interpres é também encontrado em outros documentos
bíblicos classificados como “apocalípticos”). É esse uso de intermediários que
tem levado estudiosos da literatura exemplificada pelo livro de Daniel a falarem
do Deus transcendente e distante na “apocalíptica”.
Na cena do julgamento, no capítulo 7, o “Ancião de Dias” está rodeado por 41
miríades de seres celestiais (7:10). Conselhos celestiais semelhantes estão reuni-
dos ao redor de Deus em 1 Reis 22:19 e Jó 2:1. A atividade dos anjos no AT é pro-
vavelmente mais proeminente em Daniel. Um anjo protege Daniel na cova dos
leões (6:22) e, na mente de Nabucodonosor, aquele “semelhante a um filho dos
deuses” é um anjo enviado por Deus para livrar seus servos da fornalha ardente
(3:25, 28). “Um guardião, um santo” desce dos Céus no sonho de Nabucodono-
sor e revela o futuro imediato do rei (4:13). A sentença é proferida sobre o mesmo
rei “por decreto dos vigilantes, e esta ordem, por mandado dos santos“ (4:17).
Um espectador celestial interpreta o sonho do capítulo 7 (7:16). Gabriel ex-
plica a visão do capítulo 8, vem oferecer sabedoria e entendimento da visão no
capítulo 9, e explica o que irá acontecer ao povo de Daniel no futuro (8:16; 10:14).
Daniel ouve dois seres celestiais conversando em 8:13-14 e contempla a aparência
brilhante de um “homem vestido de linho” (10:5-9).
O profeta é informado de que Miguel (“um dos principais príncipes”) e outro
ser celestial (provavelmente Gabriel) estão envolvidos numa controvérsia com su-
postos príncipes angélicos da Pérsia e da Grécia (10:13-21; 12:1). Aqui, Daniel tem
um vislumbre do combate celestial entre poderes da luz e das trevas, um combate
que tem um correspondente nas lutas históricas na terra.112 O livro é excepcional
em atribuir importância específica a anjos individuais.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Natureza humana

A visão de Deus e seu séquito celestial ajuda o profeta a reconhecer as limita-


ções e os valores de todos os homens. De Nabucodonosor vem o reconhecimento
de que diante do Eterno “todos os moradores da terra são por ele reputados em
nada” (4:35). Daniel relembra Belsazar que sua própria vida está nas mãos de
Deus, assim como todos os seus caminhos (5:23). A marcha de monarcas e impé-
rios nas páginas deste livro é uma constante recordação da fragilidade humana.
Entretanto, Nabucodonosor se recusa a admitir sua humanidade e se gaba,
dizendo: “Quem é o deus que vos poderá livrar das minhas mãos?” (3:15). Ana-
lisando a obra de sua mãos, o rei se jacta: “Não é esta a grande Babilônia que eu
edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majes-
tade?” (4:30, grifo nosso; cf. 5:20). A violação de Belsazar dos vasos sagrados do
templo foi o sinal de que esse bêbado devasso se levantou “contra o Senhor do
Céu” (5:22-23).
A arrogância do homem não conhece limites e até aspira a se igualar ao
“príncipe do exército” (8:11). Antes da intervenção divina final, Daniel prediz
que um rei terreno fará o que quiser e “se levantará, e se engrandecerá sobre
42 todo deus; contra o Deus dos deuses” (11:36).
A tragédia disso tudo é que o homem peca a despeito de seu conhecimento.
Belsazar deveria conhecer mais ao invés de repetir os erros de Nabucodonosor
(5:22). Israel se rebelou contra o Deus “que guardas a aliança e a misericórdia para
com os que te amam e guardam os teus mandamentos” (9:4). O pecado de Israel
é tão infame que é comparado à traição (9:7). A confissão de Daniel é um comen-
tário inteligente sobre o coração humano quando se volta a Deus: “temos pecado
e cometido iniquidades, procedemos perversamente e fomos rebeldes, apartando-
nos dos teus mandamentos e dos teus juízos; e não demos ouvidos aos teus servos,
os profetas, que em teu nome falaram... A ti, ó Senhor, pertence a justiça, mas a
nós, o corar de vergonha, como hoje se vê... Ao Senhor, nosso Deus, pertence a
misericórdia e o perdão,... todo este mal nos sobreveio; apesar disso, não temos
implorado o favor do Senhor, nosso Deus, para nos convertermos das nossas ini-
quidades e nos aplicarmos à tua verdade” (9:5-13).
Entretanto, ninguém escapará da responsabilidade. Privilégios implicam res-
ponsabilidades, e respostas (positivas ou negativas) determinam recompensas.
Nabucodonosor foi restabelecido ao seu reino em virtude de seu arrependimen-
to. A esperança da restauração de Israel estava, da mesma forma, no arrependi-
mento e mudança. A sentença foi proferida aos dois monarcas babilônicos, e a

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Estudos sobre Daniel

calamidade de Israel nada mais era do que uma confirmação das palavras ditas
por Deus contra eles e seus governantes (9:12).
Ambas as partes do livro testificam do extermínio das nações consideradas
inadequadas ao governo pelo Senhor dos Senhores. Os privilégios do “reino e
grandeza, glória e majestade” haviam sido franqueados a fim de que potestades
terrenas assim favorecidas pudessem “praticar a justiça” e mostrar “misericórdia
aos pobres” (5:18; 4:27). Yahweh tinha concedido extraordinários privilégios a
Israel a fim de que pudesse ser sua testemunha e declarar seu louvor (9:15, 19;
cf. Isaías 43:12, 21).
O livro de Daniel é um constante recordar da realidade do julgamento. O
nome de seu autor provavelmente significa “Deus é meu juiz”. O fato de que o
Deus de Daniel é o supremo soberano do qual a vida e força humanas depen-
dem é razão de sobra para o ser humano prestar-lhe contas (5:23). Haverá um
dia quando livros serão abertos e sentenças proferidas (7:9-14) e aqueles que se
acharem inscritos no livro serão salvos (12:1-2).
Um remanescente que leva a sério o favor divino também é evidente nas
mensagens deste livro. Lemos sobre Daniel, seus amigos, e de uma incontável
multidão chamada de “os santos [literalmente ‘os sagrados’] do altíssimo”.
Para Daniel e seus amigos, a lealdade a Deus é mais importante do que a
43
própria vida. Eles se recusam a comer alimentos ofensivos à sua consciência ou
a se ajoelhar diante de ídolos de qualquer espécie. Sua confiante obediência é
incrível. Eles afirmam sua lealdade e convicção de que Deus é capaz de livrá-
los, mas “se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses, nem
adoraremos a imagem de ouro que levantaste” (3:18). Sua lealdade não apenas
testifica do compromisso deles, mas também os guia à salvação (3:28; 6:22).
A experiência de Daniel e seus contemporâneos prenuncia a experiência
dos santos mencionada mais tarde no livro. Eles são igualmente ameaçados
com sofrimento, distinguidos por sua lealdade, e finalmente salvos. Os santos
são o povo especial de Deus na terra, que sofre perseguição intensa por um
determinado período de tempo. Por meio de um veredicto judicial, finalmente
recebem o reino de Deus e a vida eterna (7:18, 21-22, 27).
Hasel conclui que “os santos do Altíssimo” em Daniel 7 devem ser identifi-
cados com os fiéis seguidores de Deus que constituem seu povo remanescente,
que são seus escolhidos, separados do restante das nações, perseguidos pelo
poder que se opõe a Deus, mas mantêm a aliança, sua confiança e fé em Deus,
de quem finalmente recebem um reino eterno”.113 Assim, no livro de Daniel,
Deus não desiste do homem. Seu objetivo na criação é alcançado no eschaton,
ou seja, no fim dos tempos (Gn 1:26; Dn 7:27).

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Dimensões históricas

Em Daniel, as perspectivas humanas e celestes se encontram no contexto da


história. Enquanto Deus fica acima e no controle da história, Ele também in-
tervém nela, a arena dos acontecimentos humanos. De fato, foi a intervenção
sobrenatural nos assuntos de Israel que o livrou do jugo de concepções politeístas
tortuosas da realidade e lhe deu um senso único de história linear que se move a
partir de um início claro a um objetivo igualmente distinguível.114

O lugar de Israel e os gentios


Antes de Daniel, escritores bíblicos já haviam delineado a atividade divina
na história como uma operação da sua salvação. Entretanto, dentro do esquema
histórico da salvação, parecia haver pouco espaço para aqueles fora de Israel. En-
quanto Gênesis 12:1-3 tem um lugar para as nações, as alianças (com os patriarcas,
a nação, o rei Davi) focam basicamente o povo escolhido. A profecia clássica con-
centra-se em Israel, Jerusalém e Terra Prometida; menciona, casualmente, nações
estrangeiras num contexto salvífico (como em Is 2:2-4 e seu paralelo em Mq 4:1-4;
44
Is 42:4; 49:6; 56:3-7).
A maior parte das revelações, porém, são contra estrangeiros (por exemplo, Is
13-23; Jr 46-51; Ez 25-32; Jl 3; Am 1-2). Mesmo com os profetas do exílio, o povo
não-israelita ainda figura de certo modo perifericamente em revelações ou visões
de controvérsia escatológica. A ênfase é colocada sobre Israel e seu retorno como
um cumprimento das promessas divinas à nação. Tais promessas foram dadas no
contexto da interpretação de Deuteronômio da história, a qual se baseava na leal-
dade da nação à aliança feita pela graça de Deus.
No entanto, Daniel assume uma instância mais ampla e aplica as verdades
vitais à sua fé a todas as nações. Ele tem uma visão mais abarcante e universal da
história, semelhante àquela dos primeiros capítulos de Gênesis. Sua perspectiva
mais ampla inclui o cumprimento do propósito divino para o mundo no qual
todos os povos da terra seriam abençoados por meio de Abraão (Gn 12:3).
Embora Daniel não tenha se esquecido de Jerusalém ou da “terra gloriosa”
(1:1-3; 9:2-27; 8:9; 11:16), sua visão se expande e tem uma visão da história como
um todo. Ao viver numa terra estranha, talvez fosse mais fácil para ele compreender
o lugar de impérios estrangeiros no esquema histórico abarcante dentro do qual o
propósito de Deus é levado a cabo. Há sinais disto nos profetas, mas apenas em
Daniel isso se vê declarado tão explicitamente quanto o seria mais tarde no NT.115
Com a queda de Jerusalém e Judá, a história de Israel jamais seria a mesma.
A partir de então, a história de Israel estaria “entrelaçada com a dos grandes im-

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Estudos sobre Daniel

périos terrenos... A fim de que o cenário mundial tivesse qualquer sentido nesse
contexto, era necessária uma visão mais abarcante, na qual outras grandes na-
ções não estivessem apenas incluídas, mas também desempenhassem um papel
importante.”116 A interpretação histórica baseada na lealdade nacional agora ti-
nha que ser expandida. Expressões proféticas como “naquele dia”, “terremotos”,
“escurecimento do sol e da lua”, “fome” e “silêncio” – tão familiares aos ouvidos
israelitas – tinham que se adequar a novos idiomas escatológicos.
Daniel também vê a história humana da perspectiva divina. É seu resumo da
história mundial a partir da perspectiva divina que enfatiza uma medida de des-
continuidade entre Daniel e a profecia clássica em geral.
Uma vez que nosso autor tenha vivido e escrito na época do exílio, ele come-
çou sua história com o cativeiro babilônico, pressupondo o período pré-exílico.
Isso fica evidente em sua oração do capítulo 9, na qual faz alusão ao êxodo, à alian-
ça no Sinai e ao tempo dos reis e dos profetas. Começando com o sexto século, a
compreensão do autor da história se amplia e ele leva em conta não apenas a fé
de Israel, mas também aquela dos reinos do mundo dentro do propósito divino.
Finalmente, a história culmina com o reino eterno escatológico.117

Eixo horizontal da história 45


Contudo, a história assume duas dimensões. Ela tem um eixo horizontal e um
vertical. O horizontal é expresso na cronologia do livro. Datas, o “esquema dos
quatro impérios”, “semana de anos” (9:24-27), expressões como “depois disto” (7:6,
7; 9:26), “outro” (7:3, 5-6, 24) “diferente” (7:3, 7, 19), “tempo determinado” (8:19;
11:27, 35), “tempo do fim” (8:17; 9:26; 10:14; 11:40; 12:4, 9, 13), “últimos dias”
(2:28; 8:23; 10:14), “qes” (literalmente “fim”, mas traduzido de diferentes maneiras
em 11:6, 13, 27, 35, 40, 45; 12:4, 6, 9, 13) e a marcha progressiva dos reis e reinos
no capítulo 11, tudo transmite um sentido de sucessão temporária. O reino de
Deus está cronologicamente no futuro e ainda não governa o mundo presente.
A esquematização da história (a divisão do mundo em períodos sucessivos
movendo-se em direção a uma era final de estabilidade) pode ser descrita como
uma teologia da história. O esquema dos quatro impérios é um novo discurso não
usado pelos profetas. Eruditos têm sugerido que foi emprestado de uma variedade
de fontes incluindo babilônica, persa, grega e romana.118 Entretanto, problemas
de data e conteúdo fazem-nos questionar qualquer fonte direta. Apesar disso, um
protótipo comum do antigo oriente médio com “um esquema de reinos, dinastias
ou impérios sucessivos, é provável”.119 J. Barr comenta:
“A ideia da divisão da existência do mundo em períodos é comum. Mas em con-
formidade com o interesse israelita na história, os períodos não são condições mi-

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

tológicas sucessivas da humanidade (Hesíodo) ou estados cosmológicos sucessivos


de coisas criadas (religião iraniana); são períodos históricos de domínio imperial.
Daniel não tem ‘quatro períodos mundiais’; ele não imagina que a história começa
com Nabucodonosor. A série começa com o exílio dos judeus e conduz ao reino do
seu Deus.... O esquema não é cíclico, pois o reino divino não tem fim.”120
Os sonhos e visões de Daniel compreendem a época do exílio até o estabeleci-
mento final e supremo do reino de Deus, quando a ressurreição vence a morte e
os santos recebem o domínio para todo o sempre. Uma sólida análise exegética e
histórica respeitará esses detalhes bíblicos e fará justiça a este amplo esquema histó-
rico, levando-nos a nada menos que o total estabelecimento do reino de Deus.121

“Determinismo” e história
Uma vez que toda a história foi divinamente traçada – uma posição bíblica
repulsiva à atmosfera empírica moderna – o futuro (num certo sentido) está ne-
cessariamente predeterminado. Assim, de acordo com a profecia do carneiro e do
bode (cap. 8, escrito durante os últimos anos da supremacia babilônica, por volta
de 548/547 a.C.), é dito que os poderes medo-persa e grego claramente identifica-
dos sucederão Babilônia e precederão a atividade do chifre pequeno (8:20-21). O
46 período compreendido pelo domínio medo-persa e a vida de Alexandre, o Gran-
de, abrange pelo menos duzentos anos após a morte de Daniel.
De acordo com o capítulo 8, esse período foi tão inevitável quanto o de sema-
nas de anos anunciado em 9:24-27.122 Assim como animais de vida curta designam
impérios de longa existência, curtos períodos de tempo intercalados dentro do
contexto desses animais por necessidade, também designam longos períodos de
tempo. Essa esquematização que o livro de Daniel faz da história (também presen-
te em outros escritos apocalípticos) tem levado os estudiosos a falar de “determi-
nismo” na literatura apocalíptica.123
Embora profetas e escritores da literatura de sabedoria não estivessem alheios
a tempos determinados da vida humana (Ec 3:1-8, 17; 8:6), “determinismo é um
fator muito mais definido na teologia do livro [de Daniel] do que em qualquer
outra parte do AT”.124 Da mesma forma, todas as coisas operam em harmonia
com o plano já determinado. O cumprimento de partes de uma previsão garante
o cumprimento do restante da profecia. O leitor pode colocar-se a si mesmo na
marcha histórica mundial.125 A ideia do “determinismo” é evidente em ambas as
partes do livro (4:14, 25; 2; 7-12).
D. S. Russell observa com propriedade: “Uma consideração do determinismo
da história conduz a outro assunto estreitamente interligado, o da relação entre
a liberdade humana e o controle divino.”126 No livro de Daniel, “determinismo”

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Estudos sobre Daniel

obviamente não é equivalente a fatalismo. Não há lugar para o arrependimento


no contexto do fatalismo; no entanto, é isso o que Nabucodonosor é chamado a
fazer (4:27). Do mesmo modo, a profecia das semanas de anos é precedida por uma
oração de confissão e arrependimento.
No livro de Daniel, as ideias de “determinismo” divino e liberdade humana
coexistem e não devem ser vistas como conceitos contraditórios. A religião bíblica
não deveria ser posta em uma camisa de força da lógica filosófica.127 Possivelmente,
termos como “intencionalidade divina” e “presciência” expressam de forma mais
adequada os conceitos na mensagem de Daniel.
Não há predeterminação psicológica do indivíduo. Em vez disso, há uma in-
tenção divina e uma presciência de eventos futuros. A ideia de “determinismo”
evidenciada nas profecias desse livro de modo nenhum elimina a relevância da
decisão humana.128 Concordamos com Collins quanto ao seguinte:
“Embora seja verdade que nenhuma decisão humana poderia mudar o curso
dos acontecimentos, o destino do indivíduo não é predeterminado. Em Daniel,
é possível apoderar-se da aliança ou traí-la, e o povo pode ser levado à justiça. Os
sábios podem ser provados por Deus, e o teste implica que eles são livres para de-
cidir. Em suma, apenas o curso do universo e dos eventos é predeterminado. Esses
formam uma moldura na qual cada pessoa deve tomar sua posição.”129
Daniel não vê problema ou contradição entre a atividade de Deus na história 47
e a liberdade humana. Sua vontade predestinada não prevalece sobre a liberdade
humana. O individuo é livre para tomar decisões. Mas qualquer decisão é toma-
da no contexto do inevitável desdobrar dos acontecimentos. Os homens podem
escolher servir à vontade divina dentro do curso de eventos determinados pelo
Soberano divino.
Pelo retrospecto, Nabucodonosor reconhece a presciência do Altíssimo com
respeito à sua própria vida. Da mesma forma, os leitores podem confessar que
elementos proféticos já cumpridos corroboram a presciência do Altíssimo. É pri-
vilégio do homem cooperar e servir, mas não arrogar-se o direito de determinar o
que deveria ou não ser o plano e o propósito divino. O livro de Daniel informa
seus leitores que apenas Deus determina o curso final da história.

Eixo vertical (espacial) da história


Já mencionamos o fato de que na teologia de Daniel a história tem uma dimen-
são horizontal e vertical. Enquanto a primeira se expressa num eixo cronológico, a
última é vista num eixo espacial. O eixo vertical da história se concentra no contraste
espacial presente entre Céu e terra, anjos e humanos. Daniel possui a habilidade –
tão característica nos homens antigos, porém rara nos modernos – de perceber a his-
tória não meramente como algo condicionado por forças materiais e econômicas.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

Assim, no capítulo 10, a controvérsia de Miguel e Gabriel com príncipes da


Pérsia e da Grécia são correspondentes à experiência do povo de Deus com os po-
deres contemporâneos dominantes na terra. A batalha arquétipa no Céu garante
a Daniel e seus contemporâneos que Deus e os seres celestiais estão grandemente
interessados nas suas presentes vicissitudes. A intervenção de poderes celestes não
está meramente limitada ao final dos tempos!
Por trás das lutas na terra, Daniel percebe um conflito que ocorre num nível
cósmico no Céu. Concordamos com Gammie que o livro de Daniel “ensina não
apenas que há planos duais, Céu e terra, mas que os acontecimentos em um plano
podem afetar significativamente o que acontece no outro”.130
O eixo espacial da história está evidente também em 7:9-14. O olhar do pro-
feta muda do mar agitado pelo vento e caos na terra descritos nos versículos an-
teriores para a ordem e calma da esfera celestial, onde o Ancião de Dias preside o
julgamento. Da mesma forma, a linguagem de 8:9-12 e 11:36-39 expressa ambas as
dimensões vertical e horizontal. O contraste espacial é evidenciado na expansão
horizontal de território do chifre pequeno. Seu impulso vertical é visto na sua
atividade contra o “exército do Céu” e o “Príncipe do exército”.131 O chifre infame
faz com que alguns do exército e algumas das estrelas se precipitem para a terra; ele
remove o tāmîd (“diário”) e pisa o lugar do santuário do Príncipe.
48 Daniel 11:36 declara que esse mesmo tirano “se levantará, e se engrandecerá
sobre todo deus; contra o Deus dos deuses falará coisas incríveis”. A fraseologia
em ambas as passagens é uma forte reminiscência das declarações arrogantes e
blasfemas da figura de Lúcifer descrita em Isaías 14:13-14.132 Estudiosos reconhe-
ceram de modo correto que dentro desse contexto de dualismo espacial, o confli-
to do chifre pequeno não pode ser limitado a uma expansão horizontal.
Embora essas passagens descrevam lutas políticas e religiosas, o pequeno chifre
do capítulo 8 e o rei do capítulo 11 levantam-se contra o próprio Céu.133 Nesses
versículos, o “lugar do santuário” dificilmente pode ser restringido ao templo ter-
restre, mas deve estender-se além, ao santuário celestial. A ideia de um santuário
celestial como um correspondente do templo terrestre é encontrada tanto no anti-
go oriente médio como no AT. É em tal templo/santuário celestial que Deus reside
e do qual suas ações emanam. Embora cosmograficamente distinto, as funções dos
santuários celestial e terrestre são conceitualmente inseparáveis no AT.134

Escatologia em Daniel

O livro de Daniel também contém um dualismo temporal, ou seja, um con-


traste entre “esta era” e a “era porvir”.135 A escatologia (a doutrina dos eventos fi-

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Estudos sobre Daniel

nais), definida com mais precisão, está especialmente interessada na “era porvir”.
É nesse segundo aspecto desse contraste em que agora nos deteremos.

A natureza do reino escatológico


O fato de as visões dos capítulos 2,7,10–12 todas terminarem com o reino
escatológico (2:44; 7:27; 12:2) assegura ao leitor que nem as circunstâncias histó-
ricas, nem as existenciais irão interromper o propósito divino. Ao passo que está
claro que Daniel não tem dúvida sobre o estabelecimento do reino final, é difícil
definir precisamente a natureza desse reino. É um reino israelita nacional, restau-
rado, mundial, que remove as nações pagãs, mas que dá continuidade à história
como tal?136 Ou é um reino celestial, transcendente, que aparece de repente no
mundo e põe fim à história?137
Com frequência, decisões a esse respeito são empreendidas da perspectiva da
literatura apocalíptica não-bíblica atual como um todo, ao invés de a partir do livro
de Daniel. Tal procedimento, no entanto, só traz problemas, pois introduz critérios
um tanto quanto inconsistentes. Infelizmente, a falta de informação detalhada no
livro de Daniel impede um simples acordo com respeito a esse tema. Collins está
certo quando afirma que “não se pode dizer que o livro de Daniel exclui qualquer
dessas interpretações de forma definitiva... Daniel simplesmente não apresenta 49
uma doutrina de escatologia sistemática totalmente desenvolvida.”138
Parece que Daniel permite ambas as interpretações.139 No capítulo 7, o “reino, e
o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o Céu” (v. 27), foram dados ao
“um como o Filho do Homem” (v. 13). Eles também são dados (presumivelmente
pelo “um como o Filho do Homem”) aos “santos do Altíssimo” a fim de que os
últimos possuam “para todo o sempre, de eternidade em eternidade” (v. 18). Exceto
pelo fato de que o reinado originou-se com o Ancião de Dias no Céu, e, portanto, é
de origem celestial, nenhuma mudança cataclísmica no Céu e/ou na terra é listada
no capítulo em conexão com a apropriação do domínio pelos santos. Isso passa a
impressão de que a essência do capítulo 7 é descrever um reino nacional.
A referência à ressurreição em 12:1-2 pressupõe ao menos uma intervenção di-
vina que levanta os mortos de seu sono no túmulo. Assim como no capítulo 7, um
julgamento precede a recepção do reino também no capítulo 12, um julgamento pre-
cede a ressurreição na qual um seleto grupo de pessoas recebe a vida da “era porvir”.
No capítulo 12, contudo, nada é dito sobre domínio ou reinado. Apenas lemos que
aqueles que a muitos conduzirem à justiça resplandecerão “como as estrelas sempre e
eternamente”. Devido ao lugar proeminente da ressurreição no capítulo 12, estudio-
sos tendem a argumentar que esse capítulo ilustra o reino transcendental.
Infelizmente, estudiosos com frequência passam por alto a mensagem do ca-
pítulo 2, na qual o reino escatológico é descrito em termos nacionais e transcen-

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

dentais. Por um lado, a declaração de que “o Deus do Céu suscitará um reino que
não será jamais destruído; este reino não passará a outro povo;... subsistirá para
sempre” (2:44) ecoa o pensamento de 7:18, 27.
Por outro lado, 2:34-35, 44b retrata o estabelecimento do reino por uma pe-
dra “cortada sem auxílio de mãos”. Ela fere a estátua, esmiúça todos os reinos
anteriores, leva-os a um fim, e se torna uma “grande montanha” que enche “toda
a terra”. Obviamente, eventos catastróficos são citados nesses versículos.140
Torna-se aparente, então, que a natureza do reino escatológico de Daniel, embora
em nenhuma parte tenha sido esboçado de forma sistemática, opõe-se às grosseiras
alternativas ocasionalmente apresentadas pela literatura secundária. O livro parece
apresentar um reino final, o qual, após um julgamento geral, origina-se com o Ancião
de Dias no Céu e é dado (provavelmente por meio do “semelhante a um Filho do
Homem”) aos santos. Todos os outros reinos terrestres foram destruídos de modo
sobrenatural antes de o reino escatológico ser estabelecido após as calamidades apo-
calípticas no clímax das eras. Os santos, incluindo aqueles levantados de modo sobre-
natural do túmulo para a vida eterna, reinarão e dominarão para todo o sempre.

Temas escatológicos
50 No livro de Daniel, passagens que focam o fim são surpreendentemente poucas
e limitadas principalmente aos capítulos 2, 7, 9 e 10–12. Temas escatológicos que
ocorrem nesses capítulos incluem: (1) a ideia do fim do pecado e do estabelecimen-
to da justiça eterna; (2) o papel do Messias, a vinda do “semelhante ao Filho do
Homem” e a figura de Miguel; (3) o conceito de julgamento; (4) calamidades apoca-
lípticas, libertação e ressurreição; e (5) o fim dos tempos e o reino escatológico.
Doukhan, num debate sobre “As Setenta Semanas de Daniel 9”,141 comenta
que essa passagem é “imbuída de escatologia”.142 Ele defende que a ideia do fim
dos tempos (o eschaton) é indicada de forma explícita pelos conteúdos dos versícu-
los 26-27, especialmente por expressões como “fim” (qēs e kālāh), “fazer ... cessar”
(yašbît), e as várias subdivisões específicas de “semanas”. A mesma ideia também
está implícita no versículo 24, principalmente nas referências do “cessar” da trans-
gressão e o “[selamento]” da visão. A visão aponta para além, ao cessar do pecado e
transgressão bem como ao estabelecimento da reconciliação e justiça eterna.
Doukhan oferece uma observação interessante e útil sobre o uso polêmico e
único de “Messias” em Daniel. Primeiro, ele chama atenção para o fato de que
no capítulo 9 dimensões particulares e universais são justapostas. Por exemplo,
palavras usadas na oração de Daniel (v. 3-19) num sentido definido, expressando
uma visão particular (tais como “pecado”, “iniquidade”, “justiça”) ocorrem nos
versículos 24-27 num sentido indefinido, expressando uma perspectiva universal.
Assim, Doukhan conclui que:

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Estudos sobre Daniel

“À luz do que precede e devido à sua particularidade, o termo māšîah não quer
dizer um Messias em particular em meio a outros que têm uma certa missão, mas
ele é de fato o Messias por excelência. Consequentemente, não é de se surpreender
que esse Messias tenha algo a ver com o rabbim [o “muito”], uma palavra que tem
uma forte conotação universal. Ele é o Messias de todos os povos.”143
Outra figura proeminente no livro de Daniel inclui o “semelhante ao Filho do
Homem” e “Miguel”. O “um como o Filho do Homem” de 7:13, 14 levantou uma
multiplicidade de teorias de origem e interpretações que não necessitam ser dis-
cutidas aqui.144 Essa figura daniélica aparece “com as nuvens do Céu”, então vem
à presença do Ancião de Dias e é apresentado diante dele. A imagem da nuvem
sugere a origem sobrenatural e natureza dessa figura (Sl 104:3; Is 19:1).
“Domínio, e glória, e o reino” são dados a “um como o Filho do Homem”
para que “os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem”. A palavra
aqui traduzida “servissem” (pelah) no aramaico bíblico designa consistentemente
o serviço religioso, “culto” ou “veneração” tanto ao Deus de Israel como às deida-
des pagãs (3:12, 14, 17-18, 28; 6:16, 21; 7:14, 27; Esdras 7:24).145 As palavras que
concluem 7:14 são reminiscentes das doxologias recorrentes evidenciadas em 4:3,
34; 6:26, que atribuem louvor e reinado eterno ao Deus Altíssimo. Se essa doxolo-
gia em 7:14 se aplica ao “um como Filho do Homem”, uma razão extra é provida
51
para a tradução de pelah como “servir”.
Contudo, essa figura daniélica não é idêntica ao Ancião de Dias. Embora o
primeiro possua certos atributos divinos, ele também aceita uma função subordi-
nada àquela do Ancião de Dias. Daniel 7 não dá pistas de que o “um como Filho
do homem” participa na deliberação judicial em que preside o Ancião de Dias.
Em todo o capítulo, é o Ancião de Dias que se coloca como a figura proeminente,
e é dele que o “semelhante ao Filho do Homem” recebe o reino.
O “semelhante ao Filho do Homem” aparece na corte celestial como um ser
transcendente. Ele fica à parte do inumerável exército de assistentes celestiais de-
vido a sua missão e aparições. Ele também é diferente dos santos.
Embora pareça um ser humano e seja solidário aos santos (por exemplo, ele
compartilha seu reinado com eles), ele não é um ser terrestre. O cenário teofâ-
nico de sua chegada diante do Ancião de Dias no céu, a linguagem da audiência
real e investidura não se comparam a nenhuma descrição dos santos. De acordo
com o capítulo 7, ele é isento das perseguições e infelicidades dos santos. Em-
bora pareça um ser humano, ele é diferente dos “santos do Altíssimo”, que são
seres humanos.146
Daniel 7 envolve em mistério a atividade do “um como Filho do homem”
antes de sua aparição no versículo 13. No sentido de que ele aparece quando a his-
tória (simbolizada por elementos visionários precedentes) percorreu a maior parte

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

de seu curso, essa figura daniélica pode ser descrita como um ser escatológico. Em
suma, o “semelhante ao Filho do Homem” é um ser individual, escatológico, com
características messiânicas, diferente dos santos, mas que mantém um relaciona-
mento estreito com eles no fim dos tempos.147
Já falamos da figura de Miguel acima e não há necessidade de repetir esses
detalhes. Nas três referências daniélicas a Miguel (10:13, 21; 12:1) ele é caracteri-
zado como “príncipe” (śar). A palavra pode ser usada para designar “um oficial
importante” ou “líder” religioso ou militar, ou mesmo um “comandante” de um
exército celeste ou terreno.148
Miguel não é um príncipe comum, pois 10:13 o chama de “um dos primeiros prín-
cipes” e 12:1 o designa de “o grande príncipe”. Entretanto, Miguel não é simplesmente
um poderoso líder separado de seu povo. Ele demonstra profundo interesse pelo bem-
estar final de seu povo ao se levantar (hā‘ōmēd ‘al) pelos “filhos do teu povo” (12:1).
Assim como Miguel lutou contra o “príncipe do reino da Pérsia” no passado
(10:13, 21), ele agirá outra vez no futuro. É Miguel quem irá pôr fim ao último
“tempo de angústia” sem precedentes para seu povo. Os capítulos 10 e 11 atingem
seu clímax em 12:1-3. Daniel 11:45–12:2 é um perfil do “tempo do fim” que
inaugura o final da era (o eschaton). O povo de Deus é resgatado e seus inimigos
destruídos porque Miguel intervém durante esse tumultuoso período.
52 Daniel 12:1-3 também atribui uma função judicial a Miguel. Pode-se deduzir
isso a partir de uma referência ao “livro” e a ressurreição parcial que se segue (v.
1-2). Nickelsburg conclui corretamente que “a defesa da nação israelita por Mi-
guel não é apenas militar, mas também judicial. A guerra que ele empreende tem
caráter de julgamento.”149 Apenas aqueles inscritos no “livro” são salvos, ou seja,
aqueles encontrados no registro de cidadãos da Nova Israel.
Em suma, Miguel é um ser celestial que defendeu e guiou Israel no passado e o
fará novamente no eschaton. Ele tem um vital interesse no bem-estar de seu povo,
principalmente quando o destino deles está grandemente em risco. A intervenção
de Miguel, se militar, judicial ou ambas, resulta na destruição do inimigo e no
resgate e ressurreição do povo de Deus. Assim, os santos têm certeza da liberta-
ção e da restauração a uma nova comunidade. Paralelos entre o capítulo 7 e os
capítulos 10–12 sugerem importantes semelhanças entre Miguel e o “semelhante
a um Filho do Homem” do capítulo 7.150 Embora o escritor de Daniel não faça
uma ligação entre essas duas figuras, especificamente, suas afinidades substanciais
sugerem identidade similar.151
O tema do julgamento é proeminente em todo o livro de Daniel. O próprio
nome Daniel (“Deus é meu juiz”) transmite a mensagem de que Deus julga. Nos
capítulos históricos, Daniel e seus colegas são severamente testados e achados ab-
solutamente leais a Deus. De modo semelhante, os santos perseguidos nas visões

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Estudos sobre Daniel

estão no julgamento e recebem o reino eterno e vida devido ao seu total compro-
metimento com o Senhor. A história de Belsazar, que é sentenciado à morte, é
análoga ao destino do futuro vilão arrogante dos capítulos 7 e 11, cujas blasfêmias
levam à perda do domínio e à sua destruição final.
O reino da “era porvir” nos capítulos 7 e 10–12 é precedido por um julgamen-
to.152 Collins fala sobre “o caráter explicitamente judicial da cena escatológica do
capítulo 7”. Nickelsburg acrescenta que “embora a descrição em 12:1-3 seja breve,
o caráter pictórico da linguagem justifica chamar esses versículos de ‘descrição de
uma cena de julgamento’”.153
No capítulo 7, o profeta, tendo observado o caos da terra, focaliza as ativida-
des do quarto animal. Sua atenção se centraliza particularmente no chifre peque-
no, que não apenas blasfema Deus, mas persegue o seu povo “por um tempo, dois
tempos e metade de um tempo”. O olhar do profeta se direciona ao Céu e se fixa
no Ancião de Dias que preside uma sessão de julgamento do “divino conselho”.154
Junto ao Ancião de Dias está um inumerável exército de atendentes celestiais. A
sessão da corte celestial se reúne depois de decorridos os “tempo, dois tempos, e
metade de um tempo” (v. 25) e antes de o reino da “era porvir” ser estabelecido.
Livros são abertos diante do tribunal. Embora esses registros não estejam iden-
tificados, parece, a partir do uso geral de tais livros (celestiais) no AT, que eles
dizem respeito e focalizam o povo de Deus.155 Na passagem paralela de 12:1, a 53
referência a “todo aquele que for achado inscrito no livro” indica um contexto
judicial, e os santos estão claramente inseridos nele.156 Entretanto, 12:1 não só
complementa, mas também suplementa o capítulo 7. Enquanto o capítulo 7 dife-
rencia os santos e seus inimigos, 12:1 acrescenta o fato de que uma real divisão irá
ocorrer entre os justos e os ímpios dentre o povo de Deus. Miguel salva apenas o
remanescente piedoso cujos nomes estão inseridos no “livro”.
No capítulo 12, como no capítulo 7, o julgamento é o prelúdio à reconstituição
de uma nova comunidade que irá gozar vida e privilégios na “era vindoura”. De
forma semelhante, o oráculo escatológico de Isaías 4:2-6 descreve o remanescente
purificado em Sião do tempo do fim como aqueles que são “inscritos para a vida”.
Wildberger, ao escrever sobre o conceito de “livros” na Bíblia, comenta: “Israel,
portanto, está ciente da noção de um livro celestial no qual Yahweh registra ou faz
registrar os nomes de todos os justos que devem permanecer vivos.”157 A ideia de
que Yahweh faz julgamento do seu povo eleito é antiga e ocorre com frequência no
AT. Assim, o uso de livros em 7:10 para indicar que o povo de Deus também está
inserido na consideração judicial não deve ser uma surpresa.158
Não está claro se os santos e o chifre pequeno (ou os poderes da besta) são escruti-
nados no julgamento do capítulo 7. Contudo, a ênfase na recompensa – tanto perda
quanto recebimento do domínio e reino (v. 11-12, 22, 26-27) – testifica que ocorreu

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

um julgamento das duas partes antes do eschaton e um veredicto foi dado.159 As re-
compensas são presumivelmente concomitantes com a conduta, pois a justiça divina
estaria sob severa pressão se Deus impusesse uma recompensa arbitrária ao homem.
Resumindo, o livro de Daniel volta repetidas vezes ao tema do julgamento de
justos e ímpios, tanto nos capítulos históricos como nos proféticos. Ações revelam
atitudes e lealdade. Por um lado, a blasfêmia insolente do tirano e a perseguição
que ele faz ao povo de Deus o tornam merecedor do mesmo destino reservado à
figura de “Lúcifer” em Isaías 14 (cf. 7:25; 8:10-12, 25; 11: 36-39).160 Por outro lado,
o paciente sofrimento e lealdade severamente provada em resposta à graça de
Deus revela que os santos são dignos de um lugar no seu reino.161
As experiências de Daniel e seus três colegas se tornam uma derrota para os re-
veses do povo de Deus como um todo. As primeiras visões falam do chifre pequeno
“fazendo guerra contra os santos”, “magoando os santos” e “destruindo os poderosos
e o povo santo” (7:21, 25; 8:10-12, 24). A visão posterior acrescenta que mesmo al-
guns dos sábios “cairão pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo” (11:33) e
registra que a oposição irá culminar num ataque final violento no qual o mal parece
triunfar (12:1). Somente uma intervenção sobrenatural pode agora estabelecer o fato
de que Deus está ainda no controle (cf. 7:22, 26; 8:25; 12:1). O julgamento, a ressur-
reição e o estabelecimento do reino de Deus exemplificam essa verdade.
54 O tema da ressurreição na última visão de Daniel demonstra que nem mesmo
a morte pode frustrar o objetivo de Deus. Antigos profetas falaram da ressurrei-
ção, embora algumas vezes em termos puramente metafóricos (Os 6:1-2; Ez 37).
A passagem de Isaías 26:19, que apresenta irrefutáveis paralelos ideológicos e lin-
guísticos com 12:1-2, fala de maneira mais definida em trazer os mortos à vida,
embora no contexto da restauração de Israel.162 Daniel, porém, é mais abrangente
quando anuncia uma ressurreição física tanto de justos como de ímpios.163
Daniel 12 repetidamente se aproxima da terminologia de Isaías. A frase “aque-
les que dormem no pó da terra se levantarão” é reminiscente de “habitais no pó,
ressuscitarão” (Is 26:19b). Isaías 66:24 designa o horror inspirado pelos corpos
dos ímpios em decomposição como uma repugnância (NVI) (dērā’ôn). A única
outra ocorrência dessa palavra hebraica no AT está em 12:2 onde é usada para
descrever a repugnância do ímpio.164 O profeta Daniel parece ter entendido “sua
profecia da ressurreição como um cumprimento das profecias do AT”.165
De acordo com 12:1-3, a ressurreição se segue à vitória de Miguel sobre o mal –
subsequente à queda do último poder terreno (Dn 11:45). Enquanto os capítulos ante-
riores de Daniel descrevem o sofrimento do povo de Deus em termos de um processo,
12:1 apresenta a culminação do ataque violento do mal e o último aspecto do julga-
mento. No clímax das dificuldades, Miguel intervém e salva um remanescente.166 A
ressurreição que se segue “envolve um julgamento, a distinção entre bons e maus”.167

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Estudos sobre Daniel

Infelizmente, o hebraico de 12:2 não traz detalhes, e isso “junto com certo ní-
vel de ambiguidade lexical e sintática requer extremo cuidado na interpretação do
texto”.168 Num importante estudo sobre o tema ressurreição, Hasel sugere que o
conceito de ressurreição de 12:2 é mais abrangente do que o de Isaías 26:12 e “en-
volve primeiramente aqueles que foram fiéis a Yahweh na hora das calamidades
apocalípticas. Além disso, o contexto apocalíptico mais amplo de Daniel aponta
na direção de uma ressurreição para vida eterna que não é restrita aos israelitas
nem inclui todos os israelitas.”169
Hasel continua: “correspondente ao momento apocalíptico decisivo de Daniel
7, que introduz a inauguração de um ‘reino eterno’ (v. 14, 24, 27) é a libertação do
remanescente vivo de Deus em Daniel 12 e a ressurreição dos fiéis para a ‘vida eter-
na’ (v. 2). Isso ocorre também no momento apocalíptico decisivo das eras e inaugu-
ra o reino eterno que é herdado pelo remanescente vivo e os justos ressuscitados.
“Aqueles que se levantarão para ‘vergonha’ e ‘horror eterno’ (Dn 12:2b) per-
tencem a um grupo diferente do primeiro. A natureza concisa do texto faz uma
identificação limitada desses ímpios. Pode-se pensar aqui particularmente de ar-
qui-pecadores e principais perseguidores.”170
Embora o conceito de uma ressurreição tanto de justos como de injustos seja
nova em Daniel, a “brevidade de 12:1-4 sugere que a ideia de ressurreição não era
nova”.171 No livro de Daniel, o salvamento do povo de Deus e a ressurreição física 55
dos mortos estão no cerne – sem dúvida são também o objetivo – da expectação
futura das visões. Nesse sentido, o escritor continua a orientação e expectação
futuras da primitiva fé em Yahweh.
Uma vez que a ressurreição é consequência de um julgamento prévio, seria
inútil negar uma ligação entre a ideia de retribuição (ou recompensa) e a ressurrei-
ção. O propósito, porém, da ressurreição é mais abrangente do que simplesmente
recompensar. A promessa vai além da ressurreição dos mortos e inclui a eliminação
permanente da morte.
Com a abolição do poder da morte, Deus comunica ao homem sua vida irres-
trita e abundante. Nada pode limitar as promessas divinas e o propósito final de
Deus.172 O Deus da escatologia é por definição também o Deus da promessa. A
morte é meramente uma interrupção temporária em seu relacionamento com os
justos. Portanto, o propósito da ressurreição é mais amplo e designado basicamen-
te para mostrar a glória, justiça e soberania de Deus. No final, nos diz o profeta,
nada pode frustrar o propósito de Deus e a comunhão com seu povo.
Os sábios, ou seja, aqueles que têm estreita comunhão com Deus, “resplan-
decerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça,
como as estrelas, sempre e eternamente” (12:3). A história, como a conhecemos,
percorreu seu curso. O julgamento foi feito, a ressurreição aconteceu, a instabili-

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

dade do presente acabou, e a nova era predita em grande parte das profecias de
Daniel foi estabelecida. Não mais sofrimento. Não mais perguntas. Deus e seus
santos reinam supremos e para sempre.

Propósito do livro de Daniel

Diferente de outros livros da Bíblia (tal como o Evangelho de João), o livro de


Daniel em nenhum lugar declara de forma explícita seu propósito. Contudo, al-
gumas sugestões podem ser dadas junto com aquelas mencionadas previamente.
Defendemos que uma análise da estrutura do livro sugere fortemente uma uni-
dade na qual as várias partes constituintes são necessárias à estrutura como um
todo. Tendo reconhecido isso, devemos concluir também que o propósito do autor
ao escrever e compilar o livro “não foi nada menos do que apresentar a mensagem
total do livro... sua mensagem total, então, não é nada menos que uma pesquisa –
parte histórica e parte profética – de todo o período de governo imperial gentio, do
primeiro ataque de Nabucodonosor a Jerusalém e a retirada do seu reino davídico
até o extermínio de todo poder imperial gentio e o estabelecimento do reino mes-
siânico. Não há aqui uma concentração dos poucos anos de perseguição aos judeus
56
por parte de Antíoco IV Epifânio, nem atenção exclusiva ao tempo do fim.”173
Em vez disso, o livro compreende o todo da história a partir da perspectiva
divina. Começando com os dias do próprio Daniel, a história se move firme e se-
letivamente para o estabelecimento do reino de Deus quando todas as nações, po-
vos e línguas lhe renderão louvor, e seus santos receberão e possuirão o reino para
sempre. No NT o ponto final da história de Daniel coincide com a consumação
do reino de Deus. O reino daniélico de Deus é estabelecido depois que todos os
domínios da terra forem derrubados e os santos terem passado pelas calamidades
escatológicas e pela ressurreição.
Daniel está certo de que absolutamente nada pode impedir o propósito final
de Deus. A despeito de todas as aparências, o homem não é deixado aos caprichos
fortuitos de seus companheiros, nem a forças acidentais da sorte. O Deus retrata-
do em Daniel não é um senhor imprevisível e ausente de um passado longínquo
ou futuro distante, mas é o Senhor da história presente. O crente pode descansar,
certo de que Deus está no controle da vida hoje. Por essa razão, rótulos que descre-
vem o propósito do livro como “literatura de resistência”, “propaganda religiosa”,
“manifestos pacifistas ou políticos”, ficam muito distantes da perspectiva ampla e
abrangente dada pelo livro como um todo.
Enquanto Daniel obviamente estava bastante interessado no período do do-
mínio gentio depois do exílio, que culmina com o estabelecimento do reino de

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Estudos sobre Daniel

Deus, é natural que ele devotasse aproximadamente metade do livro ao período


que compreendeu sua própria vida. O último provê o contexto, os temas, e a valida-
ção do primeiro. Uma seção pressupõe a outra e qualquer definição de apocalíptico
deve respeitar esse contexto. A sorte do povo de Deus durante o exílio se torna
uma frustração para as experiências dos santos durante o período da história de
domínio gentio. O futuro, como o passado, diz Daniel, não será um mar de rosas.
Sofrimento, perseguição e dizimação será o destino dos fiéis, assim como libertação
e justificação. Um dia, quando os poderes gentios tiverem percorrido o curso per-
mitido por Deus, a arrogância humana e instabilidade não mais existirão.
A mensagem de Daniel transmite ao leitor um conceito exaltado de Deus, que
é inigualável em sabedoria, poder e misericórdia. Seu conhecimento se estende ao
passado, presente e futuro. Nenhuma fornalha ardente ou cova de leões, nenhu-
ma arrogância humana ou circunstância histórica, nem mesmo a morte podem
frustrar seu propósito. Apesar de a história estar nas mãos de Deus e mover-se em
direção ao seu objetivo, o Deus de Daniel não é um motor imóvel de Aristóteles
nem um manipulador de fantoches divino. Daniel sente-se livre para apresentar
suas súplicas com base na graça de Deus, seu amor e contínua misericórdia. Mes-
mo imperadores pagãos não estão fora do escopo do cuidado divino.
Para Daniel, a história é abrangente. Os planos de Deus se estendem além das
fronteiras da Terra Prometida. Vez após vez, o livro desafia o homem, cuja visão 57
é anuviada pelos limites de seu próprio conhecimento para contemplar a história
como o palco da interação divina e humana.
No livro de Daniel, o homem de fé é de extrema importância. Deus usará todos
os meios para libertar e salvar. Ele envia certezas, instruções e predições para guiar,
fortalecer, exortar e consolar. Cumprimentos no passado confirmam a veracidade
das revelações do futuro e confirmam o estabelecimento do reino final de Deus.
O homem moderno precisa da mensagem desse livro para ampliar sua visão,
fortalecer sua confiança e reafirmar o fato de que nenhum sistema humano tem
a chave da história ou é capaz de introduzir um governo terreno utópico. Baldwin
declara com pertinência que a “igreja precisa confiar nas certezas proclamadas em
Daniel, ou seja, no fato de que Deus está constantemente governando e julgando
os assuntos dos homens, tirando os poderosos de seus tronos, arruinando regimes
injustos e trazendo seu reino, que abrangerá todas as nações. A proclamação total
e fiel do propósito divino para toda a história precisa ser ouvida sem demora.”174

Notas
1
As designações “teses exílicas” e “teses macabeias” são sugeridas por K. Koch em co-
laboração com T. Niewisch e J. Tubach, Das Buch Daniel (Darmstadt, 1980), p. 8-9. Minha
revisão desse livro pode ser encontrada em JSOT 23 (1982): 119-23.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

2
Ver Koch, p. 9, 185; cf. R. H. Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (New York,
1941): 755. Uma discussão mais ampla sobre a interpretação de Porfírio e dos escritores
cristãos primitivos está disponível em meu ensaio “Porphyry: An Heir to Christian Exege-
sis?” em ZNW, vol. 73 n. 1/2 (1982): 141-47. Vislumbres da transição gradual na interpre-
tação podem ser encontrados em H. J. Kraus, Geschichte der historisch-kritischen Erforschung
des Alten Testaments (Neukirchen-Vluyn, 1956/69).
3
A. Lacocque, The Book of Daniel, tr. D. Pellauer (Atlanta, 1979), p. 8.
4
J. J. Colllins, “The Court-Tales in Daniel and the Development of Apocayptic”, JBL
94 (1975): 218; ver também p. 219-34.
5
J. G. Gammie, “The Classification, Stages of Growth, and Changing Intentions in
the Book of Daniel”, JBL 95 (1976): 191.
6
Ver também P. R. Davies, “Escatology in the Book of Daniel”, JSOT 17 (1980): 33-
53; id., “Daniel Chapter Two”, JTS 27 (1976): 392-401; Koch, p. 11-12, 61-76.
7
Lacocque, p. 15.
8
Koch, p. 127.
9
Ibid., p. 127-40.
10
Ibid., p. 186.
11
L. F. Hartman & A. Di Lella, The Book of Daniel, AB 23 (1978), p. 303; N.W. Por-
teous, “Daniel”, OTL (1965), p. 169.
12
Cf. Hartman & Di Lella, p. 276; Lacocque, p. 243.
13
J. J. Collins, “The Apocalyptic Vision of The Book of Daniel”, HSM 16 (1977), p. 191-
58 213; Hartman and Di Lella, p. 43, S. B. Frost, “Daniel”, IDB, 1:768; Koch, p. 158-79.
14
Outro problema filosófico é a possibilidade de predições a longo alcance. Tais
profecias são rejeitadas juntamente com outras manifestações sobrenaturais com base na
analogia. Discutindo especificamente a história antiga escrita, o erudito americano J. M.
Miller declara: “Na verdade, quando o método crítico-histórico de investigação é anali-
sado com respeito a suas pressuposições, fica evidente que muito mais está envolvido do
que a simples indiferença pelo sobrenatural ou ceticismo com respeito aos milagres. Essa
metodologia pressupõe, por algum motivo, que todos os fenômenos históricos estão su-
jeitos à explicação “análoga”— i.e., explicação em termos de outros fenômenos similares.
Portanto, em virtude dessa metodologia, historiadores modernos parecem assumir de an-
temão que não há ocorrências verdadeiramente únicas ou miraculosas na história. Tudo
pode ser explicado em termos de ocorrências normais… sem referências ao sobrenatural.
O conflito óbvio entre essas afirmações bíblicas, com respeito às ações visíveis e únicas de
Deus na história de Israel por um lado, e as pressuposições do método crítico-histórico
de investigação do outro, jaz no cerne de muitas discussões teológicas atualmente.” (The
Old Testament and the Historian [Londres, 1976], p. 18).
15
Muitos dos problemas históricos alegados serão abordados a seguir.
16
Para um resumo conveniente, veja G. F. Hasel, “The Book of Daniel: Evidences
Relating to Persons and Chronology”, AUSS 19 (1981): 37-49; G. L. Archer, Jr., “Modern
Rationalism and the Book of Daniel”, BS 136 (1979):129-47; A. R. Millard, “Daniel 1-6
and History”, EvQ 49 (1977): 67-73; J. G. Baldwin, “Daniel: An Introduction and Com-
mentary”, TOTC (1978), p. 19-29.

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Estudos sobre Daniel
17
Baldwin, “Daniel”.
18
J. G. Gammie, Revisão de J. G. Baldwin, “Daniel: An Introduction and Commen-
tary”, JBL 99 (1980): 453. Gammie ainda tem dificuldades com o uso do termo “caldeus”
no livro de Daniel.
19
Por exemplo, S. R. Driver, Introduction to the Literature of the Old Testament, 5ª ed.
(Nova Iorque, 1960), p. 508.
20
S. H. Horn, “The Aramaic Problem of the Book of Daniel – n. 1-3”, Ministry, maio
de 1950, p. 5-8; junho de 1950, p. 35-38; julho de 1950, p. 31-79.
21
R. I. Vasholz, “Qumran and the Dating of Daniel”, JETS 21 (1978): 315-21.
22
Koch, p. 37.
23
Gammie, “Classification”, p. 198, atribui a Daniel 3, no qual aparecem as palavras
gregas, um período anterior a Antíoco, e convenientemente designa sûmpônyāh um vocá-
bulo posterior.
24
Hartman & Di Lella, p. 286.
25
Lacocque, p. xix-xx.
26
Baldwin, “Daniel”, p. 183, apropriadamente observa, “Nenhuma outra parte do An-
tigo Testamento, ou até do Novo Testamento, jamais foi datada de forma tão segura.”
27
Outros escritores de menor importância nesse período são: Josefo, Diodoro, Eupó-
lemo, Nicolau de Damasco e Strabo de Amaseia.
28
Cf. P. Schafer, “The Hellenistic and Maccabean Periods”, Israelite and Judaean His-
tory, eds. J. H. Hayes e J. M. Miller (Filadélfia, 1977), p. 560-68, esp. p. 564; J. A. Montgo-
mery, “The Book of Daniel”, ICC (1927), p. 447-49. Baldwin, apesar de aceitar o papel 59
de Antíoco no capítulo 11, observa que, “dado um completo conhecimento dos antigos
historiadores do período... um comentário sobre o capítulo pode se tornar um labirinto
de informação que confunde o leitor... nem todos os eventos em Daniel 11 se encaixam
na evidência coletada de outras fontes... convém não exagerar na extensão até onde a
narrativa de Daniel se encaixa na história conhecida do período” (“Daniel”, p. 41).
29
Hellenistic Civilization and the Jews (Filadélfia, 1959/61), p. 186, 474.
30
Repetido recentemente em B. S. Childs, Introduction to the Old Testament as Scripture
(Londres, 1979), p. 616.
31
Uma vez que proponentes da tese macabeia sustentam que o livro foi escrito antes que o
templo fosse purificado e restaurado, esses períodos de tempo são, de certa forma, genuínas profecias.
32
Por exemplo, Montgomery, p. 446; Porteous, p. 168.
33
Koch, p. 136.
34
J. G. Baldwin, “Is There Pseudonymity in the Old Testament?” Themelios 4 (1978): 8.
35
Ibid., p. 11.
36
G. J. Wenham, “Daniel: the Basic Issues”, Themelios 2 (1977): 51.
37
D. W. Gooding “The Literary Structure of the Book of Daniel and its Implica-
tions”, Tyndale Bulletin 32 (1981): 46, n. 3.
38
Wenham, p. 52.
39
Para mais detalhes, veja H. H. Rowley, “The Unity of the Book of Daniel”, The
Servant of the Lord and Other Essays on the Old Testament (Londres, 1652), p. 238-48; Koch,
p. 55-76.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

40
Rowley, p. 238; K. Koch, et al., Das Buch Daniel (Darmstadt, 1980), p. 56.
41
Rowley, p. 238.
42
Ibid., p. 239; Koch, p. 58.
43
J. A. Montgomery, “The Book of Daniel”, ICC (Edinburgo, 1927), p. 92.
44
Koch, p. 61.
45
Ibid.
46
M. Noth, “Zur Komposition dês Buches Daniel”, ThStKr 99 (1926): 143-63; H. L.
Ginsberg, Studies in Daniel (Nova Iorque, 1948). Ambos os estudiosos se beneficiaram
dos estudos anteriores de G. Hölscher, “Die Entstehung dês Buches Daniel”, ThStKr 92
(1919): 113-18; e M. Haller (“Das Alter Von Daniel 7”, ThStKr 93 [1920]: 83-87).
47
Rowley. O diálogo entre Rowley e Ginsberg está esboçado e documentado na mi-
nha tese, “The Apocalyptic ‘Son of Man’ em Daniel 7” (Tese de Th.D., Andrews Univer-
sity, 1979): 109-136.
48
Rowley, p. 242-45.
49
J. G. Gammie, “The Classification, Stages of Growth, and Changing Intentions in
the Book of Daniel”, JBL 95 (1976): 191-204.
50
Davies desconsidera os argumentos de Gammie a favor do primeiro estágio propos-
to ao observar que eles eram uma “notável combinação de especulação e argumentação
inválida.” (“Eschatology in Daniel”, p. 42, n. 13).
51
Koch, p. 65-76.
52
P. R. Davies, “Daniel Chapter Two”, JTS 27 (1976): 392-401.
53
Para uma discussão mais detalhada das principais visões representadas por E.
60 Sellin, G. Hölscher, M. Haller, M. Noth e H. Ginsberg, veja Ferch, “Son of Man”, p.
110-145. Uma análise literária altamente formal e crítica de Daniel 8,10–12 é oferecida
por B. Hasslberter, Hoffnung in der Bedrägnis ( St Ottilien, 1977). O último obteve pouca
repercussão.
54
Koch, p. 57-58, 64.
55
P. R. Davies, “Eschatology in the Book of Daniel”, JSOT 17 ( 1980): 37. Davies
argumenta que o resultado da análise dos capítulos 7–2 foi interpretado a partir de um
contexto externo.
56
Então, Gammie atribui o capítulo 3 ao reinado de Ptolomeu IV Philopator (221-
204 a.C.) com base na crítica histórica, e não apoia nada mais do que o argumento lin-
guístico de que a passagem sob análise não pode ser pré-antioquiana, pois utiliza a palavra
sûmpônyāh (p. 198). Tudo isso a despeito da condenação de Rowley de tal abordagem.
57
Rowley, p. 237-68.
58
Ibid., p. 268.
59
Ibid., p. 264.
60
J. J. Collins, “The Apocalyptic Vision of the Book of Daniel”, HSM 16 (1977): 11.
61
Ibid., p. 8-10; cf. Davies, “Eschatology of Daniel”, p. 35 ; Koch, p. 47.
62
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 55.
63
Koch, p. 47.
64
D. W. Gooding, “The Literaty Structure of The Book Of Daniel and Its Implica-
tions”, Tyndale Bulletin 32 (1981): 64-65, 72.
65
Rowley, p. 267.
66
Ibid., p. 264.

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Estudos sobre Daniel

Ferch, “Son of Man”, p. 108-145.


67

N. W. Porteous, “Daniel”, OTL ( 1965), p. 97.


68
69
W. Baumgartner, “Ein Vierteljahundert Danielforschung”, TRu 11 (1939): 78.
70
See Ferch, “Son of Man”, p. 136-45.
71
A. Deissler, “Der Menschensohn’ und ‘das Volk der Heiligen des Höchsten’ em
Dan 7”, Jesus und der Menschensohn, ed. R. Pesch and R. Schnackenburg (Freiburg, 1975),
p. 82. Um julgamento similar aplica-se à análise dos capítulos 8, 10–12 feita por Hassl-
berger.
72
Essa sugestão foi postulada com base em alguns fragmentos em aramaico pequenos
e despedaçados, encontrados na Caverna número 4 do Mar Morto (4QPrNab e 4QPsDa-
na-c). Esses fragmentos têm pouca relação com o livro canônico de Daniel.
73
A evidência para diferentes tradições textuais argumenta a favor de uma data
anterior a que admitem os estudiosos da linha crítico-histórica para o livro de Daniel. F.
Cross observa que, “as famílias textuais distintas levam séculos para se desenvolverem”
(mencionado em Hartman e Di Lella, p. 77). Uma data anterior à metade do segundo
século a.C. para o livro de Daniel é também corroborada pela passagem de 1 Macabeus
2:59-60, segundo a qual Matias, em seu leito de morte, exorta os seus filhos a seguirem
os passos dos heróis bíblicos, começando com Abraão e terminando com Daniel e seus
três amigos na cova dos leões e na fornalha ardente. O contexto atribui claramente status
canônico a Daniel 3 e 6 e considera os capítulos como história passada.
74
Montgomery, p. 37.
75
Ibid. 61
76
Davies, “Eschatology in Daniel”, 33-53; note também A. Lacocque, The Book of
Daniel, tr. D. Pellauer (Atlanta, 1979), p. 10.
77
J. J. Collins, “Apocalyptic Genre and Mythic Allusions in Daniel”, JSOT 21
(1981): 87.
78
Ibid., p. 88.
79
A. C. Welch, Visions of the End (London, 1922), p. 101-2; E. W. Heaton, “The Book
of Daniel”, TBC (London, 1956), p. 35.
80
J. G. Baldwin, “Daniel: An Introduction and Commentary”, TOTC (1978), p. 47.
81
Gammie, p. 193.
82
Rowley, p. 249.
83
Cf. Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 95-118 .
84
A. J. Ferch, “Daniel 7 and Ugarit: A Reconsideration”, JBL 99 (1980): 75-86; id.,
“Son of Man”, p. 40-53.
85
Veja especificamente Davies, “Eschatology in Daniel”, p. 45-47.
86
Collins, embora prefira a diversidade de autoria, confessa que, “o problema da
unidade de Daniel é deixado à mercê da ingenuidade erudita. De forma nada surpreen-
dente, a ingenuidade erudita ‘resolveu’ o problema com uma desconcertante variedade
de soluções contraditórias.”-“Apocalyptic Vision”, p. 8.
87
Ibid., p. 54.
88
Gammie afirma que há paralelos teológicos, linguísticos e temáticos entre os capí-
tulos 1–6 e Isaías 40ff. Isso, de acordo com Gammie, sugere que o escritor das histórias
de Daniel acreditava que vários dos dizeres de Isaías que previam que os filhos de Israel

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

serviriam em cortes estrangeiras se cumpriram. Os israelitas deveriam ser uma “luz para
as nações”, com o propósito de que as nações conhecessem a soberania e o poder de sal-
vação de Jeová. (“On the Intention and Sources of Dan I-VI”, VT 31 [1981]: 282-92).
89
Embora Collins reconheça o arranjo quiástico dos capítulos 2–7, ele rejeita a impli-
cação de que o capítulo 7 repete o capítulo 2 numa forma expandida. Collins argumenta
que Daniel 2 não apresenta primeiramente uma visão escatológica como no capítulo
7; em vez disso, o capítulo 2 ilustra a superioridade de Daniel sobre os sábios pagãos.
Enquanto a superioridade de Daniel é uma característica incontestável no relato do capí-
tulo 2, a argumentação de Collins é insuficiente para negar a perspectiva escatológica do
mesmo capítulo. A afirmação de que Daniel 2 não é apocalíptico por não envolver uma
transformação cósmica e ensinar a doutrina de uma nova vida após a morte está baseada
numa noção anterior. (“Apocalyptic Vision”, p. 11-14).
Não podemos negar que existem diferenças entre os capítulos 2 e 7. Gooding sugere
que as diferenças chamam a atenção ao fato de que existem duas maneiras de se ver e
avaliar as forças e fraquezas do governo imperial pagão. Por um lado, os poderes estran-
geiros são descritos como “humanos, majestosos, mas atormentados pela fraqueza da
incoerência, e ao mesmo tempo, mostram outro ponto de vista de que os governos gen-
tios eram basicamente amorais, egocêntricos, cruelmente destrutivos e como um bando
de animais”. (“Literary Structure”, p. 61.) A despeito de se aceitar ou não a afirmação de
Gooding, é importante reconhecer a existência de ambas as similaridades e diferenças.
Concordamos com Davies que a estreita dependência do capítulo 7 ao capítulo 2, no
62 assunto e na forma, tende a ressaltar as diferenças. (“Eschatology in Daniel”, p. 37).
90
Ainda nenhuma solução satisfatória foi oferecida para a natureza bilíngue do li-
vro de Daniel. No entanto, “a sugestão de que o livro como um todo originado como
um produto bilíngue não pode ser desconsiderada em princípio; os problemas que essa
hipótese acarreta não são maiores do que aqueles acarretados por uma teoria de nova
tradução; para a qual não há evidência textual, e apenas dubiedade linguística”. (Davies,
“Eschatology in Daniel”, p. 49-50, n. 14).
91
Agradeço algumas dessas informações a W. H. Shea. Veja neste livro o capítulo 3
intitulado “Unidade de Daniel.”
92
Rowley , p. 261.
93
Assim , a perseguição do povo de Deus pode ser causada tanto pelas revoltas dos
gentios contra Deus ou pelo próprio pecado de Israel. Igualmente, a soberania de Deus
e o livre-arbítrio dos homens estão justapostos pelo único autor (por exemplo, Daniel
4:24-27).
94
A. Lenglet, “La structure litteraire de Daniel 2–7”, Bib 53 (1972): 169-90.
95
Ferch, “Son of Man”, p. 136-44.
96
Shea, “Unity of Daniel”, p. 195-201.
97
Veja J. Doukhan, “The Seventy Weeks of Dan 9: An Exegetical Study”, AUSS 17
(1979): 1-22; Shea, “Unity of Daniel”, p. 241-43, id., “Poetic Relations of the Time Perio-
ds in Dan 9:25”, AUSS 18 (1980): 59-63.
98
Shea, “Unity of Daniel”, p. 243-44.
99
Uma análise alternativa do livro, dentro de uma estrutura simétrica bipartida, foi
recentemente sugerida por David W. Gooding (p. 43-79). Gooding acredita que o autor

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Estudos sobre Daniel

de Daniel compôs seu material em duas metades simétricas, consistindo dos capítulos
1–5 e 6–12. Cada metade consiste de cinco itens, sendo que o quinto apresenta um
clímax dentro do fluxo de pensamento de seu grupo. Individualmente, os capítulos se re-
lacionam um ao outro por meio de temas compartilhados e da progressão de pensamento
dentro dos subgrupos individuais.
100
ANE, 3a ed. rev., (1965), p. 83-84.
101
A justaposição no discurso da primeira e terceira pessoa é um fenômeno antigo,
na qual qualquer leitor das Guerras Gálicas de César se lembrará e, em si mesmas, não
discutem múltiplas autorias.
102
Baldwin, “Daniel”, p. 62.
103
Cf. Davies, “Eschatology in Daniel”, p. 33.
104
Baldwin, “Daniel”, p. 39.
105
Daniel 4, nas versões inglesas, também segue uma estrutura A:B:A, ao envolver o
sonho de Nabucodonosor, a interpretação e cumprimento com atribuições de louvor ao
Altíssimo ( v.1-3, 34-37).
106
Cf. Collins ,“Court Tales”, p. 227.
107
Ver Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 20: “não é legítimo usar o conteúdo da
oração [de Daniel 9] como uma fonte para a teologia do livro”.
108
P. R. Davies, “Eschatology in the Book of Daniel”, JSOT 17 (1980): 39.
109
Ibid., p. 41.
110
Ibid., p. 40.
111
Concordamos com N. W. Porteous que “sem essa oração, algo de essencial estaria 63
faltando ao livro de Daniel. O livro foi escrito para anunciar que o Deus de Israel estava
prestes a desempenhar um de seus mais poderosos atos em favor do seu povo...” (“Da-
niel”, OTL [1965] p. 136).
112
Embora Daniel não denomine especificamente Satanás ou sua hoste angélica,
vários eruditos sugerem ligações entre os anjos caídos e os poderes referidos em Daniel
10 (cf. K. Koch, Daniel [Darmstadt, 1980], p. 207-10).
113
G. Hasel, “The Identity of “The Saints of the Most High in Daniel 7”, Bib 56
(1975): 192.
114
Cf. principalmente G. E. Wright, God Who Acts (Londres, 1952), p. 38-46. A despeito
das críticas subsequentes às propostas de Wrights, sua tese fundamental ainda permanece.
115
A. Jeffery, “The Book of Daniel”, IB 6 (1966): 351.
116
J. G. Baldwin, “Daniel: An Introduction and Commentary”, TOTC (1978), p. 54.
117
Não iremos interromper o estudo para revisar os detalhes na discussão atual sobre
“continuidade” e “descontinuidade” entre o método escatológico presente e futuro. Para
mais informações, consulte K. Koch, “Spätisraelitisches Geschichtsdenken am Beispiel
des Buches Daniel”, Historiche Zetischrift 193 (1961): 1-32; M. Noth, “The Understanding
of History in Old Testament Apocalyptic”, The Laws in the Pentateuch and other Essays
(Filadélfia, 1967), p. 194-214; R. Bultmann, History and Escathology (Nova Iorque, 1957),
p. 30; J. J. Collins, “The apocalyptic Vision of the Book of Daniel”, HMS 16 (1977), p.
153-79. É simplista demais optar pelos extremos. Daniel pode falar sobre a ressurreição
no final dos tempos, uma “pedra cortada, sem auxílio de mãos” e um reino eterno esca-
tológico que os santos herdam sem apresentar quaisquer detalhes extras. Isso não precisa

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

ser tomado como evidência de pontos de vista teológicos diametralmente opostos ou


autores diferentes.
118
Para literatura e análise veja G. F. Hansel, “The Four World Empires of Daniel 2
Against Its Near Eastern Environment”, JSOT 12 (1979): 17-30.
119
Ibid., p. 23.
120
“Daniel”, PCB (1962), p. 594.
121
Sob a perspectiva do NT, o Reino de Deus foi inaugurado no advento de Cristo
(veja Lucas 11:20), e também está claro que o esperado “fim”, quando não haverá mais
pecado e a morte será abolida pela ressurreição, “ainda não ocorreu” (veja Mateus 24:6).
O próprio Cristo uniu a vinda do “Filho do Homem” nas nuvens do céu à sua parousia
(veja Marcos 14:62) quando os santos herdariam não apenas o reino da “era vindoura”
mas também a vida daquela “era”.
122
Em certo sentido, mesmo a profecia dos 70 anos de Jeremias 25 e 29, que inspirou
a oração de Daniel, tem um caráter de inevitabilidade.
123
Veja Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 71, 87; J. A. Montgomery, “The Book of
Daniel”, ICC (Edinburg, 1927), p. 83.
124
Montgomery, p. 83.
125
Cf. D. S. Russell, “The Method and Message of Jewish Apocalyptic”, OTL (Phila-
delphia, 1964): 230.
126
Ibid., p. 232.
127
Montgomery, p. 84.
128
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 87; Russell, p. 230.
64 129
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 88; cf. Russell, p. 230-34; Davies, “Eschatology
in Daniel”, p. 40-41.
130
J. G. Gammie, “Spatial and Ethical Dualism in Jewish Wisdom and Apocalyptic
Literature”, JBL 93 (1974): 367; J. J. Collins, “The Son of Man and the Saints of the Most
High in the Book of Daniel”, JBL 93 (1974): 55-56.
131
Cf. Gammie, “Spatial and Ethical Dualism”, p. 367.
132
Cf. também 2Ts 2 e Ap 12.
133
Cf. Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 107.
134
Observe a explicação de N. E. Andreasen, “The Heavenly Sanctuary in the Old
Testament”, The Sanctuary and the Atonement, eds. A. V. Wallenkampf e W. R. Lesher
(Washington, 1981), p. 67-79.
135
Além do dualismo temporal e espacial, o dualismo ético ou moral pode também ser
detectado no livro de Daniel. Para uma discussão mais ampla veja Gammie, p. 356-85.
136
Veja Russell, p. 286-87.
137
Bultmann, p. 30. Entretanto, deve-se notar que o entendimento de Bultmann é
baseado particularmente em trabalhos posteriores como o de Esdras IV. O debate acadê-
mico sobre esse tópico continua. Veja Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 154-66; Davies,
“Eschatology in Daniel”, p. 42-43.
138
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 174.
139
Cf. Davies, “Eschatology in Daniel”, p. 43.
140
Infelizmente, Davies passa por alto o contexto mais amplo de Daniel 2, que in-
clui aspectos mais relevantes no entendimento do reino escatológico. (“Eschatology in
Daniel”, p. 43).

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Estudos sobre Daniel

J. Doukhan, “The Seventy Weeks of Dan 9: and Exegetical Study”, AUSS 17 (1979): 1-22.
141

Ibid., p. 21.
142
143
Ibid.
144
Veja A. J. Ferch, “The Apocalyptic ‘Son of Man’ in Daniel 7” (Tese, Andrews
University, 1979), p. 40-107.
145
A tradução de pelah para “serviço” é possível, mas bastante duvidosa em Daniel 7.
O uso e significado de pelah em 7:27c ficou confuso por causa da tradução incorreta da
RSV dos sufixos da terceira pessoa do singular. Em lugar de “reino deles” e “deve servi-
los”, a tradução deveria ser, “o reino dele” e “devem adorá-lo.” A tradução da RSV foi
provavelmente motivada pela interpretação do capítulo 7 que identifica “um como Filho
do Homem” com os “santos do Altíssimo”.
146
Para mais detalhes, veja Ferch, “Son of Man”, p. 175-84.
147
Sobre as semelhanças e diferenças entre o Messias do NT como um ideal davídico
e o “um como o Filho do Homem” de Daniel 7 veja Ibid., p. 78-82.
148
L. Koehler e W. Baumgartner, VT (Leiden, 1958), p. 929-30. Para uma discussão
mais detalhada da imagem de Miguel veja Ferch, “Son of Man”, p. 94-105.
149
G. W. E. Nickelsburg, “Resurrection, Immortality and Eternal Life in Intertestamen-
tal Judaism”, HTS 26 (Cambridge, 1972), p. 14; cf. Collins, “Son of Man”, p. 57, n. 36.
150
Cf. A. Lacocque, The Book of Daniel, tr. D. Pellauer (Atlanta, 1979), p. 242.
151
De forma similar, K. Koch, numa correspondência pessoal de 23 de Junho de
1982. Outros autores são mencionados em Ferch, “Son of Man”, p. 95, n. 2.
152
Para uma análise mais ampla sobre a cena do julgamento em Daniel 7 veja Ferch, 65
“The Judgment Scene in Daniel 7”, The Sanctuary and the Atonement, p. 157-76. Uma
versão mais popular apareceu como “The Pre-Advent Judgment”, Adventist Review, 30
de Outubro, 1980, p. 4-7. Para uma discussão mais extensa do julgamento no livro de
Daniel e o VT, cf. W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética (Unaspress,
SP, 2007), p. 1-24, 94-131. Veja também F. Guy, “Confidence in Salvation: The Meaning
of the Sanctuary”, Spectrum 11 (Novembro de 1980): 44-53.
153
Collins, “Son of Man”, p. 57, n. 36; id., “Apocalyptic Vision”, p. 136; Nickelsburg,
p. 27.
154
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 101, 160.
155
Veja Êxodo 32:32-33; Salmos 56:8; 69:28; 139:16; Daniel 12:1; Malaquias 3:16;
Filipenses 4:3; Apocalipse 3:5; 20:12; 21:27.
156
Nickelsburg, p. 14, 23.
157
H. Wildberger, “Jesaja” p. 1-12, 2a ed. rev., BK x (Neukirchen Vluyn, 1980), p.
157-58.
158
A preposição “le”relacionada a “santos do Altíssimo” em 7:22 pode ser traduzida
de várias formas incluindo “na qualidade de”, “em prol de”, “em nome de”, “relativo a”,
etc. Essa ambiguidade dificulta a exegese de 7:22. Entretanto, está claro o que os santos
simbolizam no julgamento.
159
U. Wolf nota que “a cena do julgamento em 7:9-14 não é necessariamente o jul-
gamento final, mas a entrega do reino aos santos.” (“Daniel and the Lord’s Prayer”, Int
15 [1961]: 408).
160
Nickelsburg, p. 15.
161
Cf. H. H. Rowley, “The Meaning of Daniel for Today”, Int 15 (1961): 395-96.

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Autoria, teologia e propósito de Daniel

162
Até pouco tempo, grande parte da erudição bíblica defendia que a ideia de vida
eterna para as pessoas (individualmente) estava atrasada no pensamento israelita. Con-
tudo, M. Dahood, ao notar os paralelismos linguísticos na literatura ugarítica com as ex-
pressões dos Salmos sobre esperança pela ressurreição e vida eterna, indicou que aquelas
ideias de crença numa vida física após a morte eram antigas em Israel (Salmos I-III [Nova
York, 1965-70]). Lacocque critica Dahood por não reconhecer suficientemente a origi-
nalidade fundamental da noção israelita de vida eterna e seu corolário, a ressurreição.
Lacocque menciona que “para Canaã a sobrevivência foi um fato da natureza; para Israel
isto é um fenômeno histórico” (p. 237).
163
Lacocque observa que 12:2 “é o mais preciso texto acerca da ressurreição de (al-
guns dos) mortos nas escrituras hebraicas. O antigo historiador Porfírio [o qual tinha
aplicado essa passagem meramente ao renascimento de Macabeus logo após a morte de
Antíoco IV Epifânio] sem dúvida engana-se aqui por causa de seu historicismo”. Lacoc-
que acrescenta que muito das escrituras apócrifas e especialmente do Novo Testamento
foram inspirados por 12:2. O versículo, ele argumenta, liga-se a três registros também
encontrados no Novo Testamento: (a) o despertar dos mortos de seu sono; (b) a entrada
na vida eterna; (c) a glorificação. (Ibid., p. 243, n. 33).
164
Da mesma forma, 12:1 fala sobre o “tempo de angústia” em termos idênticos a
Jeremias 30:7b (‘ēt-sārāh).
165
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 171.
166
E. Jacob acredita que “apenas uns poucos serão salvos, aqueles cujos nomes estão
escritos no Livro de Deus (...)” (Theology of the Old Testament [Londres, 1958], p. 313).
66 167
Collins, “Apocalyptic Vision”, p. 172. Note também a afirmação de Montgomery,
“a ressurreição envolve um julgamento moral (...)” (p. 84). O uso de “o livro” para Lacoc-
que sugere a festa de outono. Sua sugestão de que em “Dn 12:1-4, assim como no calen-
dário das festas de outono, o Yom Kippur precede o Succoth”, é interessante (p. 240).
168
G. Hasel, “Ressurrection in the Theology of the Old Testament Apocalyptic”,
ZAW 92 (1980): 279.
169
Ibid., p. 280. É importante que a expressão “vida eterna”, tão frequente no Novo
Testamento, seja única aqui no Antigo Testamento hebraico e se refira à vida do “tempo
porvir”.
170
Ibid., p. 280-81.
171
Ibid., p. 281.
172
Ibid., p. 281-84; cf. W. Eichrodt, Theology of the Old Testament, tr. J. A. Baker, vol.
2 (Londres, 1967), p. 509-510.
173
D. W. Gooding, “The Literary Structure of the Book of Daniel and Its Implica-
tions”, Tyndale Bulletin 32 (1981): 68.
174
Baldwin, p. 17.

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Capítulo 2

Estabelecendo uma data para o livro de Daniel


Gerhard F. Hasel

Questões históricas

S inopse editorial. Embora a data do período dos macabeus para o livro de Daniel
tenha se tornado uma posição firmada, permanece o fato de que esse consenso
crítico-histórico está apresentando cada vez mais problemas. O século 20, especial-
mente nas décadas posteriores à segunda Guerra Mundial, produziu uma corrente
de estudos que defendem o sexto século como data da origem do livro. Dados acu-
mulados têm minado afirmações críticas e fornecido novas ideias e soluções para su-
postos problemas anteriormente apontados como evidências de uma data posterior.
Algumas das questões históricas relacionadas a pessoas e cronologia estão resumidas
neste capítulo. Por exemplo:
Os antigos escritores gregos e romanos nunca se referiram a Nabucodonosor
como o construtor da nova Babilônia. Entretanto, registros cuneiformes contemporâ-
neos corroboram grandemente o registro da arrogância do rei no livro de Daniel. Um
tablete babilônico fragmentado pode, pela primeira vez, fornecer evidência contem-
porânea para a loucura temporária de Nabucodonosor. Uma nova análise dos dados
fornecidos por registros de época e a Bíblia indica que a experiência dos três notáveis
hebreus nas planícies de Dura pode ser datada com exatidão a 594/593 a.C.
Nenhum registro cuneiforme que se refira a Belsazar como “rei” foi encontrado.
Mas os registros afirmam que ele foi o primogênito de Nabonido, rei de Babilônia. A
história babilônica e assíria fornece a ideia de que a co-regência (pai e filho comparti-
lhando o trono) era praticada ocasionalmente pelos governantes dessas nações.
Este evidentemente foi o caso nos últimos anos do império neo-babilônico. Os
registros declaram que quando Nabonido partiu para uma longa estada em Tema
(Arábia), ele “confiou o reino” a Belsazar. Outros registros revelam que Belsazar exer-
ceu todas as prerrogativas comuns de poder real. Os registros cuneiformes também
esclarecem o fato de Daniel ter sido apontado por Belsazar como o “terceiro” no
reino. Uma vez que Nabonido compartilhava seu trono com Belsazar, a “terceira”
posição era a mais alta a ser conferida.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Algumas vezes, o livro de Daniel se refere a Nabucodonosor como o “pai” de Bel-


sazar. Isso não é um erro, haja vista que no pensamento semita o termo “pai” poderia
também denotar um avô ou um ancestral mais distante, ou mesmo um predecessor.
Dario, o medo, permanece sendo identificado de forma convincente com um
conhecido personagem histórico. Entretanto, registros cuneiformes da época in-
dicam que Ciro só assumiu o título “rei de Babilônia” depois de quase um ano da
captura de Babilônia, em 539 a.C. Isso indica que outra pessoa atuou como rei
de Babilônia subordinado a Ciro durante esse tempo. Assim, os registros revelam
que houve um período de tempo para o governo de Dario, o medo. Sugeriu-se
mais recentemente que Gubaru/Ugbaru, o general do exército que conquistou
Babilônia, deveria ser identificado com esse Dario. Ele viveu apenas um ano e três
semanas após a queda da cidade.
Informações sobre os sistemas de ascensão e não-ascensão pelos quais os anti-
gos contavam os anos de reinado de seus reis demonstraram que a data cronoló-
gica de Daniel 1:1 está em perfeita harmonia com os fatos. Além disso, o ano de
605 a.C. para a invasão inicial de Nabucodonosor a Judá foi firmemente estabe-
lecida por evidência astronômica. Também é possível agora datar precisamente o
primeiro ano do reinado de Belsazar em 550/549 a.C. (7:1) e seu terceiro ano em
548/547 a.C. (8:1).
68 Essas informações tiradas de fontes contemporâneas e estudos recentes escla-
receram e dissolveram várias questões uma vez levantadas contra a autenticidade
de Daniel com base em pessoas e cronologia. Mas servem a um propósito mais
amplo no fato de coletivamente defenderem o sexto século como data para a
composição do livro de Daniel. Somente um autor que viveu durante os eventos
do sexto século descritos no documento poderia ser tão preciso nesses detalhes
específicos. Esse conhecimento profundo estava aparentemente perdido, pois não
é mencionado por escritores posteriores da história antiga. Assim, estaria além da
percepção de um escritor macabeu do segundo século.

Esboço da seção

1. Importância da data
2. Consenso da Escola crítico-histórica moderna e seus dissidentes
3. Questões históricas relacionadas a pessoas
4. Questões históricas relacionadas à cronologia

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Estudos sobre Daniel

Importância da Data

Estabelecer a data para a composição do livro de Daniel é de máxima importân-


cia, por várias razões. Em primeiro lugar, conhecer a época da escrita de qualquer
livro bíblico habilita o leitor a vê-lo dentro de um contexto histórico particular. Isso
geralmente esclarece as circunstâncias que contribuíram para a origem do livro e,
dessa forma, serve para iluminar seu contexto histórico, social e teológico.
Em segundo lugar, o livro de Daniel contém narrativas de eventos (caps. 1–6)
que envolvem Daniel e seus amigos como judeus exilados na Babilônia, a nação
que conquistou Judá em três estágios (605, 597 e 586 a.C.). As narrativas apresen-
tam esses quatro heróis fiéis submetidos a situações de severo teste e julgamento
por alguns reis dos primeiros e posteriores estágios do império neo-babilônico,
bem como do começo do império persa, de cerca de 605-536 a.C., julgando a
partir de certas datas (1:1; 2:1; 5:30-31). Os sonhos ou eventos de Nabucodono-
sor (caps. 3–4) ou Belsazar (cap. 5) se propõem a ser relatos contemporâneos dos
tempos desses governadores. As várias visões do próprio Daniel explicitaram datas
(7:1; 8:1; 9:1; 10:1; 11:1) que colocam essas visões (junto com suas respectivas
interpretações) em tempos bem específicos.
Se essas datas e circunstâncias internas para a origem dessas narrativas estão 69
incorretas, o único recurso seria sugerir que as narrativas dos capítulos 1–6 são
“contos da corte”1, “romances”2, “lendas de mártir”3, “midrash”4, “haggadah”5,
“histórias de herói”6 ou que elas têm um “caráter de epopeia”.7 Para estudiosos
da linha crítico-histórica, os capítulos 1–6 “na sua totalidade, ... não podem ser
considerados história absoluta.”8 Ou mais claramente com base em seu aspecto
supostamente folclórico “não deveriam ser lidos como relatos históricos.”9
Em contraste com as narrativas (caps. 1–6), as visões dos capítulos 7–12 são
geralmente categorizadas como “apocalípticas”10 na sua forma literária. Considera-
se também que essas visões derivam de um período muito posterior à época do
exílio babilônico, ou seja, de cerca de 168/7 a 164/3 a.C. Embora uma data tão
tardia no segundo século a.C. não esteja necessariamente dependente da forma
literária “apocalíptica”, se deve notar que estudiosos da linha crítico-histórica se-
guem a hipótese de um desenvolvimentalismo que presume que “apocalíptico” é
um fenômeno que floresce totalmente no período mais tardio do pós-exílio.11
Terceiro, a questão da data do livro de Daniel reflete diretamente a questão da
natureza histórica e exatidão do material contido nele. Um escritor expressou o
problema de forma sucinta: “Se o Deus de Daniel era capaz de predizer o futuro,
então há razão para crer que o curso da história está completamente sob a sobera-
nia de Yahweh. Por outro lado, se as previsões são fraudulentas, então se deveria
manter uma posição agnóstica a respeito do Deus de Daniel.”12

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

É o Deus do livro de Daniel capaz de predizer dessa maneira precisa a ascensão


e queda de impérios mundiais – e mesmo do futuro distante? Se isso é possível, a
natureza desse Deus e a mensagem do livro de Daniel para seus leitores do passado
ao presente é radicalmente diferente da visão crítica. Se Deus é capaz de predizer
o futuro de maneira tão cuidadosa, o livro de Daniel não é simplesmente um en-
corajamento para os judeus perseguidos por Antíoco IV no segundo século a.C.13
Antes, ele está repleto de profecias preditivas reais, que revelam a soberania divina
sobre a história e o propósito de Deus para o tempo que se estende do sexto século
a.C. até o fim dos tempos e estabelecimento de seu reino eterno.
Deveríamos relembrar que a opinião moderna define profecia fundamental-
mente como “proclamação” ou “declaração”, e não como “predição” ou “previ-
são” de coisas próximas ou muito distantes. Esse ponto de vista é condicionado
basicamente por interesses filosóficos racionalistas modernos e não por questões
teológicas.14 A questão da presciência divina torna-se um fator proeminente com
respeito ao fato de Deus conhecer o futuro em detalhes e torná-lo conhecido de
forma precisa aos seres humanos.
A questão da natureza da profecia preditiva é um fator de interesse filosófico
existente há muito tempo. Porfírio, o crítico do cristianismo do segundo século,
que escreveu uma obra de 15 volumes intitulada Against the Christians (Contra
70 os Cristãos) era um filósofo neoplatônico. Ele argumentou “contra a profecia de
Daniel em seu décimo segundo livro, ... negando que tenha sido composto pela
pessoa a quem esse livro é atribuído no seu título, mas sim por alguém da Judeia
na época de Antíoco, por sobrenome Epifânio.”15
Porfírio também alegou que “Daniel não predisse o futuro tanto quanto se
referiu ao passado”.16 O famoso pai da igreja, Jerônimo, ao revisar as afirmações
de Porfírio, indicou que como ele “viu que todas essas coisas haviam se cumprido
e não podia negar que aconteceram, procurou resistir a essa evidência de exatidão
histórica refugiando-se na evasiva de que qualquer coisa que seja predita a respeito
do anticristo no fim do mundo foi na verdade cumprida no reinado de Antíoco
Epifânio. [...] Tão surpreendentemente fidedigno era o que o profeta predisse, que
ele não poderia parecer para os não-crentes como alguém que prediz o futuro,
mas sim um narrador de coisas já passadas.”17
Quarto, sob a influência do Século das Luzes, e com base em interesses fi-
losóficos, a negação da profecia preditiva no livro de Daniel tornou-se a posição
padrão na Escola crítico-histórica moderna. A visão dessa escola predominante é
declarada de forma concisa pelo Professor Georg Fohrer: “... não estamos lidando
aqui (Dn 7–12) com visões reais; elas contêm características tradicionais e análise
histórica demais. Elas são produções literárias... a maior parte do material é um
retrospecto histórico de uma perspectiva apocalíptica, isto é, vaticinia ex eventu.

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Estudos sobre Daniel

Elas são seguidas de vislumbres proféticos do futuro, cuja falha em corresponder


aos eventos posteriores prova que são profecias verdadeiras.”18
A maior parte do material nos capítulos 7–12 nessa visão é “retrospecto histó-
rico”, ou, como Porfírio afirmou, é “relativo ao passado” e não prediz o futuro. A
designação técnica para essa explanação é vaticinia ex eventu,19 uma frase do latim
que significa “escrito após o evento ter ocorrido”, no sentido de escrever história
como se fosse profecia.
A questão do vaticinia ex eventu recebeu atenção cuidadosa de Joyce G. Baldwin
num estudo que compara textos “proféticos” do antigo Oriente Médio e sua relação
com Daniel. Seu estudo das chamadas “profecias acadianas”, que são ex eventu, con-
clui que o livro de Daniel não contém vaticinia ex eventu.20 Ela também demonstra
que os tipos de materiais vaticinia ex eventu nas visões de sonho do livro de Enoque
e nos chamados textos “proféticos” de Babilônia se colocam em contraste com o
“ponto de vista teológico e a ênfase ética [em] Daniel”.21 Ela observa que o livro de
Daniel “mostra continuidade com os livros do Antigo Testamento”.22
O princípio por trás da hipótese vaticinia ex eventu é declarado de forma su-
cinta pelo Professor John Goldingay: “Daniel não profetizou o segundo século
no sexto porque isso seria impossível e irrelevante.”23 J. G. Baldwin se opõe: “Se
seria ou não impossível depende da teologia, a sua relevância na compreensão do
segundo século a.C. em relação à história inicial de Israel.”24 71
A questão, é claro, é se o livro de Daniel profetizou a respeito do segundo sé-
culo a.C. Não há dúvida de que o livro de Daniel trouxe muito encorajamento aos
fiéis judeus nos tempos difíceis da perseguição na era Antíoco no segundo século
a.C. Entretanto, isso não precisa significar que todas, ou mesmo qualquer predição
do livro foram feitas para essa época. Evidências atuais de estudos recentes questio-
nam seriamente se algum material de Daniel se refere ao segundo século a.C.25
Quinto, o NT contém uma referência direta ao livro de Daniel da boca de
Jesus. Em Mateus 24:15, Jesus diz: “Quando, pois, virdes o ABOMINÁVEL DA
DESOLAÇÃO de que falou o profeta Daniel no LUGAR SANTO...” (cf. Marcos
13:14; Lucas 21:20). Ele se referiu à profecia do “abominável da desolação” como
um evento a ocorrer no futuro. Ainda não tinha acontecido. Não há uma con-
tradição entre o consenso da Escola crítico-histórica, que declara que esse evento
ocorreu no segundo século a.C., e as palavras de Jesus, que colocam esse evento
ainda no futuro?
A contradição foi observada por muitos estudiosos das Escrituras. Estudiosos
críticos tentaram derrotar esse problema de peso por meio da “hipótese da adap-
tação”. A sugestão é a de que Jesus Cristo “se adaptou em tudo aos seus contem-
porâneos, exceto no pecado”.26 Isso significa que Jesus expressou a crença de seus
contemporâneos de que o cumprimento dessa profecia daniélica ainda estava no

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

futuro) sem envolver-se num ato pecaminoso, embora soubesse que isso já se havia
cumprido no passado. Essa hipótese não satisfará a todos.
Alguns acham difícil entender como Jesus Cristo poderia ter adotado uma vi-
são errônea de seus contemporâneos sem tornar-se culpado. Recordamos Hebreus
4:15 que descreve Jesus: “foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança,
mas sem pecado”. “Se ele está errado na sua interpretação do livro, então ele deve
ser menos do que o Deus encarnado infalível, onisciente. Por outro lado, se sua
avaliação está correta, sua reivindicação à deidade não pode ser questionada a esse
respeito.”27 Em suma, datar a origem do livro de Daniel no segundo século tem
uma direta ligação com a natureza de Jesus Cristo e com a autoridade do NT.
As várias questões citadas há pouco estão entre aquelas que indicam que a
data do livro de Daniel é uma questão de máxima importância. Cada estudioso
do livro de Daniel precisa dar atenção especial à data do livro.

Consenso da escola crítico-histórica moderna


e seus dissidentes

72 Parece que um racionalista judeu chamado Uriel Acosta (ou Gabriel da Costa,
1585-1640 d.C.) foi o primeiro da história moderna em interpretação a negar que
o livro derivou de Daniel no sexto século a.C.28 Acosta atribuiu todo o livro aos fa-
riseus devido aos seus ensinamentos sobre anjos e ressurreição.29 O famoso filóso-
fo de origem judaica Benedict Spinoza (1632-1677) referiu-se ao livro de Daniel em
sua famosa obra Tractatus Theologico-Politicus (publicada anonimamente em 1670 e
tida como a pioneira da crítica bíblica moderna) declarando que havia acréscimos
redatoriais dos saduceus no livro.30 Essas duas pessoas são as únicas conhecidas
como precursoras dessas afirmações que tiveram seu lugar no século dezoito (além
de Porfírio, o filósofo neoplatônico do segundo século).
Em 1727, o deísta inglês Anthony Collins escreveu uma obra31 na qual, se-
gundo declaração feita 150 anos mais tarde, “negou a autenticidade do livro de
Daniel tão completamente que a crítica tem apenas acrescentado comentários não
essenciais.”32 Collins referiu-se a Porfírio. Ele declarou que as predições em Da-
niel pertenciam à época de Antíoco IV Epifânio e eram nada mais que descrições
históricas: “À moda de profecia, com a clareza da história.”33 Ele defendeu (como
Porfírio) uma profecia vaticinia ex eventu.
Collins também empregou o princípio da analogia e falou da natureza singu-
lar das previsões no livro de Daniel. Elas têm um “estilo obscuro, emblemático,
enigmático, simbólico, parabólico e figurativo”,34 de forma que, juntamente com
suas cenas e figuras, são atípicas dos profetas do AT. Essa faceta do livro de Daniel

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Estudos sobre Daniel

“está em harmonia com o novo estilo de escrita que os judeus assumiram quan-
do mais tarde se formaram nas escolas dos gregos”.35
A conclusão de Collins foi a seguinte: “O autor do livro ... de acordo com
o último capítulo do livro, parece claramente ser um escritor de coisas passa-
das, de maneira profética, e ter vivido após vários dos eventos dos quais parece
profetizar.”36 Com isso, Collins emerge como o primeiro estudioso do Iluminis-
mo a questionar a data do sexto século para a origem do livro de Daniel. Ele é
diretamente dependente de Porfírio e usa o esquema do vaticinia ex eventu para
datar Daniel do segundo século, a era de macabeus.
Esses pontos de vista estendem-se no curso do tempo. O erudito alemão L.
Bertholdt lida de forma extensiva com a data do livro de Daniel em seu comentá-
rio de dois volumes (1806-1808),37 a primeira exposição verdadeiramente crítico-
histórica de Daniel.38 Bertholdt argumenta que o livro é do segundo século a.C.
e tem vários autores.39 Em 1824, J. G. Eichhorn expandiu esses pontos de vista
pela primeira vez num prefácio do AT,40 do qual se estenderam como parte da
escola “liberal” de interpretação.
Durante os 100 anos seguintes, a hipótese da data de macabeus tornou-se a opi-
nião aceita pela escola crítica moderna. O professor R. K. Harrison diz que “obje-
ções à historicidade de Daniel foram copiadas sem crítica de livro a livro, e por volta
da segunda década do século 20 nenhum erudito liberal que desejasse preservar sua 73
reputação acadêmica ousou ou almejou desafiar a corrente crítica atual”.41
O consenso crítico-histórico de uma data do segundo século para o livro de
Daniel foi afirmado claramente pelo Professor W. Baumgartner no ano de 1939:
“Não há nenhuma outra questão crítica no AT na qual exista tal unidade univer-
sal como esta.”42 O Professor A. Jepsen repetiu a ideia em 1961: “Que o livro de
Daniel deriva em sua forma presente da época dos macabeus [no segundo século]
parece também hoje ainda ser essencialmente reconhecido.”43
No mesmo ano, o professor K. Koch também afirmou: “É um resultado se-
guro da pesquisa do AT hoje que a origem da presente forma desse livro deriva
da época da rebelião dos macabeus (168-165 a.C.).”44 Ele reafirmou essa visão em
1980, num livro que traça a história da pesquisa sobre o livro de Daniel.45 Esse
consenso crítico-histórico é repetido até os dias atuais, conforme demonstraram
os exemplos de F. Dexinger (1969),46 A. Robert e A. Feuillet (1970),47 R. J. Cli-
fford (1975),48 J. J. Collins (1981),49 P. A. Viviano (1983),50 e muitos outros51.
A reivindicação da escola crítico-histórica moderna é a de que a forma final
do livro de Daniel é datada do período de macabeus. É obra de um autor anô-
nimo ou autores que escreveram por volta de 168-163 a.C. A ideia de “forma
final” é importante aqui porque a questão da unidade em Daniel permanece
não solucionada até agora no meio crítico-histórico. Sem dúvida, ela é forte-
mente debatida.52

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Um grupo de eruditos críticos sugere que houve apenas um autor para Daniel.
Esse escritor/editor desconhecido retrabalhou tradições mais antigas em forma
oral e/ou escrita e compôs todo o livro de Daniel como está preservado no texto
massorético da Bíblia hebraica. Entre os que defendem esse ponto de vista estão
eruditos como S. R. Driver,53 S. B. Frost,54 O. Eissfeldt,55 sendo que H. H. Row-
ley56 argumenta meticulosamente a favor dele.
Outro grupo de eruditos críticos sugere que o livro de Daniel foi organizado
na sua forma atual por volta de 164/3 a.C.,57 mas que existiram dois ou mais
autores do terceiro e segundo séculos a.C.58 Um redator final produziu a “forma
final” do livro como agora o temos. Essa hipótese segue a de L. Bertholdt (1806),
que argumentou que o livro de Daniel consiste de “nove partes únicas”, cada qual
com seu autor diferente.59
Mais recentemente, M. Noth defendeu a tese de oito estágios diferentes no
desenvolvimento do livro no período desde Alexandre, o Grande até 165 a.C.60 G.
Holscher defendeu sete estágios.61 A. Barton sugeriu seis autores.62 J. G. Gammie
tem uma hipótese complexa de três estágios principais de crescimento e vários
autores.63 A opinião de H. L. Ginsberg é de que havia um trecho chamado Dan
A (caps. 1–6) da época pouco depois de Alexandre, o Grande, o qual ele chama
Apoc I. Havia também um Dan B (caps. 7–12) com três autores, ou seja, Apoc II-
74 IV. O autor Apoc IV reuniu a forma atual do livro.64
Hoje, há uma tendência na escola crítico-histórica de optar por vários estágios
de desenvolvimento para o livro de Daniel. As narrativas dos capítulos 1–6 são
frequentemente vistas como tendo uma origem pré-macabeus, terceiro século a.C.
nas palavras de John J. Collins, os capítulos 1-6 “não são documentos históricos,
e foram compostos provavelmente no terceiro século a.C., embora possam incor-
porar material tradicional possivelmente mais antigo.”65
Diz-se também a respeito das visões apocalípticas dos capítulos 7–12 que elas
contêm material mais antigo do que o segundo século, principalmente da mitolo-
gia do antigo Oriente Médio.66 No entanto, essas visões são, em geral, datadas do
tempo de Antíoco IV Epifânio, muito embora alguma atividade editorial possa ser
de uma data posterior.67
Podemos concluir essa breve visão geral do consenso moderno da Escola críti-
co-histórica sobre a data para o livro de Daniel ressaltando dois aspectos:
(1) Há um consenso quanto à hipótese da data de macabeus. A forma final do li-
vro de Daniel deriva do segundo século a.C., particularmente no período de Antíoco
IV Epifânio, ou por volta de 167/6 a 164/3 a.C. (2) Uma vez que há elementos no
livro de Daniel que inquestionavelmente são mais antigos do que o segundo século
a.C. (caps. 1–6 ou certos aspectos nesses capítulos), é forte a tendência de datar partes
de todos esses capítulos do terceiro século e atribuí-los a um ou mais autores.

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Estudos sobre Daniel

O impulso nessa direção (aspecto número 2) tem acelerado nos últimos anos,68
mas isso não quer dizer que o consenso sobre a hipótese da data de macabeus para
a forma final do livro tenha mudado de alguma maneira.
A afirmação de unidade no livro de Daniel por estudiosos que se recusam a
seguir o consenso crítico-histórico é unânime. Eruditos conservadores concordam
com H. H. Rowley, que observou de forma incisiva: “O ônus da prova [para a não-
unidade literária] repousa sobre aqueles que investigaram a obra.”69 A unidade de
Daniel é mantida por todos os estudiosos que afirmam que a data da origem do
livro é o sexto século a.C.
Vários eruditos nos séculos 19 e 20 não foram convencidos pelas razões advoga-
das pelos eruditos crítico-históricos para a data posterior do livro de Daniel. Pode
ser útil observar alguns dos principais eruditos, pois não é costume dos crítico-
históricos sequer mencioná-los em suas obras principais ou considerar seus argu-
mentos. O. Eissfeldt, por exemplo, em seu prefácio ao AT, menciona apenas W.
Möller (1958), J. Linder (1935), e E. J. Young (1949).70
No século 19, houve fortes oponentes à linha crítico-histórica. Os estudos
de H. A. C. Havernick (1832,1838)71 são de especial interesse, juntamente como
os comentários de C. A. Auberlen (1854),72 E. B. Pusey (1864),73 T. Kliefoth
(1868),74 R. Kranichfeld (1868),75 C. F. Keil (1869),76 e J. Knabenbauer (1891).77
Os estudos especializados de E. W. Hengstenberg (1831),78 D. Zündel (1861),79 e 75
F. Düsterwald (1890)80 também são importantes.
O século 20 produziu uma corrente cada vez maior de estudos defendendo o
sexto século como data de origem do livro de Daniel, especialmente nas décadas
a partir da Segunda Guerra Mundial. Na primeira metade do século, comentários
como os de A. C. Gaebelein (1911),81 G. C. Aalders (1935),82 M. A. Beck (1935)83
K. Hartenstein (1936)84 e prefácios ao AT como os de W. Möller (1934)85, bem
como os estudos de R. D. Wilson (1917/18)86 e C. Boutfloer (1923)87, chamam
atenção especial.
Um verdadeiro despertar da atribuição de uma data anterior para o livro de
Daniel, baseada em descobertas arqueológicas e outros estudos, ocorreu após a
Segunda Guerra Mundial, com comentários tais como de E. J. Young (1949),88 H.
C. Leupold (1949),89 R. D. Culver (1954, 1962),90 J. F. Walvoord (1971),91 L. Wood
(1973),92 J. G. Baldwin (1978),93 G. L. Archer, Jr.,94 e G. Maier (1982).95
Dentre os prefácios ao AT que defendem a data do sexto século estão os de G.
L. Archer (1964),96 R. K. Harrison (1969)97 e H. D. Hummel (1979).98 Estudos es-
pecializados e de importância são os de D. J. Wiseman e outros (1965),99 B. Waltke
(1976),100 G. L. Archer (1979),101 J. McDowell (1979),102 S. J. Schwantes (1980),103 D.
W. Gooding (1981),104 e A. J. Ferch (1983),105 os quais defendem o sexto século a.
C. como data para a origem do livro. Evidentemente, o segundo século como data

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

não é uma questão encerrada. O consenso crítico-histórico da data de macabeus


para o livro é algo cada vez mais problemático e tem se tornado muito difícil de se
manter em vista das atuais evidências.
Agora, discutiremos problemas maiores com relação à data do livro de Daniel
que têm sido debatidos. Nossa atenção se focalizará em novas ideias e soluções fasci-
nantes obtidas. Questões históricas, teológicas e de interpretação relacionadas a pes-
soas tais como Nabucodonosor, Belsazar, Dario e Daniel demandam nova análise.
Novas soluções foram encontradas para questões cronológicas tais como as datas de
Daniel 1:1; 7:1; 8:1; 9:1 e outras. Nomes e palavras estrangeiras (babilônicas, persas e
gregas) necessitam de consideração. Há nova luz sobre a linguagem aramaica e a data
para a origem de Daniel. Finalmente, o lugar do livro de Daniel no cânon do AT, sua
suposta pseudonomia, e outras questões pertinentes precisam ser mencionadas.

Questões históricas relacionadas a pessoas

Atentaremos para várias figuras históricas importantes do livro de Daniel, tais


como Nabucodonosor, Belsazar, Dario106 e Daniel.
76
Empreendimentos de Nabucodonosor
A cidade de Babilônia tem uma história muito antiga. No entanto, no livro
de Daniel, Nabucodonosor é citado como aquele que clama ser o construtor de
Babilônia como residência real para si mesmo: “Não é esta a grande Babilônia
que eu edifiquei para a casa real, com meu grandioso poder para glória da minha
majestade?” (4:30 [27]).
Embora sejam feitas referências frequentes à Babilônia nos escritos de Heró-
doto, Ctésias, Estrabo e Plínio,107 esses autores não se referem a Nabucodonosor
como o construtor da nova Babilônia. Por isso, sugere-se que o livro de Daniel
contém uma citação errônea.
Entretanto, registros contemporâneos descobertos por arqueólogos agora for-
necem informação que confirma a autenticidade da afirmação no livro de Daniel.
Por exemplo, o cilindro de Grotefend declara: “Então construí eu [Nabucodono-
sor] o palácio, assento de minha realeza, elo da raça dos homens, morada de alegria
e regozijo.”108 J. A. Montgomery conclui que “a própria linguagem da história [de
Daniel] é reminiscente da Acádia” nesse surpreendente exemplo.109 A descrição da
auto-glorificação do rei é notavelmente verdadeira para a história.
Nabucodonosor relata que construiu várias muralhas, enormes portões, palá-
cios, templos, canais, represas, etc.110 Como resultado dessa atividade intensa de
construção, o rei criou uma cidade interna (cerca de cinco milhas de circunferên-

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Estudos sobre Daniel

cia) através da qual o rio Eufrates corria. Uma muralha dupla protegia essa cida-
de.111 Envolvendo esse complexo interno estava a chamada “Muralha do Meio”,
que protegia a cidade do nordeste ao sul ou do Tigre ao Eufrates.112
As escavações da Babilônia antiga, que começaram em 1899 pelo escavador
alemão Robert Koldeway, trouxeram à luz centenas de tijolos de barro secados ao
sol, contendo uma inscrição que declara que Nabucodonosor foi o construtor de
Babilônia. Em outra inscrição, Nabucodonosor declarou: “As fortificações de Esa-
gila [templo de Marduque] e Babilônia, eu as fortaleci e estabeleci o reino do meu
nome para sempre.”113
Nabucodonosor é o verdadeiro reconstrutor de Babilônia, que foi destruída
em 689 a.C. pelo rei assírio Senaqueribe. Seus empreendimentos são evidentes
por quase toda a parte em Babilônia. Nas palavras de H. W. F. Saggs, isso indica
“que ele poderia com considerável razão ter declarado as palavras atribuídas a ele
em Daniel 4:27, 30”.114
Essa exatidão histórica é confusa para aqueles que sugerem que Daniel foi
escrito no segundo século a.C. R. H. Pfeiffer, da Universidade de Harvard, teve
que admitir: “Presumivelmente, jamais saberemos como nosso autor soube que
a nova Babilônia foi criação de Nabucodonosor (4:30 [27]), como têm provado
as escavações.”115 Visto que os últimos historiadores antigos aparentemente não
tinham conhecimento dos feitos de Nabucodonosor nesse aspecto, a evidência 77
cuneiforme contemporânea é de extrema importância para a data de Daniel, bem
como para a exatidão histórica do livro.

A loucura de Nabucodonosor
A narrativa da loucura de Nabucodonosor em Daniel 4 tem sido um ponto de
controvérsia há algum tempo. R. H. Pfeiffer a chamou de um “conto não-históri-
co”, “uma reminiscência confusa dos anos que Nabonido passou em Teima [Tema]
na Arábia.”116 Isso recebeu apoio de outros eruditos por meio da descoberta, em
1955, de quatro fragmentos de um texto desconhecido da Caverna 4 de Qumram,
(4QPrNab), publicado no ano seguinte sob o título “Oração de Nabonido”.117
Propõe-se que os fragmentos são a oração de Nabonido, “o [grande] rei, [quando
ele foi afligido] com furúnculos malignos por ordem do [Altíssimo Deus] na [cidade
de] Tema”.118 É dito que Nabonido , o último rei de Babilônia, foi afligido “por
sete anos”,119 até que um profeta [ou exorcista],120 que era um judeu [homem],121 che-
gou. O rei obtém perdão pelos seus pecados e é curado pelo profeta/exorcista.
Pode ser melhor fornecer uma tradução da “oração de Nabonido” (com pala-
vras duvidosas em itálico e palavras acrescentadas em colchetes):
“(1) As palavras da oração proferida por Nabonido, o rei da [terra de] Babilô-
nia, o [grande] rei, [quando ele foi afligido] (2) com furúnculos malignos por ordem

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

do [Altíssimo Deus] na [cidade de] Teman: [Com furúnculos malignos] (3) eu fui
afligido por sete anos, e então eu me tornei como [os animais; mas confessei meus
pecados] (4) e Ele me perdoou. Ele tinha um profeta, que era um judeu [homem
dos exilados, e ele] me disse: (5) Faça uma proclamação por escrito de que a honra, a
grandeza e a glória sejam dadas ao Deus [Altíssimo. Então, ele escreveu: Quando]
(6) eu fui afligido] com furúnculos [malignos] ... em Teman [por ordem do Altíssi-
mo Deus] (7) por sete anos, [eu] orei e [louvei] os deuses de prata e ouro, [bronze,
ferro] (8) madeira, pedra e barro, uma vez que ... eram deuses.”122
Vários eruditos argumentam que a narrativa da loucura de Nabucodonosor é
dependente da “oração de Nabonido”,123 que foi “escrita no começo da era cristã,
mas o escrito mesmo pode ser de alguns séculos antes”.124 Diz-se que o autor do
capítulo 4 confundiu os nomes de Nabucodonosor e Nabonido e/ou retrabalhou
tradições anteriores de Nabonido.
Essa posição é construída sobre uma tênue hipótese com as seguintes premis-
sas: (1) O livro de Daniel foi escrito depois; (2) o conteúdo da “Oração de Naboni-
do” é essencialmente histórico. Assume-se também que Nabonido residiu por sete
anos na cidade de Tema, Arábia, uma premissa que esperava ser confirmada pelos
“sete anos” de doença em Tema mencionados nos fragmentos de Qumran.
Novas descobertas alteraram o quadro de tal maneira que a hipótese teve de
78 ser abandonada. A evidência cuneiforme contemporânea da estela de Harã, pu-
blicada inicialmente em 1958, informa que Nabonido ficou em Tema por “dez
anos”, não sete, e que ele se mudou para lá por razões políticas.125 Esses fatos
agora lançam dúvida sobre a historicidade da informação na “Oração de Naboni-
do”. Assim, a evidência histórica de registros contemporâneos vai de encontro à
informação apresentada na “Oração de Nabonido” e à hipótese construída sobre
aquela informação errônea.
Além disso, há diferenças significativas entre Daniel 4 e a “Oração de Nabo-
nido” que não podem ser ignoradas: (1) Nabucodonosor foi afligido com uma
doença em Babilônia, mas Nabonido estava em Tema.126 (2) A doença de Nabonido
é descrita como “furúnculos malignos,”127 “erupção severa”128, ou “inflamação seve-
ra” 129, ao passo que Nabucodonosor teve um problema mental raro, similar a uma
variedade de monomania.130 (3) A doença de Nabucodonosor era uma punição
por sua arrogância, enquanto que a de Nabonido era aparentemente uma punição
devido à idolatria. (4) “Nabucodonosor foi curado pelo próprio Deus quando reco-
nheceu a soberania dele, ao passo que um exorcista judeu curou Nabonido...”131
É certo que a “Oração de Nabonido” na sua forma presente é posterior ao
capítulo 4. É certo também, com base na comparação, que “não podemos falar de
dependência literária direta”132 entre o capítulo 4 e a “Oração de Nabonido”. As
diferenças fundamentais entre os dois militam contra a premissa de que no capí-

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Estudos sobre Daniel

tulo 4 uma tradição original de Nabonido foi transferida ao rei Nabucodonosor.


O famoso assiriologista britânico D. J. Wiseman observa: “nada do que se sabe
até agora da retirada de Nabonido a Teima [Tema] apóia o ponto de vista de que
esse episódio seja um relato confuso de acontecimentos no reinado posterior [de
Nabucodonosor].”133 Da mesma forma, a história das aventuras de Nabonido em
Tema não depende da narrativa de Daniel.134
A veracidade do relato bíblico da insanidade de Nabucodonosor tem sido
questionada com base em que a informação extra-bíblica revela que ele “não
renunciou ao trono”, e que a substituição do nome de Nabucodonosor por
Nabonido é mais sugestiva para Daniel 4.135 Contudo, uma descoberta recente
fornece informação histórica que parece ter conexão direta com a desordem
mental de Nabucodonosor. Em 1975, o assiriologista A. K. Grayson publicou
um texto cuneiforme fragmentário (BM 34113 = sp 213), do Museu Britânico,
que menciona Nabucodonosor e Evil-Merodaque, seu filho e sucessor do trono
de Babilônia (Jr 52:31).136
O tablete babilônico é tão fragmentário que apenas o conteúdo de um lado
(anverso) é traduzível, e mesmo assim com muitas incertezas. Nas linhas 2 a 4 Na-
bucodonosor é mencionado. É declarado que “sua vida não parecia ter valor para
[ele, ...]” e que “[ele] permaneceu e [tomou] o bom caminho para [...]”.137 Nas linhas
5 a 8 é reportado o seguinte: “E (o) babilônio dá um mau conselho a Evil-Merodaque 79
[...] Então ele dá uma ordem totalmente diferente, mas [...] Ele não dá atenção para
a palavra de seus lábios, da corte [ ...] Ele mudou mas não impediu[...].”138
Infelizmente, não pode ser feita nenhuma identificação clara do tema nas linhas
5 a 8. É possível que o assunto se refira a Nabucodonosor, que dá a seu filho Evil-
Merodaque ordens as quais este não dá ouvidos por causa do comportamento instá-
vel do primeiro. Se Nabucodonosor é o principal ator nesse texto, então as frases em
algumas linhas depois podem também referir-se a ele. Nessas linhas, lemos: “Ele não
demonstra amor por filho ou filha [...]... família e clã não existem [...] ... sua atenção
não estava voltada a promover o bem-estar de Esagil [e Babilônia].”139
Tais lamentos podiam facilmente ser vistos como referindo-se ao comporta-
mento estranho de Nabucodonosor durante o período de sua incapacidade men-
tal, quando ele negligencia sua própria família, clã, o culto associado ao templo
Esagil, e os interesses de Babilônia em geral. Podemos supor que o príncipe Evil-
Merodaque foi forçado a assumir o governo de seu pai Nabucodonosor durante o
período da incapacidade desse último de reinar. Daniel 4 nos informa que Nabu-
codonosor foi mais tarde restabelecido (v. 36).
Se nossa interpretação desse novo texto cuneiforme estiver correta, temos
pela primeira vez evidência histórica contemporânea extra-bíblica que corrobora e
apoia o relato em Daniel 4,140 sustentando sua historicidade e data anterior.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Juramento de lealdade de Nabucodonosor


Daniel 3 descreve o julgamento na planície de Dura dos três amigos de Daniel – Sa-
draque, Mesaque e Abednego –, que eram oficiais do governo babilônico. Nabucodo-
nosor anunciou que os sátrapas, os prefeitos, os governadores, os juízes, os tesoureiros,
os magistrados, os conselheiros e todos os oficiais das províncias deveriam reunir-se para
a consagração de uma imagem de ouro. A orquestra nacional tocou no momento apro-
priado quando esses oficiais deviam prostrar-se num ato de obediência e adoração.
W. H. Shea entende esse ato como um “juramento de lealdade”. Ele explica que
“ao curvar-se para a imagem e adorá-la, a pessoa também ofereceria fidelidade e leal-
dade a ela e ao que ela representasse”.141 Ele observa na Crônica de Nabucodonosor
(conforme publicada por D. J. Wiseman)142 uma referência a uma revolta no décimo
ano de reinado do rei, ou seja 595/4 a. C. Esse dado ele traz com relação à visita de
Zedequias a Babilônia em 594/3 a.C. (Jr 51:59-64). Ele sugere que a revolta condu-
ziu ao subsequente “juramento de lealdade” pelos oficiais da corte babilônica.143
Se essa reconstrução histórica (baseada na Crônica Babilônica, no texto
Prisma,144 na informação do juramento de lealdade, e em Jeremias 51:59-64) for-
nece correlação histórico-cronológica adequada, como parece, então é possível
conhecer um contexto histórico incisivo para os eventos de Daniel 3. Em conse-
80 quência disso, Daniel 3 pode ser datado um tanto precisamente a 594/3 a.C.145 e
emerge agora um panorama político146 babilônico para esse importante capítulo,
dando credibilidade ao seu contexto histórico e data.

Belsazar como “rei” de Babilônia


O livro de Daniel descreve Belsazar como o governador de Babilônia (“Belsazar,
o rei”) que foi morto quando a cidade caiu em 13 de outubro de 539 a.C. (cap. 5).
Ele era o filho do rei Nabonido (556-539 a.C.) e co-governador na época da captura
de Babilônia pelos Medos e Persas. Afirmou-se que não há evidência histórica que
apóie esse ponto de vista de que Belsazar era “rei”. Consequentemente, é dito que o
livro de Daniel (5:1-30; 7:1; 8:1) contém, nesse ponto, um “grave erro histórico”.147
A lista dos reis neobabilônicos é esta: Nabopolassar (17 de maio de 626 a 15
de agosto de 605 a.C.), Nabucodonosor (7 de setembro de 605 a 8 de outubro de
562 a.C.) Amel-Marduque (o Evil-Merodaque bíblico [2 Reis 25:27]; 8 de outubro
de 562 a 7 de agosto de 560 a.C.), Neriglissar (13 de agosto de 560 a 16 de abril de
556 a.C.), Labashi-Marduque (3 de maio de 556 a 20 de junho de 556 a.C.) e Na-
bonido (25 de maio de 556 a 13 de outubro de 539 a.C.).148 Consequentemente,
o último rei de Babilônia foi Nabonido.149
A existência de Belsazar, porém, não é mais posta em dúvida, uma vez que ele
aparece em relatos cuneiformes antigos de Babilônia como o primeiro filho de

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Estudos sobre Daniel

Nabonido. A recuperação dos textos babilônicos demonstra isso sem sombra de


dúvida.150 É bem certo que ainda não foi encontrado nenhum texto que chame
Belsazar de “rei”. Mas foi descoberta uma informação que explica de forma explí-
cita que Nabonido confiou o “reino” (sarrutim) a Belsazar. O “Relato em Verso de
Nabonido”151 declara: “Ele [Nabonido] confiou ao seu [filho] mais velho, o primo-
gênito, ordenou as tropas de todo o país sob seu [comando]. Ele deixou [tudo],
confiou-lhe o reinado ... Ele foi em direção a Tema no oeste.”152
Embora Belsazar não seja chamado “rei” como tal, Nabonido “confiou-lhe
o reinado”. Esse “reinado” incluía assumir o comando militar da nação e assim
implica uma “posição real”.153 A função do “reinado” com seu poder real incluía,
de acordo com outros textos babilônicos, a manutenção dos lugares babilônicos
de culto (que era a tarefa do rei),154 a invocação do seu nome e do seu pai nos
juramentos,155 e o recebimento de tributos em nome de ambos.156
Estas são todas as funções pertencentes ao “rei”. Embora não haja nenhum
texto que chame Belsazar de “rei”, como já observado, isso não significa que essa
designação no livro de Daniel esteja incorreta. A ideia de uma co-regência era
conhecida tanto na Palestina quanto na Babilônia.157 Pode-se encontrar evidência
para isso na história assiro-babilônica. É sabido que no ano 699 a.C. o rei assírio
Senaqueribe colocou seu filho Ashur-nadin-shumi no trono. No ano 668 a.C. o
rei Essarhaddon anunciou como rei “sobre” Babilônia seu filho Shamash-shum- 81
ukin. O rei neobabilônico Neriglissar designou seu pai Belshumishkun como “rei
de Babilônia”. Num festival de ano novo, o rei persa Ciro elevou seu filho Cam-
byses a “rei de Babilônia”.158
Se o termo “rei” pode então ser empregado num sentido de co-regência sobre
a Babilônia por governadores assírios, neobabilônicos e persas, parece razoável
sugerir que Nabonido tinha esse tipo de relacionamento com seu filho Belsazar,
ao qual entregou o “reinado” (šarrûtim). É razoável sugerir que ele que tinha o
“reinado” funcionando como “rei”, como é bem designado em Daniel 7:1, 8:1, e
no capítulo 5. E. J. Young observou corretamente que “o poder de reinado de Bel-
sazar é demonstrado por suas ofertas de propriedades, por meio de suas ordens,
seu desempenho como administrador do templo em Erech”.159
Com base nos vários textos babilônicos, é evidente que Belsazar tinha as prer-
rogativas de um monarca. Ele poderia ser chamado “rei”, embora sua posição fosse
subordinada à de seu pai Nabonido. O fato de seu pai lhe haver entregue o reina-
do, deu o poder a Belsazar de administrar os assuntos do estado como um rei.

Nabucodonosor como “pai” de Belsazar


Os textos de Babilônia nomeiam de forma clara Nabonido como o pai de
Belsazar. No entanto, 5:11, 18 atribuem essa posição a Nabucodonosor. O fato é

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

que a palavra “pai” nas línguas semitas pode também significar avô, um ancestral
mais remoto ou mesmo um predecessor num ofício.160
D. J. Wiseman ressalta que a nomeação de Nabucodonosor como “pai” na ver-
dade “não contradiz os textos babilônicos que se referem a Belsazar como o filho de
Nabonido, uma vez que o último era um descendente da linhagem de Nabucodo-
nosor e pode muito bem ter sido relacionado a ele por meio de sua esposa”.161
Nabonido era um usurpador que tomou o trono de Babilônia em 556 a.C. de
Labashi-Marduk, cujo pai, Neriglissar, usurpou o trono antes do filho de Nabuco-
donosor, Amel-Marduk, em 560 a.C. Neriglissar, contudo, casou-se com a filha de
Nabucodonosor.162 Especula-se que Nabonido era também genro de Nabucodono-
sor.163 Nesse caso, Nabucodonosor era avô de Belsazar do lado de sua mãe.
Assim, com base no uso das palavras “pai” e “filho” nas línguas semitas, Nabu-
codonosor era o pai de Belsazar e Belsazar era filho de Nabucodonosor na relação
avô-neto. Evidência histórica de registros antigos se ajusta perfeitamente com a
informação fornecida no livro de Daniel.

Dario, o medo
Imediatamente depois da morte de “Belsazar, o rei caldeu” em outubro de 539
82
a.C., é declarado em 5:31 que Dario, o medo, “se apoderou do reino”. Isso pode
significar que ele foi constituído “rei sobre os caldeus” (9:1). Esse Dario era “da
linhagem dos medos” (9:1), portanto não era descendente dos persas.
Um erro grave alegado por alguns eruditos crítico-históricos é que o livro de Da-
niel retrata incorretamente o governo de Dario, o medo, após a queda de Babilônia
(539 a.C.), enquanto que, na verdade, foi Ciro, o grande da Pérsia, quem se tornou
governador de Babilônia depois de sua queda. Por exemplo, H. H. Rowley afirmou
em 1935 que “o problema histórico mais sério no livro de Daniel” é o de que Dario,
o medo, “ocupou o trono de Babilônia entre a morte de Belsazar e o reino de Ciro...
Pois, se sabe com certeza que o governador do império neobabilônico foi Ciro. ...”164
Essa opinião é ainda mantida por alguns,165 embora registros do mundo antigo
agora lancem nova luz sobre esse assunto. Em conseqüência disso, é apropriado
indicar sugestões importantes que foram dadas para identificar Dario, o medo,
com uma figura histórica do passado. Quem é o enigmático Dario, o medo?
1. Dario, o medo, é o rei Astíages? Astíages foi o último dos reis da Média.
Heródoto e Xenofonte relatam que Ciro nasceu da união de Cambises com a fi-
lha de Astíages, Mandane.166 Entretanto, o antigo historiador Ctésias fornece um
relato diferente: “Ciro não tinha nenhuma relação com Astíages, mas era filho de
um bandido e de uma garota que cuidava de cabras.”167
Embora a hipótese de que Astíages era Dario, o medo, tenha sido mantida
desde a época do pai da igreja Jerônimo168 até o presente,169 não há evidência

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Estudos sobre Daniel

sólida que apoie essa identificação.170 Astíages nunca chegou aos portões de Babi-
lônia171 e seu pai não foi Assuero (Dn 9:1).
2. Dario, o medo, é Ciáxares II? O historiador judeu Josefo sugeriu que o
rei Ciáxares II, filho de Astíages (584-549 a.C.), é Dario, o medo, do livro de Da-
niel.172 Esse ponto de vista tinha muitos apoiadores mesmo recentemente.173 Nosso
conhecimento sobre Ciáxares II vem do historiador grego Xenofonte,174 cuja exa-
tidão histórica foi seriamente enfraquecida com base nos registros cuneiformes.
Além de Xenofonte nenhuma fonte antiga conhece Ciáxares II como o último rei
medo e parente de Ciro.175
3. Dario, o medo, é Cambises? Cambises, filho de Ciro, foi identificado como
Dario, o medo.176 Isto se adequaria de forma precisa, dado que Cambises foi “rei de
Babilônia”177 por um ano. “As datas e títulos em cerca de trinta textos cuneiformes
da Babilônia indicam que Ciro instalou seu filho Cambises como seu rei subordi-
nado em Babilônia por um ano, enquanto ele era ainda rei do império Persa.”178
Enquanto alguns aspectos se identificam com Dario, o medo, outros, como seu
pai sendo Ciro e não Assuero e a idade de 62, não se ajustam.179 Além de sua co-
regência com seu pai, essa hipótese não tem apoio histórico, adequado.
4. Dario, o medo, é Ciro? O famoso assiriologista D. J. Wiseman sugeriu em
1957180 que Dario, o medo, deveria ser identificado como Ciro.181 Sua sugestão en-
controu apoio de J. M. Bulman182 e é citado favoravelmente por J. G. Baldwin,183 83
A. R. Millard,184 e G. Wenham.185 Essa hipótese requer que a tradução de 6:28 seja
lida (de acordo com o ponto de vista da sintaxe hebraica) como:186 “Daniel, pois,
prosperou no reinado de Dario, a saber, o reinado de Ciro, o Persa.”
A conjunção hebraica waw é para expressar uma explicação (“a saber”, “ou
seja”) e não uma adição (“e”). Embora haja várias características positivas nessa
identificação, há também alguns problemas: (a) O livro de Daniel faz uma dis-
tinção natural entre “Dario, o medo,” e “Ciro”, como em 1:21; 6:1ff.; 6:28; 9:1;
10:1; 11:1.187 (b) Em nenhum outro caso uma pessoa é chamada por dois nomes
diferentes sem uma referência explícita com relação à renomeação (1:6-7). (c) As
referências datadas a esses dois reis em Daniel são um tanto casuais, sugerindo
uma distinção entre eles (10:1; 11:1).188
5. Dario, o medo, é Gubaru, governador de Babilônia? A hipótese de que Da-
rio, o medo, devesse ser identificado com Gubaru, governador de Babilônia, foi pro-
movida primeiramente pelo escritor francês E. Babelon no ano de 1881.189 Vários
eruditos a têm aprovado desde então,190 incluindo W. F. Albright.191 Seu mais forte
apoiador é J. C. Whitcome (1959),192 seguido por G. L. Archer,193 entre outros.
Gubaru tornou-se governador de Babilônia sob o comando de Ciro tempos
depois de sua conquista e aparece em textos cuneiformes por volta do quarto ano
de Ciro194 por um período de quatorze anos.195 Sua designação é “governador de

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Babilônia e da região além do Rio”. Esse Gubaru não deve ser confundido com o
Gubaru/Ugbaru que era general no exército de Ciro e que conquistou Babilônia
de acordo com a crônica de Nabonido.
Há várias características interessantes nessa identificação que fizeram mais
seguidores recentemente,196 porém ela também apresenta algumas dificuldades.
“Não há evidência de que esse último Gubaru tenha sido outra coisa além de go-
vernador de Babilônia”.197 Jamais foi dito que ele tivesse o título de “rei”. Não há
evidência de que ele fosse um medo ou que seu pai fosse Assuero.
6. Dario, o medo, é Gubaru/Ugbaru, o general que conquistou Babilônia?
A identificação mais recente de Dario, o medo, é com o general conquistador do
exército de Ciro, chamado Gubaru/Ugbaru,198 por W. H. Shea.199 Ao investigar os
famosos tabletes cuneiformes relacionados à época em discussão, Shea descobriu
que por um período de cerca de nove meses após a captura de Babilônia, em 539
a.C., pelas forças combinadas da Medo-Pérsia, Ciro, o grande, não carregou o títu-
lo “Rei da Babilônia”. O título que ele levou durante esses nove meses foi “Rei de
terras”, e apenas esse. “Ao final do seu primeiro ano, ‘Rei da Babilônia’ foi adicio-
nado ao seu primeiro título nesses textos [cuneiformes babilônicos], produzindo
o título ‘Rei da Babilônia, Rei de terras’, que se tornou o título padrão usado por
ele pelo resto do seu reinado.”200
84 Assim, pela primeira vez confirmamos evidências contemporâneas de que
Ciro, o grande, cujas forças sob a liderança do governador de Gutium destruíram
Babilônia, nenhuma vez teve o título “Rei de Babilônia”. Quem quer que tenha
carregado o título “Rei de Babilônia” foi um rei subordinado a Ciro no primeiro
ano após a queda de Babilônia.
Também não deveria ser surpresa que Dario, o medo, fosse chamado “rei” (6:6, 9,
25). Um dos tabletes de Nabonido de Harã, escritos durante o reinado de Ciro, refere-
se ao “Rei dos Medos”, no décimo ano do reinado de Nabonido (546 a.C.). Isso indica
“que o título existiu depois que Ciro conquistou a Média”, por volta de 550 a.C.201
Com base na evidência histórica presente sabemos que Gubaru/Ugbaru, gover-
nador de Gutium e general sob o comando de Ciro, conquistou Babilônia.202 Tam-
bém, como observado acima, agora sabemos que por grande parte do primeiro ano
após a queda de Babilônia, Ciro não reivindicou o titulo “Rei de Babilônia”, indican-
do que outra pessoa era rei subordinado a ele. Shea defende que Gubaru/Ugbaru
morreu um ano e três meses depois da queda de Babilônia de acordo com um modo
consecutivo de calcular os dados cronológicos da Crônica de Nabonido.203
A hipótese Gubaru/Ugbaru é compatível com cada ponto de identificação no
livro de Daniel, exceto como observa W. H. Shea: “Dois pontos – sua ascendência
e origem étnica – não podem ser verificadas até agora por falta de documentação
histórica adequada.”204 Além disso, Gubaru/Ugbaru nunca é chamado “rei”, nem
designado Dario, o medo.

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Estudos sobre Daniel

Para concluir, podemos citar o comentário de J. G. Baldwin sobre essa questão


da identificação de Dario, o medo, com uma pessoa da história: “Embora seja ver-
dade que a identidade de Dario não pode ser estabelecida com certeza a partir do
conhecimento que temos até o presente, há muita evidência de sua identificação
como uma pessoa na história para sua total rejeição. Não mais é possível rejeitá-
lo e construir uma teoria de que o escritor [de Daniel] acreditava que havia um
império medo separado.”205 As informações arqueológicas de anos recentes enfra-
quecem completamente o ceticismo racionalista da existência histórica de Dario,
o medo, e que ele seja o resultado de uma confusão.206

Daniel como o “terceiro” em Babilônia


A crise retratada em Daniel 5 apresenta Belsazar imaginando quem poderia
interpretar a misteriosa escritura na parede. Na busca por uma pessoa que expli-
casse a inscrição, Belsazar faz uma promessa de recompensa. O intérprete será o
“terceiro”207 em autoridade no reino (5:7, 16, 29). Daniel é recomendado pela
rainha, mais provavelmente Nitocris, mencionada por Heródoto,208 e trazido à
presença de Belsazar. A ele é oferecida a posição de ser o “terceiro” no reino se
pudesse revelar o enigma (v. 16). Daniel é finalmente elevado à posição de “ter-
ceiro” sobre o reino.
85
Qual a importância de ser o “terceiro”? Quem eram os outros dois soberanos?
Obviamente Belsazar era um deles. Nabonido, o pai de Belsazar, não é menciona-
do no livro de Daniel. Contudo, registros contemporâneos tornam muito claro
que ele é o “rei” que escolheu compartilhar o governo sobre o reino de Babilônia
com o príncipe da coroa, Belsazar, a quem deu o “reinado” (šarrûtim). Assim, Bel-
sazar era um co-regente, ou “segundo” governante no império.
A característica importante desse registro está (a) na revelação dada quanto à
relação política-real entre Nabonido e Belsazar e (b) a exatidão factual desse relato
com respeito à situação política no período final do império neobabilônico. O
detalhe “enfatiza a exatidão histórica do livro de Daniel”,209 mesmo nesse item
pequeno, mas altamente significativo. Esse fato é desconhecido entre historiado-
res recentes do mundo antigo e testifica da informação histórico-política exata
contida no livro de Daniel. Ela apoia uma data anterior para o livro.

Questões históricas relacionadas à cronologia

Vários eruditos que pesquisam a informação cronológica no livro de Daniel


têm alegado que ela contém discrepâncias e erros. Essas descobertas são usadas
para indicar que o livro de Daniel é cronologicamente incorreto e não-confiável.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Terceiro ou quarto ano de Jeoaquim


Por muito tempo certos estudiosos (alguns ainda o fazem) sustentaram o ponto
de vista de que há um evidente erro cronológico em Daniel 1:1, como pode ser visto
comparando-se a passagem com Jeremias 25:1, 9.210 Ainda em 1978, pode-se ler que
“nosso autor simplesmente seguiu uma lenda folclórica anterior sem preocupar-se
com a exatidão da data”.211 Em 1979, foi outra vez sugerido: “O versículo 1 fornece
detalhes cronológicos que são impossíveis de ser aceitos”.212 “O livro de Daniel apre-
senta um erro histórico.”213 Qual o problema com o terceiro ano em Daniel 1:1?
A data da vinda de Nabucodonosor a Jerusalém “no ano terceiro do reinado
de Jeoaquim, rei de Judá” (1:1) contradiz a informação fornecida em Jeremias 25:
1, 9. A última passagem refere-se ao “ano quarto de Jeoaquim”, que é o “primeiro
ano de Nabucodonosor”. Essa invasão aconteceu em 605 a.C. Assim, o “quarto
ano de Jeoaquim” é o ano 605 a.C., e seu “terceiro ano” é também 605 a.C. O
leitor atento perguntará como podem o “quarto” e o “terceiro” ano de um rei
serem o mesmo? Esta é uma pergunta válida e crucial. Os autores cometeram um
erro, ou a resposta está no sistema de contagem?
Uma autoridade mundialmente conhecida na cronologia hebraica, Edwin R.
Thiele, informa-nos de que “dois sistemas de contagem eram empregados para
86 os reis hebreus: ano de ascensão (pós-data) e ano de não-ascensão (antedata).”214
No sistema ano de ascensão (pós-data) a parte do ano que restava era designado
o ano de ascensão do novo rei entronizado. Ele não era contado. O primeiro
ano do rei começava com o primeiro mês do ano seguinte. A contagem ano de
não-ascensão, ou antedata, era o método de contar os anos do reinado de um rei
começando por seu ano de ascensão e mudando para o seu segundo ano no próxi-
mo novo ano. O seguinte diagrama ilustra esses métodos de contagem e mostra
como o “terceiro ano” e “quarto ano” de Jeoaquim seriam o mesmo se calculados
por ambos os métodos.

Resolução da informação de Jeoaquim


Método ano de
ascensão: Ano de ascensão 1.° ano 2.° ano 3.° ano Dn. 1:1
Método ano de
não ascensão: 1.° ano 2.° ano 3.° ano 4.° ano Jr. 25:1, 9; 46:2

Em 1956, D. J. Wiseman publicou a famosa Crônica Babilônica dos Reis Caldeus,


a qual indica que em Babilônia era empregado o método ano de ascensão.215 Jere-
mias parece ter seguido o método judeu-palestino usual de ano de não-ascensão.216
Assim, não há erro histórico ou cronológico aqui.

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estudos sobre dAniel

É um tanto contrário aos fatos agora conhecidos reivindicar (como foi feito
recentemente) que o autor de Daniel “não estava preocupado com tais detalhes
históricos que não significavam nada para sua mensagem espiritual”.217 Na verda-
de, Daniel, que morava em Babilônia, empregava o sistema babilônico de data;
e Jeremias, que morava na Palestina, utilizava o método palestino.218 Usando o
método de ano de ascensão, Daniel pôde identificar 605 a.C. como o terceiro ano
de Jeoaquim e ano de ascensão de Nabucodonosor como “rei de Babilônia”. Por
outro lado, Jeremias pôde designar o mesmo ano como o quarto de Jeoaquim e o
primeiro de Nabucodonosor seguindo o método ano de não-ascensão.
Além disso, há agora evidência astronômica irrefutável de eclipses de que o
terceiro/quarto ano de Jeoaquim, que foi também o primeiro ano/ascensão de
Nabucodonosor, foi de fato o ano de 605 a.C., e não 606 a.C.219 ou 604 a.C.220 A
historicidade da data agora está firmemente estabelecida.221
A tabulação diagramada segundo essa evidência pode ser demonstrada da se-
guinte forma:

A. C. Escala Jeoaquim 608 607 606 605 604 603 602 601

Babilônia Tishri (FALL) 87


Ano de Ascensão 1 2 3 4 5 6 7
Dn 1:1 Years
Judá
Tishri (FALL)
Jr 25:1, 9 1 2 3 4 5 6 7 8
Years
Jr 46:2

Anos de Ano de Tishri (FALL)


Nabucodonosor Ascensão 1 2 3 4
Years

A captura de Jerusalém
por Nabucodonosor em
Dn 1:1; Jr 25:1, 9

Com base na evidência presente, a informação bíblica ajusta-se perfeitamente


consigo mesma e com a informação dos registros babilônicos no Oriente Médio
antigo. De fato, ela se ajusta tão bem que aponta para um autor que tinha conheci-
mento detalhado desses intrincados eventos. Essa é outra evidência de que o autor
de Daniel viveu e escreveu na época por ele descrita.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Datas de Daniel 7:1; 8:1 e 9:1


Comentaristas do passado acharam mais difícil datar o primeiro e terceiro
anos de Belsazar (7:1; 8:1) com algum nível de exatidão. Mas nossas fontes de in-
formação se ampliaram recentemente. Agora sabemos com certeza que Nabonido
ficou em Tema por dez anos, como a estela de Harã (publicada em 1958) indica.222
Também sabemos que Belsazar recebeu o “reinado” na época em que Nabonido
partiu para Tema, ou seja, no ano sexto do reinado desse último (550/49 a.C.),
como indica outra evidência histórica de registros cuneiformes.223 Isso significa
que, pela primeira vez, as datas para Belsazar podem ser calculadas com exatidão.
O primeiro ano de Belsazar como “rei de Babilônia” (7:1) foi o ano 550/49
a.C., e de forma correspondente, o terceiro ano de Belsazar (8:1) foi 548/47 a.C.
Assim, apenas um período relativamente pequeno se passou entre as datas forne-
cidas pelos capítulos 8 e 9, a saber nove anos, se o capítulo 9 está datado do ano
da queda de Babilônia (539 A.C).
Por outro lado, o período entre os capítulos 2 e 7 é relativamente longo, se o “se-
gundo ano” de Nabucodonosor é o seu segundo ano de reinado de 603 a.C. A infor-
mação cronológica em 7:1; 8:1 e 9:1 corresponde e está em harmonia com a melhor
informação histórica conhecida atualmente das fontes babilônicas contemporâneas.
88

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Linguística

S inopse editorial. Ao longo dos anos, os eruditos têm dado considerável aten-
ção às línguas nas quais foi escrito o livro de Daniel. As formas e gramática
do hebraico e do aramaico, bem como certos termos e empréstimos (gregos e
persas) têm sido analisados com cuidado. Estudos anteriores concluíram que
várias características linguísticas sob estudo forneciam evidentes marcadores in-
ternos que apontavam para o segundo século como data para origem do livro.
O estudo continuado e o acúmulo de novos dados da arqueologia mudaram
o quadro. A nova evidência linguística tem minado os argumentos mais antigos
e os tornado, em grande medida, insustentáveis. Por outro lado, serviu para
apoiar a origem do livro no sexto século, num contexto mesopotâmico.
Não se pode mais dizer que termos como “caldeu” para descrever uma clas-
se profissional e os nomes dos amigos de Daniel (Sadraque, Mesaque e Abed-
nego) constituem erros ou anacronismos – como suposta evidência para um
escritor do segundo século, não-familiar com a época neobabilônica anterior.
Eles se ajustam perfeitamente bem com o que é agora conhecido do contexto
de sexto século.
Agora é possível demonstrar que os empréstimos persas são palavras específi-
89
cas do persa antigo, que apontam para uma época anterior de escrita, em vez de
uma composição do segundo século. A cultura grega penetrou o antigo oriente
médio muito antes do período neobabilônico, um fato que invalida qualquer
tentativa de argumentar sobre uma data mais tardia para o livro com base nos
seus empréstimos gregos.
Argumentos para a composição de Daniel no segundo século, baseados nas
formas e gramática de suas seções aramaicas, foram completamente invalidados
por nova documentação da história e mudança da língua aramaica. A hipótese
da composição no segundo século deve ser agora eliminada. Com base nos no-
vos dados, pode-se afirmar que o aramaico de Daniel pertence à forma da língua
conhecida como aramaico oficial presente no sexto século a.C.
Da mesma forma, não há evidência linguística convincente para negar a com-
posição do livro no sexto século com base no hebraico que é empregado na pri-
meira e última parte do livro. Fragmentos de manuscritos de Daniel de cavernas
de Qumran mostram as mesmas mudanças do hebraico ao aramaico em 2:4b e
de volta ao hebraico em 8:1 como ocorre na nossa Bíblia hebraica atual (masso-
rética). Não há evidência documentada para apoiar a reivindicação de que o livro
tenha sido originalmente escrito em aramaico e, mais tarde, submetido a uma
tradução parcial para o hebraico, indicando uma data posterior para o livro.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Esboço da seção

1. Temas linguísticos relacionados a nomes e palavras estrangeiros


2. O aramaico no livro de Daniel
3. O hebraico no livro de Daniel
4. O uso de duas línguas no livro de Daniel

Temas linguísticos relacionados a nomes


e palavras estrangeiros

Neste capítulo pesquisaremos os temas relacionados a questões linguísticas de


palavras babilônicas, persas e gregas, e línguas hebraica e aramaica encontradas no
livro de Daniel.224

Nomes Babilônicos
Há vários nomes que têm chamado atenção e requerem uma pesquisa mais
90 aprofundada.
1. O termo “caldeu”. O termo “caldeu” (Dn 2:2; 4:7; 5:7-11) tem, em seu
contexto, perturbado a muitos eruditos. De acordo com uma teoria, equivaler
“caldeu” a mágicos, encantadores e adivinhos (ou seja, como um termo que desig-
na uma profissão, além de seu significado étnico em 3:8; 9:1) é um “indubitável
anacronismo”225 para a época de Nabucodonosor (sexto século a.C.). Argumenta-
se que “caldeu” como um termo para designar profissão foi usado no período
persa226 e também mais tarde, mas nunca antes.
Evidência arqueológica indica que o termo “caldeu” foi usado num sentido
étnico em registros assírios dos sétimo e oitavo séculos a.C.227, mas não é encontra-
do nem em sentido étnico nem em sentido profissional em registros babilônicos
do sexto século a.C. como atualmente conhecidos ou publicados. Embora o uso
em Daniel ainda não encontre apoio em registros babilônicos conhecidos até o
presente (enquanto o sentido étnico é conhecido de registros assírios anteriores e
o sentido profissional, da época persa posterior), “não é seguro argumentar que a
palavra seja um anacronismo”.228
Alguns eruditos têm sugerido que o termo “caldeu” (kasdîm) é derivado de um
título antigo, o Kasdu ou Kaldu acadiano que significa um tipo de sacerdote. O ter-
mo acadiano deriva de um título sumeriano antigo, Gal-du (“Construtor Mestre”),
um termo que se refere à construção de gráficos astronômicos nos quais eram

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Estudos sobre Daniel

baseadas predições astrológicas. Tal uso de Gal-du é conhecido do ano quatorze de


Shamash-shum-ukin (668-648 a.C.).229
De acordo com essa tese, o autor de Daniel empregou esse título como uma
designação de uma classe de profissionais pertencente a sacerdotes-astrólogos. Se de
fato o fez, então isso é um homônimo para um termo que também designa um povo
étnico. Há evidência suficiente para indicar que “caldeu” poderia se referir a uma
classe de profissionais durante e após o império neo-babilônico.
2. Os nomes Sadraque, Mesaque e Abednego. Os três amigos de Daniel recebe-
ram novos nomes do superior da Babilônia em sua chegada nesse país. Filólogos no
passado não foram capazes de explicar esses nomes de forma adequada. Assumiu-se ou
sugeriu-se, vez após vez, que esses nomes foram distorções ou transmissões inadequa-
das de nomes originariamente babilônicos contendo nomes de deuses pagãos. Recen-
temente, um assiriologista alemão mostrou que esses nomes podem ser explicados de
forma satisfatória a partir da onomástica (o estudo da origem e forma de nomes pró-
prios) babilônica, sem supor uma transmissão inadequada ou alteração consciente.
P. R. Berger mostra que o nome Sadraque (hebraico šadrak) corresponde ao assí-
rio Sādurāku e ao babilônico Šādurāku, que significa “eu estou em meio ao medo”.230
Essa é uma forma abreviada na qual o nome de uma divindade é omitida, algo que
acontece com frequência em nomes acadianos.
O nome do seu amigo, Mesaque (hebraico Mēsak) corresponde ao acadiano 91
Mēšāku, que significa “tenho pouca importância”.231 O nome do terceiro compa-
nheiro é Abednego (hebraico ‘Abed nego; acadiano Abad-Nabu) e é de origem semíti-
ca ocidental. “Tais nomes semitas ocidentais eram conhecidos no acadiano”, escreve
Berger.232 O significado é “servo do brilhante”233 e pode possivelmente envolver um
jogo de palavras de um nome acadiano que inclui o nome do deus babilônico Na-
bu.234 De qualquer modo, o nome em si não contém o nome da divindade Nabu ou
Nebo, como sugerido por alguns.235
Esses nomes, bem como outros nomes acadianos no livro de Daniel, correspon-
dem de forma tão estreita ao que se conhece da onomástica babilônica, que Berger
sugere que não se surpreenderia se os nomes de Daniel e de seus companheiros
fossem algum dia descobertos em textos babilônicos.236 Esses nomes acadianos se
ajustam perfeitamente à época do sexto século e não colocam qualquer dificuldade
para uma data anterior ao período macabeu para o livro de Daniel.
3. Palavras Persas. Há cerca de 19 empréstimos persas na parte em aramaico de
Daniel. Com base nas estatísticas, H. H. Rowley argumentou que essa é uma indica-
ção de que o aramaico bíblico de Daniel está muito mais próximo do aramaico dos
Targums do segundo e primeiro séculos a.C. do que do aramaico do papiro de Ele-
fantino do quinto século a.C.237 Uma pesquisa cuidadosa dos empréstimos persas
em Daniel mostra que uma argumentação estatística não tem apoio.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Graças ao trabalho de K. A. Kitchen, sabe-se agora que os empréstimos persas


em Daniel são consistentes com uma data anterior em vez de posterior para a
composição do livro. Por exemplo, estudiosos agora estão cientes de que o termo
“sátrapa”, o qual uma vez imaginou-se ser de origem grega, derivou, na verdade,
da antiga forma persa kshthrapān. Esse termo apareceu em inscrições cuneiformes
como shatarpānu, dando origem ao termo grego “sátrapa”.238
Não é tão surpreendente quanto se supõe o fato de palavras persas terem
sido usadas por instituições babilônicas antes da conquista de Ciro. O livro foi
provavelmente escrito no período persa em vez de no neo-babilônico, a última
parte da vida do profeta. Quanto à objetividade, deve-se notar que os termos
persas encontrados em Daniel são palavras especificamente antigas, ou seja, que
aparecem dentro da história da língua por volta de 300 a.C., mas não mais tar-
de.239 Esses fatos eliminam uma data para a origem das palavras persas após 300
a.C. As palavras persas apontam a uma data anterior para o livro de Daniel, e
não a uma posterior.
4. Palavras gregas. Na virada do século, S.R. Driver afirmou que “as [três] pa-
lavras gregas demandam... uma data [para Daniel] após a conquista da Palestina por
Alexandre, o Grande (332 a.C.)”.240 Os termos gregos em discussão são nomes de
instrumentos musicais: “harpa”, “saltério”, e “trombeta” (3:5; cf. v. 7, 10, 15).
92 A fraqueza do argumento de Driver foi indicada por J. A. Montgomery: “A re-
futação para essa evidência de uma data posterior está em enfatizar as potencialida-
des da influência grega no Oriente do sexto século em diante.”241 Assim, o famoso
orientalista W. F. Albright demonstrou, há várias décadas, que a cultura grega de
fato penetrou o antigo Oriente Médio muito antes do período neo-babilônico.242
Mais recentemente, os estudos detalhados de E. M. Yamauchi proveram forte evi-
dência de que esse tipo de influência grega na Babilônia de fato existiu.243
Evidência para a influência geral da cultura grega na Babilônia não alterou
grandemente o peso de argumentos linguísticos no debate com relação à data da
seção aramaica do livro de Daniel (Dn 2:4b–7:28). O recente comentário Anchor
Bible sobre Daniel reitera a posição crítica padrão: “Os nomes gregos para os
instrumentos musicais em 3:5 provavelmente não precedem o reinado de Alexan-
dre, o Grande (336-323 a.C.).”244
P. W. Coxon observa que os empréstimos gregos “parecem prover a evidên-
cia mais forte [para a escola crítica] a favor do segundo século a.C.”;245 mas ele
demonstra que a ortografia de qayterōs (“lira”) foi adotada no aramaico do pe-
ríodo pré-helenístico.246 O segundo instrumento, pesantērîn, em Daniel 3:5 era,
de acordo com A. Sendry, um termo para instrumentos musicais originalmente
importados do Leste para a Grécia, melhorado pelos gregos e, por sua vez, reex-
portado para o Leste. 247

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Estudos sobre Daniel

O terceiro termo, sûmpôneyā, é usado na língua grega como sumphōnia. O termo


grego tem um significado mais antigo de “soar junto”248 ou um “som uníssono”,
“harmonia”, “união harmoniosa de muitas vozes ou sons”, ou semelhante. Mais
tarde, pode ter significado também um instrumento musical.249 Uma análise cui-
dadosa das evidências históricas, linguísticas e culturais relacionadas a essa palavra
levou Coxon a concluir que o uso desse termo, no que tange a evidência clássica e
à medida que afeta Daniel 3, “deve ser pronunciada de forma neutra”.250
Isso significa que “as palavras gregas para instrumentos musicais no aramaico
não constituem, portanto, qualquer obstáculo à uma data pré-helenística para a
composição do livro de Daniel.”251 “Uma data do sexto século para os instrumen-
tos não pode ser negada categoricamente.”252 Enquanto L. F. Hartman e A. A.
Di Lella ainda defendem que “os nomes gregos para instrumentos musicais em
3:5 provavelmente não antecedem o reinado de Alexandre, o Grande (336-323
a.C.)”,253 a evidência disposta para influência grega extensiva no Oriente Médio
antes da época de Alexandre, o Grande torna irrefutável que “as palavras gregas
em Daniel não podem ser usadas para datar o livro da era helenística”.254

O aramaico no livro de Daniel


93

O livro de Daniel compartilha com o livro de Esdras o fenômeno único de ser


escrito em duas línguas semitas diferentes. O AT é, evidentemente, escrito em he-
braico como um todo, a língua do Israel antigo, com exceção de Esdras 4:8–6:18;
7:12-26; Daniel 2:4b–7:28; e Jeremias 10:11, que são escritos em aramaico.
O aramaico era a língua dos antigos arameus, mencionados pela primeira vez
em textos cuneiformes do século 20 a.C. Com o tempo, o aramaico substituiu as
várias línguas das terras conquistadas. Do oitavo século em diante, o aramaico
tornou-se a língua internacional, a língua franca do Oriente Médio. Parece que os
israelitas a aprenderam durante o exílio.
Historicamente, o aramaico é dividido em vários grupos principais: (1) “ara-
maico antigo” (Altaramäisch),255 empregado até 700 a.C.; (2) “aramaico oficial”
(Reichsaramäisch), usado “de 700 a 300 a.C.”,256 (3) “aramaico médio”, usado de
“300 a.C. até os primeiros séculos da era cristã [era comum]”;257 e (4) “aramaico
posterior”, empregado daí em diante.

Antigo debate relativo à língua


As questões que são frequentemente levantadas com relação ao aramaico em
Daniel são: Como deve ser classificada a língua do livro de Daniel? O que essa

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

classificação indica com relação à data do livro? A língua representa o “aramaico


oficial”, ou seja, um tipo antigo de aramaico (sexto/quinto século a.C.) ou um
aramaico posterior (segundo século a.C.)?
S. R. Driver parece ter iniciado o debate no ano de 1897. Ele concluiu uma
discussão sobre a data e natureza do aramaico em Daniel258 declarando que o ara-
maico “permite” uma data “após a conquista da Palestina por Alexandre, o Grande
(332 a.C.)”259. C. C. Torrey concordou com ele e datou a parte aramaica de Daniel
ao terceiro/segundo século a.C.260
Os argumentos de Counter contra uma data posterior para o aramaico de Da-
niel vêm de eruditos conservadores de grande reputação como R. D. Wilson, W.
St. Clair Tisdall e Charles Boutflower.261 O resultado desses estudos, que defen-
dem a antiguidade do aramaico de Daniel, foi uma réplica da parte dos eruditos
que fixaram uma data posterior para o livro de Daniel.262
Especialmente importante nessa última categoria é a posição clássica afirmada
por H. H. Rowley.263 Entretanto, como resultado da surpreendente descoberta do
Papiro elefantino do Alto Egito (escrito em aramaico e datado do quinto século
a.C.), F. Rosenthal, como consequência da síntese de H. H. Schaeder264 e de um
importante artigo de J. Linder,265 concluiu em 1939 que “a antiga ‘evidência lin-
guística’ [para uma data posterior de Daniel] deve ser abandonada”.266
94
Nova evidência e novas soluções
Em 1965, Kitchen novamente levantou o problema do aramaico em Daniel
em resposta às hipóteses não debatidas de Rowley, que escreveu mais de três
décadas antes. Nesse meio tempo, novos textos aramaicos foram descobertos,267
e os mais antigos foram estudados mais atentamente. Kitchen examinou o voca-
bulário, a ortografia, fonética, morfologia e sintaxe geral do aramaico de Daniel
e chegou à seguinte conclusão:
“O aramaico de Daniel (e de Esdras) é simplesmente uma parte do aramaico
imperial [oficial] – em si, praticamente datável entre 600 a 300 a.C.”268 Sendo as-
sim, não há fundamento com base no aramaico para forçar uma data do período
macabeu para o livro de Daniel. No que tange ao aramaico, uma data do quinto/
sexto século é inteiramente possível.269
H. H. Rowley contestou as descobertas de Kitchen.270 No entanto, as críticas
de Rowley foram examinadas minuciosamente por E. Y. Kutscher em sua pesquisa
oficial do aramaico antigo e foram amplamente refutadas.271 Kutscher já havia
mostrado que, com base na ordem de palavras, o aramaico de Daniel aponta para
uma origem oriental. Uma origem ocidental poderia ser reclamada se uma data do
período macabeu no segundo século a.C. tivesse que ser mantida.272 As conclusões
de Kitchen são aceitas também por outros estudiosos renomados.273

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Estudos sobre Daniel

O ponto de vista de que o aramaico de Daniel pertence ao “aramaico oficial


[imperial]” é sustentado não apenas por Kitchen e Kutscher, mas também por vários
eruditos no campo de estudo do aramaico, que não apóiam uma data anterior para
o livro de Daniel.274
A descoberta de documentos importantes em aramaico no Qumran lançou
nova luz sobre a língua usada em Daniel, indicando mais uma vez sua data anterior.
No ano de 1956, foi publicado o Apócrifo de Gênesis (1QapGen).275 Na área da lin-
guística e da paleografia, ele pertence ao primeiro século a.C.276 P. Winter observou
que o aramaico de Daniel e de Esdras é oficial [imperial], mas que o aramaico do
Apócrifo de Gênesis é posterior a este.277 Essa conclusão é confirmada por Kuts-
cher278 e principalmente por Gleason L. Archer.279 O último concluiu com base num
estudo cuidadoso da língua aramaica em Daniel e no Apócrifo de Gênesis “que o
aramaico de Daniel vem de um período consideravelmente anterior ao segundo
século a.C.”280
Mais recentemente, ele escreveu que o resultado cumulativo da evidência lin-
guística é “que o aramaico do apócrifo de [Gênesis] é de séculos depois do de Da-
niel e Esdras. Não há evidência linguística para uma conclusão diferente”.281 Essa
conclusão tem implicações significativas com respeito à suposta data do período
de macabeus para o livro de Daniel. Considerando os documentos em aramaico
descobertos entre os rolos do Mar Morto, está ficando cada vez mais difícil defen- 95
der ou aderir à data do segundo século a.C. para o livro de Daniel.
O ataque mais recente contra a data do período de macabeus para Daniel foi
desferido pela publicação do Targum de Jó (11QtgJob) da gruta 11 de Qumran.282
Esse documento em aramaico preenche a lacuna de vários séculos entre o aramai-
co dos livros de Daniel e Esdras e o aramaico recente. Eruditos de várias escolas
de pensamento concordam que a língua aramaica do Targum de Jó é mais nova
do que a do livro de Daniel e mais antiga do que a do Apócrifo de Gênesis.283 Os
editores datam o Targum de Jó na segunda metade do segundo século a.C.284
A datação do aramaico do Targum de Jó tão posterior quanto a do aramaico
do livro de Daniel é importante. O impacto é refletido na tentativa de datar nova-
mente todo o desenvolvimento do aramaico pós-bíblico. Stephen A. Kaufman, do
Hebrew Union College, concluiu que “a língua do Targum de Jó (11QtgJob) difere
significativamente do aramaico de Daniel”285. Sendo assim, deve haver algum tem-
po entre o aramaico de Daniel e o do Targum de Jó.
Uma vez que Kaufman afirma que o livro de Daniel “não pode ter alcançado
sua forma final até a metade do [segundo] século”,286 ele é levado a datar novamen-
te o Targum de Jó do primeiro século a.C., e o Apócrifo de Gênesis, do primeiro
século d.C.287 Essa nova marcação de datas é sugerida com base na fixação da data
de Daniel no segundo século a.C. Entretanto, Kitchen apontou com propriedade

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

que o tratamento e a datação do aramaico de Daniel estão sujeitos a ser distorci-


dos por certas pressuposições.288 Assim, é difícil convencer-se de que a problemá-
tica data do segundo século para Daniel seja o tipo de “âncora segura” necessária
para a datação sequencial no desenvolvimento do aramaico pós-bíblico.
Datar o Targum de Jó conforme sugerido na evidência comparativa requer
atenção. Com base em comparações linguísticas cuidadosas do aramaico de Da-
niel, do Apócrifo de Gênesis e dos Targums, diversos especialistas em estudos do
aramaico sugeriram recentemente que o Targum de Jó de fato data da segunda
metade do segundo século a.C.289 Outros até argumentam que o Targum de Jó
pode retroceder “à segunda metade do terceiro século a.C. ou à primeira metade
do segundo século a.C.”.290
Se é necessária uma medida de tempo significativa entre o Targum de Jó e o
amplamente conhecido aramaico antigo do livro de Daniel, o aramaico do livro
de Daniel apontaria ao menos para uma data mais anterior para o livro do que
um certo ramo de estudiosos pretendeu previamente admitir. Assim, a questão
de se datar ou não Daniel pela forma de seu aramaico não é mais um impasse.
Os documentos em aramaico do Qumran291 colocam a data da composição num
período anterior ao que a data do período macabeu permite.
A presente disponibilidade de documentos em aramaico de várias áreas e dife-
96 rentes períodos de tempo tornou suspeitos os principais argumentos na pesquisa
de Rowley, The Aramaic of the Old Testament, publicada em 1929. Sua conclusão de
que “o aramaico bíblico está em algum lugar entre o aramaico do papiro de Elefan-
tina e o das inscrições de nabateia e palmira”,292 ou seja, no segundo século a.C.,
não apenas é seriamente desafiada com base nos textos e materiais em aramaico
do Qumran, como não pode mais ser mantida em vista das novas evidências.
Além disso, a tese doutoral de R. I. Vasholz compara especificamente o fenômeno
linguístico do Targum de Jó com o aramaico de Daniel.293 Ele conclui, de forma
segura, “que a evidência agora disponível do Qumran indica uma data anterior ao
segundo século para o aramaico de Daniel”.294
Mais recentemente, as declarações de Rowley baseadas na sintaxe do aramaico de
Daniel foram examinadas de forma minuciosa em vista de sua metodologia deficien-
te e do corpus cada vez mais vasto de documentos em aramaico agora disponível para
análise comparativa. Em 1965, T. Muraoka publicou um artigo que examina um nú-
mero de aspectos sintáticos envolvendo o uso de perífrases e a construção de expres-
sões genitivas.295 Ele concluiu, entre outras coisas, que precedentes para a construção
perifrástica são inerentes à sintaxe do aramaico oficial e que sua escolha e aplicação
no aramaico de Daniel são adequadas ao estilo do autor e não arbitrárias.296
A questão da “sintaxe do aramaico em Daniel” é também tema de pesquisas
recentes de Coxon.297 Ele demonstra que Rowley se enganou ao ver diferenças

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Estudos sobre Daniel

decisivas entre a sintaxe do aramaico do livro de Daniel e do aramaico do papiro


mais antigo, do quinto século a.C.
Coxon chega a conclusões abrangentes:
1. O uso do imperfeito de hwh com um particípio mostra que o aramaico de
Daniel está de acordo com o aramaico do papiro antigo.298
2. A relação genitiva em suas variadas formas demonstra que “somos confronta-
dos pela sintaxe do aramaico oficial”299 e não por aquele de documentos recentes.
3. O uso da preposição “l” não pode ser empregado como evidência para uma
data do aramaico de Daniel, porque está presente em certos papiros aramaicos
anteriores e ausentes em outros e presente em alguns outros materiais do Qumran
e ausentes em outros.300
4. Vários tipos de ordem de palavras – tal como o título “rei” depois do nome
próprio, e o pronome demonstrativo depois do substantivo – mostram ser uma
parte da sintaxe do aramaico oficial.301
5. No aramaico de Daniel, verbos que expressam a ideia de possibilidade, dese-
jo, comando, propósito, etc., são construídos com l e o infinitivo. Esse fenômeno
é encontrado de forma ampla também no aramaico oficial.302
6. Nota-se a preferência da ordem de palavras “objeto-verbo-sujeito” em sen-
tenças verbais do aramaico de Daniel (e de Esdras), enquanto a sequência “verbo-
objeto” é preferida em sentenças sem um objeto direto. A flexibilidade da ordem 97
de palavras em sentenças verbais em Daniel é como a do aramaico oficial.303 Isso
também sugere possível influência acadiana.304
7. Estudos de mutações consonantais indicam que “os fatores envolvidos em
ortografia histórica, em desenvolvimento e representação fonética... abrem a pos-
sibilidade de a ortografia do aramaico bíblico pertencer a um período mais antigo
[em vez de o segundo século a.C.] e derivar das idiossincrasias da tradição dos
escribas judeus”.305

Reavaliações atuais
A partir da discussão prévia, fica evidente que os problemas clássicos de sinta-
xe e ortografia no aramaico de Daniel (usado no passado por estudiosos críticos
como apoio para uma suposta data do período macabeu e uma proveniência oci-
dental ou Palestina) agora aparecem numa luz inteiramente nova. A nova evidência
e reavaliação apontam para uma data anterior ao segundo século a.C. e para uma
origem oriental (babilônica). A propósito disso, G. L. Archer observa que “com
base somente na ordem de palavras, é seguro concluir que Daniel não poderia ter
sido escrito na Palestina (como requer a hipótese do período macabeu), mas no
setor oriental do Crescente Fértil, com toda probabilidade na própria Babilônia”.
Archer então ressalta que sua pesquisa anterior sobre o aramaico no Apócrifo de

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Gênesis “deve provar um tanto conclusivamente a qualquer estudioso que a data


do segundo século e a proveniência Palestina do livro de Daniel não pode mais ser
mantida sem se desconsiderar a ciência da linguística”.306 Com base na evidência
atual disponível, o aramaico de Daniel pertence ao aramaico oficial (700-300 a.C.)
e pode ter sido escrito na última parte do sexto século a.C. A evidência linguística
é claramente contrária a uma data no segundo século a.C.
Após uma extensa revisão da questão do aramaico, o estudioso crítico-histórico
K. Koch admitiu recentemente a derrota absoluta para a Escola crítico-histórica nes-
se ponto: “Assim, a crítica radical com sua tese de macabeus claramente perdeu o
jogo no campo linguístico dos capítulos em aramaico do livro de Daniel nos últimos
150 anos.”307 Além disso, ele admite que “uma determinação mais próxima [da data]
não pode mais ser apoiada por meio de um sistema linguístico”, embora acredite
que “os empréstimos persas levam a uma data consideravelmente posterior a 500
a.C.”308 para o livro. Não há evidência para essa declaração. Pelo contrário, o estudo
recente de empréstimos persas, como indicado acima, não a apoiam.
A evidência linguística atual do aramaico fornece evidência convincente e in-
controversa contra uma data do período macabeu no segundo século a.C. e uma
origem Palestina para o livro de Daniel. O aramaico do livro é o aramaico imperial
que estava em uso de 700 a.C. a 300 a.C.309 Com respeito ao aramaico de Daniel
98 “há toda probabilidade de que venha do mesmo período, se não um século antes,
que o aramaico do papiro elefantino e Esdras, que são admitidamente produções
do quinto século”.310 Um autor que escrevesse no segundo século com o tipo de
aramaico encontrado em Daniel seria tão inconcebível quanto um autor que escre-
vesse hoje com o inglês da época de Shakespeare ou alemão da época de Lutero. Se
Shakespeare ou Lutero estivessem vivos hoje, escreveriam nas respectivas formas de
hoje. Um escritor do período de macabeus da mesma forma teria usado a língua de
sua época e não as formas da língua de um período mais antigo.

O hebraico no livro de Daniel

A parte hebraica do livro de Daniel consiste de Daniel 1:1–2:4a e 8:1–12:13.


S. R. Driver levantou uma questão sobre o hebraico do livro de Daniel. “O hebrai-
co de Daniel é do tipo caracterizado recentemente: em todas as características dis-
tintivas se assemelha não ao hebraico de Ezequiel, ou mesmo de Ageu e Zacarias,
mas ao da época subsequente a Neemias.”311 Isso significa que “o hebraico apoia ...
uma data posterior à conquista da Palestina por Alexandre, o Grande (332 a.C.).”312
J. A. Montgomery escreveu em 1927 que o hebraico de Daniel “aponta para uma
época posterior em comparação com a literatura bíblica conhecida, e pode ser

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Estudos sobre Daniel

atribuído com total satisfação filológica ao segundo século; ao passo que, na evi-
dência comparativa, uma data anterior ao quarto século não pode na evidência
comparativa ser facilmente atribuída a ele”.313 P. R. Davies repete esses pontos de
vista anteriores ao afirmar: “O hebraico de Daniel certamente não é um hebraico
do exílio judeu do sexto século.”314 Essa repetição de opiniões anteriores sem novo
apoio de pesquisas recentes é típico da maioria dos estudiosos da Escola crítico-
histórica no presente. Por outro lado, vários comentaristas crítico-históricos da
atualidade têm abandonado o argumento de uma data posterior para a língua
hebraica do livro de Daniel (O. Ploger, D. S. Russell, A. Lacocque, J. J.Collins, W.
S. Towner e outros). K. Koch observou um tanto cuidadosamente em 1980 que no
hebraico do livro “nada fala contra uma data na época de macabeus”.315
Nem todos os estudiosos crítico-históricos concordam entre si. O professor T. K.
Cheyne, um dos críticos radicais do passado, declara: “Do hebraico do livro de Da-
niel não pode ser delineada, com segurança, nenhuma inferência importante quanto
à sua data.”316 S. R. Driver listou 30 expressões como apoio a uma data posterior. Um
novo reestudo dessas expressões por W. J. Martin levou à seguinte conclusão: “Não
há nada no hebraico de Daniel que pudesse ser considerado extraordinário para um
falante bilíngue ou talvez, nesse caso, trilingue da língua no sexto século a.C.”317
O hebraico do livro também pode ser comparado com o hebraico dos Rolos do
Mar Morto do segundo século a.C., bem como ao de Eclesiástico, que foi escrito 99
por volta de 190 a.C. G. L. Archer fez tal estudo e aponta para diferenças marcan-
tes entre o Eclesiástico e o hebraico do livro de Daniel.318 Uma comparação com
os rolos de Qumran revela que “nenhum dos documentos sectários compostos
em hebraico (“O Manual de Disciplina”, “A Guerra das Crianças da Luz contra
as Crianças das Trevas”, “Os Salmos de Ações de Graças”) nessa coleção mostram
características distintivas em comum com os capítulos em hebraico de Daniel”.319
Esse novo material é muito importante para avaliar a parte em hebraico de
Daniel. Se Daniel foi composto na Palestina do segundo século a.C., então deve-se
esperar algumas características em comum com o hebraico daquele tempo. A falta
de tais características parece apoiar uma data diferente, isto é, um período antes do
segundo século. Embora possa ser verdade que “o hebraico do livro não pode ser
atribuído, com segurança, a um século mais do que a outro”,320 não há evidência
convincente para negar o sexto século com base no hebraico empregado no livro.

O uso de duas línguas no livro de Daniel

O fato de o livro de Daniel ser composto de partes em hebraico e aramaico


foi algo curioso por algum tempo. A primeira e a última seções do livro (1:1–2-

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

:4a e 8:1–12:13) são escritas em hebraico, enquanto que a seção intermediária


(2:4b–7:28) é escrita em aramaico. O aramaico é uma língua irmã do hebraico. A
situação dessas duas línguas no livro de Daniel, isto é, hebraico-aramaico-hebraico
(do ponto de vista da estrutura, é A:B:A)321 é como a do livro de Esdras.
Essa mudança na língua foi constrangedora para a os rabis de outrora, que
acharam impróprio para um escritor inspirado usar uma língua não-santa – o ara-
maico – para parte de seu livro.322 Atualmente, várias sugestões são dadas. O estu-
dioso americano judeu Frank Zimmermann foi o primeiro em tempos modernos
(na década de 1930) a sugerir que todo o livro de Daniel foi originalmente escrito
em aramaico e que depois uma parte foi traduzida para o hebraico.323 H. L. Gins-
berg propôs o mesmo ponto de vista em seus estudos sobre Daniel em 1948.324
Como resultado de reflexões sobre esse ponto de vista, existem agora comentários
bem elaborados apoiando essa hipótese. L. F. Hartman e A. A. Di Lella defendem
que “o aramaico foi a língua original de todos os doze capítulos agora presentes
nos TM [textos massoréticos] do livro. As partes em hebraico (1:1–2:4a e caps.
8–12) foram traduzidas mais tarde do aramaico original.”325
Mas, essa hipótese não é amplamente defendida. Há diversas e sérias dificulda-
des associadas a ela, como, por exemplo, o fato de que não existe nenhum apoio
manuscrito ou adaptado para ela. Entre as famosas descobertas do Qumran está
100 um fragmento de um manuscrito (1QDana)326 que contém Daniel 1:10-17 e 2:2-6.
O texto muda em Daniel 2:4a, do hebraico ao aramaico, exatamente no mesmo
lugar que o texto massorético. Frank M. Cross Jr. salienta que a mudança do ara-
maico ao hebraico se dá exatamente no mesmo lugar da seção intermediária – en-
tre 7:28 e 8:1 – em dois outros manuscritos não-publicados do Qumran (4QDana
e 4QDanb).327 Esses fragmentos das grutas 1 e 4 são datadas da metade do primei-
ro século a.C.328 Assim, as descobertas do Qumran demonstram que o padrão
literário hebraico-aramaico-hebraico (ou A:B:A) está preservado precisamente no
lugar onde é encontrado no texto massorético dos dias atuais. A descoberta desses
manuscritos antigos não dão muito credito à hipótese de que o livro de Daniel
tenha sido totalmente escrito em aramaico.
A mudança da língua é mais bem explicada em reconhecimento de que a
abertura do livro (1:1–2:4a) e sua segunda parte (caps. 8–12) correspondem às
estruturas fundamentais do livro.329 O aramaico começa no ponto onde a língua
estrangeira aprendida por Daniel era usada pelos sábios em suas conversas com o
rei. O aramaico desaparece quando o foco muda do interesse político-religioso de
2:4b–7:28 para interesses primordialmente religiosos (caps. 8–12). Embora “ainda
não haja explicação totalmente satisfatória para a mudança da língua”,330 não há
razões convincentes para argumentar que foi escrito primeiramente em uma lín-
gua ou que indique uma data posterior.

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Temas variados

S inopse editorial. A presença de pelo menos oito cópias do livro de Daniel


(preservados somente em forma de fragmentos) entre os Rolos do Mar Morto
sugere que ele era um dos livros populares do Qumran (compare: 14 cópias de
Deuteronômio, 12 de Isaías e 10 de Salmos). A referência ao “livro de Daniel, o
profeta” por outro documento (4QFlor) indica que Daniel foi considerado um
profeta canônico. Dois fragmentos mostram as mesmas mudanças do hebraico
para o aramaico e de volta para o hebraico nos mesmos pontos encontrados em
nossa Bíblia hebraica (massorética) atual (2:4b e 8:1). Nenhum acréscimo apó-
crifo aparece nesses materiais fragmentados. Uma cópia de Daniel, escrita num
estilo pertencente ao segundo século a.C., propõe um problema para defensores
de uma data do período de macabeus para o livro. Tal manuscrito diminui o
tempo necessário para qualquer distribuição extensiva e para o reconhecimento
da canonicidade do livro.
A posição de Daniel na terceira divisão do cânon hebraico atual não constitui
base suficiente para inferir uma origem posterior. A evidência sugere que os ju-
deus originalmente listaram Daniel entre os profetas. Parece que uma mudança na
terceira divisão ocorreu no segundo século d.C., instigada por um ponto de vista
101
da minoria. Daniel provavelmente foi omitido da lista apresentada em Eclesiástico
(escrito por volta de 180 a.C.) não porque ele ou seu livro fossem desconhecidos,
mas porque ele não se ajustava aos critérios do autor para heróis da Palestina do
passado que tivessem desempenhado um papel no estabelecimento e manutenção
das instituições judaicas.
A teologia de Daniel sobre os anjos e a ressurreição pode ser adequada ao
contexto do sexto século. Ela não fornece argumentação para uma origem no
segundo século. Nem é possível, à luz da nova evidência da Mesopotâmia, argu-
mentar que o autor tirou seu esquema dos quatro impérios mundiais de fontes
gregas e persas.
O principal argumento da Escola Crítico-Histórica para a composição de Da-
niel no segundo século está baseado nas profecias do capítulo 11. Pode-se demons-
trar, entretanto, que a informação no capítulo conflita com o que é conhecido
sobre a época de Antíoco IV. Em essência, a questão sobre a data de Daniel está
na crença do leitor com respeito a Deus e seu anseio de revelar o futuro por meio
de seus servos, os profetas.
Sem exagero, pode-se dizer que sempre que nova evidência veio à tona nos úl-
timos cem anos tendo impacto sobre o livro de Daniel, ela apoiou a data do sexto
século para a composição do livro.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Esboço da seção

1. Daniel e os rolos do Mar Morto


2. Daniel e o cânon
3. Daniel e Eclesiástico
4. Teologia de Daniel e sua data
5. Questões relacionadas à sequência dos impérios mundiais
6. O capítulo 11 e a data de Daniel
7. Apocalíptica e pseudonomia
8. Conclusões

Daniel e os rolos do Mar Morto

Nova luz foi lançada sobre a data de Daniel com a descoberta dos rolos do
Mar Morto. Entre eles encontram-se fragmentos de nada menos que oito cópias
de Daniel.331 A primeira das onze cavernas do Qumran forneceram fragmentos
de dois rolos contendo o livro de Daniel. Um deles inclui Daniel 1:10-17 e
102 2:2-6 (1QDana),332 o outro, Daniel 3:22-30 (1QDanb).333 Como observado aci-
ma, o primeiro fragmento tem a transição do hebraico para o aramaico em 2:4b
(1QDana).
Até o presente, temos que nos contentar com a publicação dos fragmentos
de Daniel das cavernas 1 e 6. Os fragmentos da caverna 6 são todos escritos em
cursiva no papiro, em contraste com os da caverna 1, que estão no estilo de escrita
normal em couro (pergaminho). Os fragmentos da caverna 6 contêm Daniel 8:16-
17 (?); 8:20-21 (?); 10:8-16; 11:33-36, 38.334
Relata-se que foram encontrados na caverna 4 fragmentos de não menos que
quatro rolos diferentes do livro de Daniel. Infelizmente, ainda não foram publi-
cados.335 No entanto, alguns foram identificados. Um dos fragmentos contém
Daniel 2:19-358 (4QDana). Outro (4QDanb) contém a transição do aramaico
para o hebraico em Daniel 7:28–8:1,336 demonstrando, como observado anterior-
mente, o padrão hebraico-aramaico-hebraico que segue o padrão antigo literário
de A:B:A.337
A partir dessas descobertas, fica evidente que o livro de Daniel foi um dos
mais populares entre os da comunidade de Qumran. Uma comparação com ou-
tros materiais bíblicos ilustra isso. Até o momento, existem 14 cópias conhecidas
de Deuteronômio, 12 de Isaías, 10 de Salmos338 e 8 de Daniel.339 A estas devem ser
acrescentados os famosos “Florilégio” (4QFlor) da caverna 4, que contêm citações

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Estudos sobre Daniel

bíblicas introduzidas pelas frases “escrito no livro de Isaías, o profeta”, “escrito no


livro de Ezequiel, o profeta”, e “escrito no livro de Daniel, o profeta”.340
No “Florilégio” não apenas encontramos a designação “Daniel, o profeta” (as-
sim como Jesus designou o autor do livro em Mateus 24:15), mas também desco-
brimos citações curtas de Daniel 12:10 e 11:32. O “Florilégio” (4QFlor) pertence
ao período pré-Novo Testamento.
A frequente aparição de rolos de Daniel (datados do segundo século a.C. e até
do período do NT) e o fato de que nenhum dos acréscimos apócrifos ao livro (Su-
sanna e os Dois Anciãos, Bel e o Dragão, Oração de Azarias e a Canção dos Três Jovens)
apareceu no Qumran indica que o livro de Daniel foi considerado canônico.341
Fatos surpreendentes vêm à tona com relação à data, afinidade textual e status
canônico do livro de Daniel à medida que esses materiais são examinados. Por
exemplo, vários fragmentos de Daniel descritos acima são considerados perten-
centes ao primeiro século a.C. Isso apresenta um problema difícil e incomum
para aqueles eruditos que defendem uma data no período de macabeus por volta
de 167-164 a.C. para a composição do livro. De fato, o famoso erudito britânico
G. R. Driver observou que o consenso padrão para datar os rolos do Qumran (do
terceiro século a.C. até cerca de 67 d.C.) forçaria uma data anterior ao período
macabeu para o livro de Daniel.342
Esse problema para a escola crítico-histórica foi intensificado pela conclusão de 103
um estudo recente que indica que o cânon do AT foi concluído no período maca-
beu e não, como afirmado com frequência, no final do primeiro século d.C.343 Ob-
serve a afirmação surpreendente do Professor Frank M. Cross Jr. da Universidade
de Harvard, uma autoridade em materiais do Qumran, responsável pela publicação
dos fragmentos da caverna 4: “Uma cópia de Daniel [4QDanc] está inscrita num
estilo do segundo século a.C.”344 Ele acrescenta: “De certa forma, sua antiguidade é
mais surpreendente do que a do mais antigo manuscrito do Qumran, uma vez que
não é mais de meio século mais nova do que a autoria de Daniel.”345 Os manuscritos
mais antigos do Qumran datam ao “última parte do terceiro século a.C.”346
Isso propõe um problema sério para a data de macabeus para o livro de Da-
niel. Consequentemente, os materiais do Qumran sobre Daniel realmente suge-
rem uma data anterior para a escrita de Daniel com base em (1) a grande quanti-
dade de cópias disponível (oito manuscritos diferentes do livro), (b) a data anterior
incomum das cópias da caverna 4, e (c) o fato de o “Florilégio” fazer citações de
Daniel de uma forma que indica seu status canônico anterior.

Resumo
A grande importância dos Rolos do Mar Morto para o livro de Daniel pode
ser observada pelas seguintes razões:

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

1. Os fragmentos publicados de três diferentes rolos de Daniel, que datam de


períodos pré-cristãos, trazem essencialmente o mesmo texto preservado pelo texto
hebraico (massorético) a partir do qual todas as nossas Bíblias são traduzidas. Po-
demos ter bastante confiança na exatidão essencial do texto preservado,347 tanto
os hebraico como o aramaico, do livro canônico de Daniel.
2. O status canônico anterior, pré-cristão do livro de Daniel parece seguro
com base no “Florilégio”, que cita Daniel como Escritura no mesmo nível que os
livros de Isaías e Ezequiel. Isso levanta questões muito sérias sobre a suposta data
do segundo século para o livro de Daniel.348
3. A sugerida data anterior para partes ainda não publicadas de um rolo da
caverna 4 (4QDanc) levanta mais perguntas sobre a data posterior do segundo
século para o livro. Uma data pré-macabeus anterior pode explicar de forma mais
adequada o estilo arcaico usado.
4. O fato de que oito rolos separados de Daniel aparecem no Qumran parece
requerer mais tempo para a cópia e distribuição do livro do que uma data do pe-
ríodo macabeu permitiria.
5. Embora o cânon hebraico tenha colocado o livro de Daniel na terceira divi-
são de “Escritos”, a comunidade do Qumran – como o faz Jesus (Mt 24:15) – fala
de Daniel como “o profeta”, o escritor do livro.
104 6. Os acréscimos apócrifos do livro de Daniel são ausentes no Qumran. Isso
aponta novamente para o status canônico de Daniel e para o fato de que esses
acréscimos escritos em grego são produções mais tardias, construídas sobre aspec-
tos do Daniel canônico.
7. A transição do hebraico ao aramaico e ao hebraico em Daniel 2:4b e 8:1
está preservada nos fragmentos do Qumran, indicando que o livro foi composto
dessa maneira.

Daniel e o cânon

Em todas as traduções antigas e modernas da Bíblia, o livro de Daniel é colo-


cado depois (raramente antes) do livro de Ezequiel, ou seja, dentro da parte profé-
tica do cânon. Uma vez que esse arranjo é representado nas versões Septuaginta,
Teodócio e Siríaca da antiguidade, geralmente se assume que essa localização teve
uma origem pré-cristã.349 Isso tem apoio no fato de que no Qumran (4QFlor),350
no NT (Mt 24:15), e por Josefo,351 Daniel é designado “profeta”.
A tradição rabínica-massorética com seu famoso cânon palestino coloca o
livro de Daniel na divisão chamada “Escritos” (Kethubim), precedida pela Lei

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Estudos sobre Daniel

e os Profetas. No pensamento judeu, a divisão em três partes do AT em “Lei,


Profetas e Escritos” parece revelar um rebaixamento de status para cada divisão
subsequente. Defensores da hipótese da data do período macabeu tiraram a
conclusão de sua localização na terceira divisão (fora de “Profetas” e antes de
Esdras e Neemias) de que (1) Daniel não foi um livro verdadeiramente profético,
e que (2) foi escrito num período tão posterior que não pôde ser incorporado
na divisão de “Profetas”.352
Esses argumentos para uma data posterior para o livro de Daniel em razão de
sua localização no cânon palestino não são convincentes. Primeiro, há a evidên-
cia (no período pré-cristão) de que Daniel foi chamado “profeta” e considerado
do mesmo nível de outros profetas (Qumran, NT, Josefo).
Segundo, a pesquisa de R. D. Wilson sobre as listas hebraicas, aramaicas e
gregas do cânon indica que elas colocam invariavelmente Daniel entre os “Pro-
fetas”. Isso demonstra que Daniel pertenceu aos “Profetas” mesmo no cânon
hebraico.353 Parece que num período pós-cristão, no segundo século d.C., o livro
de Daniel foi retirado da divisão de “Profetas” para a dos “Escritos”.354
Para ser exato, a mais antiga testemunha de que o livro de Daniel está coloca-
do na terceira divisão do cânon é a obra babilônica judaica Baba Bathra, do segun-
do século d.C. Fontes rabínicas da Palestina (tannaítica e amoraica) consideram
Daniel parte da segunda divisão do cânon, ou seja,a seção dos “Profetas”,355 como 105
todas as outras listas antigas dos livros do AT o fazem. Isso indica que o livro de
Daniel pertencia originalmente aos “Profetas” e que apenas uma opinião judaica
minoritária o atribuiu, num período pós-cristão (segundo século d.C.), à terceira
parte, onde se encontra atualmente nas Bíblias hebraicas publicadas.
Terceiro, há fortes sugestões de que o cânon dos “Escritos” já estava concluído
por volta de 160-150 a.C.356 Se é esse o caso, dificilmente Daniel se tornaria um livro
canônico, mesmo que fosse para pertencer originalmente à divisão dos “Escritos”.357
Quarto, a razão, ou o conjunto de razões, por que Daniel foi colocado num
período tardio nos “Escritos” pode ter algo a ver com:
A. A presença da língua aramaica que foi encontrada também em Esdras.358
B. O fato de não ter sido escrito na Palestina.359
C. As previsões messiânicas distintas utilizadas pelos cristãos.
D. Um temor com relação à previsão sobre os impérios mundiais e sua queda.360
E. O fato de que contém muito material histórico como os livros de Esdras
e Neemias e 1 e 2 Cônicas, diante dos quais estão atualmente.361
Na verdade, atualmente pode-se apenas conjeturar sobre as razões pelas quais
Daniel foi colocado entre os “Escritos”. De qualquer forma, um argumento para
uma data posterior do livro de Daniel com base em sua presente localização no
cânon hebraico não tem fundamento.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Daniel e Eclesiástico

Um documento chamado Eclesiástico, ou A Sabedoria de Jesus, filho de Sirac,


datado de 180 a.C. aproximadamente,362 contém uma seção com um “elogio aos
homens ilustres” (Ecles. 44-49). Nessa passagem, o autor apresenta uma lista das pes-
soas ilustres do AT, tais como Isaías, Jeremias, Ezequiel, os doze profetas menores e
Zorobabel. No entanto, Daniel não é mencionado. Devido a essa omissão, supõe-se
que Daniel era desconhecido para esse autor.363 Portanto, a conclusão a que se chega
é de que o livro de Daniel ainda não existia quando Eclesiástico foi escrito.364
Uma pesquisa dos capítulos 44-49 de Eclesiástico, que contém “o elogio aos ilus-
tres”, revela que nem todos os ilustres hebreus conhecidos do AT são mencionados.
Entre aqueles mencionados antes da época de Abraão estão simplesmente Enoque
(Ecles. 44:16) e Noé (Ecles. 44:17-18). Isso significa que Adão, Caim e Abel, além de
todos os outros incluindo Sem, Cão e Jafé não existiram? O autor menciona Neemias
(Ecles. 49:13), mas não menciona Esdras. Deve-se concluir que Esdras não existiu?
Evidentemente, a lista de hebreus ilustres não era para ser exaustiva e abrangente.
Seria de se esperar também que Jó fosse mencionado, mas não o é no texto grego
desse documento apócrifo. Entretanto, no texto siríaco, Jó aparece em Ecles. 49:9365
106
(o último é usado na NAB, mas não no apócrifo da RSV).
Dever-se-ia observar que todos os “ilustres” mencionados nessa lista de Moisés
em diante são pessoas que viveram na Palestina e “tinham a ver com o estabelecimen-
to, defesa ou renovação das leis, instituições e política dos judeus.”366 Daniel, confor-
me conhecido por seu livro, não se enquadrava nesse critério. Daí a razão para sua
omissão não ser o fato de não existir ou que o seu livro ainda não fosse conhecido.
Daniel simplesmente não se enquadrava nos critérios estabelecidos para selecionar
certos homens ilustres pelo autor de Eclesiástico.
Em suma, Eclesiástico (1) não lista de forma abrangente todo ilustre israelita; (2)
menciona apenas aqueles que se enquadravam em seu critério de louvor especial; e
(3) faz seu elogio mais longo ao sumo sacerdote pós-bíblico Simão, indicando o inte-
resse do autor em assuntos palestinos. Esse interesse pode explicar por que Daniel,
cujo livro é universal em escopo e panorama, não é mencionado. De qualquer modo,
um argumento com base no silêncio não tem peso. Admitir a inexistência do livro de
Daniel em razão do silêncio de Eclesiástico é como admitir que Oseias não escreveu
seu livro porque ele também não é mencionado em Eclesiástico.

Teologia de Daniel e sua data


Vários temas teológicos do livro de Daniel são citados como indicadores para
uma data “posterior” do livro.367 Alguns aspectos são normalmente distinguidos.

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Estudos sobre Daniel

Por exemplo, “uma data posterior [para o livro] é defendida pela angeologia um
tanto desenvolvida conforme encontrada em Daniel 8:16 e 9:21.”368
Muito poderia ser dito sobre o tema dos anjos no AT. Os anjos no AT são
transmissores de mensagens a Abraão, Moisés, Josué, Gideão, Isaías, Zacarias e
Ezequiel. No Pentateuco, anjos protegem o povo de Deus, destroem seus inimigos
e revelam a vontade divina.369
O livro de Daniel oferece um panorama mais abrangente na sua visão de seres
angélicos do que os outros livros do AT; entretanto, está mais próximo do livro
de Zacarias.370 Apenas Daniel menciona um anjo por seu nome. A função do anjo
intérprete (angelus interpres) dos capítulos 7, 8, 9, 10–12 (que é identificado como
Gabriel em 8:16; 9:21) é parecida, se não idêntica, à função dos anjos intérpretes
em Zacarias (1:9, 14, 19; 2:1-3; 4:4-6, 11-14; 5:5-11; 6:4-8). Portanto, há uma angeo-
logia no AT. A característica única de Daniel nesse tema, ou seja, nomear Gabriel,
certamente não introduz uma nova doutrina de anjos ou faz com que o livro tenha
sido escrito numa data posterior. Uma comparação de Daniel no aspecto dos an-
jos e o que está disponível do Qumran do segundo século a.C. indica que Daniel
é mais antigo que os progressos em Qumran.371
O livro de Daniel também contém uma importante crença na ressurreição
(12:1-4). Uriel Acosta, um crítico atual, considerou a referência do documento à
107
ressurreição e sua angeologia como chaves para datar o livro num período poste-
rior e atribuí-lo aos fariseus. O argumento de que a crença daniélica na ressurrei-
ção é uma marca de uma data num período pós-exílico e mesmo mais tardio que
o segundo século tem persistido.372
A ideia da ressurreição está presente em várias passagens do AT de uma
época anterior a Daniel (Jó 19:25-27; Sl 16:9-11; 73:23-28; Is 25:8; 26:19; 53:10;
Ez 37:1-14; Os 6:1-3; 13:14). Eruditos da Escola crítico-histórica argumentam
que a maioria dessas passagens não contém a ideia de ressurreição. A opinião
crítica hoje sustenta que a ideia de uma ressurreição física está presente apenas
em Isaías 26:19.373
Nossa pesquisa da passagem sobre ressurreição em Daniel 12:1-4 revela que
há ligações irrevogáveis com Isaías 26:19. Daniel 12:1-4 também tem nova ênfase
e novos fatores,374 tais como a ressurreição dos justos e dos ímpios. Uma compa-
ração do pensamento de ressurreição na literatura intertestamentária, incluindo
o Qumran, revela a enorme diferença entre motivação, propósito e significado
da ressurreição nesse tipo de literatura e em Daniel 12:1-4.375 Conceitos de as-
sunção ou ressurreição do espírito e ideias de imortalidade encontradas nessa
literatura extra-bíblica são estranhas a Daniel e ao AT. De forma clara, a crença
na ressurreição não pode mais ser um recurso para a defesa de uma data poste-
rior para o livro de Daniel.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Questões relacionadas à sequência dos impérios mundiais

O esquema dos quatro impérios mundiais


Sustentou-se de forma ampla que o esquema dos quatro impérios mundiais
(apresentado no capítulo 2 e repetido depois no capítulo 7) foi extraído do pensa-
mento grego e persa pelo autor. Há textos de origem helenística e persa respecti-
vamente datados do segundo século e aos tempos zoroastrianos que contêm uma
sequência de impérios.376 Isso significaria que o capítulo 2, se não o livro todo,
não poderia ter sido escrito antes dessa época.
No entanto, há a pergunta: alguém pode provar que o esquema dos impérios
mundiais do capítulo 2 (e, por extensão, do capítulo 7) é realmente dependente
de fontes supostamente gregas e iranianas? Existe agora nova evidência cuneifor-
me de textos de origem babilônica entre as famosas “profecias acadianas”377 que
nos permite traçar a ideia da “ascensão e queda de dinastias e impérios, incluindo
a queda da Assíria, da Babilônia e a ascensão da Pérsia, sua queda, e a ascensão
das monarquias helenísticas”378 de volta para concepções babilônicas.
Essa mais nova “Profecia Dinástica” babilônica publicada contém uma des-
crição da sequência de quatro impérios mundiais – Assíria, Babilônia, Pérsia
108 e Grécia.379 Em nosso estudo anterior dessa nova evidência, observamos várias
diferenças entre Daniel 2 e a “Profecia Dinástica”. Desejamos listá-las aqui.
(1) Um esquema de quatro impérios mundiais seguido de um reino eterno
(Daniel), versus simplesmente quatro impérios mundiais; (2) deterioração de um
império para o outro (Daniel), versus alternância de impérios “bons” e “maus”;
(3) diferentes extensões de reinados e reis no texto babilônico, mas nenhum em
Daniel 2; (4) nenhum clímax escatológico no texto babilônico, mas um tema
dominante em Daniel; e (5) em Daniel 2, uma visão-sonho apocalíptico, mas na
“Profecia Dinástica” babilônica, um tratado político.380
Essas diferenças tornam mais improvável um empréstimo direto de um pelo
outro. Mas o novo texto babilônico parece demonstrar que havia um protótipo
comum no Oriente Médio de um esquema de reinos sucessivos, dinastias ou
impérios. Isso pode estar refletido no capítulo 2, mas se desenvolve de maneira
única no livro de Daniel.
Com base nas revelações dessa nova evidência conclui-se que o capítulo 2
não é dependente de fontes gregas ou iranianas de uma época relativamente
posterior. No entanto, o capítulo 2 é parte do reflexo de um esquema antigo do
Oriente Médio de reinos sucessivos que se enquadra perfeitamente num contex-
to babilônico de uma época anterior.

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Estudos sobre Daniel

Sequência de impérios mundiais


Datar o livro de Daniel está geralmente relacionado pelos estudiosos à identi-
dade do quarto reino nos capítulos 2 e 7. O Professor K. Koch resumiu o consenso
da Escola crítico-histórica da seguinte forma: “Um resultado seguro da pesquisa
do AT hoje é que os impérios da Babilônia, Média, Persa e Macedônia [Grécia] são
intencionais.”381 J. G. Eichhorn no século 18 já havia afirmado que a Grécia era o
quarto império.382 Essa opinião por fim tornou-se o consenso da crítica atual.383
O princípio comum por trás dessa posição é o de que o horizonte ou visão do
livro de Daniel não vai além da época de Antíoco IV Epifânio. Esse princípio é
bastante questionável em diversas enumerações.
Primeiro, até cerca de 1700 d.C. a interpretação cristã estava de modo geral de
acordo em que o quarto império era romano.384 Somente com o advento dos inte-
resses filosóficos racionalistas esse ponto de vista foi abandonado. Esses interesses
criaram uma nova compreensão de Daniel baseada numa interpretação diferente
do propósito do livro.
Segundo, o próprio Jesus (Mt 24:15) demonstra que o livro de Daniel e suas pre-
visões vão além da época da Grécia. Portanto, o quarto império deve ser o romano.
Terceiro, os eruditos que defendem a interpretação do império grego en-
contram um problema histórico insolúvel: “Se a tese macabeia for admitida, a 109
sequência de impérios mundiais apresenta ao exegeta não menos, porém mais
problemas... Se o ensinamento dos quatro impérios mundiais termina no reina-
do de Alexandre [grego] como o quarto, e se começa exatamente com Nabuco-
donosor [o babilônico], então essa apresentação contradiz de forma decisiva o
curso conhecido [da história].”385
O curso da história entra em contradição se o quarto império for a Grécia,
pois os eruditos, incapazes de encontrar um segundo ou terceiro império mun-
dial, são forçados a dividir o império Medo-Persa em dois, Média e Pérsia. Esse
recurso artificial não corresponde nem à história nem ao livro de Daniel. Em
Daniel 8:20, o único império animal (o carneiro) está claramente identificado
como Medo-Persa.
Quarto, o livro de Daniel não apresenta um império da Média independen-
te entre Babilônia e Pérsia, mas apenas um império Medo-Persa.386 Daniel “8:20
afirma de forma explícita que o império Medo-Persa era unido”.387
Quinto, a sequência tradicional de Babilônia – (Medo)Pérsia – Grécia –
Roma é a sequência natural em Daniel e não cria problemas históricos no livro.
Se essa sequência bem apoiada e historicamente válida for seguida, a luta na
época de Antíoco IV não pode mais funcionar como uma chave para datar o
livro de Daniel.388

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

O capítulo 11 e a data de Daniel

O neoplatônico Porfírio baseou sua posição para uma data posterior em Daniel
11. Deve ser dito que o principal argumento até o presente, para uma data no perío-
do de macabeus, está baseado no capítulo 11. Pode ser apropriado citar J. J. Collins,
um comentarista moderno, sobre esse ponto (1981): “...o filósofo neoplatônico Por-
fírio (última parte do segundo século a.C.)... defendeu que o livro foi escrito na épo-
ca de Antíoco Epifânio. [Ele argumentou que] as profecias de Daniel sobre aconteci-
mentos até a época de Antíoco foram escritas após os fatos, e eram exatas, enquanto
as previsões além dessa época não haviam se cumprido. A validade do argumento
admitidamente anti-cristão de Porfírio é amplamente reconhecido hoje.”389
Ele prossegue: “Primeiro, há o aspecto notado por Porfírio de que além de um
certo ponto na história as previsões não estão cumpridas. Os acontecimentos de
Daniel 11:40-45, até a morte de Antíoco, são os exemplos mais significativos.”390
Evidentemente, o principal argumento é a famosa “evidência interna”, como
sugerido por S. R. Driver,391 ou seja, a precisão da “previsão” do capítulo 11, a qual
é exata demais para ter sido feita antes dos acontecimentos. Em outras palavras, “a
questão sobre se Deus dá a um profeta tal visão exata do futuro divide os eruditos
110
e decide na análise final também a data do livro de Daniel.”392 Para estudiosos que
consideram o capítulo 11 uma predição exata dos eventos que incluem (11:1-20)
e levam às batalhas de Antíoco IV com os judeus (11:21-39),393 a decisão deve ser
tomada: o que é e o que não é predição genuína?
Alguns eruditos da Escola crítico-histórica consideram como axiomático que o
“reino do sobrenatural” esteja envolvido caso Daniel esteja fornecendo uma “pre-
visão correta no sexto século do curso da história até o segundo século”.394 Mas,
insiste R. H. Pfeiffer, que escreveu em 1948, defendendo esse ponto de vista, “a
pesquisa histórica pode lidar apenas com fatos autênticos que estejam dentro da
esfera de possibilidades naturais e deve se abster de afirmar como verdadeiros even-
tos sobrenaturais.”395
A questão sobre a data do livro de Daniel é, então, na análise final, uma
questão sobre uma pressuposição filosófica: se o sobrenatural pode atuar em pes-
quisas crítico-históricas. Dado que nesse ponto de vista o capítulo 11 não pode
ser uma profecia verdadeira para o futuro, um cenário sócio-político fora do sexto
século deve ser encontrado. A crise de Antíoco Epifânio parece apresentar-se
como o contexto ideal.
Uma abordagem crítico-histórica um pouco diferente, usada mais recentemen-
te, permite o sobrenatural, mas enfatiza outro aspecto. John J. Collins declarou de
maneira vigorosa em 1981: “A questão não é se um profeta divinamente inspirado
poderia ter predito os eventos que aconteceram na época de Antíoco Epifânio

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Estudos sobre Daniel

quatrocentos anos antes de ocorrerem. A questão é se essa possibilidade carrega


a probabilidade: é a maneira mais satisfatória de explicar o que encontramos em
Daniel? Eruditos críticos modernos têm sustentado que não é.”396
Qual é a razão para esse veredicto negativo quanto à “probabilidade” da pre-
dição futura de longo alcance? Collins apresenta duas razões: (1) “... depois de
um certo ponto na história, as previsões [de Dn 11] não estão cumpridas. Os
acontecimentos de Daniel 11:40-45 até a morte de Antíoco são os exemplos mais
significativos.397 (2) O gênero apocalíptico nos escritos extra-canônicos manifesta
o fenômeno de pseudonomia. Isto significa que escritores de obras apocalípticas
regularmente atribuem a autoria a um heroi do passado – Enoque, Moisés, Es-
dras, Baruque. Esse artifício da pseudonomia foi usado pelo autor de Daniel para
conferir autoridade à sua obra.398
Atentaremos brevemente à primeira dessas duas razões pelas quais o livro de
Daniel não apresenta “qualquer probabilidade” de previsão genuína de eventos fu-
turos. Admite-se que as previsões de Daniel 11:40-45 não foram cumpridas por
Antíoco Epifânio e sua morte (até onde eu saiba, isso é universalmente admitido
por estudiosos liberais e conservadores).399 Poderia isso ser então uma indicação
de que muito mais de Daniel 11, se não o capítulo inteiro basicamente, tenha algo
em vista que não seja Antíoco Epifânio?
Novamente, observou-se de forma um tanto correta que “o abominável da 111
desolação” mencionado por Jesus Cristo (Mt 24:15) foi tirado de Daniel 11:31. O
fato de que sua atividade desoladora ainda era futura para Jesus indicaria que algo
diferente de Antíoco Epifânio estava sendo descrito.400
G. H. Wenham argumenta: “A ideia de que Deus declara seus propósitos futu-
ros a seus servos está no cerne da teologia do livro. Se, no entanto, Daniel for uma
obra do segundo século, um de seus temas centrais está desacreditado, e poder-
se-ia dizer que Daniel deve ser relegado aos apócrifos [ou pseudepígrafos] e não
possuir status canônico como parte da Escritura do AT.”401 Não há razão histórica
ou teológica para não considerar Daniel 11 como profecia genuína.
É fato na pesquisa histórica que existe uma informação esparsa e mesmo con-
flitante nas principais fontes relacionadas a Antíoco Epifânio.402 As fontes que re-
tratam os acontecimentos de Antíoco Epifânio do período de cerca de 170-164 a.C.
são limitadas principalmente a 1 e 2 Macabeus e Políbio. De fato, são tão limitadas
que estudiosos se voltam para Daniel 11 para completar a informação histórica!
Por exemplo, o estudo recente do Professor Klaus Bringmann sobre a re-
forma helenística e a perseguição religiosa na Judeia (175-163 a.C.) é forçado a
considerar Daniel 11:28-31, 1 Macabeus 1:16-59, e 2 Macabeus 5:1–6:7 como
“fontes ... de eventos históricos”403 para entender a crise trazida sobre Antíoco
Epifânio e seus partidários da Judeia. O fato de essas três “fontes” estarem em

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

desacordo em muitos detalhes lança uma sombra de dúvida na correlação de


eventos resultante.
É também interessante observar que Bringmann se empenha em uma reda-
tação significativa de eventos. A profanação do templo de Jerusalém, que durou
três anos, agora deve ser datada de 168-165 a.C. e não mais de 167-164 a.C.404 O
sumo-sacerdote Onias III foi assassinado em 170 a.C.405 Essas novas conclusões
cronológicas, além de outras, dão vazão a sérios problemas de interpretação con-
cernentes a várias partes do livro de Daniel nas quais estudiosos tem comumente
visto Antíoco Epifânio.
Em suma, a correlação da informação cronológica e os eventos que cercam
Antíoco Epifânio e Daniel 11 não é de forma alguma tranquila. As dificuldades
encontradas por essa abordagem sugerem que os eventos na Palestina no tempo de
Antíoco de fato não fornecem o verdadeiro contexto para Daniel 11.406

Apocalíptica e pseudonomia

Algumas observações estão em ordem com relação ao “gênero” apocalíptico407


e a suposta pseudonomia do livro de Daniel. É o material apocalíptico no AT pseu-
112
dônimo por natureza? Em Isaías 24-27 há uma composição que foi reconhecida por
eruditos,408 incluindo John J. Collins,409 como o “Apocalíptico de Isaías”.410 Faz parte
do livro de Isaías e não deve ser considerado anônimo ou pseudônimo. De fato, o
Professor J. G. Baldwin observou que “não há uma prova clara de pseudonomia no
Antigo Testamento e há muita evidência contra isso.”411
Não há razão para se crer que devido a partes do livro de Daniel serem apocalípti-
cas em forma e natureza, ele deva ser de uma data posterior. O Professor F. M. Cross
sugeriu que a origem da apocalíptica deve ser pesquisada como sendo tão anterior
quanto o sexto século a.C.412 Visto que ainda não há uma clara definição de apocalíp-
tico, seria totalmente impróprio assumir que, o que quer que seja apocalíptico, o livro
de Daniel deve ter uma origem posterior. Tampouco é apropriado assumir que Da-
niel deve ser identificado com obras apocalípticas extra-canônicas, e, portanto, deve
ser pseudônimo. O ônus da prova de que o livro de Daniel seja pseudônimo, porque
partes dele são apocalípticas, recai sobre aqueles que fazem essa reivindicação.

Conclusões

A hipótese para uma data no período de macabeus, tendo o segundo século


para a forma final do livro de Daniel, é a que tem mais popularidade hoje na Es-

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Estudos sobre Daniel

cola crítico-histórica. Não obstante, restam muitos problemas não solucionados.


Os principais argumentos para essa hipótese, investigados nesta e nas duas seções
anteriores com base na nova evidência, foram examinados e achados em falta.
Os supostos “erros” históricos e problemas com respeito a Nabucodonosor,
suas construções, sua insanidade, chamar Belsazar de seu filho, são solucionados
com base na nova informação. A informação disponível coloca as respectivas par-
tes de Daniel no contexto histórico da última parte do sétimo século e primeira
do sexto a.C. A ideia de Belsazar como “rei” de Babilônia corresponde aos eventos
da época conforme prova a evidência cuneiforme. Há tanta nova luz sobre Dario,
o medo, e sua co-regência com Ciro após a queda de Babilônia, que qualquer
conclusão que diga que ele não era uma pessoa real é inconcebível. A perspicaz
confirmação de Daniel como o “terceiro” em Babilônia também indica um relato
da mesma época no capítulo 5.
Também comentou-se a informação cronológica das várias datas no livro de
Daniel. Há provas indiscutíveis para a correlação do terceiro/quarto ano de Jeoa-
quim com o ataque de Nabucodonosor sobre Jerusalém em 605 a.C. As datas de
7:1; 8:1; 9:1; etc. podem ser fixadas agora com nova exatidão.
Ao longo das linhas de estudos linguísticos, fica evidente que o nome babilôni-
co “caldeu”, os nomes Sadraque, Mesaque e Abdenego refletem costumes babilôni-
cos. A questão dos termos gregos e persas não mais apresenta dificuldades para uma 113
data do sexto século. O uso do aramaico como aparece no livro torna uma data do
segundo século impossível. O hebraico do livro se enquadra no sexto século a.C. A
mudança de línguas (hebraico-aramaico-hebraico) não apresenta dificuldades.
As descobertas do Qumran esclarecem de forma significativa a hipótese para
uma data no período de macabeus. Daniel é chamado de “profeta”. Há apoio para
a mudança de línguas em dois dos oito diferentes manuscritos. Uma data posterior
torna-se impossível. Não há tempo suficiente para uma data da metade do segundo
século a.C. e a aceitação do livro como canônico.413
A teologia do livro de Daniel se enquadra perfeitamente ao contexto do sexto
século a.C. O pensamento da ressurreição, por exemplo, contrasta com a ressur-
reição, imortalidade e outras idéias relacionadas na literatura intertestamentária.
O contraste torna claro que o livro de Daniel pertence a um período anterior. O
esquema dos quatro impérios mundiais pode agora ser revisto em contraste com um
contexto babilônico. Ele não pertence ao pensamento grego ou persa. A sequência
dos quatro impérios mundiais abrange um período mais longo que o do sexto ao
segundo século a.C.
Daniel 11 não fornece o tipo de “história” que se pensava ter. O capítulo contém
profecia genuína. O problema da pseudonomia permanece um fenômeno inexplicá-
vel para aqueles que defendem a hipótese para uma data no período de macabeus.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

À luz da recente evidência arqueológica, linguística e histórica, e a evidência in-


terna do próprio livro, uma data no sexto século a.C. se enquadra melhor na escrita
do livro de Daniel em sua presente forma. Isso se apoia, é claro, na distinta forma de
estilo “I” na qual Daniel escreve quando fala de suas próprias visões em Daniel 7-12.
Sem exagero, pode-se dizer que sempre que nova evidência de descobertas feitas
nos últimos cem anos veio à tona, ela apoiou a data do sexto século a.C. para a com-
posição do livro de Daniel, em vez de uma data na última parte do segundo século.

Notas
1
H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (Nova Iorque, 1948) p. 27; A. Jeffery, “The Book of
Daniel” IB (1956), 6:359-60; G. Fohrer, Introduction to the Old Testament (Nashville, 1965),
p. 474; W. Lee Humphreys, “A Study of the Tales of Esther and Daniel”, JBL 92 (1973):
211-23, que distingue entre “contos de conflito na corte” (Dn 6) e “contos de disputa na
corte” (capítulos 4 e 5) e é seguido por J. J. Collins, “The Apocalyptic Vision of the Book
of Daniel”, HSM 16 (1977): 33; Id., Daniel, 1-2 Maccabees (Wilmington, 1981), p. 18, onde
ele os chama de “contos”; id., Daniel (Grand Rapids, 1984), p. 31, 34-36.
2
R.B.Y. Scott, “I Daniel, the Original Apocalypse”, AJSL 47 (1930-31): 290-91, chama
Daniel 1-6 de “romances históricos.” E. W. Heaton, The Book of Daniel (Londres, 1956), p.
32-47, os chama de “romances populares.”
114 3
W. Baumgartner, Das Buch Daniel (Giessen, 1926), p. 7; Fohrer, p. 474, chama Daniel
1-6 em parte de “contos da corte” e em parte de “lendas de mártir.”
4
L. Bushinski, C. S. SP., “Daniel: Midrash and Apocalyptic”, The Bible Today 21/4
(Julho de 1983), p. 228-29; L. F. Hartman e A. A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden
City, Nova Iorque, 1978), p. 54.
5
J. Steinmann, Daniel (Paris, 1950), p. 27-28, o qual se refere à série de histórias de
edificação para moral e educação religiosa. Cf. L. F. Hartman, “Daniel”, Jerome Bible Com-
mentary (Londres, 1968), 1:447-48; A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 8.
6
W. Sibley Towner, Daniel (Atlanta, 1984), p. 5.
7
M. Hengel, Judaism and Hellenism, 2a ed. (Filadélfia, 1981), 1:111.
8
Hartman, p. 448.
9
Collins, Daniel, 1-2 Maccabees, p. 19.
10
Em relação a esse gênero literário ou sociológico, veja J. G. Gammie, “The Classi-
fication, Stages of Growth, and Changing Intentions in the Book of Daniel”, JBL 95/2
(1976), p. 191-204; R. Martin-Achard, “L´apocalyptique d´apres trois travaux récents”,
RTP 103 (1970): 310-18; P. D. Hanson, “Old Testament Apocalyptic Re-examined”, Int 25
(1971): 454-79; I. Willi-Plein, “Das Geheimnis der Apokalyptik”, VT 27 (1977): 62-81; J.
Barr, “Jewish Apocalyptic in Recent Scholarly Study”, BJRL 77 (1975): 9-25; J. J. Collins,
“Apocalypse: The Morphology of a Genre”, Semeia 14 (1979): 9-49; J. Carmignac, “Qu´est-
ce que l´Apocalyptique? Son emploi a Qumrân”, RQ 37 (1979): 3-33.

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Estudos sobre Daniel
11
Collins, Daniel, p. 19-22.
12
B. K. Waltke, “The Date of the Book of Daniel”, BS 133 (1976): 320.
13
P. A. Viviano, “The Book of Daniel: Prediction or Encouragement?” The Bible Today
21/4 (Julho 1983), p. 221-26.
14
Veja o envolvimento de Spinoza e outros em H. Méchoulan, “Revélation, rationalité
et prophétiè. Quelques remarques sur le livre de Daniel”, RSPT 64 (1980): 363-71.
15
Porfírio (ca. d.C. 234-305) conforme citado pelo Jerome´s Commentary on Daniel, tr.
Gleason L. Archer, Jr. (Grand Rapids, 1977), p. 15.
16
Ibid.
17
Ibid., p. 15-16.
18
Fohrer, p. 476.
19
Veja Eva Osswald, “Zum Problem der vaticinia ex eventu”, ZAW 75 (1963): 27-44.
20
J. G. Baldwin, “Some Literary Affinities of the Book of Daniel”, Bulletin Tyndale 30
(1979): 96.
21
Ibid., p. 99.
22
Ibid.
23
J. E. Goldingay, “The Book of Daniel: Three Issues”, Themelios 2/2 (1977): 48.
24
Baldwin, “Some Literary Affinities”, p. 96.
25
Veja o estudo histórico detalhado de Daniel 7-8 e sua relação com os eventos no
reinado de Antíoco IV por Ricardo Abos-Padilla, Pladoyer für Antiochus IV. Epiphanes, 47 115
1/2 Thesen über das Buch Daniel (Bad Homburg, 1983).
26
H. Kruse, “Compositio Libri Danielis et idea Filii Hominis”, VD 37 (1959): 148.
27
Waltke, “Date”, p. 320.
28
R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, 1969), p. 1111; J. M.
Schmidt, Die jüdische Apokalyptik. Die Geschichte ihrer Erforschung von den Aufängen bis zu den
Textfunden von Qumran (Neukirchen-Vluyn, 1969), p. 35.
29
Schmidt, p. 35.
30
B. Spinoza, Tractatus Theologico-Politicus, ed. C. Gebhardt, Philosophische Bibliothek
Bd., 4a ed. (Leipzig, 1922), 93:216.
31
Anthony Collins, The Scheme of Literal Prophecy Considered in a View of Controversy,
Occasioned by a Late Book, Intitled A Discourse on the Grounds and Reasons of the Christian
Religion (Londres, 1727).
32
L. Diestel, Geschichte des Alten Testaments in der christilichen kirche (Leipzig, 1869), p. 541.
33
A. Collins, p. 151.
34
Ibid., p. 157.
35
Ibid.
36
Ibid., p. 155.
37
L. Bertholdt, Daniel aus dem Hebräisch-Aramäischen neu übersetzt und erklärt mit einer volls-
tändigen Einleitung und einigen historischen und critischen Excursen, 2 vols. (Leipzig, 1806-1808).
38
Schmidt, p. 40, n. 12.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

39
Berthodt, vol. 1, p. 49-55.
40
J. G. Eichhorn, Einleitung ins Alte Testament: Band III, 4a ed. (Leipzig, 1824), p. 515-20.
41
Harrison, p. 1111.
42
W. Baumgartner, “Ein Vierteljahrhundert Danielforschung”, TRu 9 (1939): 70.
43
A. Jepsen, “Bemerkungen zum Danielbuch”, VT 11 (1961): 386.
44
K. Koch, “Spätisraelitisches Geschichtsdenken am Beispiel des Buches Daniel”, His-
torische Zeitschrift 193 (1961): 2.
45
K. Koch, Das Buch Daniel. Unter Mitarbeit von Till Niewisch und Jürgen Tubach (Erträge
der Forschung, Bd. 144; Darmstadt, 1980), p. 8-14.
46
F. Dexinger, Das Buch Daniel und seine Probleme (Stuttgart, 1969), p. 15: “O livro de
Daniel deriva em sua presente forma do tempo dos macabeus.”
47
A. Robert e A. Feuillet, Introduction to the Old Testament (Garden City, Nova Iorque,
1970), 2:269: “Logicamente, então, todo o livro [de Daniel] em sua presente forma pode
ser atribuído a um escritor da era macabeia.”
48
R. J. Clifford, “History and Myth in Daniel 10-12”, BASOR 220 (1975): 23: “Mas o
autor de Daniel, escrevendo entre 168 e 163 a.C., ou seja, na Pérsia, está vivendo no perío-
do de crise de 11:29-35, enquanto descreve eventos futuros a ele (Daniel 11:40-12:3).”
49
Collins, Daniel, 1-2 Maccabees, p. 11-14.
50
Viviano, “Daniel”, p. 225: “Existe um consenso geral de que o livro de Daniel foi
116 escrito em resposta à perseguição dos judeus por Antíoco IV.”
51
Qualquer comentário padrão, artigo ou introdução ao Antigo Testamento pelas
escolas crítico-históricas dá evidência disso.
52
Veja novamente P. R. Davies, Daniel. Old Testament Guides (Sheffield, 1985), p. 35-39.
53
S. R. Driver, An Introduction to the Literature of the Old Testament (publicação original
1897; reimpressão, Nova Iorque, 1965), p. 497-514; Id., The Book of Daniel (Cambridge,
1900), p. 62-65.
54
S. B. Frost, “Daniel”, IDB (Nashville, 1962), 1:764-67.
55
O. Eissfeldt, The Old Testament: An Introduction (Nova Iorque, 1965), p. 527.
56
H. H. Rowley, “The Unit of the Book of Daniel”, em The Servant of the Lord and
Other Essays on the OT, 2a ed. revisada (Oxford, 1965), p. 260-80.
57
Hartman e Di Lella, p. 16, reivindicam que a edição final foi publicada em 140 a.C.
58
Veja especialmente, Collins, Daniel, p. 27-40; Towner, p. 5-7; Davies, p. 121-126.
59
Bertholdt, vol. 1, p. 49, 83.
60
M. Noth, “Zur Komposition des Buches Daniel”, ThStKr 98/99 (1926): 143-63.
61
G. Holscher, “Die Entstehung des Buches Daniel”, ThStKr 92 (1919): 113-38.
62
A. Barton, “The Composition of the Book of Daniel”, JBL 18 (1898): 62-86.
63
Gammie, “Classification, Stages of Growth”, p. 191-94; Id., “On the Intention and
Sources of Daniel I-VI”, VT 31 (1981): 282-92.
64
H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (1948) e “The Composition of the Book of Daniel”,
VT 4 (1954): 686-97.

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Estudos sobre Daniel
65
J. J. Collins, Daniel, 1-2 Macabees, p. 4.
66
Ibid., 17; Id., “Apocalyptic Genre and Mythic Allusions in Daniel”, JSOT 21 (1981):
83-100.
67
Hartman e Di Lella, p. 16-18; B. Hasslberger, Hoffnung in der Bedrängnis (St. Ottilien,
1977), p. 408-416. Cf. P. A. Porter, Metaphors and Monsters. A Literary-critical Study of Daniel
7 e 8 (Lund, 1983).
68
Também A. Mertens, Das Buch Daniel im Lichte der Texte vom Toten Meer (Stuttgart, 1971),
p. 14; J. A. Soggin, Introduction to the Old Testament, 2a ed. revisada (Filadélfia, 1980), p. 410.
69
Rowley, “The Unity of the Book of Daniel”, p. 280. Cf. Gerhard Maier, Der Prophet
Daniel (Wuppertal, 1982), p. 18.
70
Eissfeldt, p. 517.
71
H. A. C. Hävernick, Kommentar über das Buch Daniel (Hamburg, 1832); Id., Neue
Kritische Untersuchunger über das Buch Daniel (1838).
72
C. A. Auberlen, Der Prophet Danie und die Offenbarung Johannis (Basel, 1854).
73
E. B. Pusey, Daniel the Prophet (Nova Iorque, 1864).
74
T. Kliefoth, Das Buch Daniel (Leipzig, 1868).
75
R. Kranichfeld, Das Buch Daniel (1868).
76
C. F. Keil, Biblischer Commentar über den Propheten Daniel (Leipzig, 1869): Engl. Tr.
The Book of the Prophet Daniel (Edimburgo, 1891).
77
J. Knabenbauer, Commentarius in Danielem Prophetam (Paris, 1891). 117
78
E. W. Hengstenberg, Die Authentie des Daniel und die Integritat des Sacharja (Berlin, 1831).
79
D. Zündel, Kritische Untersuchung uber die Abfassungszeit des Buches Daniel (Leipzig, 1861).
80
F. Düsterwald, Die Weitreiche und das Gottesreich nach den Weissagungen des Propheten
Daniel (Freiburg, Breisgan, 1890).
81
A. C. Gaebelein, The Prophet Daniel (Nova Iorque, 1911).
82
G. C. Aalders, Het bock Daniel (1935; 4a ed.; Kampen, 1975).
83
M. A. Beck, Das Danielbuch (Leiden, 1935).
84
K. Hartenstein, Der Prophet Daniel, 4a ed. (Stuttgart, 1940).
85
W. Möller, Grundriss für Alttestamentliche Einleitung (1934; reimpressão, Berlin, 1958).
86
R. D. Wilson, Studies in the Book of Daniel (Nova Iorque, 1938).
87
C. Boutflower, In and Around the Book of Daniel (1923; reimpressão, Grand Rapids,
1963).
88
E. J. Young, The Prophecy of Daniel: A Commentary (Grand Rapids , 1949).
89
H. C. Leupold, Exposition of Daniel (Grand Rapids, 1949).
90
R. D. Culver, Daniel and the Latter Days (Chicago, 1954); Id., “Daniel”, The Wycliffe
Bible Commentary (Chicago, 1962).
91
J. F. Walvoord, Daniel. The Key to Prophetic Revelation (Chicago, 1971).
92
L. Wood, A Commentary on Daniel (Grand Rapids, 1973).
93
J. G. Baldwin, Daniel. An Introduction and Commentary (Downers Grove, IL/Londres,
1978).

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

94
G. L. Archer, Jr., “Daniel”, The Expositor´s Bible Commentary, ed. F. E. Gaebelein
(Grand Rapids, 1985), p. 4-26.
95
G. Maier, Der Prophet Daniel (Wuppertal, 1982).
96
G. L. Archer, Jr., A Survey of Old Testament Introduction (Chicago, 1964), p. 365-88.
97
Harrison, p. 1010-27.
98
H. D. Hummel, The Word Becoming Flesh: An Introduction to the Origin, Purpose, and
Meaning of the Old Testament (St. Louis, 1979), p. 549-71.
99
D. J. Wiseman, et al., Notes on Some Problems in the Book of Daniel (Londres, 1965).
100
B. K. Waltke, p. 319-29.
101
G. L. Archer, “Modern Rationalism and the Book of Daniel”, BS 137 (1979): 129-47.
102
J. McDowell, Daniel in the Critics´ Den. Historical Evidence for the Authenticity of the
Book of Daniel (San Bernardino, CA, 1979).
103
S. J. Schwantes, “La date du livre de Daniel”, em Daniel. Questions Debattues, ed. P.
Winandy (Collonges-sous-Saleve, 1980), p. 47-61.
104
W. D. Gooding, “The Literary Structure of the Book of Daniel and Its Implica-
tions”, Tyndale Bulletin 32 (1981): 43-79.
105
A. J. Ferch, “The Book of Daniel and the ‘Maccabean Thesis,’” AUSS 21 (1983):
129-38.
106
A seção sobre Nebucodonosor , Belsazar e Dario, o medo, é expandida a partir do
118 meu artigo, “The Book of Daniel: Evidences relating to Persons and Chronology”, AUSS
19 (1981): 37-49.
107
C. F. Pfeiffer, The Biblical World (Grand Rapids, 1966), p. 126.
108
Escrito no Grotefend Cylinder, KB iii, 2, p. 39, conforme citado em J. A. Montgo-
mery, “The Book of Daniel”, ICC [23] (1927), p. 243.
109
Montgomery, p. 244.
110
S. Langdon, Die neubabylonischen Königsinschriften (VAB, 3; Leipzig, 1912), p. 87.
111
B. Meissner, Babylonien und Assyrien, 2 vols. (Heidelberg, 1920, 1925), 1:299.
112
D. J. Wiseman, “Babilônia”, The International Standard Bible Encyclopedia (Grand
Rapids, 1979), 1:384-91.
113
G. A. Barton, Archeology and the Bible (Filadélfia, 1916), p. 479.
114
H. W. F. Saggs, “Babylon”, Archeology and Old Testament, ed. D. W. Thomas (Oxford,
1967), p. 42.
115
R. H. Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (Nova Iorque, 1948), p. 758-59.
116
Ibid., 758. Cf. O. Kaiser, Einleitung in das Alte Testament (Gütersloh, 1969), p. 240.
117
J. T. Milik, “‘Prière de Nabonide’ et autres écrits d’um cycle de Daniel. Fragments
araméens de Qumran 4”, RB 63 (1965): 407-415. Foram feitas traduções em francês por J.
Carmignac em Les textes de Qmran traduits et annotes II (Paris, 1963), p. 289-94; em alemão
por W. Dommershausen, Nabonid im Buche Daniel (Mainz, 1964), p. 70 e A. Mertens, Das
Buch Daniel im Lichte der Texte vom Toten Meer (Stuttgart, 1971), p. 34-42; em inglês por G.
Vermes, The Dead Sea Scrolls em Inglês (Baltimore, 1962), p. 229-30 e B. Jongeling, C. J. La-

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Estudos sobre Daniel

buschagne e A. S. van der Woude, ATQ (Leiden, 1976), p. 126-31. As restaurações diferem
significativamente e deve-se ter cuidado na leitura das várias traduções.
118
ATQ, p. 127. Itálico indica texto restaurado.
119
Ibid.
120
Traduzido assim pela maioria dos acadêmicos.
121
ATQ, p. 129.
122
Adaptado de ATQ, p. 127-29.
123
Milik, p. 411; W. H. Brownlee, The Meaning of the Scrolls for the Bible (Londres,
1964), p. 37; R. Meyer, Das Gebet des Nabonid (Berlim, 1962); Dexinger, Das Buch Daniel
und seine Probleme, p. 20; etc.
124
ATQ, p. 123.
125
ANET, Supp, p. 560-63.
126
Hartman e Di Lella, p. 179.
127
ATQ, p. 127.
128
Dommershausen, p. 71.
129
Brownlee, p. 37; cf. Hartman e Di Lella, p. 179.
130
Veja a explicação útil em Harison, p. 1115-17.
131
Vermes, p. 229.
132
D. N. Freedman, “The Prayer of Nabonidus”, BASOR 145 (1957), p. 31; também
Hartman e Di Lella, p. 179. 119
133
D. J. Wiseman, “Nebuchadnezzar”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, ed.
M. C. Tenny (Grand Rapids, 1977), 4:398.
134
Harrison, p. 1117-20.
135
F. M. Cross, Jr., The Ancient Library of Qumran, 2a ed. (Nova Iorque, 1961), p. 167.
136
A. K. Grayson, Babylonian Historical-Literary Texts (Toronto/Buffalo, 1975), p. 87-92.
137
Ibid., p. 89.
138
Ibid.
139
Ibid., p. 89, linhas 11-14.
140
Deve-se dar atenção à história da possessão de Nabucodonosor por Abydenus (se-
gundo século a.C.) conforme preservado em Eusébio, Praep. Evang. ix. 41.
141
W. H. Shea, “Daniel 3: Extra-biblical Texts and the Convocation on the Plain of
Dura”, AUSS 20 (1982): 30.
142
D. J. Wiseman, Chronicles of the Chaldean Kings (626-556 a.C.) no Museu Britânico
(Londres, 1956).
143
Shea, “Daniel 3”, p. 29-52.
144
ANET, p. 307-8.
145
Shea, “Daniel 3”, p. 50.
146
Archer, “Daniel”, p. 51, também fala de um “juramento de lealdade” em Daniel 3,
mas não correlaciona isso com a revolta. Ele vê isso como um evento anterior em conexão
com o estabelecimento do império babilônico como sucessor da Assíria.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

147
H. H. Rowley, “The Historicity of the Fifth Chapter of Daniel”, JTS 32 (1930): 32.
148
As datas são fornecidas por R. H. Sack, Amel-Marduk, 562-560 a.C. (AOATS, 4;
Neukirchen-Vluyn, 1972), p. 2.
149
Nabonido não estava na cidade de Babilônia quando ela caiu. Ele escapou quando
a cidade foi tomada por Borsippa, mas entrou novamente na cidade e foi tomado prisio-
neiro. Supõe-se ter morrido na Carmenia,. Veja D. J. Wiseman, “Nabonidus”, Zondervan
Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids, 1977), 4:352.
150
A evidência cuneiforme é convenientemente coletada por R. P. Dougherty, Naboni-
dus and Belshazzar, Séries Orientais Yale, 15 (New Haven, CN, 1929).
151
Para o texto completo, veja A. L. Oppenheim em ANET2 , p. 312-15.
152
ANET2, p. 313b.
153
T. G. Pinches, Proceedings of the Society of Biblical Archeology 38 (1916): 30.
154
Dougherty, p. 93-95; A. T. Clay, Miscellaneous Inscriptions in the Yale Babylonian
Collection (New Haven, CN, 1915), p. 55-56; A. R. Millard, “Daniel 1-6 and History”, EvQ
49 (1979): 71.
155
Dougherty, p. 94-95.
156
Millard, p. 71-72.
157
W. H. Shea, “Nabonidus, Belshazzar, and the Book of Daniel: An Update”, AUSS
20 (1982): 133-49, em especial a página 136, sugere que Judá forneceu “um ambiente no
120 qual, ao contrário do reino onde eles estavam exilados, a co-regência era praticada... Da-
niel avaliou essa situação com base no que lhe era familiar da política econômica de Judá.”
Sugerimos que os métodos de se calcular as datas em Babilônia e Judá eram diferentes e
que a co-regência existiu em ambas as áreas. Entretanto, Daniel usou em 7:1 e 8:1 o méto-
do de datação existente em Judá.
158
Beek, p. 44, 51; S. Smith, Babylonian Historical Texts Relating to the Capture and Do-
wnfall of Babylon (1924; Hildesheim, 1975), p. 106-7; M. J. Gruenthaner, “The Last King
of Babylon”, CBQ 11 (1949): 406-427, esp. 416; Meissner, vol. 1, p. 78; Dougherty, p. 198;
Maier, p. 37.
159
Young, p. 117 (grifo do autor).
160
Veja também Archer, “Daniel”, p. 15-16.
161
D. J. Wiseman, “Belshazzar”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand
Rapids, 1975), 1:151.
162
D. Weisberg em P. Garelli, ed., Le palais et la royauté. Compte rendu de la XIXe rencon-
tre assyriologique internacionale (Paris, 1974), p. 447-54.
163
Millard, p. 72; Archer, “Daniel”, p. 16; cf. Maier, p. 204-10.
164
H. H. Rowley, Darius the Mede and the Four World Empires in the Book of Daniel: A
Historical Study of Contemporary Theories (Cardiff, 1935; reimpressão, 1964), p. 9.
165
Veja, por exemplo, Collins, Daniel, p. 69: “Nenhuma figura como Dario, o medo,
é conhecida na história.”
166
Ibid., p. 30-31.

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Estudos sobre Daniel
167
Ibid., p. 31.
168
Jerome´s Commentary on Daniel, p. 55.
169
B. Alfrink, “Der letzte König von Babylon”, Bib 9 (1928): 187-205.
170
Rowley, Darius the Mede, p. 33-36.
171
Koch, Das Buch Daniel, p. 191-92.
172
Josefo, Ant. x. xi. 4.
173
Rowley, Darius the Mede, p. 37, menciona Lowth, Hengstenberg, Rosenmuller,
Hävernick, Kranichfeld, Kliefoth, Keil, Zöckler, Knabenbauer e outros.
174
Xenofon Cyropaedia, 1.5.2; 1.3.1; 1.4.1; 1.5.5; 8.5.17; 8.5.19.
175
Koch, Das Buch Daniel, 192; Rowley, Darius the Mede, p. 37-43.
176
Proposto primeiramente por H. Winckler, “Die Zeit der Herstellung Judas”, Al-
torientalische Forschungen 2 (1899): 217; P. Riessier, Das Buch Daniel (Wien, 1902), p. xiv;
Boutflower, p. 142-55, conferiu-lhe expressão formada.
177
Cf. C. P. Tiele, Babylonisch-Assyrische Geschichte (Gotha, 1888), p. 476-77.
178
W. H. Shea, “Darius the Mede: An Update”, AUSS 20 (1982): 233.
179
Ibid.
180
D. J. Wiseman em CT 2/4 (25 de Novembro de 1957): 7-10.
181
D. J. Wiseman, “Some Historical Problems in the Book of Daniel”, Notes on Some
Problems in the Book of Daniel (Londres, 1965), p. 9-16;
182
J. M. Bulman, “The Identification of Darius the Mede”, WTJ 35 (1973): 247-67. 121
183
Baldwin, Daniel, p. 26-28.
184
Millard, p. 73.
185
G. Wenham, “Daniel: The Basic Issues”, Themelios 2/2 (1977): 50.
186
Baldwin, Daniel, 26-27.
187
Também Maier, Der Prophet Daniel, p. 38.
188
Shea, “Darius the Mede”, p. 232-33.
189
E. Babelon, “Nouvelles remarques sur l´histoire de Cyrus”, Annales de philosophie
chrétienne 4 (1881): 674-83.
190
Rowley, Darius the Mede, p. 19, menciona F. Delitzsch, G. Pinches, J. D. Wilson, R.
D. Wilson, Thilo, Möller e outros.
191
W. F. Albright, “The Date and Personality of the Chronicler”, JBL 40 (1921):
104-124.
192
J. C. Whitcome, Darius the Mede, 2a ed. (Filadélfia, 1963).
193
Archer, “Daniel”, p. 18.
194
Shea, “Darius the Mede”, p. 234.
195
J. C. Whitcomb, “Darius the Mede”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible
(Grand Rapids, 1977), 2:29.
196
Harrison, p. 1121-22; Waltke, p. 327; Archer, “Daniel”, p. 18 e outros.
197
Shea, “Darius the Mede”, p. 234.
198
O nome é soletrado em cuneiforme tanto como Gu/qu/Ku8 = Gubaru, linha 20 ou

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

Ug/ug/uk = Ugbaru, linha 22 da Crônica de Nabonido, em Smith, Babylonian Historical


Texts, p. 121.
199
Shea, “Darius the Mede”, p. 235-47.
200
W. H. Shea, “An Unrecognized Vassal King of Babylon in the Early Achaememid
Period IV”, AUSS 10 (1972): 176.
201
R. K. Harrison, “The Book of Daniel”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible
(Grand Rapids, 1977), 2:17.
202
A famosa Crônica de Nabonido menciona esse fato histórico; veja ANET2, p. 306.
203
Shea, “Darius the Mede”, p. 243.
204
Ibid., p. 247.
205
Baldwin, Daniel, p. 28.
206
Contra Dexinger, p. 16; Pfeiffer, p. 757; Rowley, Darius the Mede, p. 54-56.
207
Montgomery, p. 256, sugeriu uma ligação entre o aramaico taltî em Daniel 5:7,
taltā’ nos versículos 16, 29 e o acadiano šalšu “oficial” no sentido de “terceiro” (oficial) de
um “triunvirato”. Lacocque, p. 90, traduz “será no governo triunvirato do reino.” Várias
objeções incisivas têm apontado contra essa sugestão. O “šalšu -oficial” foi ligado ao rei ou
príncipe da coroa, mas não para governar como “terceiro” no reino. A mudança fonética
de t em aramaico para š em acadiano não acontece normalmente. Shea, “Nabonidus, Bel-
shazzar and the Book of Daniel”, p. 138-39.
122 208
Heródoto, Histories, 1:185-88. Nenhum nome é encontrado para a rainha nas fon-
tes cuneiformes. Cf. Shea, “Nabonidus, Belshazzar and the Book of Daniel”, p. 137-38;
Millard, p. 72; Gruenthaner, p. 424;Harrison, p. 1120; Dougherty, p. 193-94.
209
Maier, p. 48.
210
S. R. Driver, The Book of Daniel, p. 49; Montgomery, p. 72; Pfeiffer, p. 756 entre outros.
211
Hartman e Di Lella, p. 128-29.
212
Lacocque, p. 24.
213
Ibid.
214
E. R. Thiele, The Chronology of the Hebrew Kings (Grand Rapids, 1977), p. 79; cf. Id.,
The Mysterious Numbers of the Hebrew Kings, 3a ed. (Grand Rapids, 1983), p. 43-44.
215
D. J. Wiseman, Chronicles of Chaldean Kings (626-556 a.C.) no Museu Britânico
(Londres, 1956), p. 25, 46-47, 65-69.
216
Wiseman, “Some Historical Problems in the Book of Daniel”, p. 17.
217
Hartman, “Daniel”, 1: 449.
218
Thiele, Chronology, p. 68, n. 3; Mysterious Numbers, p. 183, sugere que Daniel empre-
gou anos Tishri (calendário de outono), enquanto Jeremias usou anos Nisan (calendário de
primavera): “De acordo com Daniel 1:1, o ataque de Nabucodonosor a Jerusalém ocorreu
no terceiro ano de Jeoaquim , mas de acordo com Jeremias 25:1 e 46:2 isso aconteceu
no quarto ano de Jeoaquim.” Entretanto, Jeremias 46:2 não fala de um assalto contra
Jerusalém. É também possível que ambos Daniel e Jeremias tenham empregado o mesmo
calendário para o cálculo (cf. S. H. Horn em AUSS 5 [1967]: 12-27).

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Estudos sobre Daniel
219
Hartman, p. 449; Collins, Daniel, p. 45.
220
Leupold, p. 50.
221
Contra a opinião anterior divulgada por Rawlinson, Meyer, Winckler, Rogers,
Montgomery e outros.
222
C. J. Gadd, “The Harran Inscriptions of Nabonidus”, Anatolian Studies 8 (1958): 6,
61; ANET, Supp., p. 560-63.
223
Veja o estudo detalhado de G. F. Hasel, “The First and Third Years of Belshazzar
(7:1; 8:1)”, AUSS 15 (1977): 153-68.
224
Essa seção contém material de G. F. Hassel, “The Book of Daniel and Matters of
Language: Evidences Relating to Names, Words, and the Aramaic Language”, AUSS 19
(1981): 211-26.
225
N. Porteous, Daniel: A Commentary (Londres, 1965), p. 25-26.
226
Heródoto, Histories 1:181-83.
227
E. Yamauchi, “The Archaeological Background of Daniel”, BS 137 (1980): 5-6; A.
R. Millard, “Daniel 1-6 and History”, EvQ 49 (1979): 69-71; J. G. Baldwin, “Some Literary
Affinities of the Book of Daniel”, Tyndale Bulletin 30 (1979): 29; J. McDowell, Daniel in
the Critics’ Den. Historical Evidence for the Authenticity of the Book of Daniel (San Bernardi-
no, CA, 1979), p. 55-59; R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids,
1969), p. 1113; Gerhard Maier, Der Prophet Daniel (Wuppertal, 1982), p. 40-41.
228
Baldwin, p. 29. 123
229
R. D. Wilson conforme citado por G. L. Archer, A Survey of Old Testament Introduc-
tion, 2a ed. (Chicago, 1973), p. 382. “A semelhança entre esse Gal-du ou Kaldu e o termo
étnico Kaldu como uma forma de Kasdu seria puramente acidental.” (Archer, A Survey, p.
370; cf. G. C. Aalders, “The Book of Daniel”, EvQ 2 [1930]: 244). A mudança do s sibilan-
te, š e s, com frequência mudado para l antes de dentais (Ver W. von Soden, Grundriss der
akkadischen Grammatik [Berlim, 1952] explica a mudança de consoantes kal/sdu.
230
P. R. Berger, “Der Hyros-Zylinder mit dem Zusatzfragment BIN 2 Nr. 32 und die
akkadischen Personennamen im Danielbuch”, ZA 64 (1975): 224, que traduz o nome para
o alemão como “ich bin sehr in Furcht versetzt.”
231
Ibid., p. 225: “ich bin gering geachtet” da tradução alemã de Berger.
232
Ibid.
233
Ibid., p. 226.
234
Millard, p. 72.
235
Veja E. J. Young, The Prophecy of Daniel: A Commentary (Grand Rapids, 1949), p.
43.
236
Berger, p. 234.
237
H. H. Rowley, The Aramaic of the Old Testament (London, 1929), p. 139.
238
K. A. Kitchen, “The Aramaic of Daniel”, Notes on Some Problems in the Book of Da-
niel, ed. D. J. Wiseman, et al. (London, 1965), p. 36.
239
R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, 1969), p. 1125.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

240
S. R. Driver, Na Introduction to the Literature of the Old Testament, (org. publ. 1897;
reim Ed., Nova Iorque, 1965), p. 508.
241
J. A. Montgomery, “The Book of Daniel”, ICC [23] (1927), p. 22.
242
W. F. Albright, From Stone Age to Christianity, 2a ed. (Nova Iorque, 1957), p. 337.
243
E. Yamauchi, Greece and Babylon (Grand Rapids, 1967), p. 94; Id., “Daniel and Con-
tacts between the Aegean and the Near East Before Alexander” EvQ 53 (1981): 37-47.
244
L. F. Hartman e A. A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 13.
245
P. W. Coxon, “Greek Loan-Words and Alleged Greek Loan Translations in the
Book of Daniel”, Glasgow University Oriental Society Transactions 25 (1976): 24.
246
Ibid., p. 31.
247
A. Sendry, Music in Ancient Israel (Nova Iorque, 1969), p. 297; cf. Coxon, “Greek
Loan-Words”, p. 31-32.
248
Yamauchi, “Archaeological Background of Daniel”, p. 12.
249
Coxon, “Greek Loan-Words”, p. 32-36.
250
Ibid, p. 36.
251
Yamauchi, “Archaeological Background of Daniel”, p. 13.
252
T. C. Michell e R. Joyce, “ The Musical Instruments in Nebuchadnezzar’s Orches-
tra”, Notes on Some Problems in the Book of Daniel, ed. D. J. Wiseman, et al. (Londres, 1965),
p. 27. Esses autores chegaram a essa conclusão independentemente do trabalho de outros
124 pesquisadores.
253
Hartman e Di Lella, p. 13.
254
Yamauchi, “Daniel and Contacts between the Aegean and the Near East”, p. 47.
255
Veja R. Degen, Altarmäische Grammatik (Wiesbaden, 1969), p. 103. S. Segert, Al-
tarmäische Grammatik (Leipzig, 1957), p. 36-39, prefere designar “Aramaico Antigo” como
“Fruharamäisch” (Aramaico Tardio) e estende a sua época à metade do sétimo século a.C.
256
Então, E. Y. Kutscher, “Aramaico”, EncJud (Jerusalém, 1971): 2:260. Uma descrição
de sua natureza é fornecida por S. A. Kaufman, The Akkadian Influences on Aramaic, Assyrio-
logical Studies, 19 (Chicago, 1974): 155-60.
257
Kutscher, “Aramaic”, EncJud, 2:260.
258
S. R. Driver, An Introduction to the Literature of the old Testament, p. 502-4.
259
Ibid., p. 508 (ênfase do autor).
260
C. C. Torrey, “Notes on the Aramaic Part of Daniel”, Transactions of the Connecticut
Academy of Arts and Sciences 15 (1909): 239-82; Id., “Stray Notes on the Aramaic of Daniel
and Ezra”, JAOS 43 (1923-): 229-38.
261
R. D. Wilson, “The Aramaic of Daniel”, Biblical and Theological Studies (Prince-
ton, NJ, 1912), p. 261-306; W. St. Clair Tisdall, “The Book of Daniel, Some linguistic
Evidence Regarding Its Date”, Journal of the Transactions of the Victoria Institute… of Great
Britain 23 (1921): 206-245; Charles Boutflower, In and Around the Book of Daniel (Lon-
dres, 1923), p. 226, 267.
262
G. R. Driver, “The Aramaic of the Book of Daniel” JBL 45 (1926): 110-19, 323-325;

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Estudos sobre Daniel

W. Baumgartner, “Das Aramäische im Buche Daniel”, ZAW 45 (1927): 81-133; Montgo-


merry, p. 15-20; R. H. Charles, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel
(Oxford, 1929), p. 76-107.
263
Veja The Aramaic of the Old Testament de Rowley.
264
H. H. Schaeder, Iranische Beiträge I (Halle/Saale, 1930), p. 199-296.
265
J. Linder, “Das Aramäische im Buche Daniel”, ZKT 59 (1935): 503-545, argumenta
com base no material fornecido por Schaeder. Linder conclui que a data do terceiro ao
segundo século para Daniel não pode mais ser mantida. Portanto, não há base linguística
contra uma data anterior para Daniel.
266
F. Rosenthal, Die Aramäische Forschung, reimpresso, (Leiden, 1964, 60-71, esp. p. 70.
267
Um resumo apropriado dos textos aramaicos conhecidos (1970) até o terceiro sécu-
lo a.C. é fornecido por J. Naveh, The Development of the Aramaic Script, Proceedings of the
Israeli Academy of Sciences and Humanities, vol. 5 (Jerusalém, 1970).
268
Kitchen, p. 31-79, esp. 75.
269
Ibid., p. 79.
270
H. H. Rowley, Revisão de D. J. Wiseman, et al., “Notes on Some problems in the
Book of Daniel” JSS 11 (1966): 112-116.
271
E. Y. Kutscher, “Aramaico”, Current Trands in Linguistics 6, ed. T. A. Seboek (The
Hague, 1970): 400-403.
272
E. Y. Kutscher, “HaAramait HaMigrait-Aramit Mizrahit hi o Marravit?” First World 125
Congress of Jewish Studies 1 (Jerusalém, 1952): 123-27.
273
M. Sokoloff, The Targum of Job From Qumran Cave XI (Ramat Gan, 1974), p. 9, n.
1; G. Wenham, “Daniel: The Basic Issues”, Themelios 2/2 (1977): 50, Millard, p. 67-68;
Baldwin, p. 34.
274
J. J. Koopmans, Aramäishe Chrestomatie I (Leiden, 1962), p. 154; F. Rosenthal, A
Grammar of Biblical Aramaic, 2a ed. (Wiesbaden, 1963), p. 6, declara: “O aramaico da Bí-
blia preservou o caráter do Aramaico Oficial.” Cf. R. J. Williams, “Energic Verbal Forms
in Hebrew”, Studies in the Ancient World, eds. J. W. Wevers e D. B. Redford (Toronto, 1972),
p. 78: “O aramaico do AT é basicamente idêntico ao aramaico imperial”. Veja também J.
A. Fitzmyer, The Gênesis Apocryphon: A Commentary, 2a ed. (Roma, 1971), p. 20, n. 56, 60.
Fitzmyer, no entanto, sugere que o aramaico oficial continuou no segundo século a.C.
275
N. Avigad e Y. Tadin, eds., A Gênesis Apocryphon: A Scroll From the Wilderness of
Judaea (Jerusalém, 1956).
276
Ibid., 21. Também E. Y. Kutscher, “Dating the Language of the Genesis Apo-
cryphon”, JBL 76 (1957): 288-92; B. Jongeling, C. J. Labuschagne, e A. S. van der Woude,
Aramaic Texts From Qumran I (Leiden, 1976), p. 5-6, 78-79; E. Y. Kutscher, “The Language
of the Genesis Apocryphon,’” Aspects of the Dead Sea Scrolls, Scr. Hier. 4; 2a ed. (Jerusalém,
1965), p. 1-35.
277
P. Winter, “Das aramäische Genesis-Apokryphon”, TLZ 4 (1957): 258-62.
278
Kutscher, “Language of the ‘Genesis Apokryphon’”, p. 1-35.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

279
G. L. Archer, Jr., “The Aramaic of the ‘Genesis Apocryphon’ Compared with the
Aramaic of Daniel”, New Perspectives on the Old Testament, ed. J. B. Payne (Waco, TX, 1970),
p. 160-69.
280
Ibid., p. 169.
281
G. L. Archer “Aramaic Language”, Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, ed.
M. C. Tenney (Grand Rapids, 1975), 1:255.
282
J. P. M van der Ploeg e A. S. van der Woude, eds., Le Targum de Job de la grotte XI de
Qumran (Leiden, 1971).
283
E.g., T. Muraoka, “The Aramaic of the Old Targum of Job From Qumran Cave
XI”, JJS 25 (1974): 442; S. A. Kaufman, “The Job Targum From Qumran”, JAOS 93 (1973):
327; Jongeling, 5; and Vasholz, “A Philological Comparison of Qumran Job Targum and
its Implications for the Dating of Daniel” (Tese doutoral, Universidade de Stellenbosch,
1976), p. 318-20.
284
Van der Ploeg e van der Woude, p. 4.
285
Kaufman, p. 327.
286
Ibid.
287
Ibid., p. 317.
288
Kitchen, p. 32.
289
Jongeling, et al., p. 6; Sokoloff, p. 25.
126 290
Muraoka, p. 442; Vasholz, p. 319.
291
Pode-se esperar que a publicação recente de fragmentos em aramaico dos livros de
Enoque lançará mais luz sobre o desenvolvimento do aramaico pós-bíblico, veja J. T. Milik,
The Books of Enoch: Aramaic Fragments of Qumran Cave 4 (Oxford, 1976); J. A. Fitzmyer,
“Implications of the New Enoch Literature From Qumran”, TS 83 (1977): 332-45.
292
Rowley, The Aramaic of the Old Testament, p. 11.
293
R. I. Vasholz.
294
Vasholz, “Qumran and the Dating of Daniel”, p. 320.
295
T. Muraoka, “Notes on the Syntax of Biblical Aramaic”, JSS 11 (1966): 151-67.
296
Ibid., p. 152-55.
297
P. W. Coxon, “The Syntax of the Aramaic of Daniel: A Dialectical Study”, HUCA
48 (1977): 107-122.
298
Ibid., p. 109.
299
Ibid., p. 112.
300
Ibid., p. 112-14.
301
Ibid., p. 115-16.
302
Ibid., p. 116-18.
303
Ibid., p. 119.
304
Veja a referência 256 acima, onde o estudo de Kaufman aparentemente desco-
nhecido para Coxon, é citado. E. Y. Kutscher, “Aramaic” Current Trends in Linguistics 6
(1970): 400 (veja também a referência 272 acima), sugeriu que a ordem de palavras do

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Estudos sobre Daniel

aramaico bíblico é do tipo oriental. Essa conclusão é apoiada por Coxon, que conclui que
tal mudança fundamental na estrutura da sentença “certamente apontaria para uma data
anterior ao segundo século a.C.” (Veja “Syntax”, p. 121-22; e “A Philological Note on Dan
5:3f.”, ZAW 89 [1977]: 275-76).
P. W. Coxon “The Problem of Consonantal Mutations in Biblical Aramaic”,
305

ZDMG 129 (1979): 22.


306
Archer. “Daniel”, p. 23.
307
K. Koch, Das Buch Daniel, Unter Mitarbeit von Till Niewisch und Jurgen Tubach (Erträge
der Forschung, Bd. 144; Darmstadt, 1980), p. 45-46. De forma semelhante, Soggin, p. 409
observa “Passagens inteiras estão escritas no aramaico imperial, enquanto pela lógica espe-
raríamos aramaico tardio [para uma data do segundo século]”.
308
Koch, Das Buch Daniel, p. 46.
309
P. R. Davies, Daniel (Sheffield, 1985), p.37, também afirma: “o aramaico imperial
foi basicamente um dialeto oriental, e é agora conhecido como o dialeto do aramaico bíbli-
co não apenas de Daniel, mas também de outros tipos de aramaico bíblico em Esdras,...”
310
Archer, “Daniel”, p. 24.
311
S. R. Driver, An Introduction to the Literature of the Old Testament, p.473.
312
Ibid., p. 476.
313
Montgomery, p. 15. 127
314
Davies, p. 38.
315
Koch, Das Buch Daniel, p. 48.
316
T. K. Cheyne conforme citado por J. Wilson, Did Daniel Write Daniel? (Nova Iorque,
n.d.), p. 63.
317
W. J. Martin, “The Hebrew of Daniel”, Notes on Some Problems in the Book of Daniel,
ed. D. J. Wiseman, et al. (Londres, 1965), p. 30.
318
Archer, A Survey, p. 391; e recentemente Id. “Daniel”, p. 23-24.
319
Archer, A Survey, p. 378. Veja principalmente “The Hebrew of Daniel Compared
with the Qumran Sectarian Documents”, de Archer The Law and the Prophets, ed. J. Skilton
(Nutley, NJ, 1974), p. 470-86.
320
J. G. Baldwin, Daniel. An Introduction and Commentary (Downers Grove, IL/Londres,
1978), p. 31.
321
Ibid., p. 59.
322
Koch, Das Buch Daniel, p. 34.
323
F. Zimmermann, “The Aramaic Origin of Daniel 8-12”, JBL 57 (1938): 258-72; Id.,
“Some Verses of Daniel in the Light of a Translation Hypothesis”, JBL 58 (1939): 349-54;
Id., “Hebrew Translation in Daniel”, JQR 51 (1960-61): 198-208; Id., Biblical Books Transla-
ted from the Aramaic (Nova Iorque, 1975).
324
H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (Nova Iorque, 1948), p. 41-61.
325
Hartman e Di Lella, p. 73.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

326
Publicado por J. C. Trever “Completion of the Publication of Some Fragments
form Cave 1”, RevQ 19 (1965): 323-36.
327
F. M. Cross, Jr., “Editing the Manuscript Fragments From Qumran (4Q)”, BA 19
(1956): 86.
328
1QDana é do período herodiano, por volta de 60 d.C., de acordo com Trever, p.
323-36; 4QDanb é datado de cerca de 20-50 d.C. por Cross, p. 86.
329
O Plöger, Das Buch Danie (Gutersloh, 1965), p. 26-27.
330
R. Smend, Die Entstehung des Alten Testaments (Göttingen, 1978), p. 222; cf. J. A.
Soggin, Introduction to the Old Testament, 2a rev. ed. (Filadélfia, 1980), p. 410: “A mudança
da língua do hebraico ao aramaico ainda não foi explicada de forma adequada.”
33
Esse número é fornecido por J. A. Sanders, “The Dead Sea Scrolls – A Quarter
Century of Study”, BA 36 (1973):136.
332
Publicado por D. Barthelémy e J. T. Meek, Discoveries in the Judean Desert I, Qumran
Cave 1 (Oxford, 1955), p. 150-51.
333
Ibid., p. 151-52; veja também J. C. Trever, “Completion of the Publication of Some
Fragments From Cave 1”, RevQ 19 (1965): 323-44.
334
Publicado por M. Baillet, J. T. Milik, e R. de Vaux, Discoveries in the Judean Desert
III: Textes (Oxford, 1962), p. 114-16.
128 335
Veja J. A. Fitzmyer, SJ, The Dead Sea Scrolls: Major Publications and Tools for Study, 2a
ed. (Missoula, MT, 1977), p. 20.
336
F. F. Bruce, “The Book of Daniel and the Qumran Community”, Neotestamentica
et Semitica. Studies in honor of M. Black, eds. E. E. Ellis e M. Wilcox (Edinburgh, 1969),
p. 222.
337
R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids, 1969), p. 1107, afir-
mou que em 1956 “dois manuscritos do texto hebraico foram recuperados do 11Q… para
suplementar porções da obra encontrada em outras cavernas do Qumran...” O presente
escritor não descobriu na literatura nada que fosse confirmar os manuscritos 11Q.
338
O número de cópias preservadas na Caverna 4.
339
Veja o n. 331 acima.
340
Publicado por J. M. Allegro e A. A. Anderson. Discoveries in the Judean Desert of
Jordan V (Oxford, 1968), p. 53-57.
341
F. F. Bruce, Second Thoughts on the Dead Sea Scrolls, 2a ed. (Grand Rapids, 1964), p.
57; Harrison, p. 1107.
342
G. R. Driver, The Hebrew Scrolls (oxford, 1951), p. 9, n. 5.
343
S. Z. Leiman, The Canonization of the Hebrew Scriptures (Hamden, CN, 1976).
344
F. M. Cross, Jr., The Ancient Library of Qumran, rev. ed. (Garden City, NY, 1961), p. 43.
345
Ibid. Em seu ensaio, “The Development of the Jewish Scripts”, The Bible and the
Ancient Near East, ed. E. E. Wright (Londres, 1961), p. 140, ele redatou 4QDanc para 100-
50 a.C.; Baldwin, p. 45.

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Estudos sobre Daniel
346
F. M. Cross, Jr., “The Oldest Manuscripts From Qumran”, JBL 74 (1955): 164.
347
Veja de 1QDana a 1QDanb, SDA Bible Commentary 4:744. Os outros fragmentos de
6QDan foram estudados pelo autor deste capítulo.
348
Gordon J. Wenham, “Daniel: The Basic Issues”, Themelios 2/2 (1977): 51.
349
K. Koch, Das Buch Daniel. Unter Mitarbeit von Till Niewisch und Jurgen Tubach (Erträ-
ge der Forschung, Bd. 144; Darmstadt, 1980), p. 28.
350
Veja A. Mertens, Das Buch Daniel im Lichte der Texte vom Toten Meer (Stuttgart,
1971), p. 28.
351
Josephus, Ant., x. x. 1-6; x. xi. 7.
352
Resumido por Koch, Das Buch Daniel, p.28; cf. S. R. Driver, An Introduction to
the Literature of the Old Testament (publicação original em 1897; Edição re-impressa, Nova
Iorque, 1965), p. 467; A. A. Bevan, A Short Commentary on the Book of Daniel (Cambridge,
1892), p. 11; C. H. Cornill, Introduction to the Canonical Books of the Old Testament (Nova
Iorque, 1907), p. 384-85.
353
R. D. Wilson, “The Aramaic of Daniel”, Biblical and Theological Studies (Princeton,
NJ, 1912), p. 9-64; cf. Bentzen, p. 5.
354
Audet, JTS (1950): 145, conforme citado por Koch, Das Buch Daniel, p. 29.
355
L. Ginzberg, The Legends of the Jews (Filadélfia: Jewish Publication Society, 1908-38),
6:413.
356
Leiman, p. 30, 37. 129
357
Gerhard Maier, Der Prophet Daniel (Wuppertal, 1982), p. 52, com literatura.
358
Koch, Das Buch Daniel, p. 29.
359
Behrmann, p. 39.
360
N. W. Porteous, Daniel (Filadélfia, 1965), p. 13-15.
361
Também oralmente, W. H. Shea.
362
Veja B. M. Metzger, ed., The Apocrypha of the Old Testament. Revised Standard
Version (Nova Iorque, 1965), p. 128.
363
S. R. Driver, An Introduction to the Literature of the Old Testament, 2a. ed. (Cleveland,
1965), p. 498.
364
Também recentemente G. Fohrer, Introduction to the Old Testament (Nashville,
1968), p. 472-73; O. Eissfeldt, The Old Testament: An Introduction (Nova Iorque, 1965), p.
521; cf. Hartman e Di Lella, p. 25.
365
Wilson, Studies in the Book of Daniel, Second Series, p. 86.
366
Ibid., p. 87.
367
S. R. Driver, p. 477.
368
F. Dexinger, Das Buch Daniel und seine Probleme (Stuttgart, 1969), p. 16; cf. Bentzen,
p. 7; W. Baumgartner, Das Buch Daniel (Giessen, 1926), p. 70, 136-37.
369
G. L. Archer, Jr., A Survey of Old Testament Introduction (Chicago, 1964), p. 395.
370
R. D. Wilson, p. 154.
371
Veja Mertens, p. 112-13.

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Estabelecendo uma data para o livro de Daniel

372
S. R. Driver, p. 508.
373
Veja o estudo de G. F. Hasel, “Resurrection in the Theology of OT Apocalyptic”,
ZAW 92 (1980): 267-76, para o estudo de Isaías 26:19.
374
Ibid., p. 276-81.
375
Veja especialmente G. W. E. Nickelsburg, Jr., Resurrection, Immortality, and Eternal
Life in Intertestamental Judaism (Cambridge, 1972), p. 170-76.
376
Estudos-chave incluem, J. W. Swain, “The Theory of the Four Monarchies Oppo-
sition History Under the Roman Empire”, Classical Philology 35 (1940): 1-27; D. Flusser,
“The Four Empires in the Fourth Sibyl and in the Book of Daniel”, Israel Oriental Studies 2
(1972): 148-75; Hartman e Di Lella, p. 31-33; cf. Koch, Das Buch Daniel, p. 194-99.
377
A. K. Grayson, Babylonian Historical-Literary Texts (Toronto/Buffalo, 1975), p. 13-37.
378
Ibid., p. 24.
379
Ibid., p. 33-37.
380
G. F. Hasel, “The Four World Empires of Daniel 2 Against Its Near Eastern Envi-
ronment”, JSOT 12 (1979): 17-30, esp. 23.
381
K. Koch, “Spätisraelitisches Geschichtsdenken am Beispiel des Buches Daniel”,
Historische Zeitschrift 193 (1961): 2.
382
J. G. Eichhorn, Einleitung ins Alte Testament: Band III, 4a ed. (Leipzig, 1824), p. 393.
383
Dexinger, p. 33; R. H. Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (Nova Iorque, 1948),
130 p. 757; A. Jepsen, “Bemerkungen zum Danielbuch”, VT 11 (1961): 387; H. H. Rowley,
Darius the Mede and the Four World Empires in the Book of Daniel: A Historical Study of Contem-
porary Theories, (Cardiff, 1935; re-impressão, 1964), p. 70-137.
384
Rowley, Darius the Mede, p. 73-80, para uma lista de defensores.
385
Koch, Das Buch Daniel, p. 194.
386
Maier, p. 56; J. G. Baldwin, Daniel. An Introduction and Commentary (Downers Gro-
ve, IL/Londres, 1978), p. 55, 65; Id., “Is There Pseudonymity in the Old Testament?” The-
melios 4/1 (1978): 10-12; E. J. Young, The Prophecy of Daniel: A Commentary (Grand Rapids,
1949), p. 275-80; W. Möller, Grundriss fur Alttestamentliche Einleitung (1934; re-impressão,
Berlim, 1958), p. 321; E. B. Pusey, Daniel the Prophet (Nova Iorque, 1864), p. 147; B. K.
Waltke, “The Date of the Book of Daniel”, BS 133 (1976): 326; etc.
387
Baldwin, “Pseudonymity”, p. 10.
388
Maier, p. 56.
389
J. J. Collins, Daniel, 1-2 Maccabees (Wilmington, 1981), p. 11.
390
Ibid., p. 12.
391
S. R. Driver, The Book of Daniel (Cambridge, 1900), p.47.
392
Maier, p. 56.
393
Koch, Das Buch Daniel, p. 142-43.
394
Pfeiffer, p. 755.
395
Ibid.
396
Collins, p. 11-12 (grifo do autor).

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Estudos sobre Daniel
397
Ibid., p. 12.
398
Ibid., p. 12-13.
399
Por exemplo, o ponto de vista dos eruditos apresentados por J. Linder, “Das Ara-
mäische im Buche Daniel”, ZKT 59 (1935): 471-74 e o resumo por Hartman e Di Lella,
p. 303.
400
Maier, p. 56.
401
Wenham, p. 51.
402
Veja A. J. Ferch, “The Book of Daniel and the ‘Maccabean Thesis,’” AUSS 21
(1983): 129-38, esp. 132-33; também o capítulo 1 neste volume.
403
K. Bringmann, Hellenistische Reform und Religiousverfoolgung in Judäa (Göttingen,
1983), p. 30.
404
Ibid., p. 34, 40.
405
Ibid., p. 124-25.
406
Ferch, p. 136.
407
Existe uma extensiva literatura do gênero “apocalipse” – veja K. Koch, The Redisco-
very of Apocalyptic (Naperville, 1972); K. Koch e J. M. Schmidt, eds., Apokalyptik (Darmstadt,
1982); L. Hartman, “Survey of the Problem of Apocalyptic Genre”, Apocalypticism in the
Mediterranean World and the Near East, ed. D. Hellholm (Tubingen, 1983), p. 329-42; J. J.
Collins, Daniel With an Introduction to Apocalyptic Literature (Grand Rapids, 1984), p. 2-24.
408
P. D. Hanson, The Dawn of Apocalyptic (Filadélfia, 1975), p. 27, 313-14; H. Ringgren, 131
“Some Observations on the Style and Structure in the Isaiah Apocalypse”, ASTI 9 (1974):
107-115.
409
Collins, p. 138.
410
Em relação à data, veja Hasel, “Resurrection in the Theology of OT Apocalyptic”,
p. 268-69.
411
Baldwin, “Pseudonymity in the OT”, p. 12.
412
F. M. Cross, “New Directions in the Study of Apocalyptic”, JTC 6 (1969): 161.
413
Baldwin, p. 46.

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Capítulo 3

A unidade de Daniel
William H. Shea

Capítulos 2 e 7

S inopse editorial. Nas três primeiras seções deste capítulo, o autor se refere
detalhadamente à questão da unidade do livro de Daniel. O livro é produto
de vários autores que escreveram durante um período de vários séculos, como a
escola crítica afirma, ou existem indicadores no documento que apontam para
uma autoria única, como declaram os eruditos conservadores?
A evidência para a unidade de um livro bíblico deve ser retirada de sua clara
estrutura literária integrada, de temas teológicos comuns que se apresentam na
obra e de uma variedade de elementos linguísticos – pequenos aspectos básicos –
que servem para atar o todo. Numa análise passo-a-passo das porções proféticas do
livro, esses três níveis de investigação são explorados. A harmonia de pensamento
e relações demonstradas nos pequenos blocos de material do livro garantem a
harmonia do todo integrado.
Neste capítulo, o autor focaliza a clara correlação entre o sonho e a visão dos
capítulos 2 e 7. Os capítulos estão intimamente ligados por (1) várias conexões
linguísticas; (2) um esboço comum dos quatro grandes reinos; (3) uma divisão
final no quarto reino; e (4) o estabelecimento do reino eterno de Deus em algum
momento subsequente à divisão do quarto reino. Há paralelos entre as sequên-
cias de metais e animais. A primeira é descendente, movendo-se do metal mais
valioso (ouro) para o mais forte (ferro). De forma similar, a hierarquia dos animais
move-se do mais honroso (leão, rei dos animais) ao poder mais esmagador (animal
indescritível, mais feroz que qualquer um conhecido na natureza).
Embora haja similaridades entre as profecias desses dois capítulos, também
existem diferenças devido à progressão natural de outras revelações. Os novos
elementos do capítulo 7 são o blasfemo chifre pequeno, o julgamento celestial e
o fato de que os “santos do Altíssimo” irão afinal possuir o reino eterno de Deus.
Esses não teriam significado nada para Nabucodonosor se tivessem sido introdu-
zidos em seu sonho.

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A unidade de Daniel

A visão do capítulo 7 tem algumas outras características que argumentam a


favor de sua integridade interna, bem como de sua relação com outras profecias
do livro. Primeiro, pode-se confirmar que a visão foi escrita numa forma literária
conhecida como quiasma. Nessa forma, cada parte da composição é harmonizada
de uma forma tão clara com cada parte correspondente, que fica evidente que a
obra deve ser produto de uma só pessoa.
Segundo, a visão do capítulo 7 enfatiza uma dimensão vertical, na qual o pro-
feta vê a terra e o Céu conectados. Cada um afeta o outro. Isso é característico da
profecia apocalíptica, que liga essa visão numa relação especial com as visões apo-
calípticas seguintes do livro. Finalmente, as identificações históricas não apenas
ligam as profecias dos capítulos 2 e 7, mas também ligam o chifre pequeno e sua
tentativa de mudar “tempos e a lei” com a profecia apocalíptica neotestamentária
de Apocalipse 12:14-17 com foco no decálogo e no sábado.

Esboço da seção

1. Introdução
134 2. Relação entre Daniel 2 e Daniel 7
3. Aspectos específicos de Daniel 7

Introdução

Quando um livro bíblico é examinado para se determinar o grau de sua


unidade, vários diferentes aspectos de seu conteúdo são utilizados.
Estrutura literária. Em primeiro lugar, pode-se falar da unidade de sua
estrutura literária. Por exemplo, o livro de Lamentações pode ser citado como
uma obra que contém uma estrutura literária completamente integrada e unifi-
cada.1 Sabemos que Lamentações foi escrito por seu autor em exatamente cinco
capítulos devido ao uso de acrósticos.
No hebraico bíblico, Lamentações foi escrito em métrica poética de acento
tônico 3 + 2. Isso é conhecido como métrica qînāh, pois qînāh é a palavra he-
braica para lamento. Uma vez que Lamentações foi escrito em exatamente cin-
co capítulos, três longos e dois curtos, é fácil sugerir que sua estrutura literária
foi planejada ao longo das linhas da métrica dos lamentos aplicada às unidades
maiores de todo o livro. Essa estrutura literária evidente enfatiza o fato de que
o livro foi escrito como uma unidade completa.

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Estudos sobre Daniel

Pode-se propor algo similar para Daniel, muito embora sua estrutura li-
terária seja um tanto diferente da encontrada em Lamentações. A estrutura
geral será integrada na conclusão desse estudo. Entretanto, a fim de se chegar
a tal estrutura é necessário examinar primeiramente as unidades individuais
que formam a composição. Qualquer conclusão derivada de uma análise da
estrutura literária (principalmente se dá evidência de que o livro constitui uma
unidade literária geral) carrega implicações para a crítica literária do livro e
para a interpretação de suas profecias.
Se Daniel realmente apresenta uma estrutura literária unificada, então
torna-se mais difícil separar seus capítulos históricos (1–6) de seus capítulos
proféticos (7–12). Não será possível atribuir para a composição deles datas
que diferem por séculos. Uma estrutura literária unificada para Daniel tam-
bém fortalece, de maneira formal, a interpretação comumente (e corretamen-
te) sustentada de que os esquemas encontrados nos capítulos 2, 7, 8 e 11 tra-
tam todos do mesmo esboço profético básico, muito embora cada elaboração
difira em algum detalhe. As posições que essas diferentes apresentações do
esboço básico ocupam na estrutura literária do livro enfatizam a objetividade
de suas inter-relações.
Temas teológicos. Uma segunda maneira de se verificar a unidade de um
livro bíblico é comparar os temas teológicos comuns tratados em seus segmen- 135
tos individuais. Por exemplo, podemos observar as profecias messiânicas em
Isaías. Na primeira seção do livro, elas aparecem nos capítulos 7, 9 e 11. Na
segunda seção de Isaías, o mesmo tema é tratado novamente no que tem sido
chamado Cânticos do Servo dos capítulos 42, 49 e 53.
Assim, esse tema profético particular do Messias é tratado pelo menos três
vezes em cada uma das duas principais seções do livro. Por meio dessa ligação,
um tema teológico comum pode ser demonstrado nas duas seções dessa obra.
Esse tema comum não prova uma só autoria para essas seções, mas a informa-
ção está mais em harmonia com o ponto de vista de um único autor do que
com a teoria literária crítica de múltiplos autores.
Além disso, pode-se sugerir a partir dessas relações que o Messias tratado
em ambas as seções do livro é um e a mesma figura. Ao passo que cada uma
diz algo novo sobre ele, também descrevem atributos e atividades do mesmo
Messias. Portanto, não temos nas primeiras profecias de Isaías um Messias real
e um Messias servo diferente do encontrado nas últimas. Esses dois grupos
de profecias descrevem dois aspectos principais (mas diferentes) da obra e do
caráter da mesma pessoa.
A ordem na qual essas profecias estão apresentadas pode parecer invertida
quando julgada pelo nosso modo ocidental moderno de pensar. Raciocinamos

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A unidade de Daniel

da causa para o efeito, do servo para o rei. No pensamento hebraico antigo, no


entanto, era comum raciocinar do efeito para a causa, do rei para o servo.
Um paralelo geral das profecias messiânicas de Isaías deve ser delineado aqui
com respeito à ordem das profecias de Daniel, ao menos no caso dos capítulos 7, 8
e 9. Se a profecia de tempo mais curto (cap. 9) era realmente para ser retirada do
período de tempo mais longo (cap. 8), os ocidentais teriam descrito a de período
mais curto primeiro. A ordem reversa, na qual essas profecias são encontradas em
Daniel (a mais longa primeiro e, depois, a mais curta), deriva de outro exemplo
do pensamento semita. Isso pode ser demonstrado observando-se as localizações
na profecia de Daniel 11, onde essas primeiras profecias estão conectadas. Sua
ordem reversa anterior é mudada.
Assim como vimos uma unidade de tema nas profecias de Isaías, devemos
esperar um fenômeno semelhante nas profecias de Daniel. Esse não é o caso ape-
nas com relação a temas teológicos; também é assim em termos de aplicações his-
tóricas. As profecias messiânicas da primeira parte de Isaías se referem à mesma
figura histórica futura descrita nas profecias da segunda seção. Da mesma forma,
devemos esperar que as mesmas entidades históricas profetizadas nas profecias
esboçadas da primeira seção (ou seção aramaica) de Daniel reapareçam nas profe-
cias da segunda seção (ou seção hebraica) de Daniel.
136 Elementos linguísticos. Uma terceira forma pela qual podemos observar os
aspectos de um livro bíblico que contribuem para sua unidade diz respeito aos
conteúdos linguísticos. Esses detalhes menores, os aspectos básicos do conteúdo
literário, ajudam a formar os temas teológicos maiores dos livros bíblicos. Nova-
mente, Isaías é um bom exemplo.
Aqueles que vêem apenas um autor para essa obra inteira enfatizam o voca-
bulário comum encontrado em ambas as seções do documento.2 Além disso, se
pode estabelecer um contraste entre esse vocabulário e o encontrado em outras
partes do AT. Essas comparações simplesmente ilustram como um vocabulário
comum pode ser empregado por um autor bíblico em profecias sucessivas.
Olhar para Daniel a partir dessa perspectiva leva o leitor a um exame de suas
profecias sucessivas notando a recorrência de palavras e frases similares. Isso é
verdade mesmo para cognatas entre o aramaico dos capítulos 2 e 7 em compara-
ção com o hebraico dos capítulos 8, 9 e 11. Quando essas palavras e frases estão
presentes (seja em passagens semelhantes ou diferentes), devem ser consideradas
como fornecendo um elo para temas e aplicações comuns, de acordo com prin-
cípios hermenêuticos sólidos.
Entretanto, deve-se tomar uma precaução aqui. Os tradutores algumas vezes
traduzem palavras diferentes no contexto bíblico com a mesma palavra na língua
de sua tradução. Exemplos disso podem ser vistos em Daniel 8, onde duas

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Estudos sobre Daniel

diferentes palavras hebraicas foram traduzidas como “visão”; em Daniel 8 e 9,


onde diferentes palavras hebraicas foram traduzidas como “sacrifício”; e nas
mesmas duas passagens onde diferentes palavras hebraicas foram traduzidas
como “príncipe”. Esse procedimento de simplificar uma tradução pode às vezes
ocasionar a perda do sentido que o autor tinha em mente. Portanto, um estudo
de conexões linguísticas requer análise do livro bíblico na língua original em
vez de numa tradução.
Nessa breve pesquisa, vimos vários ângulos a partir dos quais a unidade de
um livro bíblico deve ser avaliada. No nível mais inferior ou mais básico está
a função de conexões linguísticas. No nível intermediário está a questão de
como os temas teológicos e relações históricas são tratados. No nível mais alto
está o modo como as partes individuais de um livro se ajustam na sua estrutura
literária geral.
Cada uma dessas perspectivas pode ser aplicada às profecias de Daniel. Nos-
so estudo começa com um exame das profecias individuais, prossegue com uma
comparação entre elas e, finalmente, culmina numa integração geral das mesmas
no esquema do livro todo. O estudo procede de forma a construir essa estrutura
final a partir dos blocos individuais que a compõem à medida que são examina-
dos em seções sucessivas.
137

Relação entre Daniel 2 e Daniel 7

Existe uma clara correlação entre o panorama das nações apresentado na


série de metais no capítulo 2 e a série de animais no capítulo 7. Portanto, esses
dois capítulos devem ser estudados em conjunto. As correlações envolvem, em
primeiro lugar, o fato de que ambas as profecias apresentam uma vista geral dos
quatro reinos no qual o quarto será dividido. Por sua vez, essa divisão está indi-
cada por uma mistura de ferro e barro no capítulo 2 e pelo surgimento dos dez
chifres no capítulo 7.
Em algum momento após a ocorrência dessa divisão, o reino de Deus será es-
tabelecido. Isso é representado pelo reino de pedra no capítulo 2 e pela referência
ao reino no qual os santos do Altíssimo habitarão no capítulo 7. Em se tratando
de relações históricas, portanto, essas duas profecias podem ser vistas como descre-
vendo basicamente a mesma sucessão de entidades históricas.
No nível mais detalhado de correspondências linguísticas, as mesmas relações
podem ser demonstradas pelo uso de palavras e frases semelhantes em ambos os
capítulos. Uma vez que ambos os capítulos foram escritos em aramaico, essas cor-
respondências são bem diretas, como demonstra o seguinte esquema:

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A unidade de Daniel

Correspondências entre Daniel 2 e 7

A. A sequência numérica dos elementos principais nas profecias:


Daniel 2 Daniel 7
1. 1. “Primeiro animal”, 7:4
2. 2. “Segundo animal”, 7:5
3. “terceiro reino”, 2:39 3.
4. “quarto reino”, 2:40 4. “Quarto reino” = “quarto animal”, 7:23

B. Conexões linguísticas e temáticas entre os quatro reinos:

Daniel 2 Daniel 7
1. O quarto reino será “forte” 1. “sobremodo forte”, quarto reino
Aramaico, taqqîp, 2:40 Aramaico, taqqîp, 7:7
138
2. Forte como “ferro” 2. “Dentes de “ferro” do quarto animal
Aramaico, parzel, 2:40 Aramaico, parzel, 7: 7, 19
3. O quarto reino “fará em pedaços” 3. “fazia em pedaços” quarto reino
Aramaico, deqaq, 2:40 Aramaico, deqaq, 7: 19, 23
4. Quarto reino “dividido” 4. Não são usadas palavras, mas os dez
2:41 chifres significam as divisões, 7: 7

5. Divisões = “reis”, 2:41 5. “Reis” = dez chifres, 7: 24

Deve-se notar que a presença de exatamente quatro reinos mundiais em am-


bas as sequências (seção A) não está em nossa enumeração apenas. O próprio
escritor fez a enumeração nesses termos específicos. Ele já nos disse que haveria
exatamente quatro grandes reinos mundiais em cada uma dessas profecias. Não
temos que contá-las por nós mesmos. Visto que estamos lidando com quatro
grandes reinos em ambas as profecias, e o quarto será seguido do reino eterno
de Deus (2:44, cf. 7: 13-14, 27), os quatro reinos presentes nesses dois resumos
devem ser os mesmos.

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Estudos sobre Daniel

Essa conclusão é confirmada por um exame da segunda parte da lista de cor-


respondências linguísticas dada acima (seção B). Elas demonstram que o quarto
reino nessas duas linhas de profecia é descrito numa terminologia comum (com-
partilhando um adjetivo, dois substantivos e dois verbos). Assim, se o quarto
reino é o mesmo em ambas as linhas proféticas, então os três reinos precedentes
também devem ser equivalentes.
Tendo determinado que os quatro reinos dos capítulos 2 e 7 são os mesmos,
nos voltamos para a sua identificação. Nenhum desses reinos é identificado no
capítulo 7, mas o primeiro deles é identificado no capítulo 2. Ao interpretar o
sonho de Nabucodonosor ao rei, Daniel disse: “...tu és a cabeça de ouro. Depois
de ti, se levantará outro reino, inferior ao teu...” (2:28-39). O fato de a palavra
para “reino” aparecer no lugar da palavra para “rei” na segunda metade dessa
declaração indica que aqui estamos lidando com reinos. A palavra usada para
“reino” em outros lugares em ambas as profecias ilustra o mesmo ponto.
Daniel não foi inexato ou impreciso ao identificar o império neo-babilônico
com Nabucodonosor, uma vez que esse rei o governou por 43 dos 66 anos que
existiu. Ele conquistou muito do território pertencente àquele império e foi res-
ponsável pela grande expansão arquitetônica de sua capital. A partir da identifi-
cação do império neo-babilônico como o primeiro desses quatro reinos, devemos
nos voltar para a história a fim de identificarmos os três seguintes. O império 139
medo-persa sucedeu o neo-babilônico como é evidente no próprio livro de Daniel
(5:28, 30-31; 10:1). Alexandre destruiu o império medo-persa em sua expansão no
Oriente Médio. Assim, o terceiro reino deve ser identificado como a Grécia.
Começando com sua consolidação do controle sobre a península italiana
no terceiro século a.C., Roma prosseguiu expandindo suas propriedades. Seu
império acabou incluindo praticamente todo o mundo mediterrâneo e algumas
regiões além. Dessa forma, absorveu as entidades políticas e territoriais que sur-
giram das divisões do império alexandrino. Assim, mesmo um conhecimento
rudimentar da história mundial indica que, começando com Babilônia (iden-
tificada no capítulo 2), os três reinos seguintes devem ser identificados como
Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Pode-se chegar à mesma conclusão retrocedendo
ao capítulo 7 a partir do 8, onde Medo-Pérsia e Grécia são identificadas pelo
nome (8:20-21).
Esse esquema de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma foi aceito como
a interpretação padrão dos capítulos 2 e 7 por duas das três principais escolas
de interpretação profética: a historicista e a futurista. A escola de interpretação
crítica (preterismo), por outro lado, sustenta que esses quatro reinos devem ser
identificados como Babilônia, Média, Pérsia e Grécia. Essa forma de interpretar
as profecias derivou de certa interpretação dos capítulos históricos do livro.

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A unidade de Daniel

O rei que governou Babilônia depois de sua conquista foi um medo chamado
Dario (5:31). Consequentemente, o ponto de vista preterista infere que o autor
de Daniel erroneamente identificou o poder que conquistou Babilônia e veio a
governá-la como sendo a Média. Esse erro (supostamente encontrado nos capítulos
históricos de Daniel) é então sobreposto ao esquema de reinos nos capítulos profé-
ticos. Argumenta-se que o autor deva ter cometido o mesmo erro também aí.
Mesmo que Daniel tivesse cometido tal erro em seus capítulos históricos, o
esquema das nações nos capítulos proféticos ainda corresponde ao que ocorreu na
história. Existem também passagens em Daniel que contradizem essa visão prete-
rista. Por exemplo, 5:28 indica que os medos e os persas foram identificados como
co-conquistadores de Babilônia. Daniel 8:20 indica que os dois chifres do carneiro
representavam a Média e a Pérsia juntos. Além disso, a única tradução linguistica-
mente justificável do verbo passivo-causativo em 9:1 indica que Dario, o medo, “foi
constituído rei” sobre o reino dos caldeus por meio de outra pessoa, ou seja, Ciro.
Além disso, a visão preterista não leva em consideração a evidência para a exati-
dão histórica de Daniel a esse respeito, como indicam os tabletes neo-babilônicos
escritos no tempo em que ocorreu a transição para o governo Persa.3 Uma vez que
o ponto de vista da escola crítica sobre esse assunto é insatisfatório por várias ra-
zões, deveria ser rejeitado e o esquema padrão de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e
140 Roma deveria ser mantido.
Da perspectiva do imaginário profético, os metais da imagem no capítulo 2 es-
tão listados em ordem decrescente de valor, porém crescente no quesito força. Por
consequência, o ouro da cabeça representa a riqueza do primeiro reino, enquanto
que o ferro das pernas representa a glória e o poder do quarto reino. Uma hierar-
quia semelhante de metais é conhecida em outro lugar nas Escrituras em contextos
não-proféticos (Ex 25:3; Nm 31:22; Js 6:19, 24; 1Cr 22:14; 2Cr 2:7, 14).
Os animais do capítulo 7 seguem um padrão um tanto semelhante. O leão que
representava o primeiro reino é conhecido como o rei dos animais, mas o poder es-
magador do quarto reino não era passível de representação por um animal conhe-
cido da natureza. Hierarquias do mundo animal similares a esta são encontradas
em vários textos bíblicos (1Sm 17:34-37; Pv 28:15; Os 13:7-8; Am 5:19; Jr 5:6). Fora
de Daniel, o uso de animais para representar reis é conhecido especialmente dos
profetas que eram contemporâneos de Daniel no sexto século a.C. Por exemplo,
Ezequiel referiu-se a Nabucodonosor como uma águia (17:1-6). Também se referiu
a Faraó do Egito como um águia, um leão e um dragão (17:7-10, 32:2). Jeremias
aplicou a metáfora de um leão para Nabucodonosor duas vezes (4:7; 50:17) e ao rei
da Assíria uma vez (50:17).
Há outras formas nas quais os capítulos 2 e 7 são semelhantes. Ambas as pro-
fecias foram dadas em sonhos noturnos – a primeira, a Nabucodonosor, e a segun-
da, a Daniel. Isso contrasta com as formas pelas quais Daniel recebeu as últimas

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Estudos sobre Daniel

revelações dadas a ele. Ambas as descrições nessas duas profecias também se con-
centram mais sobre as consequências do quarto e último reino terrestre, o que
enfatiza a sua importância.
Embora existam várias semelhanças e correlações entre essas duas profecias,
há também contrastes. Uma vez que os símbolos de animais empregados nas úl-
timas eram animados, transmitem mais informações sobre as atividades desses
reinos. Isso é simplesmente uma amplificação de elementos presentes na primeira
profecia. Os elementos realmente novos do capítulo 7 envolvem sua nova revela-
ção sobre o chifre pequeno e o julgamento no Céu que o sucede. Por que eles não
foram mostrados a Nabucodonosor?
Uma vez que as convicções religiosas do rei sem dúvida eram as de um pagão
politeísta, uma quantidade razoável de informações do capítulo 7 não teriam sig-
nificado para ele. A fim de compreender a grandiosidade da “blasfêmia” dita pelo
chifre pequeno, ele teria que entender a religião monoteísta de Yahweh. Nabuco-
donosor teria bastante dificuldade de entender sobre os “santos do Altíssimo” que
foram designados como os recebedores do reino eterno no capítulo 7.
Esses novos elementos na segunda visão eram mais relevantes para o povo de
Deus do que para Nabucodonosor. O rei recebeu uma descrição mais rudimentar
da história do mundo, a qual ele estava mais apto a compreender. Os diferentes
contextos nos quais essas duas revelações foram dadas tornam suas diferenças 141
mais compreensíveis.

Aspectos específicos de Daniel 7

Estrutura literária
Três aspectos adicionais do capitulo 7 devem ser considerados como um base
para comparação com outras passagens proféticas do livro. O primeiro tem a ver
com a estrutura literária da descrição da visão nos versículos 2-14. O que segue a
descrição é o dialogo de Daniel com seu anjo intérprete e a explicação da visão
dada a Daniel por ele. Essa explicação é especialmente importante para a descri-
ção das características do chifre pequeno e da garantia de seu julgamento. O chifre
pequeno seria julgado por uma corte celestial e os “santos do Altíssimo” recebe-
riam sua herança no reino eterno de Deus.
No entanto, antes de considerar os aspectos da explicação, a estrutura literária
da visão em si deve ser examinada. Um ponto básico sobre essa estrutura literária
é que os elementos na visão descrita nos versículos 2-14 aparecem na ordem do
quiasma. Ou seja, primeiro aparecem em ordem consecutiva, então aparecem no-
vamente em ordem reversa. O quiasma pode ser resumido da seguinte forma:4

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A unidade de Daniel

Quiasma na visão de Daniel 7:2-14


A. Três animais, v. 4-6
B. Quarto animal, v. 7
C. Chifre pequeno + fala, v. 8
D. Cena do julgamento, v. 9-10
C’. Chifre pequeno falando, v. 11a
B’. Quarto animal, v. 11b
A’. Três animais, v. 12

É possível notar dois pontos principais sobre a importância do quiasma –


um literário-crítico e o outro interpretativo e teológico. Os eruditos que tentam
identificar elementos na visão e atribuí-los a diferentes fontes literárias escritas em
épocas diferentes não lidam decisivamente com a estrutura literária presente aqui.
Não é possível tirar nenhum dos elementos dessa estrutura, pois isso resultaria
num desequilibro literário. As relações harmoniosas do quiasma demonstram a
unidade dos conteúdos dessa visão.
Em segundo lugar, essa estrutura literária transmite um significado teológico
que gira em torno da pergunta “Quem tem o ‘domínio’ ”? Esta é uma palavra que
142 aparece com frequência no capítulo 7, sendo assim um termo teológico chave para
a compreensão da visão. No capítulo 7, cada um dos reinos terrestres levanta e
cai em sequência, recebendo domínio por um tempo e passando-o a um sucessor.
Esses domínios sucessivos são descritos na primeira metade do quiasma.
No ápice do quiasma está a cena do julgamento na corte celestial. Como resul-
tado da decisão desse tribunal, vem a destruição de todos os poderes terrenos, con-
forme descrito na segunda metade do quiasma. O padrão é domínio dado e passado
adiante, julgamento, e domínio finalmente retirado. A visão então conclui com o
Filho do Homem recebendo o domínio final, eterno e todo abrangente (v. 13-14).
Assim, a estrutura do quiasma coloca uma ênfase sobre a cena encontrada
em seu ápice. Seu ápice é alcançado na visão do profeta de uma corte celestial e
do julgamento ocorrido ali. Essa cena é a junção literária, teológica e histórica ou
o ponto de apoio da visão. Ela manifesta o ponto culminante na história deste
mundo desde seus atuais reinos transitórios ao reino eterno de Deus. Tanto os re-
sultados positivos como os negativos encontrados na segunda metade do quiasma
fluem do julgamento descrito em seu ápice.

A dimensão vertical da apocalíptica


Uma segunda observação pode ser feita sobre o capítulo 7 com respeito a sua
natureza apocalíptica. Eruditos normalmente concordam quanto a várias caracte-

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Estudos sobre Daniel

rísticas encontradas nas profecias apocalípticas como o capítulo 7;5 características


que diferenciam a profecia apocalíptica das profecias clássicas como as de Isaías e
Jeremias. As características de profecias apocalípticas incluem:
1. Um escopo cósmico de eventos;
2. Uma angeologia marcante;
3. Uma ênfase sobre o conflito dualista entre o bem e o mal;
4. Uma visão pessimista da história humana atual;
5. Uma divisão do tempo e da história em eras;
6. A renovação da terra por uma nova criação;
7. Vida após a morte;
8. Uso extensivo de símbolos;
9. Uma dimensão vertical na qual Céu e terra estão conectados.
É para a última dessas características que dirigiremos nossa atenção no capí-
tulo 7. A teoria por trás dessa conexão é a de que os eventos da terra são afetados
pelo Céu, e o Céu reage ao curso dos eventos da terra. Não se trata simplesmente
de uma relação abstrata; isso foi mostrado ao profeta em visão.
No caso do capítulo 7, a visão do profeta segue o curso de reinos terrestres (di-
mensão horizontal) até o quarto reino e a obra do chifre pequeno que procede des-
te. Então sua visão é direcionada para o Céu onde lhe é mostrada a grande cena
do julgamento (dimensão vertical). Sua visão então é voltada para a terra, onde lhe 143
é mostrada a destruição final dos animais. Mais uma vez, sua visão é voltada para o
Céu, onde ele vê uma cena final na qual o Filho do Homem recebe o reino eterno
e todo abrangente. Essas relações podem ser demonstradas da seguinte forma:

Dimensão vertical em Daniel 7


Julgamento
Corte celestial con- concluído Reino do Filho
vocada (v. 9-10) (v. 13-14) do Homem

Veredito 2

Céu

Visão do profeta:

terra

3 animais – quarto animal – chifre pequeno Veredito 1


(v. 2-6) (v.7) (v.8) Animais
destruídos
(v. 11-12)
Embora o recebimento do reino eterno pelos santos seja mencionado na inter-
pretação da visão (v. 27), não é descrito na visão. Consequentemente, o diagrama

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A unidade de Daniel

da visão termina com o reino sendo dado ao Filho do Homem. Que o Filho do
Homem é uma figura individual, pessoal, escatológica, celestial foi demonstrado
recentemente por A. J. Ferch.6 A identidade dos “santos do Altíssimo” como o
povo de Deus na terra foi recentemente discutida por G. F. Hasel.7 As duas figuras
diferem entre si, sendo uma o governador e a outra, o governado. Não devem ser
entendidas como diretamente equivalentes.

Identificação histórica
Uma vez que o chifre pequeno figura de forma tão marcante na profecia do
capítulo 7, é apropriado propor uma identificação com base nas características
observadas ali. Elas incluem:
1. Surge dentre os 10 chifres do quarto animal, indicando que sua chegada é
após a divisão do quarto poder;
2. Três chifres caem diante dele;
3. Tem olhos como homem;
4. Tem uma boca que fala com insolência contra o Altíssimo;
5. Persegue os santos do Altíssimo;
6. Tem domínio principalmente por um período de três tempos e meio;
144
7. Tenta mudar tempos e lei;
8. Será finalmente destruído por uma decisão do tribunal celestial.
As características mais importantes para identificar essa entidade histórica são a
sua natureza geral e o lugar e época de sua origem. Muitas de suas atividades apontam
para sua natureza distintivamente religiosa (n.º 4, 5, 7). Dado que o quarto animal
foi identificado acima como a Roma Imperial, é evidente que o poder desse chifre
deveria surgir dela, mas não até seus chifres ou divisões terem aparecido (n.º 1).
O poder religioso particular que surgiu da Roma Imperial após o império ter
sido destruído foi a fase religiosa de Roma, centralizada no papado. Os três chifres
que caíram diante dele – historicamente pelo poder civil e autoridades – têm sido
identificados geralmente pelos intérpretes adventistas do sétimo dia como sendo
os hérulos, vândalos e ostrogodos (n.º 2). A motivação para a retirada desses três
poderes não foi apenas política, mas também teológica pois eram arianos por
convicções religiosas.
Embora tenham subsistido por mais alguns anos, a força militar do terceiro
desses poderes opositores ou chifres foi dizimada pela praga que se abateu so-
bre o campo ostrogodo durante o cerco de Roma, em 537-538. Quando ela se
retirou, o bispo de Roma e sua cidade ficaram livres do controle bárbaro pela
primeira vez em dois terços de século – desde o saqueamento de Roma, em 476.
No vácuo político que se desenvolveu pelas duas décadas seguintes à retirada do
cerco, o bispo de Roma adquiriu responsabilidade civil pela cidade também. As-

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Estudos sobre Daniel

sim, o ano 538 pode ser visto como um importante marco do desenvolvimento
do papado medieval.
O chifre iria desempenhar certas atividades por um período profético espe-
cial de três tempos e meio (n.º 6). Com base em Daniel 4:16, 25, 29, 32, 34; 12:7;
e Apocalipse 12:6, 14, esses três tempos e meio podem ser identificados como
anos proféticos-simbólicos. Os dias desses anos devem então ser interpretados
de acordo com o princípio dia-ano,8 o que resulta em um período de 1.260 anos
históricos. Começando em 538, o período estende-se a 1798. Foi nesse ano que o
exército francês fez o que pareceu ser uma ferida de morte no papado, depondo
o papa e quebrando o poder temporário da igreja na Europa (n.º 6).
Que esse poder perseguiu o professo povo de Deus de tempos em tempos du-
rante o curso de seu domínio é evidente pelo destino sofrido por alguns dos val-
denses, albigenses, huguenotes, discípulos dos reformadores, vítimas da Inquisição
e outros (n.º 5). A referência aos olhos de homem do chifre (n.º 3) parece enfatizar
sua perspicaz percepção e inteligência, astúcia e engenho (cf. 8:23, 25). Em 7:8, 11,
20, lemos que esse chifre pequeno tinha uma boca que falava insolências contra
Deus (n.º 4). Isso provavelmente refere-se às declarações feitas por esse poder sobre
sua função como o representante de Deus na terra para cumprir sua vontade.
A fala do chifre é ampliada em 7:25a e c. Nesse versículo, um dos meios espe-
cíficos pelos quais o chifre pequeno fala contra o Altíssimo é a tentativa de mudar 145
seus tempos e lei (n.º 7). Esse poder afetou os tempos de várias formas. Ele intro-
duziu novos dias de festas, fixou a celebração da Páscoa no domingo, e mudou o
calendário no século 16 d.C. No entanto, nenhuma dessas ações parecem alcançar
a magnitude da mudança pretendida no tempo a que se refere aqui.
Por outro lado, há um tempo regular, repetido, indicado e fixado (o significa-
do da palavra aramaica zimnîn usada em Daniel 7:25c) que pertence ao Altíssimo,
sobre o qual esse poder tem exercido grande atividade na tentativa de mudança.
Essa tentativa tem a ver com a transferência das obrigações do quarto mandamen-
to do sétimo dia da semana para o primeiro.9
É importante notar que os “tempos” aqui estão estreitamente ligados com a
lei de Deus (“os tempos e a lei”). A palavra aramaica para “lei” nesse caso é dāt.
Em vista de suas outras ocorrências bíblicas (cognatas hebraicas: Ester 1:8, 13,
15, 19; 3:8; 4:11, 16; aramaicas: Esdras 7:12, 14, 21, 25, 26; Dn 6:5, 8, 12, 15),
essa referência em 7:25 não deveria ser considerada em termos do Pentateuco,
simplesmente como tôrāh (instruções gerais). Mas, em vez disso, deveria ser en-
tendida como se referindo mais especificamente a um decreto ou legislação emiti-
do por Deus, uma vez que constituem o fundamento legal sobre o qual se baseou
toda a legislação mosaica. Esse tipo de referência naturalmente traz os dez man-
damentos à tona. Tal interpretação do termo “lei” também enfatiza a conexão

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A unidade de Daniel

do sábado com os “tempos” indicados, periodicamente repetidos e mencionados


com ela (aramaico, “tempos e lei”).
Uma relação final dessa frase pode ser observada em Apocalipse 12. O perí-
odo de tempo profético ao qual se refere Apocalipse 12:14 é “um tempo, tempos
e metade de um tempo”. Essa é uma tradução para o grego da frase que aparece
em aramaico de Daniel 7:25 e do hebraico de 12:7. Todas essas três passagens se
referem à perseguição do povo de Deus.
Como resultado de seu fracasso em vencer a mulher ou a igreja (Ap 12), o
dragão vai fazer guerra contra o remanescente de sua semente, seus filhos, que
“guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (v. 17). Portan-
to, o mesmo período de tempo profético é mencionado nesses exemplos com a
mesma fraseologia. A perseguição acontece em ambos os casos durante esse perío-
do. Em Daniel 7:25 fala-se de “tempos e lei”. Essas relações podem ser resumidas
da seguinte forma:

Correspondência entre Daniel 7 e Apocalipse 12

146
Daniel 7:25 Apocalipse 12

1. Tempo: três tempos e meio 1. Tempo: três tempos e meio

2. Primeiro evento: perseguição (v. 25b) 2. Primeiro evento: perseguição (v. 14-15)

3. Segundo evento: ataque aos tempos e 3. Segundo evento: ataque ao povo que
lei do Altíssimo (v. 25c) guarda os mandamentos de Deus” (v. 17)

Pelas primeiras duas conexões entre essas passagens, parece razoável identificar
seu terceiro item como uma referência à mesma coisa. Ou seja, os “tempos e lei”
de 7:25 são “os mandamentos de Deus” de Apocalipse 12:17. Ambas se ajustam
bem como referência à lei de Deus dada no Sinai – os Dez Mandamentos. Como
o quarto desses mandamentos, o sábado vem à tona aqui. As referências aos “tem-
pos” que seriam alterados em 7:25 torna tal conexão muito plausível.

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Capítulos 7 e 8

S inopse editorial. Embora as visões dos capítulos 7 e 8 estejam registradas em


aramaico e hebraico respectivamente, existem estreitas conexões entre elas. A
equivalência mais óbvia é a que pode ser obtida entre as identidades históricas e
seus símbolos.
Por exemplo, o leão (cap. 7) é identificado como Babilônia por uma equivalên-
cia com a cabeça de ouro da imagem (cap. 2), mas o urso e o leopardo na sequência
estão diretamente ligados ao carneiro e ao bode no capítulo 8. Os últimos estão
especificamente identificados como os reinos da Medo-Pérsia e Grécia (8:20-21).
Uma segunda importante ligação pode ser vista nos pequenos chifres figura-
dos de forma tão notável em ambas as visões. O autor submete uma lista de 11
semelhanças entre os chifres que claramente indicam que ambos simbolizam a
mesma coisa, ou seja, Roma. Roma, em suas fases pagã/papal, é representada pelo
quarto animal e seu chifre pequeno no capítulo 7, ao passo que no capítulo 8
ambas as fases são descritas nas atividades de seu chifre pequeno.
Ambas as visões possuem uma dimensão vertical e se centralizam na morada
celestial de Deus. Com efeito, vários fatos observados no capítulo 8 claramente
localizam essa visão ao redor do santuário celestial. É também útil nesse ponto 147
reconhecer o padrão do pensamento hebraico na sequência dessas visões. Cro-
nologicamente, elas são dadas em ordem reversa. Ou seja, o ataque do chifre ao
santuário celestial (8:11-12) na realidade precede o julgamento pré-advento nessa
mesma cena (7:9-10, 26).
Em certo sentido, a visão no capítulo 8 é uma forma reduzida da visão do capítulo
7. Ela focaliza o santuário celestial, seu Príncipe e o pequeno chifre intruso. O capítulo
8 detalha o ataque do chifre. Ele descreve, em termos simbólicos, que o chifre lançou
por terra e pisou algumas das estrelas do céu, tirou o ministério sacerdotal do príncipe
no santuário celestial, e deitou abaixo o fundamento de seu santuário e a verdade.
Enquanto o capítulo 8 adiciona novos elementos à complexa cena, as duas
visões se juntam em seus aspectos finais. A destruição do chifre pequeno é men-
cionada apenas no capítulo 8, seguida de suas atividades (8:25). Mas os proble-
mas são totalmente resolvidos na cena do julgamento mostrada no capítulo 7. A
prometida restauração/purificação do santuário celestial no final dos 2.300 dias
proféticos (8:14) se dá no julgamento celestial previamente descrito (7:9-10, 26).
Durante o seu curso, o chifre pequeno “lança abaixo” o fundamento do santuário
e a verdade (8:11-12). Mas vem o tempo quando o trono do Ancião de Dias “se
assenta” e o chifre é julgado (7:9-10).
O autor sugere que uma ênfase no santuário e no julgamento nesse ponto
pode ter esboçado uma ligação imaginária entre as visões na mente do escritor

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A unidade de Daniel

inspirado. Ele explica: As 2.300 tardes e manhãs podem ser vistas como “dias
do santuário”, uma vez que a sequência para o acender das lâmpadas era “desde
a tarde até pela manhã” (Êx 27:20-21). Além disso, a nuvem que envolvia a Di-
vindade tornava-se uma coluna de fogo à noite e voltava a ser uma nuvem pela
manhã (Nm 9:15-16).
Em outras palavras, a Divindade era associada tanto com o fogo como com
a nuvem em conexão com o “dia do santuário”. A visão no capítulo 8 focaliza o
santuário e sua purificação e restauração. Seu elemento tempo (2.300 tardes e ma-
nhãs) deve refletir o “dia do santuário”. Ao mesmo tempo, sua restauração se dá
com o julgamento celestial no qual a Divindade é associada ao fogo e à nuvem – o
trono chamejante ao redor do Ancião de Dias, e o Filho do Homem cercado “que
vinha com as nuvens do céu” (7:9-14).
Finalmente, ambas as visões focalizam a mesma pessoa – Jesus Cristo – sob
dois títulos diferentes: “o Filho do Homem” (cap. 7), e o “Príncipe dos exércitos”
(cap. 8). O último título focaliza a obra do Salvador como sumo sacerdote, reali-
zando o verdadeiro plano da salvação para os pecadores. Por outro lado, o primei-
ro título aponta adiante para seu reinado supremo sobre o povo que ele redimiu e
seu justo domínio da terra, o qual compartilha com ele.

148
Esboço da seção

1. Relação entre Daniel 7 e Daniel 8


2. Aspectos Específicos de Daniel 8

Relação entre Daniel 7 e Daniel 8

A primeira ligação entre essas duas profecias envolve as identidades históri-


cas de suas figuras proféticas. Pode-se obter uma excelente equivalência aqui. Os
animais-reinos do capítulo 7 não foram identificados na interpretação. Apenas o
primeiro pode ser identificado por nome a partir da profecia paralela do capítulo
2. A história informou sobre as identidades da Medo-Pérsia, Grécia e Roma como
os impérios que sucederam Babilônia.
Os dois animais-reinos após Babilônia podem agora ser identificados de forma
mais específica a partir de paralelos com o capítulo 8. O carneiro é identificado
como Medo-Pérsia, e o bode, como a Grécia (8:20-21). Essas identificações históri-
cas especificamente declaradas podem ser retomadas no capítulo 7, observando-se
as características dos animais retratadas ali.

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Estudos sobre Daniel

Visto que o primeiro animal do capítulo 8 é identificado com a Medo-Pérsia,


é evidente que o reino precedente da Babilônia não está representado nessa vi-
são. Portanto, começaremos com o segundo animal no capítulo 7 com base na
história, pelo paralelo com o capítulo 8, e com base nos aspectos que correspon-
dem ao cordeiro medo-persa no capítulo 8. Por exemplo, esses dois animais não
tinham simetria. O urso se levantou sobre um dos seus lados (7:5a). De forma
correspondente, os dois chifres do carneiro eram desiguais e o mais alto surgiu
por último (8:3). O urso tinha três costelas na boca (7:5b), ao passo que o car-
neiro dava marradas em três direções de conquista (8:4a). Dado que as mesmas
observações são feitas sobre ambos os animais, a identificação do segundo animal
no capítulo 7 como a Medo-Pérsia é uma equivalência direta.
Algo similar pode ser dito a respeito do terceiro animal no capítulo 7 em
comparação com o segundo no capítulo 8. O bode sucedeu o carneiro (8:5a),
assim como o leopardo sucedeu o urso (7:6a). O leopardo tinha quatro asas de
ave nas suas costas (7:6b), enquanto o bode flutuava sobre a face da terra sem
tocar no chão (8:5b). O leopardo tinha quatro cabeças (7:6c), enquanto que
da cabeça do bode surgiram quatro chifres quando o seu chifre principal foi
quebrado (8:8).
As mesmas observações também são feitas sobre esses dois animais. Uma vez
que o bode é especificamente identificado como a Grécia em 8:21, a identificação 149
do leopardo no capítulo 7 é segura com base nessas correlações. A tentativa de
eruditos da escola crítica de identificar o segundo e terceiro animais no capítulo
7 como Média e Pérsia, respectivamente, é negada por essas correlações. Pode-se
resumir essas correlações da seguinte forma:

Correlação de símbolos e identificações

Daniel 2 Daniel 7 Daniel 8


Babilônia Ouro Leão
Medo-Pérsia Prata Urso Cordeiro
Grécia Bronze Leopardo Bode
Roma Ferro Não descrito Chifre
(discutido abaixo)

O próximo elemento principal que aparece na cena de ação do capítulo 8


é o chifre pequeno. No capítulo 7, o chifre pequeno é visto surgindo do quarto
animal-reino. A pergunta levantada é a seguinte: deve o chifre pequeno (visto nes-
sas duas visões) ser identificado pelas mesmas entidades históricas?

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A unidade de Daniel

Em termos de aplicação histórica vimos que o chifre pequeno surgindo do


quarto animal no capítulo 7 representa o papado, que surgiu da Roma Impe-
rial. Deveria o chifre pequeno do capítulo 8 ser interpretado da mesma forma ou
deve ser considerado como representante de Antíoco Epifânio, levantando-se da
divisão selêucida do império grego? Se essa pergunta for respondida a favor do
papado, o pequeno chifre do capítulo 8 amplia algumas dessas características já
discutidas em parte no capítulo 7. Se o chifre pequeno do capítulo 8 é identificado
como Antíoco Epifânio, isso representaria uma grande quebra na continuidade
da interpretação das profecias de Daniel.
A fim de responder a essa pergunta, as características dos chifres nessas duas visões
precisam ser comparadas. Segue abaixo uma lista de algumas de suas semelhanças:

1. Ambos são identificados pelo mesmo símbolo: um chifre.


7:8ss, aramaico, qeren 8:9ss, hebraico, qeren

2. Ambos são descritos como “pequenos” no início.


7:8, aramaico, ze‘êrāh 8:9, hebraico, se‘îrāh

3. Ambos são descritos como tornando-se “grandes” mais tarde.


150 7:20, aramaico, rab 8:9ss, hebraico, gādal

4. Ambos são descritos como poderes perseguidores.


7:21, 25 8:10, 24

5. Ambos têm o mesmo grupo-alvo como objeto de sua perseguição.


7:27, “povo dos santos” 8:24, “povo dos santos”
Aramaico, ‘am qadîišê... Hebraico, ‘am qedōšîm
Cf. v. 21,25

6. Ambos são descritos como poderes que se auto-exaltam e são blasfemadores.


7:8, 11, 20, 25 8:10-12, 25

7. Ambos são descritos como exercendo uma inteligência engenhosa.


7:8, “olhos de homem” 8:23-25, lit., “feroz de rosto”
“especialista em intrigas”
“astuto”

8. Ambos representam o clímax final e anti-Deus de suas visões.


7:8-9, 21-22, 25-26 8:12-14, 25

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Estudos sobre Daniel

9. Ambos têm aspectos de suas atividades delimitados por tempo profético.


7:25 8:13-14

10. As atividades de ambos estendem-se até o tempo do fim.


7:25-26, cf. 12:7-9 8:17, 19

11. Ambos serão destruídos de forma sobrenatural.


7:11, 26 8:25

Se o profeta tivesse desejado representar poderes diferentes nessa posição final,


ele poderia facilmente ter usado diferentes símbolos para isso. Mas em vez disso,
ele usou o mesmo símbolo de um chifre pequeno no final da visão no capítulo 8,
como havia feito no final da visão no capítulo 7. Essa uniformidade de represen-
tação sugere que o mesmo símbolo foi usado para se referir ao mesmo poder em
ambos os casos. Esse é o símbolo mais notável que as duas visões têm em comum.
A descrição desses chifres nos capítulos 7 e 8 como “pequenos” é mais surpre-
endente na língua original do que na tradução. As palavras usadas aqui nas seções
aramaicas e hebraicas são cognatas ou termos relacionados. A principal diferença
entre elas é uma simples mudança fonética do z ao s (aramaico, ze‘êrah; hebraico,
se‘irah). Essa palavra hebraica em particular para “pequeno” aparece apenas 25 151
vezes no AT. A palavra hebraica mais comum para “pequeno” (qātōn) aparece
mais de 100 vezes no AT. Mas o escritor escolhe a palavra menos comum porque
ela combinou com a forma cognata usada no aramaico do capítulo anterior. Essa
comparação sugere fortemente que essa palavra hebraica foi escolhida de forma
deliberada a fim de ligar o chifre “pequeno” do capítulo 8 como o chifre “peque-
no” do capítulo 7 de maneira lexical direta.
O grupo que é objeto da perseguição do chifre pequeno é descrito em várias
passagens do capítulo 7 como “os santos” (v. 21), “os santos do Altíssimo”, (v. 18,
22, 25), e o “povo dos santos do Altíssimo” (v. 27). Embora o título “Altíssimo”
(para Deus) tenha sido tirado dessa frase em 8:24, é óbvio que a referência ao
“povo dos santos” foi feita principalmente segundo 7:27.
Essas referências ao povo de Deus como “povo dos santos” nessas duas pas-
sagens são únicas no AT. Portanto, a fraseologia específica (e única) empregada
nessas duas passagens para descrever o objeto de perseguição em comum une de
forma ainda mais estreita os chifres perseguidores desses dois capítulos.
A semelhança dos olhos do chifre pequeno com os de um homem (7:8) foi
interpretada acima como uma referência ao tipo perverso de inteligência exercido
nesse contexto. Se essa interpretação estiver correta, ela é explicada de forma mais
detalhada em 8:24-25.

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A unidade de Daniel

A diferença entre os períodos de tempo proféticos ligados aos dois chifres


(7:25; 8:13-14) é simplesmente que eles se aplicam a dois tipos diferentes de ati-
vidade. A conexão de qualquer período de tempo com esses chifres fornece um
paralelo entre eles.
Os pontos 8, 10 e 11 listados acima tornam difícil identificar o chifre “peque-
no” do capítulo 8 com Antíoco Epifânio, a menos que sejam interpretados como
condicionais e não cumpridos. Uma vez que o cumprimento disso pode ser visto
em Roma no paralelo do capítulo 7, não parece ser razão persuasiva porque deves-
sem ser aplicados a Antíoco Epifânio no capítulo 8.
Algumas das razões listadas acima para equiparar os chifres pequenos do ca-
pítulo 7 e capítulo 8 são um tanto gerais quanto à sua natureza; outras poderiam
ser explicadas mais detalhadamente. No entanto, a partir desse pesquisa, parece
razoável concluir que existem razões linguísticas, temáticas e históricas suficien-
tes para identificar o chifre pequeno no capítulo 7 e o chifre pequeno no capítulo
8 como a mesma figura histórica. Uma vez que o chifre pequeno foi identificado
como uma fase da obra de Roma no capítulo 7, deveria ser identificado de forma
similar no capítulo 8.
Os contrastes entre as atividades desses chifres não negam essa conexão. Em vez
disso, representam uma explicação complementar dessas atividades. Os principais
152 pontos de contraste têm a ver com o tempo e lugar da origem do chifre pequeno
no capítulo 8 e suas atividades contra o santuário. Quando o chifre pequeno
aparece na cena de ação do capítulo 8, o faz num ponto cronológico diferente na
corrente da história mundial do chifre pequeno do capítulo 7.
No capítulo 8, o chifre pequeno aparece na cena de ação depois dos quatro
chifres terem surgido na cabeça do bode da Grécia. Esses representavam as divi-
sões que os generais de Alexandre fizeram do império após sua morte. Colocando
em termos cronológicos específicos, isso significa que o chifre pequeno apareceria
na mesma cena de ação algum momento depois de 323 a.C. No capítulo 7, o
chifre pequeno aparece na cena de ação algum momento depois de as divisões do
império romano terem surgido (representadas pelos dez chifres). Em termos cro-
nológicos, isso apontaria seu surgimento a algum ponto depois de 476 d.C.
Esse contraste cronológico dos dois chifres representa a diferença no tempo
entre (1) o surgimento da Roma Imperial no Oriente Médio e (2) o surgimento do
papado entre os poderes que se levantaram do império romano fragmentado. No
capítulo 7, o símbolo do pequeno chifre inclui apenas a fase religiosa de Roma,
uma vez que a fase imperial estava representada pelo corpo do quarto animal. Por
outro lado, no capítulo 8, ambas as fases da atividade romana estão representa-
das sob esse símbolo do chifre pequeno. A fase imperial é mencionada em sua
extensão política e militar em direção ao Oriente Médio – o leste, o sul e a terra

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Estudos sobre Daniel

gloriosa. Sua fase religiosa é evidenciada pela natureza especificamente religiosa


das atividades que se seguem depois (v. 10-12).10
Embora o chifre pequeno apareça na cena de ação mais cedo no capítulo 8
do que no 7, aparece num tempo e de uma forma que se enquadra a Roma muito
melhor do que a Antíoco Epifânio. Em 8:23 lemos que o poder representado
pelo chifre pequeno se levantaria “no fim do seu reinado” (be‘aharît malkutām), ou
seja, no final do reinado dos quatro reinos-chifres que representam as divisões do
império alexandrino.
Dos 24 reis selêucidas que reinaram de Seleuco I (começando em 311 a.C.) até
Antíoco XIII (terminando em 65 a.C.), Antíoco IV Epifânio (175-164 a.C.) era o
oitavo na linha. Ele tornou-se rei 140 anos depois de a dinastia ser fundada, e mor-
reu um século antes de ela acabar. Isso torna bastante difícil identificar o pequeno
chifre do capítulo 8 com Antíoco Epifânio, pois ele não aparece na cena de ação
“no fim do seu reinado (selêucida)”. Por outro lado, ele se enquadra muito bem
a Roma. Roma destruiu cada um desses chifres, começando com a Macedônia na
primeira parte do segundo século a.C. e terminando com o Egito ptolomaico no
final do primeiro século a.C.
O ataque do pequeno chifre ao santuário e seu ministério tāmîd (“diário/con-
tínuo) não é mencionado no capítulo 7, mas aparece no capítulo 8. Isso fornece
mais detalhes sobre a atividade do mesmo poder que foi descrito antes no capítulo 153
7. Nenhuma das duas dessemelhanças (atividade contra o santuário e cronológica)
entre os pequenos chifres nos capítulo 7 e 8 discutidas até aqui fornece evidência
significativa contra a conclusão de que se refiram a um único e mesmo poder.
A outra diferença importante tem a ver com o lugar de origem, principalmen-
te o do chifre pequeno do capítulo 8. Esse é um ponto especialmente debatido
nesse capítulo porque suscita uma crux interpretum. O chifre pequeno surgiu de
um dos quatro chifres da cabeça do bode ou de um dos quatro ventos (8:8-9)? O
ponto em questão é: qual é o antecedente “de um dos” (v. 9) dos quais surge o
chifre pequeno? Isso é agravado pelo fato de não haver disponível sintaticamente
nenhum acordo quanto ao gênero aqui.
Há duas possibilidades principais: o chifre pequeno de Daniel 8 surge de um
dos quatro chifres ou vem de um dos quatro ventos. Duas aplicações históricas
diferentes têm sido feitas na suposição de que ele tenha surgido de um dos chifres.
(1) É Antíoco Epifânio surgindo do chifre selêucida ou (2) é Roma vindo para o
Oriente Médio por meio de sua conquista de um ou outro dos quatro chifres he-
lenísticos. Se o chifre surge na cena de ação dos ventos em vez de na dos chifres,
se enquadra melhor com Roma do que com Antíoco Epifânio.
Uma vez que já discutimos essa questão anteriormente,11 é desnecessário repe-
ti-la. O ponto que deve ser enfatizado aqui é que esse item único e debatido não é

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A unidade de Daniel

em absoluto essencial para determinar a identificação histórica do chifre do capí-


tulo 8. A identificação do chifre pequeno nesse capítulo deveria ser feita levando
em conta o quadro apresentado por todas suas características proféticas. Antes de
um exame de suas características no capítulo 8 está a questão de como diretamen-
te ele pode ser identificado como o chifre pequeno no capítulo 7. Com base nas
semelhanças entre esses chifres discutidas acima, eles deveriam ser identificados
como se referindo a um único e mesmo poder.
Esse poder tem sido identificado como Roma. Não como Antíoco Epifânio,
no capítulo 7. Portanto, deveria também ser Roma, não Antíoco Epifânio, no
capítulo 8. Os poucos principais contrastes entre as características desses chifres
não têm peso suficiente para uma argumentação eficaz no sentido de que eles
não representam o mesmo poder.
Identificações históricas foram assim obtidas pelos principais símbolos do capí-
tulo 8. O carneiro representa a Medo-Pérsia. O bode representa a Grécia, seu chifre
principal é Alexandre. Os quatro chifres que surgiram depois do quebrantamento
desse chifre principal representam os reinos helenísticos, as principais divisões do
império alexandrino. O chifre pequeno que os seguiu representa Roma.

154 Aspectos específicos de Daniel 8

Uma sequência abreviada


Da conclusão apresentada acima, pode-se ver que o que foi representado pelo
animal e o chifre no capítulo 7, é representado no capítulo 8 apenas pelo chifre.
Assim, o chifre pequeno do capítulo 8 tem duas fases no seu cumprimento histó-
rico. Muito embora ele simbolize essas duas fases, elas pertencem na verdade a um
poder: Roma (pagã e papal).
O fato de essa representação simbólica ser incompleta não deve ser considera-
do incomum quando todo o conteúdo das duas visões é comparado. O capítulo 8
é uma explicação de detalhes extras não apresentados no capítulo 7. O capítulo 7
simplesmente fornece o resumo básico no qual aqueles detalhes são explicados.
A primeira omissão marcante no capítulo 8 é Babilônia, que estava represen-
tada no capítulo 7. A segunda lacuna é a que foi discutida há pouco, na qual as
duas fases de Roma (representada pelo animal e pelo chifre no capítulo 7) são
representadas por um único chifre do capítulo 8. A omissão mais notável no final
da visão no capítulo 8, entretanto, é a falta de referência ao estabelecimento do
reino de Deus. Não há descrição do reino vindouro de Deus e do triunfo final no
capítulo 8, ao passo que essa descrição é duplicada e bem explícita no capítulo 7
(cf. v. 13-14, 27).

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Estudos sobre Daniel

A purificação (ou restauração) do santuário em 8:14 não é equivalente ao esta-


belecimento do reino final de Deus, conforme descrito no capítulo 7. Essa restau-
ração está relacionada ao que aconteceu ao santuário no capítulo 8 (cf. v. 11-13).
Por que o reino eterno de Deus não foi mencionado no capítulo 8? A explica-
ção mais provável deriva das ligações existentes entre essas duas profecias. Algumas
dessas ligações foram descritas acima. Consequentemente, deveríamos entender a
vinda do reino de Deus ( descrita no final do capítulo 7) como ocorrendo no final
do capítulo 8 por paralelismo com o esquema básico e fundamental estabelecido na
profecia anterior do capítulo 7.
Temos no capítulo 8 o que pode ser chamado de uma profecia de extensão
intermediária quando a comparamos com a profecia mais extensa do capítulo 7.
A profecia de tempo no capítulo 8 (e os eventos associados a ela) leva-nos ao que
é conhecido como “tempo do fim” (8:17, 19). Mas é toda a profecia do capítulo
7 (com a apresentação do reino eterno de Deus) que leva-nos através do tempo
do fim para a vida no eterno reino de Deus. A importância dessa diferença entre
a profecia de extensão intermediária do capítulo 8 e a profecia mais extensa do
capítulo 7 será enfatizada logo mais.

Dimensão vertical do capítulo 8


155
Em nossa listagem anterior das características de profecias apocalípticas, nota-
mos uma que enfatiza uma dimensão vertical. Isto é, a profecia apocalíptica geral-
mente direciona o olhar do profeta da terra para o Céu, e novamente o inverso.
Notamos no capítulo 7 duas visões em direção ao Céu (v. 9-10 e 13-14). Entre essas
ocorrências, a visão do profeta é direcionada de volta a terra novamente (v. 11-12).
O capítulo 8 pode ser examinado do mesmo ponto de vista, e eu fiz isso num
estudo detalhado desse aspecto dessa profecia apresentado em outro lugar nesse
volume.12 Basta aqui apenas resumir esses resultados.
O capítulo 8 inicia na mesma dimensão horizontal, terrena, do capítulo 7. O
carneiro e o bode combatem de um lado a outro pela superfície da terra. Os qua-
tro chifres que surgem do bode se espalham nessas direções novamente, e o chifre
pequeno surge na cena de ação de uma dessas direções. Até então, dois ciclos de
movimento “vai e vem” pela superfície da terra foram apresentados.
Nesse ponto na visão, a ação se move para uma direção vertical. Não é o povo
dos santos que o chifre pequeno pisa nesse momento; é o exército das estrelas do
Céu. A fim de fazer isso, o chifre pequeno deve primeiro lançá-los por terra. A
linguagem, evidentemente, simboliza eventos cumpridos historicamente na perse-
guição dos santos de Deus aqui na terra.
Na segunda fase de sua guerra com o Céu, o chifre pequeno exalta a si mesmo
contra o Príncipe do exército do Céu. É dele que o chifre pequeno tira o tāmîd

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A unidAde de dAniel

(sacrifício diário) e o coloca sob controle de seu próprio exército. O chifre pequeno
também deita abaixo o “lugar do santuário” do Príncipe do exército no Céu e pisa
nele. O cumprimento histórico de tal linguagem simbólica pode ser aplicado a
eventos na terra, como é feito até certo ponto em 11:31. Entretanto, o nível básico
da linguagem simbólica que essa profecia emprega refere-se em primeiro lugar ao
santuário no Céu e como ele seria afetado.
Os verbos e preposições presentes nessa descrição enfatizam sua dimensão ver-
tical. O chifre pequeno primeiro se exalta (gādal) em direção ao sul, leste e a terra
gloriosa (ou Palestina). A preposição “para” (’el) é empregada para essas três direções
horizontais (v. 9). Então o chifre pequeno se engrandece (gādal novamente) em dire-
ção ao Céu. Essa transição é marcada por uma mudança para a preposição “até” (‘ad
[v.10]). Ele então lança por terra as estrelas do exército do Céu. Assim, um movimen-
to ao longo do eixo terra-Céu é apresentado aqui; e o movimento ao longo desse eixo
é descrito pelo uso do verbo “cair” (nāpal).
O verbo empregado para o movimento nessa direção é ainda mais gráfico na se-
ção seguinte dessa passagem (v. 11-12). O lugar do santuário é “deitado abaixo” (šālak),
e a verdade também é “deitada (šālak) por terra”. Essa parte da visão termina com uma
referência ao chifre pequeno colocando em prática sua astúcia e prosperando.
Assim, os problemas provocados pelas atividades do chifre pequeno, conforme
156 descritos nessa visão, não são solucionados no fim dela. A resolução é deixada para
a explicação transmitida pela harmonia do capítulo 8 com passagens paralelas em
outras profecias de Daniel.
A dimensão vertical dessas relações apocalípticas pode ser apresentada como
se segue:

dimensão verticAl em dAniel 8

cenA i (dAniel 8:10)

“o exército dos céus” = “o exército das estrelas”

“até” (‘ad) “lançou” (nāpal)

“cresceu” (gādal) “por terra” (’arsāh)

O chifre pequeno “os pisou” (rāmas)

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estudos sobre dAniel

cenA ii (dAniel 8:11-12)

(C) o lugar do santuário do Príncipe


(mekôn miqdāšô)

(B’) tāmîd sob controle do


(B) tāmîd tirado do Príncipe
exército do pequeno chifre

(A) Príncipe do exército (A’) Verdade

“até”/ ‘ad “lançado” (šālak) “lançado” (šālak)

engrandeceu-se

157
O chifre pequeno e o que fez
“por terra” prosperou

O foco central do capítulo 8 como uma profecia sobre o santuário é indicado


pelos diagramas. O clímax da visão está no ataque do chifre pequeno sobre o san-
tuário do Príncipe e sobre seu ministério nele.

OrIENTaçãO Em TOrNO DO saNTuárIO


Neste volume, A. Rodriguez apresenta um exame da linguagem do santuário
empregada nesta profecia.13 Há vários elementos que contribuem para sua orienta-
ção em torno do santuário, os quais podem ser revistos aqui de forma sucinta.
1. O uso dos animais sacrificais, o carneiro e o bode, para simbolizar as nações
remete-nos imediatamente ao santuário. Essa utilização contrasta com a dos ani-
mais selvagens presentes na visão precedente do capítulo 7.
2. A referência aos quatro chifres apontando para os quatro ventos a fim de
simbolizar a fragmentação do segundo império mundial mencionado alude às
imagens do altar. Essa referência aos quatro chifres naturalmente teria trazido à
mente de um antigo israelita imagens ou figuras extraídas dos quatro chifres dos
altares do santuário (Êx 27:2; 30:2).

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A unidade de Daniel

3. O santuário é mencionado de forma explícita por três vezes nesta profecia,


em 8:11, 13 e 14.
4. Referências ao tāmîd e seu uso no contexto do santuário é outro indicador.
Tāmîd ou “diário/contínuo” é uma palavra comumente usada em conexão com o
santuário (aproximadamente 30 vezes). Além dessa conexão comum, as duas pri-
meiras referências (v. 11-12) ocorrem junto com a palavra santuário, o que enfatiza
ainda mais fortemente sua função aqui como uma palavra desse contexto.
5. A tarde-manhã como “dias do santuário”. A frase “tarde-manhã” não era a
maneira comum de expressar tempo na era do Antigo Testamento. Contudo, o pe-
ríodo de tempo profético aqui mencionado foi medido em tardes e manhãs – 2.300
delas. Sendo que tal unidade de tempo é excepcional, deve ter sido escolhida por
um motivo especial.
À parte do uso especificamente cronológico de tarde e manhã para demarcar os
dias da semana da criação em Gênesis, tarde e a manhã tinha uma conexão especial
com o santuário. Pode-se pensar primeiramente no sacrifício do holocausto sobre o
altar no pátio, mas a conexão desses ritos com as tardes e manhãs de Daniel não é
tão direta. As referências bíblicas a essa prática sempre aparecem como ocorrendo
na manhã e na tarde, nunca na tarde e na manhã.
Uma conexão mais direta da tarde e manhã com o santuário vem das instruções
158 divinas dadas no deserto para o acender das lâmpadas no lugar santo à tarde e o
preparo das lâmpadas de manhã. Essas funções deveriam ocorrer “continuamente”
(tāmîd), “desde a tarde até pela manhã” (Êx 27:20-21; Lv 24:2-3). Ao mesmo tempo,
o sacerdote deveria queimar incenso sobre o altar de ouro no lugar santo. Isso tam-
bém deveria ser uma prática “contínua” ou “perpétua” (tāmîd) (Êx 30:6-8).
Durante as vagueações no deserto, o tempo de realizar essas atividades no
santuário foi assinalado precisamente pelo próprio Deus. À tarde, a coluna de
nuvem se transformava em uma coluna de fogo e, de manhã, a coluna de fogo se
transformava em uma coluna de nuvem (Nm 9:15-16, 21). Esse tipo de linguagem
do Pentateuco se assemelha muito aos antecedentes para esses “dias do santuá-
rio” de Daniel 8:14.
6. A caracterização dos dois anjos que falavam em 8:13 como “santos”. Essa é
uma maneira incomum de se referir aos anjos no Antigo Testamento. A raridade
de tais ocorrências enfatiza a probabilidade de que a terminologia foi escolhida
por razões especiais. Esses “santos” aparecem para discutir o fim de uma profecia
que lida com o “lugar santo”, o santuário. De fato, a mesma raiz hebraica foi usa-
da aqui para se referir tanto ao santuário quanto a esses anjos. A conexão direta
entre os dois é, portanto, muito lógica.
Quando alguém pensa acerca dos anjos em relação ao santuário, há dois em
particular que se destacam – os dois querubins que foram modelados sobre a arca

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Estudos sobre Daniel

da aliança e que olham para seu propiciatório. Essa é a espécie de imagem que é
trazida à mente pela referência aos dois “santos” em Daniel 8:13.
Resumindo, o uso aqui dos animais sacrificais como símbolos, a referência aos
quatro chifres, a menção de tāmîd e santuário, o uso das tardes e manhãs como
uma unidade de tempo e as referências aos dois anjos como “santos”, tudo enfa-
tiza a conexão dessa profecia com o santuário celestial. O capítulo 8 é, acima de
tudo, uma profecia a respeito do santuário e a relação entre ele e dois poderes: o
Príncipe e o chifre pequeno.

Ataque do chifre contra o santuário


Sendo assim, é interessante notar o que o chifre pequeno fez contra esse san-
tuário. Várias de suas atividades podem ser citadas:
1. Ele, de certa forma, agiu para com o santuário à maneira de um invasor es-
trangeiro. Os principais símbolos dos animais e chifres do capítulo 8 representam
poderes políticos. Portanto, quando o chifre pequeno se intromete no domínio do
santuário, ele o faz do mesmo modo que esses poderes teriam feito.
2. Ele se levantou ou se exaltou contra o Príncipe a quem o santuário e seu
ministério pertencem. Embora ele tenha aqui um título político, o Príncipe exer-
ce também uma função sacerdotal. Desviando-se dessa função, o chifre pequeno 159
assume também um caráter sacerdotal.
3. Ele interrompe, ou tenta interromper, os rituais do santuário. Segundo a
descrição da visão, o chifre pequeno haveria de tirar o tāmîd (o ministério contí-
nuo no santuário) do Príncipe que governa o santuário. Fazendo isso, ele também
se esforçou para colocar essas funções sob o controle do seu exército. Portanto,
de uma maneira ou de outra, os verdadeiros rituais do santuário deveriam ser
desviados do seu curso.
4. Ele tencionava lançar por terra o “lugar” do santuário. Sendo que estamos
tratando de um movimento simbólico em vez de literal do Céu para a terra, alguém
poderia pensar na transferência de algumas das funções daquele santuário do domí-
nio sagrado do Céu para o domínio secular da terra, do sagrado para o profano.
5. Ele tencionava introduzir a transgressão nos rituais ou função do santuário.
Na declaração que se refere ao exército juntamente com o tāmîd sendo dado ao
chifre pequeno (8:12), é acrescentada a ideia de que ele faria isso “por, em, através
de, com, por causa da” transgressão (bepāšα‘) – o sentido exato da preposição aqui
usada é difícil de captar. Portanto, de uma maneira ou de outra, a transgressão foi
introduzida nos rituais ou funções que tinham em vista lidar com a transgressão.
Seu propósito foi subvertido.
6. O chifre pequeno também tencionava lançar a “verdade” por terra e espezi-
nhá-la. No contexto, isso não se refere à verdade em geral, conforme encontrada

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A unidade de Daniel

na Torá, por exemplo. Refere-se mais especificamente à verdade acerca do santuá-


rio e acerca do Príncipe e seu ministério nele.
Assim, o clímax dessa profecia retrata, em essência, uma luta a respeito do
santuário entre o chifre pequeno e o Príncipe do exército. Dada a extensão desse
ataque contra o santuário do Príncipe, surge naturalmente a pergunta quanto ao
motivo por que o santuário assume tal importância na profecia. Claramente não
se trata de uma disputa sobre bens imobiliários ou um edifício, seja qual for a sua
verdadeira constituição física. O que é da máxima importância aqui é o que acon-
tece nesse santuário. Quer seja o tabernáculo no deserto, o templo de Salomão,
o segundo templo, ou o santuário celestial, esses santuários tinham sido o centro
das atividades relacionadas com o plano divino para a salvação da raça humana.

Santuário: centro de salvação


A fim de obter salvação nos tempos do Antigo Testamento, o crente dirigia-se ao
templo e participava de seus rituais. O mesmo procedimento é usado na era cristã. A
exceção é que o templo ao qual o crente do Novo Testamento recorre está no Céu, e ele
deve “ir” ali pela fé, não por um ato físico. Naquele santuário temos um Sumo Sacerdo-
te celestial ministrando por nós. O livro de Hebreus o identifica como sendo Jesus.
160
O capítulo 8 se refere a esse mesmo Sumo Sacerdote celestial como o Príncipe
do exército. Esse Príncipe não é apenas soberano sobre seu exército ou povo; Ele é
também um sacerdote celestial que ministra por eles em seu santuário. É este aspecto
específico de sua obra que é atacado pelo chifre pequeno. O enfoque da profecia
enfatiza a seriedade do ataque. O motivo evidente para ele é que o ministério do
Príncipe em seu santuário lida com a salvação da raça humana. Assim, uma luta a
respeito do plano da salvação é retratada aqui. A dimensão espacial empregada com
o simbolismo – o eixo terra-Céu – reforça a descrição desse conflito.

Resolução
Até aqui nossa atenção foi dirigida principalmente para o conteúdo da visão
do capítulo 8 (v. 2-12). Agora deve ser dada alguma consideração à resolução do
problema proposto na visão. Antes que ela desaparecesse da vista do profeta, a
visão concluiu com uma cena final mostrando o chifre pequeno ainda praticando
seus enganos e prosperando. Todavia, ele seria detido, como explicou o anjo-intér-
prete: “Mas será quebrado sem esforço de mãos humanas” (8:25).
Mais detalhes acerca do processo que daria fim ao chifre pequeno é revelado
no diálogo entre os dois anjos descrito em 8:13-14. No final do período de tempo
ali mencionado (os 2.300 dias proféticos e simbólicos), o santuário deveria ser
nisdaq (hebraico, 8:14b). Esse verbo passivo (na forma Niphal) vem da raiz sādaq,

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Estudos sobre Daniel

“ser direito, justo.” A extensão semântica dessa raiz é bastante ampla. Consequen-
temente, o exato matiz de significado pretendido aqui é um tanto difícil de deter-
minar. Várias traduções têm sido sugeridas: (1) “restaurado”, (2) “purificado”, (3)
“justificado”, (4) “vindicado”, (5) “[emergir] vitorioso”.
Poder-se-ia encontrar muitos, senão todos, desses matizes de significado con-
firmando a raiz no Antigo Testamento. Além disso, todos eles se ajustam relativa-
mente bem à situação descrita no capítulo 8. A palavra que inclui a maioria desses
outros significados é provavelmente o termo “restaurado”.
A tradução que é escolhida para uso aqui deveria se referir, ao menos em par-
te, à obra do chifre pequeno contra o santuário. Isso não significa que o seu ata-
que é o único assunto ao qual nisdaq (“restaurado”) está se referindo. Permanece
o fato de que a verdadeira obra no santuário celestial transcende todo e qualquer
efeito negativo que o chifre tem sobre ele. Os paralelismos do capítulo 7 focalizam
o Filho do Homem e os santos do Altíssimo, bem como o chifre.

As dimensões verticais de Daniel 7 e 8 comparadas


De nossa discussão anterior dos paralelismos entre os capítulos 7 e 8 concluí-
mos que seus respectivos chifres pequenos simbolizam o mesmo poder. A dimen-
são vertical do último pode agora ser sobreposta em diagrama sobre a primeira. 161
Isto resulta na estrutura reproduzida na página 164.
Algumas notas explicativas estão aqui em ordem. O chifre pequeno é conside-
rado como sendo a mesma entidade em ambas as visões dos capítulos 7 e 8 (confor-
me explicadas nas correlações descritas acima). Foi omitida a perseguição efetuada
pelo chifre pequeno a fim de concentrar-se na controvérsia do santuário do capítu-
lo 8 e suas resoluções (descritas no capítulo 8, mas retratadas no capítulo 7).
A palavra nisdaq de 8:14 foi deixada sem traduzir. Alguém pode consultar a
extensão potencial de significados para as diferentes maneiras como ela pode ser
traduzida. Foi incluido no diagrama um elemento que não foi mostrado ao profe-
ta em visão. É o recebimento final do eterno reino de Deus pelos seus santos. Isso
está descrito apenas na interpretação da visão no capítulo 7 (v. 27), não tendo sido
mostrado ao profeta na própria visão. Foi incluído por causa de sua adequação
como um dos principais corolários para a conclusão de ambas as visões.
Alguma ênfase deve ser posta sobre as dimensões verticais dessas relações. O
que foi descrito sobre a obra do chifre pequeno no capítulo 7 foi agora suplementa-
do pela introdução de uma dimensão vertical no capítulo 8. No ápice, esse último
elemento nos leva à oposição do chifre pequeno contra o Príncipe e seu ministério
no santuário celestial. O Príncipe é, portanto, um importante centro de atenção
na visão do capítulo 8, precisamente como o Ancião de dias e o Filho do Homem
ocupam uma posição de preeminência na conclusão da visão do capítulo 7.

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dimensão verticAl em dAniel 7 e 8
Cena celestial de Daniel 8 Cenas celestiais de Daniel 7
(v. 11-12) (v. 9-10, 13-14)
Príncipe santuário do ministério do Ancião de Filho do homem
celestial Príncipe Príncipe dias julga entronizado
exaltou-se lançou por terra foi tirado nisdaq
8:2-8 santos
2 animais –4 chifres chifre pequeno recebem o
A unidAde de dAniel

4 animais –dez chifres espezinhava controlava santuário reino (7:27)


7:2-7 8:13-14 chifre pequeno
destruído
7:11-12, 26;

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8:25

162
Estudos sobre Daniel

A destruição do chifre pequeno foi mostrada ao profeta na visão do capítulo 7


entre as cenas (v. 11-12) em que lhe foram mostrados o Ancião de dias (v. 9-10) e o
Filho do Homem (v. 13-14). No capítulo 8, porém, não foi mostrada na visão con-
cedida ao profeta a destruição do chifre pequeno. Posteriormente, na explicação,
é feita uma breve referência a ela (8:25).
Dada a maneira como o conteúdo da visão do capítulo 8 correlaciona-se com
a visão do capítulo 7, os 2.300 dias da primeira deveriam levar-nos ao tempo da
cena do tribunal celestial da última, pois uma das funções dessa sessão do tribunal
é chegar a uma decisão acerca da disposição final do chifre pequeno. Portanto,
as cenas conclusivas da visão anterior (cap. 7) provêem uma explicação do que é
apenas mencionado oralmente na última visão (cap. 8). Pode-se chegar à mesma
conclusão por um esboço mais simples e sucessivamente enumerado sem essa
reconstrução tão elaborada das dimensões espaciais envolvidas. Contudo, esbo-
çando essas relações e comparando-as, enfatiza-se o mesmo ponto acrescentando
outra dimensão à sua descrição.
É evidente do diagrama que as ações retratadas na cena celestial da visão do
capítulo 8 realmente deveriam preceder as ações mostradas nas cenas celestiais da
visão do capítulo 7. As atividades do chifre pequeno contra o Céu vistas no capí-
tulo 8 deveriam preceder a decisão do tribunal celestial quanto à sorte do chifre
pequeno e a visão de sua destruição no capítulo 7. Essa é outra maneira de dizer 163
que a história profética mostrada ao profeta no capítulo 7 se estendia além do
ponto no qual a visão do capítulo 8 terminava.
Somos defrontados, portanto, com duas visões de diferentes extensões.
Como a mais curta das duas, o capítulo 8 poderia ser rotulado de visão de ex-
tensão mediana. A visão do capítulo 7 pode então ser identificada como a visão
de longo alcance, sendo que ela se estende até ao tempo do estabelecimento do
final e eterno reino de Deus. Isto inverte a ordem em que os ocidentais ordina-
riamente arranjariam essas visões. A mentalidade ocidental seguiria da profecia
mais curta para a profecia mais longa. Contudo, a ordem bíblica aqui é a inversa.
Essas relações são mais claras se reconhecermos tais fatos. Essas relações serão
discutidas mais adiante quando o capítulo 9 for levado em conta juntamente
com os capítulos 7 e 8.

Outra conexão entre Daniel 8 e Levítico


Várias das características da profecia do capítulo 8 (enumeradas acima) enfa-
tizam a centralidade ou importância do santuário nessa profecia. Sendo que Le-
vítico trata do mesmo assunto, o santuário e seus rituais, há uma natural e lógica
ligação conceitual entre essas duas fontes literárias. Além desses elos naturais já
mencionados, há uma outra conexão.

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A unidade de Daniel

Esta é encontrada na terminologia que descreve o que o chifre pequeno haveria


de fazer contra a ministração do tāmîd. Na primeira referência é dito que depois de
exaltar-se contra o Príncipe do exército, o tāmîd deveria ser “tirado” dele (8:11b).
Embora essa ação seja declarada na voz passiva, é evidente do contexto que o chifre
pequeno é o agente responsável pela remoção do tāmîd do Príncipe.
À primeira vista, o verbo hebraico usado aqui para “tirar” (o tāmîd) parece um
tanto incomum. Vem da raiz rûm que significa “elevar-se, exaltar-se”. Em outro lu-
gar em Daniel esse verbo é usado com o significado costumeiro. Por exemplo, nas
porções aramaicas de Daniel ele é usado para Nabucodonosor exaltando aqueles
a quem ele tinha conquistado (5:19), para a exaltação do seu próprio espírito em
soberba (5:20), e para Belsazar exaltando-se contra o Deus do Céu (5:21).
Na seção hebraica de Daniel ela é usada de uma maneira semelhante. É usa-
da para profetizar acerca de um dos reis selêucidas que levantaria o seu coração
em exaltação (11:12; cf. a utilização aramaica, 5:20). Refere-se ao rei do norte
engrandecendo-se acima de todos os deuses (11:36; cf. a utilização aramaica,
5:23), e se refere ao anjo levantando a sua mão direita e fazendo um juramento
(12:7). Assim, o uso dessa raiz segue um modelo semelhante nas seções hebrai-
cas e aramaicas de Daniel. Comparado com essas outras ocorrências em Daniel,
o uso proposto para ela em 8:11 (“tirou”) parece ser excepcional.
164 Mas tal uso em Daniel não parece excepcional quando é comparado com o uso
da mesma raiz na descrição dos rituais do sacrifício em Levítico. Ali a raiz rûm é usa-
da (inclusive na mesma conjugação Hophal em que ela ocorre em 8:11) para a ação
de remover ou tirar as partes da vítima animal que seria usada no ritual sacrifical.
Sendo que os primeiros sete capítulos de Levítico apresentam a principal descrição
desses ritos, o uso do verbo desse modo está limitado àquela seção do livro.
Essas referências a rûm deveriam ser consideradas juntamente com as dos
usos diretamente relacionados e sobrepostos da raiz sûr. As ocorrências das duas
raízes usadas desse modo nos capítulos de Levítico podem ser dispostas em tabela
como segue:

Localização da
Texto Objeto Sacrifical Ação de rûm
Ação Final
2:9 porção da oferta de manjares “tomará” queimada sobre o altar
4:8 gordura da expiação sacerdotal pelo pecado “tirará” queimada sobre o altar
4:10 gordura do sacrifício pacífico “se tiram” queimada sobre o altar
4:19 gordura da oferta pelo pecado de “tirará” queimada sobre o altar
qualquer pessoa
6:10 cinzas do holocausto “levantará” posta ao lado do altar
6:15 porção da oferta de manjares “tomará” queimada sobre o altar

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Estudos sobre Daniel

Localização da
Texto Objeto Sacrifical Ação de sûr
Ação Final
1:16 porção do holocausto “tirará” lançada junto ao altar
3:4 porção de oferta pacífica “tira-los-á” queimada sobre o altar
3:9 porção de oferta pacífica “tirará” queimada sobre o altar
3:10 porção de oferta pacífica “tira-los-á” queimada sobre o altar
3:15 porção de oferta pacífica “tira-los-á” queimada sobre o altar
4:9 porção de oferta sacerdotal pelo pecado “tira-los-á” queimada sobre o altar
4:31 gordura da oferta pelo pecado de “tirará” queimada sobre o altar
qualquer pessoa
4:35 gordura da oferta pelo pecado de “tirará” queimada sobre o altar
qualquer pessoa
7:4 porções de oferta pela culpa “se tirará” queimadas sobre o altar

A partir dessa lista de comparações fica evidente que as duas palavras transmi-
tem o mesmo significado quando usadas para descrever a manipulação das partes
das ofertas sacrificais. Embora rûm e sûr não sejam sinônimas, existe essa área de
superposição entre elas. Essas ações centralizam-se em torno do altar sobre o qual
as partes desses animais sacrificais eram queimadas. 165
Sûr pode ser usada desse modo; pode ser usada para descrever o simples ato físi-
co de tirar objetos ordinários. Pode ser também usada (ao menos em 17 ocorrências
do Antigo Testamento) para descrever o ato específico de tirar objetos ilegítimos de
culto, tais como altares idólatras e lugares altos. Ocorre muito comumente nessa
última conexão para descrever as reformas efetuadas pelos bons reis de Judá.
Entre elas estão as reformas levadas a cabo por Asa (2Cr 14:3, 5), Josafá (2Cr
17:6), Ezequias (2Cr 30:14, 22; 32:12, Is 36:7), Manassés (2Cr 33:15), e Josias (2
Rs 23:19; 2Cr 34:33). Às vezes se refere ao fato de que essas instalações de culto
não eram removidas quando deveriam ter sido (1Rs 22:43; 2Rs 14:4; 2Cr 15:17;
20:33). Somente um exemplo aparece em referência a tal ação no reino do Norte
(Os 2:17). O contraste aqui pode ter sido especialmente com o verdadeiro templo
em Jerusalém.
Nesses exemplos o verbo sûr parece ter tido um significado ampliado que não
era usado para rûm. O último nunca é usado para transmitir a ideia de tirar ou
remover objetos cultuais de apostasia. Quando usado, porém, para descrever fun-
ções aprovadas por Deus no sistema sacrifical levítico, seus significados parecem
ser praticamente idênticos.
Também é interessante notar as localizações desses verbos nas descrições sa-
crificais. Eles comumente entram na última seção das descrições. Por exemplo,

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A unidade de Daniel

na descrição das ofertas pelo pecado, seguindo imediatamente a instrução final


para “tirar” (rûm) a gordura, é dito que o sacerdote fará expiação e o pecador será
perdoado. Assim, o uso desses verbos sinalizava a conclusão para o ato final no
sacrifício que trazia perdão ao pecador.
Há uma relação íntima entre o uso desses verbos e o perdão que vinha para o
pecador através do plano da salvação oferecido ao antigo Israel no sistema sacrifi-
cal. Deve-se ter em mente essa relação quando se examina o uso de rûm na descri-
ção da luta entre o Príncipe do exército e o chifre pequeno. A passagem retrata um
conflito sobre o plano da salvação ministrado à raça humana através do santuário
celestial e seus rituais (cap. 8).
Também deve ser notado que esses dois verbos se relacionam com um am-
plo espectro de ofertas sacrificais em Levítico. Alguns tradutores têm traduzido o
tāmîd do capítulo 8 estritamente em termos de holocausto (cf. a RSV, por exem-
plo). O uso desses dois verbos em Levítico, porém, aponta para uma relação que é
muito mais ampla do que isso, como indica o seguinte resumo:

1. O holocausto – 1:16 (sûr), 6:10 (rûm)


2. A oferta de manjares – 2:9; 6:15 (rûm)
3. A oferta pacífica – 4:10 (rûm), 3:4, 9, 10, 15 (sûr)
166 4. A oferta sacerdotal pelo pecado – 4:8 (rûm), 4:9 (sûr)
5. A oferta da congregação pelo pecado – 4:19 (rûm)
6. A oferta do povo pelo pecado – 4:31, 35 (sûr)
7. A oferta pela culpa – 7:4 (sûr)

Assim, todo o sistema sacrifical está envolvido nas ações que esses verbos des-
crevem. Não estão limitados apenas ao holocausto. Todos os principais tipos de
sacrifícios enumerados em Levítico 1–7 são parte do sistema “diário” e, portanto
estão incluídos dentro desse escopo. Tudo isso (a realidade ou antítipo dos símbo-
los) o chifre pequeno tenta tirar do Príncipe celestial no capítulo 8.
Agora podemos comparar o uso dos verbos rûm e sûr em Levítico com suas
ocorrências nos contextos cultuais de Daniel. Há três dessas referências: uma no
capítulo 8, uma no capítulo 11, e uma no capítulo 12. O verbo rûm é usado com o
primeiro desses três casos e o verbo sûr ocorre nos outros dois exemplos. As duas
últimas ocorrências aparecem em passagens que são paralelas à primeira e explica-
tivas dela. O uso desses verbos diretamente relacionados interliga essas conexões
ainda mais firmemente. Essas ocorrências podem ser enumeradas com suas com-
parações em Levítico como segue:

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Estudos sobre Daniel

Daniel
Passagem Objeto Sujeito Verbo Ação
8:11 o tāmîd o chifre pequeno rûm “tirou”
11:31 o tāmîd o rei do norte sûr “tirarão”
o tāmîd (os dois acima combinados) sûr “tirado”
12:11

Levítico
Passagem Objeto Sujeito Verbo Ação
6 passagens Porções de 5 Sacerdote rûm “tomará”
2:9ss. tipos de sacrifício

9 passagens Porções de 5 Sacerdote sûr “tirará”


1:16ss. tipos de sacrifício

Para fins práticos coloquei o verbo passivo no ativo em 8:11 na lista dada
acima. Dessas comparações cultuais parece evidente de onde esse tipo de termino- 167
logia derivou para seu uso em Daniel. Tais comparações também indicam os tipos
de conexões com os rituais do santuário que o uso desses verbos conota.
As comparações também explicam por que o significado de rûm em 8:11 não é
tão incomum como parece a princípio (quando comparado com o significado de sua
raiz). Esse é um uso específico de um significado extenso do verbo. Dessa forma, ele
serviu como um termo técnico para as funções cultuais trazidas à tona na profecia.
Portanto, é completamente apropriado usar o verbo (no sentido de “tirar”) no capí-
tulo 8, onde o santuário e suas funções estão em debate. Essas conexões enfatizam
novamente quão fundamental é o santuário na profecia de Daniel 8.

Relações das cenas finais em Daniel 7 e 8


O gráfico apresentado acima correlacionou e identificou os reinos de Daniel
2, 7 e 8 até ao quarto reino – Roma. Esse esboço pode ser agora ampliado.
Embora os símbolos do ferro misturado com barro do capítulo 2 indicassem
apenas que seu quarto reino seria dividido, o chifre pequeno aparecendo entre
as divisões dos dez chifres do quarto reino no capítulo 7 identificou uma nova
entidade que surgiria dele. Uma ideia semelhante é apresentada pelas duas di-
mensões da obra – a horizontal e a vertical – do chifre pequeno no capítulo 8.
Outros eventos também foram profetizados como devendo ocorrer em seguida ao

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A unidade de Daniel

aparecimento e obra desses chifres pequenos nos capítulos 7 e 8. No capítulo 7


foi mostrada ao profeta a cena do tribunal celestial. No capítulo 8 o profeta ouviu
um diálogo entre dois anjos discutindo como Deus trataria o problema do chifre
pequeno através de uma obra no santuário celestial. As ideias adicionais podem
agora ser acrescentadas ao esboço anterior para uma completa comparação entre
os capítulos 7 e 8.

Comparação de Daniel 7 e 8

Daniel 7 Daniel 8

O leão: Babilônia Não mencionado

O urso: Medo-Pérsia O carneiro: Medo-Pérsia

O leopardo: Grécia O bode: Grécia

As quatro cabeças do leopardo: Os quatro chifres do bode:


168
reinos helenísticos reinos helenísticos

Animal não descrito: Obra horizontal do chifre pequeno:


Roma imperial Roma imperial

Chifre pequeno do 4.° animal: Obra vertical do chifre pequeno:


Roma religiosa [ou eclesiástica] Roma religiosa

Cena do santuário celestial: Descrição do santuário celestial:


Ancião de dias julga Restauração / purificação

O chifre pequeno é queimado O chifre pequeno é quebrado

Filho do homem recebe o reino não mencionado

Santos entram em seu reino não mencionado

Deste esboço é evidente que a restauração, purificação, justificação, ou vindicação


do santuário em 8:14 significa alguma ação semelhante na cena do tribunal celestial

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Estudos sobre Daniel

em 7:9-10. Esses dois elementos estão em posições paralelas nas duas profecias para-
lelas. Em um caso é mostrado ao profeta um evento – o juízo pré-advento (cap. 7); no
outro é-lhe dito algo sobre ele – a purificação/restauração do santuário (cap. 8).
Agora surge a pergunta: Há outros vínculos corroborativos entre esses dois ele-
mentos paralelos? Sugerimos mais três maneiras pelas quais eles podem ser com-
parados: (1) do ponto de vista do contexto linguístico, (2) do ponto de vista dos
elementos fenomenológicos, e (3) do ponto de vista das pessoas presentes neles.

Uma relação linguística


A comparação linguística repousa sobre o verbo usado em 7:9 para a ação de
pôr os tronos no tribunal celestial (“Continuei olhando, até que foram postos uns
tronos, e o Ancião de dias se assentou”). O verbo é remîu, uma forma plural da raiz
aramaica remā’/remāh (para nossa finalidade presente o significado do plural não
precisa ser discutido). Independente de quem quer que tenha se assentado sobre
os outros tronos, o ponto central aqui é que um daqueles tronos pertencia ao An-
cião de dias. Ele tomou assento a fim de começar a obra de juízo.
O que é de particular interesse é o significado da raiz do verbo. O aramai-
co remā’/remāh significa “lançar, arremessar”. Sendo que esse significado é uma
maneira incomum de descrever a colocação de um trono sobre seu dossel, os 169
modernos tradutores têm comumente suavizado a força desse verbo traduzindo-o
simplesmente como “colocado” (veja a RSV por exemplo).
A KJV, por outro lado, tem retido a força do verbo traduzindo-o por “foram
abaixados”. Trata-se de uma tradução mais exata, mas não explica o sentido dese-
jado. A ideia comumente sugerida de que o verbo alude a travesseiros sendo lan-
çados ou espalhados sobre o chão ou assoalho como um lugar para um monarca
oriental se assentar não serve. Os travesseiros não satisfazem aos requisitos do que
os antigos compreendiam pela palavra “tronos”.
Comentaristas mais antigos compreendiam essa frase como se referindo aos
reinos mencionados anteriormente na profecia. O abaixar de “seus” tronos era
compreendido como se referindo às suas sucessivas perdas de domínio levando até
esse julgamento celestial. Assim, a expressão verbal estava ligada com aquilo que a
precedia, em vez de com o que a seguia.
Modernos intérpretes têm abandonado essa interpretação. Tem-se reconheci-
do que o sentido óbvio é o de que um dos tronos colocados dessa maneira deveria
ser ocupado pelo Ancião de dias. Portanto, tal expressão verbal tem a ver mais
com o que a segue do que com o que a precede. O divisor entre as cenas proféticas
aqui, “Continuei olhando” (7:9a), apoia tal conexão.
Que essa palavra significa “lançar, arremessar” pode ser demonstrado muito
prontamente a partir das outras ocorrências em Daniel. Essa palavra ocorre uma

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A unidade de Daniel

dúzia de vezes no aramaico bíblico. Todas, exceto uma (Esdras 7:24), estão no
livro de Daniel. O verbo ocorre seis vezes na narrativa do capítulo 3. Quatro vezes
(hebraico, imperfeitos) é usada no sentido de que se alguém não se curvasse diante
da imagem de ouro, seria “lançado” na fornalha ardente (3:6, 11, 15, 20). As duas
outras ocorrências nessa narrativa (hebraico, perfeitos) fazem alusão aos três dig-
nos hebreus que “tinham sido lançados” naquela fornalha (3:21, 24).
As próximas quatro ocorrências estão no capítulo 6, onde descrevem como
Daniel veio a ser “lançado” na cova dos leões. As duas primeiras aparecem na for-
ma imperfeita e se referem à futura possibilidade de que os violadores do decreto
do rei sobre a proibição da oração fossem lançados na cova dos leões (6:7, 12). A
próxima ocorrência é um perfeito se referindo à ação de lançar Daniel naquela
cova (6:16). A ocorrência final (também um perfeito) se refere ao lançamento dos
servos ímpios do rei aos leões (6:24).
O significado evidente desse verbo em dez ocorrências no livro de Daniel
sugere que sua décima primeira ocorrência em 7:9 deveria ser traduzida com o
mesmo significado de “lançar, arremessar, jogar, atirar”. Pode ser descrito como
um “perfeito profético” porque sua forma perfeita ou completa é usada para des-
crever um evento futuro como se já tivesse acontecido (a única ocorrência desse
verbo no sentido de “impor” imposto ou tributo [Esdras 7:24] não ajuda a elucidar
170 o significado dessa ocorrência. O significado exclusivo presente nas utilizações de
Daniel tem precedência sobre considerações externas.)
Rāmāh I, o verbo cognato no hebraico bíblico, ocorre poucas vezes (Êx 15:1,
21, Jr 4:29; Sl 78:9), mas quando aparece transmite o significado de “lançar, ar-
remessar, atirar”. Assim, essa consideração de uma evidência cognata transmite a
mesma conclusão à qual já se chegou do aramaico de Daniel. Esse verbo, portan-
to, deve ser traduzido com o significado de “lançar, abaixar” em 7:9.
Há outros verbos aramaicos – com cognatos hebraicos – que os escritores
bíblicos poderiam ter usado para indicar a colocação de tronos. Por exemplo, em
2 Samuel 3:10 o verbo hebraico qûm é usado para o estabelecimento do trono de
Davi. O mesmo verbo é usado frequentemente no aramaico de Daniel. Ocorre
duas vezes no capítulo 2 – referindo-se ao estabelecimento dos reinos terrestres (v.
21, 44). Aparece nove vezes no capítulo 3 – descrevendo o levantamento da grande
imagem (v. 1-3, 5, 7, 12, 14, 18). No capítulo 4 é aplicado aos governantes a quem
Deus tem posto sobre reinos (v. 17). Finalmente, aparece duas vezes no capítulo 6
para descrever o estabelecimento de oficiais sobre a província persa de Babilônia
(v. 1, 3). Esse teria sido um verbo apropriado para descrever a colocação de tronos
em 7:9, mas não foi escolhido.
A mesma coisa pode ser dita para o verbo hebraico e aramaico śîm “pôr, estabe-
lecer, colocar”. Esse verbo é usado duas vezes no hebraico de Jeremias para se referir

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Estudos sobre Daniel

ao ato de pôr ou estabelecer tronos (43:10; 49:38). O mesmo verbo ocorre no ara-
maico de Daniel (6:14). Portanto, é evidente que o nosso autor estava familiarizado
com esse verbo que teria sido apropriado, mas ele não o usou também em 7:9. Uma
vez que o escritor usou especificamente o verbo remā’, “lançar, arremessar, atirar”,
especial e incomum, deve ter havido alguma razão específica para tal procedimento.
Deve tratar-se de algum conceito ou conexão especial que ele desejou expressar.
O motivo não é imediatamente evidente do contexto da cena do tribunal
celestial em 7:9-14. Nem é prontamente evidente do contexto do capítulo 7. Por
outro lado, no capítulo 8 algo da terminologia usada para descrever a atividade do
chifre pequeno naquela visão está intimamente relacionado com a ideia expressa
por esse verbo especial em 7:9. A dimensão vertical da obra do chifre pequeno é
introduzida no capítulo 8, que o retrata chegando até o Céu. Dali, ele primeiro
lançou por terra algumas das estrelas ou santos de Deus (v.10).
O verbo no versículo 10 é nāpal, “cair”. Esse verbo não está diretamente
relacionado com remā’ em 7:9 como está a noção verbal que aparece a seguir na
passagem e que lida com o efeito simbólico do chifre pequeno sobre o santuário
celestial. Quando o texto chega a esse ponto (v. 11-12), destaca que “o lugar do
seu (do Príncipe) santuário foi deitado abaixo”. O verbo usado para esse ato
de atirar ou lançar por terra é šālak. A mesma ideia é reforçada pela declaração
conclusiva de que “a verdade (acerca do santuário e seu ministério) foi lançada 171
(šālak) por terra”.
Nesses exemplos um equivalente semântico um tanto direto pode ser encon-
trado para o verbo remā’ em 7:9. O verbo šālak usado em 8:12 descreve o mesmo
tipo de ação que faz remā’ na passagem anterior – lançar ou deitar por terra. Mas
essas duas ações são executadas por poderes diferentes. No capítulo 8 é o chifre
pequeno que deita abaixo, e é o lugar do santuário que ele simbolicamente lança
por terra. Por outro lado, no capítulo 7 os agentes do Ancião de dias efetuam o
lançar. Nesse último caso é o trono de Deus que é descido ou baixado para que
Ele possa assentar-se a fim de começar o seu juízo.
Uma das ações desse juízo (mas não a única) é julgar o chifre pequeno. Além
disso, o chifre pequeno deve ser julgado pelos feitos terrestres simbolizados por
sua ação de deitar abaixo o lugar do santuário celestial. Em outras palavras, o
trono de Deus no santuário celestial é “lançado por terra” quando chega o tempo
de julgar o chifre pequeno, que anteriormente havia “deitado abaixo” o lugar
daquele mesmo santuário. Donde uma ação de deitar abaixo resulta em outra
ação de deitar abaixo. Essa conexão ideológica pode prover uma explicação para
o motivo pela qual um verbo incomum foi escolhido para expressar essa ação em
7:9. Ele resolveu o problema proposto por uma ação semelhante e expressa de
uma maneira relacionada em 8:12.

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A unidade de Daniel

A relação pode ser expressa em termos mais específicos quando se olha para o
que foi lançado por terra em 8:12. Não foi o santuário em si que foi ali deitado por
terra. Antes, foi o “lugar” (hebraico, mākŏn) do santuário que foi deitado abaixo.
Como esse lugar servia o santuário celestial?
Há duas possibilidades: (1) que esse mākôn servia todo o santuário celestial,
ou (2) que ele servia especificamente como o lugar para o trono de Deus naquele
santuário. O apoio para qualquer um desses dois pontos de vista pode ser encon-
trado em outras passagens do Antigo Testamento.
A palavra hebraica comum usada na Bíblia para indicar “lugar” é māqôm.
Ocorre cerca de 400 vezes. Mas o termo usado em 8:12 é mākôn, palavra que deriva
da raiz kûn, “fundar, erigir, estabelecer”. A forma substantiva dessa raiz aparece 16
vezes fora de Daniel. Em 15 exemplos ela está ligada ou com o santuário terrestre
ou com o santuário celestial como a habitação de Deus (Salmo 104:5 é a única
exceção; ali o termo designa os fundamentos da terra).
Dois terços das ocorrências são aplicados ao santuário celestial, e o restante
é aplicado ao santuário terrestre. Em essência, portanto, essa palavra é usada
no Antigo Testamento como uma palavra para santuário. Refere-se ao santuário
como o lugar da habitação de Deus, a localização do seu trono e o lugar a partir
de onde Ele age. As atividades divinas descritas desse modo são especificamente
172 as de responder à oração e administrar justiça e retidão por meio da dádiva do
julgamento ou da sentença.
Com respeito ao santuário, o termo mākôn é usado em dois sentidos gerais.
Por um lado, há aqueles exemplos onde ele claramente se refere a todo o lugar
sobre o qual repousava o santuário. Por exemplo, Esdras 2:68 tem em vista todo o
fundamento sob o santuário terrestre, uma vez que é uma referência à reconstru-
ção do templo. O monte Sião está incluído na referência aos fundamentos que são
abrangidos em Isaías 4:5. Isso indica que a base para toda a cidade de Jerusalém
está relatada ali. Nesse exemplo, a futura cidade, purificada e santa, deveria fun-
cionar como o tabernáculo no deserto, pois a coluna de nuvem estaria sobre ela.
A referência aos fundamentos da terra em Salmo 104:5 é um caso semelhante a
esse porque se refere aos fundamentos debaixo de toda a terra.
Por outro lado, a palavra às vezes se refere mais especificamente ao lugar do
trono de Deus. Os Salmos 89:14 e 97:2 são um exemplo disso em suas declarações
idênticas de que “justiça e juízo são o fundamento de seu trono”. Salmo 33:14 che-
ga muito perto desse tipo de linguagem quando se refere ao lugar onde Deus está
entronizado. Isaías 18:4 é um tanto semelhante (porém mais geral) ao se referir ao
lugar de onde Deus olha e age.
Entre esses dois pólos de utilização há outros exemplos em que o mākôn do
santuário envolvido é deixado em limites de referência mais gerais. Dada a nature-

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Estudos sobre Daniel

za geral dessas declarações, pode ser que todo o santuário esteja sendo menciona-
do nesses exemplos. Êxodo 15:17 e 1 Reis 8:13 se referem a todo o santuário caso
o paralelismo presente nestas passagens seja de natureza sinônima. Se, porém,
esse paralelismo poético for sintético, a segunda linha estará se referindo direta-
mente ao fundamento do trono de Deus. Dada a menção do Céu com as tríplices
referências idênticas ao mākôn em 1 Reis 8:39, 43, 49 e 2 Crônicas 6:30, 33, 39
(“Céu lugar da tua habitação”), essas declarações provavelmente se referem a todo
o santuário celestial, embora esta conclusão não seja inteiramente certa.
Tendo em vista seu uso, é evidente que mākôn pode se referir ao lugar de todo
o santuário, ou mais especificamente ao lugar sobre o qual repousa o trono de
Deus. Por qual desses dois significados deve a palavra ser interpretada em 8:12?
Não parece haver informação suficiente apenas nessa passagem ou em seu contex-
to imediato para responder com exatidão a essa pergunta.
Quando essa passagem é comparada com o capítulo 7, outra sugestão pode ser
dada acerca do possível significado pretendido no capítulo 8. Se era o fundamento
específico do trono de Deus que foi deitado abaixo em 8:12, o abaixamento do
trono de Deus na cena do tribunal celestial em 7:9-10 requer uma restauração ali.
O trono de um monarca terrestre geralmente é colocado sobre uma plataforma
erguida ou dossel na sala do trono do palácio.
Daniel 7:9-10 transmite um quadro similar. O trono de Deus que foi “abaixa- 173
do” ou estabelecido nessa cena do juízo naturalmente seria estabelecido sobre tal
dossel. O exército celestial reunido para o juízo congrega-se diante daquele trono
sobre seu dossel. A plataforma ou dossel aqui subentendido (em 7:9-10) natural-
mente teria sido identificado como o mākôn para aquele trono.
O paralelo, portanto, é que no capítulo 8 o profeta viu o mākôn simbolica-
mente “lançado” por terra. Por outro lado, no capítulo 7 o profeta viu o mākôn
literal “restaurado”, por assim dizer, à sua posição natural no santuário celestial.
Então o trono de Deus foi lançado sobre aquele mākôn. Em um caso, foi o mākôn
do santuário ou trono de Deus que foi “deitado abaixo”, ao passo que no outro
exemplo, o trono de Deus foi lançado sobre seu mākôn a fim de começar o juízo
descrito nessa cena.
Há um outro elo linguístico (porém, indireto) entre essas duas cenas em 7:9-10
e 8:11-12. Isso tem a ver com o uso do verbo aramaico remā’(“lançar, atirar”) em
7:9 e rûm em 8:11. O verbo rûm foi discutido longamente acima como o verbo que
descreve a ação de “tirar” o tāmîd em 8:11. É interessante notar a íntima relação
entre remā’ e rûm em termos de sua fonologia ou som.
“R” e “M” são as duas principais consoantes com que ambas as raízes verbais
são construídas. Embora venham de raízes diferentes com significados diferentes,
são verbos de sons muito similares. É possível que tenham sido escolhidos para

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A unidade de Daniel

descrever suas respectivas ações nessas duas cenas relacionadas por causa de sua si-
milaridade de som. Assim remā’ em 7:9 pode estar relacionado com šālak em 8:12
porque seu significado é essencialmente o mesmo – “deitar abaixo” ou “lançar por
terra”. E pode estar relacionado com rûm em 8:11 porque seu som é similar àquela
construção fonológica do verbo.

Uma relação fenomenológica


Em nossa discussão anterior sobre o capítulo 8 como uma profecia acerca do
santuário sugerimos uma razão por que “tardes-manhãs” foram escolhidas como
a unidade para simbolizar o elemento tempo na profecia. Vimos que a sequência
dessa unidade de tempo se entrelaçava especialmente bem com a alteração na
manifestação da presença divina – de uma coluna de fogo para uma coluna de nu-
vem, e assim sucessivamente. A expressão “tarde-manhã” se ajusta especialmente
bem a esse contexto para descrever um “dia do santuário”.
Essa é a espécie de imagens ou fenômenos que o profeta vê ligados com os perso-
nagens divinos presentes na visão do capítulo 7. A coluna de fogo pela qual Deus se
manifestava sobre o tabernáculo terrestre à noite provê um paralelo para o fogo que
circunda o Ancião de dias em 7:9-10. O texto é muito enfático a respeito da presença
174
desse fogo. A palavra (aramaico, nûr) é usada três vezes nesses dois versículos.
Paralelas à coluna de nuvem (vista sobre o santuário terrestre de manhã)
estão as nuvens que circundam o Filho do Homem quando Ele se dirige ao
Ancião de dias em 7:13. As referências a nuvens em conexão com a pessoa de
Deus em outro lugar no Antigo Testamento indicam que o Filho do Homem
possui atributos divinos. Como o Filho do Homem, porém, Ele deve ser visto
também como possuindo características semelhantes às do ser humano. Ele é,
portanto, um ser divino-humano. Somente Jesus Cristo tem satisfeito as qualifi-
cações para essa identificação. Essa parte da visão deve ser compreendida como
uma profecia sobre Ele.
O ponto a ser enfatizado para o propósito deste estudo é o de que as nuvens
que vêm com o Filho do homem complementam o fogo que circunda o Ancião de
dias – Deus, o Pai. As nuvens e o fogo estão presentes nas imagens e fenômenos
ligados com a manifestação da presença divina sobre o santuário terrestre. Essas
manifestações de Deus são vistas no santuário celestial. Esse santuário tem uma
obra especial a fazer no final do período simbólico de tardes e manhãs. Os mes-
mos tipos de manifestações são agora vistos ligados com o Pai e o Filho no santuá-
rio celestial no tempo em que Eles assumem ali uma obra especial de juízo.
Desse modo, uma conexão fenomenológica pode ser vista entre a coluna de
fogo que demarcava as noites daqueles dias do antigo santuário e a “coluna” de
fogo que circunda o Ancião de dias quando Ele aparece na sala de audiência do

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Estudos sobre Daniel

santuário celestial para efetuar um juízo. Também pode ser vista uma conexão
entre a coluna de nuvem sobre o santuário terrestre durante o dia e a “coluna” de
nuvem que circunda o Filho do Homem quando Ele aparece nessa mesma sala
de audiência celestial. As manifestações físicas da presença divina originalmente
empregadas em relação ao santuário terrestre agora são manifestadas mais uma vez
no tempo do fim no santuário celestial, quando esse juízo é efetuado.
A visão desses fenômenos pelo profeta em 7:9-14 sugere que podem estar re-
lacionados com os mesmos fenômenos que aconteciam no momento dos rituais
da tarde e da manhã do santuário terrestre. O uso de tardes-manhãs como uni-
dades de tempo em 8:14 bem pode basear-se em sua relação com esses mesmos
fenômenos e sua conexão com o santuário. Se essa relação foi corretamente veri-
ficada, o período de tempo representado pelas 2.300 tardes-manhãs deve apontar
o caminho para a manifestação profetizada desses fenômenos na cena do juízo do
santuário celestial mostrada ao profeta em 7:9-14.

Uma relação pessoal


No capítulo 7 o Filho do Homem aparece na cena de ação (v. 13) no final da
própria visão (v. 14). Apesar do fato de que seu aparecimento ocupa apenas essa
cena final, a visão atinge o clímax com esse aparecimento. A essa altura é-lhe dado 175
o “domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as
línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu
reino jamais será destruído” (7:14).
Se tivéssemos somente o capítulo 7 para explicar a súbita virada dos aconteci-
mentos, essa notável conclusão pareceria um tanto discordante com o que ocorreu
antes na profecia. Nenhum indício da obra do Filho do Homem ou alguma razão
por que tal prêmio deva ser conferido a Ele está registrado. Sendo que nenhuma
explicação é dada no capítulo 7 por que Ele deva ser indicado como o dominador
desse reino universal e eterno, isso precisa ser procurado em outro lugar no livro.
Como o passo seguinte na sequência profética, o capítulo 8 provê a passagem
lógica onde procurar tal explicação.
O que encontramos no capítulo 8, porém, não é tanto um rei, tal como o
Filho do Homem se tornou (cap. 7), mas um Príncipe. O Príncipe é também um
governante sobre o povo de Deus, porque Ele dirige seu exército. Esse exército é
constituído dos santos do Altíssimo (8:10, 24). Essa relação já sugere uma equi-
valência entre essas duas figuras. Mas a profecia do capítulo 8 não é de tão longo
alcance como a profecia do capítulo 7.
No capítulo 8, o Príncipe governa sobre o povo de Deus em um sentido pre-
liminar, porque a visão do capítulo termina com o chifre pequeno ainda em exis-
tência e operando, de certa forma, contra esse povo. O capítulo 7, por outro lado,

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A unidade de Daniel

retrata o Filho do Homem como o grande soberano cujo reinado sobre os santos
do Altíssimo será universal e eterno. Isso seguirá a destruição do chifre peque-
no. Sendo que os chifres pequenos do capítulo 7 e 8 representam o mesmo po-
der, o domínio final do Filho do Homem (cap. 7) deve vir depois do domínio
preliminar do Príncipe (cap. 8).
Portanto, se nos afigura haver duas fases do mesmo tipo de domínio repre-
sentadas nessas profecias paralelas e relacionadas. Embora seja possível para
Deus governar sobre seu povo por meio de um personagem celestial em uma
era, e por meio de outro personagem celestial em outra era, é mais provável que
esses dois personagens representem a mesma pessoa. Sua descrição no capítulo
8 enfatiza assim uma fase do seu domínio, enquanto a descrição no capítulo 7
enfatiza outra fase. Há um bom motivo para identificar esses dois personagens
dessas profecias paralelas com base em que eles servem em funções semelhantes
e relacionadas.
Se, porém, olharmos apenas para o aspecto do domínio nessas duas profe-
cias, omitiremos a dimensão da obra do Príncipe que é adicionada no capítulo
8, sua obra como sacerdote. De fato, a visão do capítulo 8 coloca mais ênfase
sobre sua obra como sacerdote do que sobre sua função como soberano. É o
tāmîd do ministério do Príncipe que o chifre pequeno procura tirar e falsificar.
176 É o lugar do seu santuário que o chifre pequeno simbolicamente lança por ter-
ra. É a verdade sobre Ele, seu ministério e seu santuário que o chifre pequeno
deita por terra e espezinha.
Embora parte da luta entre o chifre pequeno e o Príncipe no capítulo envol-
va o exército de suas estrelas – os santos –, a maior parte dele trata da obra do
Príncipe no santuário pelo seu povo. Por que o santuário é tão importante? A
razão evidente para sua importância tem a ver com o que ocorre nele.
É no santuário (por meio do seu ministério) que o Príncipe está trabalhan-
do pela salvação do povo. Isto é o que o chifre pequeno tenta tirar e controlar,
desviando desse modo a atenção do povo do verdadeiro plano da salvação. Mas
o verdadeiro plano da salvação, conforme executado pelo Príncipe, prevalece-
rá no final. A salvação do povo será efetuada. Assim, tal aspecto da obra do
Príncipe no capítulo 8 explica como o Filho do homem vem a ter seus súditos
no capítulo 7. Primeiro Ele opera sua salvação como Sumo Sacerdote (cap. 8),
então Ele vem para governar sobre eles no eterno reino de Deus (cap. 7).
Essa é a diferença na ênfase sobre sua obra nesses dois capítulos. No capí-
tulo 8, Ele serve principalmente como sacerdote; no capítulo 7 Ele serve final-
mente como rei. Sendo que as obras de Deus em favor do seu povo (conforme
descritas nesses dois capítulos) estão diretamente relacionadas como causa e
efeito, o indivíduo em quem essas obras estão centralizadas deve ser também

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Estudos sobre Daniel

identificado como o mesmo indivíduo – Jesus Cristo. Ele é o sacerdote-rei dos


capítulos 7 e 8.
Outro elemento de sua obra que contribui para o quadro total do motivo pela
qual Ele é digno de se tornar soberano (cap. 7) está descrito em 9:24-27. Contudo,
antes que esse aspecto do capítulo 9 possa ser considerado, precisamos examinar
alguns outros detalhes dessa profecia.

177

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Capítulos 8, 9 e 11

S inopse editorial. Duas interpretações opostas são aplicadas atualmente à pro-


fecia de Daniel 9:24-27. Uma afirma que ela se centraliza em Antíoco Epifânio
(segundo século a.C.). Outra sustenta que seu enfoque é sobre Jesus de Nazaré e
eventos na Palestina sob o governo dos romanos no primeiro século d.C. O autor
desta seção opta pelo segundo ponto de vista, uma vez que todos os fatores se
ajustam melhor quando aplicados a Jesus. A primeira opinião pode ser rejeitada
pelo menos por três razões:
1. O período de 490 anos (70 semanas = 490 anos, ligado ao princípio dia-
ano) se estende além do tempo de Antíoco em mais de um século e meio.
2. Antíoco não destruiu nem o templo, nem Jerusalém, mas a profecia prediz
tal destruição.
3. Os títulos usados na profecia parecem estar relacionados linguisticamente
com apenas um personagem. Se é assim, eles se ajustam a Jesus mais apropriada-
mente do que a Antíoco.
Teologicamente, a profecia se relaciona com Jesus de Nazaré em vários senti-
dos, sendo um desses a conexão com algumas de suas datas anuais. Atualmente
178
é possivel determinar, a partir de fontes primárias, que 457 a.C., 27 d.C. e 34
d.C. foram anos sabáticos (veja Lv 25:1-7). O ano sabático (o último ano em um
período de sete) não somente permitia a terra ter descanso por ficar sem cultivo,
mas também provia libertação da escravidão para o escravo hebreu (Êx 21:2). Con-
sequentemente, 27 d.C. assume acrescido significado conforme assinalou o apa-
recimento do Messias, o Grande Libertador, que veio para proclamar liberdade à
humanidade escravizada pelo pecado.
As visões dos capítulos 8 e 9 estão claramente ligadas, sendo, para todos os
fins práticos, uma só visão. O mesmo anjo, Gabriel, é o intérprete, retornando
na visão do capítulo 9 para completar sua explicação da visão do capítulo 8. O
escritor nota várias conexões:
1. Os elementos de tempo nas visões de Daniel são geralmente declarados per-
to do seu final. Contudo, a visão do capítulo 9 é de tal forma apresentada que seu
elemento de tempo (70 semanas) é colocado primeiro. Isso está justaposto contra
o elemento de tempo (2.300 dias) do capítulo 8. Esse posicionamento dos dois
elementos de tempo perto um do outro sugere que um vínculo de proximidade
existe entre eles.
2. Tanto as 70 semanas quanto os 2.300 dias começam no período persa.
3. Ambos os elementos de tempo são ligados pelo uso do termo técnico mar’eh
(“visão”) por Gabriel. Essa porção da visão total (hāzôn) que lida com o elemento de
tempo (2.300 tardes-manhãs) foi designada por Gabriel no capítulo 8 como o mar’eh

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Estudos sobre Daniel

das “tardes e manhãs” (8:26, RSV). É a essa porção que Gabriel se refere no capítulo
9 quando diz a Daniel: “considera, pois, a coisa e entende a mar’eh (‘visão’)”.
4. O significado da raiz do verbo hebraico traduzido por “determinadas” ou
“decretadas” em nossas Bíblias comuns em 9:24 é “cortadas”. Esse é o seu original
e concreto significado. Os termos abstratos “decretar” e “determinar” são nuanças
posteriormente derivadas que se desenvolveram um milênio depois do tempo de
Daniel. O hebraico mishnaico (hebraico tardio) indica que a palavra era usada
mais comumente com o sentido de “cortar” do que com os significados deriva-
dos. As ligações próximas dessas duas visões argumentam fortemente em favor do
ponto de vista de que as 70 semanas devem ser compreendidas como cortadas do
período de tempo mais longo dos 2.300 dias, provendo, desse modo, os pontos de
partida para ambos os períodos.
Como visto anteriormente, a profecia do capítulo 9 focaliza o Messias: seu
aparecimento, sua rejeição e morte, e o efeito da última sobre a aliança e o sistema
sacrifical. Teologicamente, a profecia pode ser vista como apresentando sua morte
como expiação da iniquidade, o que resulta na justiça eterna. Finalmente, a profe-
cia olha além da morte expiatória do Messias para a unção do santuário celestial e
o seu ministério sacerdotal dos méritos de sua morte expiatória.
Comparando as visões dos capítulos 7–9 pode-se observar que seus períodos de
tempo variam em extensão: curto (cap. 9), intermediário (cap. 8), extenso (cap. 7). 179
Também deve ser notado que sua sequência (em termos de eventos) está invertida
(um modelo comum do pensamento hebraico que raciocina de efeito para causa).
O capítulo 9 ressalta a morte do Messias; o capítulo 8 revela o seu ministério
sacerdotal no santuário celestial e o ataque do chifre pequeno numa tentativa de
interrompê-lo ou desvirtuá-lo; o capítulo 7 olha além desse ponto para a recepção
do reino eterno pelo Messias. Assim, no capítulo 9 Ele é retratado como sacrifício
sob o título de “Messias, o Príncipe”. No capítulo 8 Ele é descrito como sacerdote
sob o título de “Príncipe do exército”. No capítulo 7 Ele é representado como rei
sob o título de “Filho do Homem”. Na visão dos capítulos 11–12 Ele é designado
como “Miguel, o grande príncipe” que representa o seu povo e intervém em seu
favor. Em nossa maneira de pensar ocidental – e nos reais cumprimentos históricos
– os eventos do capítulo 9 deveriam (e o fizeram) vir primeiro, então os do capítulo
8, seguidos por sua vez pelo juízo final e o recebimento do reino no capítulo 7.
Daniel 9:24-27 pode ser demonstrado como uma passagem composta de duas
estruturas literárias cuidadosamente trabalhadas, cujos elementos estão arranjados
de tal forma como para enfatizar a morte expiatória do Messias e o seu resultado
em prover a justiça eterna.
Três importantes passagens na visão dos capítulos 11–12 relacionam-se com
as visões anteriores dos capítulos 7–9 (11:22 com 9:25-27; 11:31 com 8:11-13;

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A unidade de Daniel

11:33-34 com 7:25 e 12:7). Essas passagens interligadas provêem outra evidência
da unidade interna do livro.
Finalmente, o escritor chama a atenção para a dupla estrutura literária quiásti-
ca do livro. Os capítulos 1–7 (a porção aramaica do livro) formam um quiasmo en-
quanto que os capítulos 8–12 (a porção hebraica) formam outro. Estes interligam
história e profecia. Os elementos cuidadosamente equilibrados do livro como uma
peça literária, o entrelaçamento por meio de seus temas comuns – especialmente o
central, que cria um rico retrato do Messias – claramente indicam a unidade do li-
vro de Daniel e apontam para sua única autoria pelo profeta do sexto século a.C.

Esboço da seção

1. Aspectos específicos de Daniel 9


2. Extensão das profecias de Daniel 7, 8 e 9
3. Relações entre as figuras pessoais em Daniel 7, 8 e 9
4. Estrutura literária de Daniel 9:24-27
5. Estrutura quiástica de Daniel 9:24
6. Relações entre Daniel 11 e Daniel 7, 8 e 9
180
7. Estrutura literária global e unidade temática do livro de Daniel
8. Nota de fim: fontes para a datação dos anos sabáticos posteriores ao exílio

Aspectos específicos de Daniel 9

Uma exegese detalhada de Daniel 9:24-27 aparece em outro volume da série


Santuário e Profecias Apocalípticas.14 Portanto, repetirei apenas os pontos intro-
dutórios feitos aqui. O motivo para essa repetição é que a orientação com que al-
guém aborda a profecia do capítulo 9 determina em grande parte como, no final,
se aplica historicamente suas declarações individuais.
Dois pontos de vista opostos são mantidos: (1) Os intérpretes preteristas
vêem o período de tempo profético do capítulo 9 como se estendendo do perí-
odo neo-babilônio até o tempo do rei selêucida Antíoco Epifânio, na primeira
metade do segundo século a.C. (2) Os intérpretes historicistas e futuristas datam
o começo dessa profecia no período persa e a estendem até ao tempo de Roma
no primeiro século d.C.
Para nossa finalidade presente não é necessário tratar da questão da teoria da
lacuna mantida por alguns futuristas que eliminam a última das 70 semanas e a
transferem para o fim dos tempos. Deve-se tornar evidente para o leitor que a teo-

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Estudos sobre Daniel

ria da lacuna não é compatível com várias das interpretações de Daniel sugeridas
abaixo. Mas esse assunto não é o enfoque do nosso estudo aqui.
Nosso propósito nesta discussão introdutória é notar que há duas opiniões
principais sobre as quais se centraliza a profecia do capítulo 9: Antíoco Epifânio
no segundo século a.C., e eventos na Palestina sob governo dos romanos no pri-
meiro século d.C.
Sendo que a segunda opinião é adotada por este volume, algumas falhas da
opinião alternativa podem ser mencionadas de passagem. Restringimos nossas
observações aos três pontos principais, embora outras críticas possam ser suscita-
das. São os seguintes: (1) seu problema com os períodos de tempo proféticos, (2)
seu problema com o destino de Jerusalém, e (3) seu problema com os títulos das
pessoas presentes nessa profecia.
1. O problema com o período de tempo profético do capítulo 9 (70 sema-
nas) é simples, mas é importante. Mesmo se alguém iniciar esse período de tempo
no começo do sexto século a.C. (cerca de 593 a.C.), como fazem os preteristas, é
impossível comprimir os 490 anos das 70 semanas proféticas dentro do período
compreendido entre essa data e o tempo de Antíoco Epifânio (175-164 a.C.). Um
mínimo de 490 anos nos leva além de Antíoco por mais de um século e meio. Os
interpretes mais imparciais dessa escola de interpretação têm admitido essa dificul-
dade, mas ela ainda não os dissuadiu de aderir a essa interpretação. Se as unidades 181
de tempo dessa profecia datam seus principais eventos muito além da morte de
Antíoco Epifânio, parece pouco razoável vê-lo como participante nesses eventos.
2. A profecia fala de várias coisas que aconteceriam a Jerusalém em algum tem-
po depois da sua restauração. Ela viria ao seu fim (hebraico, qēs); seria destruída
(hebraico, šāhat); e seria desolada (hebraico, šāmēm). Antíoco Epifânio, porém,
não fez nenhuma dessas coisas a Jerusalém ou ao seu templo. Ele profanou o tem-
plo e interrompeu seus rituais, mas não há nenhuma evidência histórica de que
ele causou qualquer dano arquitetônico significativo ao templo ou à cidade.
Entretanto, a combinação dessas três palavras fortemente expressa uma des-
truição antecipada da cidade e do templo. Isso é o que os romanos fizeram a
Jerusalém e ao seu templo, mas não Antíoco. O cumprimento dessas declarações
proféticas deveria, portanto, estar ligado aos romanos em vez de a Antíoco.
3. Uma terceira objeção à opinião preterista do capítulo 9 tem a ver com o uso
e a identidade dos títulos “Messias” [ou Ungido] e “Príncipe”. Os termos ocorrem
no texto duas vezes cada: primeiro juntos, então uma vez cada separadamente (v.
25-26). No esquema preterista esses títulos são distribuídos a três diferentes indi-
víduos: Ciro ou Zorobabel, Onias III e Antíoco Epifânio.
Antes, porém, de alguém interpretar esses títulos historicamente, seu uso no
texto deveria ser examinado. Quando isso é feito, torna-se evidente que foi empre-
gado o seguinte modelo:

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A unidade de Daniel

v. 25 Messias + Príncipe = A+B


v. 26a Messias (somente) = A (somente)
v. 26b Príncipe (somente) = B (somente)

Nesse exemplo uma expressão par (“Messias” e “Príncipe”) foi separada, e cada
metade do par foi distribuída às sucessivas declarações da profecia. Sendo que as
palavras usadas separadamente foram usadas primeiro juntas como um par, o mo-
delo apóia a ideia de que todas as três referências deveriam ser aplicadas ao mesmo
indivíduo, quem quer que tenha sido.
Quando comparada com esse modelo estrutural literário, a tríplice identifica-
ção preterista não se ajusta ao texto e deve ser descartada. A opinião que se ajusta
melhor ao modelo literário é aquela que aplica esse título nas três referências a Jesus
Cristo como o Messias dos tempos romanos no final do período das 70 semanas.
Resumindo, podemos afirmar que a interpretação de Antíoco no capítulo 9
carece de adequadas explicações exegéticas e históricas a fim de tornar essa inter-
pretação plausível. Os períodos de tempo se estendem além dos tempos de Antí-
oco. Ele não destruiu Jerusalém e o seu templo. E, finalmente, os títulos pessoais
dados na profecia também não se ajustam a ele.
Como está explicado no estudo mais detalhado de Daniel 8, no volume 3 da
182 Série Santuário e Profecias Apocalípticas, esses fatores se adaptam muito melhor
com o cumprimento em termos de Jesus de Nazaré como o Messias predito a vir
nos tempos romanos do primeiro século d.C. O equilíbrio do presente estudo
sobre o capítulo 9 fundamenta-se desta conclusão.

Cronologia
1. As 70 semanas como anos sabáticos. As datas históricas para os eventos que
cumpriram essa profecia são discutidas com algum detalhamento no estudo exegé-
tico do volume 3, conforme mencionado acima. As datas ali determinadas são 457
a.C. para o início das 70 semanas, 27 d.C. para o início da setuagésima semana, e
34 d.C. para o final da setuagésima semana. Nenhuma nova informação histórica
sobre essas datas está disponível, porém mais informação sobre as unidades de
tempo que elas medem tem vindo à tona.
No estudo exegético do capítulo 9 é mostrado que várias linhas diferentes de
evidência linguística convergem para indicar que a palavra šābû‘a (usada para as
unidades de tempo nessa profecia) deve ser traduzida como “semanas”, em vez de
“setes”. A partir dessa conclusão pode-se ainda perguntar: Que espécie de semanas
se tem aqui em vista? A palavra para “semana” pode ser usada em dois sentidos
diferentes. (1) Ela pode medir uma unidade de sete dias sucessivos, não importa
o dia em que eles começam (por exemplo, de terça a segunda). Ou (2) a palavra

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Estudos sobre Daniel

pode ser usada para referir-se especificamente às semanas sabáticas que começam
no domingo e terminam no sábado. Essas podem ser mencionadas como semanas
não-sabáticas e sabáticas respectivamente.
A pergunta é: Deveriam as 70 semanas simbólicas do tempo profético de Daniel
ser interpretadas nos termos do modelo das semanas sabáticas ou não-sabáticas?
Caso se tenha em vista semanas não-sabáticas, essas unidades de tempo simples-
mente se referem coletivamente a um período global de 490 anos. Por outro lado,
se são pretendidas semanas sabáticas, esse período de 490 anos sucessivos deve ser
divisível por períodos de ano sabático ou ciclos de sete anos cada (veja Lv 25:1-7).
O texto em si não dá nenhuma indicação explícita sobre que tipo de semana
se tinha em vista. Nesse exemplo, a melhor maneira de responder à nossa pergun-
ta é aplicar um teste pragmático e examinar as datas da profecia para ver se os seus
cumprimentos se ajustam aos conhecidos anos sabáticos.
Recentemente, fontes extra-bíblicas nos têm provido a informação que agora
torna possível datar os anos sabáticos do período pós-exílico – o sétimo ano em
uma unidade de sete (Lv 25:1-7).15 Veja Nota de fim deste capítulo para um resu-
mo e uma análise dessas fontes. Pode agora ser demonstrado que as datas de 457
a.C., 27 d.C. e 34 d.C. (datas para eventos básicos da profecia do capítulo 9) foram
anos sabáticos. Assim, a resposta à nossa pergunta inicial é que as “semanas” da
profecia do capítulo 9 se referem especificamente a semanas sabáticas que, por sua 183
vez, envolvem anos sabáticos.
A teologia por trás dos anos sabáticos pode, portanto, adicionar algum sig-
nificado aos eventos profetizados no capítulo 9. Em anos sabáticos, os escravos
deveriam ser libertados e a terra deveria ser revertida aos proprietários originais.
Tal conexão pode ser vista com os eventos de 457 a.C., no início das 70 semanas.
Naquela ocasião, mais exilados retornaram do seu cativeiro babilônio e voltaram
para a terra à qual eles e suas famílias originalmente pertenciam.
Outro exemplo disso pode ser encontrado em conexão com a ocasião em que
Jesus leu Isaías 61 na sinagoga de Nazaré (Lucas 4:16, 21). O evento assume maior
significado quando se leva em conta que Jesus leu esse texto alusivo ao ano sabáti-
co em um ano sabático – 27 d.C. –, e o aplicou a si mesmo no início do seu minis-
tério. Assim fazendo, Ele anunciou-se a si mesmo como o Grande Libertador dos
judeus e de toda a raça humana. Não foi por acaso que Ele fez tal anúncio nessa
ocasião. Dada sua conexão com Levítico, Isaías e Daniel, isso parece ter sido feito
nessa ocasião por desígnio divino.
2. A conexão entre os períodos de tempo de Daniel 8 e 9. Publiquei anterior-
mente um estudo mais detalhado sobre o assunto da relação entre as 70 semanas
do capítulo 9 e os 2.300 dias do capítulo 8.16 Apenas um breve resumo de alguns
pontos desse estudo anterior será mencionado aqui. Há vários pontos de contato

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A unidade de Daniel

entre os períodos de tempo dessas duas profecias que as ligam de tal maneira a su-
gerir que o ponto de partida dado na segunda deve também ser empregado como
o ponto de partida da primeira.
A. Distribuição do elemento tempo. A localização costumeira para os ele-
mentos de tempo nas profecias de Daniel está próxima do final. De sorte que os
2.300 dias em 8:14 ocorrem no fim daquela visão. Os três anos e meio de 7:25
ocorrem em torno do fim da interpretação dada ali. As tríplices declarações sobre
tempo em 12:7, 11-12 ocorrem no final dessa profecia.
A profecia do capítulo 9 é singular nesse sentido. Nesse exemplo, a profecia
começa com um período de tempo, e os elementos de tempo estão distribuídos
por todo ele. Em termos de estrutura literária, esse arranjo justapõe as 70 semanas
(no início da profecia do capítulo 9) sobre os 2.300 dias (no final da profecia na
visão do capítulo 9). Essa justaposição literária sugere que esses elementos de tem-
po devem ser vistos como diretamente relacionados uns com os outros.
B. Começando no período persa. As 70 semanas começam no período per-
sa. Foi um rei persa quem deu o decreto para reconstruir Jerusalém, o ponto de
partida dessa profecia de tempo. Em outro lugar, discuti os motivos por que o
período de tempo dos 2.300 dias dado em 8:14 começou no período persa.17 Isso
significa que o período de tempo do capítulo 8 começou em um ponto indefinido
184 no período persa, enquanto que o período de tempo do capítulo 9 se iniciou em
um ponto específico da mesma era persa. Dadas essas relações, a data específica
do último prontamente pode ser vista como suprindo a especificidade exigida pela
data mais geral do primeiro.
C. Terminologia profética técnica. Quando Gabriel veio a Daniel ele o instruiu
a “compreender a palavra [que eu agora te trago] e entender a visão [que tu viste an-
teriormente]” (9:23, minha trad.). Aqui Gabriel remeteu Daniel à profecia anterior
(cap. 8), mas fez isso de um modo muito específico. A palavra hebraica traduzida
por “visão” nesse exemplo é mar’eh. Esse termo contrasta com o hebraico hāzôn, a
palavra mais comumente usada em Daniel para visões simbólicas. O significado da
diferença entre essas duas palavras foi discutido em um estudo anterior.18
A distinção entre essas duas palavras é mantida em 8:26, onde Gabriel assegu-
ra a Daniel que a mar’eh das tardes e manhãs “é verdadeira”, mas ele foi instruído
a “selar a visão (hāzôn)”. A primeira referência é quanto ao aparecimento de dois
personagens angélicos que discutiam o período de tempo das tardes e manhãs
nos versículos 13-14. A segunda referência é quanto ao que Daniel viu até aquele
ponto – a visão simbólica dos versículos 2-12.
Gabriel, portanto, não remeteu Daniel à visão em geral. Antes, ele o remeteu
especificamente à mar’eh dos dois seres angélicos e sua conversação sobre a pu-
rificação/restauração do santuário no final dos 2.300 dias (8:13-14). Sendo que

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Estudos sobre Daniel

a próxima declaração feita por Gabriel é a respeito das 70 semanas, é evidente


que essas semanas foram ligadas diretamente com aqueles 2.300 dias previamente
mencionados desse modo.
D. O verbo “cortar”. O verbo usado por Gabriel em sua primeira declaração
é uma forma passiva (hebraico, Niphal) da raiz hātak. Essa raiz claramente significa
“cortar” ou “determinar, decretar”. Pelo fato de essa ser a única passagem onde
o termo ocorre no hebraico bíblico, o exato matiz de significado pretendido para
ele nessa passagem tem sido objeto de discussão. Os significados de “decretar” ou
“determinar” derivaram do hebraico mishnaico, que data de um milênio depois
do tempo de Daniel (sexto século a.C.). Todavia, mesmo no hebraico mishnaico a
palavra era mais comumente usada com o significado de “cortar”.
Os extensos significados das raízes verbais semíticas desenvolveram-se a partir
de seus significados concretos em direção de significados abstratos (este é o modo
como eles estão registrados nos dicionários hebraicos). É razoável, portanto, sus-
tentar que o significado da raiz dessa palavra envolvia a ideia de cortar, e que o
conceito de cortar um decreto, determinando algo, foi derivado dessa ideia básica.
Consequentemente, no tempo de Daniel esta palavra já significava “cortar”. Quer
os extensos significados de “decretar” ou “determinar” tenham se desenvolvido
por esse tempo ou não, no tempo presente não pode ser averiguado devido à falta
de evidência comparativa. 185
A principal evidência comparativa, do cananita ugarítico do décimo-terceiro
século a.C., apóia essa noção verbal da raiz de cortar (um filho de um pai), mas
não suas ideias posteriores de decretar e determinar. Assim, essas três linhas de evi-
dência (significado da raiz sobre significado derivado; caso único de um cognato; e
o significado predominante em fontes posteriores) favorecem, mas não provam de
forma alguma, que esse verbo deveria ser traduzido por “cortar” nessa passagem.
O sentido indicaria que as 70 semanas deveriam ser “cortadas” dos 2.300 dias.
Resumindo, os períodos de tempo dessas duas profecias podem estar relacio-
nados diretamente (1) em termos de seus lugares na estrutura literária de Daniel,
(2) a partir do período histórico em que ambos iniciam, (3) por meio da termi-
nologia profética que os liga, e (4) por meio do significado do verbo inicial da
segunda profecia. A partir dessas linhas de evidência é seguro concluir que as 70
semanas estavam diretamente ligadas aos 2.300 dias e, então, cortadas deles. Além
disso, a data de partida específica para o primeiro período deveria ser empregada
também para clarificar a data de partida para o último.

Daniel 9 como uma profecia messiânica


Uma exegese versículo por versículo de 9:24-27 é apresentada no volume 3 da
Série Santuário e Profecias Apocalípticas. Extrairemos desses materiais aqueles

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A unidade de Daniel

pontos de vital interesse que se centralizam no Messias e sua obra. Ao examinar


esse elaborado retrato do Messias, estaremos mais bem preparados para comparar
sua obra com aquela das figuras pessoais apresentadas em outro lugar nas profe-
cias de Daniel.
A profecia parece fazer oito declarações separadas acerca do Messias. Algumas
delas são mais diretas do que outras, mas consideradas juntas, todas elas podem
ser detalhadas como segue:

v. 24 1. Ele expiaria a iniquidade.


2. Ele traria a justiça eterna.
3. O santo dos santos seria ungido por Ele.
v. 25 4. Ele viria em certo tempo na história.
v. 26 5. Ele seria morto.
6. Ele seria rejeitado quando fosse morto.
v. 27 7. Ele faria uma forte aliança com muitos.
8. Ele teria um impacto sobre o sistema sacrifical.

A título de clareza, reverteremos a ordem textual e iniciaremos nossos comen-


tários com a sequência cronológica no versículo 25.
186 Ele viria em certo tempo na história (v. 25). Discuti em outro lugar datas
para o cumprimento dessa parte da predição. Primeiro, a profecia designa sete
semanas (49 anos) para a reconstrução da cidade de Jerusalém. Além desse ponto,
outras 62 semanas se estendem até a vinda do Messias, o que dá um total de 483
anos (49 + 434) a partir do decreto para restaurar e reconstruir Jerusalém até o
aparecimento do Messias.
Iniciar esses 483 anos em 457 a.C. significa que esse período de tempo chega
à sua conclusão em 27 d.C. Esse foi o ano em que Jesus de Nazaré iniciou seu mi-
nistério público. Segundo Lucas, trata-se do décimo-quinto ano de Tibério César
(Lucas 3:1, 21). Não é especificado aqui o tempo do seu nascimento. Antes, o en-
foque está sobre o tempo em que Ele iniciou o seu ministério público em seguida
ao seu batismo ou unção. A palavra “Messias” significa ou se refere a isso. Seu ato
de assumir o título nessa ocasião era profeticamente correto tanto no tocante à sua
data quanto ao seu significado.
Ele seria morto (v. 26). Isso é o que significa o verbo hebraico “cortar” nessa
passagem. Ele não deveria ter uma morte natural; deveria morrer às mãos de ou-
tras pessoas. Isso foi cumprido na experiência de Jesus Cristo quando Ele foi cru-
cificado pelos soldados romanos por instigação dos líderes religiosos dos judeus.
Ele seria rejeitado quando fosse morto (v. 26). A frase seguinte é melhor tra-
duzida literalmente: “e já não estará” ou “e não será mais”. Um sujeito adicional

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Estudos sobre Daniel

tem de estar com o verbo. Esse sujeito adicional pode ser ou “coisas, possessões”
ou “povo”. Se o primeiro está correto, isso seria uma referência à pobreza do Mes-
sias quando Ele morreu. Isso foi verdade quanto a Jesus, porém Deus está mais
interessado em pessoas do que em possessões.
Sendo que a palavra para “povo” ocorre na frase seguinte da profecia, torna-
se aqui um sujeito melhor compreendido. Nesse caso, a frase pode ser traduzida
como “ninguém estará por Ele”. Na medida em que essa declaração ocorre em co-
nexão com sua morte, significaria que Ele seria rejeitado em um sentido especial
ao morrer. Essa foi certamente a experiência de Jesus sobre a cruz.
Ele faria firme aliança com muitos por uma semana (v. 27). Jesus é conheci-
do no Novo Testamento como o fundador da nova aliança (Marcos 14:24). Ele foi
também o cumprimento da provisão profética da antiga aliança para o Messias
vindouro (Dt 18:18). Essa declaração profética se refere à última semana da an-
tiga aliança ou à primeira semana da nova aliança? A cronologia aqui envolvida
sugere a primeira.
A setuagésima e última semana da profecia deve ser datada de 27 d.C. a 34
d.C. Jesus iniciou o seu ministério no começo dessa semana, e não morreu até “a
metade da semana”. Ele fundou a nova aliança em seu próprio sangue quando
morreu. O uso do verbo “fortalecer” (gābar) subentende que essa aliança já existia.
A setuagésima semana também está em continuidade com as outras 69 que a pre- 187
cederam. Assim, vários fatores sugerem que a semana mencionada na passagem
foi a última semana da antiga aliança, não a primeira semana da nova aliança. Esse
foi o período final de provação estendido ao Israel nacional (cf. Rm 15:8).
Ele teria um impacto sobre o sistema sacrifical (v. 27). No meio da setuagésima
semana profética, isto é, no tempo histórico quando Jesus morreu, o Messias “faria
cessar o sacrifício [animal] e a oferta [de manjares]”. Isso não aconteceu fisicamente
senão 40 anos depois da morte de Jesus. Com sua morte, porém, Ele esvaziou todo
o sistema sacrifical de qualquer outro significado teológico. Aquilo para o qual
todo o sistema apontava encontrou o seu antítipo – Jesus Cristo. Deus demonstrou
esse fato enfática e sobrenaturalmente quando fez o véu do templo rasgar-se de alto
abaixo no exato momento em que Jesus morreu na cruz (Mt 27:51).
Voltemos agora para as obras mais gerais que seriam realizadas por Deus por
meio do seu Messias, conforme subentendido no versículo 24:
Ele expiaria a iniquidade (v. 24). O texto não declara explicitamente como ou
por quem a expiação seria feita. Contudo, isso pode ser inferido por um processo
de eliminação e correlação. Ou seja, podemos eliminar os sacrifícios do templo
como tendo uma função no cumprimento disso, uma vez que se diz que eles ces-
sariam (9:27). Por outro lado, podemos correlacionar a morte do Messias como
o evento central no restante da profecia com o testemunho do Novo Testamento.

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A unidade de Daniel

No templo de Salomão (em ruínas durante a maior parte do cativeiro de Da-


niel) havia um contínuo ciclo de sacrifícios pelos quais a expiação era feita diária
e anualmente. O mesmo era verdade nos rituais do segundo templo (reconstru-
ído depois do tempo de Daniel). Mas a profecia não parece estar se referindo a
esse tipo de expiação contínua. Antes, ela prevê uma expiação definitiva a ser
realizada com uma finalidade por volta do tempo em que as 70 semanas termi-
nam. A morte de Jesus Cristo na cruz no meio da setuagésima semana provê
precisamente tal expiação.
Ele traria a justiça eterna (v. 24). Foi por meio da morte do Messias (v. 26) e
por meio da expiação que sua morte efetuou (v. 24) que a justiça eterna tornou-se
disponível à raça humana. Foi esse tipo de justiça eterna que o ciclo transitório do
sistema sacrifical não podia prover.
O santo dos santos seria ungido por Ele (v. 24). Quatro indagações principais
surgem em conexão com a referência à unção do santo dos santos: (1) O que é ele?
(2) Onde está? (3) O que significa sua unção? (4) Quando foi ungido?
Um exame abrangente do uso dessa frase no Antigo Testamento indica que
ela foi usada para se referir ao santuário. Não foi usada para se referir a uma pessoa
como o Messias. A única exceção possível a essa regra geral em todo o Antigo Tes-
tamento é a ocorrência em 1 Crônicas 23:13. Mesmo ali é mais provável que ela se
188 refira ao tabernáculo e seus instrumentos, sobre os quais Arão presidia, em vez de
ao próprio Arão. A expressão poderia ser aplicada a qualquer parte do santuário,
não apenas a uma parte específica. Poderia ser usada para o lugar santo, o lugar
santíssimo, o santuário como um todo, ou mesmo para os materiais que existiam
no santuário. A frase pode assim ser tomada para se referir ao santuário, e ao san-
tuário como um todo, em vez de a qualquer parte individual.
A pergunta histórica que se segue é: Que santuário é esse? O tabernáculo
do deserto já havia desaparecido há muito tempo e o templo de Salomão tam-
bém tinha sido destruído nos primeiros anos de Daniel. Embora aquele templo
devesse ser reconstruído, a profecia predisse (v. 26) que o templo reconstruído
também terminaria em ruínas (“o povo do príncipe que há de vir destruirá a
cidade e o santuário”).
Por um processo de eliminação, todos os principais santuários do povo ter-
restre de Deus podem, portanto, ser excluídos como o santuário mencionado em
9:24. Isso deixa apenas um importante templo de Deus como candidato para o
santuário em vista aqui: o que está no Céu. Esse templo celestial proveu o modelo
para a construção daqueles templos terrestres (Êx 25:40; Hb 8:5). Por isso, ele deve
ser o templo ao qual essa profecia se refere.
O que significa essa unção do santuário celestial? No Antigo Testamento, os
templos eram ungidos para inaugurar os rituais que eram iniciados dentro deles.

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Estudos sobre Daniel

Veja a extensa descrição da unção do tabernáculo do deserto em Êxodo 40:9-15.


Por analogia, a unção do santuário celestial deveria se referir a um tempo em que
seu ritual seria posto em funcionamento de uma maneira especial como essa.
Quando isso poderia ter ocorrido?
Daniel 9:24 registra esse ato como um dos importantes eventos a ser realizados
por volta do final das 70 semanas. Aquelas 70 semanas terminaram em 34 d.C.
Assim, o santuário celeste deveria ser ungido para o ritual de um modo especial
por esse tempo. Uma obra nova e especial foi iniciada ali quando Jesus se tornou
nosso grande Sumo Sacerdote no santuário celestial após o seu retorno da terra.
Tendo-se oferecido como o grande e definitivo sacrifício expiatório, Ele ascendeu
ao Céu para ministrar seus benefícios em nosso favor. A descida do Espírito Santo
no Pentecostes assinalou o início do seu ministério (Atos 2:16, 33; 5:31-32). Sendo
que essa é a única unção do santuário celestial que se sabe ter acontecido, e sendo
que ela cumpre os requisitos especificados, o início do ministério sacerdotal de
Cristo pode ser considerado como o evento que cumpriu os versículos 24-25.
Considerados como um todo, os vários aspectos da obra do Messias aqui iden-
tificados de 9:24-27 oferecem um notável conjunto testemunhal para a identifica-
ção de Jesus de Nazaré como o cumprimento e personificação da figura profética
do Messias. Os dois últimos pontos devem ser enfatizados para a finalidade de
mais conexões com o que segue. Por sua morte, Cristo ofereceu a final e suprema 189
expiação para a iniquidade. Portanto, Ele iniciou sua obra como nosso grande
Sumo Sacerdote no santuário celestial, quando o mesmo foi ungido para a obra
nova e especial que Ele deveria realizar ali. Esses aspectos de sua obra podem ser
ligados de uma maneira especial com as obras da figura messiânica apresentada
nas duas profecias anteriores de Daniel. Essas conexões serão ressaltadas em nos-
sos comentários mais adiante.

Extensão das profecias de Daniel 7, 8 e 9

Agora que os aspectos específicos das profecias dos capítulos 7, 8 e 9 foram


examinados, podemos compará-los de uma maneira mais abrangente. Uma com-
paração é em suas extensões, ou seja, no período de tempo coberto por cada um.
Todos os três deveriam abranger o mesmo período de tempo, ou era um deles
mais curto ou mais longo do que os outros?
Segundo os intérpretes preteristas, elas são essencialmente equivalentes em ex-
tensão porque todas presumivelmente devem focalizar Antíoco Epifânio como sua
figura principal. Os intérpretes futuristas seguem uma hermenêutica um tanto se-
melhante introduzindo uma lacuna entre a metade do período e seus eventos finais.

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A unidade de Daniel

Desse modo, as estendem até ao tempo de um anticristo final. O capítulo 8 pode ser
uma exceção parcial pelo fato de o anticristo final ser encontrado ali em tipo.
Quando interpretadas segundo a escola historicista de pensamento, eu sugiro
que essas três profecias sucessivas sejam vistas com extensões diversas. As relações
envolvidas podem ser diagramadas como a seguir:

Comparação dos períodos de tempo (Daniel 7-9)

Daniel 9: a profecia de breve extensão


Daniel 8: a profecia de extensão intermediária
Daniel 7: a profecia extensa

A relação entre o capítulo 7 e o capítulo 8 nesse sentido foi discutida acima.


Observou-se que a profecia do capítulo 8 não é de tão vasto alcance como a
profecia do capítulo 7. No capítulo 8, o Príncipe governa sobre o povo de Deus
em um sentido preliminar, porque a visão termina com o chifre pequeno ainda
em existência e operando (“praticando e prosperando”) em sua guerra contra o
povo de Deus. No capítulo 7, por sua vez, o Filho do homem aparece no tribunal
190
celestial como o grande dominador cujo reinado sobre os santos será universal
e eterno. Sua exaltação (em visão) segue a destruição do chifre pequeno que foi
mostrado ali ao profeta.
Sendo que os chifres pequenos dos capítulos 7 e 8 representam o mesmo po-
der, o domínio final do Filho do Homem no capítulo 7 deve vir após o domínio
sacerdotal preliminar do Príncipe do capítulo 8. Portanto, o capítulo 7 é muito
mais extenso em seu período de tempo do que o capítulo 8. A última pode, por-
tanto, ser denominada uma profecia de extensão abreviada ou intermediária em
comparação com a primeira.
O capítulo 9 pode agora ser envolvido nessa comparação. Quando se faz isso,
é possível notar que o capítulo 9 não se estende tão longe com respeito ao tempo
como o capítulo 8. Quando Gabriel deu a Daniel a profecia do capítulo 9, ele cha-
mou a atenção do profeta para “o teu povo e a tua santa cidade”, isto é, os judeus
em Judá e a cidade de Jerusalém. Até onde diz respeito a estes dois elementos, a
profecia termina com a cidade em ruínas e o Messias rejeitado pelos judeus.
Assim, essa profecia alcançou o seu cumprimento historicamente no primeiro
século d.C. sob o governo da Roma imperial. O capítulo 8, por outro lado, se
estende muito além desse ponto. A visão desse capítulo leva o curso da história
profética para a segunda fase da obra de Roma, a fase mais distintamente religiosa
desenvolvida na história da igreja medieval.

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Estudos sobre Daniel

Em conexão com sua destruição do templo de Jerusalém, a Roma imperial


não substituiu um novo ministério. O ataque do chifre pequeno ao Príncipe e
seu santuário está além da função de um templo terrestre (8:11-12). O simbolismo
começou a encontrar o seu cumprimento quando o sistema sacerdotal de salvação
desenvolvido pela igreja medieval ocultou da vista da humanidade o verdadeiro
ministério celestial de Jesus, nosso grande Sumo Sacerdote. Esse é o tipo de ação,
não a destruição do templo de Jerusalém, que cumpre o controle do tāmîd e o
simbólico lançar por terra o lugar do santuário celestial.
Do capítulo 9 para o capítulo 8 a ênfase mudou de um ataque contra o tem-
plo terrestre para um ataque contra o templo celestial. O ministério conduzido
no templo celestial é aquele que foi inaugurado ali segundo o capítulo 9 – “para
ungir um lugar santíssimo” (9:24, RSV). O ministério específico que se iniciou ali
como resultado daquele ritual agora encontra sua falsificação na obra do chifre
pequeno do capítulo 8.
Os vínculos entre essas duas profecias também manifestam uma relação cro-
nológica. O capítulo 9 é a profecia de breve extensão. Leva a história da salvação
somente até ao ponto onde se inicia o ministério celestial. O capítulo 8 leva o
leitor adiante para a história do destino desse ministério celestial. Por esse motivo,
há uma mudança nessas duas profecias do templo terrestre para uma concentra-
ção no templo celestial. 191
Os elementos de tempo dessas duas profecias complementam esse ponto. Os
2.300 dias do capítulo 8 obviamente abrangem um período mais longo de tempo
profético do que as 70 semanas do capítulo 9. Quando convertido em tempo
histórico por meio do princípio dia-ano, o período mais curto de 490 anos com-
preende apenas do período persa ao de Roma Imperial. Os 2.300 anos, por outro
lado, compreendem até a era moderna.
Por esses motivos é razoável mencionar o capítulo 9 como a profecia de breve
alcance nesse ciclo de três profecias. O capítulo 8 estende seu espaço de tempo
para formar uma profecia de alcance intermediário. O capítulo 7 é mais longo em
escopo do que o capítulo 8; por isso se qualifica como a profecia mais extensa das
três. Essa é a maneira como a sequência diagramada acima foi construída: o capí-
tulo 9 como a profecia de curto alcance, o capítulo 8 como a profecia de alcance
intermediário, e o capítulo 7 como a profecia extensa ou de longo alcance. Uma
confirmação adicional para essas relações será encontrada em suas respectivas co-
nexões com o capítulo 11, que examinaremos posteriormente neste estudo.
Um evidente aspecto dessas relações é que elas parecem ter sido dadas em or-
dem inversa. Segundo nossa moderna maneira de pensar ocidental, essas profecias
deveriam ter sido dadas assim: a breve primeiro, a intermediária em seguida, e a
mais longa por último. Um motivo para nos apegarmos a essa ordem é que geral-
mente raciocinamos da causa para o efeito.

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A unidade de Daniel

No antigo pensamento semita, essa ordem era comumente invertida. O pen-


samento era levado do efeito ou resultado para sua causa. Desse modo, os profetas
podiam dar ao povo um retrato da destruição e do exílio primeiro. Eles então
explicariam por que isso devia vir sobre eles, porque eram um povo pecaminoso.
Isso é raciocinar do efeito para a causa.
Há muitos exemplos bíblicos dessa ordem de pensamento. Apenas um será
citado a propósito. Miquéias 1:10-15 registra doze cidades de Judá que seriam afe-
tadas pelo exílio. A primeira meia dúzia de cidades eram aquelas que lamentariam
e estariam de luto pelos exilados que partiram. A segunda meia dúzia de cidades
desistiria dos exilados. Obviamente, as cidades registradas como estando de luto
pelos exilados não poderiam estar de luto por eles antes que fossem exilados.
Os pensadores ocidentais teriam registrado primeiro as cidades das quais os exi-
lados partiram. Então, viriam as cidades que estariam de luto por eles, raciocinando
assim de causa para efeito. Essa passagem, porém, segue a antiga ordem de pensamen-
to semita. O efeito é dado primeiro (o luto de algumas cidades), depois o motivo por
que aquele luto acontece (a partida dos exilados das outras cidades registradas).
As profecias dos capítulos 7, 8 e 9 seguem uma ordem de pensamento similar.
Os ocidentais as teriam dado em uma sequência que iria do capítulo 9 para o
capítulo 8, e daí para o capítulo 7. Desse modo, as profecias seriam apresentadas
192 na seguinte disposição: breve, intermediária e para longa. Entretanto, dando-as a
um profeta que viveu no Oriente Médio (sexto século a.C.), Deus seguiu a ordem
que era prontamente compreensível para ele e o povo do seu lugar e tempo. Por
isso encontramos a ordem encontrada nos capítulos 7, 8 e 9, isto é, da profecia de
longo alcance para a de breve alcance. Compreendemos melhor essas profecias e
as relações entre elas se estamos cientes dessa perspectiva.

Relações entre as figuras pessoais em Daniel 7, 8 e 9

Foi sugerido anteriormente que há uma relação direta entre o Príncipe que
governa sobre seus santos a partir do santuário celestial de um modo preliminar
(cap. 8) e o Filho do Homem a quem é outorgado o governo final sobre eles em
seu domínio eterno (cap. 7). Não somente estão eles ligados por meio dessas fases
de domínio preliminar e final, mas também podem ser identificados como reali-
zando obras relacionadas em favor desse povo. A obra sacerdotal que o Príncipe
leva adiante no capítulo 8 explica como os santos vieram a ser recebidos no reino
governado pelo Filho do Homem no capítulo 7. Assim, há bases textuais definidas
para identificar essas duas figuras como representando o mesmo indivíduo.

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Estudos sobre Daniel

A descrição da obra do Messias no capítulo 9 pode agora ser adicionada a


essa equação. A fim de o Príncipe (cap. 8) servir como sacerdote em seu santuário
celestial, ele tinha de ser ungido para começar tal ritual. Essa é a unção do santo
dos santos mencionada em 9:24. Assim, o ritual que é descrito como sendo levado
adiante no capítulo 8 teve seu início mencionado no capítulo 9.
Para o Príncipe do capítulo 8 servir como sacerdote, porém, Ele tinha de ofe-
recer um sacrifício (cf. Hb 7:27; 8:3). Esse sacrifício era um pré-requisito para o
seu ministério descrito no capítulo 8. Esse sacrifício é aquele que é predito no ca-
pítulo 9, a expiação final e definitiva da iniquidade que trouxe a justiça eterna.
Essa justiça eterna tem sido ministrada ao povo pelo Príncipe sacerdotal no
santuário celestial conforme o capítulo 8. A provisão para isso, porém, foi feita,
pela morte do Messias, que é profetizada no capítulo 9. Assim, há um vínculo
temático entre o Filho do Homem no capítulo 7 e o Príncipe no capítulo 8, e
entre o Príncipe no capítulo 8 e o Messias no capítulo 9. Esses títulos se referem
à mesma pessoa – Jesus Cristo.
Há também uma explicação gradual nessas profecias para a natureza da obra
de Cristo em cada uma das profecias precedentes. No capítulo 7, o Filho do Ho-
mem aparece na cena final do juízo. Naquele evento, Ele recebe título de domí-
nio sobre o eterno reino de Deus. Mas nenhuma explicação é dada no capítulo 7
quanto ao motivo por que Ele é digno de receber o reino. A explicação para isso é 193
dada no capítulo 8. Ele serve como o grande Sumo Sacerdote no santuário celes-
tial e salva os santos que entram naquele reino. Mas não há nenhuma explicação
dada no capítulo 8 quanto a como o Príncipe veio a ocupar sua posição sacerdo-
tal. Essa explicação é dada no capítulo 9, onde o Messias é visto oferecendo-se
a si mesmo como a grande e definitiva expiação da iniquidade. Essa expiação
consumada trouxe a justiça eterna que o Príncipe subsequentemente ministra do
santuário celestial ao seu povo.
Assim, essas três profecias de Daniel formam uma cadeia entrelaçada de expli-
cações acerca da obra dessa única figura comum a todas elas. No capítulo 9, Ele é
o sacrifício; no capítulo 8, Ele é o sacerdote; no capítulo 7, Ele é o rei. Como essas
diferentes fases de sua obra estão juntamente ligadas por um fio comum, a figura
envolvida em todas elas deve ser identificada como a mesma. As primeiras duas fases
dessa obra foram cumpridas em Jesus Cristo e aguardamos a conclusão da terceira,
quando os santos serão levados ao eterno reino de Deus. A relação dessas três fases
da obra de Cristo que Daniel profetizou pode ser diagramada como segue:

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descrições profÉticAs do messiAs: sAcrifício, sAcerdote, rei
(dAniel 7–9)
1 2 3 4
Daniel 9:24 - 26 Daniel 8:11-12 Daniel 7:9-10 Daniel 7:13-14
unção do Príncipe do Juízo no Filho do Homem no
santuário celestial santuário celestial santuário celestial santuário celestial
ministério inaugurado ministério conduzido ministério concluído reino concedido
Messias morto santos do
expiação da iniquidade Altíssimo entram
chifre pequeno exalta-se chifre pequeno destruído
justiça eterna no reino
A unidAde de dAniel

Roma (1ª fase) Roma (2ª fase) tempo do fim fim do tempo
4.° animal, 7:9a chifre pequeno, 7:9b Depois de 3½ tempos Fim da cena do tribunal
chifre pequeno, 8:9 chifre pequeno, 8:10-12 7:25-26

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assolador, 9:27 Fim dos 2300 dias
8:13-14

194
Estudos sobre Daniel

Estrutura literária de Daniel 9:24-27

No estudo de 9:24-27 apresentado em outro lugar neste volume é feito um


exame detalhado da estrutura literária dessa passagem. Sendo que tal apresenta-
ção pode parecer um tanto complexa, ela pode ser reduzida aqui a uma forma
mais simples. Sua estrutura literária divide-se em duas seções. O versículo 24
apresenta um resumo geral do que deveria acontecer por volta do final do perío-
do de tempo demarcado pela profecia. Então, a profecia repassa o mesmo funda-
mento nos versículos 25-27 descrevendo com mais detalhes os eventos históricos
que deveriam acontecer durante cada uma de suas divisões de tempo. A fim de
estudar a estrutura literária dessa passagem, cada uma dessas seções precisa ser
examinada individualmente.
Vimos uma ordem quiástica presente na descrição dos elementos temáticos
da visão de Daniel 7 (p. 175-177), e uma ordem quiástica semelhante para os ele-
mentos temáticos em Daniel 8:11-12 (p. 193-195). Assim, é natural esperar alguma
espécie de arranjo desse tipo a ser encontrado também em Daniel 9:24-27.
Uma ordem quiástica para os elementos temáticos parece de fato estar pre-
sente na segunda seção dessa profecia, nos versículos 25-27. Contudo, em sua
primeira seção (v. 24) esse arranjo parece ser ainda mais específico, envolvendo 195
não somente os elementos temáticos, mas também seu tipo poético de estrutura
literária. As duas seções dessa profecia podem agora ser esboçadas para demons-
trar essa estrutura.

Estrutura quiástica de Daniel 9:24

Introdução. “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a


tua santa cidade”:
A. “Para fazer cessar a transgressão” (2 palavras hebraicas)
B. “Para dar fim aos pecados” (2 palavras hebraicas)
C. “Para expiar a iniquidade (2 palavras hebraicas)
C’. “Para trazer a justiça eterna” (3 palavras hebraicas)
B’. “Para selar a visão e a profecia” (3 palavras hebraicas)
A’. “Para ungir o santo dos santos” (3 palavras hebraicas)

Uma exegese detalhada dessas declarações aparece no estudo sobre Daniel


9:24-27 (veja volume 3, capítulo 3, da série Santuário e Profecias Apocalípticas).
Aqui notaremos apenas a ênfase que tem sido posta sobre esses elementos confor-
me eles têm sido incorporados a essa estrutura literária. A transição no meio desse

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A unidade de Daniel

versículo em termos de sua estrutura poética é um tanto distinta. Há uma mudan-


ça das três declarações iniciais infinitivas (escritas com duas palavras hebraicas)
para as três declarações finais (escritas com três palavras hebraicas). Ambas as
unidades de três declarações cada uma se qualificam como versos divididos em
três partes. A mudança em metro entre elas vai de breve para longa. Isso é muito
apropriado para os assuntos tratados. Os três primeiros transmitem o lado mais
negativo com referências ao pecado, enquanto os três últimos salientam pontos de
uma natureza mais positiva.
Ao examinarmos a estrutura quiástica do versículo 24 (veja gráfico acima),
pode-se ver um vínculo temático entre as declarações que compreendem o par
central (C + C’). O evento descrito na primeira declaração (“expiar a iniquidade”)
produziu os resultados descritos na segunda (“trazer a justiça eterna”). Segundo
esse arranjo, as declarações a respeito dessa expiação produzindo justiça estavam
localizadas no centro da estrutura literária desse versículo. Uma das funções da
disposição quiástica na estrutura literária é enfatizar aqueles elementos que ocor-
rem no centro do quiasmo. Neste caso, encontramos ali a expiação que trouxe
justiça eterna. Aqui está a ênfase da passagem.
As declarações nas posições intermediárias (B + B’) estão vinculadas linguisti-
camente por meio do uso dos mesmos verbos ou verbos intimamente relaciona-
196 dos, embora esses verbos sejam usados em diferentes sentidos em suas declarações
individuais (“dar fim aos pecados”, “selar a visão e a profecia”). A relação temática
entre as declarações iniciais e finais (A + A’) parece ser que uma se refere à conclu-
são do seu tema, enquanto a outra se refere à iniciação do seu tema; o fim do velho
e o começo do novo (“fazer cessar a transgressão”, “ungir o santo dos santos”).
Outra maneira de olhar para esse versículo é ver suas declarações através dos
olhos daqueles que foram responsáveis pelo cumprimento de suas previsões. Nesse
caso, o primeiro par (A + B) parece aludir à responsabilidade do povo judeu. Deus
tomou sobre si mesmo a responsabilidade pela realização do segundo par (C + C’).
O terceiro par (B’ + A’) descreve os resultados que fluíram dos dois primeiros pa-
res (A + B, C + C’) respectivamente. Estas relações são descritas com mais detalhes
no estudo sobre Daniel 9:24-27.

Estrutura quiástica de Daniel 9:25-27

A. Construção da cidade (v. 25a)


Desde a saída da ordem
para restaurar e para edificar Jerusalém
até ao Ungido, ao Príncipe,

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Estudos sobre Daniel

B. Tempo até ao Messias (v. 25b)


sete semanas
e sessenta e duas semanas;

C. Construção da cidade (v. 25c)


as praças e as circunvalações
se reedificarão,
mas em tempos angustiosos.

D. Tempo e experiência do Messias (v. 26a)


Depois das sessenta e duas semanas,
será morto o Ungido
e já não estará;

C’. Destruição da cidade (v. 26b)


E o povo de um príncipe que há de vir
destruirá a cidade e o santuário,
e o seu fim será num dilúvio,
e até ao fim haverá guerra;
desolações são determinadas. 197

B’. Tempo e realizações do Messias (v. 27a)


Ele fará firme aliança com muitos, por uma semana;
na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de
manjares;

A’. Destruição da cidade (v. 27b)


sobre a asa das abominações virá o assolador,
até que a destruição, que está determinada, se derrame sobre ele.

Uma exegese detalhada e uma aplicação histórica das declarações encon-


tradas nesta passagem aparecem em meu estudo exegético sobre Daniel 9
(veja volume 3, capítulo 3 da Série Santuário e Profecias Apocalípticas). Aqui,
outra vez, registraremos um ponto ou dois a respeito do significado dessa
estrutura literária. Como mencionamos, um dos motivos para o emprego
de estruturas quiásticas na literatura bíblica era enfatizar a importância dos
eventos descritos no centro ou ápice da estrutura. Nesse caso, a referência
central é a morte – o assassinato – do Messias (D). Assim, esse evento profe-
tizado ocupa o foco da profecia.

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A unidade de Daniel

Historicamente, essa predição foi cumprida quando Jesus Cristo, rejeitado por
seu próprio povo e abandonado por seus seguidores, foi executado no Calvário.
A profecia salienta a “solidão” que Ele experimentou em sua misteriosa morte
(“ninguém será por ele”). Portanto, no próprio ápice da estrutura literária dessa
profecia, o Messias está sozinho em sua morte.
A sorte do povo é descrita em um ou outro lado do ápice. Antes desse tempo
houve uma edificação do povo, sua nação e sua capital. Todavia, em seguida à
sua morte e a rejeição, haveria uma dissolução de tudo isso. A cidade e o santu-
ário que havia nela deveriam ser destruídos pelo assolador que havia de vir (os
romanos). Assim, os vínculos temáticos entre a primeira metade dessa passagem
e a segunda metade, que segue à sua morte, podem ser resumidos nas palavras
“construção” e “destruição”.
Resta-nos agora ligar o quiasmo do versículo 24 com o quiasmo dos versículos
25-27. Eles podem ser sobrepostos um ao outro, por assim dizer. Desse modo,
pode ser visto que da mesma forma que a morte do Messias ocorre no centro do
quiasmo nos versículos 25-27, assim o significado teológico de sua morte é expli-
cado no centro do quiasmo no versículo 24. Foi a sua morte, como bem sabemos
do Novo Testamento, que fez expiação por toda a iniquidade e trouxe, por meio
disso, justiça eterna. Assim, a estrutura literária sugere uma relação entre o evento
198 central descrito na segunda seção da profecia – a morte do Messias (v. 26) – e a
realização teológica central descrita na primeira seção – expiação/justiça (v. 24).

Relações entre Daniel 11 e Daniel 7, 8 e 9

Dos quatro esboços proféticos do livro de Daniel (caps. 2, 7, 8–9, 11–12), a


profecia final (caps. 11–12) apresenta a descrição mais detalhada dos personagens
e eventos históricos. Não lida com símbolos que representam reinos, mas se con-
centra sobre reis individuais que se relacionam com aqueles símbolos empregados
nas profecias anteriores.
A profecia começa com os reis persas (v. 2) e continua com Alexandre, o Gran-
de (v. 3). Muda para os selêucidas e ptolomeus, que se desenvolvem a partir da
desintegração do seu império. O seu curso na história pode ser seguido até ao
tempo de Antíoco III, no versículo 13.
A essa altura, as principais escolas de pensamento sobre Daniel divergem
quanto à interpretação das passagens que se seguem:
1. Alguns historicistas vêem a intromissão de Roma nos negócios do Oriente
Médio começando com o versículo 14. A transição para a segunda fase da obra de
Roma vem então com o versículo 31.

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Estudos sobre Daniel

2. Os futuristas comumente continuam com Antíoco III até o versículo 20. Eles
então vêem Antíoco IV Epifânio entrando em cena no versículo 21. Ele permanece
sendo o foco da atenção até o versículo 35. No versículo 36, a transição é feita –
com uma lacuna de 2.000 anos – até o grande anticristo do fim dos tempos.
3. Os preteristas concordam com a transição de Antíoco III para Antíoco IV
nos versículos 20-21, mas retêm o último como o foco de atenção até o fim do
capítulo. Para os preteristas, essa passagem é simplesmente história descrita como
profecia por um escritor do segundo século a.C. Sendo que os versículos 40-45
nunca foram cumpridos por eventos no reinado de Antíoco IV, eles são conside-
rados como profecias do próprio autor que jamais ocorreram.
Não é nossa finalidade prover uma interpretação detalhada de todas as decla-
rações sucessivas dessa profecia. Nosso intento é simplesmente ressaltar algumas
relações linguísticas preeminentes entre essa profecia e as anteriores no livro de
Daniel. Isso proverá evidência adicional para a interpretação do capítulo 11 e dos
capítulos 7–9.
1. Vínculos linguísticos entre os capítulos 9 e 11. A primeira dessas co-
nexões envolve a relação entre 11:22 e 9:25-27. Segundo 11:22, “o rei do norte”
deveria quebrantar o príncipe da aliança. A palavra usada para “príncipe” nesse
versículo não é a palavra comum (šar) empregada em outro lugar no hebraico de
Daniel. Em vez disso, é a palavra nāgîd. Nāgîd ocorre em apenas outra passagem 199
de Daniel – em 9:25-27. Ali, menciona-se um nāgîd-príncipe que faria uma firme
aliança com muitos.
O nāgîd-príncipe em 9:25-27 não somente faria uma firme aliança, mas tam-
bém seria morto (v. 26). Sendo que um nāgîd-príncipe da aliança seria também
quebrantado em 11:22, essas duas figuras (mencionadas com a mesma fraseologia
em ambas as passagens) devem ser identificadas como o mesmo indivíduo. Em
nossa discussão anterior do capítulo 9, identificamos esse príncipe como Jesus
Cristo, o Messias. Portanto, Ele deveria também ser identificado como o príncipe
em 11:22. O rei do norte que o quebrantaria, portanto, deve ser identificado
como Roma imperial. Isso provê um vínculo específico entre os capítulos 9 e 11,
no versículo 22 do último.
2. Vínculos linguísticos entre os capítulos 8 e 11. A conexão mais específica
entre os capítulos 8 e 11 ocorre na retirada do tāmîd ou “diário, contínuo”, e
no estabelecimento da abominação da desolação. Isso é mencionado em 11:31.
A fraseologia usada é essencialmente equivalente àquela encontrada em 8:11-13.
Essas passagens deveriam ser interpretadas como se referindo às mesmas ações do
mesmo poder, ao mesmo tempo. No capítulo 8, esse poder foi identificado como
a segunda fase ou fase religiosa de Roma, assim ele deveria ser identificado similar-
mente a essa altura em 11:31. Isso provê um vínculo específico entre os capítulos
8 e 11, no versículo 31 do último.

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A unidade de Daniel

3. Vínculo linguístico entre os capítulos 7 e 11. Estabelecer o vínculo entre


o capítulo 7 e 11 é um pouco mais indireto porque deve ser traçado até 12:7. Em
seguida à apresentação da profecia de 11:2 a 12:4 por Gabriel, indagou o profeta:
“Quando se cumprirão estas maravilhas?” (12:6). A resposta foi que a destruição
do poder do povo santo terminaria no final de “um tempo, dois tempos, e metade
de um tempo” (RSV). Esse é o mesmo período de tempo profético mencionado no
aramaico de 7:25. Isso estava ligado à mesma espécie de atividade: a perseguição
dos santos do Altíssimo pelo chifre pequeno.
A pergunta foi feita por Daniel depois de ter ele ouvido a profecia do capítulo
11 relatada. Sendo que a pergunta e sua resposta se relacionam com o que Daniel
já tinha ouvido, deve haver algum lugar na profecia do capítulo 11 onde uma des-
truição do poder do povo santo é registrada. A única passagem nessa profecia que
menciona tal perseguição está em 11:33-34: “todavia, cairão [os sábios] pela espada
e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo, por algum tempo. Ao caírem eles, serão
ajudados com pequeno socorro” (v. 33b-34a).
Com o estabelecimento dessas relações, é possível montar a seguinte equação
(1) os santos do Altíssimo entregues nas mãos do chifre pequeno por três tempos
e meio em 7:25 equivale (2) à destruição do poder do povo santo em 12:7, (3) que
equivale aos sábios caindo pelo fogo, espada, e cativeiro em 11:32-34. Isso provê
200 um vínculo específico entre os capítulos 7 e 11, nos versículos 32-34 do último.
Os vínculos entre essas três primeiras profecias e o capítulo 11 podem agora
ser associados. Podemos diagramar os dados empregando nosso esquema anterior
sobre os variados períodos de tempo das visões nos capítulos 7-9 como segue:

Vínculos entre Daniel 7-9 e Daniel 11

Notamos antes que as visões dos caps. 7–9 foram apresentadas na ordem in-
versa, movendo-se de julgamento final/reino (7) para uma luta sobre o santuário
celestial e seu ministério (8), para a data da expiação do Messias (9). O capítulo 11
agora alinha essas visões e retrata os eventos na correta ordem histórica e cronoló-
gica. Isso confirma o ponto de vista de que a ordem inversa era intencional.

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Estudos sobre Daniel

Estrutura literária diagramada do livro de Daniel

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A unidade de Daniel

Estrutura literária diagramada do livro de Daniel

O gráfico acima reúne os principais elementos temáticos encontrados nas


narrativas históricas e proféticas de Daniel. Estão arranjados segundo dois gran-
des quiasmos. Cada quiasmo abrange a metade do livro – um em aramaico, o
outro em hebraico.
A obra básica sobre a estrutura literária de Daniel foi publicada por A. Len-
glet, em 1972.19 Nesse livro, ele esboça a seção aramaica de Daniel, capítulos 2–7.
Ele percebe que ela consiste de três pares de narrativas que se relacionam mutua-
mente no modelo quiástico de A:B:C: :C’:B’:A’.
Nesse modelo, as duas profecias que esboçam a história do mundo por meio
de símbolos (caps. 2, 7) foram reunidas em pares (A + A’). Em seguida, as narrati-
vas dos capítulos 3 e 6 foram reunidas em pares. Elas descrevem a perseguição dos
amigos de Daniel e do próprio Daniel (B + B’). O par final (C + C’) consiste das
narrativas que lidam com os juízos proféticos pronunciados sobre os dois monar-
cas neobabilônios, Nabucodonosor e Belsazar (caps. 4, 5).
Uma vez compreendida essa estrutura, ela se torna muito evidente. Trabalhan-
do a partir dessa analogia na parte aramaica do livro, nos é provido um caminho
202
de abordagem à parte hebraica que Lenglet não analisou. Poder-se-ia esperar en-
contrar também ali uma estrutura quiástica similar.
Uma estrutura quiástica realmente aparece na segunda metade do livro. Con-
tudo, pode não parecer tão evidente como é na parte aramaica. A seção hebraica
começa e termina com mais duas importantes profecias esboçando a história do
mundo (caps. 8, 11). A primeira é ainda dada em termos de animais simbólicos,
mas a última apresenta uma descrição um tanto literal de reis historicamente re-
conhecíveis e suas ações.
Ao olharmos através do horizonte formado por esses quatro importantes es-
boços da história (caps. 2, 7, 8, 11-12) é possível perceber um esquema mais amplo
de representação. O primeiro, capítulo 2, utiliza a figura de um homem, a grande
imagem. Os próximos dois, capítulos 7 e 8, empregam símbolos animais. O últi-
mo, capítulo 11, descreve as ações de uma série de homens. Assim, este esboço
se apresenta como: Homem:Animais: :Animais:Homens na ordem de A:B: :B:A.
Praticamente todos os comentaristas de Daniel defendem a ideia de que as últi-
mas profecias do livro explicam as primeiras. Esse tipo de simbolismo entrelaçado
apenas realça ainda mais essas interconexões.
As relações envolvidas no nível intermediário dessas estruturas quiásticas apresen-
tam uma série de diferentes provações experimentadas por alguns do povo de Deus.
As provações descritas nos capítulos 3 e 6 operam em um nível mais pessoal. Aquelas
provações mencionadas na oração de Daniel e experiências de luto nos capítulos 9 e

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Estudos sobre Daniel

10 operam em um nível mais corporativo. Daniel sentiu que o tempo havia chegado
para o retorno do exilado povo de Deus. Sendo que isso não tinha acontecido, ele
sentiu a responsabilidade de interceder com Deus em favor do seu povo (cap. 9). Seu
luto e jejum no capítulo 10 enquanto Gabriel e Miguel lutavam com o(s) rei(s) da
Pérsia no terceiro ano de Ciro, mais provavelmente tinham a ver com a suspensão da
construção do templo de Jerusalém devido à oposição (cf. Esdras 4:1-4).
Duas profecias acerca de dois monarcas neobabilônios aparecem no centro do
quiasmo na primeira metade do livro (caps. 4, 5). A segunda metade do livro não
traz narrativas completas de uma natureza semelhante, mas traz algumas declara-
ções proféticas acerca das obras de monarcas individuais ou poderes estrangeiros.
Foi a obra de um monarca persa individual que enviou Esdras e Neemias de volta
a Jerusalém para começar e concluir sua reconstrução. A obra de destruir a cidade
de Jerusalém em 70 d.C. foi a obra de um específico general romano e César. Des-
se modo, esses elementos relacionados ainda se equilibram uns com os outros em
suas respectivas seções do livro.
A despeito das várias semelhanças entre as estruturas quiásticas encontradas
na primeira e segunda metades de Daniel, uma notável diferença se destaca. Não
há nenhum topo na pirâmide literária quiástica da primeira metade do livro. Con-
tudo, há um topo ou ápice no quiasmo da segunda metade. O primeiro quiasmo é
composto de um número regular de equilíbrio – três pares deles. O segundo quias- 203
mo é formado por um número irregular de elementos. Isto lhe fornece um ápice
ou bloco central. Desse modo, a estrutura literária da segunda metade do livro
concentra-se no Messias, especialmente sobre sua morte e rejeição pelo povo.
Sendo que um dos principais propósitos das estruturas quiásticas é o de enfa-
tizar seus elementos centrais, constata-se aqui uma ênfase preeminente em termos
da estrutura literária do livro. “Elevando-se sobre os destroços do tempo”, erguido
entre o céu e a terra, encontra-se o Messias, morrendo sozinho e rejeitado, mas
provendo expiação e justiça eterna naquela morte solitária. Este é o monte Eve-
rest, o cume literário do livro de Daniel, e aqui encontramos a Jesus Cristo como
o Messias sofredor e moribundo.
Tem sido dito ocasionalmente que o livro de Apocalipse bem poderia ser cha-
mado o Livro do Cordeiro, por causa da frequência com que esta designação ocor-
re nele. Como um paralelo a esse livro, o livro de Daniel poderia ser intitulado
o livro do Príncipe. Primeiro, o encontramos como um ser de semelhança divina
no contexto de 3:25. Então, a título de contraste, o encontramos como um ser de
semelhança humana no contexto celestial de 7:13-14.
Em seguida, Ele é o Príncipe do exército empenhado em uma luta sobre o
santuário celestial e o seu ministério no capítulo 8. No capítulo 9, Ele aparece no
ápice da estrutura literária da segunda metade do livro como o Príncipe da alian-

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A unidade de Daniel

ça, o Príncipe dos sofredores. No capítulo 10, Ele é Miguel que luta com os antigos
reis da Pérsia sobre o destino do seu povo. Mais uma vez, e pela última vez, Ele
se envolverá em tal luta, quando se levantar para assumir o domínio e soberania
sobre o eterno reino de Deus, segundo os capítulos 12 e 7.

Conclusão

Os blocos literários e seus temas entrelaçados e arranjo examinados em nos-


sos três estudos argumentam em favor da unidade literária do livro de Daniel.
Nenhuma teoria crítica que tenta dividir a obra em vários fragmentos individuais,
distribuindo-os para diferentes autores em épocas diferentes, pode adequadamen-
te explicar os fenômenos dessa estrutura literária.
A unidade do livro também pode ser vista a partir da perspectiva da progres-
são inter-relacionada de seus temas proféticos. Um grande subtema que se revela
nesses capítulos proféticos tem a ver com o grande protagonista de Deus no con-
flito contra o mal. Ele é o Filho do Homem no capítulo 7, o Príncipe do exército
no capítulo 8, o Messias no capítulo 9, e Miguel nos capítulos 10–12. No livro de
Daniel, Deus está por trás de tudo (cf. 2:21, 28). Entretanto, Ele tem provido um
204
representante principesco para levar avante a execução de sua vontade. Assim, o
livro de Daniel pode ser descrito apropriadamente como o livro do Príncipe.

Nota final

Fontes para a datação dos anos sabáticos


posteriores ao exílio
1. Neemias 10:31. Esse texto bíblico descreve a ocasião na qual o povo de Judá
se comprometeu a observar o ano sabático. Isso ocorreu quando eles se reuniram
para celebrar a Festa dos Tabernáculos depois de Neemias ter reparado os muros e
os portais de Jerusalém. Neemias voltou para a Palestina a fim de realizar essa tare-
fa no vigésimo ano de Artaxerxes I (444/443 a.C., outono a outono). O primeiro
ano sabático que eles se comprometeram a observar teve início no mesmo outono
de 443, em que eles se reuniram para celebrar esse festival. O texto não prova que
esse ano era um ano sabático, mas seu ajuste cronológico com os anos registrados
abaixo adiciona significado a essa parte do ritual naquela ocasião.
2. Josefo, Antiguidades, XI, 313-347. Essa passagem dos escritos de Josefo re-
lata a visita de Alexandre, o Grande a Jerusalém em seu caminho para a campanha

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Estudos sobre Daniel

no Egito, 332/331 a.C. Por ocasião dessa visita, o sumo sacerdote em Jerusalém
solicitou de Alexandre que os judeus fossem isentados do tributo a cada ano sabá-
tico. Alexandre concordou. Esse texto não declara que a visita ocorreu em um ano
sabático. Contudo, seu ajuste cronológico com o ano registrado abaixo, adiciona
significado ao motivo para essa solicitação, sendo que aquelas correlações indicam
que um ano sabático teve início no outono de 331 a.C.
3. I Macabeus 6:49-53; Josefo, Antiguidades, XII, 378. Esses textos falam do
cerco e da conquista de Betsur e o cerco de Jerusalém por Antíoco V. Os supri-
mentos para os judeus eram escassos porque esse ataque ocorreu durante um ano
sabático, quando não havia colheitas para ceifar. Josefo e 1 Macabeus 6:20 datam
esses eventos no centésimo-quinquagésimo ano da era selêucida. A despeito de
algumas dificuldades cronológicas com a data, esse ano sabático pode ser equacio-
nado com aquele que começou no outono de 163 a.C.
4. 1 Macabeus 16:14-21; Josefo, Antiguidades, XIII, 228-235. Aqui Josefo
fala do cerco de João Hircano a Ptolomeu em sua fortaleza Dagon. Ptolomeu esca-
pou porque um ano sabático se aproximava. Macabeus data esses eventos no ano
selêucida cento e setenta e sete, que assim equipara esse ano sabático com aquele
que começou no outono de 135 a.C.
5. Josefo, Antiguidades, XIV, 465-491. Aqui Josefo se refere a um ano sabá-
tico que começou enquanto Jerusalém estava sendo cercada por Herodes e o ge- 205
neral romano Sósio. Sendo que esse ataque ocorreu em 37 a.C., esse ano sabático
pode ser tomado como aquele que começou no outono desse ano.
6. Mishnah Sotah 7:8. Esse texto conta a história de como Herodes Agripa
I se levantou para ler uma passagem de Deuteronômio em um ritual durante
a Festa dos Tabernáculos celebrada em um ano em seguida a um ano sabático.
Esse festival pode ser datado no outono de 42 d.C., donde o ano sabático que
havia terminado deve ter sido aquele que se estendeu do outono de 41 d.C. ao
outono de 42 d.C.
7. Papiro Wadi Murabba‛at n.° 18. Esse documento relata um contrato em
que um mutuário prometeu restituir 20 dinares de prata. Ele recebeu esse emprés-
timo em um ano sabático datado no segundo ano de Nero ou 55/56 d.C.
8. Seder Olam Rabbah 30, 74a-75a. Esse texto declara que o templo foi des-
truído no nono dia de Ab em um pós-ano sabático. Tomado em sentido literal,
seria em 69/70 esse pós-ano sabático em que o templo foi destruído. O ano sa-
bático precedente, portanto, teria sido 68/69. Esse ano sabático está em seu ciclo
um ano antes daqueles discutidos acima.
Contudo, a exatidão dessa declaração pode ser questionada, sendo que algumas
outras declarações claramente errôneas aparecem na mesma passagem. Essa data
parece ter estado relacionada com um esquema rabínico de cronologia. É também

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A unidade de Daniel

possível que calendários conflitantes pudessem estar envolvidos aqui. Além disso,
outra declaração rabínica parece exigir a datação da destruição do templo em um
ano sabático (Abodah Zarah 9b). Embora esses vários fatores suscitem uma dúvida
sobre a validade dessa data, a diferença de um ano não é grande, e a presente dúvi-
da sobre a exatidão da declaração pode ser deixada em aberto.
9. Papiro Wadi Murabba‛at n.° 24. Os fragmentos desse texto constituem
um documento que originalmente mencionava o aluguel de uma extensão de ter-
ra por cinco anos. Esse contrato começou no ano dois da revolta de Bar Kochba
e o seu período de cinco anos devia levar o arrendatário até à véspera de um ano
sabático. Essa revolta irrompeu na primavera ou no verão de 132 d.C. O segundo
ano a partir disso, o ano em que esse contrato foi escrito, deveria então ser o ano
de outono a outono de 134 d.C. Acrescentando-se cinco anos a isto, chega-se em
138/139. A expiração desse quinto e último ano se estende, como declara o con-
trato, à véspera do ano sabático – aquele que começou no outono de 139 d.C.
10. Inscrições tumulares do Ghor. Três inscrições tumulares judaicas foram
descobertas na região ao longo da costa sudeste do Mar Morto, que datam do
quarto e quinto séculos d.C. As inscrições sobre essas lápides contêm dados. Os
dados ligam seus anos com ciclos sabáticos e com o número de anos transcorridos
desde a destruição do templo.
206 As pedras datam até o terceiro, primeiro, e sétimo anos de ciclos sabáticos e fo-
ram inscritas 300, 364 e 435 anos, respectivamente, desde a destruição do templo.
Há algumas inconsistências entre essas datas, mas a segunda delas, que equipara
364 anos da destruição do templo com o ano um de um ciclo sabático, data esse
ano em 434/435 d.C. O ano sabático com que se encerrou o ciclo anterior foi
portanto 433/434 d.C. Essa data é consistente com as datas registradas acima para
anos sabáticos em outros ciclos.
Os dados compilados acima das dez fontes registradas que fornecem referências
datáveis para anos sabáticos indicam que os anos sabáticos mencionados nessas
fontes podem ser datados dos anos a.C. 443/442, 331/330, 163/162, 135/134,
37/36, e dos anos d.C. 41/42, 55/56, 69/70, 139/140 e 433/434. Essas datas são
coerentes entre si. Elas podem ser esboçadas em um gráfico e, assim, as datas para
os outros anos sabáticos entre elas podem ser inferidas. Isso nos provê uma tabela
completa de datas para os anos sabáticos posteriores ao exílio.

Notas
W. H. Shea, “The Qinah Structure of the Book of Lamentations”, Bib 60 (1979): 103-7.
1

R. Margalioth, The Indivisible Isaiah (Nova Iorque, 1964).


2
3
Para uma maior discussão dessa questão histórica, veja W. H. Shea, “An Unrecognized
Vassal King of Babylon in the Early Achaemenid Period”, AUSS 9 (1971): 51-67, 100-128;

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Estudos sobre Daniel

Id. “An Unrecognized Vassal King of Babylon in the Early Achaemenid Period”, AUSS 10
(1972): 88-117, 147-78. Este material é resumido em Id., “Darius the Mede: An Update”,
AUSS 20 (1982): 229-47.
4
Esse esquema é tirado de A. Ferch, The Son of Man in Daniel Seven, Andrews University
Doctoral Dissertation Series, vol. 6 (Berrien Springs, MI, 1983), p. 136.
5
Para uma das descrições das características da profecia apocalíptica, veja K. Strand,
Perspectives in the Book of Revelation (Worthington, OH, 1975), p. 41-43.
6
Ferch, p. 192.
7
G. F. Hasel, “The Identity of ‘The Saints of the Most High’ in Daniel 7”, Bib 56
(1975): 173-92.
8
Para a aplicação do princípio dia-ano do tempo das profecias na apocalíptica veja W.
H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética, Série Santuário e Profecias Apocalíp-
ticas, vol. 1 (Unaspress, SP, 2007), capítulo 3.
9
Para a igreja em Roma como uma agência envolvida nessa transferência veja S. Bac-
chiocchi, An Examination of the Biblical and Patristic Texts of the First Four Centuries to Ascertain
the Time and Causes of the Origino f Sunday as the Lord´s Day (Roma: Editora da Pontifícia
Universidade Gregoriana, 1975); e Id., From Sabbath to Sunday (Roma: Editora da Pontifícia
Universidade Gregoriana, 1977).
10
Para a fase especificamente religiosa da ação do chifre pequeno, veja o debate sobre
Daniel 8:11-12 em meu estudo, “Dimensões Espaciais na Visão de Daniel 8”, capítulo 9
neste volume.
11
W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética, Série Santuário e Profecias
Apocalípticas, vol. 1 (Unaspress, SP, 2007), cap. 2. 207
12
Veja a referência no. 1.
13
Veja o cap. 10 neste volume, Angel M. Rodríguez, “Significado da Linguagem Cultual
em Daniel 8:9-14.”
14
Veja meu estudo, “A Profecia de Daniel 9”, vol. 3, cap. 3 da Série Santuário e Profe-
cias Apocalípticas.
15
B. Z. Wacholder, “The Calendar of Sabbatical Cycles During the Second Temple and
the Early Rabbinic Period”, HUCA 44 (1973): 153-96.
16
W. H. Shea, “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9”,
em The Sanctuary and the Atonement, eds. A. V. Wallenkampf e R. Lesher (Washington, DC,
1981), p. 228-50.
17
W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética (Unaspress, 2007), p. 74-76.
18
Shea, “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9, p. 241-46.
19
A. Lenglet, “La structure litteraire de Daniel 2-7”, Bib 53 (1972): 169-90.

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Capítulo 4

Desenvolvimento inicial da interpretação


de Antíoco Epifânio
William H. Shea

Intérpretes judeus e primeiros


intérpretes cristãos

S inopse editorial. Segundo a escola preterista de interpretação, Antíoco IV Epi-


fânio, o oitavo monarca da linhagem de reis selêucidas (175-164 a.C.) é repre-
sentado pelos chifres pequenos de Daniel 7 e 8, e também pelo personagem final
de 9:24-27. Ele também ocupa a maior parte do capítulo 11 (v. 16-45). Da mesma
forma, os expositores futuristas vêem Antíoco nos capítulos 8 e 11.
Na outra ponta do espectro, a escola historicista de interpretação (atualmente re-
presentada principalmente pelos escritores adventistas do sétimo dia) vê esse rei como
ocupando apenas uma pequena função ness as profecias. O presente autor restringe a
referência direta a 11:15-16. Nas seções seguintes, o autor traça as raízes históricas da
interpretação que é hoje tão vastamente aceita. A era examinada se estende de cerca
da metade do segundo século a.C. até ao início do quinto século d.C.
Nesse processo, o autor inicia examinando dez fontes judaicas. A mais antiga,
a antiga versão grega da Septuaginta, parece ter sido corrompida em Daniel 9 para
fazer a passagem harmonizar-se com um cumprimento em Antíoco. Outras interpre-
tações judaicas conhecidas de Daniel 9 não fazem nenhuma referência ao rei, mas
levam as 70 semanas até aos tempos romanos.
O autor de 1 Macabeus também parece ter correlacionado a profanação do tem-
plo por Antíoco com Daniel 8 (veja 1 Macabeus 1:54). No entanto, Josefo (37?-100
d.C.) é a única fonte conhecida desse período a fazer uma identificação direta do
chifre pequeno de Daniel 8 com Antíoco Epifânio. Mesmo assim, ele curiosamente
substitui os 2.300 dias dados no texto (8:14) por 1.296 dias. Evidentemente, tratou-
se de um esforço consciente de sua parte para trazer a profecia a uma correlação mais
estreita com os três anos literais de suspensão dos rituais do templo.
Não foi encontrado nenhum escritor cristão sobre as profecias antes de Hi-
pólito (falecido em 236 d.C.) que identifique Antíoco com qualquer profecia de

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Daniel. São examinadas sete fontes. Tanto Irineu quanto Orígenes identificam o
chifre pequeno do capítulo 8 com um futuro anticristo.
Hipólito, aluno de Irineu que, posteriormente, serviu como bispo na vizinhança
de Roma durante o início do terceiro século, evidentemente tornou-se uma espécie
de divisor de águas para a interpretação profética. Se ele vivesse hoje, poderia facil-
mente relacionar-se com três das principais escolas de interpretação profética. Foi um
historicista em sua interpretação de Daniel 2 e 7. Por outro lado, foi um futurista em
sua interpretação de Daniel 9, sendo o primeiro expositor conhecido a separar a setu-
agésima semana das 69 precedentes e colocar o seu cumprimento no final da era.
Mas em sua interpretação de Daniel 8 e 11, Hipólito foi um preterista. Ele
identificou o chifre pequeno do capítulo 8 e várias partes do capítulo 11 (de uma
maneira assistemática) com Antíoco Epifânio. Pode-se determinar (comparando
seus comentários com 1 Macabeus) que ele o usou como sua chave para interpre-
tar Daniel 8. Ele é o primeiro comentarista cristão a identificar o chifre pequeno
(cap. 8) com Antíoco Epifânio.

Esboço de intérpretes pesquisados


210
I. Intérpretes Judeus II. Primeiros Intérpretes Cristãos
A. Primeiros Intérpretes 1. Epístola de Barnabé
1. Septuaginta 2. Justino Mártir
2. Macabeus 3. Irineu
3. Oráculos Sibilinos 4. Tertuliano
4. 1 Enoque 5. Clemente de Alexandria
5. Testamento de Levi 6. Júlio Africano
6. Qumran 7. Orígenes
7. Josefo III. Hipólito – Expositor Principal
8. IV Esdras
B. Intérpretes Posteriores
1. Trifo
2. Interpretações Rabínicas

Introdução

Segundo a escola preterista de interpretação, Antíoco IV Epifânio, o oitavo


monarca da linhagem selêucida de reis (175-164 a.C.), é a figura dominante no
cumprimento das profecias do livro de Daniel. Alega-se que ele é representado pe-

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Estudos sobre Daniel

los chifres pequenos dos capítulos 7 e 8, sendo a figura conclusiva na profecia de


9:24-27, e ocupando a maior parte do capítulo 11 (v. 16-45). Somente no capítulo
2 não há nenhum desacordo significativo entre os intérpretes preteristas quanto
ao grau de sua presença. Intérpretes mais antigos sustentam que ele estava presen-
te também ali.1 Intérpretes mais recentes têm mantido que essa profecia chegou à
sua conclusão antes do seu tempo.2
Existe um consenso geral entre a opinião futurista (agora representada prin-
cipalmente por escritores dispensacionalistas) e a opinião preterista quanto aos
capítulos 8 e 11. Para ambas as escolas, o chifre pequeno do capítulo 8 é Antíoco.
E os futuristas concordam com os preteristas sobre a identificação de Antíoco até
o versículo 35 do capítulo 11. A essa altura, porém, os intérpretes futuristas inse-
rem uma lacuna de dois milênios. Assim, eles sustentam que os versículos 36-45
se aplicam a um anticristo pessoal a aparecer nos últimos dias.3
Embora os futuristas creiam que o chifre pequeno do capítulo 8 prefigura o
anticristo final, eles não sustentam que ele está diretamente predito nessa profe-
cia.4 Os futuristas não estão de acordo com os preteristas sobre os capítulos 2 e 7.
Eles vêem o quarto reino em cada uma dessas profecias como Roma5, ao passo que
os preteristas o vêem como a Grécia.
Na outra extremidade do espectro do preterismo estão os comentaristas da
escola historicista de interpretação (agora representada principalmente por escri- 211
tores adventistas do sétimo dia).6 Eles vêem Antíoco Epifânio ocupando apenas
uma parte mínima do quadro histórico geral retratado por essas profecias. Como
um monarca grego, ele naturalmente pertenceria ao ventre e às coxas de bronze
do capítulo 2. Seria uma parte de uma das quatro cabeças do leopardo grego
do capítulo 7, e parte de um dos quatro chifres do bode grego do capítulo 8. O
período de tempo do capítulo 9 passaria de largo por ele em seu caminho para o
cumprimento no período romano. Ele provavelmente seria encontrado em algum
lugar em torno da junção entre os dominadores selêucidas e romanos no capítulo
11, isto é, entre o versículo 14 e o versículo 21.7
A partir dessa breve pesquisa pode-se ver que há uma divergência de opinião
sobre a relação de Antíoco Epifânio com as profecias de Daniel. Em uma extre-
midade está a opinião preterista que vê Antíoco como a figura dominante nessas
profecias. Na outra extremidade está a opinião historicista, que o veria ocupando
uma posição de importância insignificante em relação ao fluxo da história predito
nessas mesmas profecias. A opinião futurista fica a meio caminho entre os dois pó-
los de opinião. Concorda em geral com a opinião preterista quanto aos capítulos 8
e 11, e concorda em geral com a opinião historicista quanto aos capítulos 2, 7 e 9.
Há elementos de diferença, é claro, em cada um desses pontos de contato.
Aqui está, portanto, a abrangência de pensamento com que alguém tem de li-
dar em se tratando da interpretação das profecias de Daniel em relação a Antíoco

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Epifânio. Contudo, o propósito deste ensaio não é criticar esses pontos de vista,
mas explorar o desenvolvimento histórico da interpretação que tem aplicado as
figuras proféticas de Daniel a Antíoco e ao seu tempo.

Intérpretes judeus

Primeiros intérpretes judeus


1. A septuaginta. A mais antiga fonte judaica em que aparece a interpreta-
ção de Antíoco está no texto da própria Bíblia, isto é, na Antiga Versão Grega
dos LXX. As mais sérias das importantes divergências entre o texto dessa versão
(representado especialmente pelo Codex Chisianus) e o texto massorético da Bí-
blia hebraica são encontradas em 9:24-27. A natureza das divergências envolvidas
aponta para o texto massorético como sendo o testemunho superior quanto à
forma original dessa profecia. Mas as divergências na versão grega podem ser mais
bem explicadas como alterações introduzidas na tradução da passagem para se
ajustar melhor com um cumprimento em Antíoco.8
212 A extensa natureza das divergências foi reconhecida na igreja cristã primitiva,
que substituiu o texto de Daniel da Antiga Versão Grega pelo texto de Teodócio.9
A natureza livre da tradução encontrada no texto da Antiga Versão Grega nos for-
nece um dos mais antigos casos em que uma profecia de Daniel foi interpretada de
tal maneira que nela se encontrasse Antíoco. Os tradutores evidentemente acha-
ram necessário alterar a passagem a fim de harmonizá-la com sua interpretação.
Isto significa que (para eles) a opinião de Antíoco não seria suficientemente clara
no texto original sem que se adicionasse tal assistência.
2. Macabeus. Uma segunda referência desse primeiro período que pode estar
correlacionada com a interpretação de Antíoco é aquela encontrada em 1 Maca-
beus 1:54. Nessa passagem o escritor designa o altar pagão que as autoridades
colocaram sobre o altar dos holocaustos como uma “abominação da desolação”.
Dada a semelhança de fraseologia presente aqui, parece razoável concluir que o
escritor viu esse ato como o cumprimento de uma ação atribuída ao chifre peque-
no em 8:13, e ao rei do norte em 11:31. A maneira como os autores de Macabeus
compreendiam o restante dos elementos das profecias de Daniel não pode ser
determinada por falta de referências a eles.
3. Oráculos sibilinos. Uma referência menos definida que pode correlacionar
Antíoco com um aspecto da profecia de Daniel 7 é encontrada nas linhas 388-400
do terceiro oráculo sibilino (geralmente datado do segundo século a.C.). Os reis
sucessivos vistos nessa passagem são numerados no esboço como segue:

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Estudos sobre Daniel

O primeiro rei é descrito como (1) um homem violento vestido com um man-
to púrpura que viria para dominar a Ásia e destruir (2) sua própria família; “mas
depois de deixar [3] uma raiz, que [4] o Destruidor cortará dentre os dez chifres,
ele produzirá [5] um renovo. Ele [5] abaterá [4] o pai guerreiro da linhagem púrpu-
ra, e ele mesmo [5] às mãos do [6, 7] seu neto perecerá em uma fatalidade seme-
lhante de guerra. E então [8] um chifre parasita terá domínio.”10
Alguns têm identificado esses reis como (1) Antíoco IV Epifânio, (2) Seleuco
IV Filopater, (3) Antíoco V Eupater, (4) Demétrio I Soter, (5) Alexandre Balas, (6)
Demétrio II Nicator, (7) Antíoco VII Sidetes, e (8) Alexandre Zabinas.11
Há considerável desacordo sobre essa passagem, mas ela foi aplicada durante
todo o tempo desde o quarto século a.C. ao segundo século d.C.12 A fim de fazer
esses indivíduos se ajustarem melhor à série, duas das linhas foram emendadas. So-
mente oito reis têm sido identificados em uma série que deveria conter dez. Outro
rei, Antíoco VI Dionísio – foi omitido da série, e o último não subiu ao trono.
Além desses problemas, há uma grande diferença entre a maneira como o
símbolo do chifre é usado nessa passagem e a maneira como ele é usado no ca-
pítulo 7.13 Uma vez que tantas diferenças estão envolvidas, não se pode dizer que
esse texto apoia a ideia de que seu escritor também identificou Antíoco Epifânio
como o chifre pequeno do capítulo 7. O máximo que pode ser dito é que o orácu-
lo parece usar a figura de chifres para representar reis individuais e que esses reis 213
provavelmente são selêucidas.
Uma passagem do quarto oráculo sibilino (datada de cerca de 80 d.C.) registra
cinco reinos mundiais que deveriam dominar sobre o mundo por dez gerações
desde o tempo do Dilúvio (v. 51-104). Os assírios deveriam reinar por seis gera-
ções, os medos por duas, os persas por uma, e os macedônios por uma. Então vêm
os romanos. Este esquema se assemelha apenas num sentido muito geral àquele
do capítulo 2 e do capítulo 7. Não se pode dizer que o autor dessa passagem estava
tentando dar-nos sua interpretação dos quatro metais e dos quatro animais que
são encontrados em Daniel.14
4. 1 Enoque. Esta composição pseudepígrafa foi uma obra de múltipla au-
toria, cujos autores provavelmente escreveram suas diversas seções em várias oca-
siões durante o segundo e o primeiro séculos a.C.15 Sendo que vários assuntos de
Daniel aparecem em 1 Enoque, é interessante considerar que evidência pode ser
extraída dele para a conexão entre Antíoco Epifânio e as profecias de Daniel.
O primeiro aspecto de 1 Enoque que se destaca nessa conexão é a maneira
como a cena do tribunal celestial de 7:9-10 foi empregada. Aparece frequentemen-
te através do livro como uma introdução a vários pronunciamentos proféticos16
que são geralmente de natureza profética futura e nenhum deles parece lidar com
Antíoco Epifânio. Um importante aspecto da função da cena do tribunal no capí-
tulo 7 é o de julgar e dispor do chifre pequeno. Se é que se acreditava que o chifre

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

pequeno simbolizava Antíoco Epifânio, os autores dessas passagens não parecem


ter estado interessados em fazer tal conexão, o que é um tanto curioso tendo em
vista que escreveram logo depois do reinado de Antíoco.
Um segundo aspecto de 1 Enoque que justifica breve menção nesta conexão
vem dos dois últimos capítulos do Livro dos Sonhos (89–90). Essa seção lida com
a apostasia e seu juízo durante a monarquia dividida e depois dele.
O capítulo 89 trata da sorte do povo de Deus desde a monarquia até ao tempo
de Alexandre, o Grande. Dos 70 anjos pastores ali mencionados, 35 são associa-
dos com essas atividades. No capítulo 90, os 23 pastores seguintes retomam suas
funções e a narrativa se estende a cerca de 200 a.C., no período selêucida. Os 12
pastores finais têm a sua obra designada desse ponto até ao período dos Macabeus
(90:13-19). A partir de então, deveria seguir-se o juízo dos anjos caídos (v. 20-27).
Então, a Nova Jerusalém deveria ser estabelecida, os gentios deveriam ser converti-
dos, e os justos deveriam ser ressuscitados no reinado do Messias (v. 28-42).
Em um sentido geral, os 70 períodos de tempo durante os quais os anjos pas-
tores supervisionam o povo de Deus parecem ser moldados segundo as 70 sema-
nas do capítulo 9. Mas, embora esses períodos se estendam antes, durante e depois
do reinado de Antíoco Epifânio, nenhuma referência específica é feita a ele.
O terceiro aspecto de 1 Enoque relevante aqui envolve o Apocalipse das Se-
214
manas (caps. 91–93). Porque essas semanas lidam com períodos de tempo maiores
do que semanas de sete anos cada, elas têm sido chamadas Grandes Semanas. Há
muito é sugerido que a oitava, nona e décima semanas de 19:11-17 originalmente
seguiam as primeiras sete semanas que são descritas em 93:3-10. Os fragmentos
aramaicos de 1 Enoque de Qumran confirmam agora essa hipótese.17
Enoque nasceu na primeira dessas Grandes Semanas. O dilúvio veio na segun-
da semana, Abraão na terceira, e Moisés na quarta. A construção do templo de
Salomão é o importante evento da quinta semana, e o exílio babilônico pertence
à sexta. A sétima semana cobre o período do retorno do exílio até ao tempo do
autor, presumivelmente no segundo século a.C.18
As três semanas escatológicas finais são então identificadas como os tempos
em que os justos surgirão vitoriosos (oitava), os ímpios de todo o mundo serão
julgados (nona), os anjos ímpios serão julgados e isto levará à terra renovada (déci-
ma). O uso de semanas aqui como um tempo profético provavelmente derivou-se
das semanas de Daniel, apesar de terem sido usadas de uma maneira diferente.
Como no caso dos 70 anjos pastores, as dez Grandes Semanas passam por
Antíoco Epifânio sem dar a ele atenção específica. Assim, a título de resumo, po-
demos afirmar que nenhuma conexão significativa é feita com Antíoco Epifânio e
os elementos dos capítulos 7 e 9 que são usados pelos escritores de 1 Enoque.

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Estudos sobre Daniel

5. Testamento dos doze patriarcas. Na seção de Levi dessa obra pseude-


pígrafa (datada do segundo século a.C.) aparece uma descrição da linhagem do
sacerdócio ao longo dos séculos, que devia seguir o tempo de Levi e seus filhos.19
O capítulo 16 assume seu retorno do exílio babilônio e descreve a reinstituição do
sistema sacrifical e a supervisão levítica sobre ele. Infelizmente, esse novo período
de atividade sacerdotal viria a ser um de impiedade. Deveria durar 70 semanas
proféticas, sendo que estas semanas eram períodos de sete anos.
O capítulo 17 retoma uma descrição mais detalhada de algumas das gerações
individuais do sacerdócio durante essas 70 semanas. Depois de seguir a linhagem
do sacerdócio até ao sétimo jubileu, são dadas algumas subdivisões daquele ju-
bileu. Podem ser feitas conexões históricas um tanto diretas com o período dos
macabeus a partir de várias frases dessa passagem (17:8-11):

1. Helenização do sacerdócio;
2. Perseguição por parte de Antíoco;
3. Rededicação do templo em 165 a.C.;
4. Estabelecimento do sacerdócio hasmoneano em 152 a.C.

Afirmava-se terem passado sete jubileus (cerca de três séculos e meio) até esse
ponto. A partir daqui, o texto faz uma descrição direta do grande sacerdócio mes- 215
siânico por vir. Mais três jubileus de impiedade sacerdotal deveriam transcorrer
até que se chegasse ao fim todo o período das 70 semanas, com o aparecimento do
grande sacerdote messiânico que deveria estabelecer o seu reino.
Sendo que os eventos da sétima semana do sétimo jubileu descritos em Levi
17:11 ocorreram por volta de 150 a.C., o século e meio dos jubileus 8, 9 e 10 deve-
ria ter levado esse período profético a um término em torno do final do primeiro
século a.C. Este parece ter sido o tempo em que o grande sacerdote messiânico era
esperado pelo autor dessa passagem do Testamento de Levi.
As 70 semanas proféticas utilizadas aqui parecem ter sido moldadas segundo as
70 semanas proféticas de Daniel 9:24-27. Historicamente, elas se estendem até ao
período romano na opinião do autor deste texto. Elas não terminam ou culminam
com Antíoco no segundo século a.C. Ele desempenha uma parte nessa profecia,
mas apenas como um marco histórico ao longo do caminho, num momento em
que dois terços do tempo designado já tinham seguido o seu curso. Mais três jubi-
leus (um século e meio das 70 semanas) deveriam se estender além do seu tempo.
6. Qumran. Os comentaristas do Rolo da Guerra comumente concordam
que a primeira parte de sua primeira coluna de texto foi escrita sob a influência
de Daniel 11:40-12:3.20 O contexto dessa introdução à obra literária é a grande
guerra escatológica final. Sem levar em consideração quão pequena ou quão

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

grande influência do período dos macabeus está presente em algum lugar da


obra,21 esta passagem de Daniel tem sido aplicada ao futuro e não ao passado
com Antíoco.
Um dos mais notáveis textos escatológicos de Qumran que provê informação
relativa a esse assunto é 11Q Melquisedeque, que se refere à figura de um Mel-
quisedeque por vir.22 A data para esse aparecimento é dada no texto em termos
de uma cronologia profética baseada em anos sabáticos e jubilares. Esse tipo de
arranjo traz uma semelhança natural com os elementos de tempo encontrados
em Daniel 9. Comentaristas desse texto observaram que Daniel 9:24-27 proveu a
estrutura cronológica original adaptada para uso em 11Q Melquisedeque.23
O texto originalmente provia uma observação adicional sobre Daniel, um co-
mentário sobre 9:25 na linha 18, que está rompida na cópia que sobreviveu. A
restauração de Fitzmeyer desta linha diz: “e o arauto é aquele Ungido (acerca) de
quem Daniel disse...”24 É incerto se o Messias mencionado nessa linha foi iden-
tificado com Melquisedeque ou apenas o acompanhava. É óbvio, porém, que os
dois tipos de interpretação de materiais de Daniel 9 nesse texto (atualmente sendo
datado no primeiro século a.C.)25 não olham para trás procurando um cumpri-
mento no segundo século a.C. Ao contrário, eles aguardam a breve vinda de um
Melquisedeque-Messias num futuro próximo.
216 Um tipo de comentário semelhante é encontrado em uma peça de Qunram
ainda não publicada, conhecida como 4Q Pseudo-Ezequiel (4Q 384-90).26 A mes-
ma espécie de estrutura cronológica profética é encontrada nessa peça, que se
encontra em 11Q Melquisedeque e no Testamento de Levi. Elas todas derivavam,
de uma maneira ou de outra, das 70 semanas de Daniel 9, e todas aguardavam o
cumprimento desse período de tempo profético no futuro próximo.
De Qumran, portanto, temos vários exemplos em que aspectos extraídos das
profecias de Daniel 9 e 11 eram empregados por escritores e aplicados ao futuro.
Eles não os aplicavam de volta ao tempo de Antíoco, cujo reinado havia chegado
ao fim muito tempo antes que eles escrevessem.
7. Josefo. Josefo deu a Antíoco análises mistas. Ele identificou suas ações com
as do chifre pequeno de Daniel 8 (Ant. X. 275), mas identificou Roma como o
quarto reino mundial de Daniel 2 (Ant. X. 208-10). Também trouxe as 70 semanas
do capítulo 9 e seus eventos até ao seu próprio tempo no final do primeiro século
d.C. (Ant. X. 276: Guerra VI. 312-13). Segundo nossa maneira de falar, diríamos
que Josefo seguiu uma abordagem historicista no capítulo 9 e no capítulo 2, e as-
sim provavelmente também no capítulo 7. Mas seguiu uma abordagem preterista
no capítulo 8, e assim provavelmente também no capítulo 11.
8. 4 Esdras. Este apocalipse pseudepígrafo (datado de cerca de 100 d.C.) se-
gue o mesmo esquema para os quatro reinos conforme seguido por Josefo, em que

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Estudos sobre Daniel

termina com uma águia simbolizando Roma (11:1-35; 12:1-30) como equivalente
ao quarto animal do capítulo 7 (11:40-41; cf. também 2 Bar 39:3-7).

Intérpretes judeus posteriores


1. Trifo. Podemos examinar algumas das opiniões do apologista judeu Trifo
por meio do diálogo que Justino Mártir teve com ele na metade do segundo século
d.C. Um ponto em debate entre eles é relevante para a opinião que tem relaciona-
do Antíoco com o chifre pequeno de Daniel 7.
Em Daniel 7:25, o período de domínio do chifre pequeno é dado como três
tempos e meio. Justino e Trifo mantinham que o chifre pequeno que deveria
dominar nesse período estava ainda no futuro, que (do seu ponto de vista) exclui
Antíoco como um cumprimento. Trifo também mantinha que o período de tem-
po profético representava três séculos e meio, o que tornaria mais difícil ajustar
Antíoco a essa especificação.27
2. Interpretações rabínicas. Em sua forma escrita final, os pontos de inter-
pretação que lidam com as profecias de Daniel discutidas aqui datam do terceiro
e quarto séculos d.C. ou mais tarde. É muito possível, porém, que essas opiniões
já fossem mantidas como tradicionais em tais círculos nessa época. Bem podem
retornar a um tempo consideravelmente anterior para o seu desenvolvimento. 217
Pode-se chegar a duas importantes conclusões. A primeira tem a ver com a
identificação do segundo animal de Daniel 7 com a Medo-Pérsia. A segunda tem
a ver com a identificação do quarto animal com Roma. A última conclusão está di-
retamente oposta à identificação de Antíoco Epifânio como o chifre pequeno do
capítulo 7. A primeira conclusão contrasta com uma posição que necessariamente
se deve assumir antes no capítulo a fim de se fazer tal identificação.
A mais famosa identificação rabínica do urso do capítulo 7 como a Pérsia vem
do Rabi José, que foi perseguido pelos sassânidas no início do quarto século. Ele
identificou o urso de 7:5 com os persas “que comem e bebem como ursos, estão
cobertos de carne como os ursos, são cabeludos como os ursos e jamais podem
ficar quietos como os ursos”.28 Ao ver um persa cavalgando, Rabi Ammi que foi
contemporâneo do Rabi José diria: “Lá está um urso errante.”29 Em nome do Rabi
Hanina, que viveu no início do terceiro século, R. Huna e R. Hama identificaram
a Média com um urso com base em Amós 5:19.30
Sobre essa declaração observa J. Braverman: “Essa referência é claramente ao
Império Medo-Persa, sendo que ele é mencionado depois de Babilônia e antes
da Grécia e Edom (Roma).31 Uma interpretação rabínica interessante dos cavalos
vermelho, preto, branco e baio de Zacarias 6 é aquela que os identificava com Ba-
bilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma.32 Embora o simbolismo aqui seja diferente,
essa série muito claramente é análoga àquela encontrada em Daniel.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Tanto quanto diz respeito ao quarto animal do capítulo 7, as referências ra-


bínicas são praticamente unânimes em identificá-lo com Roma. Os rabis fizeram
isso por meio de vários métodos. Um deles foi identificá-lo com o javali da selva de
Salmo 80:13.33 O javali, por sua vez, foi identificado com Roma em outro lugar.34
Aspectos de comportamento suíno são descritos em termos de conduta humana
para indicar por que essa figura foi escolhida para representar Roma.35
Outra abordagem foi identificar Roma sob o título de Edom.36 Os quatro reinos
mundiais de Daniel assim se tornaram Babilônia, Pérsia, Grécia e Edom (Roma).
As referências rabínicas que usam Edom em lugar de Roma são bem conhecidas.37
Uma terceira grande linha de interpretação para consideração aqui tem a ver
com a maneira como os rabis tratavam o capítulo 9. Das fontes rabínicas aqui en-
volvidas, aquela em que estamos mais interessados é Seder Olam, que é atribuída
ao Rabi José ben Halafta, do segundo século d.C. Essa obra provê uma antologia
de alguns materiais cronográficos que procedem de várias gerações de eruditos
que viveram antes e depois do tempo do Rabi José. Dos capítulos 29 e 30 dessa
fonte Wacholder observou:
“Os capítulos 29 e 30 de Seder Olam, que podem ser considerados como uma
espécie de midrash sobre Daniel 9:24-27, adaptam a cronologia dos incêndios do
primeiro e do segundo templos para colocá-los em conformidade com a opinião
218 do autor dos números sabáticos de Daniel: dez jubileus = 70 ciclos sabáticos = 490
anos transcorridos desde a conquista de Nabucodonosor à conquista de Jerusalém
por Tito. Efetivamente, o Seder Olam, como o Livro dos jubileus, ... proporcio-
nou uma crônica do passado, mas sua cronologia determinista claramente aponta
para uma lição didática no desígnio divino do tempo.”38
Como sabemos de antigas fontes detalhadas, a real cronologia histórica envol-
vida aqui está imprecisamente refletida nesse documento. Provavelmente foi es-
quematizada para prover pontos similares em extremidades opostas desse período
de tempo para esses dois eventos que concordam em natureza. Nesse caso, as 70
semanas de Daniel foram consideradas como se estendendo até à destruição do
segundo templo pelos romanos. Trata-se de uma ideia semelhante àquela encon-
trada nos escritos de Josefo, mas aqui a interpretação está ligada mais diretamente
a detalhes cronológicos derivados de Daniel.
Josefo provê mais evidência indireta para essa opinião sobre Daniel 9:24-27
nos círculos judaicos de seu tempo com a observação:
“Mas o que os levou à guerra foi principalmente um oráculo ambíguo, igual-
mente encontrado em suas sagradas escrituras, que dizia que se veria naquele tem-
po alguém do seu país que se tornaria dominador do mundo. Eles compreenderam
que isso significava alguém de sua própria raça, e muitos de seus sábios se engana-
ram a esse respeito. O oráculo, porém, na realidade significava a soberania de Ves-
pasiano, que foi proclamado imperador em solo judaico (Guerra VI. 312. 3).”39

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Estudos sobre Daniel

Embora a passagem exata ou livro das “Sagradas Escrituras” que proveu essas
interpretações divergentes não seja identificado, F. F. Bruce sugeriu que elas pro-
vavelmente foram tiradas de Daniel 9:26, que se refere ao “povo do príncipe que
há de vir destruirá a cidade e o santuário.”40
Independentemente de como interpretaram a segunda metade dessa frase, os
judeus acerca de quem Josefo escreveu parecem ter interpretado a primeira meta-
de dela em termos messiânicos. O próprio Josefo, por outro lado, vê um príncipe
romano presente, e ele identifica esse príncipe como Vespasiano. Mas nenhuma
dessas duas opiniões faz qualquer concessão para um cumprimento dessa profecia
por Antíoco Epifânio.

Resumo sobre os intérpretes judeus


As opiniões em fontes judaicas sobre a relação de Antíoco IV com as profecias
de Daniel para o período pesquisado podem agora ser resumidas. Isto pode ser
feito profecia por profecia.
1. Daniel 2 e 7. Nenhuma fonte judaica localizada nesse período identifica
Antíoco IV como um cumprimento significativo dessas profecias. Contrariamente
ao que tem sido escrito em alguns comentários, a identificação de Antíoco com
um dos chifres ou dominadores do reino sírio no terceiro oráculo sibilino não 219
provê qualquer evidência de que o autor também o tenha visto como um cumpri-
mento do chifre pequeno de Daniel 7.
Onde os intérpretes judeus são específicos, o segundo e quarto reinos dos capí-
tulos 2 e 7 são identificados como Pérsia e Roma, respectivamente. Josefo e os rabis
são muitos específicos sobre esse ponto. O quarto oráculo sibilino e 4 Esdras se
ajustam a esse modelo. Em um sentido menos específico, 1 Enoque e Trifo colocam
o cumprimento final do capítulo 7 no futuro, e não no passado com Antíoco.
2. Daniel 8. Bem pouca informação desse período está disponível sobre a
interpretação do capítulo 8. Basicamente consiste dos comentários de apenas um
intérprete – Josefo. Ele identifica o chifre pequeno do capítulo 8 com Antíoco de
uma maneira clara e direta. Mas não fez isso sem algumas dificuldades. Quando
ele chegou ao lugar da narrativa onde os 2.300 dias do v. 14 deveriam ter apare-
cido, ele os substituiu por 1.296 dias (Ant. X. 271). Esse número parece ter sido
adaptado dos 1.290 dias de 12:11. O número mais curto provavelmente foi pre-
ferido ao número mais longo original da passagem porque Josefo sabia que ele se
ajustava melhor ao período literal de três anos em que os rituais do templo foram
suspensos (Ant. X. 275).
Menos diretamente relacionado com o capítulo 8 está o uso transitório da fra-
se “abominação da desolação” em 1 Macabeus 1:54. O uso dessa frase de Daniel
para se referir ao que Antíoco fez sobre o altar no pátio do templo é base suficiente

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

para postular aqui uma conexão. 1 Macabeus, porém, não vai além desse ponto,
embora uma frase semelhante apareça quatro vezes em Daniel (8:13; 9:27; 11:31;
12:11). Sua forma mais específica aparece somente nas duas últimas passagens.
3. Daniel 9. Para essa profecia somente uma referência foi encontrada para
identificar Antíoco como desempenhando uma parte significativa em seu cum-
primento – a Antiga Versão Grega da LXX. Outras fontes desse período têm uma
opinião diferente do seu cumprimento. Os escritores de Qunram, Josefo, o Testa-
mento de Levi, os rabis que comentaram sobre isso e 1 Enoque (em um sentido
mais geral), todos estenderam as 70 semanas ou dez jubileus do capítulo 9 até ao
seu próprio tempo e além. Essas interpretações deixam pouco espaço para Antí-
oco. Nesse aspecto, a Antiga Versão Grega da LXX se destaca como excepcional.
A frequência de referências a elementos do capítulo 9 faz essa exceção salientar-se
como ainda mais impressionante.
4. Daniel 11. O Rolo da Guerra de Qunram é a única fonte desse período
que se relaciona diretamente com a interpretação do capítulo 11. Ele aplicou a
parte final dessa profecia (v. 40ss.) a uma guerra escatológica final no futuro, e não
a Antíoco no passado.
O padrão, portanto, é que Antíoco não é encontrado em Daniel 2, 7 ou 9 por
intérpretes judeus desse período, com a única exceção da Antiga Versão Grega da
220 LXX, que o encontrou no capítulo 9. A única fonte importante que interpreta o
capítulo 8 achou Antíoco ali, mas com uma interessante dificuldade envolvendo
o período de tempo do texto. O escritor de Macabeus também parece vincular
Antíoco aos capítulos 8 e 11 (1 Macabeus 1:54). Uma fonte que se relaciona com
a interpretação do capítulo 11 foi localizada, mas a presença de Antíoco não foi
percebida na parte daquela profecia utilizada.

Primeiros intérpretes cristãos antes de Hipólito

Nenhum comentário ligando Antíoco Epifânio com as profecias de Daniel foi


localizado entre os escritos dos Pais da Igreja primitiva antes do tempo de Hipólito
de Roma, no terceiro século d.C. Portanto, os seguintes materiais são anotados a
fim de enfatizar o contraste com esse desenvolvimento posterior.
1. Epístola de Barnabé. O escritor (cerca de 130 d.C.) torna evidente que
ele via o quarto animal do capítulo 7 com seus dez chifres como um fenômeno
presente (isto é, romano) e imediatamente futuro.41
2. Justino Mártir. O apologista já foi mencionado por seu comentário sobre
as opiniões de seu contestador Trifo em relação ao chifre pequeno do capítulo 7.
A mesma passagem em seus escritos igualmente revela sua própria compreensão.

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Estudos sobre Daniel

Ele sentia que o surgimento do chifre estava ainda no futuro, e que, quando ele
surgisse, exerceria domínio por três anos e meio literais.
3. Irineu. A obra de Irineu Contra as Heresias fornece um retrato bastante
completo de suas opiniões sobre as duas primeiras grandes profecias de Daniel.
Escrita na segunda metade do segundo século d.C. (150-200 d.C.), ele interpretou
o quarto reino dos capítulos 2 e 7 como Roma. Além disso, ele sustentava que
Roma logo deveria ser dividida em dez partes.42 Ele encontrou evidência para essa
futura divisão nos dez dedos do capítulo 2 e nos dez chifres do capítulo 7. O chifre
pequeno ainda estava no futuro, e deveria dominar por três anos e meio literais.
Ele aplicou 8:12 a esse mesmo anticristo ainda futuro.43
4. Tertuliano. Nenhuma interpretação dos reinos mundiais de Daniel apa-
rece entre os escritos conhecidos de Tertuliano (160-240 d.C.), mas uma extensa
exposição de 9:24-27 está presente em sua obra Uma Resposta aos Judeus. Aqui ele
usou as 70 semanas para mostrar aos judeus que eles deveriam ter reconhecido
Jesus Cristo como o Messias da profecia de Daniel.44 Ao tratar das unidades de
tempo dessa profecia, ele inverteu sua ordem localizando as sete semanas depois
das sessenta e duas semanas. Ali, as sete semanas se tornaram o intervalo de tempo
entre Cristo e a destruição de Jerusalém.
Tertuliano procurou dar uma exata cronologia secular para os reis que reina-
221
ram ao longo dos períodos abrangidos por essa profecia, mas sua data para os reis
persas e helenísticos é muito inexata e incompleta. Ele registrou Antíoco Epifânio
entre os reis helenísticos que pertenceram ao período das 62 semanas, mas para
Tertuliano, Antíoco obviamente não desempenhou uma parte muito significativa
no cumprimento dessa profecia.
5. Clemente de Alexandria. Clemente (150?-220? d.C.) lidou com 9:24-27 no
contexto de uma cronologia completa para o antigo Israel e os períodos sucessivos
até aos tempos romanos.45 A grande quantidade de dados cronológicos citados dá
a errônea impressão de que ele pretendia apresentar uma cronologia exata para as
70 semanas. Mas não está claro se Clemente usou essas semanas como simbólicas
de períodos aproximados de tempo ou se ele as compreendia como significando
unidades de sete anos históricos.
Clemente colocou o início das 70 semanas no segundo ano de Dario I Histas-
pes (cf. Esdras 4:24; 5:15), mas ele aplicou a primeira unidade de sete semanas à
construção do templo, não à cidade. Com a conclusão do templo, Cristo começou
a reinar como rei dos judeus. As 62 semanas então se estendiam até ao tempo do
batismo de Cristo. A setuagésima semana parece não ter sido vista como contígua
às 62 porque Clemente a estendeu de Nero (que supostamente teria estabelecido
a Abominação da Desolação) a Vespasiano, que destruiu o templo. Sua cronologia
é exata apenas para esse período final.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

De particular interesse é o fato de que Clemente também aplicou os 2.300


dias de 8:14 a esse mesmo período de Nero a Vespasiano.46 Além disso, ele apli-
cou os 1.290 dias e os 1.335 dias de 12:11-12 também como parte da setuagésima
semana. Sua aplicação dos 2.300 dias indica que ele provavelmente via o chifre pe-
queno do capítulo 8 como Roma, em vez de Antíoco. Sua ligação da Abominação
da Desolação com Nero aponta na mesma direção. Clemente não comentou mais
sobre as outras profecias de Daniel ou seus quatro reinos mundiais.
6. Júlio Africano. Este cronógrafo cristão (160-240 d.C.) clarificou as datas
históricas para a interpretação das 70 semanas iniciando-as com Artaxerxes I e Ne-
emias, em 444 a.C., e terminando-as com Cristo em 31 d.C.47 Nesse caso, ele che-
gou muito perto da moderna compreensão dos fatores cronológicos envolvidos.
Ele também comentou sobre o elemento tempo da profecia do capítulo 8.
Para ele, os 2.300 dias representavam 2.300 meses estendendo-se 185 anos desde
a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, no início do sexto século, até à
sua reconstrução sob o reinado de Artaxerxes na última metade do quinto século
a.C.48 Enquanto Clemente colocava os 2.300 dias do capítulo 8 no período ro-
mano, Júlio Africano o localizava no período persa. Nenhum deles aplicou esse
período profético a Antíoco no período helenístico.
7. Orígenes. Nenhuma interpretação do esquema dos quatro reinos mundiais
222 de Daniel aparece nos escritos remanescentes de Orígenes (185-254 d.C.), mas ao
comentar sobre o capítulo 8 ele aplicou os versículos 23-25 a um futuro anticristo.49
Ele interpretou as 70 semanas do capítulo 9 como significando 4.900 anos, em vez
de 490, e estendeu esse período desde Adão à destruição de Jerusalém em 70 d.C.50
Nenhuma concessão foi feita a Antíoco em uma ou outra dessas interpretações.
Resumo. As interpretações desses escritores podem agora ser resumidas. Três
escritores tecem comentários que se relacionam mais diretamente com os capítulos 2
e 7. Todos eles reconheceram o quarto reino de Daniel como Roma contemporânea.
Quatro escritores fazem comentários que afetam mais diretamente o capítulo 8. Júlio
Africano localizou seus 2.300 dias no período persa e Clemente os localizou no perío-
do romano. Irineu e Orígenes identificaram o chifre pequeno do capítulo 8 como um
futuro anticristo. As interpretações de quatro escritores se relacionam especialmente
com o capítulo 9. Todos eles viam as 70 semanas alcançando o primeiro século d.C.
Nenhum desses escritores fez referência a Antíoco Epifânio como desempenhando
uma parte significativa no cumprimento de qualquer uma dessas profecias.

Hipólito – principal expositor de Daniel

Os escritos de Hipólito sobre as profecias de Daniel são os mais extensos e


os mais importantes conhecidos de qualquer Pai da Igreja primitiva que escreveu

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Estudos sobre Daniel

antes do tempo de Porfírio. Ele foi discípulo de Irineu e serviu como bispo na vi-
zinhança de Roma durante o início do terceiro século (cerca de 236). Seu papel da
interpretação de Daniel foi importante. Sua exposição desse livro bíblico é a mais
completa do que a de qualquer escritor cristão até sua época.51
Hipólito foi um expositor sistemático das profecias de Daniel, mas seu(s)
sistema(s) de exposição seguiu a interpretação dessas profecias em direções dife-
rentes mais além do que tinham sido seguidas antes. Há uma corrente predomi-
nante em seus escritos que foi chamada no período moderno de interpretação
historicista. Uma forte característica de preterismo também aparece em sua expo-
sição, sendo que ele achava ser Antíoco Epifânio uma importante presença nos
capítulos 8 e 11. Além disso, um forte toque de futurismo está presente em sua in-
terpretação, sendo que ele localizou o cumprimento da maior parte das profecias
de tempo de Daniel (inclusive a setuagésima semana do capítulo 9) até ao fim dos
tempos. Esses três tópicos – o historicismo de Hipólito, bem como seu preterismo
e seu futurismo – serão retomados à medida que sua exposição das sucessivas pro-
fecias de Daniel for examinada.
1. Daniel 2 e 7. Para o lado historicista de sua obra, está claro que ele apon-
tou os reinos dos capítulos 2 e 7 nesta sequência: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia
e Roma. Ele identificou todos os quatro poderes em detalhes específicos, mais
do que tinha sido feito previamente. Além disso, integrou essas duas linhas da 223
profecia uma com a outra ligando especificamente o ouro, prata, bronze e ferro
do capítulo 2 com o leão, urso, leopardo e animal não descrito do capítulo 7 res-
pectivamente.
Ele disse que o quarto reino, o romano, era o único “que ainda permanece”.52
Ele equacionou os pés e dedos de ferro e barro do capítulo 2 com os dez chifres do
quarto animal do capítulo 7, e os interpretou esses como reinos ainda a surgir. O
chifre pequeno – o anticristo – então crescerá entre eles. Mas Cristo virá do Céu
e trará juízo, e então seu reino de pedra será estabelecido.
2. Daniel 8. Hipólito interrompeu o fluxo do seu comentário sobre Daniel
para inserir uma longa discussão parentética da teoria dos 6.000 anos ou eras mi-
lenares da história terrestre.53 Quando ele retornou ao texto de Daniel, retomou
o capítulo 8 identificando o carneiro como os persas (especialmente Dario) e o
bode como os macedônios (especialmente Alexandre). Em seguida, ele menciona
a divisão do reino de Alexandre em quatro principados. Ele então citou 8:10, que
se refere ao chifre pequeno exaltando-se até ao poder do Céu. Ele identifica essa
figura profética como Antíoco Epifânio. É aqui que o preterismo entra em sua
interpretação de Daniel.
Hipólito segue muito claramente os livros de Macabeus em vários lugares em
que ele apresenta a sua exposição histórica das profecias de Daniel.54 Isto prova ser
verdade também aqui no capítulo 8, quando ele interpreta as atividades do chifre

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

pequeno. Essa relação pode ser observada comparando-se o texto do comentário


de Hipólito com o texto de 1 Macabeus em colunas paralelas:


Hipólito55 1 Macabeus (NEB)

Depois que ele [Antíoco Epifânio] Quando ele estava firmemente esta-
tinha reinado na Síria belecido sobre seu trono

e subjugado a ele todo o Egito, Antíoco projetou tornar-se rei


do Egito ... Em seu retorno do ...
Egito [1:17, 20]

ele subiu a Jerusalém, Antíoco marchou com um forte


exército contra Jerusalém [1:21].

E entrou no santuário, e se apode- Em sua arrogância ele entrou no


rou de todos os tesouros da casa do templo e levou o altar de ouro, e o
Senhor, e o candelabro de ouro, e a candelabro ..., a mesa para o pão da
224 mesa, e o altar, proposição, ... Ele carregou a prata,
ouro, e vasos preciosos, e todos os
tesouros secretos que encontrou
[1:22-23]

e causou uma grande matança na Ele havia causado muito derrama-


terra, mento de sangue, e exultou com
tudo o que tinha feito [1:24].

mesmo como está escrito: “E o san- No décimo-quinto dia do mês de


tuário será pisado a pés, até a tarde Quisleu, no ano 145, “a abomina-
e até a manhã, mil e trezentos dias.” ção da desolação” foi colocada sobre
Pois aconteceu que o santuário o altar [1:54].
permaneceu desolado durante esse
período, três anos e meio, para que
os mil e trezentos dias pudessem se
cumprir;
até que surgiu Judas Macabeu Então Judas Macabeu apresentou-se
em lugar de seu pai [3:1].

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Estudos sobre Daniel

e resistiu a ele [Antíoco], “Tu [Deus] sabes a sorte que eles


planejam para nós; como podemos
resistir-lhes sem que nos ajudes?”
[3:53].
e destruiu o acampamento de Antí- Então Judas voltou para saquear o
oco, acampamento [4:23].
e livrou a cidade, Assim o exército inteiro se reuniu e
subiu para o Monte Sião [4:37].
e recuperou o santuário, Ali eles acharam o templo assolado
[4:38].
e o restauraram em estrito acordo Ele [Judas] escolheu sacerdotes sem
com a lei. defeito, consagrados à lei, e eles pu-
rificaram o templo [4:42].

O primeiro ponto importante que pode ser provado aqui é que dado esse nú-
mero de correspondências em ordem entre essas duas fontes, parece muito prová-
vel que Hipólito estivesse seguindo seu caminho através de 1 Macabeus em busca 225
de correspondências históricas para sua exegese das frases sucessivas de 8:10-14. As-
sim, parece provável que ele obteve a ideia de achar Antíoco Epifânio nessa profe-
cia partindo do relato de Macabeus daqueles tempos. Para sua interpretação desse
capítulo de Daniel em particular, sua ideia dominante pode ser traçada diretamen-
te de Macabeus sem passar por quaisquer fontes intermediárias reconhecíveis.
Um segundo ponto de interesse tem a ver com seu modo de tratar o período
de tempo do versículo 14. Onde ele obteve esse número de 1.300 dias? Três prin-
cipais respostas a essa pergunta parecem possíveis: (1) ele o obteve de um manus-
crito bíblico, (2) ele o obteve dos 1.296 dias que Josefo usou para 8:14, ou (3) ele
mesmo fez essa alteração para obter essa variante.
Não há nenhuma testemunha textual para a variante de 1.300 nesse versí-
culo. Assim, é improvável que ele tenha obtido isto de uma tradição manuscrita
variante. Falta evidência para a dependência de Josefo em outra parte, donde é
improvável que dependesse dele aqui. Por outro lado, há considerável evidência
para sua dependência de Macabeus aqui e em outro lugar.
Pelo processo de eliminação, há a probabilidade de que a correção tenha se
originado com o próprio Hipólito. Sendo que ele parece ter alterado o mesmo
número para um número diferente – 1.400 tardes e manhãs – em seu comentário
sobre 12:11 no final do livro,56 suas referências nesse sentido parecem confiáveis o
suficiente por ele ter sido responsável por essa variante também aqui.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

A abreviação do período de tempo alterando seus dias de 2.300 para 1.300


provavelmente se originou de um desejo de torná-lo o mais próximo possível dos
três anos e meio que ele também usou aqui. Seu uso de três anos e meio é um
tanto curioso em vista do fato de que ele indubitavelmente sabia de 1 Macabeus
que a profanação do templo por Antíoco durou exatamente três anos.
Sendo que o capítulo 8 se conecta de forma lógica com o capítulo 11, o comentário
de Hipólito sobre essa passagem será examinado antes de ser estudada sua abordagem
do capítulo 9. Seu comentário sobre o capítulo 11 certamente pode ser considerado
uma notável exposição profética para o seu tempo. Representa a primeira tentativa de
lidar com o texto da passagem fazendo aplicações históricas a reis e eventos conhecidos
do escritor por meio de fontes históricas a ele disponíveis. Algumas de suas conclu-
sões são um tanto excêntricas (a partir de nossa moderna perspectiva crítica). Pode-se
perdoá-lo em vista dos tempos em que ele escreveu e do fato de que esta foi a primeira
tentativa desse tipo até onde sabemos com base na documentação disponível.
3. Daniel 11. Hipólito inicia sua exposição do capítulo 11 citando os versí-
culos 2-4.57 Ele identifica os quatro reis persas mencionados como Ciro, Dario I,
Artaxerxes I e Dario III. Alexandre então surgiu e conquistou a Pérsia, mas o seu
reino foi dividido após a sua morte. Hipólito não continua sua interpretação com
as divisões do império grego, passando pelos ptolomeus e selêucidas. Em vez disso,
226 ele vai direto para Antíoco Epifânio.58
Hipólito expande seu estudo sobre as ações de Antíoco. Outra vez ele segue
de perto 1 Macabeus. Mesmo a natureza dos erros dos escribas nas datas que são
dadas pode ser explicada a partir de 1 Macabeus. Veja esboço:

Datas e eventos de Hipólito Correspondências de 1 Macabeus

1. Ascensão ao trono, 107.° ano 1:10, 137.° ano


2. Guerra com o Egito 1:17-19
3. Saque do templo, 103.° ano 1:20, 143.° ano
4. Imposto da Judéia, 2 anos depois 1:29, 2 anos depois
5. Chamado à rendição, 1.000 mortos 2:33-38
6. Perseguição cumpre Daniel 11:33 (citado)
7. Surgimento de Matatias cumpre
Daniel 11:34 (citado)

Hipólito então volta atrás para tratar da passagem 11:6-8. Comentaristas moder-
nos colocam esses eventos no terceiro século a.C., primeiramente quando Ptolomeu
II dá Berenice em casamento a Antíoco II, e então na vitória militar de Ptolomeu III
sobre Seleuco II. Hipólito, porém, vê o cumprimento desses versículos em um acor-

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Estudos sobre Daniel

do entre uma rainha desconhecida por nome Ptolemais (provavelmente Cleópatra


Sira) e Antíoco Epifânio, e então na vitória de um filho dela (provavelmente Ptolo-
meu VII) sobre Antíoco na Síria.59 Todavia, Ptolomeu VII jamais combateu Antíoco
na Síria, e perdeu as batalhas que combateu contra ele na fronteira do Egito.
Hipólito então se refere à segunda campanha de Antíoco no Egito. Diz que
ele foi vitorioso sobre Ptolomeu, mas não menciona que foi afastado dessas con-
quistas por intervenção romana. A essa altura, ele volta à narrativa de Macabeus.
A partir dessa fonte, ele descreve o primeiro estágio das hostilidades contra os ju-
deus, e do lado deles ele fala da morte de Matatias e a sucessão de Judas Macabeu.
Nesse ponto, ele suspende a narração dessa linha da história com a observação: “e
assim por diante, como está escrito nos Macabeus.”60
Retornando ao texto de Daniel, Hipólito retoma os versículos 14-17. Aqui
ele avança para o domínio da história do reino Selêucida pós-Antíoco Epifânio.
Ele começa com “Alexandre” (= Balas, 150-145 a.C.), que usurpou o trono de
Demétrio I Soter (162-150 a.C.). Hipólito se refere a esse último monarca como
“Antíoco”.61 Aqui uma princesa casa-se com um rei do reino oposto, e Hipólito a
identifica como Cleópatra (Thea) que se casou com Alexandre Balas. Comentaris-
tas modernos veem esse casamento como ocorrendo na direção inversa: uma filha
de Antíoco casou-se com Ptolomeu V.
Em seguida, Hipólito retorna a 11:27, onde é mencionado que dois reis fala- 227
riam mentiras a uma só mesa. Isto ele aplica a um encontro entre Ptolomeu (VII Fi-
lometer) e Alexandre Balas. Por ocasião dessa visita à Síria, supõe-se que Ptolomeu
cobiçou o reino de Alexandre. Como resultado, ele voltou com um exército para
conquistá-lo. Filometer realmente invadiu a Síria a fim de apoiar Demétrio II Nica-
tor contra Alexandre; portanto, a intervenção de Filometer nos negócios da Síria é
histórica, muito embora o cenário em que Hipólito a colocou talvez não seja.
Quanto ao fim de Alexandre Balas, Hipólito segue de perto 1 Macabeus, como
pode ser visto da comparação dos dois textos seguintes:

Comentário de Hipólito62 1 Macabeus 11:13-18

Alexandre foi morto. Então Ptolo- A seguir, Ptolomeu entrou em An-


meu usou duas coroas, a da Síria e tioquia e se fez coroar como rei da
a do Egito, e morreu no terceiro dia Ásia. Ficou com duas coroas reais:
depois de as haver assumido. a do Egito e a da Ásia. ...Alexandre
fugiu para a Arábia, a fim de se es-
conder. ...O árabe Zabdiel cortou a
cabeça de Alexandre e a mandou
a Ptolomeu. Entretanto, o rei Ptolo-
meu morreu três dias depois.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Hipólito não seguiu 1 Macabeus de perto o suficiente para evitar cair em um


erro. Ele relatou a morte de Alexandre como tendo acontecido antes da referência
à coroação de Ptolomeu; assim, ele passou por alto a descrição de Macabeus dos
eventos intermédiários e colocou em lugar errado o detalhe cronológico “dois
dias”/“terceiro dia”. Hipólito concluiu nesse ponto usando 11:20 como um resu-
mo da carreira desse Ptolomeu (VII Filometer).
A essa altura, Hipólito dá um importante passo de transição em seu comen-
tário do capítulo 11. Ele concluiu sua aplicação dessa profecia aos ptolomeus e
selêucidas no passado. Agora, ele olha para o futuro em busca do anticristo para
cumprir o restante dessa profecia.63 Ele cita 11:36 acerca de sua auto-exaltação.
Então, cita 11:41-43 acerca de sua conquista de alguns países e seu fracasso para
conquistar outros.64 Ele então traz os períodos de tempo das profecias a esse ce-
nário achando seu cumprimento simultâneo nas ações do anticristo final. Isso é
explícito para os três tempos e meio de Daniel 12:7, os 1.260 dias de Apocalipse
11:3, a setuagésima semana de Daniel 9:27, as 1.400 [sic] tardes e manhãs de 8:14,
os 1.290 dias de 12:11, e os 1.335 dias de 12:12.
Um interessante aspecto é a sua aplicação dupla do elemento tempo de Daniel
8:14. No final do seu comentário sobre o capítulo 12, Hipólito aplicou as 1.400
[sic] tardes e manhãs tiradas de 8:14 como se estendendo até à destruição do anti-
228 cristo no fim do mundo.65 Mas em seu comentário sobre o capítulo 8 ele aplicou
os 1.300 [sic] dias desse mesmo versículo aos três anos em que Antíoco profanou
o templo de Jerusalém.66
Hipólito também encontrou uma aplicação dupla para o capítulo 11. Ele apli-
cou a primeira metade à história selêucida no passado, e aplicou a última metade
ao anticristo no futuro.67 Sendo que o versículo 34 foi o último versículo que
ele aplicou a Antíoco Epifânio e o versículo 36 foi o primeiro versículo que ele
aplicou ao futuro anticristo, o versículo 35 assinala para ele a transição entre esses
dois cenários de ação nessa profecia.
6. Daniel 9. Voltando da profecia do capítulo 11 para aquela do capítulo 9,
podemos notar como Hipólito se afastou em duas diferentes direções das interpre-
tações dos Pais da Igreja que o precederam. Embora ele citasse da LXX a passagem
acerca das sete semanas, ele a interpretou seguindo a pontuação massorética, por-
que elas se estenderam “até ao Cristo o Príncipe”.68 Esse Cristo específico (Ungi-
do) foi Josué, o sumo sacerdote do tempo de Zorobabel, que ajudou a restaurar o
templo no sexto século a.C. Aqui a cronologia de Hipólito é inexata, sendo que
ele pensou que apenas 21 anos de exílio tinham se passado desde o tempo em que
Gabriel trouxe essa profecia a Daniel.
Hipólito estendeu as 62 semanas ou 434 anos desde o retorno de Babilônia até
ao nascimento de Cristo.69 Se tomado literalmente, isso significa que ele apontou o

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Estudos sobre Daniel

início tanto das 7 semanas quanto das 62 semanas em aproximadamente o mesmo


tempo e elas seguiram simultaneamente, não de forma consecutiva. Finalmente,
a setuagésima semana da profecia total (9:24) foi separada e transferida para o
fim dos tempos. O anticristo deveria estabelecer sua Abominação da Desolação
durante a última metade dessa semana. Hipólito foi o primeiro comentarista sobre
Daniel a inserir uma lacuna tão extensa nos períodos de tempo dessa profecia.
Antes de sintetizar as interpretações de Hipólito de Daniel, algumas críticas
devem ser citadas:
1. Hipólito citou o texto bíblico de forma muito livre.70
2. Seu conhecimento das pessoas e eventos da história antiga com que ele
correlacionou essas profecias foi muito impreciso quando julgado pelos padrões
da historiografia moderna.71
3. Ele distorceu a ordem dos eventos descritos no texto bíblico, especialmente
no capítulo 11.72
4. Sua abordagem à passagem específica em que apontou Antíoco Epifânio
no capítulo 11 é muito problemática. Prosseguindo do versículo 4, ele foi direta-
mente para Antíoco Epifânio em busca do cumprimento dos versículos imedia-
tamente sucessivos, passando por alto todos os intermediários reis ptolomeus e
selêucidas que reinaram depois da ruptura do império de Alexandre.
Os versículos de 6 a 8 ele aplicou diretamente a Antíoco Epifânio. Quando 229
chegou ao versículo 14, porém, historicamente ele estava na era posterior a Antí-
oco Epifânio. Suas interpretações dos versículos 14-17, 20 e 27 todas elas se ajus-
tam a essa última era, até que ele chegou aos versículos 33-34. A perseguição dos
versículos 33-34 Hipólito atribuiu a Antíoco Epifânio, embora tivesse de seguir
uma sequência anormal: Antíoco (v. 6-8), depois de Antíoco (v. 14-27), e de volta
a Antíoco (v. 33-34), a fim de fazer isso. 73
Resumo. A partir desses pontos de crítica individual é possível agora elaborar
um resumo geral da maneira como Hipólito interpretou Daniel. Para as profecias
dos capítulos 2 e 7, Hipólito seguiu o padrão de interpretação dos primeiros judeus
e cristãos dos quatro reinos mundiais: Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Com
base nessas profecias, ele previu que o império romano se desintegraria, e dessas di-
visões viria o futuro e grande anticristo. Cristo finalmente viria, porém, e destruiria
o anticristo e estabeleceria o seu reino eterno. Em termos modernos, esse esquema
poderia ser descrito como um tipo bastante direto de interpretação historicista.
Para sua interpretação do chifre pequeno do capítulo 8, ele propõe Antíoco
Epifânio. Ao desenvolver essa interpretação, demonstra uma dependência direta
de 1 Macabeus. Contudo, explicou sua aplicação das passagens bíblicas aos even-
tos descritos em 1 Macabeus em uma extensão maior do que qualquer material
encontrado na fonte original.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Ele é o primeiro comentarista cristão a ter identificado o chifre pequeno do capítulo


8 com Antíoco Epifânio. Ele é apenas a segunda pessoa a ter feito isso a partir do próprio
Macabeus, sendo a outra o intérprete judeu Josefo. Até onde é possível determinar,
Hipólito não foi dependente de Josefo. Sua obra evidentemente se apoiou dire-
tamente em 1 Macabeus.
Hipólito foi um tanto direto em sua aplicação da profecia messiânica de 9:24-
27 à vida, ministério e morte de Jesus Cristo, e ali não achou nenhum espaço para
Antíoco Epifânio. Todavia, ele acrescentou duas novas distorções pessoais à inter-
pretação da profecia, e essas prenunciaram posteriores desenvolvimentos.
Como um preterista, ele apontou a vinda do Príncipe Messias no fim das pri-
meiras sete semanas, mas o desvinculou de Jesus Cristo, identificando-o, em vez
disto, como o sumo sacerdote Josué. Como os futuristas posteriores, ele separou a
setuagésima semana dessa profecia das outras 69 e a transpôs para o fim dos tem-
pos. Hipólito foi o primeiro comentarista cristão a propor ambas as interpretações.
A despeito das irregularidades em sua interpretação do capítulo 11, fica evi-
dente o que ele tentou fazer. A primeira parte dessa profecia (até ao versículo
34) ele aplicou essencialmente ao tempo de Antíoco Epifânio. Portanto, nesse
esquema podemos afirmar que o capítulo 8 é paralelo à primeira parte do capítulo
11. Os eventos descritos do versículo 36 em diante, porém, ele aplicou ao futuro
230 anticristo e os transferiu para o fim dos tempos. Nesse sentido, essa parte de sua
interpretação do capítulo 11 é paralela à trajetória do chifre pequeno do capítulo
7. Esse é o final bifásico que resulta da interpretação de Daniel por Hipólito.
A propósito, é interessante notar que Hipólito dividiu o capítulo 11 precisa-
mente onde fazem os modernos futuristas e dispensacionalistas – no versículo 36.
Ele foi o primeiro a fazer tal divisão, e foi o primeiro comentarista cristão sobre Daniel
a aplicar qualquer de suas profecias a Antíoco Epifânio. Pode-se dizer que ele tirou essa
interpretação diretamente do Livro de Macabeus. Hipólito parece ter desempe-
nhado um importante papel na subsequente elaboração desse ponto de vista por
Porfírio, cujos escritos abordaremos em seguida.

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De Porfírio a Jerônimo

S inopse editorial. Um documento que é um ponto de referência na história


da interpretação de Daniel é o décimo-segundo livro da maior obra, intitulada
Contra os Cristãos, escrita pelo filósofo pagão neoplatônico Porfírio (cerca de 233-
304 d.C.). Essa décima-segunda seção lida com as profecias de Daniel. Porfírio as-
sumiu a posição de que o livro de Daniel não foi escrito no sexto século a.C. Antes,
era uma história que pertencia à era dos macabeus, escrita depois dos eventos na
forma de profecia.
Mas de onde esse antagonista da fé cristã tirou sua ideia? Nesta seção, o autor
demonstra a familiaridade de Porfírio com os escritos de Hipólito sobre o livro
de Daniel. Hipólito (falecido em 236) é o primeiro escritor cristão a identificar o
chifre pequeno de Daniel 8 com Antíoco Epifânio. Ele também defendia Antíoco
e suas atividades como o cumprimento da maior parte de Daniel 11. De forma ra-
zoável, o autor infere da evidência à disposição que foi o cristão Hipólito quem de
modo involuntário forneceu ao pagão Porfírio a arma (a interpretação de Antíoco)
com a qual ele tentou refutar o significado profético do livro de Daniel.
Lançando mão da ideia do pai da Igreja, Porfírio defendeu um antecedente
macabeano para o livro de Daniel e deduziu um cumprimento por Antíoco para 231
a maior parte de suas profecias. Ele não somente afirmava que Antíoco era o chi-
fre pequeno de Daniel 8, mas foi o primeiro a projetar a opinião de que Antíoco
era representado também pelo chifre pequeno de Daniel 7. Da mesma forma, ele
defendia um cumprimento de Antíoco para uma parte maior de Daniel 11 do que
fizera Hipólito e estendia a presença de Antíoco no capítulo 12. Embora não seja
conhecido o que ele propôs para Daniel 9 (sua obra sobre Daniel está preservada
apenas em parte por Jerônimo), é possível inferir que ele tinha uma interpretação
de Antíoco para Daniel 2.
Um paradoxo que surge dessa obra anticristã é que o pagão Porfírio de fato
corrigiu e melhorou a interpretação histórica de Hipólito da primeira parte
de Daniel 11. Com alguns pequenos ajustes, todos os modernos intérpretes
– preteristas, futuristas e historicistas igualmente – seguem seu esquema até o
versículo 13. Os preteristas e futuristas continuam com os pontos de vista dele
até o versículo 20.
Durante o quarto e quinto séculos, três intérpretes cristãos (até onde vão os
presentes registros) no setor sírio da Igreja adotaram a opinião de Porfírio de que
o chifre pequeno de Daniel 7 era Antíoco. Um deles, Policrônio (374-430 d.C.),
tentou harmonizar o elemento de tempo do capítulo 8 (as 2.300 tardes e manhãs)
com o elemento tempo de associado ao chifre pequeno do capítulo 7 (tempo, tem-
pos, metade de um tempo). Ele fez isso dividindo os 2.300 por 2 para obter 1.150

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

dias. É o primeiro escritor conhecido a ter tentado essa espécie de abordagem ao


período de tempo dos 2.300 dias.
Entretando, segundo a evidência literária disponível, parece que nem os es-
critos de Porfírio nem aqueles dos pais da igreja síria que adotaram suas ideias
tiveram muito impacto sobre a compreensão de Daniel da Igreja em geral naque-
le tempo. Uma opinião historicista em termos gerais era mantida em relação a
Daniel 7 e 9. Mas a informação é incompleta. É possível que, à semelhança de
Hipólito, os escritores posteriores também tenham visto Antíoco em Daniel 8 e
11. Isso é verdade quanto a Jerônimo, o último escritor estudado.
Jerônimo (340?-420 d.C.) escreveu um comentário sobre Daniel, uma impor-
tante contribuição. Ele reafirmou o esquema historicista dos quatro reinos mun-
diais e concordou com todos os intérpretes cristãos anteriores de que Daniel 9
era messiânico e cristocêntrico. Ele não deu nenhum lugar a Antíoco em Daniel
2, 7 ou 9. Contudo, concordava com Hipólito e o pagão Porfírio quanto a ver
Antíoco Epifânio como a figura dominante em Daniel 8 e o principal tema na
profecia de Daniel 11.
Jerônimo acrescentou a ideia de que nos capítulos 8 e 11 o Antíoco histórico
era, ao mesmo tempo, um tipo do anticristo por vir. A ideia de que Antíoco ti-
nha significado típico não era de Jerônimo originalmente, mas seu escrito sobre
232 o assunto é o exemplo mais extenso dessa espécie de aplicação dupla que tem
sobrevivido desde sua época.
Portanto, no resumo desta seção e da anterior, pode-se observar que existem
duas alusões na literatura judaica a uma interpretação de Antíoco de certas par-
tes de Daniel (Antiga Septuaginta Grega; 1 Macabeus 1:54) e uma identificação
direta ao capítulo 8 por Josefo. A interpretação de Antíoco (para os capítulos 8 e
11) entrou no pensamento cristão por meio dos escritos do pai da Igreja Hipólito,
que derivou sua ideia de 1 Macabeus. Seu ponto de vista, por sua vez, proveu a
base para o filósofo pagão posterior, Porfírio. Com esse ponto de partida, Porfírio
elaborou a opinião de que o livro de Daniel estava enraizado na era dos macabeus
e, consequentemente, estendeu uma interpretação de Antíoco para a maior parte
de suas profecias.
Embora o pai da Igreja posterior, Jerônimo, se opusesse a Porfírio em certos
assuntos, continuou a manter e promover, por meio do seu comentário, uma in-
terpretação de Antíoco para o chifre pequeno de Daniel 8 e para o capítulo 11 do
versículo 21 em diante. Além disso, ele popularizou a ideia em seu comentário de
que o Antíoco histórico (retratado nos capítulos 8 e 11) tipificava a futura vinda
de um anticristo.

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Estudos sobre Daniel

Esboço de intérpretes pesquisados

I. Pensamento de Porfírio sobre Daniel


II. Intérpretes posteriores a Porfírio
A. Intérpretes favoráveis a Porfírio
1. Afraate
2. Efraim Sírio
3. Policrônio
B. Intérpretes não-porfirianos
1. Cipriano
2. Lactâncio
3. Eusébio
4. Cirilo
5. Crisóstomo
6. Teodoro
III. Jerônimo: obra de referência
IV. Apêndice: interpretação inicial de Daniel 8:14

233
Pensamento de Porfírio sobre Daniel

Os escritos do filósofo neoplatônico Porfírio sobre o livro de Daniel represen-


tam um ponto de referência em sua interpretação. Criado em Tiro, ele migrou,
via Atenas, para Roma, onde estudou com Plotino por volta de 260 d.C. Entre os
anos 270 e 280 d.C. ele se retirou para a Sicília por motivos de doença. Enquanto
estava ali, escreveu a sua obra Contra os Cristãos.74 No final de sua carreira, ele
voltou para Roma.
O décimo-segundo livro dos 15 desse tratado fala sobre Daniel. Nenhum dos
seus ataques contra o cristianismo nessa obra parece ter despertado tanto a ira dos
pais da Igreja como seu ataque contra Daniel. Vários deles escreveram contra esse
aspecto específico de sua obra, incluindo Metódio, Eusébio, Apolinário e Jerônimo.
Nenhuma cópia das obras de Porfírio sobreviveu, sendo que duas vezes ordenou-se
sua incineração no quinto século. Como consequência, dependemos das observa-
ções de Jerônimo acerca das opiniões de Porfírio em seu próprio comentário sobre
Daniel para as ideias que podemos reunir sobre as interpretações do último.
Há quatro lugares importantes em que Jerônimo descreve as opiniões de Por-
fírio sobre as profecias de Daniel: em seu prefácio, em seus comentários sobre os
capítulos 2, 7, 11 e 12. Jerônimo não mencionou as opiniões de Porfírio em seu
próprio comentário sobre os capítulos 8 e 9. É interessante que Porfírio seja men-

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

cionado na primeira sentença do prólogo de Jerônimo ao seu comentário, o que


mostra sua preocupação com seus pontos de vista em seu próprio escrito.75 Ele re-
gistra as opiniões gerais de Porfírio sobre a autoria de Daniel. Porfírio considerava
o livro como um pseudepígrafo ou falsificação do tempo de Antíoco Epifânio.
Com base nas adições de Susana, Porfírio defendia que Daniel foi original-
mente escrito em grego e depois traduzido para o hebraico, o que reforçava sua
data tardia para o livro. A opinião de Porfírio sobre a autoria do livro coincidia
com sua opinião sobre a natureza deste: história escrita como profecia, em vez de
verdadeira profecia. Onde quer que predições genuínas fossem encontradas no
livro, estendendo-se além do tempo do autor, elas eram reputadas como falsas.
1. Daniel 2 e 7. O único comentário de Jerônimo sobre as opiniões de Porfí-
rio sobre o capítulo 2 aparece em conexão com sua discussão do último reino, sim-
bolizado por uma pedra, que ele aplicou a Cristo. Ali, ele anotou as divergências
de Porfírio: “Os judeus e o ímpio Porfírio aplicam este último ao povo de Israel,
que, insistem eles, será o poder mais forte no fim dos séculos, e esmagará todos os
reinos e dominará para sempre.”76
A resposta de Jerônimo a essa opinião de Porfírio é demasiado breve e pouco
informativa. Porfírio pode ter aplicado o símbolo da pedra a um reino judaico
que não se materializou em seguida a Antíoco Epifânio, isto é, como uma falsa
234 profecia não cumprida no passado. Seus comentários sobre os capítulos 7 e 12 se
ajustariam a tal opinião (veja abaixo). Jerônimo não comenta sobre a identificação
que Porfírio faz dos quatro reinos precedentes; no entanto, dada a sua divergente
identificação deles no capítulo 7, ele provavelmente também diferia sobre eles.
Jerônimo não nos conta como Porfírio identificava os dois primeiros animais
do capítulo 7, mas nos diz que ele identificava o terceiro animal como os gregos
– mais especificamente como o próprio Alexandre. Assim, supomos que Porfírio
identificou os dois primeiros animais do capítulo 7 como Babilônia e Medo-Pér-
sia, assim como fez Jerônimo.
Em seu comentário sobre 7:8 Jerônimo observa que Porfírio identificou o ter-
ceiro animal como Alexandre e o quarto animal como os reinos corporativos de
seus quatro principais sucessores. Para Porfírio, os dez chifres representavam dez
dos mais cruéis reis de suas dinastias até ao tempo de Antíoco Epifânio. Antíoco
é então representado pelo chifre pequeno que falava grandes palavras contra o
Altíssimo. Os três chifres que Antíoco arrancou foram Ptolomeu VI e VII do Egito
e Artaraxias da Armênia.77
Jerônimo também não comenta sobre como Porfírio interpretava a cena do
tribunal celestial de 7:9-10. Todavia, depois de fazer sua própria identificação do
Filho do Homem do versículo 13 como Cristo, Jerônimo desafiou Porfírio a expli-
car como esse Filho do Homem poderia vir sobre as nuvens do Céu e reinar para

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Estudos sobre Daniel

sempre se ele o identificava com Judas Macabeu.78 A maneira como o pai da Igreja
lançou o seu desafio deve ser observada com atenção.
Ele não disse que Porfírio identificava o Filho do Homem com Judas. Jerôni-
mo apenas disse que se ele o havia feito, teria de explicar como os outros aspectos
dessa passagem poderiam ser aplicados a ele.Não declarou inequivocamente que
essa era a interpretação de Porfírio. Por outro lado, tal interpretação se harmo-
nizaria bem com a interpretação de Porfírio da pedra-reino do capítulo 2 como
sendo os judeus. Esse reino seria visto, conforme descrito aqui, com os santos
do Altíssimo sendo identificados como os macabeus em geral, e Judas Macabeu
como o Filho do Homem, que era seu soberano. As observações de Jerônimo,
porém, não chegam a demonstrar isso claramente.
2. Daniel 11. Também é lamentável que Jerônimo não tenha feito nenhu-
ma menção das opiniões de Porfírio sobre o capítulo 8 ou o capítulo 9 em seu
comentário sobre essas passagens; consequentemente, não sabemos como Porfírio
as interpretava. A título de contraste, Jerônimo nos forneceu uma considerável
soma de informação quanto às opiniões de Porfírio sobre o capítulo 11. De fato,
essa passagem no comentário representa uma importante contribuição para a dis-
cussão das profecias de Daniel nas fontes desse período.
Um aspecto surpreendente de suas interpretações do capítulo 11 é que Jerôni-
mo basicamente concordava com Porfírio sobre a interpretação até o versículo 21. 235
Embora Jerônimo não nos forneça as identificações de Porfírio para cada um dos
reis até esse ponto, um reconhecimento desse acordo baseia-se em uma explícita
declaração que ele faz sobre o versículo 21: “Até este ponto, a ordem histórica foi
seguida e não houve nenhum ponto de divergência entre Porfírio e aqueles que
estão do nosso lado.”79
Antes de nos voltarmos para os pontos divergentes a partir do versículo 21,
devemos recapitular os pontos de concordância que levam até ele. O que é in-
teressante não é meramente a concordância de Jerônimo com Porfírio, mas seu
combinado desacordo com o esquema de Hipólito para o capítulo 11 conforme
observado acima.
Para a presente finalidade, um simples esboço dos reis que Jerônimo identifi-
cou nesses versículos será suficiente. Sendo que Jerônimo declara que ele estava
de acordo com Porfírio, podemos supor que os reis eram também os que Porfírio
encontrou nesses versículos. Além disso, sendo que ele escreveu antes de Jerôni-
mo, é justo dizer que Porfírio foi o primeiro a fazer essas identificações. Jerônimo,
portanto, estava apenas concordando com o trabalho que Porfírio já tinha feito.
Também sabemos que essa era uma nova obra de Porfírio porque o esboço difere
da obra anterior de Hipólito.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Esboço de Porfírio/Jerônimo para Daniel 11:2-20

1. Cambises, Esmérdis, Dario e Xerxes (v. 2)


2. Alexandre (v. 3)
3. Ptolomeu, Filipe, Seleuco, Antígono (v. 4)
4. Ptolomeu I (v. 5)
5. Ptolomeu II (v. 5b)
6. Berenice, Antíoco II (v. 6)
7. Ptolomeu III (v. 7-9)
8. Seleuco II, Antíoco III, Ptolomeu IV (v. 10)
9. Antíoco III (v. 11-12)
10. Antíoco III, Ptolomeu V, Cleópatra (v. 13-16)
11. Antíoco III (v. 17-19)
12. Seleuco IV (v. 20)

Houve um pequeno desacordo entre Jerônimo e Porfírio somente no caso do


versículo 20, com Jerônimo sustentando que esse versículo se referia a Seleuco IV,
enquanto Porfírio mantinha que ele se referia a Ptolomeu V.
236
Com exceção de alguns ajustes feitos entre os reis persas e os quatro sucessores
de Alexandre, esse é basicamente o esboço empregado por todos os modernos
comentaristas – preteristas, futuristas e historicistas – até o versículo 13, e todos
os comentaristas preteristas e futuristas até o versículo 20. Até esse ponto, somos
todos devedores a Porfírio, que desenvolveu primeiro a interpretação correta dessa
parte do capítulo 11.
No versículo 21, Jerônimo separou-se de Porfírio. Nesse versículo, ele viu o
futuro anticristo apresentado e presente até o final do capítulo.80 Porfírio e os eru-
ditos da moderna escola preterista viram Antíoco IV apresentado aqui e presente
até o final do capítulo.
O esboço de Hipólito difere desses esquemas. Hipólito viu Antíoco IV apre-
sentado imediatamente após a ruptura do império de Alexandre e presente até o
versículo 17, onde mudou para as linhagens de reis selêucidas e ptolomeus poste-
riores a Antíoco. Apenas no versículo 36 é que ele muda para o futuro anticristo.
Assim, onde Hipólito via Antíoco IV, Porfírio, Jerônimo e modernos eruditos têm
visto reis anteriores a Antíoco IV, e onde Hipólito via reis posteriores a Antíoco
IV, Porfírio, Jerônimo e modernos eruditos têm visto o próprio Antíoco IV.
Hipólito escreveu seu esquema de interpretação para o capítulo 11 no início
do terceiro século (morreu em 236 d.C.). Porfírio escreveu o seu no último terço
daquele mesmo século (cerca de 270-280 d.C.). O esquema irregular e histori-
camente inexato de Hipólito foi assim suplantado pelo esquema sistemático de

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Estudos sobre Daniel

Porfírio com mais conexões históricas diretas. Porfírio, contudo, não fez nenhuma
concessão ao futuro anticristo de Hipólito. Ele estendeu Antíoco IV por todo o
caminho até o final do capítulo. Esses foram dois importantes desenvolvimentos
na interpretação de Daniel, ambos ocorrendo no terceiro século d.C.
Do versículo 21 em diante, Jerônimo mudou diretamente para o futuro an-
ticristo, enquanto Porfírio continuou com Antíoco IV. Obviamente, portanto,
houve grandes divergências entre eles pelo restante desse capítulo. Foram esses
desacordos que levaram Jerônimo a dar-nos a evidência para aquelas opiniões de
Porfírio. Jerônimo fez isso no interesse de responder a Porfírio. Podemos usar esse
material de forma diferente a fim de determinar tanto quanto possível acerca das
opiniões de Porfírio sobre o restante do capítulo. Assim, do versículo 21 ao versí-
culo 35 as opiniões de Porfírio podem ser esboçadas como segue:

1. Versículos 21-24
a. “Se levantará” – ascensão de Antíoco IV
b. “forças inundantes” ou “braços quebrados” – derrota de Ptolomeu VI
c. “Príncipe da aliança” – Judas Macabeu ou Antíoco
d. “Usará de engano” – em negociações com os egípcios
e. “Entrará em ricas cidades” – em campanhas no Egito
2. Versículos 25-26, derrota de Ptolomeu VI por Antíoco 237
3. Versículos 27-28, o tratado de paz de Antíoco com Ptolomeu
4. Versículos 28-30
a. Voltando do Egito, Antíoco saqueia o templo
b. Segunda campanha contra o Egito, rechaçado pelos romanos
5. Versículo 30, judeus helenizantes dão as boas-vindas a Antíoco de volta
do Egito
6. Versículo 31, profanação do templo por Antíoco
7. Versículo 32, transigências dos judeus helenizantes
8. Versículo 33, perseguição dos judeus por Antíoco
9. Versículos 34-35, perseguição de Antíoco, ajuda ou socorro de Matatias

O comentário de Jerônimo sobre o versículo 34 é extremamente importante


porque nos fornece o primeiro vínculo literário direto entre Porfírio e Hipólito.
Esse vínculo é mais bem demonstrado citando o comentário de Hipólito sobre
11:34 juntamente com a declaração de Jerônimo acerca da natureza do comentá-
rio de Porfírio sobre esse mesmo versículo.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Porfírio sobre Daniel 11:3481 Hipólito sobre Daniel 11:3482

Porfírio acha que o “pequeno Daniel, porém, acrescenta:


socorro” foi Matatias da aldeia de “E serão ajudados com um peque-
... Modin, porque ele se rebelou no socorro. Porque naquele tempo
contra os generais de Antíoco e apareceu Matias, e Judas Maca-
tentou preservar o culto do verda- beu, e os ajudaram, e os livraram
deiro Deus ... Ele diz que ele é cha- das mãos dos gregos [cap. 32]. ... E
mado um pequeno socorro porque depois destes eventos Antíoco ini-
Matatias foi morto em batalha; e ciou outra vez as hostilidades con-
mais tarde seu filho Judas, que foi tra os filhos de Israel e enviou um
chamado Macabeu, também caiu tal Nicanor com um grande exérci-
na luta; e o restante de seus irmãos to para subjugar os judeus, no tem-
foram igualmente trapaceados pelo po em que Judas, depois da morte
engano de seus adversários. Con- de Matias, governava o povo; e as-
sulte os livros dos Macabeus para sim por diante, como está escrito
os detalhes. nos Macabeus.

238 O “pequeno socorro” dado aqui aos santos perseguidos é o mesmo nas in-
terpretações de Hipólito e Porfírio. Aqui estamos lidando apenas com uma frase
curta em um versículo desse capítulo, e eles interpretam da mesma forma uma
frase tão breve e desfavorável.
A perseguição é a mesma. Para Hipólito, o pequeno socorro que os santos
receberiam foi a liderança dada por Matatias e Judas. Para Porfírio, foi a liderança
dada por Matatias, seguida por Judas e seus irmãos. As referências aos livros dos
Macabeus por ambos os escritores devem ser observadas. Essa foi, incidentalmente,
a única consulta de Porfírio. Não foi a de seu copiador, Jerônimo. Assim, Porfírio
também ecoa Hipólito nesse sentido. As repetições e expansões na obra de Porfírio,
conforme transmitidas a nós por Jerônimo, são exatamente o que alguém poderia
esperar encontrar no caso de dependência literária de Hipólito.
Da estreita convergência entre essas duas interpretações, a maneira semelhan-
te como elas são declaradas e a natureza expansionista da declaração de Porfírio,
parece evidente que Porfírio obteve essa interpretação do comentário de Hipólito.
Essa conclusão também indica que Porfírio deveria estar bem familiarizado com o
restante do comentário de Hipólito.
Voltaremos à relação entre Porfírio e Hipólito depois de concluirmos o esboço
das opiniões de Porfírio sobre os capítulos 11 e 12.

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Estudos sobre Daniel

10. Versículo 36, auto-exaltação de Antíoco


11. Versículo 37-39, o desejo de Antíoco por mulheres
12. Versículo 40, segunda campanha de Antíoco contra o Egito
13. Versículo 41, a Transjordânia não é tocada por essa campanha
14. Versículos 42-43, parcialmente consumada por Antíoco no Egito
15. Versículos 44-45, uma campanha posterior contra a Fenícia e a Armênia
16. Dn 12:1-3
a. Tempo de angústia – perseguição dos judeus por Lísias
b. Livramento da perseguição de Lísias
c. Não uma ressurreição – os Macabeus saem do esconderijo das cavernas
17. Versículos 4-6, nenhuma aplicação de Porfírio em Jerônimo
18. Versículo 7, três tempos e meio = três anos e meio da desolação do templo
por Antíoco
19. Versículo 7, perseguição = perseguição dos judeus por Antíoco
20. Versículos 8-10, nenhuma aplicação de Porfírio em Jerônimo
21. Versículo 11, os 1.290 dias = desolação do templo por Antíoco
22. Versículo 12, os 1.335 dias = 45 dias adicionais para a vitória militar dos
judeus ou a purificação do templo

Resumo. Podemos agora resumir a essência da obra de Porfírio. Sendo que 239
um vínculo entre sua obra e a de Hipólito foi proposto acima, e que um vínculo
ainda maior entre elas é proposto abaixo, essas duas obras podem ser comparadas
à medida que são resumidas.
Hipólito aderiu a uma interpretação padrão dos capítulos 2 e 7 que identi-
ficou seus quatro reinos como Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Após o
esfacelamento de Roma, surgiria um futuro anticristo e seria destruído quando
Deus estabelecesse o seu reino final.
Porfírio separou-se de Hipólito e de todos os intérpretes judeus e cristãos ante-
riores desses dois capítulos (até onde conhecemos). Devido às observações incom-
pletas de Jerônimo, as opiniões de Porfírio sobre o capítulo 2 não são muito bem
conhecidas, mas é razoável supor que elas se harmonizavam com suas opiniões mais
bem conhecidas sobre o capítulo 7. Aqui, Porfírio viu o terceiro e o quarto animais-
reinos como representando Alexandre e os sucessores de Alexandre, e assim ele
provavelmente identificou os dois primeiros como Babilônia e Medo-Pérsia.
Os dez chifres do quarto animal representavam uma série de reis ímpios das
quatro divisões do império de Alexandre, e o chifre pequeno que surgiu entre eles
representava Antíoco Epifânio. Não estamos bem informados da natureza das opini-
ões de Porfírio sobre o restante desta visão. Parece que ele defendia que Antíoco en-
contraria sua ruína no reino dos macabeus dirigido contra ele por Judas Macabeu.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Portanto, na obra de Porfírio o enfoque central do capítulo 7 muda de Roma e o


que deveria sucedê-la (o ponto de vista mantido por intérpretes anteriores) para An-
tíoco Epifânio como o chifre pequeno e os eventos que ocorrem em relação a ele.
Não temos nenhuma informação direta de Jerônimo acerca do que Porfírio
ensinou sobre o capítulo 8. Deve haver um motivo para isso. Jerônimo pode ter
concordado com Porfírio sobre esse assunto e não achou necessário citá-lo. Esse
desenvolvimento volta outra vez para Hipólito, sendo que ele divergia das opiniões
dos pais que comentaram anteriormente sobre o capítulo 8 (Irineu, Clemente, Orí-
genes e Júlio Africano). Hipólito foi o primeiro intérprete cristão que, sob a influ-
ência de 1 Macabeus, aplicou o chifre pequeno de Daniel 8 a Antíoco Epifânio.
A opinião de Irineu é particularmente importante nesse sentido, uma vez
que ele foi professor de Hipólito. Hipólito rompeu não somente com o que nós
sabemos da interpretação precedente do capítulo 8 por comentaristas cristãos de
um modo geral, mas também rompeu com a posição de seu mestre, Irineu, que
mantinha que o chifre pequeno ainda estava no futuro.
Na interpretação de Hipólito sobre o capítulo 11, Antíoco vinha primeiro na pas-
sagem e o futuro anticristo vinha depois. No capítulo 8 não foi assim. Ele levou An-
tíoco até o fim do capítulo de forma muito minuciosa. O mesmo foi verdade quanto
a Jerônimo, embora ele tivesse concordado com uma aplicação posterior. Tal ponto
240 de vista provavelmente teria sido bastante compatível com a maneira como Porfírio
tratava o capítulo 8. Assim, pode não ter havido nenhum motivo especial para Jerô-
nimo ter indicado quais eram as opiniões de Porfírio, sendo que elas provavelmente
coincidiam com as suas. Nossa situação em relação ao capítulo 9 é menos clara, sen-
do que não temos nenhuma declaração de Jerônimo das opiniões de Porfírio sobre
isso e nenhuma razão específica por que ele teria omitido fazer menção delas.
No capítulo 11, Hipólito fez a transição da história helenística para o futuro anti-
cristo com o versículo 36. Porfírio, por outro lado, levou a aplicação de Antíoco a essa
profecia até o final do capítulo 11 e no capítulo 12. Para ele, Antíoco permaneceu a
figura central no cumprimento dessa profecia até o fim. Os esquemas gerais de Hipó-
lito e Porfírio para as profecias de Daniel podem ser esboçados paralelamente:
Hipólito
Daniel 2 e 7 Daniel 8 Daniel 9 Daniel 11
Babilônia Pérsia Messiano-cêntrico Pérsia
Medo-Pérsia Grécia Cumprimento dividido Grécia
Grécia Divisões daGrécia Lacuna inserida Divisões daGrécia
Roma Antíoco até o fim Antíoco
Divisões de Roma Posterior a Antíoco
Reino final de Deus Anticristo
v. 36 até o fim

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Estudos sobre Daniel

Porfírio

Daniel 2 e 7 Daniel 8 Daniel 9 Daniel 11


Babilônia Provavelmente o Desconhecido Pérsia
Medo-Pérsia mesmo que Grécia
Alexandre Hipólito Divisões da Grécia
Divisões de Alexandre Antíoco
Antíoco v. 21 até o fim
reino dos Macabeus

Fontes de Porfírio

Com as opiniões de Porfírio sobre Daniel esboçadas e sumariadas, podemos


agora perguntar: Qual foi a origem e estímulo para essas ideias? Seu ataque geral
contra o cristianismo não fornece motivo suficiente para esse ataque específico con-
tra Daniel.83 Há pouca evidência de que ele tirou de Celso qualquer dessas ideias
sobre Daniel.84 Jerônimo acusou Porfírio de atacar Daniel porque suas profecias se
cumpriram muito acuradamente.85 Embora isso possa ser verdade, essa motivação
241
não explica por que ele seguiu a interpretação de Daniel como fez.
Sugere-se que Porfírio obteve suas ideias acerca de Antíoco em Daniel da inter-
pretação que já circulava na Igreja Oriental antes do seu tempo.86 Contudo, isso
parece improvável, sendo que toda a evidência para tal opinião vem de escritores
que escreveram depois de Porfírio. Também é possível que Porfírio tenha reuni-
do sua munição contra Daniel de uma variedade de fontes.87 Outros intérpretes
modernos têm simplesmente deixado aberta essa questão e a tratado como prati-
camente impossível de ser respondida.88
Gostaria de sugerir que o caminho mais razoável ainda não foi explorado: que
ele obteve a ideia central de suas opiniões sobre Daniel de Hipólito, o qual viveu,
trabalhou, ensinou e escreveu em Roma na primeira metade do terceiro século.
Porfírio fez as mesmas coisas no mesmo lugar, na segunda metade do terceiro sécu-
lo.89 Esses dois escritores estavam também em lados opostos do argumento filosó-
fico. Hipólito era bem conhecido como apologista do cristianismo,90 ao passo que
Porfírio era de orientação pagã neoplatônica e, naturalmente, via o cristianismo
como um desafio.
Dada a extensão da influência das obras de Hipólito, especialmente em Roma
no terceiro século, e dada a natureza de seus ataques contra a fonte da filosofia que
Porfírio adotava, aqueles escritos lhe proviam uma arma natural para que escrevesse
contra eles. O que estaria em circulação acerca de Daniel em Roma no terceiro sécu-
lo contra o que Porfírio teria reagido? Hipólito é famoso na história da Igreja como

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

o autor do primeiro comentário completo que ainda existe sobre um livro bíblico
– seu comentário sobre Daniel.91 Seu comentário sobre Daniel ocupa, sem dúvida,
uma posição de honra entre seus comentários bíblicos.92 A estreita correspondência
entre a essência da obra de Porfírio e o ponto de vista oposto expresso apenas uma
geração antes na mesma arena geográfica de discussão filosófica parece ser mais do
que uma coincidência. Pode-se facilmente considerar a obra de Porfírio como uma
tentativa de refutar a obra de Hipólito sobre a interpretação das mesmas profecias.
Como Porfírio atacaria essa opinião particular sobre profecia apresentada em
duas das obras influentes de Hipólito que circulavam em sua cidade e época? O
próprio Hipólito parece ter-lhe provido a ferramenta com que atacar sua posição
sobre os capítulos 2 e 7 apresentando Antíoco Epifânio como o principal cumpri-
mento da maior parte dos capítulos 8 e 11.
Provavelmente, não havia nenhuma diferença significativa entre Porfírio e Hi-
pólito sobre o capítulo 8. Hipólito apontou Antíoco em toda essa profecia desde o
aparecimento do chifre pequeno em diante. No que se refere ao capítulo 11, Porfí-
rio parece ter sido o único responsável pela retificação das principais dificuldades
exegéticas e históricas apresentadas na obra de Hipólito. Aqui, a obra de Hipóli-
to é distintamente inferior, sendo que suas interpretações passaram por cima de
grandes lacunas históricas e inverteu a ordem do texto em alguns lugares.
242 Da presença de Antíoco nos capítulos 8 e 11 como já proposta por Hipólito,
Porfírio parece ter simplesmente continuado sua própria aplicação dessa ideia
derivada até a conclusão final. Ele continuou a aplicação da profecia a Antíoco
no capítulo 11 até o final do capítulo e prosseguiu até o fim de toda essa profecia
no capítulo 12. Tendo argumentado a favor de Antíoco até o fim dos capítulos
8 e 11-12 depois da ruptura do império de Alexandre, Porfírio então parece ter
dado o passo adicional em ler um tipo de interpretação de Antíoco na profecia do
capítulo 7, e provavelmente na do capítulo 2. Com relação ao que ele fez com o
capítulo 9, não temos nenhuma maneira de saber.
Além dessas relações gerais porém hipotéticas, há mais alguma evidência es-
pecífica para ligar diretamente esses dois intérpretes? A informação de Jerônimo
quanto à exegese de Porfírio de 11:34 provê esse elo perdido de uma natureza
precisa e definida entre alguns dos pontos mais excelentes em suas respectivas in-
terpretações. Da discussão anterior até este ponto, parece facilmente evidente que
Porfírio se apropriou da interpretação de Hipólito nesse exemplo.
Sendo que a relação demonstrada aqui se relaciona diretamente com a visão
de Antíoco como um cumprimento das profecias de Daniel, é razoável estimar que
esse elo confirma as relações mais gerais que têm sido propostas acima entre esses
dois intérpretes. Isso provê uma confirmação da identificação da fonte da qual
Porfírio obteve essa ideia mais geral como um todo. Hipólito lançou claramente

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Estudos sobre Daniel

a ideia antes do tempo de Porfírio. Porfírio simplesmente se adiantou e apanhou


sua ideia e a introduziu em todas as principais linhas da profecia de Daniel.
Resumindo, portanto, Hipólito foi a principal fonte da qual Porfírio derivou
sua ideia acerca de Antíoco Epifânio como o cumprimento das profecias de Da-
niel. O próprio desenvolvimento de Hipólito desse ponto de vista remonta a 1
Macabeus, que ele empregou extensamente quando rompeu com a interpretação
de seu mestre Irineu sobre a última metade do capítulo 8. Portanto, retrocedendo
na linha desse desenvolvimento, descobrimos que Porfírio derivou sua interpreta-
ção de Hipólito e Hipólito, por sua vez, a tomou de 1 Macabeus.

Intérpretes cristãos posteriores a Porfírio

Intérpretes favoráveis a Porfírio


1. Afraate. Por alguma razão, a opinião de Porfírio parece ter sido aceita espe-
cialmente por uma série de intérpretes da igreja síria. O primeiro expositor desse
grupo foi Afraate de Mosul (290-350 d.C.). Ele identificou os quatro principais
reinos dos capítulos 2 e 7 como Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. A pedra-
reino do capítulo 2 é o reino do Messias que fará o quarto reino desaparecer. O 243
quarto reino do capítulo 7 deve ser destruído quando o reino de Deus for dado ao
Filho do Homem para reinar eternamente.93 Até aqui, sua interpretação está na
linha de um esboço cristão anterior a Porfírio bastante padronizado.
Contudo, nesse ponto Afraate propôs uma aplicação dupla para o quarto ani-
mal (cap. 7). Ele faz sua aplicação dupla declarando que “o terceiro e o quarto
[animais] eram um”.94 Ele explica isso prolongando a linha dos governantes aqui
envolvidos – 17 reis selêucidas e 18 césares romanos até Severo.95
Desse modo, Afraate adapta o esquema de Porfírio em seu sistema de maneira
dinâmica, estendendo a linhagem do terceiro animal para os governantes romanos
do quarto animal. Somente os primeiros dez desses 35 governantes eram simbo-
lizados diretamente na visão. Contudo, depois de surgirem esses primeiros dez –
como os dez chifres do quarto animal – Antíoco Epifânio entra no campo de ação
como o chifre pequeno. Embora haja alguma diferença entre Porfírio e Afraate
sobre a interpretação dos dez chifres,96 em essência Afraate pôs a interpretação de
Porfírio do capítulo 7 lado a lado com a interpretação tradicional.
Afraate então prossegue no sentido de tornar a interpretação do chifre peque-
no como Antíoco mais específica em termos de suas ações. Sua auto-exaltação con-
tra os santos do Altíssimo e Jerusalém é mencionada juntamente com sua profa-
nação do santuário.97 Ao explicar a profanação do santuário, ele observa que seus
sacrifícios devem ser interrompidos por uma semana e meia ou dez anos e meio.98

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Aqui ele tomou emprestada uma frase de Daniel 9:27, mas expandiu o seu perío-
do de tempo da metade de uma semana para uma semana e meia, evidentemente
aplicando isso a todo o reinado de Antíoco, sendo que ele reinou 11 anos.
Além disso, são citadas atividades antijudaicas de Antíoco,99 e então ele re-
torna ao elemento tempo, citando-o como um tempo e uma metade [sic] de Daniel
7:25.100 Apagando dois tempos desse período profético [“um tempo, dois tempos,
e metade de um tempo”], ele pôde fazer o tempo restante e uma metade combinar
com sua expansão de uma semana e meia em 9:27. Para o fim de Antíoco, ele
parafraseou 7:26 de uma forma um tanto livre e citou a natureza de sua morte a
partir de 2 Macabeus 9:5-8 para o seu cumprimento.101
Essa conclusão deixou Afraate com o problema do que fazer com o recebimen-
to do reino pelos santos retratada na última parte do capítulo 7. Isso ele duramen-
te negou aos judeus.102 Deste ponto ele foi para 9:25, de onde citou as 62 semanas
como se estendendo além do tempo de Antíoco até Cristo.103 No entanto, sendo
que os judeus rejeitaram o Salvador quando Ele veio, a inferência é que a Igreja
surgiu para substituí-los como o povo eleito de Deus e, portanto, constituirá o
corpo de santos do Altíssimo que receberão o eterno reino de Deus.104
A fim de chegar à sua interpretação do capítulo 8, Afraate primeiro seguiu os
seus símbolos até ao ponto em que o bode grego derrotou o carneiro persa e lhe
244 quebrou os chifres. Ele datou esse acontecimento no início da era selêucida ou em
312 a.C.105 A essa altura em sua narração do capítulo 8, ele introduziu o quarto
animal do capítulo 7, que identificou como Roma. Esse poder, sustentava ele,
continuaria até o fim: “Porque o animal não será morto até que o Ancião de dias
se assente sobre o trono, e o Filho do homem se aproxime dele, e autoridade lhe
seja dada.”106 Em essência, ele concluiu o capítulo 8 com a conclusão do capítulo
7. Para ele, a presença específica de Antíoco foi notada em conexão com sua inter-
pretação do capítulo 7, não do capítulo 8.
Ao se avaliar a interpretação de Afraate sobre Daniel, o primeiro ponto que
deve ser observado é que ele ainda aderiu ao esboço cristão padronizado para os
quatro reinos dos capítulos 2 e 7. Essas linhas da profecia deveriam concluir com a
destruição de Roma e o estabelecimento do reino de Deus. Nesse sistema, porém,
ele enxertou um novo elemento dando uma aplicação dupla ao quarto animal
do capítulo 7. O outro lado dessa aplicação dupla ele obteve de Porfírio: que isso
representava os sucessores de Alexandre e Antíoco, que saiu dessa linhagem. Essa
espécie de aplicação dupla em Daniel era nova. Jerônimo, que escreveu depois de
Afraate, fez verdadeiras aplicações duplas nos capítulos 8 e 11, mas nunca fez tal
aplicação no capítulo 7.
O próximo ponto importante a ser notado na obra de Afraate é a nova manei-
ra como ele interpretou os dez chifres do capítulo 7. Ele foi o primeiro a propor

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Estudos sobre Daniel

sua identificação com monarcas selêucidas sucessivos como agora é comum entre
intérpretes preteristas. Finalmente, deve ser observado o ponto de vista em que
Afraate terminou o capítulo 7. Se o chifre pequeno era Antíoco, a dádiva do reino
aos santos deveria ter se referido aos judeus que viveram ao longo dos eventos
do seu tempo. Contudo, nosso autor rejeita tal conclusão. Em vez disso, Afraate
mudou outra vez de direção para aplicá-la ao recebimento do reino por todos os
santos de Deus, inclusive aqueles da era da Igreja.
2. Efraim Sírio. A informação sobre a interpretação de Daniel por Efraim
Sírio (306-373 d.C.) de Nisibis e Edessa não está tão prontamente disponível ou
tão detalhada como a que temos de Afraate. Ele sustentava que a maior parte dos
sinais proféticos tinha se cumprido e que quando o anticristo aparecesse o Impé-
rio Romano chegaria ao seu fim.107
Ele identificou o chifre pequeno do capítulo 7 como Antíoco, que perseguiu
o povo de Deus,108 e nisso ele parece ter seguido Afraate. Ele deu a 7:13 uma inter-
pretação dupla aplicando-a aos dias dos Macabeus e à consumação final em Cris-
to. Essa mesma consumação ele encontrou em 12:2, onde ele diferia da aplicação
de Porfírio dessa passagem exclusivamente aos macabeus.109
3. Policrônio. Policrônio de Apaméia (374-430 d.C.) foi além de Afraate na
aplicação do esquema porfiriano de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia I e Grécia II aos
quatro reinos mundiais dos capítulos 2 e 7.110 Ele seguiu Afraate na identificação dos 245
dez chifres do capítulo 7 como os reis selêucidas entre Alexandre e Antíoco. Foi além
de Afraate na identificação dos três chifres arrancados como os egípcios, os judeus e
os persas.111 Também foi além de Efraim Sírio pela interpretação de 12:2 na maneira
figurativa de Porfírio.112 Não foi tão longe como Efraim Sírio na interpretação do
Filho do Homem do capítulo 7, porque ele observou que o anjo não deu mais infor-
mação sobre esse personagem.113 Sobre 9:24-27 ele foi muito cristocêntrico.
Policrônio também lutou com o problema de ajustar os períodos de tempo de
Daniel a Antíoco. Os três tempos e meio de 7:25 ele interpretou como três anos
e um quarto literais.114 Esses ele igualou com os 1.150 dias que tirou de 8:14 divi-
dindo pela metade o período de tempo ali registrado por cada uma de suas tardes
e manhãs.115 Assim, ele parece ter abreviado primeiro o último período e depois o
primeiro período em uma tentativa de combiná-lo. É o primeiro escritor conheci-
do na história da interpretação de Daniel a reduzir à metade os 2.300 dias de 8:14,
uma prática agora comumente seguida por muitos eruditos modernos.
Resumo. Em geral, pode-se dizer que em alguns sentidos as posições adotadas
por Policrônio foram além daquelas de Afraate ou Efraim Sírio, a quem ele acom-
panhou. Embora Policrônio seguisse a linha de tradição deles sobre a interpreta-
ção de Daniel, ele levou suas opiniões – e as de Porfírio, de quem derivaram suas
ideias – a um ponto mais além desse método de interpretação.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

É interessante notar que a linha de interpretação desses três homens da igreja


síria não parece ter tido muito impacto sobre as interpretações dos principais pais
da Igreja oriental e ocidental. As opiniões de Porfírio eram provavelmente mais
bem conhecidas na Igreja em geral do que aquelas desse desdobramento cristão.

Intérpretes não-porfirianos
1. Cipriano. Esse eclesiástico foi um bispo de Cartago (200-258 d.C.) e con-
temporâneo de Hipólito. Ele escreveu com certo detalhe sobre Antíoco Epifânio,
mas não relacionou essa informação com as profecias de Daniel.116 Em vez disso,
ele tirou lições alegóricas da vida dos irmãos de Judas Macabeus. Os quatro impé-
rios mundiais de Daniel não são identificados em seus escritos existentes, mas ele
viu o anticristo como um personagem do futuro.117
2. Lactâncio. Lactâncio (250-330 d.C.) proveu alguns pontos gerais de contato
com as profecias de Daniel, mas não possuímos dele uma relação abrangente des-
sas profecias. De uma maneira apocalíptica ele se referiu à ruptura de Roma e aos
dez reinos que deveriam emergir a partir disso.118 O anticristo deveria então entrar
em ação, mas ele será destruído por Deus quando os santos forem ressuscitados.
Dada essa orientação em torno do futuro, haveria pouco espaço para Antíoco na
246 interpretação profética de Lactâncio.
3. Eusébio. Eusébio de Cesaréia (260-340 d.C.) ocupa uma posição um tanto
curiosa no curso da interpretação apocalíptica desse período. Ele é conhecido por
ter escrito contra as opiniões de Porfírio sobre Daniel, embora essa porção da obra
de Eusébio não tenha sobrevivido.119 Suas expressões anteriores sobre esse assunto
seguem um ponto de vista um tanto tradicional. Em sua obra Prova do Evangelho ele
identificou os quatro reinos mundiais de Daniel como Assíria (Babilônia), Pérsia,
Macedônia e Roma.120 Em seguida a isso, ele viu o reino de Deus estabelecido.
Também relacionou as profecias dos capítulos 2 e 7 diretamente de uma para a
outra. Aplicou 7:9-14 à segunda vinda de Cristo.121 A profecia de 9:24-27 predisse
sua primeira vinda.122
Com a conversão de Constantino e a aceitação pública geral da Igreja, uma
nova explicação aparece na utilização de Eusébio de uma das profecias de Daniel.
Os santos do Altíssimo que recebem o reino segundo 7:18 são interpretados como
os filhos e um sobrinho de Constantino, que foram apontados para partilhar do
poder imperial com ele.123 Sendo que essa passagem ocorre em um discurso apre-
sentado em honra de Constantino, é possível que Eusébio estivesse simplesmente
fazendo um uso homilético dessa frase, embora sua interpretação dela seja declara-
da em termos inequívocos. Embora Eusébio possa ter dado espaço a Constantino
na profecia, ele não é conhecido por ter dado a Antíoco tão favorável tratamento.

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Estudos sobre Daniel

4. Cirilo. Cirilo (315-386 d.C.), bispo de Jerusalém, seguiu o esquema padrão


de Assíria (Babilônia), “os medos e os persas juntos”, os macedônios, e os romanos
para a interpretação dos quatro animais do capítulo 7. Ele até mesmo se referiu a
essa opinião como “a tradição dos intérpretes da Igreja”.124 Roma deveria ser dividida
em dez reinos e dentre eles surgiria o anticristo representado pelo chifre pequeno.
Ele deveria humilhar três dos dez e reinar por três anos e meio literais até o fim dos
tempos, quando seria morto por ocasião do retorno de Cristo. Aplicou as profecias
de tempo de 12:11-12 a essa mesma era futura.125 Daniel 9:24-27 era de natureza mes-
siânica e foi cumprida em Cristo e nos eventos do primeiro século d.C.126
5. Crisóstomo. Crisóstomo de Antioquia e Constantinopla (347-407 d.C.) foi
contemporâneo de Jerônimo. Em sua interpretação dos quatro reinos mundiais
ele seguiu a interpretação padrão de Babilônia, Pérsia, Macedônia e Roma, “e
estas coisas Daniel nos transmitiu com grande clareza”.127 Com a futura dissolução
do Império Romano apareceria o anticristo e tentaria se apoderar do governo de
Deus e do homem. O aparecimento do anticristo deveria ser um sinal de que a
vinda de Cristo se seguiria logo depois.
6. Teodoro. Grande parte dos escritos de Teodoro de Antioquia (386-457
d.C.) foi produzida depois de ser concluído o comentário de Jerônimo sobre Da-
niel. Contudo, ele ainda pertence a esse grupo geral, de acordo com o seu tipo de
interpretação apocalíptica e sua reação contra as opiniões de Porfírio. Ele interpre- 247
tou os quatro metais do capítulo 2 representando Babilônia, Pérsia, Macedônia e
Roma.128 A mistura de ferro e barro representava a fraqueza que se desenvolveria
no Império Romano. A pedra-reino representava o eterno reino de Cristo que Ele
estabelecerá em seu segundo advento.129
Sua interpretação do capítulo 7 segue o padrão, tomando o quarto animal
como representativo do Império Romano.130 No final desse império, dez reis sur-
giriam. Eles seriam seguidos pelo chifre pequeno do anticristo, que subjugaria
três deles e reinaria por três anos e meio literais. As 70 semanas eram 490 anos
concedidos a Jerusalém até o tempo em que Cristo foi crucificado.131
Resumo. Dentre esses intérpretes entre Porfírio e Jerônimo, todos comen-
taram sobre o esquema dos quatro reinos dos capítulos 2 e 7 identificando-os
como Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. O anticristo, representado pelo
chifre pequeno, estava ainda no futuro e apareceria depois da ruptura de Roma
(indicada pelos dez chifres). Aqueles que comentaram sobre o capítulo 9 o viram
como messiânico e cumprido em Cristo. Nenhum desses intérpretes encontrou
Antíoco Epifânio em qualquer uma das profecias de Daniel em seus comentá-
rios que foram preservados. É lamentável que não tenhamos mais informação
sobre suas opiniões quanto aos capítulos 8 e 11, onde eles poderiam ter intro-
duzido Antíoco.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Jerônimo: obra de referência

É bastante conveniente que esta pesquisa sobre a interpretação de Daniel con-


clua com o comentário de Jerônimo (340-420 d.C.), sendo que sua obra represen-
ta um ponto de referência na história desse assunto. É muito mais abrangente do
que o comentário de Hipólito, é também nossa principal fonte para um conheci-
mento de como Porfírio interpretou Daniel, conforme demonstrado acima. Além
disso, revela em profundidade o próprio sistema de interpretação profética de
Jerônimo. Os principais pontos desse sistema são resumidos abaixo na ordem em
que as profecias aparecem no livro.
1. Daniel 2. Para sua interpretação dos metais da imagem do capítulo 2, Jerô-
nimo seguiu a série padrão de Babilônia, Medo-Pérsia, Macedônia e Roma. Que os
pés e dedos de Roma eram feitos de ferro misturado com barro, sustentava ele, era
“um fato muito claramente demonstrado no tempo presente. Porque precisamente
como não havia no princípio nada mais forte ou mais duro do que o domínio
romano, assim também nesses últimos dias não há nada mais fraco..., uma vez que
precisamos da assistência de tribos bárbaras em nossas guerras civis e contra nações
estrangeiras.”132 A pedra que fere a estátua ele então aplica a Cristo e seu reino.
248
2. Daniel 7. Jerônimo segue a mesma série de reinos para os quatro animais
do capítulo 7. Ele identificou as três costelas na boca do urso persa como os medos,
persas e babilônios, que foram fundidos em um reino. As asas do leopardo represen-
tavam a velocidade das conquistas de Alexandre; suas quatro cabeças representavam
Ptolomeu, Seleuco, Filipe e Antígono, entre os quais seu império foi dividido.
O quarto animal representava o Império Romano, “que agora ocupa todo o
mundo”.133 Seu ato de esmagar e devorar descreve a maneira como ele tem subju-
gado todas as nações. Os dez chifres representam dez reis, entre os quais o Império
Romano será dividido no fim do mundo. O futuro anticristo surgirá entre eles.
Os três chifres a serem arrancados são Egito, Líbia e Etiópia (11:43). O Ancião de
dias é Deus, o Pai, como Juiz, e o Filho do Homem é Cristo, que receberá o reino
eterno e reinará sobre ele.
3. Daniel 8. Jerônimo iniciou sua exposição do capítulo 8 identificando o car-
neiro como o reino dos medos e persas; o bode como o reino de Alexandre e dos
macedônios. Os quatro chifres do bode se aplicam aos generais – nomeados por ele
como Ptolomeu, Seleuco, Filipe e Antígono – que vieram a reinar sobre as quatro
divisões do império de Alexandre. “ ‘Um longo tempo depois’”, conforme Jerô-
nimo cita 8:23, “ ‘surgirá um rei da Síria que será ousado e agirá segundo (maus)
conselhos.’”134 Dessa maneira, Jerônimo introduziu Antíoco Epifânio em sua inter-
pretação. A extensão do chifre em três direções aplicou às campanhas de Antíoco
contra o Egito, Pérsia e Judéia. Seu ataque contra o poder do Céu é também um

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Estudos sobre Daniel

ataque contra os filhos de Israel, sendo que eles eram assistidos por anjos. Antíoco
tirou a “oferta contínua” que era comumente sacrificada de manhã e à tarde”.135
Jerônimo chega então à sua interpretação de 8:13-14. Parafraseando e explicando
esse texto ele narra minuciosamente a pergunta do versículo 13: “Um anjo pergunta
a outro anjo por quanto tempo o templo estará sob o juízo de Deus para ser desola-
do sob o domínio de Antíoco, rei da Síria, e até quando a imagem de Júpiter deve
estar no templo de Deus.”136 Para responder quais eventos históricos datados delimi-
tam esse período profético, Jerônimo voltou-se para Josefo e, ainda mais importante,
para os livros de Macabeus. De Macabeus ele tira as datas para esses acontecimentos
e podemos segui-las de perto na fonte original e no uso que ele fez delas.
Primeiro ele notou que Antíoco entrou em Jerusalém e fez “uma devastação
geral”. Isso ele datou no ano 143. Aqui, ele obviamente se refere ao que Antíoco
fez em Jerusalém ao retornar de sua primeira campanha contra o Egito no ano
selêucida 143, de acordo com 1 Macabeus 1:21-24.137
Em seguida, Jerônimo utiliza-se de 1 Macabeus 1:29 e o relaciona com o perí-
odo de tempo profético envolvido. “Os dias se passaram, e depois de dois anos o
rei enviou o misarca para as cidades de Judá” (JB). Ele usará posteriormente essa
figura para expandir o elemento tempo na profecia.
Depois da primeira depredação de Jerusalém em 143, Jerônimo notou que An-
tíoco “voltou outra vez no terceiro ano e colocou a estátua de Júpiter no templo”.138 249
Primeiro Macabeus data esses eventos no ano 145, de sorte que não há dúvida
quanto a que ano se refere a expressão “dois anos” antes em 1:29. Mas Jerônimo
não usou a última data mais explícita aqui em 1:54. Para Jerônimo, o período
de tempo profético total terminou então com a purificação do templo por Judas
Macabeu no 108° ano [sic, 148° ano].
Com base nessas observações cronológicas, Jerônimo então conclui que “Je-
rusalém jazeu desolada por um período de seis anos, e por três [desses] anos o
templo foi profanado; perfazendo um total de dois mil e trezentos dias mais três
meses”.139 Aqui o comentarista tentou expandir o período de tempo precedendo o
período da desolação do templo com os “dois anos” de 1:54, uma má aplicação.
Dessa breve revisão fica evidente que Jerônimo se deparou com uma con-
siderável dificuldade tentando ajustar os 2.300 dias à carreira de Antíoco. Ele
declarou especificamente que a pergunta do anjo no versículo 13 se referia a “por
quanto tempo o templo deveria, pelo juízo de Deus, ser desolado sob o domínio
de Antíoco”.140 Contudo, como ele observou em seu comentário seguinte, isso
durou apenas três anos. A fim de fazer esse período de seis anos responder à
pergunta que ele fez do texto bíblico, acrescentou mais três anos à “devastação”
de Jerusalém. Se, contudo, alguém examina 1 Macabeus 1:21-24, é evidente que
nenhuma devastação de Jerusalém ocorreu então.141

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Entretanto, mesmo levando-se em conta essa devastação de Jerusalém (que


nunca ocorreu), Jerônimo se depara com um problema cronológico tentando ex-
pandir um período histórico de cinco anos para um período profético de seis
anos.142 Jerônimo estava tentando estender as datas de Macabeus de cinco anos
para seis a fim de ajustar-se a Daniel 8:14. Ao mesmo tempo, ele argumentou con-
tra a tentativa de Porfírio de estender as datas de Macabeus de três anos para três e
meio.143 Sendo que ambas as interpretações do texto bíblico repousam sobre dados
cronológicos de Macabeus, e nenhuma delas se ajusta a esses dados, nenhuma
delas pode ser considerada válida.
Em seguida à sua conclusão sobre essas questões cronológicas, Jerônimo intro-
duziu a ideia de que essa passagem pode ter tido uma aplicação dupla para Antío-
co e o futuro anticristo por meio de tipologia. “Muitos dos nossos comentaristas
aplicam essa passagem ao Anticristo, e sustentam que aquilo que ocorreu sob
Antíoco era apenas um tipo que será cumprido sob o Anticristo.”144
Há alguns pontos importantes a ser notados acerca da introdução dessa ideia.
Primeiro, o lugar onde ele a introduziu é importante. Ele narrou a passagem até Da-
niel 8:9-14 aplicando-a toda a Antíoco. Somente depois de fazer tal aplicação ele in-
troduz a ideia de que Antíoco servia como um tipo para o anticristo. Isso contrasta
com seu procedimento para o capítulo 11, onde ele introduziu a ideia de aplicação
250 dupla a meio percurso, no versículo 21 em seu comentário sobre esse capítulo.
Outro ponto de interesse no comentário de Jerônimo sobre o significado tí-
pico de Antíoco é a fraseologia com que ele introduziu essa ideia: “muitos dos
nossos comentaristas se referem a essa passagem...” Uma fraseologia semelhante é
empregada em oito passagens diferentes em seu comentário sobre o capítulo 11.145
Em cada exemplo de Daniel 11 esse tipo de fraseologia introduziu um contraste
com as opiniões de Porfírio. O uso da mesma espécie de fraseologia aqui em seu
comentário sobre o capítulo 8 pode indicar um contraste semelhante. Embora
Porfírio provavelmente visse essa passagem como se aplicando somente a Antíoco,
como sabemos que ele fez com o capítulo 11, Jerônimo e seus colegas fizeram sua
aplicação a Antíoco e ao anticristo.
Esse tipo de reação diz algo acerca do impacto que Porfírio produziu. Já é evi-
dente que foi considerável, tendo em vista o número de cristãos que escreveram
contra ele. Mais do que isso, há uma indicação do impacto que o escritor pagão
teve sobre eles a partir da natureza de suas respostas. O tipo de resposta a Porfí-
rio em que suas opiniões foram aceitas como a parte primária (cronologicamente
falando) de uma aplicação dupla não é apenas um substituto para elas; é também
uma acomodação.
Essa abordagem não se originou com Jerônimo, nem é tão remota quanto Hipó-
lito.146 Assim, Jerônimo não foi diretamente dependente de Hipólito nesse sentido.147

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Estudos sobre Daniel

O desenvolvimento dessa opinião acomodatícia provavelmente deve ser atribuída ao


escritor ou escritores cristãos anônimos a quem Jerônimo recorreu. Ele recolheu de-
les essa ideia e a explicou em detalhes em seu comentário sobre os capítulos 8 e 11.
A preeminência que Jerônimo deu a Antíoco no cumprimento de Daniel 8
deve ser enfatizada. Ele fez uma extensa exposição desses versículos com relação a
Antíoco antes de ter introduzido a aplicação típica ao anticristo. Além disso, ele
não falou muito sobre a aplicação desses versículos ao anticristo exceto para fazer a
observação de que essa era a maneira como alguns intérpretes cristãos os aplicavam.
É evidente, portanto, que Antíoco dominou o pensamento de Jerônimo sobre o
capítulo 8. Em qualquer extensão com que ele visse o futuro anticristo tipicamente
representado nessa profecia, tal aplicação era para ele de importância secundária.
Em seguida à sua declaração acerca da aplicação dupla ou típica de 8:13-14, Je-
rônimo deu apenas mais dois destaques a essa passagem, ambos relacionados com
Antíoco. O primeiro foi que a “purificação do santuário” foi realizada por Judas
Macabeu depois da derrota dos generais de Antíoco perto de Emaús. Ele então
concluiu seu comentário sobre esses versículos observando que Antíoco morreu
quando ele recebeu notícias de sua derrota ocidental, enquanto estava em sua
campanha oriental. Em seu comentário sobre o restante do capítulo 8, Jerônimo
não voltou ao assunto de Antíoco ou do anticristo.
4. Daniel 9. Jerônimo seguiu uma abordagem de 9:24-27 muito diferente em 251
comparação com outras profecias de Daniel. Ele não fez sua própria exegese dessa
passagem. Em vez disso, reviu os pontos de vista de comentaristas anteriores sobre
esse tema, citando extensas passagens de vários deles, como: (1) Júlio Africano, (2)
Eusébio, (3) Hipólito, (4) Apolinário, (5) Clemente, (6) Orígenes, (7) Tertuliano,
e (8) “os Hebreus”. Dada a extensão dessa coleção de materiais, seu comentário
provê uma riqueza de informação sobre as opiniões que haviam se desenvolvido
sobre essa profecia por volta do seu tempo.
Não precisamos entrar em detalhes sobre as posições adotadas por esses comen-
taristas, mas podemos extrair deles alguns pontos importantes para consideração
aqui. O primeiro e mais importante ponto é que nenhuma dessas oito fontes di-
ferentes achou que Antíoco Epifânio representasse um cumprimento importante
de qualquer aspecto dessa profecia. Ele não é nem mesmo mencionado por nome
nesse capítulo do comentário de Jerônimo. Segundo, Hipólito foi registrado entre as
autoridades que Jerônimo citou sobre essa profecia. Portanto, Jerônimo estava bem
familiarizado com as opiniões de Hipólito, tendo, na verdade, feito críticas a elas.148
Sua crítica específica foi que Hipólito apresentou um período de tempo profé-
tico que não correspondia à conhecida extensão do período histórico. Sendo que
Jerônimo estava bem familiarizado com as opiniões de Hipólito sobre o capítulo
9, é bem provável que estivesse também muito familiarizado com suas opiniões

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

sobre as outras profecias de Daniel. A falta de uma referência por Jerônimo às


opiniões de Porfírio sobre o capítulo 9 é uma perda para o moderno historiador
da interpretação. A única coisa que pode ser dita quanto às próprias opiniões de
Jerônimo sobre o capítulo 9 é que ele sem dúvida via-o como messiânico e tendo
seu cumprimento em Cristo.
5. Daniel 11. Sobre o capítulo 11, Jerônimo declarou que concordava com
Porfírio até o versículo 21: “Até este ponto a ordem histórica tem sido seguida, e
não tem havido nenhum ponto de controvérsia entre Porfírio e aqueles que estão
do nosso lado.”149 Portanto, para saber quais reis Jerônimo achava que cumpriam
esses primeiros 21 versículos, é necessário apenas consultar o esboço de Porfírio
dado acima.150 Contudo, as opiniões de Jerônimo divergiam das de Porfírio do
versículo 21 em diante, porque nesses versículos Jerônimo encontrou o anticristo
presente juntamente com Antíoco.
“Mas o restante do texto daqui até ao final do livro ele interpreta como se apli-
cando à pessoa de Antíoco. ... Mas aqueles de nosso grupo crêem que todas essas coi-
sas são faladas profeticamente do Anticristo que deve surgir no fim dos tempos.”151
Essa foi uma aplicação dupla mais completa do que a do capítulo 8, onde a
aplicação típica dessa profecia foi mencionada apenas no final do seu comentário.
No caso do capítulo 11, ele detalhou a aplicação dupla para cada passagem à me-
252 dida que eram discutidas em ordem.
O interessante aqui é a maneira como Jerônimo coloca suas discordâncias
de Porfírio. Ele não descartou completamente as aplicações helenísticas. Em vez
disso, ele comumente as aceitava, mas qualificava sua aceitação referindo-se a elas
como um tipo do anticristo. Seus comentários, para ter esse efeito, obedeciam à
seguinte fórmula para o restante do capítulo: (A) Primeiro ele dava a aplicação he-
lenística. (B) Então ele fazia uma declaração transicional acerca da aplicação típica
desses versículos. (C) Isso era seguido pela aplicação ao anticristo.
Em alguns casos, Jerônimo parece mais favorável à aplicação helenística (A)
do que em outros. Ele parece muito certo disso em seu comentário sobre o versí-
culo 27: “Não há dúvida senão que Antíoco ficou em paz com Ptolomeu.”152 Em
outros exemplos, ele levava em conta a aplicação helenística, mas defendia que o
cumprimento do anticristo seria maior (versículo 30): “Mas isso deve ser cumprido
de forma mais ampla sob o Anticristo.”153 Em outros exemplos ele simplesmente
excluiu a aplicação helenística (versículo 32): “Mas em minha opinião isso ocorre-
rá no tempo do Anticristo.”154 Quando chegou ao capítulo 12, Jerônimo foi muito
inflexível ao rejeitar a aplicação (versículo 7): “Mas é perfeitamente evidente que
tal argumento jamais se manterá.”155
Dessas citações da avaliação de Jerônimo da aplicação helenística de 11:21 em
diante fica evidente que uma mudança gradual estava envolvida em sua opinião.

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Estudos sobre Daniel

Os comentários sobre esses versículos foram citados em sua ordem no texto. Suas
declarações tornam-se mais e mais firmes contra a opinião de Porfírio. Assim,
quanto mais longe Jerônimo ia nesse capítulo, menos ele era atraído para sua
aplicação helenística, até o momento em que ele chegou à sua seção final e a
rejeitou inteiramente.156
Para as declarações de transição (B), a da primeira passagem dessa seção do
capítulo 11, sobre os versículos 21-14, é ilustrativa daquelas que seguem: “Antíoco
deve ser considerado como um tipo do Anticristo, e aquelas coisas que lhe aconte-
ceram devem ser completamente cumpridas no caso do Anticristo.”157 Declarações
de natureza semelhante aparecem no mínimo em 16 diferentes passagens no co-
mentário sobre essa profecia.158
A fraseologia usada também ilustra essa relação. As palavras para “tipo” ou “ti-
picamente” aparecem no mínimo quatro vezes no comentário sobre esse capítulo,
duas vezes no comentário sobre os versículos 21-24, e uma vez cada nos comentá-
rios sobre os versículos 28-30 e versículo 31. Jerônimo disse que os eventos descritos
nos versículos 28-30 “prefiguravam” e “prenunciavam” as ações correspondentes
do futuro anticristo. Os eventos do versículo 30, disse ele, seriam “cumpridos pelo
anticristo de forma mais ampla”, e aqueles do versículo 31 ocorreram de uma ma-
neira “preliminar” sob Antíoco. Todas essas declarações enfatizam um enfoque
sobre os pontos transicionais em suas respectivas passagens do comentário. 253
Um perfil pode ser traçado para o próprio anticristo (C) da segunda metade da
aplicação dupla dessa profecia por Jerônimo. Ele será um indivíduo judeu que con-
quistará o domínio do mundo derrotando Roma (versículos 21-24). Egito, Líbia e
Etiópia serão incluídos em suas conquistas (versículos 25-29, 40). Ele traçará planos
contra aqueles a quem ele deseja que abandonem a lei e a aliança de Deus (versícu-
los 30, 32-33). Assentar-se-á no templo de Deus, proferirá grandes palavras contra
Deus, e pretenderá ser Deus (versículos 31, 36). Fará uma pretensão de castidade e
concederá grandes dons aos seus soldados (versículos 37-39). Perseguirá os santos e
eles serão livrados somente pela segunda vinda de Cristo (versículos 34-35). Quando
Cristo vier, destruirá também o anticristo e ressuscitará os justos mortos (12:1-3).
Resumo. Da recapitulação precedente dos pontos de vista adotados por Je-
rônimo sobre as profecias dos capítulos 2, 7, 8, 9 e 11, sua obra agora pode ser
sumariada em uma série de proposições que enfatizam sua importância para o
assunto geral examinado neste estudo:
1. Ele reafirmou o esboço histórico dos quatro reinos mundiais e preencheu
esse esboço com detalhes históricos adicionais. Nisso ele concordou com a maio-
ria dos intérpretes judeus e cristãos que o precederam.
2. Ele viu 9:24-27 como uma passagem messiânica e cristocêntrica. Aqui ele tam-
bém concordou com praticamente todos os intérpretes cristãos que o precederam.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

3. Ele não viu Antíoco Epifânio presente de uma maneira significativa em


quaisquer das profecias dos capítulos 2, 7 ou 9.
4. Ele concordou com Hipólito em que Antíoco era a figura dominante na
profecia do capítulo 8, mas foi além dele acrescentando uma aplicação típica
final ao anticristo.
5. Da transição que fez Hipólito para o anticristo no versículo 36 do capítulo
11, Jerônimo mudou esse ponto de transição para o versículo 21. Desse ponto em
diante por todo o capítulo ele levou em conta uma aplicação dupla do seu conte-
údo para Antíoco e o anticristo. Embora essa ideia de aplicação dupla pareça não
ter se originado com Jerônimo, ele é o exemplo mais extenso de sua aplicação na
literatura que sobreviveu de sua época.
6. Ele aceitou, em essência, a aplicação feita por Porfírio dos primeiros 21
versículos do capítulo 11 à história persa, macedônia e ptolomaico-selêucida sem
aplicação dupla.
7. O comentário de Jerônimo sobre Daniel é o maior exemplo da exegese
deste (ou de qualquer outro) livro bíblico que sobreviveu de sua época.
8. A exposição de Jerônimo do capítulo 11 é a mais completa e sistemática
exposição de uma só profecia bíblica que sobreviveu da literatura de sua época.
9. Jerônimo nos proveu a mais extensa refutação de Porfírio que sobreviveu
254 de sua época. Por esse motivo, ele é a fonte individual mais importante para o
conhecimento das opiniões de Porfírio.
Por essas razões Jerônimo se destaca como uma figura muito significativa na
história da interpretação de Daniel. Nesse sentido, ele também constitui uma
figura muito apropriada para a recapitulação desse tema do segundo século a.C.
ao quinto século d.C.

Resumo geral

O progresso na interpretação das profecias de Daniel do segundo século a.C.


ao quinto século d.C. pode ser agora resumido. Isto fica melhor se feito capítulo
por capítulo. A interpretação padrão de Daniel 2 mantida por todos os conheci-
dos comentaristas judeus e cristãos adotou a sequência de Babilônia, Medo-Pérsia,
Grécia e Roma, seguida pelo reino de Deus. Mesmo depois de Porfírio houve ape-
nas um ou dois personagens de pouco destaque na igreja síria que se afastou desse
formato. A linha dominante de comentaristas cristãos pós-porfirianos continuou
com o esquema padrão pré-porfiriano.
Também pode ser dito que a interpretação padrão do capítulo 7 mantida por
todos os conhecidos comentaristas judeus e cristãos antes de Porfírio seguiram a

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Estudos sobre Daniel

mesma sequência de Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. O anticristo era en-


tão identificado como o chifre pequeno e o seu aparecimento era mantido ainda
no futuro. Ele deveria ser destruído por Deus que então estabeleceria o seu reino
eterno. Alguns comentaristas modernos fizeram a tentativa de encontrar uma va-
riação dessa posição padrão nas primeiras fontes, mas não foram bem-sucedidos
em demonstrar a existência de tal opinião antes de Porfírio.
Porfírio, então, foi o originador do ponto de vista que projetou Antíoco Epifânio no ca-
pítulo 7. Três pais da igreja síria o seguiram nessa ideia. Isto foi feito especialmente
por Afraate através de uma aplicação dupla do quarto animal tanto para os suces-
sores selêucidas de Alexandre, quanto para os césares romanos. Porfírio interpre-
tou os dez chifres como uma série de reis ímpios das quatro divisões do império
de Alexandre, ao passo que Afraate foi o primeiro a sugerir que esses dez chifres
representavam dez monarcas selêucidas entre Alexandre e Antíoco Epifânio.
Acerca da interpretação do capítulo 8, temos menos informações. A momentâ-
nea referência à “abominação da desolação” em 1 Macabeus sugere que o autor ou
os autores dessa obra provavelmente viam Antíoco Epifânio como o cumprimento
dessa frase tirada de Daniel. Josefo aplicou a última porção dessa profecia a Antío-
co, mas ele é o único outro intérprete judeu antigo de quem se sabe ter feito isso.
O primeiro pai cristão em cujos escritos Antíoco é visto como um cumpri-
mento do chifre pequeno de Daniel 8 é Hipólito. Uma investigação cuidadosa dos 255
escritos de Hipólito indica que ele tirou sua opinião diretamente de 1 Macabeus.
Esse desenvolvimento contrasta com as opiniões divergentes sobre a mesma profe-
cia mantidas por Júlio Africano, Irineu, Clemente e Orígenes.
Jerônimo não menciona que opiniões Porfírio mantinha sobre o capítulo 8
pelo motivo provável de que ele, Porfírio e Hipólito estavam todos de acordo em
aplicar o corpo dessa profecia a Antíoco. Jerônimo adicionou uma aplicação se-
cundária ao anticristo, mas essa opinião não foi retirada da obra de Hipólito.
Foi Porfírio quem primeiro fez a aplicação do chifre pequeno do capítulo 7
a Antíoco, mas não foi assim com a aplicação de outras porções das profecias de
Daniel a Antíoco. Entre os escritores cristãos, Hipólito tinha anteriormente en-
contrado Antíoco nos capítulos 8 e 11.
Paradoxalmente, parece ter sido Hipólito quem forneceu a Porfírio sua grande
ferramenta para a reinterpretação de Daniel. O que Porfírio fez foi simplesmente
estender mais adiante a opinião sobre Antíoco ao longo das profecias de Daniel,
voltando para o capítulo 7 e avançando aos capítulos 11 e 12.
A interpretação do capítulo 9 que vê Antíoco Epifânio nessa profecia foi en-
contrada em apenas uma fonte desse período – a Antiga Versão Grega da LXX.
Todos os outros escritores judeus cujos comentários sobre essa profecia são co-
nhecidos, antes e depois do primeiro século d.C., aplicaram a maior parte dela a

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

pessoas e eventos muito depois da época de Antíoco. Todos os intérpretes cristãos,


mesmo aqueles com opiniões variantes sobre os capítulos 7 e 8, mantinham que
essa profecia era de natureza messiânica e que ela encontrou o seu cumprimento
na vinda de Jesus Cristo e eventos envolventes do primeiro século d.C.
Os comentários mais importantes sobre o capítulo 11 são encontrados apenas
nas obras de Hipólito e Jerônimo desse período. É evidente que embora esses
comentaristas vissem Antíoco Epifânio nessa profecia, eles interpretaram isso de
uma maneira muito diferente de Porfírio. Hipólito defendia que os versículos 1-36
se aplicavam aos tempos persas e helenísticos até a um ponto além de Antíoco.
O restante dessa profecia (versículos 37-45) ele aplicou ao anticristo final. Porfírio
remodelou essas conexões históricas do capítulo 11 aplicando-as aos monarcas
selêucidas antes do tempo de Antíoco e a Antíoco, mas não aos selêucidas depois
dele. Ao fazer isso, esclareceu alguns pontos históricos e exegéticos que Hipólito
não havia manejado bem.
Até o versículo 20 as interpretações de Porfírio sobre Daniel 11 foram aceitas
por Jerônimo, e são ainda mantidas por muitos comentaristas modernos dessa
profecia. Assim, devemos a Porfírio a primeira interpretação historicamente exata
da primeira porção do capítulo 11 a ser escrita. Porfírio levou sua descoberta de
Antíoco por todo o restante do capítulo com vigor: para ele não havia nenhum
256 elemento nele que se estendesse além da era dos macabeus, imediatamente depois
da morte de Antíoco.
Jerônimo concordava com Porfírio em que Antíoco podia ser visto em passa-
gens dessa profecia além do versículo 20, mas ele apenas o encontrou ali como
um tipo do anticristo final ao qual esse material se aplicava de forma mais ple-
na. Muito naturalmente os comentaristas cristãos, à semelhança de Jerônimo,
achavam que os eventos no fim dessa profecia – o livramento final dos santos e
a ressurreição – estavam no futuro e seriam cumpridos com a segunda vinda de
Cristo. Por outro lado, Porfírio defendia que esses eventos já tinham se cumprido
figurativamente na era dos Macabeus.
Como resumo final, pode-se dizer que, deixando de lado preocupações cris-
tológicas específicas dos cristãos, uma opinião padrão sobre os mais importantes
pontos na interpretação dos capítulos 2, 7 e 9 foi mantida por intérpretes judeus
e cristãos ao longo do período aqui examinado. As únicas exceções a essa regra en-
contradas até aqui são alguns pais da Igreja Síria que escreveram depois do tempo
de Porfírio e foram influenciados por ele.
Pouco se sabe acerca da interpretação do capítulo 8, mas a informação dispo-
nível indica que as opiniões sobre ele seguiram em duas direções. Algumas fontes
tais como 1 Macabeus e Josefo viam Antíoco como o principal enfoque dessa
profecia. Escritores cristãos como Clemente, Orígenes e Irineu aplicaram essa pro-

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Estudos sobre Daniel

fecia ao período romano ou ao futuro anticristo. A interpretação de Antíoco dessa


passagem foi transferida para a literatura cristã por Hipólito, que a derivou direta-
mente de 1 Macabeus. Porfírio tirou essa ideia de Hipólito e a leu nos capítulos 2,
7, 11b e 12, onde ela não tinha anteriormente sido aplicada.
O número ainda menor de fontes disponíveis desse período sobre a interpre-
tação do capítulo 11 segue um modelo um tanto semelhante àquele encontrado
para o capítulo 8. Hipólito dividiu essa profecia em duas partes principais e desig-
nou sua primeira parte ao período selêucida da história e sua última parte ao fu-
turo anticristo. Jerônimo fez o mesmo, mas levou em conta a presença de Antíoco
na última metade desse capítulo funcionando como um tipo.
Para Porfírio, o principal personagem dessa profecia era Antíoco Epifânio do
começo ao fim. Para essa ideia básica ele partiu de Hipólito, e Hipólito, por sua
vez, a tirou de 1 Macabeus. Essa é a fonte original para a qual a ideia agora pode
ser traçada, e mais detalhes de sua elaboração podem agora ser encontrados ao
longo do curso que ela tem seguido.

Apêndice
Primeira interpretação de Daniel 8:14 257

Um subtema que foi tratado nessa revisão da literatura primitiva sobre a in-
terpretação de Daniel envolve a maneira como o elemento tempo de 8:14 era
manuseado por aqueles que a aplicavam a Antíoco Epifânio. A gama de opinião
sobre esse ponto é notavelmente variada. Nenhum dos intérpretes que escreveram
sobre isso concordou com algum outro que lidou com ele.
Josefo iniciou esse processo inserindo seus 1.296 dias (adaptado de 12:11) no
lugar onde ocorriam os 2.300 dias. Hipólito corrigiu esse número para 1.300 e
1.400 dias. Jerônimo tratou as datas de 1 Macabeus de tal maneira a formar um
período de cinco anos (derivado delas) estendendo-o para mais de seis anos. Ele
também mencionou “algumas autoridades” que trabalharam com o número de
2.200 em vez de 2.300. Não sabemos o que Porfírio pensava acerca desse período
de tempo, mas ele pode ter sido uma das pessoas a quem Jerônimo se referiu.
Afraate substituiu o tempo em que Antíoco profanou o templo por uma forma
corrigida de um período de tempo tirada de 9:27 em lugar dos 2.300 dias originais
de 8:14. Daniel 9:27 menciona a metade de uma semana, mas Afraate a expandiu
para formar uma semana e meia, que ele então interpretou como dez anos e meio.
Isso ele evidentemente aplicou a toda a extensão do reinado de Antíoco. Com
isso ele combinou um período de tempo corrigido tirado de 7:25. Em vez de três

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

tempos e meio, ele tirou um tempo e meio dessa passagem a fim de constituir os
mesmos dez anos e meio.
Policrônio dividiu pela metade as 2.300 tardes e manhãs, obtendo 1.150 dias –
ele interpretou o primeiro tempo a primeira como elementos compostos que cons-
tituíam o último. Esta é a abordagem ainda seguida por muitos críticos eruditos
modernos. Com um número diferente para usar em 8:14, Policrônio então seguiu
uma abordagem diferente para o período de tempo de 7:25. A fim de combinar os
três tempos e meio dessa passagem com seus 1.150 dias, ele os interpretou como
três anos e meio ou 1.170 dias.
Temos então neste período meia dúzia de interpretações diferentes do período
de tempo de 8:14, todas elas distintas umas das outras. Duas dessas interpretações
eram baseadas em uma correção de 8:14. Mais duas transpuseram os períodos de
tempo de outras passagens de Daniel a fim de substituir o número original de
8:14. Mais uma dividiu o número pela metade segundo a maneira pela qual se
pensava que suas unidades de tempo deviam ser tratadas. Outro ponto de vista
exigiu adaptar as datas de 1 Macabeus para se ajsutarem à extensão de tempo de
Daniel. Intérpretes que propunham duas dessas opiniões também corrigiram nú-
meros em outra parte de Daniel para fazê-los se ajustar com 8:14.
Esse cenário interpretativo é extraordinariamente diverso, uma diversidade obvia-
258 mente sintomática das dificuldades que esses intérpretes encontraram ao tentar fazer
uma aplicação desse período de tempo a Antíoco Epifânio.

Notas
1
Um representante da geração mais antiga desta escola de pensamento é H. H.
Rowley, Darius the Mede and the Four World Empires in the Book of Daniel (Cardiff, 1935),
p. 93-97.
2
Liderando o caminho na ênfase dessa nova mudança de opinião estava H. L. Gins-
berg, Studies in Daniel, Textos e Estudos do Seminário Teológico Judaico da América, vol.
14 (New York: Jewish Theological Seminary of America, 1948), p. 6-10.
3
O representante aqui é J. F. Walvoord, Daniel: The Key to Prophetic Revelation (Chica-
go, 1971), p. 270ss.
4
Ibid., p. 190, 195-96.
5
Ibid., p. 68ss, 159ss.
6
Padrão neste sentido é The Seventh-day Adventist Bible Commentary 4 (Washington,
D.C., 1955): 771-76, 820-76. Uma obra mais recente escrita a partir do mesmo ponto de
vista é C. M. Maxwell, God Cares (Mountain View, CA, 1981). Embora tenha sido publica-
da por uma editora adventista, Daniel de D. Ford (Nashville, 1978) é excepcional ao tentar
harmonizar todas as três destas principais escolas de interpretação profética por meio de
seu “Princípio Apotelesmático”.

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Estudos sobre Daniel
7
Os intérpretes de Daniel 11 concordam de forma unânime que a linhagem selêucida
pode ser seguida claramente até Antíoco III no versículo 13. Sem documentar o ponto
em questão, eu simplesmente sugeriria que o versículo 15 descreve o ataque de Antíoco
Epifânio contra o Egito, e “o que, pois, vier contra ele”, isto é, contra Antíoco no versículo
16, introduz o poder de Roma nesta narrativa.
8
Para uma comparação e avaliação conveniente dessas diferenças veja C. Boutflower,
In and Around the Book of Daniel, ed. reimpressa (Grand Rapids, 1964), p. 168-78. Uma opi-
nião similar das relações textuais envolvidas é expressa por J. A. Montgomery, The Book of
Daniel, ICC (New York, 1927), p. 395. A superioridade do texto massorético sobre o grego
antigo pode ser aqui demonstrada partindo do fato de que o último pode ser derivado
do primeiro com muito maior facilidade do que é o caso com a reconstrução do texto na
direção inversa.
9“
A versão Septuaginta de Daniel não é lida pelas igrejas de nosso Senhor e Salvador.
Elas usam a versão de Teodócio, mas como isso veio a acontecer eu não sei explicar. . . . a
única coisa que posso afirmar é que ela [a antiga versão grega] difere amplamente do origi-
nal, e é com razão rejeitada.” – Jerônimo, Prefácio a Daniel, em NPFN, 2ª série, vol. 6, p.
492; veja também seu comentário sobre Daniel 4:6, Migne, PL, vol. 25, col. 514.
10
Rowley, p. 116-17.
11
Ibid., 119; cf. também Montgomery, p. 118.
12
Rowley, p. 118. 259
13
No Oráculo Sibilino os chifres são mencionados apenas como uma metáfora para
uma série de reis que são então descritos historicamente. Em Daniel 7, os dez chifres são
símbolos completos que fazem parte de uma visão; e visto que são interpretados de forma
coletiva, nunca são interpretados ali individualmente. Na interpretação citada acima, esses
dez chifres foram considerados como se referindo a uma linhagem de reis selêucidas de
Antíoco Epifânio a Alexandre Zabinas. Isso é exatamente o inverso do que foi proposto
por uma opinião preterista de Daniel 7 onde Antíoco é visto como o último chifre a subir.
Cinco diferentes chifres ou reis “arrancam” outros cinco no oráculo; ao passo que em
Daniel, um arranca três. A fraseologia de arrancar também não é empregada aqui. Apenas
uma breve declaração é feita sobre a natureza da sucessão em cada caso.
14
D. Flusser, “The four empires in the Fourth Sibyl and in the Book of Daniel”, Israel
Oriental Studies 2 (1972): 148-82. Flusser considera que esta série consiste originalmente
de Assíria, Média, Pérsia e Macedônia, com Roma como uma adição posterior. O mais
influente estudo recentemente citado para a origem extrabíblica do esquema dos quatro
reinos mundiais de Daniel é o de J. W. Swain, “The Theory of Four Monarchies, Oppo-
sition History under the Roman Empire”, Classical Philology 25 (1940): 1-21. Essa opinião
deve ser equilibrada pela discussão de G. F. Hasel em “The Four World Empires of Daniel
2 Against Its Near Eastern Environment”, JSOT 12 (1979): 17-30.
15
Para a data da composição das diferentes seções de 1 Enoque veja J. T. Milik, The
Books of Enoch (Oxford, 1976), p. 48ss.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

16
As passagens relevantes de 1 Enoque são 14:24; 40:1; 46:1; 47:3; 48:2, 4; 48:1-3;
61:9-13; 69:38-41; 70:14-16; 89:12-13. Essas citações seguem o sistema de versificação de
R. Laurence, The Book of Enoch the Prophet (Edimburgo, 1892), p. 19, 44, 50, 52, 53-54, 66,
74, 88, 91, 140 respectivamente.
17
Milik, p. 48.
18
Ibid.
19
Para o texto grego do Testamento de Levi veja M. de Jonge, Testamenta XII Patriarcha-
rum (Leiden, 1964), p. 20-21; R. H. Charles, The Greek Versions of the Testaments of the Twelve
Patriarchs (Oxford, 1908), p. 58-61. Para uma tradução inglesa veja id., The Testaments of the
Twelve Patriarchs (Londres, 1917), p. 45ss.
20
P. R. Davies, IQM, The War Scroll From Qumran, Biblica et Orientalia, no. 32 (Roma,
1977), p. 14, 59, 81, 116.
21
Davies vê uma divisão na estrutura literária do Rolo da Guerra com as colunas II-IX
originadas de uma compilação feita no período dos hasmoneus, e as colunas XV-XIX re-
presentam uma redação final nos tempos romanos, na segunda metade do primeiro século
a.C. As colunas X-XIV representam ainda uma terceira coleção de vários tipos diferentes
de materiais do tempo dos hasmoneus. Ibid., p. 123-24. Para as opiniões divergentes de
outros comentaristas veja Ibid., p. 11-20.
22
Para a publicação original deste texto em inglês veja A. S. van der Woude e M. de
260 Jorge, “11Q Melchizedek and the New Testament”, NTS 12 (1965/1966): 301-326. Im-
portantes correções foram feitas por J. A. Fitzmyer, “Further Light on Melchizedek from
Qumran Cave 11”, JBL 86 (1967): 24-41. Uma abordagem mais recente com importantes
correções adicionais é a de J. T. Milk, “Milkî-sedeq et Milkî-reša‘dans les anciens écrits juifs
et chrétiens”, JJS 23 (1972): 95-144.
23
Ben Zion Wacholder observou que “apesar do fato de o pesher utilizar uma longa
lista de passagens bíblicas, 9:24-27 permaneceu a chave para a cronologia do autor do
messianismo sabático”. Em “Chronomessianism”, HUCA 46 (1975): 211. R. T. Beckwith
contribui com a observação de que “o Documento de Melchizedeque, portanto, baseia-se
na profecia de Daniel das 70 semanas (9:24-27), que são mais uma vez reorganizadas como
10 jubileus, e assim são claramente consideradas como sendo semanas de anos (70 x 7
anos = 10 x 49 anos = 490 anos)”. Em “The Significance of the Calendar for Interpreting
Essene Chronology and Eschatology”, RevQ 38 (1980): 171.
24
Fitzmyer, p. 40.
25
Para a data geral deste texto veja Davies, p. 123-24. Seu escrito data da segunda
metade do primeiro século a.C.
26
Tudo o que sabemos desse texto foi-nos citado de fontes não publicadas por J. T.
Milik, em The Books of Enoch, p. 254-55: “Um ciclo de setenta semanas de anos é equiva-
lente a um ciclo de dez jubileus 70 x 7 = 10 x 49. Um apocalipse de dez jubileus aparece
em um grupo de manuscritos do Qumrân que será editado por J. Strugnell sob a sigla
4Q384 a 389. Nessas várias cópias de um documento atribuído a Ezequiel, Strugnell acha

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Estudos sobre Daniel

uma série longa e um tanto confusa de semanas e jubileus, mas a condição fragmentária
dos manuscritos dificilmente lhe parece permitir alguma outra elucidação. Graças a sua
bondosa autorização (e o empréstimo do manuscrito de sua edição e a fotografia), sou
capaz de citar aqui (juntamente com minhas restaurações) algumas frases de 4Q390, que
é provavelmente outra cópia do mesmo pseudo-Ezequiel. O autor deste texto, como o
autor do Testamento de Levi em aramaico, está interessado primeiramente nos destinos
do sacerdócio aarônico. As repetidas transgressões dos filhos de Arão os abandonam au-
tomaticamente ao poder dos anjos ímpios: [frases das três passagens são citadas com esse
objetivo]. O início da contagem dos dez jubileus coincide com a ‘destruição da terra’ [em
hebraico] I 7-8 (O lamed preposicional aqui é determinativo da era, como é comum nas
datas de documentos). Os jubileus são divididos em semanas de anos, outra vez como no
Testamento de Levi.”
27
Justino Mártir para Trifo: “Mas tu, sendo ignorante de até quando ele terá domí-
nio, manténs outra opinião. Porque tu interpretas o “tempo” como sendo uma centena
de anos. Mas se isto é assim, o homem do pecado deve, no mínimo, reinar trezentos e
cinquenta anos, a fim de que possamos calcular aquilo que é dito pelo santo Daniel – ‘e
tempos’ – ser apenas dois tempos.” (Diálogo com Trifo, cap. 32, em ANF, 1:210.)
28
Megillah 11a; Kiddushin 72a; Abodah Zarah 2b; Yalkut, Isaías, 452; Lekah Tob para
Ester 44a; Yalkut, Provérbios, 962; Yalkut, Daniel, 1064. Para estas referências e aquelas
que se seguem nas notas subsequentes sou agradecido a J. Braverman, Jerome’s Commentary 261
on Daniel, CBQ Séries de Dissertações no. 7 (Washington: Catholic Biblical Association
in America, 1978), p. 84-96.
29
Kiddushin 72a.
30
Proem para Esther Rabbah, 5; Midrash Tehillim 18:11; Yalkut, Amós, 545, Yalkut,
Ester, 1045.
31
Braverman, p. 86.
32
Yalkut, Zacarias, 574. Veja também a identificação da Medo-Pérsia como um lobo
se encaixando nesta série. Gênesis Rabbah, 99:2; Levítico Rabbah 13:5; Proem para Ester
Rabbah, 5; Tanhuma Vayehi, 14; Yalkut Levítico, 536; Ester Rabbah 10:13.
33
Levítico Rabbah 13:5; Cântico dos Cânticos Rabbah 3:4; Midrash Salmos 80:6;
Abot de Rabi Natan A, 34; Gênesis Rabbah 35:5; Sekel Tob, Toldot, 26:33; Yalkut, Sal-
mos, 830.
34
Pesahim 118b; Êxodo Rabbah 35:5; Sanhedrin 21b, Shabbat 56b; Cântico dos Cân-
ticos Rabbah 1, 6:4.
35
Gênesis Rabbah 65:1; Levítico Rabbah 13:5; Sekel Tob, Toldot, 6:33; Yalkut, Sal-
mos, 830; Yalkut Makiri 73:22; Abot de Rabbi Natan A, 34.
36
Êxodo Rabbah 15:6; 25:8; Tanhuma Tazri, 8; Yalkut 1, Vayelek, 941; Yalkut 2, 562, 1064.
37
Targum Jerushalmi 1, Gn 15:12; Targums Jerushalmi 1 e 2, Lv 26:44; Gênesis Rab-
bah 44:15 e 83:3. Para referências sobre este ponto veja também L. Ginzberg, The Legends
of the Jews, 5 (Filadélfia, 1925): 272-73, n. 19.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

38
Ben Zion Wacholder, “Chronomessianism: The Time of Messianic Movements ad
the Calendar of Sabbatical Cycles”.
39
Josefo, The Jewish War, Livros IV-VII, trad. H. St. J. Trackeray, vol. 3, Loeb Classical
Library (Cambridge, 1927), p. 467.
40
F. F. Bruce, “Josephus and Daniel”, Annual of the Swedish Theological Institute 4 (1965): 157.
41
The Epistol of Barnabas, cap. 4, em ANF, 1:138.
42
Irineu, Against Heresies, livro 5, cap. 26, em ANF, 1:553-55.
43
Ibid., livro 25, p. 554.
44
Tertuliano, An Answers to the Jews, cap. 8, em ANF, 3:159-60.
45
Clemente, o Stromata, ou Miscellanies, livro 1, caps. 21-23, em ANF, 2:324-36. Veja
especialmente a p. 329 para Daniel 9:24-27.
46
Ibid., p. 334.
47
Chronography, fragmentos 16-18, em ANF, 6:134-37.
48
Ibid., p. 137.
49
Orígenes, Against Celso, livro 6, cap. 46, em ANF, 4:594.
50
Orígenes, Series Commentaiorum, cap. 40, em Migne, PG, vol. 13, cols. 1656-58.
51
L. E. Froom se refere a ele como o “primeiro expositor sistemático” destas profecias e
descreveu o Treatise on Christ and the Antichrist de Hipólito como “a mais notável exposição
contemporânea das profecias registradas do terceiro século.” – The Prophetic Faith of Our
262 Fathers 1 (Washington, 1950): 271.
52
Hipólito, Fragments from Commentaries, “On Daniel”, fragmento II, cap. 1, em ANF,
5:178. Sobre este ponto ele reiterou em outro lugar: “Tem-se em vista os romanos que ago-
ra retêm o império.” – Ibid., cap. 3, 179. Outra vez, “as pernas de ferro, e o animal terrível
e espantoso, expressavam os romanos, que retêm a soberania no presente.” – Id., Treatise
on Christ and the Antichrist, cap. 28, em ANF, 5:210.
53
Hipólito, “On Daniel”, cap. 4–7, em ANF, 5:179.
54
Em sua exposição de Daniel 11 discutida abaixo, ele se desligou de qualquer narração
ulterior dos eventos dos Macabeus em seguida à morte de Matatias com a observação: “...e
assim por diante, como está escrito em Macabeus.” “On Daniel”, fragmento II, cap. 35,
em ANF, 5:183. Em outro lugar ele deixou de lado a descrição da morte de Antíoco com a
observação: “Se alguém deseja investigar isso de forma mais exata, o encontrará registrado
nos livros dos Macabeus.” – Treatise on Christ and the Antichrist, cap. 49, em ANF, 5:214. Ele
se refere aqui especialmente a 2 Macabeus 9, mas o fato de ele se referir aos livros no plural
indica que ele estava familiarizado com o fato de que havia mais do que um.
55
“On Daniel”, fragmento II, cap. 10, em ANF, 5:180.
56
Ibid., cap. 44, p. 185. Esse número diferente parece ser intencional, sendo que ele
avança sucessivamente nessa passagem dos três tempos e meio ou 1.260 dias, para os 1.290
dias, para os 1.335 dias, para as 1.400 tardes e manhãs.
57
Ibid., cap. 29, p. 183.
58
Ibid.

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Estudos sobre Daniel
59
Ibid., cap. 33, p. 183.
60
Veja n. 54.
61
Ibid., cap. 36, p. 184.
62
Ibid., cap. 37, p. 184.
63
Ibid., cap. 38, p. 184.
64
Ibid., cap. 39, p. 184.
65
Ibid., cap. 44, p. 185.
66
Ibid., cap. 10, p. 180.
67
Ibid., cap. 40, p. 184.
68
Ibid., cap. 12, p. 180.
69
Ibid., cap. 15, p. 180.
70
Várias passagens que ele rotula como citações são muito difíceis de localizar, e esse não
é o único problema de se trabalhar a partir da LXX. Em alguns casos, ele reuniu em uma ci-
tação frases que estavam originalmente localizadas em diferentes passagens. Em outros exem-
plos, ele parafraseou de forma tão livre que sua tradução saiu consideravelmente diferente
tanto do TM quanto da LXX. E ainda em outros casos ele parece ter simplesmente alterado o
que estava presente na fonte com a qual ele estava trabalhando ou ignorou o que ela dizia.
71
Sua ordem para os reis persas, por exemplo, é pouco provável. Em outros exemplos
o rei pode ser identificado, mas ele foi nomeado incorretamente. Exemplos disso são a no-
meação de Demétrio (I Sóter) como Antíoco e a confusão entre Ptolomeu VII e Ptolomeu 263
VI. Em outros exemplos sua descrição dos eventos envolvidos é inexata. Em no mínimo
dois exemplos ele transformou derrotas egípcias em vitórias egípcias. Para informação des-
te tipo ele era, é claro, dependente de suas fontes. Se as suas fontes eram historicamente
inexatas, esperaríamos que Hipólito tivesse perpetrado estas inexatidões.
72
Partindo dos versículos 2-4a ele foi para o versículo 7. Do versículo 7 ele saltou para
os versículos 33-34. Então ele pulou de volta para o versículo 6. Do versículo 6 ele foi para
o versículo 7 (outra vez!) e versículo 8. Ele voltou em seguida para os versículos 14-17. Dali
ele mudou para o versículo 27. Ele então voltou para o versículo 17. Do versículo 17 ele
voltou em seguida para o versículo 20 com o qual ele terminou sua interpretação da pri-
meira metade do capítulo 11. Assim, em dois exemplos ele prosseguiu de forma retrógrada
através do texto e em três casos ele pulou grandes lacunas de 6, 10 e 20 versículos. A com-
paração discutida na nota seguinte está relacionada com esse procedimento errático.
73
A exposição dessas passagens por Hipólito fornece um interessante contraste com
exposições críticas modernas das mesmas passagens. Ele encontrou Antíoco Epifânio nas
passagens em que modernos comentaristas acham os Selêucidas e Ptolomeus que o precede-
ram. Ele encontrou os Selêucidas e Ptolomeus que o seguiram nas passagens em que comen-
taristas modernos encontram o próprio Antíoco. Estes dois sistemas de interpretação não
são paralelos um ao outro em nenhum dos pontos históricos em seguida ao versículo 4.
74
J. Moffat, “Great Attacks on Christianity: II. Porphyry, Against Christians.’” ExpTim
43 (1931): 73.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

75
G. L. Archer, Jerome’s Commentary on Daniel (Grand Rapids, 1958), p. 15. Todas as
outras referências ao Jerome’s Commentary on Daniel seguem esta obra em sequência.
76
Ibid., p. 32.
77
Ao criticar esta opinião de Porfírio, Jerônimo errou quando objetou que “os primei-
ros dois desses reis morreram muito antes de Antíoco nascer.” – Ibid., p. 77. Ao contrário,
eles morreram muito depois da morte de Antíoco – em 145.
78
Ibid., p. 80-81.
79
Ibid., p. 129.
80
Diz o restante da passagem citada na nota anterior: “Mas o restante do texto daqui
até o fim do livro, ele interpreta como se aplicando à pessoa de Antíoco que tinha o
sobrenome de Epifânio, irmão de Seleuco e filho de Antíoco o Grande [...] Mas aqueles
de nosso grupo crêem que todas estas coisas são faladas profeticamente do Anticristo que
deve surgir no fim dos tempos.” (Ibid.)
81
Ibid., p. 135.
82
Hipólito, Fragments from Commentaries, “On Daniel”, frag. II, cap. 32, em ANF, 5:183.
83
Quanto à motivação de Porfírio para seu ataque contra o Cristianismo em geral,
escreveu J. Moffat: “Para Porfírio, o sério perigo de sua época não parecia surgir da cres-
cente propagação da religião cristã como uma ameaça à civilização e à filosofia espiritual.
. . . Muito provavelmente, Porfírio foi movido a publicar seu volume por um senso de que
264 o cristianismo era agora o maior opositor do neoplatonismo como uma filosofia da verda-
deira religião para o Império. A Igreja não podia ser mais ignorada, como tinha sido por
Plotino, achava ele; . . . A popularidade da religião cristã lhe parecia exigir uma exposição
racional de suas pretensões de ser a religião final e inspirada.” (Moffat, p. 73.)
84
A. Ferch, “The Apocalyptic ‘Son of Man’ in Daniel 7”, (tese não publicada Th.D,
Andrews University, 1979), p. 201; Orígenes, Against Celsus, livro 6, cap. 46, em ANF,
4:594.
85
Archer, p. 15-16.
86
M. Casey, “Porphyry and the Origin of the Book of Daniel”, JTS 27 (1976): 23ss.
87
Ferch, p. 203. Essa opinião é indubitavelmente verdadeira de certa forma. Na intro-
dução ao seu comentário sobre Daniel, Jerônimo citou mais de uma dúzia de historiadores
dos quais se diz que Porfírio tenha utilizado em seu escrito sobre Daniel. Archer, 18. A ques-
tão é se essas relações podem ser mais refinadas do que deixá-las em seu estado complexo.
88
Como ele conseguiu essa opinião, não podemos saber.” (Moffat, p. 73.)
89
A estreita correspondência cronológica entre estes dois homens pode ser vista a par-
tir do fato de que estima-se que Porfírio tenha nascido no ano 233 d.C., três anos antes da
data em que estima-se que Hipólito morreu – 236 d.C. Quanto a estas datas veja Moffat,
p. 73, e Froom, p. 268, respectivamente.
90
Refutation of all Heresies de Hipólito (escrito depois de 222 d.C.) em dez livros con-
sistindo de aproximadamente 350 capítulos começou primeiro com um ataque contra as
diferentes escolas de filosofia antiga (livro 1, cap. 1-23). A seção mais longa desse livro,

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Estudos sobre Daniel

capítulo 16, foi dedicada a uma refutação de Platão, cujos diálogos proviam a inspiração
fundamental para a escola neoplatônica de filosofia à qual Porfírio pertencia. Portanto, ele
tinha boa razão para contender com Hipólito. Além de ser famoso em Roma e na Penín-
sula Itálica, as obras de Hipólito tinham uma circulação que se propagou para o Oriente.
Eusébio e Jerônimo conheciam bem suas obras na Palestina. Posteriormente algumas delas
foram traduzidas para o siríaco, árabe, armênio e etiópico. (Froom, p. 268.)
91
Ainda existem fragmentos do comentário mais antigo de Vitorino sobre o Apocalip-
se, mas a obra como um todo é incompleta.
92
Seus comentários sobre Gênesis, Salmos, Provérbios, e os Evangelhos são pouco
mais do que breves coleções de observações aleatórias. Em ANF, 5:163-76, p. 194-203.
93
Afraate, Demonstration V—Of Wars, cap. 6, em NPNF, 2a série, vol. 13, p. 354.
94
Ibid., cap. 19, p. 358.
95
Ibid.
96
Porfírio apenas defendia que os dez reis representados pelos dez chifres eram uma
coleção dos mais ímpios, não que eles reinassem sucessivamente como defendia Afraate.
97
Ibid., cap. 20, p. 359.
98
Sua referência a esse período de tempo como dez anos e meio em vez de três anos
é ainda mais impressionante considerando que obviamente ele conhecia bem os livros de
Macabeus, e que é onde este período de tempo é dado como exatamente três anos. Parece
muito provável que tal ajuste foi feito a fim de encaixar aqui sua teoria de interpretação. 265
Na discussão da nota anterior ele citou 2 Macabeus sete vezes diferentes, o que atesta seu
adequado conhecimento dessa fonte.
99
Estas incluíam a execução dos justos, a suspensão das observâncias da Lei e da Alian-
ça, a instituição da prostituição cultual nos recintos do templo e a abolição da observância
do sábado e da circuncisão.
100
Ibid., cap. 20, p. 359.
101
Ibid., cap. 22, p. 360.
102
“Os filhos de Israel receberam o Reino do Altíssimo? Deus nos livre. Ou esse povo
veio sobre as nuvens do céu? Isso está longe deles.” – Ibid., cap. 21, p. 359.
103
Ibid., p. 360.
104
Ibid., cap. 22, p. 360.
105
Ibid., cap. 5, p. 354.
106
Ibid., cap. 6, p. 354.
107
Efraim Sírio, Sermo Asceticus, em Opera Omina, ed. greco-latina, vol. 1, p. 44.
108
Efraim Sírio, Opera Omina, 5:215; cf. M. Casey, “Porphyry and the Origin of the
Book of Daniel”, JTS 27 (1976): 24.
109
Ferch, p. 195.
110
Policrônio, In Danielem, em Angelo Mai, Scriptorum Veterum Nova Collectio, vol. 1, 2a
paginação, p. 111.
111
Ibid., p. 126.

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

Ibid., p. 156.
112

Ferch, p. 196.
113

114
Policrônio, p. 129.
115
Ibid., p. 133.
116
Cipriano, Treatise XI, On Martyrdom, cap. 11, em ANF, 5: 502-5.
117
Cipriano, Epistle 55, cap. 7, em ANF, 5: 349.
118
Lactâncio, Institutes, livro 7, cap. 16, em ANF, 7: 213.
119
Archer, p. 15.
120
Eusébio, Demonstratio Evangelica 2 (New York, 1920): 236-37.
121
Eusébio, Church History, cap. 2, em NPNF, 1:85.
122
Eusébio, Demonstratio Evangelica, livro 8, cap. 2, p. 118-31.
123
Eusébio, The Oration in Praise of the Emperor Constantine, cap. 3, em NPNF, 1:584.
124
Cirilo, Catechial Lectures, no. 15, sec. 13, em NPNF, 2a sér., vol. 7, p. 108.
125
Ibid., sec. 16, p. 109.
126
Ibid., Lecture 12, sec. 19, p. 77.
127
Crisóstomo, Homilies on Second Thessalonians, Homilia 4, em NPNF, 1ª sér., vol. 13, p. 389.
128
Teodoro, Commentarius in Visiones Danielis Prophetae, em Migne, PG, vol. 81, col. 1297.
129
Ibid., cols. 1309-1310.
130
Ibid., col. 1420.
266 131
Ibid., col. 1473.
132
Archer, p. 32.
133
Ibid., p. 75.
134
Ibid., p. 85.
135
Ibid., p. 85-86. Jerônimo declara que Antíoco deveria lançar por terra o lugar do
santuário, e embora ele não explique esta frase, parece aplicá-la figurativamente à profana-
ção do templo, não a qualquer ataque físico contra ele. Isso aconteceu não somente por
causa da proeza militar de Antíoco, mas também por causa dos pecados do povo. Nesse
sentido, Antíoco eclipsou a verdade de Deus e a prática de sua verdadeira religião.
136
Ibid., p. 86.
137
A diferença deve ser notada entre o que a fonte original diz que aconteceu, e o que
Jerônimo diz que aconteceu. 1 Macabeus 1:24 se refere ao derramamento de sangue que
ocorreu naquela ocasião, mas os versículos precedentes não fazem nenhuma menção de
qualquer destruição, seja do templo ou da cidade. O que eles descrevem é o despojo que
Antíoco tomou do templo.
138
Ibid. A diferença entre a extensão de tempo declarada aqui, e aquela que está pre-
sente no original em 1 Macabeus 1:29, é significativa. O original ali declara, “dois anos
depois”, ao passo que Jerônimo estendeu isso para “no terceiro ano.” Quanto ao motivo
disso veja a referência 142 abaixo.
139
Ibid., colchetes no original. Provavelmente ocorreu um erro de escrita ao longo da
linha de uma haplografia ou omissão no texto de Migne que foi usado como a base para

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Estudos sobre Daniel

essa tradução inglesa, sendo que esses números não fazem sentido como estão. Eu recons-
truiria a última frase numérica desta declaração como “constituindo um total de 2.300
dias [ou seis anos] mais três meses.” Do que se segue é evidente que Jerônimo estava traba-
lhando com números redondos que eram 2.200 dias = seis anos, e 2.300 dias = seis anos
e três meses. Cf. Archer, p. 11. Veja seu comentário na página 86. Archer fez sua tradução
de Patrologiae Cursus Completus: Series Latina, de Migne, vol. 25.
140
Veja referência 136.
141
Veja referência 137.
142
Isto não é somente uma questão de contagem inclusiva. Envolve uma tentativa
de estender cinco anos para seis a fim de chegar mais perto dos plenos 2.300 dias
de Daniel 8:14. Sabemos que apenas dois anos estavam envolvidos aqui porque 1
Macabeus 1:21 e 1:54 apresentam as datas daqueles eventos nos anos 143 e 145 da
era selêucida.
143
Sabemos que Jerônimo conhecia bem essas datas, sendo que ele citou o ano 143
e deu os meses e anos exatamente como são dados em 1 Macabeus 1:54 e 4:52 a fim de
argumentar contra a interpretação de Porfírio de Daniel 12:7. (Archer, p. 149.) Em seu
comentário sobre esta passagem, ele notou que a tentativa de Porfírio de aplicar os três
tempos e meios/anos de 12:7 (e 7:25) a este período de tempo de 1 Macabeus não funcio-
naria porque aquele tempo era exatamente três anos, não três anos e meio.
144
Ibid., p. 87. 267
145
Em seus comentários sobre Daniel 11:21, 25, 27, 31, 34, 36, 40 e 45.
146
Hipólito não fez nenhuma verdadeira aplicação dupla em Daniel. No capítulo 8
foi Antíoco durante toda a última porção deste capítulo. No capítulo 11 foi Antíoco até
o versículo 35 e o Anticristo depois disto até o fim – não houve nenhuma superposição
entre eles. Veja Hipólito acima.
147
Jerônimo não demonstra nenhuma dependência direta de Hipólito em Daniel 8.
Esses dois intérpretes concordam sobre os principais pontos em que relacionam esta pro-
fecia com Antíoco, mas quando seus detalhes finais são comparados, eles não se asseme-
lham um ao outro em grande extensão. O comentário de Hipólito sobre esse capítulo
era mais breve do que o de Jerônimo, e não foi uma exposição sistemática versículo por
versículo. Como consequência, ele omitiu vários pontos de seu estudo desse capítulo que
Jerônimo absorveu em detalhes. Em termos de história e exegese, Jerônimo foi considera-
velmente mais detalhado e exato. Assim, nenhuma dependência específica de Jerônimo
sobre Hipólito pode ser demonstrada em termos de fraseologia paralela ou detalhes de
exposição. Eles estão relacionados apenas através da principal ideia de encontrar Antíoco
como a figura central no cumprimento desta profecia.
148
Jerônimo observou que se alguém somar os anos desde o retorno de Babilônia
até Cristo, os eventos que demarcaram o início e o fim das 62 semanas para Hipólito,
pode-se chegar a 560 anos, não os 434 anos utilizados por ele. Também observou, com
insinuações suavemente negativas, que Hipólito transferiu a setuagésima semana dessa

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Desenvolvimento inicial da interpretação de Antíoco Epifânio

profecia para o fim dos tempos e a dividiu pela metade, destinando seu segmento final
ao reino do anticristo.
149
Ibid., p. 81.
150
Veja p. 239-240.
151
Ibid.
152
Ibid., p. 132.
153
Ibid., p. 134.
154
Ibid., p. 135.
155
Ibid., p. 149.
156
Realmente, a interpretação de Jerônimo do capítulo 11 foi um pouco mais comple-
xa do que eu a tenho retratado nesta declaração esquematizadora geral. Na verdade, ele
fez apenas uma aplicação típica em três passagens de seu comentário sobre Daniel 11 nos
versículos 28-29, versículo 30, e versículo 31. Para o restante do capítulo, Jerônimo não
admite realmente a aplicação típica com a qual concordou em sua declaração inicial com
os versículos 21-24. As mais impressionantes passagens que não se ajustam nesta declaração
geral são encontradas em seus comentários sobre os versículos 25-26 e os versículos 27-28.
Nestes dois casos Jerônimo aplicou “tudo isto” e “todas estas coisas” ao futuro anticristo.
Na segunda destas duas passagens ele também se opôs à aplicação de Antíoco que tinha
sido sugerida. O versículo 31 é o último versículo em seu comentário sobre os capítulos
268 11 e 12 em que a aplicação típica recebeu comentário favorável. Pode-se ver, portanto, que
Jerônimo não foi inteiramente coerente em aplicar o princípio de tipo e antítipo em sua
interpretação deste capítulo.
157
Ibid., p. 129.
158
Veja os comentários sobre os versículos 21-24, 25-26, 27-28, 29, 30, 31, 32, 33, 34-
35, 36, 37-39, 40-41, 42-43, 44-45, 12:1, e 12:7 em ibid., p. 130, 132, 133, 134, 135, 136,
138, 139, 140, 142, 146, 149.

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Estudos sobre Daniel

II
Estudos exegéticos em 269

Daniel

Daniel 2/ pedra-reino
Daniel 8/chifre pequeno
2.300 ‘ereb bōqer dias
Tradução de nisdaq
Dimensões verticais/espaciais
Linguagem do ritual/contexto do santuário
Interpretações cronológicas
Edito de Artaxerxes & Esdras 4
Daniel 9/ ênfase messiânica
Significado de kipper

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Capítulo 5

A pedra-reino de Daniel 2
Douglas Bennett

S inopse editorial. Quando Deus pretende estabelecer o seu reino universal sim-
bolizado (no sonho dado a Nabucodonosor) pela pedra que demoliu a estátua
de metal e encheu toda a terra? No decorrer da história da Igreja, mais de uma
interpretação tem sido proposta.
A atual opinião crítico-histórica colocaria as profecias de Daniel e o seu cum-
primento no contexto dos Macabeus, no segundo século a.C. Em outros círcu-
los, sugere-se que Deus pretendia o estabelecimento do seu reino no primeiro
século d.C. Uma opinião por muito tempo mantida (fomentada por Agostinho)
defendia que a pedra-reino na verdade simbolizava a Igreja, que, começando com
o primeiro advento de Cristo, finalmente venceria toda oposição e encheria a
terra inteira. Finalmente, outros sugerem um cumprimento duplo da pedra-reino
– um cumprimento parcial em conexão com o primeiro advento, e um cumpri-
mento completo no segundo.
A pesquisa da história da interpretação de Daniel 2 pelo autor realça o fato
de que, apesar dessa variedade de pontos de vista, a mais antiga e mais persistente
posição tem sido a de que a pedra-reino simboliza o estabelecimento do eterno
reino da glória de Cristo em sua segunda vinda.
Como uma profecia apocalíptica, Daniel 2 focaliza a vitória final de Deus
sobre toda autoridade e poder humano. Não há nenhuma sugestão de que a se-
quência dos poderes mundiais (conforme esboçada no sonho) tenha sido vista
como condicional sobre as atividades daquelas nações ou sobre a relação de Israel
com Deus. Daniel 2 demonstra tanto a soberania de Deus sobre os negócios deste
mundo quanto seu conhecimento prévio dos eventos futuros (veja o volume 3, ca-
pítulo 8, sobre a questão da condicionalidade e profecia apocalíptica nesta série).
Uma vez que se observa de maneira específica que a pedra-reino fere a estátua
de metal em seus pés, é evidente que Deus não pretendia o estabelecimento do
seu reino de glória no primeiro século, nem devia ele começar com o primeiro ad-
vento de Cristo. Nosso Senhor viveu e ascendeu ao Céu durante a era das pernas
de ferro de Roma. A história não havia ainda alcançado os pés e dedos da estátua
pela divisão do império nas nações da Europa Ocidental

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A pedra-reino de Daniel 2

O ferir dos pés indica que toda a proporção anatômica da estátua terá sido
atingida, isto é, a história humana terá seguido todo o seu curso antes de a pedra-
reino manifestar seu aparecimento. Assim, é evidente que a pedra-reino é um
reino estritamente escatológico. Não será estabelecido durante o curso da história
humana, mas no final. Além disso, a pedra-reino termina a história humana; os
metais da estátua tornam-se como palha diante do vento.
A expressão de que ela seria trazida à existência “sem mãos” indica que a
pedra-reino será de origem divina. Um ato divino (não tentativas humanas) esta-
belecerá o eterno reino de Deus e domínio direto sobre a terra. Nenhum governo
humano o sucederá; todos terão sido exterminados para sempre.
O autor apresenta evidência bíblica para mostrar que era uma prática comum
dos escritores do Antigo Testamento se referir a Deus ou ao Messias pelo símbolo
de uma pedra ou rocha. Jesus e os escritores do Novo Testamento viram cumpri-
mentos messiânicos em várias dessas passagens que mencionam a pedra, particu-
larmente em Isaías 8:14-15, 28:16 e Salmo 118:22-23. Um exame das palavras de
Cristo sugere que Ele se referia a essas passagens bem como a Daniel 2:34-35, 44-
45. Disse Ele: “Todo o que cair sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre
quem ela cair ficará reduzido a pó” (Lc 20:18; cf. Mt 21:44).
Com sua solene declaração, Jesus não pretende contradizer a clara perspec-
272 tiva escatológica de Daniel 2, que coloca o estabelecimento da pedra-reino no
final da história humana. Ele não estava indicando que a pedra-reino tinha agora
aparecido por sua presença entre a raça humana. A preocupação primária em sua
advertência é o efeito da pedra sobre as pessoas, e não um elemento de tempo. Du-
rante o tempo de prova, muitos tropeçariam sobre Ele e o rejeitariam. Mas em sua
segunda vinda e no estabelecimento do seu reino eterno, sua presença – como a
queda de uma pedra gigantesca – traria destruição inevitável aos seus opositores.
É a profecia de Daniel 2 que fala do “quando” da ação esmagadora da pedra.
A profecia se estende além da vida terrestre do Salvador para a total erradica-
ção de pessoas e instituições pecaminosas, bem como a permanente nova ordem
mundial de Deus.

Esboço do capítulo

1. Análise histórica da interpretação


2. Significado da natureza apocalíptica de Daniel 2
3. Uma análise de Daniel 2
4. A pedra
5. A pedra-reino e a parábola dos lavradores maus
6. Conclusão

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Estudos sobre Daniel

Análise histórica da interpretação

Os expositores ao longo dos séculos têm partilhado a crença de que Daniel


2 constitui uma profecia básica, esboçando em amplas pinceladas os importantes
reinos desde Babilônia até a segunda vinda de Cristo. Também se aceitava a posi-
ção de que Daniel 2 serve como uma profecia fundamental para as outras profe-
cias do livro de Daniel. Antes da era cristã, os expositores judeus compreendiam
que Daniel 2 abrangia a extensão de tempo desde Babilônia ao reino messiânico.

Interpretação cristã
Entre os primeiros escritores cristãos a endossar a norma de interpretação judaica
dos quatro reinos estava Irineu (segundo século). Ele também acreditava que a pedra
representava Cristo, que devastaria os reinos mundiais depois da divisão de Roma.1
Irineu recorria às profecias como um meio de apoiar a veracidade das Escrituras.
Ele concluiu que os quatro metais de Daniel retratavam a progressão dos reinos des-
de Babilônia a Roma, com a “pedra” representando a Cristo, que, em sua segunda
vinda, destruiria os reinos seculares da terra.2
Hipólito (morto em 236 d.C), bispo de Porto, foi um dos mais instruídos eru-
ditos e teólogos do terceiro século. Entre seus volumosos escritos estava um comen- 273
tário sobre Daniel no qual via o retorno pré-milenial de Cristo como o alvo de toda
profecia. Ele enfatizou a natureza paralela de Daniel 2 e 7 e escreveu: “A pedra que
‘fere a estátua e a quebra em pedaços’, e que encheu toda a terra, é Cristo, que vem
do Céu e traz juízo sobre o mundo.”3
Embora seus contemporâneos – Cipriano, Vitorino e Metódio – não deixas-
sem uma exposição de Daniel, é evidente que eles criam que o segundo advento
seria pessoal, literal e pré-milenial, e terminaria a obra do anticristo.4
Começando com Orígenes, presbítero de Cesaréia (cerca de 185 a 254 d.C.),
que espiritualizou a ressurreição e alegorizou as passagens proféticas – foi dado o
primeiro dos três passos fatais no sentido de se subestimar a ênfase nas profecia
e no segundo advento. Igualmente devastador para uma correta compreensão
das profecias foi o novo conceito do reino de Deus que se seguiu à “conversão”
de Constantino. Por volta do quinto século, começou a ser exposta a opinião de
que a prisão do diabo por mil anos começou com a vinda de Cristo como bebê.5
Um dos primeiros defensores do ensino desvirtuado da profecia dentro da
Igreja Cristã foi Policrônio (cerca de 374-430), bispo de Apaméia da Síria, que
identificou o chifre pequeno de Daniel 7 com Antíoco Epifânio. Em Daniel 2, ele
listou os primeiros três metais como Babilônia, Pérsia e o império de Alexandre.
O quarto reino, o de ferro, ele aplicou aos sucessores de Alexandre. A pedra-reino
ele considerou ser a Igreja.6

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A pedra-reino de Daniel 2

O testemunho dos primeiros séculos concernente a Daniel 2 e a pedra-reino


favorece a identificação do quarto reino com Roma, a pedra retratando a conquis-
ta de todos os reinos terrestres em conexão com o segundo advento. Contudo,
as sementes da espiritualização e alegorização semeadas por Orígenes foram assi-
miladas por Ticônio no quarto século. Ticônio desenvolveu uma hermenêutica
de “sete regras” para o estudo bíblico, afirmando que o Apocalipse não fala de
eventos futuros, mas, em vez disso, retrata um conflito espiritual.7 Ele interpretou
que o início do milênio se deu no primeiro advento.8
Foi a hermenêutica de Ticônio que influenciou grandemente Agostinho, o
pai da Igreja Latina (354-430 d.C.), que desenvolveu e deu forma à teologia para
os séculos seguintes. Em seu famoso tratado De Civitate Dei (“A Cidade de Deus”),
Agostinho afirma que o reino de Deus estabelecido por Cristo durará para sempre
e o reino deste mundo está condenado à destruição.9 Essa filosofia de história e
teologia inaugurou uma nova era de interpretação profética que influenciou os
estudos da Bíblia na Europa durante a Idade Média e, por fim, foi oficialmente
endossada pelo Papa Leão XIII.10
A interpretação literal das Escrituras foi substituída pelo método alegórico-
espiritual, que resultou em colocar o leitor à mercê do professor. Qualquer passa-
gem que parecesse ser heterodoxa deveria ser interpretada de forma mística. Pela
274 influência de Agostinho, a ênfase é deslocada do significado da segunda vinda para
o primeiro advento de Cristo. Ele ensinava “aquela vinda do Salvador que conti-
nuamente ocorre em sua Igreja, isto é, em seus membros, em que Ele vem pouco a
pouco e em lentos e pequenos estágios, sendo que toda a Igreja é o seu corpo.”11
Focalizou-se a presente Igreja como se ela compreendesse o reino de Deus.
Consequentemente, para ele era natural aplicar o reinado de Cristo citado na pro-
fecia ao reinado da Igreja Romana. Portanto, Agostinho concluiu que a pedra (isto
é, a Igreja) havia se tornado uma montanha que no presente enchia a terra.12
Esse tipo de exegese bíblica contradizia a interpretação bíblica literal-histórica
dos primeiros quatro séculos e foi bem-sucedida em desviar a atenção do segundo
advento e dirigir o enfoque para o primeiro advento.
Acerca da pedra-reino Agostinho ensinava: “A pedra foi cortada desde então,
porque desde então era o Senhor nascido em seu advento entre os homens. E por
que sem mãos? Porque sem a cooperação do homem a Virgem deu à luz a Cristo.
Agora, então, aquela pedra cortada sem mãos estava diante dos olhos dos judeus;
mas ela era humilde. Não sem razão; porque aquela pedra não tinha ainda cresci-
do e enchido toda a terra: que Ele manifestou em seu reino, que é a Igreja, com a
qual Ele tem enchido toda a face da terra.”13
A Cidade de Deus, de Agostinho, talvez mais do que todos os escritos dos Pais
da Igreja, fez mais para influenciar o estudo da profecia afastando a ênfase do se-

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Estudos sobre Daniel

gundo advento para um reinado contemporâneo de Cristo por meio de sua Igreja,
que se origina no primeiro advento.
Por sua engenhosa influência, o relógio do tempo profético começou a bater
num compasso diferente e, durante sete séculos, a interpretação histórica da profe-
cia foi substituída pelas interpretações espirituais e alegóricas que colocavam o seu
cumprimento na presença da Igreja no mundo. Não foi senão por volta de 1.158
d.C. que essa opinião ticônio-agostiniana começou a ser desafiada.
Foi Anselmo de Havelberg quem primeiro introduziu um esquema esquecido
de interpretação ao comparar a profecia com o desenvolvimento consecutivo e
contínuo da história. Sua explicação do Apocalipse seguiu o curso da história da
Igreja. Assim, Anselmo semeou a semente que produziu o revolucionário Joaquim
de Flores, por meio de quem a tradição ticônio-agostiniana foi revertida.14
Joaquim (1130 d.C.) é um dos notáveis expositores medievais da profecia cuja
posição profética desafiou a antiga tradição ticoniana. Aposentando-se do ofício
de abade, mergulhou em profundo estudo das Escrituras. Sua pesquisa levou a
uma recuperação da opinião histórica da profecia uma vez exposta pelos apóstolos
e primeiros pais da Igreja. O princípio dia-ano foi também aplicado aos períodos
de tempo da profecia.15 Joaquim se afastou da opinião agostiniana da pedra (a
Igreja enchendo a terra). Em vez disso, ele compreendia a pedra-reino como ainda
futura e “desceria do Céu, ... para encher toda a terra. ...”16 275
Arnaldo de Villanova (cerca de 1235-1313 d.C.) associou-se a ele em sua abor-
dagem histórica ao estudo da profecia e à defesa do princípio dia-ano. Embora
mais conhecido como um médico espanhol, Villanova foi também um teólogo lei-
go, que considerou os 2.300 dias e os 1.260 dias como anos. Surgiu uma porta que
a Renascença deveria abrir mais amplamente.17 Universidades foram fundadas, e
teve início uma reforma no saber, que procurava descobrir o passado e compreen-
der melhor o presente e o futuro.
Sob a influência da Renascença, a Bíblia começou a ser propagada e líderes
como John Wycliffe (cerca de 1324-1384), John Purrey (cerca de 1354-1428), John
Huss (1369-1415), Nícolau de Cusa (1400-1464) e Savonarola (1452-1498) defen-
deram uma abordagem histórica ao estudo profético em lugar da alegórica. O
estudo profético tinha estado adormecido, mas a Renascença fez soar um alarme
de despertamento, que levou os estudantes a uma descoberta do que as Escrituras
tinham a dizer quanto ao passado, presente e futuro.

Reforma
A Reforma do século dezesseis foi como um glorioso nascer-do-sol depois de
uma noite sombria. Fundada sobre a recuperação da Bíblia e a verdade acerca
da salvação em contraste com o anticristo, ela deu ímpeto às artes e ciências e à

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A pedra-reino de Daniel 2

emancipação da mente humana, de sorte que esta pudesse sondar, questionar e


examinar posições em sua busca da verdade. Enfurecidos por um jugo de escravi-
dão espiritual e intelectual que durante séculos tinha sido imposto sobre a huma-
nidade com a bênção e desígnio da Igreja, era apenas natural, uma vez que a Bíblia
estava disponível, que os reformadores não apenas erguessem um protesto contra
a Igreja, que era responsável por sua condição, mas também que se voltassem para
as profecias a fim de descobrir cumprimentos e confortadora evidência.
Martinho Lutero (1483-1546) foi o principal catalisador a reunir em torno
de si uma multidão de partidários que ousadamente desafiaram a Igreja Católica
Romana, chamando o papa de anticristo. Em seu estudo da profecia, foi dado a
Daniel 2 o que tinha se tornado a interpretação padrão dos reinos desde Babilô-
nia a Roma. Ele então acrescenta:
“Nisto todo o mundo concorda, e a história apoia-o plenamente em detalhes.
“Mas o profeta tem muito a dizer acerca do Império Romano, ... As pernas,
os pés, e os dedos. O Império Romano será dividido. Espanha, França, Ingla-
terra e outros emergiram dele, alguns deles fracos, outros fortes, e embora ele
seja dividido ainda haverá alguma força, conforme simbolizada pelo ferro nele...
. Esse império durará até o fim; ninguém o destruirá senão o próprio Jesus,
quando seu reino vier.”18
276 Essa expressa opinião de Lutero era a posição aceita por Melâncton (1497-
1560), amigo de Lutero e o professor mais popular da Universidade de Witten-
berg19, e por outros que aderiram à Reforma.

Contra-Reforma
Como uma fera rapinante ferida, a Igreja Católica se ergueu do grande revés
advindo da forte pregação e escritos dos reformadores protestantes para revidar
contra os dardos inflamados da palavra profética que a havia deixado preocupada
e impotente. A ação dos reformadores levou a uma forte reação pela representação
papal que anteriormente tinha evitado qualquer tentativa para se empenhar em
uma exposição de Daniel e Apocalipse.
Todavia, em resposta ao protesto antipapal de Lutero, dois doutores católicos,
Prierias e Eck, declararam ser a Igreja Católica o quinto reino (ou pedra-reino)
retratado em Daniel 2.20 Mas por causa do difundido descontentamento com a
igreja-mãe, vozes tinham se levantado por toda a Europa apontando para o papa-
do como o anticristo da profecia. Sentindo a pressão dessas denúncias proféticas e
o descontentamento entre seus leigos, os dirigentes da Igreja reconheceram a ne-
cessidade de exposições das profecias que pudessem competir com a eloquência e
saber dos reformadores. Ela devia agora enfrentar com bases proféticas as injúrias
que estavam sendo arremessadas.

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Estudos sobre Daniel

Para essa tarefa, os jesuítas foram convocados a vir em seu auxílio, e duas con-
trapropostas foram concebidas. Francisco Ribera (1537-1591) desenvolveu uma
hermenêutica futurista para a profecia, tornando o anticristo um indivíduo, não
um sistema. Um anticristo individual surgiria no futuro distante para operar por
três anos e meio, não por séculos.
O primeiro protestante a adotar a interpretação futurista de Ribera foi Sa-
muel Maitland (1792-1866), autor e crítico que atacou a escola historicista de
interpretação profética, negando que o papa fosse o cumprimento da profecia,
o princípio dia-ano, e o quarto império de Daniel 2 como Roma.21 Seguiram-no
William Burgh, John Darby, James Todd e John Henry Newman. Foi dirigida a
atenção para um futuro anticristo que estaria ligado aos judeus em vez de à Igreja
dos gentios. Esse grupo acusou a teoria do anticristo papal como tendo se origi-
nado tardiamente com os valdenses, cátaros e albigenses, e da ordem católica dos
franciscanos, os fratricelli e os joaquimitas.22
Outra posição, conhecida como preterismo, desenvolvida pelo jesuíta Luiz de
Alcazar (1554-1613), tomou as profecias e as aplicou ao passado. Assim, Apocalipse
1 a 11 fala da rejeição dos judeus até o ano 70 d.C., ao passo que os capítulos 12 a
19 são descritivos da subversão do paganismo romano. Com o tempo, essa opinião
obteve um forte seguimento entre os eruditos racionalistas do protestantismo. Por
volta de 1644, esse novo conceito foi adotado e de certa forma modificado pelo 277
protestante Hugo Grócio, da Holanda, e também por Hammond, da Inglaterra,
que publicou um comentário em 1653.23
Mas a profunda introdução no protestantismo veio por meio de J. C. Eich-
horn, racionalista alemão que, em 1791, republicou a interpretação preterista de
Alcazar. Vários outros eruditos racionalistas que endossaram essa opinião adicio-
naram seu testemunho e influência, entre eles: G. H. A. Ewald (1803-1875), C. C.
F. Lucke (1791-1855), W. M. L. De Wette (1780-1849), Franz Delitzsch (1813-1890)
e Julius Wellhausen (1844-1918). Desde 1830, muitos eruditos britânicos e ameri-
canos têm adotado esse ponto de vista.
O preterismo foi introduzido como uma interpretação viável nos Estados Uni-
dos, em 1842, pelo Professor Moses Stuart of Andover (1780-1852), e em 1844
essa opinião foi endossada na Inglaterra por D. Samuel Davidson.24
Os Irmãos de Plymouth, movimento organizado em 1830 por John Darby, e o
Movimento da Igreja Superior de Oxford (1833-1845) – nome dado ao movimento
do início do século dezenove na Igreja Anglicana – ganharam ascendência na Grã-
Bretanha e ajudaram alguns protestantes a aderir ao o futurismo.
Por meio da Contra-Reforma os protestantes foram enganados e enfraquecidos,
embora um grupo de historicistas tenha exposto os erros de Ribera e de Alcazar.25
Joseph Mede (1586-1639), professor de grego em Cambridge, se apegou à in-
terpretação historicista da profecia, compreendendo as visões de Daniel 2 e 7 como

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A pedra-reino de Daniel 2

se referindo aos mesmos quatro reinos. Ensinava que elas “salientam o tempo do
reino de Cristo, que nenhum outro reino deve suceder ou destruir...”26 Mede foi
apoiado por John Tillinghast (1604-1655), graduado de Cambridge, que acreditava
que o quinto reino, o reino visível de Cristo, logo seria estabelecido.27
Ao longo do século 17, a interpretação historicista da profecia foi a opinião
predominante, sendo uma exceção a interpretação católica. Todavia, o século 18
tornou-se um período de contraste. Três competidores lutavam pela supremacia: a
escola historicista continuava sendo forte, a escola preterista encontrou crescente
apoio dos protestantes, e a opinião futurista foi promovida por alguns católicos.
Os protestantes evitaram a adoção da última até o século 19. A ênfase mudou para
Daniel 7 e Daniel 8 a 9. O término dos 2.300 dias parecia apontar para o estabe-
lecimento do reino de Cristo.
O Movimento de Oxford, do início do século dezenove (1833-1841), era um
movimento pró-Roma. Os principais autores foram Newman, Pusey, Keble, Frou-
de, e Williams, que publicou uma série de 90 “Tratados para os Tempos”, em que
os conceitos futuristas de Maitland e Todd eram aplicados às profecias. Em vez de
se voltarem para a igreja apostólica e pós-apostólica em busca de um modelo, eles
extraíram dados do quarto e quinto séculos a fim de restaurar o respeito ao bispo
de Roma. John Henry Newman, ministro anglicano que se converteu ao romanis-
278 mo, uma vez mais aplicou a pedra-reino de Daniel (cap. 2) ao presente reinado da
Igreja sobre a terra.28
Os ensinos variantes do futurismo de Ribera e do preterismo de Alcazar não
foram considerados de forma séria até os séculos 18 e 19. Com a ascensão do
racionalismo na Alemanha, o preterismo começou a propagar-se. Os escritos ra-
cionalistas não apenas tentavam refutar o conhecimento erudito dos sábios, mas
também promoviam um aberto ceticismo religioso.29

Surgimento da alta crítica


O nascimento da alta crítica,30 que trouxe uma abordagem diferente ao estudo
da Bíblia, sujeitou as Escrituras à análise científica. Concluiu que o que não pu-
desse ser apoiado por evidência crítica deveria ser considerado suspeito. Alguns
que adotaram a opinião da alta crítica começaram a questionar o sobrenatural
conforme relacionado com a predição. Mantendo uma opinião diferente de ins-
piração da que a Igreja havia mantido anteriormente, a alta crítica começou a
questionar tudo, nada era demasiado sagrado.
As posições normativas mantidas durante séculos gradualmente começaram
a se desgastar. Foram propostos conceitos sedutores que contradiziam as velhas
proposições. Foi nesse ambiente que alguns dos pontos de vista de Porfírio, Spi-
noza, Wittler, Astruc, Eichhorn, e outros começaram a surgir e a suplantar as

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Estudos sobre Daniel

posições anteriores. A nova opinião trouxe o livro de Daniel do sexto século para
o segundo século a.C. Afirmou que as profecias não eram realmente predições,
mas história escrita na forma ou molde de profecia. Essa nova escola ofereceu
uma compreensão diferente dos quatro reinos de Daniel 2 e 7, posicionando-os
na época dos macabeus.
Simultaneamente à mudança com relação aos quatro reinos, uma nova opi-
nião se desenvolveu acerca do significado da pedra-reino de Daniel 2. O comen-
tário da Anchor Bible resume essa nova opinião da seguinte forma: “O Deus de
Israel aniquilará os reinos dos homens e, em seu lugar, estabelecerá o seu próprio
reino universal.”31 Todavia, os autores compreendem que a pedra que enche a
terra não é o Céu, mas se aplica, em vez disto, ao fato de que a terra será cheia do
conhecimento de Yahweh.32 Por outro lado, os autores concordam que a pedra é
escatológica, mas eles negam que ela é, estritamente falando, messiânica.33
Não há, porém, nenhum acordo unânime de que a pedra representa Israel34
em vez de um evento escatológico no final da era.35 Aqueles que veem o quarto
reino como Roma em geral apoiam a opinião de que a pedra é um evento escato-
lógico a ocorrer no fim do mundo.36

Significado da natureza apocalíptica de Daniel 2 279

Em uma tentativa para compreender o significado do sonho dado a Nabu-


codonosor, observamos no início que ele forma uma parte das profecias apoca-
lípticas do livro de Daniel. O capítulo 2 está intimamente ligado em conteúdo
temático com as visões dos capítulos 7 e 8. Consequentemente, se os últimos são
vistos como profecias apocalípticas, o primeiro deve igualmente ser considerado
como apocalíptico.
O capítulo 2 descreve um sonho dado ao rei nos símbolos de uma estátua
composta de metais decrescendo em valor do ouro para o barro, e finalmente des-
truída por uma pedra de origem sobrenatural. O rei e seus sábios são incapazes de
lembrar o sonho ou compreender seu significado, mas o destino das nações está
nas mãos do Deus do Céu, que revela o conteúdo do sonho a Daniel e provê uma
interpretação escatológica de seus simbolismos. A revelação divina mostra um jul-
gamento que destruirá os reinos deste presente mundo mau e estabelecerá a nova
ordem mundial de Deus. O enfoque é sobre o fim do tempo e o estabelecimento
do eterno reino de Deus.
O reconhecimento do capítulo 2 como de natureza apocalíptica afeta nossa
abordagem à sua interpretação. Aqui o triunfo de Deus ocorre por sua direta in-
tervenção nos negócios da humanidade, subvertendo as nações e estabelecendo o

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A pedra-reino de Daniel 2

seu reino mundial sobrenatural. Assim, a natureza apocalíptica do capítulo 2 não


permite a possibilidade de interpretações sugerindo um aparecimento gradual do
reino de Deus sobre a terra por meio do crescimento e ministério da Igreja, nem
permite cumprimentos duplos – um parcial na encarnação e ministério de Cristo
sobre a terra e um posteriormente na segunda vinda.
Em vez disso, no ambiente histórico do cativeiro babilônico, o capítulo 2 é
um exemplo claro da revelação de Deus de sua soberania e sua presciência. É
uma revelação que aponta para o término de todas as instituições humanas e o
estabelecimento de uma nova ordem divina em seu lugar. A natureza apocalíptica
do sonho argumenta a favor da pedra-reino como um ato de Deus que ocorrerá
em um ponto histórico no tempo e devastará os reinos e pecadores terrestres, mas
livrará, salvará e estabelecerá os santos em seu eterno domínio.

Uma análise de Daniel 2

A profecia singular de Daniel 2 surge de uma situação imposta por Deus sobre
Nabucodonosor, um monarca pagão. Em tal experiência vemos retratada vivida-
mente a verdade neotestamentária de que o Senhor “deseja que todos os homens
280
sejam salvos e venham ao conhecimento da verdade” (1Tm 2:4). Deus leva em seu
coração a preocupação pelos perdidos como é claramente demonstrado nesse capí-
tulo. Por causa de sua violação da aliança, Israel foi para o cativeiro. Deus agora de-
sejava refazê-los e usá-los para atingir os pagãos a quem eles haviam negligenciado.
A fim de chamar a atenção do rei, Deus lhe falou através de um sonho. O
sonho foi dado no segundo ano de Nabucodonosor (603 a.C.). No ano anterior,
suas tropas haviam experimentado considerável dificuldade em destruir Asque-
lom.37 Não há dúvida de que estava preocupado com o que o futuro reservava
para ele e o seu reino.
O momento era oportuno para a transmissão de uma mensagem. Deus não so-
mente introduziu o sonho, mas também removeu sua lembrança a fim de aprofundar
a ansiedade do rei para conhecer o seu significado. Esta ação divina expôs a falsidade
dos “magos” do rei e preparou o caminho para Daniel obter acesso ao monarca.
Nesse cenário Deus provê um esquema da história na forma de uma imagem
metálica que se estende “do exílio ao estabelecimento do reino de Deus”.38 Nada
na profecia se baseia em contingências ou condições humanas. Não há nenhum
indício de que sua sequência de nações estivesse em algum sentido condicionada
à obediência de Israel a Deus. Em vez disso, é uma descrição direta da presciência
de Deus, o que Ele previu que ocorreria no futuro.

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Estudos sobre Daniel

Últimos dias
O enfoque culminante do sonho centraliza-se nos “últimos dias”. Parece seguro
sugerir que 2:28-29 faz com que o leitor espere ter, ao longo da profecia, uma pes-
quisa da história desde o próprio tempo de Nabucodonosor até o estabelecimento
do reino de Deus. Contudo, a fim de compreender a interpretação da pedra-reino
encontrada em 2:34-35, 45, é necessário dar atenção à expressão “nos últimos dias”
(2:38) aos quais a profecia se relacionava, conforme dito a Nabucodonosor.
As expressões aramaicas be’aharît yômayyā’ significam “na última parte dos
dias” e é uma versão aramaica exata do hebraico be’aharît hayyāmîm, que é encon-
trada com frequência no Antigo Testamento.39 O significado da expressão varia
com o contexto e, portanto, é dinâmico, não estático. ’Aharît é derivada do verbo
’ahar (“permanecer atrás, demorar, tardar”), e carrega o significado de “posterior”,
“subsequentemente”. É um substantivo abstrato que é mais bem traduzido de
forma neutra. Estando só, seu significado nem sempre pode ser claro, sendo que
o contexto é necessário para suprir o enfoque correto. Seria proveitoso notar as
várias utilizações e significados dados no Antigo Testamento.
1. Há o significado temporal de “depois”, ou “posteriormente” como em Deu-
teronômio 8:16, que se refere a um tempo e condição depois da experiência do
deserto. Jó 42:12 é semelhante: “O Senhor abençoou os últimos [’aharît] dias de 281
Jó mais do que seu início... .”
2. Há também o lógico “depois”, conforme indicado em Provérbios 14:12:
“Há um caminho que parece direito ... mas seu fim [’aharît] é o caminho para a
morte” (cf. 5:4; 20:21).
3. Em algumas passagens ’aharît meramente se refere ao futuro. “Não tenha
o teu coração inveja dos pecadores; antes, no temor do Senhor perseverarás todo
dia. Porque deveras haverá bom futuro; [’aharît] não será frustrada a tua espe-
rança.” (Pv 23:17-18). Também Isaías 46:9-10 fala do Deus incomparável como
alguém que está “declarando o fim [’aharît] desde o princípio.”
4. Às vezes ’aharît significa posteridade ou remanescente. Salmo 109:13 é um
exemplo do primeiro. “Desapareça a sua posteridade [’aharît]; e na geração seguin-
te se extinga o seu nome.” O paralelismo sinonímico hebraico nesta passagem
ajuda a esclarecer o seu significado. Outras passagens em que o termo leva o signi-
ficado de “posteridade” são Daniel 11:4; Salmo 37:38, e Ezequiel 23:25. Às vezes
a mesma palavra é mais bem traduzida por “remanescente”, como pode ser visto
nos seguintes versículos: Amós 4:2; 9:1; Ezequiel 23:25.
5. A palavra pode se referir ao fim de uma transação ou de um evento. Em tais
casos, o significado deve ser encontrado no resultado. Balaão orou: “Que eu morra
a morte dos justos, e o meu fim [’aharît] seja como o dele” (Nm 23:10). Para outros
exemplos, compare com Deuteronômio 32:20; 11:12; Amós 8:10; e Eclesiastes 7:8.

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A pedra-reino de Daniel 2

6. A expressão veterotestamentária “fim dos dias” (’aharît hayyāmîm) significa


“posteriormente aos dias”, “no tempo seguinte”. A frase é uma referência a um futu-
ro tempo limitado, não necessariamente ao fim do tempo escatológico. Um exemplo
do significado está registrado em Deuteronômio 4:30: “Quando estiveres em angús-
tia, e todas estas cousas te sobrevierem nos últimos [’aharît] dias, e te voltares para o
Senhor, teu Deus, e lhe atenderes a voz” (cf. Dt 31:29; Gn 49:1; Jr 49:39).
7. Finalmente, ’aharît hayyāmîm tem um significado escatológico do fim do
tempo, tal como pode ser encontrado em Daniel 2:28 e 10:14. Botterweck e Rin-
ggren sugerem que a expressão be’aharît hayyāmîm em Daniel 10:14 e seu equi-
valente aramaico em Daniel 2:28 representam um termo técnico para o fim do
mundo.40 Observam os autores:
“Em ambas as passagens é possível a tradução ‘tempos futuros’, mas isso não
era o que o autor pretendia. ‘(Deus no Céu) fez saber ao rei Nabucodonosor o que
há de ser no ’aharît dos dias’ (2:28). O propósito ou interesse da visão não está no
curso de futuros eventos, mas na destruição da estátua colossal e na vinda de um
reino indestrutível” (versículo 44). Assim, a consequência ... é o que é pretendido,
e não o futuro em geral.”
S. R. Driver concorda com a opinião acima. Ele declara: “Aqui como mostra a
sequência, é semelhantemente o período do estabelecimento do Reino divino que
282 é principalmente indicado por ela (versículos 34, 35; 44, 45).”41
Contudo, Young limita a extensão escatológica dos “últimos dias” de Daniel
2:28 à primeira vinda de Cristo, que iniciou os dias do Messias. Argumenta ele: “A
era que foi introduzida pelo aparecimento de Cristo sobre a terra é denominada
no Novo Testamento ‘os últimos dias’ (cf. Hb 1:2; Atos 2:16-17; 1 Tm 3:1; 1 João
2:18). Então, a referência aqui (2:28) não é meramente ao futuro em geral, nem a
frase deve ser identificada com ‘o tempo do fim’ da última porção de Daniel... o
conteúdo do sonho é o que ocorrerá na era messiânica.”42
Mas o argumento de Young deixa de lidar adequadamente com as caracterís-
ticas internas da profecia. Além disso, Daniel 2 deve ser comparado com Daniel
7 e as profecias do Novo Testamento que falam do estabelecimento do reino da
glória por uma poderosa subversão de todas as nações (1Co 15:24; 2Ts 1:7-8; Ap
19:11-21; 16:17-19; 2Pe 3:12).
O significado dado a ’aharît hayyāmîm deve ser derivado do contexto imediato,
e deve também harmonizar-se com outras referências do Novo Testamento que
tratam do mesmo evento. Young não aceita que o quadro catastrófico do estabele-
cimento do reino de Cristo retratado no Novo Testamento se aplique a Daniel.
A expressão se refere a qualquer período no futuro que o escritor tinha em
mente,43 sendo que com muita frequência ela alude ao último período da história
terrestre. O contexto é sempre importante para uma compreensão adequada da

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Estudos sobre Daniel

expressão. Seu uso em Daniel 2:28 se dirige a Nabucodonosor e ao leitor no futu-


ro desde os dias de Babilônia através do surgimento e queda dos impérios subse-
quentes, que culmina na subversão final de todas as nações e no estabelecimento
de um reino universal permanente.
A evidência de que os “últimos dias” de Daniel 2 centraliza-se no término da
história é também apoiada pela comparação com a visão dada no capítulo 7. A últi-
ma atravessa a mesma estrutura histórica de tempo, mas é suplementada com uma
ênfase sobre o chifre pequeno e um juízo celestial, seguido pelo estabelecimento do
reino de Deus.44 Consequentemente, sugerimos que os “últimos dias” de Daniel se
referem, em geral, ao futuro subsequente à Babilônia, mas com enfoque especial no
dia em que os reinos deste mundo se tornam o reino de nosso Senhor.

Pedra-reino
A pedra-reino, que demoliu a estátua, é fundamental para a profecia. O leitor
naturalmente indagaria quanto ao tempo do estabelecimento desse reino. As op-
ções parecem ser três: (1) durante o ministério terrestre de Jesus, (2) em sua segun-
da vinda, ou (3) um cumprimento parcial no primeiro advento e um cumprimento
completo no fim dos tempos. Uma vez que todas as três têm partidários, devemos
examinar cuidadosamente o contexto desse sonho profético. 283
Primeiro, há o elemento tempo para a pedra-reino que “feriu a estátua nos pés
de ferro e de barro” (2:34). O leitor pela lógica concluiria que a pedra-reino viria
à existência depois de ter passado os quatro reinos dominantes e não durante a
existência de qualquer um deles. Além disso, o elemento tempo nos assegura que
essa pedra-reino seria estabelecida “nos dias destes reis”, representados pela divi-
são dos dedos e pés (2:43-44). Historicamente, esses reinos não vieram à existência
antes ou durante a vida terrestre de Jesus. Sendo assim, um cumprimento para a
pedra-reino nesse período não é uma opção plausível.
Ginsberg compreende que a expressão “nos dias destes reis” (2:44) se aplica
aos quatro grandes reinos da estátua, em vez de às nações que posteriormente
surgiriam.45 Todavia, tal posição parece ser destituída de fundamento, porque a
passagem (2:41-44) indica que a pedra cai sobre a mistura de ferro e barro (pés e
dedos) que representa aqueles reinos que sucederiam o Império Romano. O so-
nho declara o assunto explicitamente (versículo 34).
Os reinos simbolizados pelos dedos e pés são reinos que surgiram depois do
nascimento de Cristo e da Igreja Cristã. Assim, insistir que a pedra-reino tem seu
cumprimento com o primeiro aparecimento de Cristo cria um anacronismo que
está em conflito com a passagem e a história. É evidente que a pedra cai sobre os
pés (versículo 34), o que implica que há também pés a ferir.

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A pedra-reino de Daniel 2

Quando Cristo veio à terra na encarnação, o Império Romano era uma só


unidade. A divisão de Roma em impérios oriental e ocidental estava ainda no
futuro, bem como as nações que se desenvolveram do último. Não existiam os
pés e os dedos, por assim dizer. A pedra-reino deveria esperar até que esses reinos
representados pelos pés e dedos viessem à existência histórica.
Em segundo lugar, pode ser dito que os reinos políticos desmoronam ou por
deterioração interna ou por alguma força externa. Desse modo, essa atividade
humana prepara o caminho para o estabelecimento de novas entidades políticas.
Mas declara-se da pedra-reino que o seu estabelecimento seria conseguido “sem
auxílio de mãos” humanas (2:45), o que coloca em justaposição dois conceitos:
uma estátua de reinos feita por mãos humanas em contraste com uma pedra-reino
criada à parte do planejamento humano. Assim, a pedra-reino vem à existência
por um ato divino.
Terceiro, cada reino precedente na estátua foi subvertido e sucedido por outro.
Sendo que a pedra-reino deve durar para sempre, é lógico concluir que ela seguiria
a fase do ferro e barro dos reinos, em vez de surgir durante a existência da monar-
quia férrea de Roma.46 Ela naturalmente subverteria o último reino para existir.
Em quarto lugar, a passagem indica que a pedra-reino aniquilará todos os
reinos terrestres (2:44), e deve, necessariamente, vir no final da história humana.
284 As nações serão reduzidas à “palha das eiras no estio, e o vento as levaria, e delas
não se veriam mais vestígios” (2:35). Em seu lugar a pedra-reino será estabelecida
permanentemente, abrangendo toda a terra (2:44-45, 35).
Nada fora do estabelecimento do reino de Cristo em sua segunda vinda pode-
ria cumprir a descrição superlativa concernente a essa pedra-reino. A frase “subsis-
tirá para sempre” (2:44) ergue esse reino acima do temporal para o eterno; e essa
interpretação também se harmoniza com o relato dado por Paulo. “E, então, virá o
fim, quando ele [Cristo] entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído
todo principado, bem como toda potestade e poder” (1Co 15:24).
Gaebelein salienta uma fraqueza no argumento daqueles que fazem a pedra se
aplicar à primeira vinda do Messias, declarando “que a pedra não pode significar
a extensão pacífica de um reino espiritual, ou a pregação do Evangelho, mas que
ela é uma grande catástrofe. É um golpe esmagador e destrutivo o que essa pedra
comunica. E note que é depois de a pedra ter feito a sua obra destruidora, depois
de a grande estátua ter sido reduzida a pó que a pedra se torna uma grande mon-
tanha que enche toda a terra. A pedra que cai de cima é a segunda vinda de nosso
Senhor Jesus Cristo.”47
Von Rad parece ter captado corretamente o sentido do capítulo 2 e da pedra-
reino ao observar: “O ponto principal (da interpretação do sonho, Dn 2:36-45)
é, sem dúvida, perfeitamente claro: com o terrível quarto reino em que o império

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Estudos sobre Daniel

se divide, a história do mundo virá a um fim. A pedra que deve ser cortada ‘sem
auxílio de mãos’, e que deve destruir o reino e ela mesma se tornar uma grande
montanha, é uma imagem do reino de Deus que enche toda a terra.”48

A Pedra = Messias
Era inevitável que essa pedra viesse a ser interpretada messianicamente, por-
que é paralela ao celestial Filho do Homem de 7:13.49 Embora continue sendo
argumentado que a pedra representa a conquista gradual do mundo por meio da
comunicação do evangelho pela Igreja Cristã, isso é feito de modo não convincen-
te.50 A evidência controvertida é primeiramente empírica.
Não há nenhuma indicação de que a Igreja Cristã tem destruído as nações
mundiais, ou esteja a caminho de realizar tal façanha, apesar do fato de já haver
tido quase vinte séculos para a realização dessa tarefa. Certamente uma norma
básica no estudo da profecia, pela qual uma interpretação é julgada, reside em se a
interpretação corresponde ao cumprimento. É evidente que a Igreja Cristã, depois
de 1.900 anos, nem de longe chegou a subjugar as nações espiritualmente falando
por meio do evangelho.51
Outra fraqueza desse ponto de vista reside na inconsistência que se segue
quando a pedra-reino é considerada apenas uma representação do domínio espi- 285
ritual estabelecido ou iniciado por Cristo em sua primeira vinda. O paralelismo
da passagem argumenta a favor de um reino físico, terrestre. Isto é o que temos
nos reinos que precedem a pedra-reino, e, pela lógica, a pedra-reino deveria ser
também física.
Os amilenaristas e alguns pós-milenaristas compreendem o reino de Deus
mencionado em Daniel como sendo aquele introduzido por Cristo em sua pri-
meira vinda.52 Tal perspectiva vê a estátua finalmente destruída pela Igreja Cristã.
Contudo, isso não deixa de ter seus problemas. Olhar para o primeiro advento de
Cristo e a Igreja Cristã como o cumprimento da pedra-reino é falsificar a história.
O cristianismo não foi a força decisiva que esfacelou o Império Romano. Antes,
seu fim foi devido à decadência interna – política, social e moralmente.
Outro ponto: o tempo do estabelecimento da pedra-reino tem sido excessi-
vamente longo, já somando 1.900 anos. Walvoord está correto quando observa:
“Ter tão longo período de tempo descrito no simbolismo de uma pedra que fere
os pés de uma estátua e a palha sendo levada pelo vento não corresponde aos fatos
da história,”53 nem se ajusta ao simbolismo da passagem. Nenhum período tão
extenso foi requerido para subverter qualquer um dos reinos precedentes. Conse-
quentemente, parece desnecessário 1.900 anos para a pedra realizar sua missão de
destruir todos os outros reinos. Parece mais razoável, e de acordo com o quadro
retratado pela profecia, concluir que a queda da pedra ainda está no futuro.

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A pedra-reino de Daniel 2

Outra fraqueza da interpretação é a sua visão demasiadamente estreita, um en-


foque sobre uma passagem. Um estudo escriturístico-holístico do estabelecimento
do reino de Deus conforme descrito no livro de Apocalipse apoia a tese de que
2:44-45 se refere à segunda vinda de Jesus.
Se a queda da pedra é compreendida como a segunda vinda de Cristo, com
seus concomitantes eventos catastróficos, há uma perfeita harmonia com a descri-
ção dada em Apocalipse 19:11-12. Geralmente admite-se que esse texto se refere
ao retorno de Cristo e à subversão de todos os poderes políticos. É nesse tempo
que Ele “ferirá as nações, e as regerá com vara de ferro” (Ap 19:15). O ponto de
vista amilenial e pós-milenial, de que a pedra retrata um extenso processo de gra-
dual conquista do mundo por meio do evangelho, está em franco conflito com
a descrição dada em Apocalipse 19, bem como em Apocalipse 6:14-17; 14:14-20;
16:14-20; 17:12-14; 18:9-10.54
Nossa reflexão sobre a passagem de Daniel 2 indica que a pedra-reino seria esta-
belecida somente depois de ter passado o quarto reino de ferro, não durante o tem-
po de sua existência (2:40-44). Consequentemente, qualquer tentativa para aplicar o
símbolo ao primeiro advento de Cristo colocaria o estabelecimento da pedra-reino
durante o quarto reino em vez de subsequente a ele como a passagem indica.

286 “Estes reis”


Em 2:44 há a ausência de um antecedente não ambíguo para “estes reis”. Con-
sequentemente, pode-se encontrar diferentes posições. Alguns expositores crêem
que a expressão “estes reis” é um sinônimo para “todos estes reinos” da última
sentença deste versículo, que eles interpretam como significando os quatro reinos
precedentes mencionados na estátua.55
Seguidores dessa opinião compreendem que Deus estabelecerá o seu reino
nos dias do quarto reino, isto é, Roma, que estava em existência nos dias do pri-
meiro advento de Cristo.
Todavia, essa interpretação não explica por que o escritor menciona “estes
reis” e “estes reinos” se de fato ele simplesmente queria referir-se ao reino de
Roma. A linguagem é melhor satisfeita ligando-se o antecedente aos reinos dos pés
e dedos que surgem do quarto reino (2:41). Aqui essa parte da estátua é mencio-
nada como um reino dividido e declarado ser parcialmente forte e parcialmente
fraco (versículos 41-42). Declara-se: “misturar-se-ão mediante casamento, mas não
se ligarão um ao outro, assim como o ferro não se mistura com o barro” (2:43).
Nesse contexto, o leitor está preparado para compreender a expressão que
se segue no versículo 44 (“Mas, nos dias destes reis, o Deus do Céu suscitará um
reino...”) significando aquelas nações diversificadas que surgiram na porção oci-
dental do esfacelado Império Romano.

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Estudos sobre Daniel

Uma evidência adicional para apoiar esse ponto de vista pode ser obtida pela
comparação do capítulo 2 com a profecia paralela do capítulo 7. O quarto animal
(análogo às pernas de ferro) especificamente desenvolveu dez chifres, interpretados
como dez reis (ou reinos) em 7:24. No capítulo 7, é somente depois do surgimento
desses dez reinos que é dado um quadro que inclui um novo tema, a saber, o juízo
(7:26) a ser seguido pelo evento já retratado no capítulo 2, o estabelecimento do
reino eterno (7:27).
Sendo que a subversão de cada reino precedente é literal e histórica no tempo, con-
sistentemente demanda que a subversão de todos os reinos terrestres aconteça literal-
mente. A abrangente destruição cósmica indicada por essa declaração, que não ocorreu
no primeiro século, limita o tempo à segunda vinda para o seu cumprimento.
A profecia provê outra expressão que é fundamental para uma interpretação
válida. Assevera que a pedra foi “cortada ... sem auxílio de mãos” (2:34, 45), o que
sugere que a origem e a natureza da pedra-reino seria sobrenatural, independente
do envolvimento humano.
Embora o reino da graça fosse introduzido durante o ministério terrestre de
Cristo, ele foi confiado ao canal humano da Igreja Cristã. Se a pedra-reino devesse
ser comparada à fé cristã, seria de se esperar que a Igreja esmagasse todos os reinos.
Tal destruição literal não tem ocorrido pelas mãos da Igreja Cristã, nem ocorrerá
por sua atividade na segunda vinda de Cristo. Não seria coerente com as outras 287
porções da profecia, que são claramente compreendidas por todos os comentários
como devendo ser interpretadas literalmente, mudar para um significado figurativo
ou espiritual (a propagação do evangelho) a destruição das nações pela pedra-reino
no fim dos tempos históricos – não durante os mesmos.56
Outra importante expressão fundamental para uma devida interpretação é a
declaração de que a pedra-reino “subsistirá para sempre” (2:44). A durabilidade
desse reino está em direto contraste com todos os outros reinos mencionados na
profecia. Baldwin declara corretamente: “Embora os reinos mundiais tenham sido
assumidos por sucessivos conquistadores, nenhum tomará o reino de assalto.”57
Não há nada inerente na declaração “subsistirá para sempre” que exclua a
compreensão de que a Igreja Cristã está satisfazendo o cumprimento. Todavia, é
mais provável, em vista de todas as características mencionadas na profecia, que o
seu cumprimento deve ser encontrado no estabelecimento do reino da glória.58
O capítulo provê ainda outra expressão-chave que dirige a atenção do leitor
para uma correta compreensão de sua mensagem. A profecia culmina com um
reino duradouro, que domina universalmente. A pedra “se tornou em grande
montanha, que encheu toda a terra” (2:35).
Os eventos que acompanham o primeiro advento de Cristo dificilmente po-
dem ser qualificados como um cumprimento, sendo que a universalidade dessa

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A pedra-reino de Daniel 2

pedra-reinado começa quando os reinos deste mundo desmoronam e são destru-


ídos. Hasel observa corretamente: “Não há nenhuma sugestão de que o reino de
Deus existirá contemporaneamente com todos ‘estes reinos’.”59 A universalidade
dessa pedra-reino é tanto cronológica quanto espacial.
A profecia de Daniel 2 deve ser devidamente relacionada com os capítulos 7, 8
e 11, que são outras versões, plenamente ou em parte, do relato dado no capítulo
2, com ideias adicionais providas. Consequentemente, é proveitoso comparar os
relatos destes capítulos com aquele contido no capítulo 2.
Todos os comentários concordam que os quatro animais do capítulo 7 são
uma réplica dos mesmos reinos apresentados no capítulo 2. No sétimo capítulo,
esses reinos provêem o ambiente para um novo poder que surge entre os reinos
divididos (representados pelos dez chifres), a saber, o chifre pequeno, cuja origem,
astúcia, poder e supremacia são nitidamente descritos. Além disso, outro novo
elemento, o juízo, é introduzido (7:9-10, 13-14, 22, 26).
A cena do juízo conclui com a remoção dos domínios terrestres e o recebi-
mento do “reino e o domínio” pelos fiéis. Assim, o capítulo 7 confirma o que
encontramos no capítulo 2. Ambos os capítulos iniciam com Babilônia e prosse-
guem com os três reinos dominantes subsequentes. Estes são seguidos, não por
um quinto, mas por uma divisão de reinos, culminando no estabelecimento de
288 um reino eterno que destrói todos os poderes terrestres. É evidente que ambas as
profecias abrangem o mesmo período de tempo histórico e culmina no cataclísmi-
co estabelecimento do reino de Deus.
A profecia seguinte de Daniel 8 continua o tema de enfoques duplos do capí-
tulo precedente, enfatizando as atividades do chifre pequeno, com mais detalhes
(8:9-12, 24-25) e ligando uma declaração de tempo – 2.300 dias (8:14) – com o juí-
zo. A descrição conclui com a certeza de que esse poder estranho representado pelo
chifre chegará ao seu fim – “será quebrado sem esforço de mãos humanas” (8:25).
Embora esse relato não indique a vitória dos santos como em 7:22, 27, o leitor
pode inferir essa conclusão. Os santos têm sido severamente vitimados pelo reino
do chifre por um extenso período. Sendo que a passagem deixa claro que o chifre
enfrenta seu justo destino, pode-se naturalmente concluir que os santos recebem
sua justa recompensa. O fato de a profecia do capítulo 2 e do capítulo 8 indicar
que o livramento vem sem ação humana é significativo (2:45 – “sem auxílio de
mãos”; e 8:25 – “sem esforço de mãos humanas”).
O décimo primeiro capítulo de Daniel contém outra descrição do quadro pro-
fético, tratado nos capítulos 2, 7 e 8. Escrito em linguagem não-simbólica, a visão
começa com os tempos dos medos e persas. Descreve uma sequência de eventos
históricos que culminam no desenvolvimento, atividades, e desaparecimento do
reino do chifre (11:30-45). Embora o significado da linguagem não seja muito

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Estudos sobre Daniel

claro, fica evidente que somos colocados outra vez face a face com outro relato do
juízo sobre o chifre e o livramento dos santos.
O relato declara que o chifre-reino “chegará ao seu fim, e não haverá quem o
socorra” (11:45). Visto que os capítulos 2 e 7 indicam que a derrocada do tempo
do fim não ocorre por agência humana, podemos concluir que a destruição, sucin-
tamente descrita no capítulo 11, é a mesma. O contexto que envolve a declaração
provê evidência adicional para esse ponto de vista. Os versículos imediatamente
seguintes retratam o posicionamento de Miguel, o começo de um tempo de angús-
tia muito severo, duas ressurreições especiais, e o livramento dos santos (12:1-3).
É a opinião comum dos adventistas do sétimo dia que esses versículos descrevem
o fim do tempo da graça e a angústia que o acompanhará. A passagem é elucidada
pelo revelador em sua descrição das pragas (Ap 16).
Um estudo comparativo das profecias de Daniel 2, 7, 8 e 11 leva a concluir que
não há nenhum cumprimento duplo inerente dentro da profecia da pedra-reino do
capítulo 2. Isto é, não há nenhuma evidência a sugerir um cumprimento parcial em
conexão com o estabelecimento do reino da graça durante o ministério terrestre de
Cristo a ser seguido por um cumprimento completo em sua segunda vinda. Ao con-
trário, não há nada dentro dessa profecia que sugira ou necessite de tal aplicação.
Tem-se sugerido que uma declaração de Ellen G. White em O Desejado de Todas
as Nações, página 34, provê evidência conclusiva de que a autora compreendia que 289
a pedra-reino devia ter um cumprimento duplo; o primeiro estando ligado com a
vinda de Cristo à terra como bebê, e outro em sua segunda vinda. A declaração é
encontrada no capítulo “A Plenitude dos Tempos”, e é circundada por passagens
proféticas do Antigo Testamento que se referem ao ministério de Jesus em seguida
à sua encarnação. Para benefício do leitor, toda a citação é dada:
“As derradeiras palavras de Jacó os enchiam de esperança: ‘O cetro não se arre-
dará de Judá, nem o legislador dentre seus pés, até que venha Siló.’ Gênesis 49:10.
O enfraquecido poder de Israel testemunhava que a vinda do Messias estava às
portas. A profecia de Daniel pintava a glória do seu reino sobre um domínio que
sucederia a todos os impérios terrestres; e disse o profeta: ‘subsistirá para sempre’.
Daniel 2:44. Ao passo que poucos entendiam a natureza da missão de Cristo, era
geral a expectativa de um poderoso príncipe que havia de estabelecer seu reino em
Israel, e que viria como um libertador para as nações.”
Uma regra básica de interpretação é evitar o uso de uma declaração ambígua
para estabelecer o significado de uma passagem. Certamente, essa precaução deve
ser atendida em conexão com esta citação. Uma pesquisa cuidadosa da passagem
indica que a autora está se referindo a certas profecias do Antigo Testamento que
encorajavam os judeus fiéis que ainda “acalentavam a esperança da promessa feita
aos pais” (DTN 34). Entre as passagens que fortaleciam sua fé estava Daniel 2. “A

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A pedra-reino de Daniel 2

profecia de Daniel pintava a glória do seu reino sobre um domínio que sucederia
a todos os impérios terrestres; e disse o profeta: ‘subsistirá para sempre.’ Daniel
2:44.” Essa declaração é então seguida por outra referência à sua temporária resi-
dência terrestre. Embora esses fiéis, que pacientemente esperavam pela prometida
redenção, misturassem em sua mente as profecias dos dois adventos, a descrição
da situação por Ellen G. White não é um endosso de um cumprimento de Daniel
2 no primeiro século.60
Na sentença anterior à citação, ela declara: “O enfraquecido poder de Israel
testemunhava que a vinda do Messias estava às portas.” Esta declaração admite
meramente que o Israel judaico estava esperando o reino e reinado messiânicos.
Ellen G. White então nota a antecipação dessas “almas fiéis” do ponto de vista
de uma profecia de Daniel, que olha adiante para o estabelecimento final do seu
reino. “A profecia de Daniel pintava a glória do seu reino sobre um domínio que
sucederia a todos os impérios terrestres.” Em todo caso, tal declaração não deve
ser forçada a prover uma interpretação contrária àquela que pode ser encontrada
em um estudo comparativo das profecias cumulativas de Daniel 2, 7, 8 e 11.

A Pedra
290
Na medida em que a profecia de Daniel 2 move-se na direção do estabelecimen-
to da pedra-reino, é vital para este estudo descobrir o uso bíblico e o significado do
termo “rocha” ou “pedra”. No Antigo Testamento com frequência “rocha” é um
nome para Yahweh.61 Isso provia uma ligação messiânica para muitas das passagens
do Antigo Testamento que são empregadas por escritores do Novo Testamento
para se referir à pessoa de Cristo. J. Jeremias reconhece essa dependência do Antigo
Testamento: “As passagens do Novo Testamento sobre a rocha (ou pedra) cristo-
lógica... repousam quase inteiramente sobre versículos do Antigo Testamento: Sl
118:22; Is 28:16; Dn 2:34s., 44s.; Êx 17:6 e Nm 20:7ss. (Zc 4:10).”62
O conceito de rocha sendo aplicado a Deus pode remontar a uma passagem
básica de Gênesis (49:24) onde se diz que o “Poderoso de Jacó” é a “Rocha de
Israel” (’eben). Daí por diante, esse conceito é repetido em numerosas outras pas-
sagens. Em Deuteronômio 32:4, Deus é mencionado como uma rocha (sûr) e,
posteriormente, em Isaías 8:14-15 Ele é chamado tanto de pedra quanto de rocha
(‘eben, sûr). No capítulo seguinte (Is 9:6) o escritor fala do Messias como Deus.
A partir desse conceito o leitor pode apreciar o significado messiânico da
seguinte declaração: “Portanto, assim diz o Senhor Deus: Eis que eu assentei em
Sião uma pedra, pedra já provada, pedra preciosa, angular, solidamente assentada;
aquele que crer não foge” (Is 28:16).

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Estudos sobre Daniel

Um dos mais antigos exemplos de interpretações messiânicas da declaração de


pedra no Antigo Testamento é encontrado em Isaías 28:16, onde a LXX adiciona:
“aquele que crê nele...” , e é dessa passagem que Paulo e Pedro citam em Romanos
9:33; 10:11; 1 Pedro 2:6. É sugestivo que a LXX altere o sentido de Isaías 28:16,
de sorte que a pedra se torna uma base de certeza ou o objeto de fé, e é agora
centralizada em uma pessoa.
Um targum judaico (uma paráfrase aramaica pós-exílica) também provê uma
interpretação messiânica de Isaías 28:16: “Eis que Eu [Deus] ponho em Sião um rei,
um poderoso rei, poderoso e terrível, a quem Eu sustentarei e fortalecerei; diz o pro-
feta: E os justos em quem está a confiança não tremerão quando vier a aflição.”63
Em Isaías 8:14-15 Deus é apresentado como um firme fundamento e uma
rocha inabalável. Em Isaías 28:16-17 Ele se destaca como um refúgio confiável
(em contraste com um instável refúgio de mentira). Parece que os judeus estavam
confiando nas promessas políticas de um bordão de cana esmagada – Egito. Isso
nós recolhemos dos capítulos 30:1-7 e 36:6-9. Para Judá, entretanto, colocar sua
confiança no Egito era confiar em “mentiras” e “falsidade”. Em vez disso, Deus
prometeu assentar em Sião uma pedra que tinha sido provada64 – que podia man-
ter-se firme sob pressão – por “um firme fundamento” (Is 28:16).
A estabilidade e durabilidade da pedra foi autenticada pelo teste. Contudo,
segundo as passagens de Isaías 8:14-15, ela (isto é, Ele) se tornará uma prova para a 291
humanidade – um santuário de proteção e apoio para aqueles que se lançam sobre
Ele, mas uma rocha de tropeço e uma armadilha para aqueles que o rejeitam.
Em Isaías 28:16 essa pedra é também descrita como “uma pedra preciosa,
angular”. A expressão “pedra angular” ou “cabeça da esquina” (kephalē gōnias/
akrogōniaios) é mencionada cinco vezes no Novo Testamento. Em cada exemplo
ela é derivada de Salmo 118:22 e se refere à pedra mais importante do fundamen-
to. Embora Jeremias afirme que a expressão se refere à chave de abóbada colocada
sobre a entrada do templo, ele usa fontes da última metade do segundo século que
enfraquecem seu argumento.65 Em Isaías 28:16, a LXX identifica a pedra angular
com a pedra fundamental (themelion = fundamento).
Em nenhuma das passagens onde aparece a palavra akrogōniaios (“situada
no ângulo extremo”) pode alguém encontrar algo que insinue que “chave de
abóbada” era o intento do escritor. Além disso, sendo que a LXX usou o termo
akrogōniaios para traduzir pinnāh (“esquina”, “ângulo”) em Isaías 28:16, e Símaco
para traduzir rō’š pinnāh (“cabeça da esquina”) em Salmo 118:22, parece evidente
que isso significa canto ou extremidade, e não altura.66 Parece melhor, portanto,
compreender akrogōniaios como se referindo à pedra colocada sobre o primeiro
ou principal ângulo, o ponto do qual o construtor determinava o esquema de
toda a construção.67

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A pedra-reino de Daniel 2

O uso de uma akrogōniaios (“pedra angular”) e themelios (“fundamento”) em


estreita proximidade em Efésios 2:20 parece indicar que o autor está pensando na
parte mais baixa do edifício. Portanto, a passagem pode ser traduzida por “edifi-
cados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, do qual Jesus Cristo mesmo é
a (principal) pedra angular.” A Mishnah declara que a ’eben šetiyyâh (literalmente,
“pedra fundamental”) estava três dedos de largura acima do chão. Portanto, os
escritores do Novo Testamento poderiam facilmente pensar na akrogōniaios como
uma pedra sobre a qual alguém poderia tropeçar e cair.68
Evidentemente, sendo que ela é uma pedra angular, liga duas paredes de um
edifício e cumpria uma posição significativa na estrutura suportando o peso da
construção.69 É digno de nota observar que a pedra é preciosa, o que indica que
a pedra tem valor; não algo comum.70 É também significativo que ela provê um
“firme fundamento”, ou seja, esse fundamento foi firmemente estabelecido, de
sorte que não pode ser movido.71
Nos textos de Qumran a comunidade escatológica é comparada a um edifício
com fundamentos sobre a rocha. A imagem da pedra angular mencionada no
Novo Testamento está também presente nessa literatura. “É uma parede provada,
essa preciosa pedra angular, cujos fundamentos não balançarão nem oscilarão
em seu lugar.”72 Aqueles que confiam plenamente no que essa pedra representa
292 (Deus) não se precipitarão em contraste com aqueles mencionados nos versículos
14-15, que não põem sua confiança em Deus. Os últimos estão correndo apressa-
damente a fim de recorrer à política de conveniência com o Egito, Assíria e outros
para se protegerem. Mas aqueles que olham para a pedra – a majestade de Deus
– estão confiantes e em paz; consequentemente, a necessidade de dependência
humana é refutada.73
É significativo que a literatura rabínica contenha muitas referências em que
se dá à pedra de 2:34ss significado messiânico. Por exemplo, é suscitada a per-
gunta: “Donde (vem que o Messias reinará) sobre a terra? (Resposta:) porque está
escrito: Sl 72:11...; Dn 7:13s. ...; Dn 2:35: A pedra... encheu toda a terra.”74 O
Rabi Lagish (250 d.C.) do mesmo modo interpretava a pedra como sendo o rei
Messias.75 Jesus foi o primeiro a aplicar a metáfora da pedra de Salmo 118:22 a
si mesmo em Lucas 20:17-18 – “Que quer dizer, pois, o que está escrito: ‘A pedra
que os construtores rejeitaram, esta veio a ser a principal pedra angular?’ Todo o
que cair sobre esta pedra ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará
reduzido a pó.”
Pedro também se refere a Salmo 118:22 em Atos 4:11. Aqui a rejeição da pedra
está relacionada com a morte de Jesus. Todavia, ela é colocada no cenário de sua
ressurreição (4:10). Isso pode indicar que Salmo 118:22 foi usado inicialmente
como um texto-prova para a morte e ressurreição de Jesus.76

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Estudos sobre Daniel

Nesse mesmo tema encontra-se a passagem neotestamentária de Efésios 2:20-


22. Aqui Cristo é chamado a “pedra angular”. O templo está dinamicamente vivo
e é construído sobre o fundamento dos apóstolos. Através de sua pedra angular
(Jesus) toda a estrutura se reúne e se desenvolve em um templo santo. A nova
dimensão dessa passagem indica que o templo é dinâmico e está crescendo rumo
à sua finalização. Semelhante linguagem e significado é repetido por Pedro em 1
Pedro 2:4-6. Em sua carta aos Romanos, Paulo também se refere às duas passagens
do Antigo Testamento (Is 28:16; 8:14-15) que mencionam a pedra de tropeço que
Deus assenta em Sião. Ele aplica claramente essa passagem da pedra a Jesus e seu
evangelho (9:32-33; 10:11).
Na passagem profética do Antigo Testamento em estudo, a pedra que fere a es-
tátua com força esmagadora a reduz a entulho (2:34, 35, 44, 45). Parece que Jesus
apanhou esse tema e o incorporou à metáfora de pedra angular (Lucas 20:17-18).
A força destruidora da pedra é também sugerida pelo profeta evangélico (Is 8:14,
“Ele será pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadi-
lha aos moradores de Jerusalém”). Nessa metáfora da pedra de tropeço podem ser
vistas as consequências de se rejeitar a Cristo, a saber, perder a salvação.77
A metáfora veterotestamentária de uma pedra evidentemente combinava ele-
mentos duplos, um positivo, o outro negativo. Em Cristo, a bondade e a ira de
Deus estão combinadas. Nele nos defrontamos com os problemas de vida e morte. 293
Esse dualismo se torna evidente na mensagem de Paulo aos romanos (9:32ss.)
onde ele junta esses dois aspectos de proteção e segurança (Is 28:16) com tropeço,
rocha de ofensa, laço e armadilha (Is 8:14-15).
Paulo explica por que os judeus deixaram de atingir a justiça embora estives-
sem preocupados com a lei. Eles tinham tropeçado na pedra (Cristo) que havia se
tornado uma ofensa para eles. Consequentemente, eles tinham lhe negado fé. Por
outro lado, aqueles que crêem em Jesus não serão envergonhados. A fé é, portan-
to, o elemento que decide se a pedra se torna um refúgio de salvação ou uma rocha
esmagadora que reduzirá a pó.78
Pedro segue um tema similar em 1 Pedro 2:4-8. Ele menciona três passagens
do Antigo Testamento (Sl 118:22; Is 28:16; 8:14). Cristo é a pedra rejeitada pelos
construtores judeus, mas Ele se torna a pedra angular do templo da casa espiritual
de Deus. Ele é uma pedra de salvação para o crente, mas uma pedra de tropeço e
rocha de ofensa para aqueles que o rejeitam. Como diz Paulo, é a fé em Cristo, ou
a sua falta, que determina os resultados.
Devido ao fato de a pedra ou rocha retratada pelos escritores do Antigo e do
Novo Testamento ser uma pedra de tropeço (levando a esmagadora destruição) e um
refúgio de salvação provendo proteção, parece lógico e coerente compreender que
a pedra de Daniel 2:31-35, 44-45 (e Mateus 21:42-43) preenche essa dupla função.

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A pedra-reino de Daniel 2

Cristo é a verdadeira pedra,79 e a fé ou a sua ausência determinará como a Pedra se re-


lacionará com cada indivíduo no estabelecimento do seu eterno reino escatológico.

A pedra-reino e a parábola dos lavradores maus

Em nossa busca por compreender o significado da pedra-reino, temos jornadea-


do através da história para que possamos ver a interpretação que outros têm dado a
esse assunto. Também temos atentado para as características da pedra-reino confor-
me delineada no livro de Daniel. Devemos agora dar atenção à parábola do chefe de
família para ver se Jesus aplicou a pedra-reino de Daniel 2 ao primeiro século.
Naturalmente, nossa compreensão da “pedra” do capítulo 2 será afetada pela
compreensão neotestamentária. O Novo Testamento considera que a pedra-reino
atua no ministério, morte e ressurreição de Jesus (o reino da graça), ou em sua
segunda vinda (o reino da glória)? Se a primeira opinião é verdadeira, afetará sig-
nificativamente outras declarações do Novo Testamento.
Por exemplo, Jesus, no pequeno apocalipse de Mateus 24, declarou: “Não passará
esta geração sem que tudo isto aconteça.” Infere-se disso que a volta de Cristo poderia
ter ocorrido no primeiro século. Alguns também supõem que Jesus poderia ter voltado
294
em qualquer um dos vários pontos críticos da história da Igreja, mas devido aos repeti-
dos fracassos da última, esse evento tem sido repetidamente adiado.
Portanto, afirma-se que essa passagem de Mateus exige a aplicação do princí-
pio da condicionalidade na explicação da demora. Essa argumentação ou linha
de raciocínio é estendida à compreensão da “pedra-reino” de Daniel 2. Cada um
toma sua decisão relativa àquela pedra-reino (o Cristo encarnado) que finalmente
decidirá o seu destino.
Se a compreensão acima de Mateus 24 (e passagens relacionadas em Marcos e
Lucas) é verdadeira, permite a Daniel 2 ser interpretado como um cumprimento du-
rante o ministério de Cristo e logo depois. Isto permitiria à segunda vinda de Cristo
ter ocorrido na época dos apóstolos. Deve-se assumir então que a única razão por
que isso não ocorreu foi o fracasso da Igreja em comprometer-se com Cristo e sua
obra. Assim, o capítulo 2 torna-se uma profecia condicional do que poderia ter sido.
A outra opinião vê Daniel 2 como uma declaração da presciência divina não
sujeita à reação humana. Olha para o estabelecimento do reino de Cristo na se-
gunda vinda. Não vê no capítulo 2 uma referência ao ministério terrestre de Cris-
to, mas, antes, um enfoque sobre o estabelecimento escatológico do seu reino.
Um princípio hermenêutico natural em estudos bíblicos é o de permitir que
o Novo Testamento interprete o Antigo Testamento. A partir dessa posição van-
tajosa de revelação progressiva é possível às vezes compreender mais plenamente

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Estudos sobre Daniel

as passagens do Antigo Testamento. Também é verdade que o Antigo Testamento


esclarece o Novo Testamento. Deve-se considerar ambos os Testamentos para se
adquirir uma compreensão equilibrada da pedra-reino do capítulo 2.
Como vimos, a pedra era um assunto familiar no Antigo Testamento. Era
usada ou para se referir a Deus, ou como um termo messiânico (Is 8:14-15; 28:16;
Sl 118:22). Em função de Jesus parecer tomar emprestado a linguagem de Daniel
(2:34, 44, 45) em uma da trilogia de parábolas em que a ausência de frutos de
Israel é exposta (Mt 21:28–22:14), é importante que examinemos cuidadosamente
o seu significado ali.
Essas parábolas parecem ter sido proferidas por ocasião do aparecimento de
Jesus no templo em algum ponto subsequente à sua entrada triunfal em Jerusa-
lém e à segunda purificação do templo. Segundo o contexto (Mateus 21:23-27;
também cf. Marcos 11:27-33; Lucas 20:1-8), essa ação dupla por parte de Jesus
provocou os anciãos e principais dos sacerdotes que imediatamente demandaram
saber a fonte do seu comportamento autoritário incomum. Com grande habilida-
de e discernimento, Jesus primeiro dirigiu uma pergunta aos seus interrogadores.
Solicitou que eles citassem a fonte por trás da pregação e batismo de João Batista.
Apanhados em uma cilada de sua própria invenção e recusando reconhecer a
fonte divina da autoridade de João, eles preferiram permanecer neutros. “Não
sabemos”, disseram eles (Mt 21:27). 295
Foi em resposta à sua recusa em aceitar as evidências concernentes à validade
da missão de João que Jesus contou três parábolas, começando com a dos dois
filhos (Mt 21:28-32). O pai solicitou a ambos os filhos que fossem trabalhar na
vinha. O primeiro filho recusou-se a ir, mas depois se arrependeu e foi. Esse filho
simbolizava os publicanos, as meretrizes e outros pecadores (Mt 21:31). Contudo,
havia outro filho que respondeu: “Eu vou, senhor”, mas não foi (Mt 21:30).
Os dois filhos caracterizavam dois elementos do judaísmo. Um grupo de pe-
cadores que, através do verdadeiro arrependimento, cumpriam as solicitações de
seu pai. O outro, conforme representado pelo segundo filho, fingia cumprir as
solicitações do pai, mas não as cumpria. Esse grupo representava os principais
e fariseus que, através de sua justiça própria e ações incorretamente motivadas,
serviam a Deus de uma maneira formal e superficial. De seus lábios Jesus extraiu
sua própria condenação quando admitiram que o primeiro filho tinha feito a
vontade do pai. Aqueles francos pecadores que se arrependeram seriam admitidos
no reino de Deus adiante dos religiosos que se escandalizaram com o autorizado
testemunho e apelo de João Batista.
Havendo exposto a hipocrisia dos formalistas, Jesus prosseguiu contando uma
segunda parábola, que é relevante para este estudo sobre Daniel. A história é sobre
um dono de casa que plantou uma vinha e a cercou de uma sebe e colocou dentro

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A pedra-reino de Daniel 2

dela um lagar e uma torre (essa parábola é reminiscente daquela encontrada em


Isaías 5:1-2). Os arrendatários tiveram a incumbência de cuidar da vinha.
No tempo da colheita, os arrendatários se recusaram a permitir que os servos
do dono de casa colhessem as uvas. Em vez disso, os servos foram mortos ou ex-
pulsos pelos arrendatários. Finalmente, o filho do proprietário foi enviado. Mas
sem consideração para com sua pessoa e autoridade, ele também foi morto. Jesus
perguntou aos seus ouvintes qual seria a justa reação do proprietário. A resposta
deles foi uma condenação de si mesmos. Eles responderam que os arrendatários
deveriam ser executados e a vinha alugada a outros arrendatários.80
Imediatamente, Jesus substanciou o seu veredito por uma referência às Escri-
turas, e de uma das porções favoritas do Antigo Testamento – o livro de Salmos
(118:22-23).
“Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores
rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra angular; isto procede do Senhor e é mara-
vilhoso aos nossos olhos?’ ” (Mt 21:42).
Acredita-se que essa passagem tenha sido cantada primeiramente na festa dos Ta-
bernáculos por ocasião do retorno dos judeus do cativeiro babilônio,81 mas agora era
cantada diante dos portais do templo em um dia designado durante a festa da Páscoa
por um grupo composto por sacerdotes, peregrinos, e prosélitos.82 O uso das duas
296 metáforas, “vinha” e “pedra”,83 foram prontamente compreendidas pela audiência.
Todos os três sinóticos relatam que os ouvintes compreenderam que a parábola tinha
sido falada contra eles.
A segunda parábola liga-se a uma verdade significativa da primeira, a saber,
a rejeição da autoridade que residia em João Batista. Agora, na segunda narra-
tiva temos retratada a rejeição do Mensageiro de suprema autoridade. O ponto
teológico dessa parábola é a longânima paciência de Deus livremente estendida
àqueles que se opunham a Ele. Mas a rejeição definitiva do Filho de Deus traz
segura e certa retribuição.
Tendo evocado uma confissão de seus lábios, Jesus cita uma passagem reveren-
ciada e familiar que era equivalente a dizer: “Vossa resposta é apoiada biblicamente”.
“Perguntou-lhes Jesus: Nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejei-
taram, essa veio a ser a principal pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravi-
lhoso aos nossos olhos?’ ” (Mt 21:42).84
A pedra rejeitada se refere a Israel, que exteriormente parecia de pouco valor (Ez
16:3-5), mas foi escolhido por Deus e grandemente honrado. Todavia, também se refere
a uma pedra que foi posta de lado como indesejável na construção do templo de Salo-
mão.85 Segundo a referência do Novo Testamento, esse salmo era messiânico e encon-
trou cumprimento na atitude para com Cristo e no tratamento a Ele dispensado.86
Em sua encarnada condição de humilhação, Ele “não tinha aparência nem
formosura; olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse” (Is 53:2).

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Estudos sobre Daniel

Por causa disso, muitos dos judeus deixaram de discernir a partir das Escrituras
o seu verdadeiro caráter. Embora por causa desse preconceito e ódio Jesus fosse
morto, Deus conhecia o seu verdadeiro valor; o rejeitado foi ressuscitado, e Deus
“o exaltou sobremaneira” (Fp 2:9) para se tornar cabeça de esquina.87 Jesus agora
aplica a lição evidente por si mesma aos seus ouvintes: “Portanto, vos digo que o
reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produza os respectivos
frutos” (Mt 21:43).88 Em conexão com a citação da pedra angular (Sl 118:22-23)
Lucas relata o solene pronunciamento de Jesus: “Todo o que cair sobre esta pedra
ficará em pedaços; e aquele sobre quem ela cair ficará reduzido a pó” (Lc 20:18).
Mateus registra uma declaração semelhante, mas sua presença nesse Evangelho é
questionada por alguns e aceita por outros.89
Visto que a passagem é considerada uma parte válida do Evangelho de Lucas,
admite-se que sua presença em Mateus, embora possa não ter pertencido original-
mente ao seu Evangelho, não deve ser rejeitada.90 É parte da advertência de Jesus
pronunciada nessa ocasião. Portanto, é necessário que examinemos essa passagem
em nossa análise geral da parábola.
As palavras de Jesus parecem incluir uma alusão a Isaías 8:14-15: “Ele vos será
santuário; mas será pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel,
laço e armadilha... Muitos dentre eles tropeçarão e cairão, serão quebrantados,
enlaçados e presos.” 297
Em seu contexto veterotestamentário, Isaías 8:14-15 é uma parte do conselho
dado aos judeus, instando com eles para que pusessem sua confiança no Senhor e
não em Peca e Rezim. É tanto uma promessa quanto uma predição: uma promessa
de segurança e proteção para aqueles que confiam, e uma predição de juízo que
segue aqueles que tropeçam ou rejeitam esse porto de refúgio. Nessa passagem duas
metáforas são usadas para descrever os resultados, um positivo e o outro negativo.
A primeira – santuário (8:14) – é a promessa de abrigo e proteção contra forças
ameaçadoras. A segunda – uma pedra de ofensa – pronuncia juízo sobre aqueles que
tropeçam em desconfiança contra a autoridade do que promete. Há cinco verbos na
passagem que transmitem as consequências da rejeição, a saber, “muitos dentre eles
tropeçarão e cairão, serão quebrantados, enlaçados e presos” (ênfase acrescentada).
A fraseologia dada em Mateus e Lucas, “todo o que cair sobre esta pedra ficará
em pedaços”,91 é reminiscente de Isaías 8:14-15. É aplicada por Jesus aos líderes
religiosos, ao povo de seus dias e a qualquer que se escandaliza nele, e por qualquer
motivo deixa de render-lhe autoridade e senhorio. As passagens de Lucas 20:18 e Ma-
teus 21:44 adicionam outro pensamento não encontrado na passagem de Isaías: uma
ação pela pedra – “quando ela cair sobre alguém, o esmagará”, “o reduzirá a pó”.92
Goebel expressa o pensamento desse versículo quando declara: “Portanto,
uma colisão hostil com essa pedra – quer seja tropeçando contra e caindo sobre
ela enquanto ela jaz no caminho, ou colocando-se no caminho de sua descida e

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A pedra-reino de Daniel 2

a pedra assim caindo sobre ele – deve, em cada caso, provar-se fatal àquele que se
empenha em tal conflito.”93
A pedra que Jesus aplica a si mesmo é aquela com plena e final autoridade. Uma
resposta negativa a Jesus resulta em inevitável aniquilação, quer seja o resultado de
tropeço por incredulidade ou desafiadora oposição, que leva a pedra a triturá-los.94
Embora não totalmente provado, parece que a última expressão, “e aquele sobre
quem ela cair ficará reduzido a pó” (versículo 44), combina os conceitos de três passa-
gens do Antigo Testamento. A primeira é Isaías 8:14-15, onde a pedra é mencionada
como “uma rocha de ofensa”, e “muitos dentre eles tropeçarão e cairão, serão que-
brantados, enlaçados e presos”. Uma segunda passagem, em Isaías 28:16, se refere
à pedra como uma “pedra preciosa, angular, solidamente assentada”. Uma terceira
passagem é Daniel 2:34-35, 44-45, onde uma pedra é retratada caindo sobre os vários
metais da estátua, fazendo-os em pedaços, reduzindo-os à “palha das eiras no estio”.
Um contato negativo com a pedra resulta na mesma situação em Isaías 8:14-
15 e Daniel 2:34-35, 44-45, completo aniquilamento. Isaías adverte Judá contra
depender da força da conspiração humana, Rezim e Peca, para se opor à investida
dos exércitos assírios em vez de se confiarem às mãos de Deus. Era uma advertên-
cia contra uma recusa de sua parte a confiar na autoridade da mensagem e dos
mensageiros de Deus.
298 Por outro lado, a passagem de Daniel é uma parte de uma profecia escatológi-
ca que retrata a história humana a partir da perspectiva divina. A profecia começa
nos tempos da antiga Babilônia e conclui com uma pedra-reino, não de origem
humana, que cai sobre os reinos terrestres com força devastadora e, em seu lugar,
“a pedra ... [torna-se] uma grande montanha e [enche] toda a terra”. Embora o
contexto imediato seja diferente em ambas as passagens, o tema é semelhante, o
ilimitado poder inerente à pedra para resistir e subjugar toda oposição.
Parece que Jesus estava usando um bem-conhecido método, “midrash”, para
transmitir uma verdade bíblica. Midrash, um termo hebraico que significa “pes-
quisar”, “investigar com o propósito de explicar” era um método comum de es-
tudo bíblico praticado pelas escolas rabínicas da antiga Palestina.95 Reconhece-se
agora com mais clareza que o uso do Novo Testamento de passagens do Antigo
Testamento com frequência segue uma abordagem midráshica.96 Às vezes é por
meio de uma parábola, que está ligada a outros textos por uma palavra-chave,
tal como “pedra”. Frequentemente citações midráshicas podem envolver citações
completas de várias passagens do Antigo Testamento, que se tornam um jogo de
palavras em vez de um estudado esforço para prover um novo significado exegético
a uma passagem do Antigo Testamento.97
Há suficiente similaridade básica entre Mateus 21:44/Lucas 20:18 com Daniel
2:34-35, 44-45, para que o leitor possa concluir que Jesus está fazendo uma alusão

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Estudos sobre Daniel

ao último nessa citação.98 Uma alusão midráshica é feita à pedra de Daniel 2:34-
35, 44-45, e Isaías 8:14-15 reunindo o tema da pedra messiânica de Salmo 118:22,
que foi mencionado em Mateus 21:42/Lucas 20:17 com o propósito de enfatizar a
soberana autoridade e poder de Cristo, que reinará sobre todos.
Portanto, Jesus está fundindo passagens que lidam com diferentes aspectos do
termo messiânico “pedra” para ensinar uma importante verdade acerca de si mes-
mo. Todavia, não era o intento de Cristo afirmar que a pedra-reino estava então
sendo estabelecida da maneira como Daniel 2 se referiu a ela. Gundry reconhece
claramente essa verdade: “o ferir da pedra ainda está no futuro”.99
Em vez de afirmar que a declaração de Cristo era uma interpretação da
pedra de Daniel aplicável aos seus dias, estaríamos mais em harmonia com os
fatos conhecidos vendo isso como um uso tipológico, midráshico de passagens
combinadas para demonstrar a soberana autoridade do Salvador.100
O fato de Jesus combinar uma passagem de Isaías 8:14-15 com uma porção
de Daniel 2:34 não significa necessariamente que Ele provê uma interpretação
neotestamentária da pedra-reino do livro de Daniel. Isso simplesmente demons-
tra que Ele estava usando terminologia do Antigo Testamento para ilustrar
um ponto. Jesus com frequência encontrava, em seus próprios dias, atitudes
e perspectivas que podiam ser ilustradas de incidentes e referências do Antigo
Testamento.101 Oxtoby expressa um ponto frequentemente esquecido: 299
“Passagens ligadas por alguma palavra ou ideia característica tendem a ser
agrupadas, embora possam ter pouco em comum – por exemplo, versículos que
mencionam uma pedra: a pedra rejeitada pelos construtores, a pedra angular
de Sião, a pedra de tropeço, e a pedra que destruiu a estátua.”102
Um exame cuidadoso de Mateus 21:44 sugere que a pedra-símbolo junta
dois eventos relacionados com Cristo, que são separados pelo tempo. Cristo,
em seu estado da encarnação, é a Pedra contra a qual tantos caem; Cristo em
sua glória e exaltação é a Pedra que finalmente, em sua segunda vinda, cai so-
bre os impenitentes.103 À luz da discussão precedente, não parece apropriado
sugerir que o relato de Mateus e Lucas provê o significado do Novo Testamento
para o que Deus originalmente pretendia que fosse compreendido pela pedra-
reino de Daniel 2.
Não há nenhuma evidência de que a pedra-reino foi designada a represen-
tar o estabelecimento do reino de Deus com o ministério encarnado de Jesus.
Ao contrário, a referência à pedra em Mateus (21:44) e Lucas (20:18) aponta
para o juízo escatológico que cairá sobre todos os que deixam de se submeter ao
soberano controle de Jesus. A ligação temática entre a pedra de Daniel 2 e a de
Mateus/Lucas jaz em seu simbolismo comum que retrata o poder duradouro e
a divina autoridade de Cristo.

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A pedra-reino de Daniel 2

Conclusão

Em nosso estudo procuramos adquirir uma melhor compreensão da pedra-rei-


no de Daniel 2 para que pudéssemos compreender seu pretendido cumprimento.
Nossa pesquisa nos levou a examinar os registros históricos de outros intérpretes
da Bíblia começando com os Pais ante e pós-nicenos, e além. A mais antiga e mais
persistente interpretação tem sido que a pedra-reino de Daniel 2 representa o esta-
belecimento do reino de Cristo em sua segunda vinda: foram observados ensinos
divergentes como exceções que se originaram do preterismo ou do futurismo.
Daniel 2, como uma legítima profecia apocalíptica, enfatiza o eschaton, o fim da
história humana. Consequentemente, não é de se surpreender que Daniel 2, como
Daniel 7, culmine na subversão de todos os reinos terrestres e no estabelecimento
de um reino eterno, celestial. Um cuidadoso estudo do uso da pedra no Novo Tes-
tamento nos leva a concluir que essa metáfora se refere a Cristo e seu reino.
Nosso estudo também investigou a parábola neotestamentária do chefe de
família a fim de determinar se Jesus havia aplicado a profecia da pedra-reino ao
seu primeiro advento. Contudo, a evidência refutou essa possibilidade. Conse-
quentemente, parece adequado concluir que a interpretação tradicional dada à
300
pedra-reino é viável, e podemos com confiança aguardar o seu cumprimento no
retorno de Cristo.

Notas
1
LeRoy Edwin Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers 1 (Washington, DC, 1940):
p. 245.
2
Ibid.
3
Ibid., p. 272.
4
Ibid., p. 341-48.
5
Ibid., p. 349. Orígenes foi grandemente influenciado pela alegorização de Filo, e tal-
vez, em um grau inferior, Irineu, Tertuliano, Cipriano, Lactâncio, Jerônimo e Agostinho
(veja Froom, vol. 2, p. 186). Lactâncio (cerca de 250-330), pagão convertido, tornou-se
tutor do filho mais velho de Constantino, Crispo, e através disso Constantino foi influen-
ciado para o cristianismo pelos escritos e ensinos do mestre de seu filho. Juntamente com
Hipólito, Cipriano e Vitorino, Lactâncio ensinava que Roma seria dividida em 10 reinos
contemporâneos, que seriam seguidos pelo aparecimento do anticristo e o estabelecimen-
to do reino de Deus. (Ibid., vol. 1, p. 356).
Eusébio Panfílio (cerca de 260-340), pai da história da Igreja e bispo de Cesaréia, co-
mentava as profecias de Daniel, e ele concluiu: “Daniel 2 . . . em nenhum sentido difere
da visão . . . de Daniel 7” – Ibid., p. 363. Ele também reconheceu que Roma seria sucedida

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Estudos sobre Daniel

pelo reino de Deus, que viria por intervenção divina. (Ibid., p. 364.) Todavia, em seguida à
“conversão” de Constantino e à exaltação da Igreja, Eusébio posteriormente reverteu sua
posição mais de acordo com os eventos contemporâneos. (Ibid., cap. 17.) Contudo, deve-se
notar que, no primeiro concílio geral da Igreja realizado em Nicéia em 325, a grandiosa
ênfase sobre o evento cataclísmico da Segunda Vinda era muito preeminente.
Vários apologistas surgiram em diferentes lugares enfatizando a Segunda Vinda e re-
lacionando a profecia com esse evento. Entre eles estavam Jacó Afraate (cerca de 290 a
cerca de 350 d.C.), um persa convertido ao cristianismo. Em seus escritos chamados “De-
monstrations”, ele comentou sobre as profecias de Daniel. Afraate entendia que a estátua
de Daniel 2 representava o mundo, começando com Nabucodonosor e continuando da
Medo-Pérsia, Grécia, e “os filhos de Esaú” (Roma) até o ferir da pedra que ele compreen-
dia como sendo o futuro estabelecimento do reino de Deus. (Ibid., p. 404.)
6
Ibid., p. 430-31. Um breve tempo depois, Sulpício Severo (cerca de 363–420 d.C.),
historiador da Igreja que passou os últimos anos de sua vida em um mosteiro em Toulou-
se, escreveu uma história sagrada. Nessa obra ele reconhece o ponto de vista tradicional
de Daniel 2, mas também ensina que a separação permanente em ferro e barro estava em
processo de ser cumprida. A pedra que fere prefigura Cristo e o seu reino futuro, que deve
ser estabelecido. (Ibid., p. 435-36.)
O famoso doutor da Igreja Latina, Jerônimo, (cerca de 340-420) escreveu um comentá-
rio sobre Daniel em que nomeou o quarto reino de Daniel 2 e 7 como sendo os romanos, o 301
que lhe trouxe o perigo de acusação pública. Embora Porfírio afirmasse que a pedra de Da-
niel 2 era o Israel literal, Jerônimo rejeitou o seu ensino e a aplicou a Cristo. (Ibid., p. 443.)
O teólogo, historiador e exegeta grego (cerca de 386-457), que se tornou bispo de Ciro
na Síria cerca de 423, também escreveu sobre Daniel. Em seu comentário, ele nomeou
Roma como o reino de ferro, e também identificou a pedra como sendo Cristo, que feriria
as nações no Segundo Advento. Teodoro repudiou a sugestão de Eusébio de que o ferir
das nações pela pedra representava a obra perfeita de Cristo em seu primeiro advento.
(Ibid., p. 450-52.)
7
Ibid., p. 466.
8
Ibid., p. 470.
9
Ibid., p. 476.
10
Ibid.
11
NPNF (Grand Rapids, 1979), vol. 2, “The City of God”, livro 20, cap. 5, p. 424.
12
Froom, vol. 1, p. 488.
13
NPNF, vol. 7, Tratado 4 sobre o Evangelho de João, sec. 4, p. 26.
14
Froom, vol. 1, p. 565.
15
Ibid., p. 700.
16
Ibid., p. 702.
17
Para gráficos que enumeram várias opiniões, veja Ibid., p. 456-57, 894-95.
18
Ibid., vol. 2, p. 267-68.

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A pedra-reino de Daniel 2

19
Ibid., p. 289. Veja Andrea R. Osiander (1498-1552), Ibid., p. 308; David Chytraeus
(1530-1600), p. 330; Tobias Stimmer (1539-1584), p. 347; George Joye (falecido em 1553),
p. 362; e William Fulke (cerca de 1538-1589), puritano inglês, vol. 2, p. 423. João Calvino
foi uma exceção a esta regra. Ele foi o menos decisivo de todos os líderes protestantes em
relação às profecias. Sobre Daniel 2 ele seguiu o conceito de Agostinho, a saber, a pedra
representa a Igreja que triunfará sobre todos os reinos terrestres. Contudo, essa posição é
notavelmente uma variante da multidão de vozes em oposição. Para uma abordagem mais
ampla, veja Ibid., p. 436.
20
Ibid., p. 484.
21
Froom, vol. 3, p. 541-43.
22
Ibid., p. 661.
23
Ibid., vol. 2, p. 510.
24
Ibid.
25
Para uma lista das principais opiniões mantidas pelos expositores da Reforma sobre
Daniel, veja Ibid., p. 528-29. A opinião principal continuou sendo a escola historicista até
o século dezenove.
26
Ibid., p. 545. Joseph Mede, o brilhante erudito de Cambridge, ensinava que a pedra
significava que Deus traria um fim à história humana durante o tempo das nações divididas
que seguem o reino de ferro. (B. W. Ball, The English Connection [Cambridge, 1981], p. 206.)
302 27
Froom, vol. 2, p. 571. A mesma opinião foi sugerida por Thomas Beverley (1670-
1701), ministro na Grã-Bretanha, p. 585; Moise Amyraut (1596-1664), teólogo, p. 633;
Sir Isaac Newton (1642-1727), p. 660-61; Christian Gottlob Thube (p. 777); Richard Ma-
ther (1596-1669), p. 133; Cotton Mather (1663-1728) foi um teólogo, erudito, autor em
Boston, p. 148; Nicholas Noyes (1647-1717), pastor em Connecticut, vol. 3, p. 157-58;
William Burnet (1688-1729), governador de Nova Iorque, p. 170; Benjamin Gale (1715-
1790), médico em Connecticut e escritor, p. 216; Samuel Osgood (1748-1813), Diretor
Geral dos Correios, p. 222; Joshua Spalding (1760-1825), ministro, p. 234-35; Manuel
de Lacunza (1731-1801), sacerdote jesuíta, p. 318; William Hales (1747-1831), ministro,
p. 332; George Faber (1773-1854), ministro, p. 340; Thomas Scott (1747-1821), ministro,
p. 348; Adam Clarke (1762-1832), pregador, comentarista, p. 355; Samuel Toovey (1813),
clérigo, p. 359; William Cuninghame (1776-1849), diretor do New College, Edimburgo, p.
366; James Frere (1779-1866), autor, p. 387; John Bayford, promotor do cristianismo entre
os judeus, associado com Joseph Wolff e Henry Drummond, p. 409; Lewis Way (1772-
1840), advogado, negou que a pedra-reino pudesse se referir ao primeiro advento, p. 421;
William Girdlestone (1786-1840), educador, ministro, p. 433; Henry Drummond (1786-
1860), banqueiro e membro do Parlamento, p. 438; Joseph Wolff (1795-1862), judeu cris-
tão missionário para o mundo, p. 475; John Fry (1775-1849), reitor, p. 490; William Jones
(1762-1846), escritor religioso batista, p. 511; Edward Irving (1792-1834), pregador, p. 521;
Gerard Noel (1782-1851), ministro e escritor, p. 530-31; Alfred Addis (nascido em 1806),
escritor, p. 557; James Begg (1800-1868), autor escocês sobre profecia, p. 562-63; Edward

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Estudos sobre Daniel

Hoare (1802-1877), ministro episcopal, p. 580-82; William Anderson (1799-1873, pastor


presbiteriano e autor, p. 598; John Cox (1802-1878), ministro batista, p. 628; John Sirr
(1794-1868), biógrafo, p. 631; François Gaussen (1790-1863), professor francês, p. 691,
694; Johann Heinrich Richter (1799-1847), secretário da Rhenish Missionary Society, p.
702; Thomas R. Birks (1810-1883), teólogo, p. 708, 710; Joseph Baylee (1808-1883), autor
e educador, p. 724; Joseph Tyso, autor, p. 732; Elias Smith, editor e ministro, vol. 4, p.
1099; Dr. George Bishop, uma vez presidente da Dutch Reformed General Assembly, p.
1189; e Dr. Adoniram Frost, ministro batista, p. 1192.
28
Froom, vol. 3, p. 668.
29
Esta opinião foi sustentada por Firman Abauzt (1679-1767); Johan Semler (1725
-1791); Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827); Johann Gottfried Herder (1744-1803);
Georg Ewald (1803-1875); Frederick Bleek (1793-1859); Wilhelm Martin De Wette (1780-
1849); Moses Stuart (1780-1852); e Samuel Davidson (1807-1898). Veja Froom, vol. 2, p.
706-8. Para uma lista mais completa, veja gráfico nas p. 784-85.
30
Um termo técnico para designar a tentativa dos eruditos em determinar a data,
autoria, lugar, propósito e natureza de cada livro bíblico. Na linguagem popular ela de-
signa uma abordagem ao estudo das Escrituras que tem enfraquecido sua confiabilidade
e pode chegar a conclusões que às vezes estão em conflito com as declarações da Bíblia.
Spinoza (1632-1677) foi chamado o “pai da alta crítica” porque negava a autoria mosaica
do Pentateuco e a atribuía a Esdras. Outros seguiram, tais como H. B. Witter (1711), Jean 303
Astru (1753), Eichhorn (1780-1783), Harman Hupfeld (1853), K. H. Graf (1866), Herman
Gunkel (1901-1917), e outros. Para estudo adicional veja Everett F. Harrison, Geoffrey W.
Bromiley e Carl F. H. Henry, eds., Baker’s Dictionary of Theology (Grand Rapids, 1969), p.
150-52.
31
Louis F. Harman e Alexander A. Di Lella, AB: The Book of Daniel (Garden City,
NY, 1978), p. 149.
32
Ibid.
33
Ibid.
34
Pulpit Commentary identifica a pedra como a obra da Igreja Cristã no mundo, p. 73.
35
IB 1:390. Embora não fique claro sobre a época do estabelecimento da pedra-reino,
parece deixar a impressão de que será no tempo do fim. Diz-se que o “para sempre” repre-
senta a “universalidade do reino no tempo . . . e o termo ‘para sempre’ coloca o reino fora
do tempo na eternidade.” Mongtomery concorda que a pedra retrata “o reino eterno que
deve destruir todos esses reinos. . . . “ (p. 179). Andre Lacocque crê que a pedra pertence
à esfera messiânica. The Book of Daniel (Atlanta, 1976), p. 52.
36
Veja Joyce Balwin, Daniel (Downer’s Grove, IL, 1978), p. 93; John Walvoord, Daniel
(Chicago, 1971), p. 76; e Leon Wood, Daniel (Grand Rapids, 1973), p. 74.
37
D. J. Wiseman, Chronicles of Chaldean Kings (Londres, 1974), p. 28-29.
38
Joyce B. Baldwin, Daniel Introduction and Commentary (Downers Grove, IL., 1978),
p. 54.

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A pedra-reino de Daniel 2

Veja Gênesis 49:1; Números 24:14; Deuteronômio 4:30; 31:29; Jeremias 23:20;
39

30:24; 48:47; 49:39; Ezequiel 38:16; Daniel 2:28; 10:14; Oséias 3:5; Miquéias 4:1.
40
TDOT, 1:211. Também Hartman e Di Lella concordam que a expressão aramaica
be’aharît yômayyā’ corresponde ao hebraico ’aharît hayyāmîm (Os 3:5; Is 2:2; Dn 10:14;
8:19; 8:23; Nm 24:14; Jr 23:20) e que é um típico termo escatológico.
41
S. R. Driver. The Book of Daniel (Cambridge at the University Press, 1905), p. 26.
42
Edward J. Young, The Prophecy of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 70.
43
Últimos Dias. ’Aharît hayyāmîm geralmente se refere àquele período de tempo
que é futuro e pode envolver um período breve ou longo: (1) O fim dos 430 anos de
peregrinação (Gn 1:13, 16) quando Israel possuiria Canaã (Gn 49:1); (2) o final dos 40
anos de vagueação no deserto (Dt 8:16); (3) algum período futuro de tribulação e exílio
(Dt 4:30; Os 3:5); (4) o final de um período da História (Dt 31:29); (5) o resultado final
de um procedimento (Pv 14:12; 23:32; Is 47:7). Esse termo, quando se refere à profecia
bíblica, é usado para aplicar a: (1) o fim do poder da Grécia (Dn 8:23); (2) o final dos
1.260 e dos 2.300 dias (Dn 10:14; 8:19); (3) a reunião dos gentios no final da era (Is
2:2; Mq 4:1); (4) a batalha de Gogue e Magogue antes do estabelecimento do reino
messiânico (Ez 38:6, 7, 16); (5) o grande dia do juízo final (Jr 23:20; 30:24); (6) o “fim”
dos ímpios (Sl 37:38).
44
Cf. Daniel 8:25 e 11:45 onde o mesmo pensamento é usado para indicar a aniquila-
304 ção total do hostil chifre pequeno e daqueles que se aliam a ele em simpatia e apoio.
45
H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (New York, 1948), p. 6-7. Driver aplica também a
esses reis os selêucidas e os ptolomeus. (Driver, p. 30.)
46
Daniel 2:39 estabelece a sequência cronológica de cada reino sucessivo declarando:
“depois de ti, se levantará outro reino.” Colocar o estabelecimento da pedra-reino durante
o tempo da monarquia de ferro distorce a lógica e interrompe a sequência cronológica da
passagem.
47
A. C. Gaebelein, The Prophet Daniel (New York, 1911), p. 35.
48
Gerhard Von Rad, Old Testament Theology 2 (New York, 1965): 311-12.
49
Cf. 4 Esdras 13:6 onde um homem do mar é retratado como uma figura messiânica
que escava uma montanha de pedra em que ele está.
50
João Calvino, Book of the Prophet Daniel (Grand Rapids, 1948), p. 180, 187-88; E.J.
Young, The Prophecy of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 79; Louis F. Hartman e Alexander
A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 149.
51
The World Almanac and Book of Facts (New York, 1984), p. 351:

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Estudos sobre Daniel

Religião Totais
Cristã 1.028.170.300
Judaica 16.820.850
Muçulmana 548.075.500
Zoroastriana 257.450
Xintoísta 38.135.000
Taoísta 25.000.000
Confuciana 168.615.000
Budista 249.569.400
Hindu 457.881.100
Total de cristãos 1.028.170.300
Total de não-cristãos 1.504.354.300
Total de todas as religiões 2.532.524.600
Total da população mundial 4.680.526.000
52
John F. Walvoord, Daniel, A Key to Prophetic Revelation (Chicago, 1971), p. 74-75.
53
Ibid.
54
Cf. Mt 24:37-44; 45-51; 25:31-46; 2Ts 2:8; 1Ts. 1:7-10.
55
Gaebelein, p. 35; O. T. Allis, Prophecy and the Church (Filadélfia, 1945), p. 123-24;
H. C. Leupold, Daniel (Columbus, OH, 1949), p. 123. Por outro lado, Driver considera-os 305
como sendo os selêucidas e ptolomeus. (Driver, p. 30.) Baldwin sustenta que a expressão
se refere aos reis do último reino mencionado. (Baldwin, p. 93.)
56
E. J. Young é um intérprete que faz essa aplicação espiritual à pedra em seu comen-
tário, The Prophecy of Daniel, p. 78.
57
Baldwin, p. 93.
58
Cf. Apocalipse 11:15 onde o estabelecimento do reino está relacionado com o fim
do mundo. Naquele tempo, é declarado que os reinos terrestres são substituídos pelo reino
de Cristo em que Ele reinará para sempre.
59
Gerhard F. Hasel, Understanding the Living Word of God (Mountain View, CA, 1980), p. 199.
60
Há profecias no Antigo Testamento onde o primeiro e o segundo adventos são às
vezes registrados simultaneamente. Veja Isaías 61:1-2; 40:10-11.
61
Sela‘: 2Sm 22:2; Sl 18:2; 31:3; 42:9; 71:3; 78:16; sûr: Dt 32:4, 18, 31, 37; 2Sm 22:3,
32, 47; 23:3; Sl 18:31, 46; 31:2; 62:2, 7; 78:20, 35; 89:26; 92:15; 94:22; 95:1.
62
TDNT, 4:272.
63
Ibid.
64
O verbo hebraico bāhan no Antigo Testamento, Sirach e nos textos de Qumran
significa “provar”, (isto é, pôr à prova). Na LXX é traduzido pelo verbo grego dokimazein,
“pôr à prova, examinar” – TDOT, 2:69.
65
Colin Brown, ed., The New International Dictionary of the New Testament Theology 3
(Grand Rapids, 1978): 389.

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A pedra-reino de Daniel 2

66
R. J. McKelvey, “Christ the Cornerstone,” NTS 8 (1961-1962): 352-59.
67
Os exegetas de Qumran compreendem essa pedra como sendo a pedra fundamental.
Veja McKelvey, p. 355.
68
Ibid., p. 357.
69
Cf. Salmos 118:22: “A pedra que os construtores rejeitaram se tornou a principal
pedra de esquina” (NASB).
70
Cf. 1 Reis 5:17; 7:9-11 onde tais pedras eram usadas nos fundamentos de edifícios.
71
A rocha é um símbolo de firmeza, resolução e resistência. Veja Isaías 50:7; Ezequiel
3:9; Jeremias 5:3.
72
Brown, p. 382.
73
Para uma abordagem proveitosa desses versículos veja Edward J. Young, The Book of
Isaiah (Grand Rapids, 1969), 2:282-88; também vol. 1, p. 311-15.
74
TDNT, 4:272-73.
75
Ibid., p. 273.
76
Ibid., p. 275.
77
Cf. Rm 9:32-33; 1 Pd 2:8; Lc 2:34.
78
TDNT, 4:276.
79
O leitor pode observar o uso das palavras gregas e aramaicas/hebraicas para pedra
em conexão com passagens relevantes para este estudo.
306 A. Petra
1. Rm 9:33 ........................... “Uma rocha de escândalo”
2. 1Co 10:4 ............................ “Uma pedra que os seguia”
3. 1Pe 2:8 .............................. “Uma rocha de ofensa”
4. Mt 16:18 ............................. “Sobre esta pedra”
5. Êx 17:6 ............................... “Ferirás a rocha, e dela sairá água”
6. Nm 20:8 .............................. “Falai à rocha, e dará a sua água”
B. Lithos
1. Mt 21:42 .............................. “A pedra que os construtores rejeitaram”
Mt 21:44 .............................. “Todo o que cair sobre esta pedra”
2. At 4:11 ................................ “Este ... é pedra rejeitada”
3. 1Pe 2:4 ............................... “A pedra que vive”
1Pe 2:6 ............................... “Ponho em Sião uma pedra”
1Pe 2:7 ............................... “A pedra que os construtores rejeitaram”
1Pe 2:8 ............................... “Pedra de tropeço e rocha de ofensa”
C. ’Eben
1. Dn 2:34 ........................... “Quando estavas olhando, uma pedra foi cortada”
LXX = lithos
2. Dn 2:35 ............................... “A pedra que feriu a estátua se tornou”
LXX = lithos

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Estudos sobre Daniel

3. Dn 2:45 ............................... “Do monte foi cortada uma pedra”


LXX = lithos
4. Is 8:14 ................................. “Uma rocha de ofensa” LXX = lithos
5. Is 28:16 .............................. “Uma pedra, pedra já provada” LXX = lithos

Geralmente a LXX traduz ’eben por lithos (veja Brown, vol. 3, p. 388). Petra é princi-
palmente usada para traduzir o hebraico sûr, um grande pedaço de rocha (p. 381), ou sela‘
(cf. Êx 17:6, Nm 20:8).
80
Jesus empregou palavras semelhantes àquelas encontradas no cântico da vinha
(Is 5:1-7).
81
H.D.M. Spence e Joseph S. Exell, eds., The Pulpit Commentary 34 (Chicago, n.d.):
826; John P. Lange, Commentary on Matthew 1 (New York, 1865): 388.
82
Simon Kistemaker, The Parables of Jesus (Grand Rapids, 1980), p. 95.
83
Isaías 28:16; Daniel 2:34; Zacarias 3:9 eram familiares aos judeus e eram compreen-
didas como messiânicas.
84
Mostrando desprezo pelos servos e pelo filho do chefe de família, eles estavam re-
jeitando a autoridade do proprietário e o estavam desafiando, o que lhes traria inevitável
retribuição.
85
TDNT, 1:792; cf. também DTN 597-98.
86
Outras aplicações neotestamentárias da pedra a Cristo são encontradas em Atos 307
4:11; 1 Pedro 2:6; Efésios 2:20-21; Romanos 9:33.
87
O hebraico pinnāh (Sl 118:22). Esta palavra é considerada por judeus e cristãos igual-
mente como messiânica. Tenney, vol. 1, p. 980-81. Cf. Matthew Black, “The Christological
Use of the Old Testament in the New,” NTS 18:13-14.
88
R. Swaeles concorda que o conceito expresso no versículo 43 abrange o todo de
Daniel 2:44, que explica a citação dada no versículo 44; consequentemente o versículo 44
deve ser original. R. Swaeles, NTS 6 (1962): 310-13.
89
Segundo Gundry, Mateus 21:44 “pode ser uma interpolação de Lucas; contudo,
permanece a possibilidade de ser genuína. As pequenas diferenças entre Mateus e Lucas
não são facilmente explicadas sobre a hipótese de interpolação” (Robert Horton Gundry,
The Use of the Old Testament in St. Matthew’s Gospel [Leiden, 1967], p. 84-85). Gundry
ainda sustenta que “a probabilidade de um trocadilho em bēn [filho] e ’eben [pedra] e a
preeminência de citações similares em Atos 4:11; Romanos 9:33; e 1 Pedro 2:6-8 apoiam a
originalidade de Mateus” (Gundry, Matthew, A Commentary on His Literary and Theological
Art [Grand Rapids, 1982], p. 429.)
90
Está incluso como uma nota de rodapé nas seguintes Bíblias: The Jerusalem
Bible, Revised Standard Version, New English, Good News Bible, New American Stan-
dard; e aparece em colchetes na Anchor Bible. Esse versículo é omitido por autoridades
textuais ocidentais e a Antiga Siríaca; daí então o motivo para o acréscimo de notas ao
pé da página em muitas versões modernas. “Esse versículo é posto entre colchetes por

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A pedra-reino de Daniel 2

W. H., mas é encontrado em Lucas 20:18 e parece uma interpolação, contudo se adap-
ta à situação, servindo como uma solene advertência aos homens” (Alexander Bruce,
The Expositor’s Greek Testament 1 [Grand Rapids, s.d.]: p. 268). Esse versículo 44 não
aparece em D33 itb, d, e, ff, r syr, Diatessaron, Irineu, Orígenes, Eusébio. Portanto,
alguns críticos textuais suspeitam uma interpolação de Lucas 20:18. Porém, ligeiras
diferenças entre as formas da afirmação de Mateus e Lucas sugerem originalidade em
Mateus. Se Mateus tivesse copiado Lucas, isso provavelmente teria resultado em uma
passagem idêntica à de Lucas. É verdade que o versículo 44 seria mais natural se seguis-
se o versículo 42. Todavia, a colocação ilógica pode ser evidente para a originalidade
de Mateus, sendo que ele estava ansioso para escrever acerca da transferência do reino
como a “maravilhosa” interpretação do versículo 42. Isso dificultou em falar acerca
do evento retratado no versículo 44. Gundry crê que essa inabilidade da colocação
do versículo 44 explica sua omissão no texto ocidental (R. H. Gundry, Matthew, A
Commentary on His Literary and Theological Art, p. 431. Cf. United Bible Society, Bruce
Metzger, Textual Commentary, ad. loc.) Dodd crê que Lucas equacionou a pedra com
Salmo 118:22; Isaías 8:14; e com Daniel 2:34 (veja C. H. Dodd, According to Scriptures
[New York, 1953], p. 69.)
91 “
Será quebrado” (sunthlasthēsetai), destruído em pedaços.
92
Será reduzido a pó. Lenski, Matthew’s Gospel (Columbus, OH, 1943), p. 845;
308 “peneirar, separar o trigo da palha” (TDNT, 4:280.)
93
Siegfried Goebel, The Parables of Jesus (Edimburgo, 1900), p. 338.
94
Colin Brown, ed., The New International Dictionary of New Testament Theology 1
(Grand Rapids, 1975): 610. Cf. os que veem essa conexão: Henry Alford, The Greek
Testament 1 (New York, 1973): 217; John Albert Bengel, Gnomon of the New Testament 1
(Filadélfia, 1860): 391; Lange, p. 388; Spence and Exell, vol. 7, p. 327; IB 3 (New York,
1952): 349; TDNT, 4:275.
95
Havia dois tipos de Midrash: Halachah, que tratava dos ensinos legais da Bíblia,
e a Haggadah (narração) que se relacionava com a porção não legal. Sua ênfase era prá-
tica, homilética. Veja IDB (1962), p. 376. Também Tenney, vol. 4, p. 222-23.
96
E. E. Ellis, Prophecy and Hermeneutic in Early Christianity (Grand Rapids, 1978), p.
152ss. Veja também Black, vol. 18, p. 1-14.
97
Ellis, p. 152, 157-58.
98
Gundry, The Use of the Old Testament in St. Matthew’s Gospel, p. 85, 207; Ellis, p.
192, 205.
99
Gundry, The Use of the Old Testament in St. Matthew’s Gospel, p. 209.
100
Alusões são feitas por E. G. White à necessidade de “cair sobre a . . . [rocha] e
ser quebrado” nos seguintes lugares: Fundamentos da Educação Cristã, p. 284; Mensagens
Escolhidas 1, p. 328, 330; Mensagens Escolhidas 2, p. 389; 2 Testimonies, p. 301; 5 Testi-
monies, p. 218; 6 Testimonies, p. 317; Testemunhos para Ministros, p. 80, 146. Uma leitura
das passagens revela claramente que ela está fazendo um uso homilético e alusão à

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Estudos sobre Daniel

expressão para apoiar um ponto de vista, em vez de uma interpretação do que se queria
dizer pelas palavras.
101
Gordon C. Oxtoby, Prediction and Fulfillment in the Bible (Filadélfia, s.d.), p. 45.
102
Ibid., p. 37.
103
Spence and Exell, vol. 34, p. 327.

309

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Capítulo 6

O “chifre pequeno”, o santuário celestial


e o tempo do fim: um estudo de Daniel 8:9-14
Gerhard F. Hasel

O “chifre pequeno” – aspectos pagãos


(versículos 9-10)

S inopse editorial. Os versículos 9-14 acham-se no centro temático do capítu-


lo 8 do livro de Daniel. Em alguns sentidos constituem o ponto principal
de todo o livro. Contextualmente, formam uma parte da visão dada a Daniel
no terceiro ano do reinado de Belsazar. Toda a revelação em si consiste de três
importantes seções:
1. A visão geral (um carneiro; um bode com um chifre notável, a ser quebrado
posteriormente; quatro chifres surgindo do tronco do chifre quebrado; e finalmen-
te o aparecimento e as ousadas atividades do “chifre pequeno” (v. 3-12).
2. Uma audição celestial entre dois santos personagens (v. 13-14).
3. A primeira parte da explicação da revelação por Gabriel (v. 15-26)
Embora a erudição crítico-histórica tenha tentado desafiar a autenticidade
de Daniel 8:9-14, a evidência demonstra sua genuinidade. Todos os manuscritos
hebraicos conhecidos e todas as antigas versões contêm esta passagem. Como uma
base para sua discussão nesta e nas próximas duas seções, o autor provê uma nova
tradução literal da passagem.
O principal enfoque desta primeira seção é sobre o “chifre pequeno”, sua
origem, natureza, e atividades iniciais na visão. A origem do chifre tem sido um
assunto de muito debate à medida que esse ponto específico afeta a determina-
ção da identidade do chifre. O autor demonstra que a construção gramatical
das frases nos versículos 8-9 indica que o chifre foi visto como saindo de um
dos quatro ventos, isto é, de um dos quatro pontos da bússola. Ele não se ori-
ginou de um chifre anterior (o chifre selêucida), como argumenta a erudição
crítico-histórica em sua tentativa de formar uma base textual para uma identi-
ficação de Antíoco IV.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Além disso, o verbo usado para descrever a atividade desse chifre como sain-
do não é um verbo para denotar crescimento. Antes, está descrevendo a expansão
geográfica horizontal do chifre para o sul, para o oriente e para o norte (segundo
a tradução Septuaginta). Se essa interpretação está correta, ela sugeriria que o chi-
fre originou-se no ocidente e moveu-se dali, o que foi historicamente verdadeiro
quanto a Roma, mas não quanto a Antíoco.
Embora comumente mencionado como um chifre “pequeno”, o texto he-
braico simplesmente indica que ele partiu de um pequeno começo para tornar-se
um poder de imensa força. Não apenas se expandiu horizontalmente sobre áreas
geográficas, mas também no devido tempo para cima contra as estrelas do céu.
Algumas destas são lançadas por terra. Tal movimento vertical contra as estrelas é
interpretado por Gabriel como significando a natureza perseguidora desse chifre
e seus ataques contra o povo de Deus.

Esboço da seção

1. Introdução
2. Contexto
312
3. Autenticidade da passagem
4. Tradução
5. Chifre pequeno: origem e primeiras atividades

Introdução

A investigação de tão significativa passagem como Daniel 8:9-14 deve seguir


sólidas diretrizes hermenêuticas se quisermos que nossas conclusões sejam váli-
das. Consequentemente, nossa metodologia incluirá: (1) um estudo filológico dos
termos-chave; (2) uma análise dos padrões do texto hebraico da palavra (gramá-
tica) e da sentença (sintaxe) comparando-os com modernas traduções onde for
aconselhável; (3) os contextos mais específicos e os mais amplos dentro do livro
de Daniel e na Bíblia como um todo; e (4) relacionar o resultado com as sugestões
e conclusões das principais escolas de interpretação e seus principais expoentes.
Também será dada atenção aos materiais extrabíblicos onde forem relevantes.
Visto que tratamos do problema da estrutura literária de Daniel 81 em uma in-
vestigação anterior, faremos um breve resumo como parte do contexto de 8:9-14.

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Estudos sobre Daniel

Contexto

A tentação para estudar uma passagem das Escrituras isolada do seu contexto é
um perigo que deve ser evitado. Portanto, será essencial prestar atenção ao contex-
to dos v. 9-14 na visão do capítulo 8, e ao livro de Daniel como um todo.
Os seis v. são parte da revelação do capítulo 8. Essa revelação tem uma intro-
dução claramente demarcada (v. 1-2) e conclusão (v. 27). A revelação em si consiste
de três partes importantes: (1) visão (v. 3-12), (2) audição (v. 13-14),2 e (3) explica-
ção da visão por Gabriel (v. 15-26).
A visão descreve: (a) um carneiro e suas atividades (v. 3-4), (b) um bode e suas
atividades (v. 5-8), e (c) um “chifre pequeno” (v. 9-12) – sua origem (v. 9a), expan-
são (v. 9b), e impressionante atividade (v. 10-12).
A audição é também uma parte da revelação sobrenatural dada a Daniel. Ela
ocorre enquanto os olhos do vidente estão fixos na atividade do chifre pequeno
sobre a terra. Contudo, está separada da parte precedente da revelação por uma
importante mudança de “ver” nos v. 3-12 para “ouvir” nos v. 13-14.
A audição está assinalada pelas palavras introdutórias: “e eu ouvi” no v. 13a. A
audição consequentemente quebra o fluxo do que é mostrado na visão. Introduz
algo novo, a saber, o diálogo pergunta-resposta dos seres celestiais.3 A importância 313
do diálogo pergunta-resposta coloca-o na estrutura de tempo dos eventos que es-
tão além das 2.300 “tardes e manhãs” que o anjo Gabriel descreve como “o tempo
do fim” (v. 17).
Assim, dentro do escopo mais amplo da revelação de Daniel 8, nossa pas-
sagem (v. 9-14) traz quatro v. que lidam com a origem e atividades do “chifre
pequeno” (v. 9-12). Eles são seguidos pelos dois v. pertencentes a uma audição
em que a pergunta, ou melhor, a conclusão da visão, é suscitada e respondida
com o período de tempo das 2.300 “tardes e manhãs”, que culmina no evento
apocalíptico-escatológico: a “purificação do santuário” (v. 13-14).
A mudança de “visão” para “audição” entre os v. 12 e 13 é também indicativa
de um movimento de ênfase puramente horizontal (e, portanto terrestre) em re-
lação ao carneiro medo-persa (v. 3-4, 20) e ao bode grego (v. 5-8, 21), cujo chifre é
quebrado e em cujo lugar quatro chifres ou reinos aparecem (v. 8, 22). A descrição
desses dois impérios mundiais e a divisão do último permanece no nível horizon-
tal-terrestre. Nenhum movimento vertical para a esfera celestial é evidente.
A descrição do “chifre pequeno” igualmente começa retratando sua origem e
expansão horizontal-terrestre (v. 9-10, 23-24). Mas em suas atividades posteriores,
ou segundo estágio (v. 11-12, 25), há um distinto movimento vertical por parte do
chifre. Ele se move para cima aparentemente como uma esfera puramente celestial
na audição dos seres celestes relativamente à “purificação” do santuário e ao tempo

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o “chifre pequeno”, o sAntuário celestiAl e o tempo do fim

do seu início (v. 13-14). O diagrama seguinte tenta visualizar o aspecto horizontal-
vertical de toda a passagem (v. 12-14):

diAgrAmA de dAniel 8:2-14

314

A correlação de terra e Céu (realidades terrestres e celestiais) é característica


de todas as visões do livro de Daniel. Por exemplo, ela é evidente no sonho de
Nabucodonosor em que todas as realidades terrestres finalmente chegam a um fim
repentino através de uma pedra de origem celestial (2:34-35, 44-45).
A visão do capítulo 7 também culmina em eventos escatológicos do tempo
do fim de um juízo celestial (7:9-10; 13-14) que segue os quatro impérios mun-
diais e as atividades do “chifre pequeno” (v. 8, 10-12, 21-22, 23-25) e precede o
estabelecimento de um reino eterno (v. 13-14, 26). A visão dos capítulos 11 e 12
move-se outra vez das realidades terrestres no tempo da Medo-Pérsia para a reali-

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Estudos sobre Daniel

dade sobrenatural-celestial do aparecimento de Miguel, que redime os justos na


ressurreição (12:1-4).
Em cada uma dessas linhas principais da profecia há uma correlação de reali-
dades terrestres e celestiais. Sugerimos que uma compreensão adequada da visão
do capítulo 8 deve seguir o mesmo padrão. Assim, parece que o movimento de
uma esfera puramente terrestre (horizontal) dá lugar a um movimento vertical que
alcança a realidade celestial e culmina na audição, por isso nos colocando total-
mente dentro da realidade celestial.

Autenticidade da passagem

O estudante informado de Daniel 8 está ciente de que sua unidade tem sido
questionada em décadas recentes. Foi sugerido por H. L. Ginsberg, em meados
do século 20, que os v. 13-14 (também os v. 16, 26a, 27b) não são partes genuínas
da visão do capítulo 8.4 Isso é parte de sua hipótese de duas grandes fontes para o
livro de Daniel, a saber, Daniel A e Daniel B, cada uma das quais com vários está-
gios editoriais. Embora tal hipótese fosse atacada por H. H. Rowley,5 produzindo
uma contestação por Ginsberg6 , à qual Rowley por sua vez respondeu,7 há um
315
comentário recente que segue a opinião de Ginsberg de que 8:13-14 é uma adição
posterior e não parte da visão original.8
Outro estudo recente afirma que todos os quatro v. de 8:11-14 são uma “interpo-
lação posterior”.9 Ainda mais radical é a opinião de A. Jepsen que sugere que toda
a descrição do “chifre pequeno” tanto na visão (8:9-14) quanto na interpretação (v.
23-26) é uma adição secundária.10 Mas o ponto de vista de A. Jepsen, não tem en-
contrado simpatizantes entre os eruditos e é demasiado radical mesmo para os mais
críticos dos eruditos que seguem a escola crítico-histórica de interpretação.
Devemos ter em mente que a razão primária para a negação da unidade do
livro de Daniel entre os eruditos crítico-históricos é o fato de que o material dos
capítulos 1–6 não pode ser levado a ajustar-se aos eventos que envolvem Antíoco
IV Epifânio no segundo século a.C. A conclusão de H. L. Ginsberg de que os
capítulos 1–6 (que ele chama de Daniel A) não contêm “nada que possa ser inter-
pretado como uma alusão às condições do tempo de Antíoco IV, exceto por uma
exegese distorcida”,11 tem exercido uma forte influência sobre muitos comenta-
ristas crítico-históricos. É invariavelmente sugerido pela erudição crítico-histórica
que estes capítulos, no mínimo 2 a 6, devem derivar de um tempo anterior,12
possivelmente remontando aos tempos exílicos.
E quanto a 8:9-14? Quais são os argumentos da escola crítico-histórica de in-
terpretação para negar que pertencem à visão original? Os seguintes pontos são su-

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

geridos: (1) Daniel 8:13-14 “definitivamente não é pressuposto por 8:15-25, 26b”,
afirma H. L. Ginsberg,13 seguido recentemente por B. Hassilberger14 argumentan-
do que a interpretação do capítulo 8 não faz nenhuma referência aos versículos
13-14.15 (2) Não há nenhuma motivação para a audição em 8:13-14.16 (3) Daniel
8:11-12 muda o sujeito dos verbos para o masculino enquanto que os versículos
9-10 contêm verbos no feminino.17
Consideremos esses argumentos. Com relação à observação de que 8:13-14
“não é pressuposto por 8:15-25, 26b”, é necessário salientar que é deveras pres-
suposto pelo versículo 16, onde o termo mar’eh (“visão”) reflete uma referência à
audição como faz o mesmo termo em 26a. Ginsberg, contudo, remove essas duas
partes da interpretação através de sua análise crítica. Portanto, se a mão do crítico
remove os versículos 16 e 26a, não há mais nenhuma referência aos versículos 13-
14 na passagem explanatória dos versículos 15-26! Então a mão do crítico pode
também remover os versículos 13-14.
Essa espécie de raciocínio circular do “arquifragmentador”18 do livro de Da-
niel e seus seguidores não é nem um pouco convincente. É claro que a interpreta-
ção, como está no texto, não faz referência a 8:13-14 nos versículos 16 e 26. Assim,
os versículos 13-14 são pressupostos, e é feita referência a eles na interpretação
seguinte (v. 15-26).
316 O argumento de que não há nenhuma motivação para a audição dos versícu-
los 13-14 precisa agora ser tratada. Entre outras coisas 8:13-14 se relaciona com
o elemento tempo. A visão apocalíptica do capítulo 7 contém um elemento de
tempo (v. 25), e a visão apocalíptica dos capítulos 11 e 12 também traz referências
a elementos de tempo (12:7, 11-12). Isso indica que se pode esperar que a visão
apocalíptica paralela do capítulo 8 também tenha referência a um elemento de
tempo. Daniel 8:13-14, 26 realmente contém referências a um esperado elemento
de tempo19 indicando assim suficiente motivação para a passagem. Os eruditos
crítico-históricos em geral acharam essa suposta ausência de motivação uma razão
convincente para negar a genuinidade de 8:13-14.
Isso nos deixa a considerar a integridade da passagem de 8:11-12, da qual é
dito conter uma mudança no gênero dos verbos do feminino (v. 9-10) para o mas-
culino (v. 11-12).
As mudanças no gênero do sujeito não são, de forma alguma, um motivo para
considerar os versículos 11-12 como interpolações. Poder-se-ia afirmar que um inter-
polador não é tão inábil a ponto de pensar que suas atividades não seriam descober-
tas por tal mudança de gênero. A natureza incomum da mudança de gênero aponta
para autenticidade. Além disso, não é correto afirmar que os versículos 11-12 têm o
gênero masculino para os verbos. Somente o versículo 11 tem a forma masculina, en-
quanto que o verbo no 12 é outra vez feminino. Nossa interpretação detalhada abaixo
palavra-por-palavra sugere o motivo para a mudança de gênero no versículo 11.

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Estudos sobre Daniel

A esta altura é apropriado resumir que a evidência textual em prol da auten-


ticidade de 8:9-14 está acima de toda dúvida. Todos os manuscritos hebraicos
conhecidos e todas as versões antigas contêm a passagem. É, portanto, seguro
concluir que 8:11-12, 13-14 são genuínas e uma parte-chave, se não realmente a
parte principal20 da visão apocalíptica do capítulo 8.

Tradução

O leitor das várias traduções modernas de 8:9-14 (inglesas e não-inglesas) notará


que há claras diferenças nas traduções e que são enormes em vários dos exemplos.
Isso se deve aos tradutores terem reiteradamente tentado harmonizar o texto he-
braico com o modelo de interpretação de Antíoco IV Epifânio. Numerosas tenta-
tivas têm sido feitas para reconstruir o texto hebraico pela introdução de emendas
eruditas com mudanças de gêneros, verbos, nomes, sujeitos de sentenças, omissões
de palavras, etc. Essas reconstruções objetivam harmonizar o texto hebraico com o
que é conhecido acerca de eventos históricos relacionados com Antíoco IV e seu
tempo. É assim porque a escola de interpretação crítico-histórica crê que o “chifre
pequeno” deve ser identificado com esse monarca selêucida.
317
Os eruditos bíblicos conservadores não têm seguido tais tendências. Eles têm
trabalhado cuidadosamente com o texto hebraico recebido, que, como temos no-
tado acima, está bem preservado nessa passagem. Portanto, proveremos uma tra-
dução literal desses versículos com base no texto original. A discussão detalhada
na parte seguinte do nosso estudo proverá seu apoio exegético.

Daniel 8:9-14

9 E de um deles sai um chifre de pequenos começos, e tornou-se excessiva-


mente grande para o sul e para o oriente e para a glória.

10 E tornou-se grande sobre o exército do céu, e fez com que alguns do exér-
cito e das estrelas caíssem por terra, e os pisou.

11 E fez-se grande até mesmo para o Príncipe do exército, e dele foi tirado o
serviço contínuo, e o fundamento do seu santuário foi deitado abaixo.

12 E lhe foi dado um exército contra o serviço contínuo causando transgres-


são, e lançou a verdade por terra, e foi bem-sucedido e prosperou.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

13 Então ouvi um santo falando e outro santo disse ao indivíduo que estava
falando: “Até quando será a visão, que inclui o serviço contínuo e a
transgressão que causa horror, para fazer com que o santuário e o exército
sejam pisados?”

14 E ele me disse: “Até 2.300 tardes e manhãs, então o santuário será purificado.”

Os detalhes e vários aspectos desta tradução são tratados com profundidade


na exposição a seguir.

Chifre pequeno: origem e primeiras atividades

Agora atentaremos para o significado de 8:9-14 e o seu significado dentro


de toda a revelação do capítulo 8 e dentro do contexto das visões apocalíptico-
escatológicas do livro de Daniel.

Origem do “chifre pequeno” (v. 9)


318 A questão da origem do “chifre pequeno” tem muita relevância para os que
estudam o capítulo 8. O “chifre pequeno” sai de um dos quatro chifres? Ou
sai de um dos quatro ventos do céu, isto é, de uma das direções da bússola?
Essas perguntas suscitam a questão do correto antecedente gramatical do texto
hebraico para a origem do chifre. O problema afeta naturalmente qualquer
interpretação subsequente e identidade do símbolo.21
As palavras introdutórias de 8:9 (com gêneros indicados em colchetes) di-
zem literalmente: “E de um (feminino) deles (masculino) um chifre (feminino)
saiu da pequenez.” Os sufixos pronominais na língua hebraica – neste exemplo,
“deles” – bem como substantivos e numerais têm gênero [masculino ou femini-
no] que deve concordar com seus antecedentes.
Um dos dois antecedentes sugeridos em 8:8 (“chifres” ou “ventos”) é me-
lhor visualizado quando traduzido, mais uma vez num sentido literal, com os
gêneros indicados em colchetes: “E ali surgiu a notabilidade de quatro [mascu-
lino] em seu lugar” (wata‘alenāh hāzût ’arba‘ tahtêhā).
Nessa frase o numeral “quatro” é masculino – típico de sua associação com
um substantivo feminino que é omitido por elipse (no exemplo a palavra omi-
tida é “chifres”). Os gramáticos têm chamado esse fenômeno linguístico de
“concordância quiástica” – quando um numeral masculino é usado com um
substantivo feminino ou um numeral feminino é empregado com um substan-
tivo masculino.22

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Estudos sobre Daniel

Assim, embora o número quatro seja masculino em forma, ele funciona


como feminino. Isso nos leva a indagar se existe real concordância de gênero
entre “a notabilidade dos quatro [chifres]” (uma frase difícil geralmente tradu-
zida por “quatro chifres notáveis”) e o “chifre pequeno” do qual se diz sair de
“um [feminino] deles (masculino)”. É bem evidente que, partindo da sintaxe, o
numeral “um”, uma forma feminina, não se alinha com a forma masculina do
numeral “quatro”, nem o masculino “deles” se alinha com o feminino “chifres”
(subentendido).
A ausência de tal concordância gramatical entre a frase inicial de 8:9, onde
o “chifre pequeno” é dito sair “de um deles”, e “a notabilidade dos quatro [chi-
fres]” apresenta insuperáveis problemas sintáticos. As implicações desses proble-
mas sintático-gramaticais são sérias e põem em dúvida (e realmente descartam)
interpretações tais como: “O chifre pequeno é retratado como surgindo de um
dos quatro ‘notáveis’ do bode, isto é, ele representa [Antíoco] Epifânio como um
descendente da dinastia selêucida...”23 Em outras palavras, a sintaxe hebraica
não pode se harmonizar com a opinião de que o “chifre pequeno” sai de um dos
“quatro notáveis (=chifres)”, a menos que a versão de 8:9 seja mudada no texto
hebraico.24 Este é um grande problema para a interpretação de Antíoco Epifânio
no capítulo 8.
O segundo e mais próximo antecedente em 8:8 é “ventos”. Nesse exemplo, 319
então, o “chifre pequeno” do versículo 9 sairia dos “quatro [masculino] ventos
[feminino] do céu [masculino]”. Aqui outra vez deve ser notada uma “concordân-
cia quiástica” de gênero entre o numeral “quatro” (masculino) e o substantivo
“ventos” (rûhôt) na forma feminina.25
Recentemente foi dada uma sugestão concernente à sequência dos gêneros
masculino e feminino na frase inicial do versículo 9, que diz literalmente: “e de
um [feminino] deles [masculino]”. A explanação demonstra que aqui não há abso-
lutamente nenhuma confusão de gênero. A análise é a seguinte:
A última linha do versículo 8 tem uma sequência de gênero feminino-mascu-
lina correspondendo a uma sequência similar feminino-masculina no versículo 9,
linha um. Existe, portanto, um paralelismo sintático de gênero seguindo o mode-
lo A + B : : A + B.26 Esta concordância de gênero pode ser facilmente reconhecida
no gráfico seguinte:

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Concordância gênero/número em Daniel 8:8-9


A B
Daniel 8:8 le’arba‘ rûhôt haššāmāyim
fem. masc.
A B
Daniel 8:9 ûmin¯ hā’ahat mēhem

A B
Daniel 8:8 para os quatro ventos de os céus
fem. masc.
A B
Daniel 8:9 e de um de eles

Embora a sequência de gênero feminino-masculino seja mantida, há também


a concordância em número entre os plurais do substantivo masculino “céus”
(šāmāyim) e o sufixo pronominal masculino “deles” (hem). O numeral feminino
“um” (’ahat) é usado no versículo 9 para adaptar-se à forma feminina para “ven-
tos” (rûhôt) do versículo 8.
320
Esta construção sintática é perfeitamente sólida de acordo com a gramática
hebraica. Leva à conclusão de que temos paralelismo compatível com o gênero ao
longo das linhas sintáticas que é conhecido por paralelismo sinonímico compa-
tível com o gênero em feminino + masculino : : feminino + masculino na poesia
hebraica.27 Resumindo, a sintaxe combina com o gênero e identifica a origem do
“chifre pequeno” como saindo de uma das direções da bússola – de um dos quatro
ventos do céu.
Isto significa que “dessa compreensão da sintaxe de 8:8-9 é evidente que o
chifre pequeno entrou no cenário de ação na visão de Daniel 8 de um dos quatro
ventos dos céus”28 e não do chifre selêucida ou de qualquer dos outros três chifres.
Assim, de acordo com a sintaxe, o “chifre pequeno” do capítulo 8 não sai de um
dos quatro chifres.29
Há uma maneira mais complicada de explicar a sintaxe hebraica. Ela também
liga a frase “os quatro ventos dos céus” do versículo 8 com a frase seguinte “e de
um deles” do versículo 9. Como foi notado, a palavra para “ventos” é rûhôt, um
feminino morfológico30 ao qual o numeral feminino “um” (’ahat) do versículo 9 se
refere. Ora, a palavra “vento” (rûah) é uma daquelas palavras hebraicas que pode
ser de gênero tanto feminino quanto masculino.31
Embora a palavra hebraica para “ventos” seja de forma feminina no versículo
8, ela funciona como masculina porque é usada metaforicamente para as direções
da bússola quando unida a “céus”.32 Uma tradução correta da expressão “para os

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Estudos sobre Daniel

quatro ventos dos céus” seria “para as quatro direções da bússola”.33 É por este mo-
tivo que o sufixo masculino plural hem (deles) pode se referir ao termo “ventos”,
isto é, às quatro direções.
Também podemos nos lembrar de que “através do enfraquecimento da distin-
ção de gênero ... sufixos masculinos (especialmente no plural) são frequentemente
usados para se referir a substantivos femininos.”34
Assim, o sufixo plural masculino hem (deles) pode se referir retroativamente
ao substantivo feminino para “ventos”. Não pode se referir retroativamente à pa-
lavra “chifres” que realmente não está presente no texto hebraico, mas é suprida
nas traduções. Ela é suprida por tradutores porque se alude a ela através de elipse.
É duvidoso, contudo, que se possa falar de um substantivo antecedente como um
antecedente sintático apropriado quando não é expresso. Um antecedente elíptico
dificilmente é suficiente para a construção gramatical.
Isso nos deixa com apenas duas possibilidades para o antecedente para o mascu-
lino plural “deles” – ou (1) “céus” (masculino plural) ou (2) “ventos” (feminino plu-
ral na forma, mas masculino na função). Um ou outro é possível. O primeiro é sin-
taticamente menos complexo, provendo um paralelismo sintático compatível com
o gênero. Qualquer uma dessas possibilidades sintáticas demonstra que o “chifre
pequeno” saiu de uma das direções da bússola e não de um dos quatro chifres.35
A sintaxe hebraica de 8:8-9 torna impossível que o “chifre pequeno” seja de- 321
rivado de um chifre anterior e assim seja identificado com Antíoco IV, que é
realmente um representante do chifre selêucida. Essa conclusão é confirmada por
duas razões: (1) o uso do verbo no versículo 9, e (2) a ligação contextual de referên-
cias geográficas também encontradas no mesmo versículo. Ambas agora merecem
breve atenção.
O verbo na frase inicial do versículo 9 é yāsā’, cujo significado básico é
“sair”ou “vir, mudar-se”.36 Não é a palavra típica para o crescimento de um chifre
no capítulo 8. A ideia de crescimento do chifre é enfatizada duas vezes no capítu-
lo. A primeira referência está no versículo 3, onde um particípio do verbo ‘ālāh
(subir)37 é usado. Essa palavra declara que o chifre mais alto (do carneiro) “subiu
por último”, isto é, ele cresceu por último. No versículo 8, o verbo ‘ālāh aparece38
outra vez com referência aos quatro chifres saindo ou crescendo no lugar do gran-
de chifre que foi quebrado.
Em contraste com a ideia de crescimento de ‘ālāh está o movimento yāsā’ do
“chifre pequeno” – indo, movendo-se, ou saindo no sentido de um movimento
de uma direção da bússola para outra. É descrita uma expansão horizontal, não um
crescimento vertical. Isso é coerente com o uso do verbo yāsā’ no Antigo Testa-
mento e em Daniel. No último, o termo consistentemente expressa um movimen-
to de uma direção da bússola, de uma posição fixa, para outra (veja 9:23-27; 10:20;

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

11:11, 44). A isto deve ser acrescentado o fato de que yāsā’ no Antigo Testamento
é usado em vários exemplos para movimentos militares de várias espécies (Dt 20:1;
1Cr 5:18; 20:1; Pv 30:27; Am 5:3) ou para um rei saindo com seu exército (1Sm
8:20; 2Cr 1:10).
Resumindo, a ideia não é a de que o “chifre pequeno” origina-se de um dos
ventos do céu, mas que ele sai de uma das direções da bússola em um plano ho-
rizontal e se expande para outras direções. A ideia de expansão militar também
parece estar presente.
O movimento horizontal-geográfico do chifre notado na primeira parte do
versículo 9 é explicado mais detalhadamente na segunda parte do versículo. Aqui
as direções da expansão são indicadas pela frase: “para o sul, e para o oriente, e
para a glória”.
A antiga tradução Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica feita no ter-
ceiro/segundo século a.C.) tem “o norte” (cujo equivalente hebraico é hassapôn)
em lugar da expressão: “a glória” (hassebî). Se a Septuaginta é uma “confirmação
do TM [texto hebraico massorético]”.39 a direção da bússola da qual o “chifre pe-
queno” saiu pode ser apenas do ocidente.
Seguindo a interpretação historicista, notamos que Roma saiu do ocidente (do
ponto de referência da Palestina). Por outro lado, Antíoco IV, oitavo rei da linha-
322 gem selêucida, não veio de forma alguma do ocidente. O reino selêucida abrangia
o território de Síria-Babilônia, de sorte que esse rei veio do norte. Esses são fatores
adicionais que apoiam a interpretação de que, no início da descrição do “chifre
pequeno”, conforme encontrada em 8:9-12, é Roma em suas fases político-pagã e
eclesiástico-papal que está à vista.

Natureza do “chifre pequeno” (v. 9)


É costumeiro que as traduções falem do chifre saindo no versículo 9 como
o “chifre pequeno” (KJV, ASV, RSV, NAB, TEV) ou “pequeno chifre” (NEB,
NASB). A NIV é uma exceção recente com a tradução: “chifre que começou pe-
queno”. As antigas versões gregas (LXX, Teodócio) dizem: um “forte [poderoso]
chifre”;40 enquanto que a Siríaca e a Vulgata têm “chifre pequeno”.41
Essas traduções são versões da frase hebraica: qeren-’ahat misse‘îrāh, que não
tem nenhuma variante textual.42 Diz uma tradução literal da frase: “um chifre
veio da pequenez/insignificância”.43 A sintaxe sugere que esse novo chifre saiu de
pequenos começos e se desenvolveu em várias direções, ganhando imensa força.
A linguagem é decididamente diferente da descrição do chifre pequeno em
7:8. Os comentaristas que têm desejado identificar o “chifre pequeno” do capítulo
7 com o “chifre [que] veio da pequenez/insignificância” do capítulo 8 objetivan-
do fazer ambos se referirem a Antíoco IV têm mudado o texto hebraico em dois

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Estudos sobre Daniel

pontos a fim de apoiar suas alegações.44 Mas outros têm corretamente objetado
que tais mudanças são arbitrárias e sem apoio textual de qualquer manuscrito
hebraico conhecido.45
Em harmonia com o texto hebraico, a frase claramente declara que “um chifre
veio da pequenez”, isto é, de pequenos ou insignificantes começos, e saiu em três
direções da bússola enquanto se expandia horizontalmente (v. 9b). É para essa
expansão horizontal que agora nos voltamos em nosso estudo.

Expansão do “chifre pequeno” (v. 9-10)


A ideia de expansão horizontal do chifre pequeno sobre áreas geográficas é
claramente declarada no versículo 9b. Uma tradução literal é: “E ele tornou-se
excessivamente grande para o sul, e para o oriente, e para a glória.”
O verbo usado na primeira parte do versículo 9, conforme notado acima, é
yāsā’ (“ir, mover-se, sair”).46 Este é um verbo muito comum, ocorrendo no Qal 785
vezes, no Hiphil 278 vezes, e no Hophal 5 vezes, para um total de 1.068 vezes. A
ênfase do termo é sobre movimento – indo, movendo-se, ou saindo – mas a ideia
não é de crescimento.
Várias conexões indicam essas ideias. A “saída” do Senhor é tão certa como a
alva (Os 6:3). A água “sai” da fonte (2Rs 2:21; Is 41:18; 58:11; Sl 107:33, 35; 2Cr 323
32:30). Um renovo “sai” do tronco de Jessé (Is 11:1) e descendentes “saíram” dos
lombos do antepassado (Gn 15:4; 17:6; 25:25-26). Em não menos de 76 exemplos
o verbo yāsā’ significa a “saída” dos israelitas do Egito (Êx 13:3, 9, 14, 16; Nm
20:16; Dt 5:6, 15; Dn 9:15, etc.). Esses exemplos são algumas das muitas conexões
e mostram que a ideia de movimento está em primeiro plano – e frequentemente
movimento militar.47
É também instrutivo notar como o livro de Daniel emprega as várias formas
desse verbo. Um estudo dos seis empregos48 de yāsā’, não contando o do versículo
9, revela que em cada exemplo a ideia é de movimento de uma direção da bússola
para outra, ou de uma posição ou localização geográfica fixa para outra. Essa é
também a ideia em relação ao chifre no versículo 9. Ele não se desenvolve de um
dos chifres, mas sai (pode-se dizer militarmente) de uma direção da bússola e avan-
ça para outras direções, como explica a parte restante do versículo 9.
O segundo verbo de 8:9 é traduzido de várias formas: “tornou-se excessiva-
mente grande” (KJV), “ficou excessivamente grande” (RSV, NEB, NASB), e “cres-
ceu em poder” (NIV). A expressão hebraica é watigdal-yeter. Contém uma forma
verbal49 de gādal (tornar-se grande/forte, próspero/importante).50 L. Kohler su-
gere que para 8:9 o significado é “tornar-se grande”.51 Se essa é a ênfase, então a
ideia de crescimento em altura dificilmente é dominante. É mais uma vez a noção
de expansão horizontal-geográfica. A direção da expansão é indicada pelas várias

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

esferas horizontais que contribuem para sua excessiva grandeza, força, e riqueza.
O chifre move-se “para o sul, e para o oriente, e para a glória.”

Extensa Atividade do “Chifre Pequeno” (v. 10)


O versículo 10 fala um pouco mais da grandeza do chifre na frase: “Tornou-se
grande, [mesmo para] o exército do céu.” O verbo (tornou-se grande ou se engran-
deceu) é idêntico ao último usado no versículo 9 (gādal) que acabamos de discutir.
[“cresceu” na Versão Almeida Revista e Atualizada].
Quer se tenha em vista a ideia de que a expansão se move aqui das direções
gerais da bússola para dominação sobre um povo específico, ou quer seja expan-
são vertical – ou ambas – depende do significado dado à expressão “o exército do
céu”, sebā’ haššāmāyim (v. 10, KJV). Alguns exegetas veem a frase “o exército do
céu” como simplesmente um paralelo à expressão “o exército das estrelas”. Eles
compreendem a conjunção “e” (waw) como tendo um sentido explicativo,52 de
sorte que as frases diriam: E o chifre “fez alguns do exército, quer dizer, algumas
das estrelas caírem por terra”.
Uma investigação da expressão “o exército do céu” revela que em 13 exem-
plos53 de 1754 ela aparece em contextos de adoração em cultos astrais idólatras.55 Os
324
quatro textos restantes indicam que a expressão pode também se referir aos seres
celestiais – “o exército do céu”.
Se a frase “exército do céu” for desassociada de “exército de estrelas”, isto é, se
a conjunção “e” (waw) for compreendida como tendo uma função coordenativa
em vez de explicativa,56 as duas expressões podem ser compreendidas como tendo
diferentes significados. Nesse caso, a ideia da sentença precedente “e tornou-se
grande sobre o exército do céu” poderia significar que o “chifre pequeno” tornou-
se forte por causa de uma aproximação com o “exército do céu” em adoração
idólatra. Sendo assim, a expressão “o exército do céu” poderia se referir ou às cons-
telações celestiais, seres celestiais – ou a ambas – que são veneradas em adoração
com a finalidade de ganhar mais poder.
Uma interpretação diferente é feita em primeiro lugar sobre a palavra “exér-
cito”. No Antigo Testamento “exército” se refere, entre outras coisas, a “meus
exércitos [do Senhor], meu povo os filhos de Israel” (Êx 7:4, RSV). Nesse caso,
pode também ser compreendido como tendo uma força explicativa,57 referindo-se
ao povo de Deus58 na terra sobre quem o “chifre pequeno” estende seu poder.
O lançar por terra e o pisar de “alguns do exército e das estrelas” é interpreta-
do literalmente no versículo 24 como a destruição dos “poderosos e o povo santo”.
Em 7:27, “o povo dos santos do Altíssimo” são os fiéis seguidores do Senhor;59
o mesmo parece aplicar-se a 8:10, 24. O ataque contra os “poderosos e o povo
santo” aponta para a perseguição do povo de Deus. Resumindo, a atividade do

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Estudos sobre Daniel

poder do “chifre pequeno” é, (1) de expansão horizontal (possivelmente também


tentando tornar-se forte através do culto idólatra), e (2) perseguição dos santos de
Deus sobre a terra.
Em 8:9-10 nada é explicitamente declarado sobre o envolvimento do “chifre
pequeno” com o santuário. Todavia, o envolvimento do chifre com o povo de Deus
em um sentido ou outro envolve o santuário de imediato, senão essencialmente.
Não é de surpreender, portanto, que o santuário apareça nos versículos 11-12.

325

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O ‘chifre pequeno’ – aspectos papais
(versículos 11-12)

S inopse editorial. Nesta seção o autor provê uma análise exegética detalhada
das seis sentenças dos versículos 11-12 e uma discussão em uma nota de final
sobre a palavra hebraica tāmîd. Esse termo é traduzido em nossa versão comum
pela frase “sacrifício diário”. É uma palavra chave para interpretar a parte da
visão pertencente à atividade do “chifre pequeno”. (Para uma história concisa da
interpretação milerita e adventista da frase, o leitor é remetido ao artigo “Daily,
The”, SDA Encyclopedia, ed. rev., p. 366ss.)
Há uma notável mudança no gênero do sujeito entre os versículos 11 e 12.
O gênero feminino do símbolo do chifre (v. 11) é diminuído em favor do gênero
masculino no versículo 12, denotando através disso a realidade para a qual está
o símbolo do chifre. Os intérpretes historicistas reconhecem o “chifre pequeno”
do capítulo 8 como simbolizando as fases pagã e papal de Roma (o equivalente
do quarto animal e seu chifre pequeno do capítulo 7).
Em vez de ver um cumprimento duplo ou simultâneo neste único chifre, o
326
autor sugere que estamos vendo um cumprimento sequencial no único símbolo,
possivelmente sugerido pela mudança de gênero nesses versículos. Isto é, ele su-
gere que os versículos 9-10 devem ser vistos como cumpridos pelas atividades de
Roma pagã, ao passo que os versículos 11-12 devem ser vistos como cumpridos
pela Roma papal ou eclesiástica.
O enfoque dos versículos 11-12 continua sendo movimentos verticais do “chi-
fre pequeno” para cima ao se intrometer nos negócios das realidades celestiais.
O chifre se engrandece contra o Príncipe do exército (Cristo). Isso é feito pela
apropriação de prerrogativas divinas e pela tentativa de anular o ministério sacer-
dotal celestial de Cristo de perdão e salvação. Lança por terra a verdade revelada
de Deus e por algum tempo é visto praticando e prosperando em seus esforços.
Nesta análise das atividades anti-Deus do chifre, o autor observa que ne-
nhuma palavra é usada que denote uma profanação do santuário celestial pelo
chifre. O que, em vez disso, aparece é seu ataque – em diferentes formas – contra
o povo de Deus, o fundamento do santuário e do ministério de Cristo e, assim,
contra o próprio Deus e sua verdade. Prerrogativas que pertencem a Deus são
usurpadas, e o serviço contínuo, divino e mediador de Cristo é tornado ineficaz.
As implicações cósmicas e universais desse ataque recebem maior atenção no
diálogo que se segue entre dois santos personagens (v. 13-14), que o autor revê
na próxima seção.

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Estudos sobre Daniel

Esboço da seção

1. Introdução
2. Exegese de Daniel 8:11
3. Exegese de Daniel 8:12
4. Nota de fim: O emprego da palavra hebraica tāmîd no Qumran
e no Antigo Testamento

Introdução

Conforme mencionado na seção anterior, se tem afirmado pelos críticos erudi-


tos que os versículos 11-12, juntamente com os versículos 13-14, devem ser conside-
rados como interpolações posteriores.60 Discutimos esse problema acima e achamos
a argumentação para tal ponto de vista insuficiente. Além disso, o número mais
amplo de críticos eruditos apoia a unidade do capítulo 8.61 Temos mostrado acima
o motivo por que pensamos que os versículos 11-12 e 13-14 são partes genuínas do
capítulo 8. Agora avançamos para uma análise do versículo 11.
327

Exegese de Daniel 8:11

O versículo 11 revela uma importante mudança na estrutura da sentença (sin-


taxe) em contraste com os dois versículos anteriores. As formas verbais dos versí-
culos 9-10 no texto hebraico são femininas, exceto quanto ao primeiro verbo do
versículo 9 (“saiu”).62 Mas no versículo 11 as formas verbais são masculinas. Várias
sugestões têm sido feitas para essa mudança no gênero.63 Entre elas está a recente
afirmação de que a mudança indica uma adição secundária ao texto.64
Embora não haja nenhum apoio textual ou qualquer outro para essa opinião,
a alteração no gênero do sujeito pode revelar outras mudanças. Sugere que a me-
táfora ou símbolo do chifre (gênero feminino) foi eliminada, e a realidade à qual a
metáfora-símbolo corresponde está agora diretamente visível. Uma ideia adicional
pode ser proposta: A mudança no gênero pode refletir mudança nas fases das duas
entidades que a metáfora-símbolo representa.
Alguns intérpretes historicistas tentam achar um cumprimento paralelo re-
lativamente a cada especificação em 8:9-12 para as duas fases da Roma político-
pagã e eclesiástico-papal.65 Sugerimos que não há aqui nenhum cumprimento
simultâneo ou duplo, mas antes sequencial. Cumprimento sequencial significa

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

que os versículos 9-10 são cumpridos pela fase de Roma pagã (pré-medieval), ao
passo que os versículos 11-12 são cumpridos pela Roma papal (eclesiástica). Con-
sequentemente, 8:9-12 encontra seu cumprimento sequencialmente em Roma
com os versículos 9-10 em sua fase político-pagã e os versículos 11-12 em sua fase
eclesiástico-papal.66
O versículo 11 contém três sentenças interligadas. Atentaremos para cada
uma delas.

Primeira sentença
1. A tradução literal da primeira sentença no versículo 11a diz: “E ele se en-
grandeceu até mesmo ao Príncipe do exército.”67 O verbo68 é masculino,69 uma
mudança das formas anteriores femininas como já foi discutido.
O termo hebraico gādal é usado aqui em uma forma que significa “provar-se
grande real e eficazmente”.70 O mesmo verbo é usado no versículo 4, onde o car-
neiro se engrandece; no versículo 8, onde o bode se engrandece; e no versículo
11, onde o poder do “chifre pequeno” é eficazmente bem-sucedido em se engran-
decer. A ação e o processo de trazer a grandeza para a operação real e eficaz são
os mesmos.
328 Um estudo desse termo mostra que sempre que o sujeito de gādal (na forma
Hiphil do verbo, como aqui) é um ser humano, sempre significa que engrandecer-
se é um ato arrogante, presunçoso e mesmo de forma ilegal.71 O verbo expressa a
noção de que o poder do “chifre pequeno” tomou para si mesmo de forma ilegal,
arrogante e presunçosa as prerrogativas que não pertencem a nenhum outro senão
“o Príncipe do exército”.
A tentativa de identificar “o Príncipe do exército” (śar hassābā’) tem levado a
opiniões discordantes. Aqueles intérpretes que aplicam 8:9-14 a Antíoco IV Epi-
fânio sugerem que o príncipe (śar) se refere ao sumo sacerdote Onias III, que foi
morto em 171 a.C.72
Como um substantivo por si mesmo, “príncipe” (śar) pode às vezes se referir
ao sumo sacerdote ou principais sacerdotes no Antigo Testamento.73 Contudo, a
expressão “Príncipe do exército” nunca é usada para designar um sumo sacerdote
no Antigo Testamento. Em Josué 5:14, um personagem designado como o “Prín-
cipe dos exércitos de Yahweh” (śar–sebā’ -YHWH) fala a Josué, dizendo-lhe que
descalce as sandálias porque ele está em lugar santo. Portanto, é evidente que o
“Príncipe do exército de Yahweh” é um ser não-terrestre. Pode sua identidade ser
mais precisamente detalhada?
Nas partes proféticas do livro de Daniel a palavra “príncipe” (śar) frequente-
mente designa um ser celestial.74 Seria coerente, portanto, se aqui no versículo 11
o “Príncipe do exército” fosse igualmente compreendido como um ser celestial.

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Estudos sobre Daniel

Em 10:13, Miguel é chamado “um dos primeiros príncipes”; e o versículo 21 fala


de “Miguel, vosso príncipe”, isto é, o Príncipe do povo de Deus. O surgimento
de “Miguel, o grande príncipe”, em favor do seu povo é retratado em 12:1-3. Essa
pesquisa do material daniélico parece apontar na direção de identificar “o Prínci-
pe do exército” com Miguel.75
É geralmente mantido que “o Príncipe dos príncipes”, contra quem o chifre
surge ou se levanta (compare a interpretação da visão-audição em 8:25), é idêntico
ao “Príncipe do exército”. Segundo 12:1-3 o nome do “Príncipe” é Miguel, “o
grande príncipe” (v. 1). Em 12:1-3 Miguel é uma figura do juízo que tem íntima
associação com a figura do juízo do Filho do Homem no capítulo 7.76 O tema do
juízo aparece também em 8:25, onde a revolta do “chifre pequeno” contra “o Prín-
cipe dos príncipes” finalmente leva à destruição do chifre “sem esforço de mãos
humanas” (versículo 25d). Nessa conexão não se deve deixar de lembrar que no
Novo Testamento a figura de Miguel é identificada com Cristo.77

Segunda sentença
Literalmente, a segunda sentença do versículo 11 diz: “E dele foi tirado o con-
tínuo.” Cada parte desta sentença apresenta dificuldades. A expressão hebraica
mimmennû78 não deve ser traduzida por “por ele”, mas “dele”. Quem é o antece- 329
dente de “dele”? Gramaticalmente, o mais próximo e mais natural antecedente é
“o Príncipe do exército”. Isso é apoiado pelas antigas versões.79
Havendo identificado “dele” como uma referência ao “Príncipe do exército”,
voltamos nossa atenção para o verbo que traduzimos por “foi tirado”. O texto
hebraico é às vezes mudado por modernos intérpretes80 por causa da dificuldade
da forma verbal hebraica huraym.81 Achamos, porém, que a tradução “foi tirado”
está bem apoiada no texto.
O que foi tirado do personagem divino do Céu? O texto declara diretamente
que foi o tāmîd. A expressão tāmîd aparece em 8:11 com o artigo definido hattāmîd
(o tāmîd), e, portanto, deve ser compreendida como um substantivo.82 Mais preci-
samente, ele é usado nesse texto (como também em 11:3; 12:11) como um subs-
tantivo adjetival.83
O termo hattāmîd é geralmente traduzido pelos comentaristas como “sacrifício
diário”, 84 “oferta regular”,85 “sacrifício tāmîd”,86 e similares. Tal prática segue as
traduções de “sacrifício(s) diário(s)” nas versões comuns (KJV, NAB, TEV, NIV).
As versões às vezes imprimem a palavra “sacrifício(s) em destaque a fim de indicar
que a palavra não está presente no texto hebraico. A tradução “sacrifício regular”
é apresentada na NASB, “oferta regular” na NEB, e “sacrifício perpétuo” na BJ.
Traduções mais exatas são providas por vários intérpretes. Em um exemplo é tra-
duzido por “o Constante”87, mas interpretado como “o ‘holocausto constante’”88.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Outros traduzem o texto com a expressão “o Contínuo”89, pelo que significa “tudo
o que é de contínuo, isto é, constante, permanente, uso nos rituais do Templo”90,
e não meramente os sacrifícios diários. Ou significa “continuidade”,91 referindo-se
a todas as práticas que regularmente ocorriam no culto hebraico.
Os intérpretes crítico-históricos e outros que interpretam 8:9-14 como se cum-
prindo nos eventos de Antíoco IV são de opinião comum de que o substantivo
tāmîd deve ser interpretado como um termo técnico92 – uma abreviatura da expres-
são bíblica normal ‘ōlat hattāmîd, “sacrifício [regular] diário”.
As dificuldades dessas interpretações são às vezes notadas. Por exemplo, é ad-
mitido que: (1) onde quer que tāmîd apareça no Antigo Testamento em conexão
com o “sacrifício diário”, ele é sempre um adjetivo ligado pelo substantivo “sa-
crifício/holocausto” (‘ōlat);93 (2) nesse suposto sentido técnico, é usado de forma
abreviada somente no livro de Daniel (8:11-13; 11:31; 12:11);94 e (3) apenas no
Talmude (escrito no quarto e quinto séculos d.C.) tāmîd é empregado como um
termo técnico.95 É francamente admitido por esses eruditos que Antíoco IV Epifâ-
nio provê o modelo pelo qual a passagem deve ser interpretada.
Indagamos, porém, se o emprego de um modelo Antíoco e um termo técnico
do Talmude judaico96 são procedimentos seguros para interpretar uma expressão
bíblica de um livro apocalíptico do Antigo Testamento. Por que o escritor de 8:11-
330 12 não usou a expressão normal do Antigo Testamento para “sacrifício diário”
(‘ōlat tāmîd,) se ele tinha isso em mente?
Pode ser visto de um estudo da literatura de Qumran disponível que o termo
tāmîd foi empregado de uma maneira semelhante ao uso do Antigo Testamento
(veja nota de final, pág. 341, “O emprego da palavra hebraica tāmid no Qumran e no
Antigo Testamento”). Seu emprego bíblico como um substantivo adjetival demons-
tra rica associação com todas as fases do ritual hebraico. Assim, embora tāmîd
seja usado em associação com o “holocausto”, não está restrito a esse contexto. É
também usado com a “oferta de cereais”, “pão da proposição”, “incenso”, “luz”,
“concessão”, etc. De acordo com essas ricas e diversificadas relações, não é correto
restringir seu significado, abrangência semântica e associação com o “sacrifício
diário” ou “holocausto contínuo”.
Nossa investigação filológica do uso de tāmîd no Antigo Testamento e na li-
teratura de Qumran aponta em outras direções além da interpretação de “diário
[regular, contínuo] sacrifício”. Tal emprego limitado não aparece em nenhum tex-
to bíblico ou pós-bíblico antes do tempo da escrita do Talmude (quarto-quinto
séculos a.C.). Portanto, não estamos convencidos de que a leitura de 8:9-14 através
do crivo do modelo de interpretação de Antíoco é correta do ponto de vista exe-
gético, contextual ou histórico.
A interpretação de Antíoco toma hattāmîd para se referir normalmente ou
ao(s) “sacrifício(s) diário(s) [da manhã e da tarde]”97 ou, menos restritivamente, a

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Estudos sobre Daniel

tudo o que é de uso permanente nos rituais sagrados do culto divino.98 Sugere que
o “chifre pequeno”, isto é, Antíoco IV, “exaltou-se abolindo o culto de Yahweh no
templo de Jerusalém”99 e profanou o “santuário de Deus na terra”.100 Aqueles as-
pectos da passagem que não se ajustam a essa interpretação, tais como a origem do
“chifre pequeno”101, a natureza do “chifre pequeno” como um reino e não como
um rei,102 e as especificações do tempo103 são geralmente desconsideradas.
Sem ser injusto para com esse ponto de vista, terá de ser reconhecido, porém,
que normalmente os exegetas que favorecem tal interpretação tomam o modelo
da perseguição de Antíoco e emendam, mudam, reconstroem, traduzem, e inter-
pretam o texto de tal maneira a pô-lo mais ou menos em harmonia com o modelo
histórico que tem sido selecionado. O recente comentário sobre Daniel da Anchor
Bible Series é um exemplo típico.
A interpretação historicista do “chifre pequeno” compreende o símbolo como
representando Roma104 na amplitude total de suas fases político-pagã e eclesiático-
papal.105 A remoção do “contínuo” é compreendida por muitos como o tirar do
“contínuo ministério sacerdotal de Cristo no santuário celestial (Hb 7:25; 1Jo 2:1)
e ... a verdadeira adoração de Cristo na era evangélica.”106 Ou a expressão é vista
como indicando uma “forma de perversão e blasfêmia” [que] ataca a ideia central
da obra de Cristo como o mediador entre o pecador e seu Deus.”107 Isso inclui a
usurpação de prerrogativas pertencentes ao “Príncipe do exército” em termos de 331
serviço, atividades mediadoras, e um estender a mão na direção da glória e honra
pertencentes a Deus no plano da salvação.
Notamos que 8:11a se refere à auto-exaltação do poder do “chifre pequeno”
até mesmo diante do “Príncipe do exército” celestial. No versículo 11b é feita a
declaração de que “dele” (mimmennû), isto é, do “Príncipe do exército” celestial,
o tāmîd foi tirado. Isso indica que o tāmîd (o contínuo; aquilo que prossegue sem
interrupção) é algo que pertence ao Príncipe celestial.
O que faz o “Príncipe do exército” celestial (Cristo) que pode ser tirado dele?
O “Príncipe do exército” celestial se empenha em uma contínua atividade de me-
diação e intercessão. O Novo Testamento retrata a Cristo (depois da ascensão
e investidura) como sumo sacerdote celestial, atuando como mediador [mesitēs]
entre Deus e os homens” (1Tm 2:5, KJV). Sua função mediadora é enfatizada em
vários exemplos.108 Ele atua também como um intercessor celestial (Rm 8:34; Hb
9:24; 1 Jo 2:1), realizando continuamente sua atividade intercessória “na presença
de Deus em nosso favor” (Hb 9:24, RSV). Consequentemente, o hattāmîd (“o con-
tínuo”) que prossegue sem interrupção e que é tirado “dele” pelo poder do “chifre
pequeno” é esse contínuo ministério e serviço de mediação e intercessão.
A usurpação por parte da fase eclesiástica de Roma reflete as espécies de ativi-
dades do chifre que tornam ineficazes o contínuo ministério e serviço do “Prínci-

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

pe do exército” celestial, cujo ministério é parte do plano da salvação. Isso é o que


parece estar visível na segunda parte de 8:11.
Não há nada declarado até aqui, se nossa análise do texto é correta, que sugira
uma profanação do santuário ou templo de Jerusalém. “Tirar” algo do “Príncipe
do exército” não é um ato de profanação. A linguagem de profanação e/ou con-
taminação ainda não apareceu no capítulo 8 e, sem prejulgar o assunto das fases
seguintes de 8:11c-14, não aparecerá.

Terceira sentença
Agora voltamos nossa atenção para a última sentença de 8:11 e consideramos
primeiro a relação das três sentenças deste versículo. Tecnicamente falando, a ter-
ceira e última sentença do versículo 11 é uma sentença verbal.109 Pode ser correto
sugerir que ela e a segunda sentença são de caráter explicativo. Isto é, elas ampliam
ou explicam as implicações da primeira sentença,110 que retrata a auto-exaltação e,
de certo modo, a usurpação do poder do “chifre pequeno”. Que as três senten-
ças se reúnem é evidente dos pronomes pessoais “dele” e “seu” reportando-se ao
“Príncipe do exército”. O sentido da passagem pode ser assim parafraseado:
“E o chifre se engrandeceu até mesmo sobre o Príncipe do exército, isto é,
332
tirou dele o serviço contínuo e jogou ao chão o fundamento do seu santuário.”
Uma tradução literal do versículo 11c diz: “E o fundamento do seu santuário
foi derrubado.” Ao considerar esta sentença devemos notar que tradutores e in-
térpretes frequentemente se empenham em fazer mudanças substanciais no texto
hebraico da mesma. Todavia, a frase hebraica realmente não contém nenhuma
dificuldade.
Na NEB a sentença é abreviada para “e até derrubou o seu santuário”. A
NAB diz “cujo santuário é desmoralizado”; ao passo que a TEV diz “e arruinou o
Templo”. Essas traduções dinâmicas recentes111 mudam o sujeito, e uma delas até
mesmo omite o pronome possessivo (seu).
Tais traduções modernas seguem uma tendência entre os intérpretes crítico-
históricos. Não é incomum descobrir que o sujeito (fundamento; lugar – KJV,
RSV, NASB, etc.) é totalmente omitido e o termo hebraico miqdāš (santuário),
que está em uma posição genitival atributiva, é convertido em objeto,112 de sorte
que a sentença diz (também com o verbo mudado) “e profanou o santuário”113,
ou “e pisou o santuário”.114 O sujeito é mudado e um novo verbo é introduzido.
Questionamos esses procedimentos.
O verbo hebraico usado no versículo 11c é hušlak, que significa “subverter,
destruir, derrubar”. Os comentaristas o têm mudado arbitrariamente para tirmōs
(“poluiu,115 profanou,116 violou”).117 Contudo, o texto hebraico está bem preservado,118
e há evidência de que sua história remonta a tempo muito distante,119 como tam-

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Estudos sobre Daniel

bém os fragmentos de manuscritos do livro de Daniel de Qumran claramente tes-


tificam.120 Essas tentativas dos intérpretes e tradutores testificam da dificuldade de
harmonizar o capítulo 8 com a interpretação de Antíoco. Emendas arbitrárias do
texto hebraico contra o apoio dos manuscritos dificilmente argumentam de forma
convincente a favor da interpretação provida por esses eruditos crítico-históricos.
Agora examinemos o verbo realmente provido pelo texto hebraico. Conforme
declarado acima, “foi deitado abaixo, jogado ao chão, lançado por terra” é uma
tradução de hušlak.121 Deriva de uma raiz122 que significa “lançar (fora, abaixo,
para trás)”123 com empregos literais124 e metafóricos.125 Em cerca de 75 por cento
de suas 125 ocorrências, seres humanos são os agentes empenhados na atividade
expressa. No restante dos casos o sujeito é Deus (Yahweh).126 Nos últimos casos é
feita frequente referência à atividade não-salvífica de Deus ou de condenação com
respeito a Israel.127
Não há nenhum exemplo entre os 125 empregos deste verbo que sugira ou
insinue – em um sentido literal ou metafórico – que seu significado tem algo a ver
com profanação, sacrilégio, ou coisa semelhante. Dificilmente este fato pode ser
enfatizado demais. O “lançar por terra” não comunica um ato de profanação, mas
antes um ato de destruição, ou de tornar algo ineficaz.
Assim, o verbo hušlak no versículo 11c tem o significado de “foi deitado abai-
xo, foi lançado por terra”.128 Às vezes há uma mistura de ênfases literais e meta- 333
fóricas nos empregos desse verbo.129 Se aqui se tem em vista a dimensão cósmica
– uma dimensão que se ajusta à ênfase das sentenças anteriores – então o deitar
abaixo ou lançar por terra o fundamento do santuário se refere a tornar ineficaz o
fundamento do santuário na esfera celestial.
O objeto que “foi deitado abaixo” no versículo 11c é “o fundamento do seu
santuário”. A palavra “fundamento” é mākôn. Tradicionalmente é traduzida como
“lugar” na língua inglesa [e portuguesa]. A palavra hebraica regular para “lugar” é,
porém, o termo māqôn. O último aparece no Antigo Testamento cerca de 400 vezes
e deriva da raiz qûm. Mas mākôn deriva da raiz kûn, que não tem nenhuma relação
com a outra raiz. Ambos os termos são diferentes em vários aspectos além das raízes
das quais eles derivam. Uma investigação do emprego de mākôn no Antigo Testa-
mento será instrutiva por prover uma base para o seu aparecimento em 8:11.
Mākôn é usado 17 vezes no Antigo Testamento.130 Em apenas um exemplo o
termo é empregado em um contexto não-religioso.131 Em todos os outros exemplos
há uma inegável associação cultual132. Seu emprego mais frequente (sete vezes) é a
sua designação do “lugar de habitação” de Deus133 no Céu,134 o santuário celestial
de Deus.135 Em três exemplos é empregado para o “lugar da habitação” terrestre
do Senhor, a saber, o seu santuário terrestre.136 Uma vez o contexto permitiria
tanto a “habitação” celestial quanto a terrestre.137 Duas vezes mākôn é usado me-

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

taforicamente em conexão com o trono de Deus. Juízo e justiça são declarados


ser o mākôn, isto é, a “base” ou o “fundamento” do seu trono.138 O significado de
“fundamento” é também usado em conexão com o templo de Jerusalém e em um
exemplo designa todo o local ou área do monte Sião.139
Uma investigação dos contextos cultuais de mākôn fornece mais ideias. É no
lugar da habitação celestial de Deus – seu santuário no Céu – que Ele ouve as ora-
ções de seus fiéis, israelitas e não-israelitas;140 é dali que vem o seu perdão e dali Ele
distribui “juízo” ou “justiça”.141 Outra vez, é do seu lugar de habitação celestial –
seu santuário no Céu – que o Senhor observa os habitantes da terra (Sl 33:13-14).
É ali que seu trono está localizado, o “fundamento” (mākôn) que é estabelecido
sobre os princípios de “justiça e juízo” (Sl 89:14; 97:2).
Assim, com base em nossa investigação de cada emprego de mākôn (fora do seu
aparecimento em 8:11), podemos discernir novas ideias no tocante à sua função na
profecia. O poder do “chifre pequeno” é o poder anti-Deus que deita abaixo “o funda-
mento do seu santuário”. Em todos os exemplos, exceto um, mākôn (“fundamento”)
tem distintas conexões cultuais. Todavia, em nenhum exemplo o termo está ligado à
ideia de contaminação ou profanação. O poder do “chifre pequeno” não está conta-
minando ou profanando o mākôn do santuário celestial do “Príncipe do exército”.
Mas o ato do chifre de lançar por terra o mākôn (“fundamento”) do santuário
334 no Céu é uma interferência sobre o ato de Deus de ouvir as orações do seu povo
e uma interferência no perdão que é a base/fundamento do santuário de Deus
no Céu. Assim, o ato do chifre envolve uma interferência no sentido de tornar de
nenhum efeito o “fundamento” ou “base” (mākôn) do santuário celestial do qual
emana divino juízo e justiça.
Esse lançar por terra é uma maneira de comunicar em linguagem pictórica, me-
tafórica, o fato de que o poder do “chifre pequeno” está atingindo, por assim dizer, o
próprio centro da atividade divina no santuário celestial, uma atividade que envolve
o perdão do pecado. Tal ação toca o âmago da contínua intercessão e ministério do
“Príncipe do exército” (o Cristo) que ministra no santuário celestial. Em outras pa-
lavras, o poder do chifre anti-Deus ataca a própria base da intercessão no santuário
celestial com suas atividades mediadoras e salvíficas em favor dos fiéis.
A combinação genitival “o fundamento do seu santuário” no Antigo Tes-
tamento aparece apenas em 8:11 com o termo miqdāš tendo o significado de
“santuário”142 como no restante do livro de Daniel.143 Deve ser notado que miqdāš
pode se referir ao santuário/templo de Deus na terra ou no Céu,144 ou ao terrestre
e ao celestial no mesmo texto.145
Partindo dessas considerações filológicas, terminológicas e semânticas, o in-
tento do versículo 11c mostra que há toda razão por que a dimensão cósmica
deve ter sua ênfase especial. Uma vez mais o poder do “chifre pequeno” indica

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Estudos sobre Daniel

sua atividade anti-Deus procurando tornar ineficaz a obra que está sendo feita no
santuário celestial146 onde Cristo ministra em favor do seu povo.
A dimensão cósmica da subversão do fundamento celestial147 do santuário
comunica a realidade de uma tentativa para anular o ministério celestial de Cristo
através do estabelecimento de um sistema medianeiro rival. Tal sistema rival des-
via a atenção dos homens da obra sumo sacerdotal de Cristo, e assim os priva das
contínuas bênçãos do seu ministério nas cortes celestiais.
Os principais esboços concernentes à atividade do “chifre pequeno” nos ver-
sículos 9-11 podem agora ser resumidos. Entre essas atividades estão: (1) expansão
horizontal partindo de pequenos começos para grandes proporções (v. 9b, 24a),
possivelmente atingindo força através do culto idólatra (v. 10a, 24a); (2) persegui-
ção dos santos de Deus (v. 10bc, 24bc); (3) atribuição para si mesmo das prerrogati-
vas divinas por levantar-se contra o Príncipe do exército (v. 11a, 25ab); (4) remoção
da continuidade dos serviços (divinos) para a salvação do homem (v. 11b, 25c); e
(5) ato de deitar abaixo ou tornar ineficaz o beneficente ministério de Cristo que
tem continuidade, envolve perdão e é o fundamento do santuário celestial (v. 11c).
É de fato correto afirmar que um ataque contra o “fundamento do santuário” é
equivalente a um ataque contra o próprio Deus.148

335
Exegese de Daniel 8:12

Nossa atenção deve agora dirigir-se ao próximo versículo de nossa passagem (v.
12). O leitor que comparar as várias traduções desse versículo notará uma grande
variedade de versões. A primeira sentença pode ser compreendida de duas grandes
maneiras, embora os significados resultantes sejam um tanto similares.

Primeira sentença
1. A sentença pode ser literalmente traduzida para afirmar: “E um exército
foi entregue (contra) o contínuo em transgressão.” O substantivo exército (sābā’)
precede o verbo na estrutura da sentença hebraica,149 e pode ser compreendido
como o sujeito. Sendo que o termo “exército” não tem o artigo definido (o) parece
melhor não ligá-lo ao mesmo termo nos versículos anteriores. A ação do “exército”
(compreendido como sujeito) é diretamente contra “o contínuo”.
Se “o contínuo” (hattāmîd) se refere à mesma coisa que no versículo 11, o
“exército” designa uma entidade que se opõe ao “contínuo”, ou ministério do
“Príncipe do exército” no santuário celestial. Nesse caso, “exército” pode estar
associado com o “chifre pequeno”, isto é, o exército do chifre pequeno é quem
está ativo contra o “contínuo”.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Nesse caso, a ação do versículo 12a parece comunicar a ideia de que a “um
exército” do poder do “chifre pequeno” na forma de Roma eclesiástica (um sím-
bolo que possivelmente poderia se referir ao sacerdócio) foi dado encargo sobre
“o contínuo”, isto é, o contínuo ministério intercessório e mediador do Príncipe
do exército celestial. Intercessão, mediação e outros benefícios associados ao tāmîd
estão plenamente em controle do “exército” do chifre pequeno.
A expressão verbal “foi dado” (tinnātēn) é uma forma passiva feminina do ver-
bo nātan150 Quando é seguida pela preposição ‘al, como é o caso nesta sentença,
frequentemente tem o significado de “trazer algo contra”.151 Consequentemente,
o “exército” do chifre pequeno tem trazido algo contra o ministério contínuo do
“Príncipe do exército”.
O “como” desta atividade negativa pode ser descrito na expressão “em trans-
gressão” (be pāša‘). A preposição “be” normalmente significa “em”,152 mas também
pode significar “[junto] com”.153 Assim, a expressão poderia indicar que o “exérci-
to” do chifre pequeno age “em” ou “com” transgressão.
Outra maneira legítima de compreender a preposição é tomá-la como expres-
sando causa.154 Nesse caso, a transgressão é causada pela ação do “exército” contra
a “continuidade” do Príncipe ou ministério contínuo. Se tal é o intento do texto, e
bem pode ser, o encargo rebelde assumido sem permissão ou contra o tāmîd causa
336 transgressão. A transgressão que é causada pode ser o ato de levar seres humanos a
confiar nos rituais substitutos do ministério contínuo falsificado do chifre.
2. A segunda maneira de interpretar a primeira sentença do versículo 12 toma
“exército” como o objeto da sentença em vez de seu sujeito. Consequentemente,
a sentença pode ser traduzida por “E a [ele] foi dado um exército sobre [contra] o
contínuo em transgressão.”
Nesse exemplo o poder do “chifre pequeno” é compreendido como o sujeito.
Foi-lhe dado um “exército”. Esse “exército” pode ser concebido restritivamente como
um “sacerdócio” ou não-restritivamente como um “grupo de pessoas” que estão sobre
ou contra o contínuo ministério do “Príncipe do exército” no santuário celestial.
As palavras conclusivas “em transgressão” ou “com transgressão” podem assim
significar que o poder do “chifre pequeno” age através do exército com ou em
transgressão. Se, porém, a preposição “be” está expressando causa, o restante da
sentença pode significar que ao chifre foi dado um “exército” que agiu contra o
ministério contínuo do “Príncipe do exército” celestial, causando transgressão. A
transgressão que é causada pode significar uma orientação equivocada dos seres
humanos, levando-os a confiar em atividades falsas em vez da mediação e inter-
cessão salvífica e perdoadora do “Príncipe do exército” celestial. A “transgressão”
seria aquela dos seres humanos.
Deve ser notado que dentro da passagem de 8:9-14 essa primeira sentença do
versículo 12 provavelmente apresenta a maior dificuldade para a compreensão de

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Estudos sobre Daniel

seu significado. Assim, qualquer que seja a tradução que se prefira com “exército”
como sujeito ou objeto, a frase permanece obscura.
Notou-se – e é digno de ênfase – que o tāmîd (ministério contínuo) é o que
ocorre no lugar santíssimo do santuário.155 O poder do “chifre pequeno” ainda
é capaz de confundir os seres humanos com respeito ao ministério naquele lugar
(no santuário terrestre o termo tāmîd é usado apenas em conexão com itens e ritu-
ais ligados ao primeiro compartimento). Mas o “chifre pequeno” nunca é capaz de
interferir na atividade do lugar santíssimo no tempo do fim.

Segunda Sentença
A segunda sentença do versículo 12 pode ser traduzida literalmente “e ele lança
a verdade por terra”. O verbo “lança” é novamente escrito na forma feminina. Seu
sujeito poderia ser ou o chifre ou o exército (mencionado na primeira sentença),
sendo que ambos os substantivos são femininos.156 Todavia, é mais natural contextu-
almente ficar com o “chifre pequeno” como o sujeito.157 Esse ponto de vista também
se ajustaria à interpretação da visão dada nos versículos 24-25. Assim, outro aspecto
da atividade do chifre pequeno está agora sendo descrito.
A palavra “verdade” (’emet) tem sido interpretada como significando a “verdadei-
ra religião conforme incorporada nas Escrituras”,158 ou, em um sentido mais limitado, 337
a Torá,159 ou simplesmente “verdade” em um sentido abstrato.160 A ausência do artigo
é característica desse termo específico e não deve ser excessivamente enfatizada.161 Em
quatro das seis ocorrências no livro de Daniel a palavra hebraica se refere à revelação
que tem vindo de Deus que é verdade (8:26; 10:1, 21; 11:2). Tais exemplos se referem
à confiabilidade da verdade revelada em termos da certeza do seu cumprimento no
futuro.162 O quinto uso revela que a calamidade que sobreveio a Israel foi um cum-
primento do que “[tinha sido] escrito na lei de Moisés” (9:13a, KJV), mas nenhum
arrependimento havia ocorrido e nenhuma atenção estava sendo dada à “verdade”
de Deus (versículo 13b).
Baseando-se nesses empregos, a “verdade” do versículo 12 pode ser compreendida
como se referindo à revelação divina em seu sentido abrangente, incluindo “a lei de
Moisés”163 e a revelação profético-apocalíptica contida no próprio livro de Daniel. Esse
contexto daniélico apoia a sugestão de que “verdade” aqui no versículo 12 é um termo
que se refere à verdade divina da revelação que o chifre lançará por terra. Essa verdade
reveladora contém as instruções sobre adoração, salvação e assuntos relacionados, tam-
bém incluindo o plano de Deus para estabelecer o seu reino de graça e glória.

Terceira Sentença
O versículo 12 conclui com dois breves verbos que podem ser literalmente
traduzidos como “e ele foi bem-sucedido e prosperou.” A ideia é clara. O poder

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

anti-Deus simbolizado pelo “chifre pequeno” foi bem-sucedido em suas tentativas;


ele prosperou em seus empreendimentos rebeldes. “Prosperar” nas visões do livro
de Daniel é sempre a experiência dos poderes anti-Deus.164 Todavia, a mensagem
profética é clara. Embora os poderes anti-Deus prosperem, é contudo verdade que
em última instância e em um sentido final eles não prosperarão. Deus permanece
no controle mesmo que as coisas pareçam de outra forma.
Essa é a conclusão da interpretação angélica. O “chifre pequeno”, a despeito do
seu fantástico sucesso em movimentos horizontais-geográficos e verticais-ascenden-
tes e suas várias atividades, será quebrado “sem esforço de mãos humanas” (v. 25).
Tal quebra ocorre no final dos séculos, no tempo em que todos os reinos de Daniel
2 chegam a um fim repentino pela pedra cortada “sem mãos” (2:34, 45).

338

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Nota Final

O emprego da palavra hebraica tāmîd no


Qumran e no Antigo Testamento
Os intérpretes crítico-históricos se apegam a uma data do segundo século a.C.
para a composição de Daniel 8–12. Se isto fosse verdade, o uso de tāmîd nos mate-
riais de Qumran escritos mais ou menos na mesma época não deveria refletir um
significado semelhante?
Estamos na afortunada posição de termos disponíveis os rolos de Qumran que
empregam o termo tāmîd165 e uma breve pesquisa da evidência pode ser esclarecedo-
ra. Os Salmos de Ações de Graças (Hôdāyôt) da Caverna 1 (1QH), datados do primeiro
século a.C., contêm o tāmîd cinco vezes.166 É sempre empregado como um advérbio
com o significado de “continuamente” em frases tais como “continuamente aben-
çoarei o teu nome”,167 “fazendo súplicas continuamente”,168 e coisas semelhantes.
Nesse rolo, o termo nunca está associado com sacrifício ou o santuário.
No Manual de Disciplina (1QS) o termo aparece três vezes.169 Tāmîd é, outra 339
vez, um advérbio que significa “continuamente” em conexão com a Lei, que deve
ser estudada “continuamente”.170 Os juízos divinos também devem ser observa-
dos “continuamente”171 e os justos feitos de Deus também devem ser proclamados
“continuamente”.172
O terceiro documento entre os Rolos do Mar Morto em que tāmîd aparece (no-
vamente apenas como advérbio) é o Rolo da Guerra dos Filhos da Luz Contra os Filhos
das Trevas (1QM),173 datado entre 50 a.C e 50 d.C.174 Outra vez ele é empregado em
um contexto não-cultual na sentença “Abre a porta continuamente [tāmîd]”.175 Os
empregos restantes estão em um contexto cultual e fazem parte de instruções aos
chefes de famílias acerca do que eles devem fazer no início da guerra.
Os chefes dos sacerdotes devem “ministrar continuamente [tāmîd] diante de
Deus,176 e os cabeças dos levitas também devem “ministrar continuamente [tāmîd]”.177
Outros “assistirão diariamente [tāmîd]178 nas portas do santuário”.179 Aqueles que
servem “satisfar-se-ão perpetuamente [tāmîd] diante dele”.180 Embora estejamos em
um contexto do santuário, tāmîd não é usado como um substantivo ou como um
termo técnico para o sacrifício diário. Ele carrega o significado de “continuamente”
ou “perpetuamente”, sendo usado consistentemente como um advérbio.
O mesmo emprego adverbial é feito da palavra no Florilégio (4QFlor).181 A
glória de Deus “aparecerá acima dele [o santuário] perpetuamente [tāmîd]”.182 É

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

usado semelhantemente como um advérbio em quatro outros exemplos em tex-


tos não-bíblicos de Qumran.183
Em 1977, foi publicado o famoso Rolo do Templo,184 composto durante a segun-
da metade do segundo século a.C..185 O documento consiste de uma descrição do
edifício do templo, leis sacrificais, festivais, Dia da Expiação, e diversas instruções.
Nessa obra, o termo tāmîd aparece quatro vezes.186 Em dois exemplos ele segue o uso
típico adverbial com o significado de “continuamente” ou “perpetuamente”.187
Nos dois exemplos restantes, porém, tāmîd é empregado como um adjetivo
na expressão “o holocausto contínuo [ou diário]” (‘ōlat hattāmîd).188 Esse emprego
específico é de grande importância. Demonstra que na metade do segundo século
a.C. – pouco antes da composição de Daniel 8–12, conforme alega a erudição crí-
tica – a palavra tāmîd não estava sendo usada na forma de um substantivo adjetival
abreviado como um termo técnico para o “sacrifício diário [contínuo]”. Antes, o
“sacrifício diário” é designado em sua maneira normal com a palavra tāmîd servin-
do como um adjetivo para definir o substantivo “sacrifício” (‘ōlāh).
Esta breve digressão sobre a palavra tāmîd na literatura de Qumran revela que
(1) Tāmîd é usado predominantemente como um advérbio com o significado de
“continuamente” ou “perpetuamente”. (2) Tāmîd é usado duas vezes como um
adjetivo qualificando o substantivo (‘ōlat hattāmîd). (3) Tāmîd nunca está sozinho
340 como um substantivo. (4) Tāmîd nunca aparece como um termo técnico ou uma
expressão elíptica abreviada na literatura de Qumran. (5) O uso de tāmîd como um
advérbio ou adjetivo na literatura de Qumran disponível previne contra a inter-
pretação de hattāmîd em Daniel como um termo técnico ou abreviado. O último
emprego realmente aparece no Talmude, uma obra elaborada durante quatro a
cinco séculos na era cristã. Mas o procedimento de ler um significado técnico que
se desenvolveu muitos séculos depois189 em um emprego nominal anterior perma-
nece altamente problemático e duvidoso.
Agora nos voltamos para o uso bíblico do termo tāmîd, palavra que ocorre 103
vezes no Antigo Testamento.190 Em cinco empregos no livro de Daniel (8:11-13;
11:31; 12:11) e em nenhum outro lugar, a palavra é empregada como um substan-
tivo adjetival, estando só com o artigo definido (o) e não modificando nenhuma
outra palavra.
Uma cuidadosa investigação do emprego do termo tāmîd no Antigo Testamento
é reveladora e pode-se esperar que esclareça o seu uso no livro de Daniel. O emprego
típico do termo tāmîd no Antigo Testamento é como um advérbio. Aparece como tal
em não menos de 62 exemplos191 dos 103 empregos e significa “continuamente”192
no sentido “de prosseguir sem interrupção”.193 Tem uma variedade de conexões e as-
sociações tais como louvando “continuamente” (Sl 34:1), falando (Sl 35:27; 40:16),
soprando ou ressoando (1Cr 16:5), abalando (Sl 69:23), esperando (Sl 71:14), levan-

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Estudos sobre Daniel

tando-se (1Rs 10:8; 2Cr 9:7), guardando (Lv 24:3), buscando (1Cr 16:11), comendo
(2Sm 9:7, 13), sacrificando (2Cr 24:14), e assim por diante.
Em 21 exemplos tāmîd aparece como um adjetivo,194 sendo usado subs-
tantivamente.195 No genitivo,196 na expressão ‘ōlat hattāmîd, “o contínuo197
holocausto”.198 A construção genitiva é traduzida literalmente, “o holocausto de
continuidade”, cujo significado é o holocausto que prossegue sem interrupção
cada manhã e cada tarde.
Contudo, deve ser enfatizado que tal construção específica do tāmîd no Antigo
Testamento não está restrita ao holocausto diário. Em dois exemplos ele é empre-
gado nesse sentido para a “oferta de manjares contínua” (minhat hattāmîd).199 Seme-
lhantemente aparece com outros itens como o “pão contínuo da proposição”200,
“pão contínuo”201, “banquete contínuo”202, “incenso contínuo”203, “lâmpada acesa
contínua”204, “subsistência contínua”205, e “homens de continuidade”206, isto é,
homens continuamente empregados”.207
Resumamos agora os resultados da investigação de tāmîd no Antigo Testa-
mento. Descobrimos que as conexões contextuais e associações semânticas de-
monstram seu emprego como um advérbio e um adjetivo. No último caso ele
é usado substantivamente em uma relação genitiva que virtualmente o leva a
funcionar na língua hebraica como um substantivo no sentido de “continuidade
ininterrupta”208 ou “perenidade”.209 341

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A audição acerca do santuário
(versículos 13-14)

S inopse editorial. Nestes versículos a atenção do profeta é desviada para uma


conversação entre dois santos personagens dos domínios celestiais. Eles falam
acerca da visão, particularmente acerca do ataque do chifre contra o santuário
celestial e o povo de Deus. Um deles pergunta ao outro: “Quanto tempo durará
a visão... ?”
Embora a tradução usual de nossas versões comuns enfatize a extensão do
tempo, o autor nota que o hebraico diz literalmente: “Até quando...” A ênfase ex-
plícita na audição focaliza o fim do tempo, como Gabriel informa posteriormente
a Daniel (v. 17, 19). Portanto, o intento real da pergunta não é uma indagação
quanto à duração (quanto tempo?), mas acerca da terminação (até quando?) e o que
se seguiria.
O autor observa que o princípio dia-ano está implícito no capítulo 8. A expres-
são “até quando a visão (hāzôn)?” se refere a toda a visão (v. 1-2, 15). Isso significa
342 que o elemento tempo das 2.300 tardes e manhãs deve começar em algum ponto
durante o domínio do Império Persa (carneiro) e se estender através das atividades
do bode, seus quatro chifres-poderes subsequentes, e a carreira do chifre pequeno
para outro ponto no tempo do fim. Sendo que 2.300 dias literais não chegariam per-
to, é evidente que as 2.300 tardes e manhãs devem ser compreendidas de maneira
simbólica e que o princípio dia-ano está presente aqui.
Não há nenhuma base exegética para se afirmar que essas 2.300 tardes e ma-
nhãs se referem às duas ofertas públicas que eram sacrificadas diariamente. Al-
guns, seguindo equivocadamente tal linha de raciocínio, dividem o número pela
metade para obter um período de 1.150 dias. Essa é uma tentativa para correla-
cionar o elemento tempo do capítulo 8 com o período de três anos da profanação
do templo por Antíoco IV, mas os resultados deixam de se ajustar à real situação
histórica. “Tarde-manhã” não é uma expressão sacrifical, mas uma expressão de
tempo ligando-se naturalmente à terminologia de um dia completo (Gn 1). Veja o
capítulo 7 deste volume para uma discussão da terminologia e o problema.
A introdução de um elemento de tempo na visão por um dos personagens
celestiais naturalmente suscita interesse em seus pontos inicial e terminal, que
não são revelados na visão do capítulo 8. Contudo, o autor anota e discute vários
elos para demonstrar que a visão do capítulo 9 – a apresentação e explicação de
Gabriel da profecia das 70 semanas – é essencialmente a continuação de sua in-
cumbência de explicar a Daniel a visão do capítulo 8.

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Estudos sobre Daniel

É no capítulo 9 que o ponto de partida simultâneo dos 2.300 dias-anos e dos


490 dias-anos (70 semanas) é dado com a implementação do decreto de Artaxerxes
I em 457 a.C. Isso coloca a terminação do período de 2.300 anos em 1844 d.C.
Diz o autor: “Este ponto do tempo, e além, constitui o centro de atenção do capí-
tulo 8. No que diz respeito ao assunto, é essencial para todo o livro de Daniel.”
Nesta seção, como na anterior, o autor discute o significado de vários ter-
mos hebraicos tais como tāmîd (“diário/contínuo”), peša‘ (“transgressão”), qōdeš
(“santuário”), e nisdaq (“purificar/justificar”). Tal fraseologia (bem como o uso
simbólico de animais sacrificais na visão: o carneiro e o bode) indica o contexto
do santuário com alusão específica ao Dia da Expiação. Um hebreu com profundo
conhecimento sobre o ritual sacrifical leria esta profecia – “então o santuário será
purificado” – muito naturalmente em termos do ritual do Dia da Expiação.
Portanto, existem ligações terminológicas, conceituais e teológicas entre Da-
niel 8 e Levítico 16. O que Levítico 16 descreve como o grandioso ponto culmi-
nante de purificação, restauração, justificação e vindicação para o antigo Israel no
Dia da Expiação no fim do ciclo ritual, Daniel 8 descreve como o grandioso ponto
culminante para todo o povo de Deus em uma escala cósmica, universal no final
desta era. A atividade judicial-redentora no santuário celestial conforme retratada
em Daniel 8 é a mesma atividade que foi retratada anteriormente no juízo pré-
advento na visão paralela de Daniel 7 (v. 9-10, 13-14, 22, 26). 343
A visão de Daniel 8 tem ligações não apenas com os capítulos 2 e 7, mas tam-
bém com a visão dos capítulos 11–12. Assim em 12:1-3 o Príncipe Miguel se levan-
ta para salvar “todo o que está ... escrito no livro” (12:1, NASB) e para ressuscitar
os fiéis para a vida eterna. Consequentemente, o grandioso ponto culminante do
livro de Daniel não é o juízo, importante como ele é para a redenção do povo de
Deus. Antes, o juízo final (sua fase inicial começando em 1844) e a restauração do
santuário celestial à sua condição legítima são as ações que conduzem à ressurrei-
ção e à nova era com o seu reino eterno. No plano de Deus, o juízo antes da che-
gada da nova era é designado para trazer salvação final àqueles que são realmente
seus. Finalmente, o velho passou, e o novo chegou.

Esboço da seção

1 Introdução
2. Exegese de Daniel 8:13-14
3. Conteúdo da pergunta (v. 13)
4. Conteúdo da resposta (v. 14)

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Introdução

Nossa investigação das palavras, frases e sentenças de Daniel 8:9-12 tem pros-
seguido lenta e cuidadosamente. Tem revelado muitos detalhes da atividade do
“chifre pequeno”. Tem se tornado evidente uma e outra vez que nada é dito acerca
da profanação do santuário, ou seu lugar, como tal. Os termos típicos hebraicos
para profanação e contaminação não aparecem.210 O que aparece é um ataque –
de formas diferentes – contra o povo de Deus, o fundamento do seu santuário,
e, assim, contra o próprio Deus e sua verdade. As prerrogativas que pertencem a
Deus são usurpadas, e o serviço divino, contínuo, mediador, é tornado ineficaz.
Há conotações cósmicas e universais que recebem atenção adicional no diálogo
contido nos versículos 13-14, ao qual deve ser dada atenção em seguida.

Exegese de Daniel 8:13-14

A pergunta de 8:13 inicia-se com as palavras hebraicas ‘ad–mātay. Elas são


costumeiramente traduzidas em inglês pela frase “how long” [quanto tempo ou
344 durante quanto tempo] (KJV, RSV, NASB, TEV). Todavia, vários comentaristas
notam que o fraseado do hebraico deve ser traduzido diferentemente. Essa obser-
vação é importante porque “a essência da pergunta é encontrada nas primeiras
palavras”, ‘ad–mātay.211 O que significam essas palavras? A primeira palavra, ‘ad,
é uma preposição temporal212 que deve ser traduzida por “até”.213 Está unida ao
advérbio interrogativo temporal mātay,214 que significa “quando”.215
Alguns importantes lexicógrafos traduzem a expressão composta ‘ad–mātay
como “até quando”.216 Essas palavras introduzem uma “verdadeira questão de in-
formação para a qual uma resposta real é provida”.217 A ênfase da expressão (até
quando) está sobre o que deve ocorrer no fim do período de tempo e depois.
É uma noção comum, mas equivocada, de que a ênfase está sobre todo o
período de tempo das 2.300 tardes e manhãs. Todavia, a ênfase na pergunta do
versículo 13 realmente cai sobre o ponto final das 2.300 tardes e manhãs e o que
deve ocorrer daquele ponto do tempo em diante. A ênfase não é duração (durante
quanto tempo), mas terminação (até quando) e o que se segue. Tal percepção exe-
gética encontra apoio contextual no temporal “até” (‘ad) na resposta do versículo
14a, que, por sua vez, é seguida por “então” (waw depois da informação temporal)
na última parte do versículo 14.218
Deve-se notar a essa altura que a ênfase explícita da visão-audição do capítulo
8 focaliza o tempo do fim. O anjo-intérprete informa a Daniel em termos explíci-
tos que “a visão é para o tempo do fim” (v. 17, RSV); e outra vez: “a visão da tarde

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Estudos sobre Daniel

e da manhã... é verdadeira”, mas “se refere a dias ainda mui distantes” (v. 26). No
versículo 19 vem o encorajamento de que a visão “pertence ao tempo determinado
do fim”. Essa ênfase no tempo do fim do capítulo 8 corrobora o significado do
tempo do fim do diálogo pergunta-resposta nos versículos 13-14.

2.300 tardes-manhãs
É necessário agora discutir brevemente a expressão temporal “2.300 tardes-
manhãs” (v. 14). Eruditos têm sugerido com frequência que a expressão “tardes-
manhãs” é simplesmente uma maneira singular de expressar o número total dos
sacrifícios tāmîd omitidos durante o tempo da profanação do templo por Antíoco
IV. Sendo que um sacrifício era oferecido na manhã e na tarde de cada dia, afirma-
se que a omissão de 2.300 de tais sacrifícios indica um período de tempo real de
1.150 dias.219 A Today’s English Version (TEV) realmente traduz a resposta do
versículo 14 como “Isto continuará por 1.150 dias, durante os quais os sacrifícios
da manhã e da tarde não serão oferecidos.” Essa interpretação comum requer
análise e avaliação.
O texto hebraico do versículo 14 (‘ad ‘ereb bōqer ’alpayim ûšelōš me‘ôt) é facil-
mente traduzido em um sentido literal como “até 2.300 tardes [e manhãs]”.220 A
Septuaginta (LXX) traduz a frase interpretando “tardes-manhãs” por “dias” dessa 345
forma: “Até tardes e manhãs, 2.300 dias.”221
Várias observações convincentes militam contra a interpretação de que a frase
“2.300 tardes-manhãs” são 1.150 dias e as “tardes-manhãs” significam sacrifícios
tāmîd. Elas são brevemente resumidas abaixo:
1. O ritual do sacrifício tāmîd no Antigo Testamento emprega a expressão
“holocausto contínuo” (‘ōlat tāmîd) como a designação para o duplo holocausto
da manhã e da tarde. Não designa uma oferta trazida de manhã e outra à tarde.222
A combinação do holocausto da manhã e da tarde é consistentemente mencionada
como ‘ōlat tāmîd. Portanto, uma divisão de 2.300 por dois é injustificada.
2. A sequência de “tardes-manhãs” com as tardes antes das manhãs dificil-
mente se refere aos sacrifícios tāmîd. Os sacrifícios tāmîd são sempre designados
na sequência da manhã antes da tarde: “Holocaustos de manhã e à tarde.”223 Ne-
nhuma exceção à sequência aparece no Antigo Testamento. O período pós-exílico
perpetua a sequência de “tarde e manhã” com respeito aos sacrifícios tāmîd.224
Assim, a expressão “tardes e manhãs” não se refere aos sacrifícios tāmîd, mas a uma
medida de tempo.
3. Falta apoio exegético para contar 2.300 tardes-manhãs separadamente a fim
de se chegar a 1.150 dias completos.225 A sequência de tarde e manhã como uma
expressão para um dia completo aparece pela primeira vez no relato da Criação de
Gênesis 1.226 A linguagem da passagem de Gênesis está refletida aqui em 8:14, 26.227

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

C. F. Keil observou adequadamente: “Um leitor hebreu provavelmente não poderia


compreender o período de tempo [de] 2.300 tardes-manhãs ... [como sendo] 2.300
metades de dia ou 1.150 dias inteiros, porque tarde e manhã na Criação constitu-
íam não a metade, mas o dia todo. ... Devemos, portanto, tomar as palavras como
elas são, isto é, compreendê-las como 2.300 dias inteiros.”228 Isso é muito correto.
Quando os hebreus desejavam designar o dia e a noite separadamente, eles
mencionavam o número de ambos, como em “quarenta dias e quarenta noites” ou
“três dias e três noites”.229 Mesmo nesses exemplos, porém, a expressão “quarenta
dias e quarenta noites” não significa 20 dias completos, mas uma sequência de 40
dias do calendário.230 Assim, outros eruditos têm concluído corretamente que “em
vez de ‘dia’, pode-se também dizer ‘tarde-manhã’ (8:14)”, e que em “Daniel 8:14 o
‘dia’ é designado como ‘ereb bōqer ‘tarde-manhã’”.231
4. Como consideração final devemos notar o seguinte: quer as 2.300 tardes e
manhãs sejam corretamente compreendidas como dias inteiros ou incorretamente
como 1.150 dias inteiros, ou quer elas sejam consideradas como 6 anos, 4 meses e
20 dias ou como 3 anos, 2 meses e 10 dias, respectivamente (na base de um ano de
360 dias), permanece o fato de que não há nenhuma época histórica mencionada
no Livro dos Macabeus ou em Josefo relativa a Antíoco IV que corresponda a uma
ou outra série de números.232
346 A profanação do templo por Antíoco IV durou três anos dia por dia.233 Isto
perfaz apenas 1.080 dias no calendário de 360 dias e, assim, passa longe dos supos-
tos 1.150 dias, para não falar dos 2.300 dias.234
Portanto, parece exegeticamente correto tomar as 2.300 tardes-manhãs como
2.300 períodos de tempo inteiros e vê-los como um período de tempo proféti-
co com o auxílio do princípio dia-ano conhecido de outras predições de tempo
profético-simbólico.235

Ponto de partida e ponto conclusivo das 2.300 tardes-manhãs


Voltamos agora à nossa discussão anterior da frase “Até quando será a visão?”
Enfatizamos outra vez que a expressão “até quando” (‘ād–mātay) não focaliza a
duração de tempo. Duração de tempo seria o enfoque da pergunta “por quanto
tempo?” A pergunta “até quando?” tem o seu foco no ponto de terminação do
período de tempo indicado. Isto é contextualmente enfatizado na resposta: “até
... então” (‘ad ... we) do versículo 14. Quando o ponto de conclusão for alcançado,
algo relacionado com o santuário ocorrerá.
Quando se enfatiza o final de um período de tempo, inevitavelmente vem à
tona o assunto do início. Em outras palavras, o início e o fim estão ligados entre
si – o que também ocorre implicitamente durante a visão. Isto suscita algumas
importantes perguntas. Por exemplo: O período de tempo abrange toda a visão (os

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Estudos sobre Daniel

períodos do carneiro, bode, e “chifre pequeno”)? Ou está o período de tempo da


visão limitado apenas ao período do “chifre pequeno”? Felizmente, o texto provê
uma resposta para essas perguntas.
Tem-se ressaltado que a própria pergunta (segundo a sintaxe hebraica) termina
com a sentença “até quando [será] a visão?”236 Aqueles que limitam o intento da
pergunta ao período do “chifre pequeno”237 são indiferentes ao substantivo he-
braico para “visão”, que é hāzôn, no versículo 13. Esse termo aparece não menos
de sete vezes no capítulo 8 (versículo 1-2 [três vezes], 13, 15, 17, 26b). Um estudo
do termo aqui e no restante do hebraico do livro de Daniel (cf. 9:21; 10:14) revela
que ele é distinto da palavra mar’eh, palavra que transmite o significado de “apare-
cimento”, mas que, às vezes, também é traduzida como “visão”.
A palavra hāzôn (“visão”) do versículo 13 contextualmente se refere à visão
do carneiro, do bode, e do “chifre pequeno” como seus primeiros empregos nos
versículos 1-2 claramente indicam. O mar’eh (aparecimento) mais estritamente se
refere ao “aparecimento” dos seres celestiais que se empenham em conversação
relativa ao pisar do santuário e sua restauração (cf. 8:16, 26a.-27).
A evidência textual desse vocabulário técnico é essencial para responder à per-
gunta do espaço de tempo abrangido pela visão. Resumindo, o espaço de tempo
coberto pela hāzôn-visão na pergunta do versículo 13 inclui toda a extensão dos
eventos que foram mostrados ao profeta nos versículos 3-12. Contextual e termi- 347
nologicamente não está limitado ao período do “chifre pequeno”.
Tal conclusão não é refutada pela breve expressão que segue a palavra hāzôn
no restante do versículo 13: “o contínuo e a transgressão que causa horror, para
fazer com que o santuário e o exército sejam pisados”. Deve-se notar que a palavra
“concernente” escrita em algumas traduções como a KJV e a RSV é uma palavra
suprida que não se encontra no texto hebraico. A sintaxe e a pontuação do texto
hebraico não permitem que essas expressões sejam consideradas como uma exten-
sa cadeia combinada genitival (para ser lida como “a visão do contínuo, etc.”). Tal
construto naturalmente limitaria “a visão” (hehāzôn) do versículo 13 à expressão
seguinte na sentença.
Olhamos brevemente a sintaxe e o que a gramática hebraica exigiria se a pa-
lavra “visão” estivesse numa relação combinada genitival ao que se segue. Se o
substantivo hāzôn (visão) estivesse no construto: (1) ele não teria o artigo defi-
nido (contudo, o substantivo é escrito com um artigo definido como “a visão”
[hehāzôn]); (2) ele teria mostrado uma redução de vogais (isto é, os massoretas que
adicionaram os pontos vocálicos ao texto consonantal teriam pontuado hāzôn com
um pathah em vez de um qāmes).
O fato de que o texto consonantal tem o artigo definido exclui uma relação
combinada genitival. Como está no texto hebraico, hehāzôn (a visão) encontra-se
no estado absoluto. Embora seja possível para o segundo elemento em um arranjo

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

construto ser uma sentença substantiva, o primeiro substantivo na cadeia deve


estar no estado construto. Assim, a sintaxe do versículo 13b não permite que “a
visão” seja considerada como parte de um arranjo construto neste versículo.
Isso leva à sugestão (do ponto de vista da sintaxe hebraica) de que a pergunta
“até quando” foi omitida por elipse antes da expressão subsequente no versículo.
A pretendida ênfase da pergunta pode ser compreendida como “até quando a vi-
são, [até quando] o contínuo e a transgressão que causa horror, [até quando] para
fazer com que o santuário e o exército sejam pisados?”
Não obstante o que isso possa ser, a descrição do versículo 13 abrange toda a vi-
são dos versículos 3-12, indicando, por conseguinte, que as 2.300 tardes (e) manhãs
cobrem o período durante todo o caminho desde o carneiro e o bode, passando
pelas atividades do “chifre pequeno”, até o tempo do fim (versículos 17, 19).
Portanto, está claro, além de qualquer sombra de dúvida, que o princípio
dia-ano está presente no capítulo 8. As 2.300 tardes (e) manhãs devem abranger
todo o período dos eventos simbolizados, começando no mesmo ponto durante
o período do carneiro. Uma compreensão das 2.300 tardes-manhãs como dias
literais não se ajusta ao contexto da pergunta. Assim, o profeta demonstra que tal
expressão incomum – que não tem nenhum artigo, nenhum plural e nenhuma
conjunção – representa simbolicamente “anos”. O próprio profeta provê a chave
348 para o princípio dia-ano que funciona à base das relações contextuais, linguísticas,
filológicas e sintáticas em 8:12-14.
Essa conclusão é de importância fundamental com respeito a todo o signifi-
cado do capítulo 8. Se for correto que “a visão” mencionada no versículo 12 se
refere a toda a visão – primeiramente mencionada nos versículos 1-2, descrita
nos versículos 2-14, e mencionada outra vez no versículo 15 – então o capítulo
8 jamais pode concluir ou terminar com Antíoco IV Epifânio. Isso porque o ele-
mento tempo vai muito além dos próprios dias desse homem. O reconhecimento
de que a hāzôn-visão abrange todo o alcance da experiência da visão total (v. 2-14)
– inclusive o “aparecimento” (mar’eh) dos versículos 13-14, um segmento menor
do todo – faz soar um dobre de finados para a interpretação de Antíoco.
É digno de nota que o termo hāzôn (visão) introduz (v. 1-2) a “visão-audição” (v.
2-14) e a conclui (v. 15). Assim, ele funciona como um artifício “inclusio” para circun-
dar toda a “visão-audição” em si. Este é um indicador adicional de que hāzôn (visão)
do versículo 13 se refere a toda a sequência “visão-audição”.
O terminus ad quo (ponto de partida) e o terminus ad quem (ponto conclusivo)
do período de tempo das 2.300 “tardes-manhãs” em termos de um ano específico
não é provido no capítulo 8. A ênfase é colocada primariamente sobre o que ocor-
re no período do tempo do fim e além nos versículos 13-14.
O indício para o aspecto do tempo é encontrado na ação que ocorre no tempo do
fim. Em outras palavras, no capítulo 8 o enfoque é colocado sobre o ponto do tempo

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Estudos sobre Daniel

no final das 2.300 “tardes-manhãs”, não em todo o período de tempo ou em seu iní-
cio. Consequentemente, é correta a expectativa de que o ponto de partida de todo o
período de tempo deve ser encontrado em outro lugar. Essa expectativa encontra seu
apoio contextual no versículo 26, onde o anjo-intérprete chega ao elemento tempo
das 2.300 “tardes-manhãs”, mas não tenta a essa altura explicar o assunto.

Vínculos entre Daniel 8 e 9


O elemento tempo não explicado de 8:13-14, 26 é retomado no capítulo 9,
que tem vínculos definidos com o capítulo 8.238 Entre os vínculos existentes entre
o capítulo 8 e 9 estão os seguintes:
1. Terminologia semelhante. A designação para “visão”239 na forma do termo
mar’eh,240 aparece em 8:16, 26-27. No último versículo ele se refere especificamente
ao mar’eh de “tardes-manhãs”. Aparece outra vez em 9:23, “compreende a visão
[mar’eh].” Diferentes eruditos têm reconhecido um vínculo entre os capítulos 8 e
9 por causa do uso desse termo.241
Um segundo vínculo terminológico entre os capítulos é a frase “ao princípio”
(9:21). A expressão naturalmente remete o leitor de volta a 8:16, onde a interpre-
tação da visão (mar’eh) por Gabriel é introduzida.
O terceiro vínculo terminológico é encontrado no emprego de uma variedade
de formas do verbo bîn (“compreender”) em 8:15-17, 23, 27; 9:2, 22-23. A mes- 349
ma forma imperativa, “compreende” (hābēn), que aparece em 8:17, onde Gabriel
introduz sua resposta à ênfase do tempo do fim sobre as 2.300 “tardes-manhãs”,
reaparece em 9:23 nos lábios do mesmo anjo em sua apresentação da profecia das
70 semanas.242
2. Perspectiva cultual. Daniel 8:13-14 contém uma perspectiva cultual com
respeito ao santuário. Daniel 9:24-27 igualmente contém uma perspectiva cultual
em termos de expiação (raiz hebraica, kpr), unção (raiz hebraica, mšh), “santo dos
santos”, morte do Messias e cessação do sacrifício e oferta.243
3. Anjo-intérprete comum. O anjo-intérprete Gabriel é inicialmente intro-
duzido em 8:16 e encarregado de interpretar a visão a Daniel (versículos 17, 19).
Em 9:21-23 o mesmo anjo retorna para completar sua incumbência. “Gabriel, a
quem eu tinha visto na visão no princípio, veio a mim ... e me disse ... compreende
a visão [mar’eh]” (RSV).
4. Revelação auditiva. Não deve ser esquecido que o elemento de tempo da
revelação auditiva do capítulo 8 permaneceu pouco claro a Daniel – “e [eu] não
o compreendi” (versículo 27, RSV). Daniel 9:24-27 não contém nenhuma visão,
mas há uma revelação auditiva em que o elemento de tempo de figura mais pree-
minentemente. Daniel 8:13-14 e Daniel 9:24-27 são revelações auditivas, e ambas
lidam com um elemento tempo. A última provê o ponto de partida para o período
de tempo anunciado na revelação anterior.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

5. Elo conceitual. Daniel 9 chega ao apogeu na unção do santuário (qōdeš


qodāšîm, v. 24), e Daniel 8 na purificação do santuário (qōdeš). Se a primeira reve-
lação auditiva (8:13-14) aponta para o fim do longo período de tempo das 2.300
tardes-manhãs, verificar-se-ia que a segunda revelação auditiva das 70 semanas em
9:24-27 daria o seu ponto de partida. Seu ponto conclusivo poderia então ser de-
terminado sobre a base de tal informação. A omissão deste detalhe no capítulo 8
deixou Daniel sem compreensão (mēbîn, v. 27).
Se a revelação auditiva de 9:24-27 começa com a emissão do primeiro de-
creto de Artaxerxes em seu sétimo ano – 458/457 a.C. –, com o retorno de Es-
dras em 457 a.C. (Esdras 7:7-9),244 isto assinalaria o ponto de partida das 2.300
tardes-manhãs de 8:14. Então o ponto final da profecia dos 2.300 dias-anos245 cai
no ano de 1844 d.C. Este ponto do tempo – e além – tem o centro de atenção
no capítulo 8. No que diz respeito ao assunto, isso é fundamental para todo o
livro de Daniel.

Conteúdo da pergunta (versículo 13)

Já observamos que a pergunta do versículo 13 se inicia com uma indagação


350
acerca do tempo (“até quando... ?”) que é respondida no versículo 14 (“até [‘ad]
2.300 tardes-manhãs, então [we] ...”).246 Mudemo-nos agora do aspecto temporal
da pergunta para examinar os assuntos de conteúdo expresso nela.
A gramática da pergunta é incomum e tem levado a numerosas emendas tex-
tuais.247 A precaução é, portanto, apropriada. Uma tradução literal pode ser feita
como segue, com palavras supridas em colchetes: “Até quando [deve ser/será] a
visão, o contínuo, e a transgressão que causa horror, para fazer com que o santuá-
rio e o exército sejam pisados?”

Contínuo
A primeira expressão que requer nossa atenção é “o contínuo”.248 Essa frase
ocorreu anteriormente nos versículos 11-12 (o tāmîd). Embora seja costumeiro
suprir a palavra “sacrifício” nesses exemplos, a evidência contextual e manuscri-
ta não apoia tal procedimento.249 O “contínuo” transmite o mesmo significado
que comunicara nos versículos 11-12: o ministério sacerdotal de Cristo no san-
tuário celestial. Veja nossa discussão na seção anterior. A expressão não é qua-
lificada por outra palavra no texto hebraico, embora eruditos tenham sugerido
que uma palavra deve ser adicionada.250 Novamente não há nenhum apoio nos
manuscritos para isso. Parece mais sábio abster-nos das emendas e considerar o
texto hebraico adequado para a identificação do conteúdo da visão.251

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Estudos sobre Daniel

Transgressão
A frase “a transgressão que causa horror (wehappeša‘ šōmēm)”252 não tem nehu-
ma variante textual nos manuscritos hebraicos conhecidos. A palavra “transgres-
são” (peša‘) é “a mais profunda palavra do Antigo Testamento para pecado”.253
Significa basicamente uma rebelião ou revolta,254 no mesmo sentido de atos em
que “alguém rompe com Deus tirando o que é dele, roubando, apropriando-se
indevidamente, agarrando o que é dele”.255 Aqui é expresso o peso da atividade do
poder do “chifre pequeno” que leva à “transgressão”.
A essa altura precisamos fazer uma pausa para refletir sobre os vínculos termi-
nológicos e teológicos que peša‘ (transgressão) tem com outras partes das Escritu-
ras. Em 9:24 a palavra aparece na frase “para fazer cessar a transgressão [peša‘]”.
Foi dado a Israel um tempo específico e fixado durante o qual a “transgressão”
terminaria para a nação.
Em Levítico 16:16, 21, o termo é empregado em conexão com a purificação
do santuário no Dia da Expiação. Em Daniel 9:24 e Levítico 16:16, 21, a palavra
é usada em conexão com o povo de Deus. No caso de Levítico 16 a ênfase cúlti-
co-judicial é inconfundível.256 O ambiente cultual é também evidente em Daniel
8:11-14. A transgressão específica mencionada aqui pode ser (como também no
versículo 12) a transgressão do povo de Deus para a qual eles são levados por meio 351
da atividade do poder do chifre pequeno.
Tendo tratado ligeiramente da ênfase cúltico-judicial associada com peša‘ no
Antigo Testamento,257 seríamos negligentes se omitíssemos o fato de que esse ter-
mo expressa a totalidade da transgressão de uma época, um povo, ou uma pessoa
que vem a juízo.258 Evidentemente, ideias cultuais e de juízo259 constituem uma
parte importante do termo “transgressão” e também são focalizadas nesse trecho
do capítulo 8. É evidente aqui que existem vínculos terminológicos, conceituais
e teológicos com Levítico 16.
As palavras “causando horror” traduzem o particípio šōmēm.260 Às vezes šōmēm
é traduzida por “desolação” e está associada com a frase “abominação da desola-
ção” (9:27; 11:31; 12:11). De fato, “nenhuma das duas expressões são idênticas”,261
e apenas o termo šōmēm está relacionado com as outras três passagens.
A KJV traduz a frase wehappeša‘ šōmēm por “a transgressão da desolação”. Al-
guns leitores ligam isso com as palavras de Jesus: “Quando, pois, virdes o abomi-
nável da desolação de que falou o profeta Daniel, no lugar santo (quem lê enten-
da)” (Mt 24:15). A declaração de Cristo em Mateus 24 indica que “a passagem
em Daniel deveria ser considerada como ainda não cumprida”.262 Certamente a
“abominação da desolação” de Mateus 24:15 é “um evento futuro”.263 A maneira-
pela qual Jesus a mencionou deixa claro que era uma profecia não cumprida que
encontraria um cumprimento no futuro.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Uma importante pergunta que requer uma resposta é essa: Está Jesus em Ma-
teus 24:15 se referindo a Daniel 8:13? A linguagem escolhida por alguns tradutores
para traduzir Daniel 8:13 e Mateus 24:15 parece sugerir isso. Olhemos, portanto,
para o texto que fundamenta a tradução inglesa em Mateus 24:15.
“A abominação da desolação” em Mateus 24:15 é uma tradução da frase grega
to bdelygma tēs erēmōseōs. A fraseologia grega de Mateus 24:15 se assemelha de
perto àquela de Daniel 11:31, bdelygma erēmōseōs (“Teodócio”).264 É idêntica à de
Daniel 12:11 (to bdelygma tēs erēmōseōs).265 Em Daniel 8:13, a Septuaginta tem hē
hamartia erēmōseōs.266 Isso reflete a diferença na terminologia hebraica entre Da-
niel 8:11 e 11:31; 12:11.267
O termo grego bdelygma significa “abominação”268 e traduz o termo hebraico
šiqqûs (“abominação”). Assim do ponto de vista da linguística podemos notar que
a frase de Mateus 24:15 não deriva de Daniel 8:13 (ou 9:27). Antes, tem sido suge-
rido corretamente que Mateus 24:15 (cf. Mc 13:14) “é tirada de Daniel 12:11”,269
ou possivelmente de Daniel 11:31.270
Resumindo, a atividade descrita em Daniel 8:13 com a frase “a transgressão
que causa horror” não é idêntica ao que Jesus em Mateus 24:14 descreve como “a
abominação da desolação” ou, numa tradução possivelmente melhor, “aterradora
abominação”.271 Jesus parece se referir aos eventos descritos em Daniel 12:11 e
352 possivelmente em 11:31.
Voltemos agora para 8:13 e para a linguagem que ele emprega. O significado
de šōmēm pode ser determinado por uma investigação do seu emprego no livro de
Daniel. Em 8:27, é empregada uma forma da raiz šmm, da qual deriva šōmēm. Nessa
passagem Daniel está “aterrado”, “horrorizado”,272 ou estava em “consternação”273
acerca do impacto que a visão exerceu sobre ele. Os significados de estar “aterra-
do”, “em consternação” ou “em horror” parecem estar aqui em primeiro plano.
Vários empregos de palavras que derivam da raiz šmm expressam três ideias:
(1) uma condição psicológica de um chocante horror dentro de uma pessoa;274 (2)
devastação/desolação conforme se relaciona com o santuário/templo;275 e (3) juízo
divinamente decretado.276
Tendo por base esse antecedente, a frase “a transgressão que causa horror”
parece expressar um horror aterrador causado pela transgressão relígioso-cultual
à qual o “chifre pequeno” tem dado origem através de um sistema falso de minis-
tério e mediação. Tal sistema é rival daquele que funciona no santuário celestial e
leva os indivíduos a transgredir a verdade das atividades redentoras de Deus.

Pisando o santuário e o exército


Agora volvamos a atenção para a última frase do versículo 13, “é entregue o
santuário e o exército a fim de serem pisados”. Alguns exegetas têm procurado

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Estudos sobre Daniel

emendar o texto hebraico que apoia tal tradução, assim como têm feito em outras
linhas de nossa passagem.277 Como observamos antes, o objetivo dessas tentativas
é reconstruir um texto que favoreça a interpretação de Antíoco IV. No entanto, os
manuscritos hebraicos conhecidos não emprestam apoio a essas tentativas.

Qōdeš, santuário
Um dos fatos significativos na frase em discussão é a mudança da terminologia
de miqdāš (santuário) nos versículos 11-12 para qōdeš (também traduzido por “san-
tuário”) nos versículos 13-14. Essa mudança é acidental ou intencional? Sugerimos
que é intencional por razões que se tornarão evidentes. Alguns exegetas têm tradu-
zido o termo qōdeš como “Heiliges” (do alemão,“coisas santas”),278 referindo-se ao
santuário com o altar de holocaustos,279 ou mais amplamente a “todos os arranjos
e instituições religiosas”,280 ou mesmo como uma referência a ensinos “santos” a
serem restaurados no final das 2.300 tardes-manhãs. Assim, é exigida uma cuida-
dosa investigação do termo.
Precisamos investigar o emprego do termo qōdeš no Antigo Testamento. O An-
tigo Testamento emprega o termo em suas formas singular e plural não menos de
469 vezes.281 É usado no singular em 8:13-14 e aparece assim em 326 aparições no
Antigo Testamento. Quando qōdeš é empregado como um substantivo abstrato,282 353
pode se referir à santidade de Deus.283 Como tal é também frequentemente usado
como uma designação para o santuário terrestre284 e várias vezes para o santuário
celestial.285 Dentro do próprio santuário, qōdeš pode às vezes significar o lugar
santo 286 ou o lugar santíssimo.287
Em suas formas adjetivais qōdeš está associado com sacerdotes288 e levitas289
que serão santos juntamente com suas vestes.290 O adjetivo é também usado para
descrever o povo de Deus como “povo santo”291 e Sua “santa semente”, isto é, o
remanescente santo.292 Um texto problemático pode ser traduzido por “Judá se
tornou o seu santuário.”293 Todavia, não está inteiramente claro se é “santuário”
ou “santidade” que se pretende nesse exemplo.
É evidente que em nenhum só exemplo do Antigo Testamento o termo qōdeš
significa coletivamente “arranjos e instituições religiosas”, “ensinos sagrados”, ou
coisa semelhante. Também qōdeš jamais significa “verdade”. Assim a declaração de
que a “verdade” é purificada ou restaurada depois das 2.300 tardes-manhãs não
parece estar dentro do alcance das possibilidades. Isso também se aplica à interpre-
tação de que qōdeš significa “terra” ou “povo”, quer seja judeus ou cristãos. Tais in-
terpretações não recomendam a si mesmas sobre bases terminológicas e filológicas.
Essa investigação de qōdeš no Antigo Testamento esclarece o seu uso em 8:13-
14, ao qual será dada atenção sucintamente. O livro de Daniel em si não fornece
luz adicional sobre o propósito do termo. Começando dentro do contexto do

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

capítulo 8, o termo qōdeš pertence aos termos e frases que recapitulam ideias
expressas nos versículos 11-12. Nesses versículos aparece o termo miqdāš (santuá-
rio), e parece certo que qōdeš nos versículos 13-14 recapitula esse termo. Ambas
as palavras são empregadas muito frequentemente no Antigo Testamento para o
santuário/templo, quer seja terrestre ou celestial. Contudo, seu aparecimento na
audição parece sugerir conotações adicionais.
Uma dessas conotações ou associações é inconfundível na frase “o santíssi-
mo [lugar]” (qōdeš qodāšîm), isto é, o santuário, em 9:24.294 A unção do santuário
celestial é o prelúdio para o poslúdio da “purificação” do santuário para a qual
aponta 8:13-14.
Outra associação se relaciona com o povo de Deus ou “santos” e os respectivos
termos e cenários contextuais usados para eles nas várias partes do livro de Daniel.
Várias vezes o capítulo 7 menciona “os santos do Altíssimo” (aramaico, qadaîšê
‘elyônîn). Eles são também simplesmente mencionados como “santos” ou incon-
fundivelmente designados como “o povo dos santos do Altíssimo” (aramaico, ‘am
qaddîšê ‘elyônîn).295
Esses “santos” são perseguidos pelo “chifre pequeno”, e o Ancião de dias os
leva a um juízo celestial antes da mudança das eras.296 Esse juízo é “em favor
dos santos do Altíssimo” (v. 21-22a). Então os santos recebem o reino do Filho
354 do homem.297 O quadro é bastante claro. Os “santos” têm estado sob ataque do
poder anti-Deus, mas são vindicados no juízo. A vindicação dos santos implica na
condenação do “chifre pequeno”.
No capítulo 8, o “chifre” que brota de pequenos começos também ataca ou
persegue “o povo dos santos” (‘am qedōšîm, v. 24). Finalmente, porém, virá um fim
para “a destruição do poder do povo santo [‘am qōdeš]” (12:7).
No livro de Daniel essas associações terminológicas e conceituais de qōdeš
com santuário, santos e juízo dificilmente podem ser acidentais. Evidentemente, o
termo qōdeš em 8:13 tem por objetivo trazer à mente elos terminológicos e concei-
tuais como chaves para os pontos altos das visões dos capítulos 7, 8–9 e 11–12.
Tendo acrescentado detalhes às associações de qōdeš (santuário) no livro de
Daniel, devemos agora voltar a 8:13. Na frase “na qual é entregue o santuário e o
exército a fim de serem pisados” não podemos senão notar que sintaticamente o
termo “santuário” (qōdeš) está correlacionado com o termo “exército” (sābā’).298 O
termo “exército” evidentemente recapitula o que o mesmo termo expressou ante-
riormente no versículo 10, a saber, o povo de Deus que é identificado no versículo
24 como “o povo dos santos”. Embora “santuário” (qōdeš) e “exército” (sābā’) este-
jam correlacionados, eles não devem ser compreendidos como idênticos.
O “santuário” e o “exército” são entregues para serem “pisados” (mirmās).299
Mirmās aparece como substantivo no Antigo Testamento em apenas duas co-
nexões: (1) o “pisar” do chão por animais,300 e (2) o “pisar” do povo por um

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Estudos sobre Daniel

inimigo.301 Uma forma de raiz verbal da qual mirmās deriva é empregada em um


contexto cultual: “pisar” os pátios do templo de Jerusalém ou por adoradores ou
por animais (Is 1:12). Não há nenhuma sugestão em qualquer das formas verbais
ou nominais do termo raiz (rms) que implique em profanação ou violação. O
“pisar” parece envolver o ato de tornar ineficaz ou de dominar o santuário e o
exército, respectivamente.
Temos procedido com cuidado em nossa investigação da pergunta expressa
em 8:13 a fim de permitir que o texto forneça seu próprio significado dentro do
contexto do capítulo e do livro de Daniel, bem como das Escrituras de forma ge-
ral. Fazendo isso torna-se evidente que o enunciado da pergunta focaliza a atenção
sobre o que ocorrerá no final da visão. As expressões temporais de 08h13min não
focalizam o que acontece durante o período de tempo abrangido pela visão, mas
dirige a atenção para o seu ponto final e além.

Conteúdo da resposta (v. 14)

A audição muda da visão – sua descrição dos impérios e da atividade do “chi-


fre pequeno” – para o evento culminante que ocorre na terminação das 2.300
355
tardes-manhãs e além. Isso agora demanda nossa consideração.

Nisdaq (“será... limpo”)

A resposta contém o elemento de tempo e a frase “então o santuário será lim-


po” (KJV). Já temos discutido o elemento de tempo. Agora precisamos esclarecer
o significado da frase “então o santuário será limpo”.
Os tradutores da KJV verteram o termo hebraico nisdaq por “será limpo”.
[do inglês “cleansead”]. Essa tradução tem uma história,302 remontando à Vulgata
Latina303 e às mais antigas versões gregas dos tempos pré-cristãos.304 Muitas versões
modernas não refletem essa versão tradicional.305
Recentemente, porém, a NAB traduziu nisdaq como “será purificado [purified]”.
Há vários comentaristas que defendem que “purificado/limpo”306 é a tradução corre-
ta de nisdaq307 porque “será justificado”, ou coisa semelhante, “dificilmente pode ser
dito do santuário.”308 [Na versão Almeida da Bíblia em português não existe diferen-
ça – ambas as palavras em inglês são traduzidas como “purificado”. Mas a chamada
Edição Pastoral, tradução católica publicada pelas Edições Paulinas, diz o seguinte
em Daniel 8:14: “Depois será feita justiça ao santuário.” – Nota do tradutor.]
A palavra hebraica nisdaq no versículo 14 é um derivativo verbal de uma raiz
(sdq) que aparece no Antigo Testamento 523 vezes. Contudo, a forma verbal Niphal
desta raiz aparece apenas uma vez no Antigo Testamento, o nisdaq do nosso estu-

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

do. Por outro lado, há 40 empregos da raiz em quatro diferentes raízes verbais,309
duas formas nominais,310 e uma forma adjetival.311 As duas últimas formas aparecem
juntas não menos de 482 vezes. Embora uma investigação detalhada do emprego
dessas variadas formas não possa absorver nossa atenção aqui, será necessário pro-
ver alguma discussão sobre esse termo enigmático. Seguiremos os principais pro-
cedimentos para a investigação de palavras usadas apenas uma vez nas Escrituras,
observando as antigas versões termos paralelos, e formas verbais cognatas.
1. Antigas versões e nisdaq. As mais antigas versões são as antigas traduções
gregas de Daniel, tais como a Septuaginta e a tradução de Teodócio. Ambas as
versões traduzem nisdaq pelo termo grego katharisthēsetai,312 (“será limpo”). Afirma-
se costumeiramente que isto reflete a experiência dos eventos da (profanação e)
rededicação do templo de Jerusalém no tempo de Antíoco IV Epifânio.
Isso é possível, mas não absolutamente necessário, uma vez que não sabemos
precisamente quando a Septuaginta do livro de Daniel foi traduzida. Se ela foi tra-
duzida antes dos eventos de 167-164 a.C. (o período da profanação por Antíoco),
não conteria nenhuma reflexão sobre eles. Mesmo que ela tivesse sido traduzida
posteriormente, poderia não ser uma reflexão sobre esses eventos. Não devemos
necessariamente ler a Septuaginta através das lentes do relato de 1 Macabeus 4:42-
51. Seja como for, as mais antigas versões gregas – e a Septuaginta é uma versão
356 pré-cristã – dizem “o santuário será limpo.”
A Vulgata Latina, tradução feita por Jerônimo em cerca de 400 d.C., contém
a variante mundabitur (será purificado/limpo).313 A Siríaca Peshitta tem a mesma
tradução, bem como a Cópta.314
Resumindo, todas as antigas traduções (Septuaginta, Teodócio, Vulgata, Siría-
ca e Cópta) traduziram o hebraico nisdaq de 8:14 por “purificado/limpo”.315 Essa
evidência simples e direta é significativa.
2. Termos paralelos na poesia hebraica. Um dos procedimentos de recupera-
ção de significados de palavras no estudo do Antigo Testamento é volver-nos à po-
esia e investigar termos empregados em paralelismo poético. Esse estudo tem sido
empreendido.316 Os resultados indicam que vários derivativos da raiz (sdq) são usa-
dos em paralelismo com zākāh (“ser puro”),317 tāhēr (“ser limpo, puro, purificar”),318
e bōr (“limpeza”).319
O paralelismo zākāh//sādāq (ser puro//ser justo), aparece em Jó 15:14,320 e
25:4321 O paralelismo em Salmo 51:4 diz: “Para que Tu sejas justificado [sādaq]
quando falares, E sejas irrepreensível [sejas puro, zākāh]322 quando julgares” (NASB,
ênfase suprida).
O paralelismo de sādaq//tāhēr (ser justo//ser limpo, puro), é encontrado em
Jó 4:17.323 Em Jó 17:9 o paralelismo é entre o adjetivo saddîq, “o justo”, e “o puro
de mãos”, tāhār-yādayim. Deve ser notado que tāhēr é o termo típico no Antigo
Testamento para limpeza cúltico-ritual.324 É usado para a purificação do santuário

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Estudos sobre Daniel

em Levítico 16:9, 30. Mas também pode ser usado mais amplamente para limpeza
física e moral.325 Vários eruditos têm apontado para o significado do paralelismo
sādāq//tāhēr e sua importância para ambos os termos e as conexões que cada um
transmite dessas associações sinônimas.326
O paralelismo de sedeq//bōr (“justiça//limpeza”) é atestado em Salmo 18:20,
onde a “justiça” do crente é igual à “limpeza de [suas] mãos”. A pureza ética está
em primeiro plano.327 Com base nesses termos paralelos e sua íntima associação,
parece razoável sugerir que as ideias de limpo/puro, limpar/purificar deveriam ser
consideradas como parte do conteúdo semântico das várias formas de sādaq, de-
pendendo dos seus empregos contextuais. A unanimidade das antigas versões em
traduzir nisdaq em 8:14 por “será limpo/purificado” pode refletir essas nuanças se-
mânticas de limpo/puro e limpeza/pureza manifestadas nesses termos sinônimos
do paralelismo poético hebraico.
3. Formas verbais cognatas no Antigo Testamento. Não é possível prover
um estudo detalhado das 40 formas verbais do Antigo Testamento da raiz (sdq)
da qual deriva nisdaq. As formas Qal significam “estar no direito, ser justo, ter um
caso justo, ser vindicado, ser justo, íntegro”. As formas intensivas do Piel signifi-
cam “declarar alguém como justo, fazer alguém parecer justo, inocente, desejar-se
a si mesmo justo”. A forma Hiphil causativa significa “dar ou trazer justiça, declarar
357
justo, justificar, vindicar”. E finalmente, aquela forma Hithpael significa “justificar-
se.”328 Três principais ideias inter-relacionadas aparecem no uso das formas ver-
bais: justificar, vindicar, e ser/corrigir.
É evidente, mesmo na língua inglesa [ou portuguesa], que estes conceitos de
justificar, vindicar, corrigir, reparar, ordenar têm fortes conexões com o tribunal e
seus processos judiciais. Esses relações aparecem explicitamente em Isaías 41:26,
onde o pronunciamento legal é mencionado: “Ele é justo [saddîq]” (KJV).329 A
expressão é formulada, então parece, na linguagem do discurso judicial, com o
procedimento de pergunta e contra-pergunta do processo legal.330
Isso vem explicitamente à expressão em Isaías 43:9, com o desafio do Senhor:
“Apresentem as suas testemunhas e por elas se justifiquem [sādāq, Qal].” Este é
outro discurso judicial. Parece que o Senhor está apelando aos deuses pagãos para
que apresentem o seu caso em um tribunal de justiça, diante de testemunhas. O
contexto desse processo judicial é determinar a reivindicação do Senhor de que
“Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões [pešā‘] por amor de mim e
dos teus pecados não me lembro.”
Em Isaías 45:25 é feita a promessa: “Mas no Senhor será justificada [sādāq,
Qal] toda a descendência de Israel e nele se gloriará.” Em Isaías 50:8 (dentro do
terceiro assim chamado Cântico do Servo) a linguagem e o tribunal de justiça
aparece outra vez na declaração: “Aquele que me vindica [sādāq, Hiphil] está perto;

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

quem contenderá comigo? Levantemo-nos, quem tem um caso contra mim? Que
se aproxime de mim” (NASB, ênfase suprida).
Esta associação forense do tribunal de justiça não deveria vir como uma sur-
presa porque uma associação primária de várias formas da raiz sdq – e, por exten-
são, suas formas nominais – pertencem à linguagem legal do Antigo Testamento e
seus procedimentos de jurisprudência.331
Várias observações resumidas importantes estão agora em ordem: (1) O em-
prego bíblico das formas verbais e adjetivais da raiz sdq coloca-as no contexto da
linguagem do tribunal de justiça e dos processos legais de julgamento. (2) Vários
derivativos de sdq pertencem à linguagem legal-judicial. (3) Yahweh é aquele que
traz vindicação ao acusado, endireitando as coisas, e consertando a questão. (4)
É em um cenário cósmico entre Yahweh e deuses pagãos que a questão deve ser
resolvida quanto a quem apagará as transgressões dos crentes (Is 43:25).
A associação do contexto do juízo com a afirmação de que Yahweh pode apa-
gar a transgressão (peša‘) em uma situação cósmica envolvendo a Deus e as divin-
dades pagãs pode ser uma pista quanto ao porquê do uso do verbo nisdaq em 8:14.
Daniel 8:14 está também num contexto cósmico de juízo divino envolvendo ativa-
mente o santuário celestial e a peša‘ (transgressão) do povo de Deus. O contexto
do juízo no capítulo 8, porém, se relaciona com o tempo do fim (versos 17, 19) e é
358 fortemente iluminado pela visão paralela do juízo de 7:9-19, 13-14.
Essas considerações, baseadas em várias evidências, apontam na direção da
compreensão de nisdaq em 8:14 como uma designação policrômica que inclui
dentro do seu alcance semântico tais significados como “purificando, vindicando,
justificando, endireitando, restaurando”. Seja qual for a maneira como alguém
traduza o termo hebraico para uma língua moderna, a “purificação” do santuário
inclui real limpeza, bem como atividades de vindicar, justificar e restaurar.
Parece que Daniel escolheu o termo nisdaq – palavra de uma raiz com ricas e
amplas conotações, amplamente empregada em contextos de julgamento e proces-
sos legais – a fim de comunicar eficazmente os aspectos inter-relacionados da “pu-
rificação” do santuário celestial no contexto cósmico do juízo do tempo do fim.
Os estreitos e limitados aspectos de outros termos disponíveis não parecem fazer
justiça às implicações de longo alcance da atividade divina no tribunal celestial.
Agora precisamos voltar mais uma vez para o termo “santuário” de 8:14.332 O
texto hebraico tem (como no versículo 13) o termo qōdeš. Nossa discussão anterior,
conforme anotada acima, tem indicado que o termo nunca significa “altar”333 ou
“alguma coisa santa” (Heiliges) no sentido de verdades especiais que devem ser vin-
dicadas nos últimos dias. O termo qōdeš tem sido traduzido por “santuário” desde
as mais antigas versões até ao presente.334 Isto é apoiado por frequentes empregos
do termo com referência ao santuário terrestre e celestial no Antigo Testamento.

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Estudos sobre Daniel

A mudança de terminologia de miqdāš (santuário) em 8:11-12 para qōdeš (san-


tuário) nos versículos 13-14 parece refletir um desígnio que segue a estrutura da
visão (v. 3-12) para a audição (v. 13-14). A recapitulação dos aspectos da visão no
versículo 13 parece indicar que nesse texto qōdeš se refere ao santuário celestial,335
que é atacado pelo poder do “chifre pequeno”. Nesse sentido, o versículo 13 é uma
transição do passado para o que deve ocorrer no tempo do fim, quando as 2.300
tardes-manhãs (conforme descritas no versículo 14) chegam ao fim. No versículo
14, o termo qŏdeš não inclui o santuário terrestre porque o último tinha sido fisica-
mente destruído em 70 d.C.336 Consequentemente, o único santuário existente no
tempo do fim é o celestial, o santuário da nova aliança (Hb 8).
A essa altura pode ser oportuno refletir sobre o aspecto cultual de qŏdeš, que
também explicará o uso da palavra. A mudança de miqdāš nos versículos 11-12
para qŏdeš na audição parece servir a um propósito adicional. O propósito torna-
se evidente através de uma investigação do Dia da Expiação em Levítico 16. O
termo qōdeš é outro elo terminológico explícito entre Daniel 8:14 e Levítico 16.
Pode ser surpreendente para para o leitor casual da Bíblia que o termo chave
para a purificação do “santuário”337 no Dia da Expiação em Levítico 16 seja o
termo qōdeš.338 Pareceria que quando um hebreu (impregnado como era do ritual
sacrificial que culminava anualmente com a purificação do santuário no Dia da
Expiação)339 ouvisse nisdaq qōdeš (o santuário será purificado), ele associaria essa 359
função ao seu conceito do Dia da Expiação.340 Temos também notado que o termo
qŏdeš está diretamente ligado a “purificação” (tāhēr) em outro lugar.341 A lingua-
gem empregada em 8:14 acerca da “purificação” do “santuário” evoca associações
cultuais, particularmente aquelas que lidam com o Dia da Expiação , incluindo
tais associações como as ideias de purificação, correção, justificação e vindicação
que envolvem o santuário e o povo.
O problema da profanação ou contaminação do santuário não é explicita-
mente tratado em 8:9-12. Temos notado que em nehum lugar é dito que o poder
do “chifre pequeno” profanou ou contaminou diretamente o santuário. Entre
as atividades explícitas do “chifre pequeno” não há nenhuma que se relacione
diretamente a uma profanação/contaminação do santuário. Segue-se, portanto,
que ninguém pode dizer com base exegética e contextual que o “chifre pequeno”
profanou o santuário, isto é, que um poder anti-Deus profanou o santuário, que
deve, então, ser purificado como resultado de tal profanação.
O ataque do “chifre pequeno” em 8:11 não é contra o santuário, mas contra
seu fundamento, a menos que alguém se envolva em pesadas mudanças textuais
para as quais não há nenhum apoio dos antigos manuscritos hebraicos. O ataque
do “chifre pequeno” é sempre contra: (1) o “exército do céu” e “as estrelas” (v. 10);
(2) o “Príncipe do exército” (v. 11a), (3) o ministério tāmîd dele (v. 11b-12a), (4) o
fundamento do santuário celestial (v. 11c), e (5) a “verdade” (v. 12b).

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

Pode-se sumariar o ataque do “chifre pequeno” afirmando que ele está empe-
nhado em uma luta contra o “Príncipe do exército”, usurpando suas funções e as-
sim interferindo nos benefícios que Ele provê para o seu povo em celestial atividade
redentora. Além disso, o chifre persegue o povo do Salvador-Príncipe. Esse retrato
coerente de 8:9-12 é apoiado plenamente pela interpretação angélica em 8:23-25.
Alguém pode falar de uma profanação indireta do santuário celestial pelo poder
do “chifre pequeno” no sentido de que os pecados daqueles que uma vez confiaram
no falsificado sistema de salvação são abandonados e confessados a Deus, porque o
genuíno ministério contínuo é reconhecido por seu mérito salvífico. Visto que os
pecados confessados do antigo Israel profanavam ou contaminavam o santuário ter-
restre, é possível dizer que ele era indiretamente profanado por Satanás. Isto é, por
meio das tentações de Satanás, os membros da comunidade da aliança eram levados
aos atos pecaminosos acerca dos quais o arrependimento e os rituais prescritos de
sacrifício no santuário foram instituídos para os genuinamente arrependidos. No
mesmo sentido, pode ser dito que o poder do “chifre pequeno” (como um agente
satânico) desempenha uma parte indireta na profanação do santuário celestial.
Todavia, devemos ter em mente que a profanação do santuário celestial não
é o problema real na atividade do “chifre pequeno” em 8:9-12. O verdadeiro pro-
blema é uma luta do poder do “chifre pequeno” e a agência que está por trás dele
360 para arrebatar do Príncipe do exército o controle sobre o plano divino da salvação.
Essa luta tem dimensões cósmicas envolvendo o Céu e a terra e o triunfo final do
amor de Deus em salvar a humanidade caída.
O santuário terrestre era purificado no Dia da Expiação dos pecados acumula-
dos do povo no fim de um período ritual de um ano completo. O Dia da Expiação
era um dia de juízo e redenção, um dia de purificação e purgação. De igual modo,
de forma antitípica, a verdadeira realidade do santuário celestial no final do perío-
do do mundo (tempo do fim) será “purificada” dos pecados acumulados da época
anterior, quando as 2.300 tardes-manhãs (anos) são terminadas.
Então os poderes redentores do Céu se encarregam de uma fase adicional de
ministério e atividade de natureza judicial-redentora, restaurando também a ver-
dade do fundamento da obra de Deus, vindicando os santos diante do universo
em uma atividade judicial de uma investigação de seus atos por causa dos seres
celestiais (veja 7:9-10).
As atividades judiciais-redentoras do Dia da Expiação no santuário terrestre
em favor do antigo Israel têm seu equivalente tipológico na atividade judicial-
redentora do santuário celestial no tempo do fim. Temos notado vários elos ter-
minológicos diretos entre Daniel 8 e Levítico 16, que servem para juntar esses
capítulos. A ênfase cúltico-judicial do termo pešā‘ (transgressão) relaciona Levítico
16, Daniel 8 e Daniel 9.342 A expressão da palavra hebraica qōdeš (santuário) tem

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Estudos sobre Daniel

uma analogia profunda em Levítico 16. A ideia expressa por nisdaq (purificado)
com sua rica ênfase semântica traz imediatamente à memória o aspecto de “purifi-
cação” do santuário e do povo de Deus em Levítico 16:16, 19, 30.343
Esses elos inconfundíveis são fortes indicadores das conexões conceituais e
teológicas entre Levítico 16 e Daniel 8. O que Levítico 16 descreve como o gran-
dioso ponto culminante de purificação, restauração, justificação e vindicação para
o antigo Israel no Dia da Expiação no fim do ciclo anual, Daniel 8 descreve como
o grandioso ponto culminante para todo o povo de Deus em uma escala cósmica,
universal no final dessa era – o prelúdio para a introdução da nova era, quando
somente o reino de Deus existirá.

Vínculos com Daniel 7


Notamos em outro lugar que existem vários elos terminológicos e conceituais,
bem como associações entre 8:13-14 e outras partes do livro de Daniel (7:9-10,
13-14, 21-22; 9:24-27; 12:1-4).344 e o ritual hebraico (Lv 16). Algumas observações
concernentes à cena do juízo de Daniel 7 estão em ordem à medida que esta visão
é a conexão mais imediata com 8:13-14.
O capítulo 7 descreve um “chifre pequeno” fazendo “guerra contra os santos
... até que veio o Ancião de dias” (v. 21-22a, NASB) e o “tribunal ... (assentou-se) 361
em juízo” (v. 26, NASB)345 em favor dos “santos do Altíssimo” (v. 22b, RSV). Os
últimos entram em juízo no tempo do fim; depois disto, “o tempo veio quando os
santos receberam o reino” (v. 22c; cf. v. 27, RSV). Esse juízo celestial ocorre antes
de os santos receberem o reino. Assim, é um juízo pré-advento que envolve inves-
tigação e purificação. Daniel 8:13-14 complementa a cena do juízo do capítulo 7
suplementando-a com o processo do próprio juízo.
A atividade judicial-redentora descrita em 8:14 localiza precisamente o início
desses eventos que devem começar no final das 2.300 tardes-manhãs ou anos no
“santuário” celestial. Correlaciona-os com as atividades típicas do Dia da Expia-
ção (Lv 16). Esta atividade judicial-redentora do tempo do fim diante dos seres
do universo (7:9-10) restaura à sua eficácia o santuário (8:14) que foi atacado e
suplantado pelo sistema rival do “chifre pequeno”.
A partir da atividade judicial-redentora no santuário para o povo de Deus,
“Miguel, o grande príncipe que tem encargo do teu povo” (12:1, RSV)346 é capaz
de sair vitoriosamente no tempo de angústia e livrar fisicamente os santos “cujo
nome de cada um será achado no livro. E muitos daqueles que dormem no pó
da terra despertarão, alguns para a vida eterna, e alguns para vergonha e desprezo
eterno” (12:1b-2, RSV).347
Deve ser notado que a ênfase de cada visão apocalíptica do livro de Daniel
move-se em direção do mesmo grandioso ponto culminante. No capítulo 2, o gran-

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

dioso ponto culminante é atingido pela vinda da pedra “cortada por nenhuma
mão humana” (v. 34, 45, RSV), que quebra toda a estátua em pedaços e enche toda
a terra (v. 35). Então o próprio Deus estabelece um reino “que jamais será destru-
ído, nem a sua soberania passará a outro povo” (v. 44, RSV). Sua magnitude é de
proporções universais e seu desígnio é de dimensões cósmicas.
No capítulo 7, as mesmas proporções universais e dimensões cósmicas são
enfatizadas. O ataque do chifre pequeno contra o povo de Deus é seguido por um
juízo investigativo celestial pré-advento em favor dos santos. De acordo com esse
juízo, o povo de Deus torna-se o recipiente do “seu reino” (v. 14), que possuirão
“para sempre e sempre” (v. 18, KJV). Embora o juízo seja em favor dos santos (v.
22), o subproduto é finalmente o fim do domínio do chifre pequeno (v. 26-27).
No capítulo 8, mudamos outra vez dos impérios mundiais para focalizar o
“tempo do fim” (v. 17). Depois da visão do poder do “chifre pequeno” (v. 9-12),
o enfoque central está de acordo com o tempo do fim, o grandioso ponto culmi-
nante da atividade judicial-redentora que se inicia no final dos 2.300 anos no
santuário celestial (v. 14). Essa atividade envolve o santuário celestial e os santos
terrestres em purificação, restauração, justificação e vindicação.
Como na visão apocalíptica anterior, essa atividade tem um efeito sobre o
“chifre pequeno”. Ele é quebrado “sem esforço de mãos humanas” (v. 25). O
362 enfoque da atividade cósmica de Deus é sempre o mesmo. É diretamente por seu
povo que possuirá o reino eterno. Indiretamente tem também implicações para
as forças opostas. Em uma escala mais ampla, reconhecemos novamente o grande
conflito entre Deus e as forças opostas. Em seu sentido mais fundamental isso
envolve vida e morte. Consequentemente, a última grande sequência apocalíptica
dos capítulos 11–12 outra vez se move dos impérios mundiais para o tempo do
fim. Nesse tempo, porém, os resultados das cenas judiciais-redentoras anteriores
(7:9-14; 8:13-14) tornam-se evidentes através da vitória sobre o problema do peca-
do pela ressurreição dos santos para a vida eterna (12:1-4).
Os versículos de 8:13-14 “são o coração do capítulo 8”.348 Eles devem ser vistos,
porém, no contexto dos segmentos do juízo da visão do capítulo 7, bem como dos
eventos culminantes dos capítulos 11–12. A passagem de Daniel 8:13-14 é uma
expansão, suplementação e ampliação da cena do juízo investigativo pré-advento
do tempo do fim de 7:9-10, 13-14, 21-22, 25-27. É pressuposto pelas atividades exe-
cutivas do Príncipe Miguel, que salva a “todo o que está... escrito no livro” (12:1,
NASB) e ressuscita os fiéis para a vida eterna.
Consequentemente, o grandioso ponto culminante do livro de Daniel não é
o juízo, por mais importante que seja, para os propósitos redentores do povo de
Deus. Antes, tudo conduz à ressurreição e à nova era com o reino eterno existindo
por si mesmo. No plano de Deus, o juízo antes da vinda da nova era é designado
para trazer salvação àqueles que são realmente seus.

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Estudos sobre Daniel

Todo o livro de Daniel, com o capítulo 8 mantendo um lugar fundamental,


encontra o seu clímax final na ressurreição do fiel povo de Deus. Naquele mo-
mento uma ordem inteiramente nova de existência começa para o povo de Deus.
O pecado e a morte e tudo o que eles envolvem são vencidos uma vez por todas.
Começa a nova era, e ela conhece apenas o indestrutível e eterno reino dos san-
tos. Finalmente, o velho se foi e o novo começou. Vida, realmente vida eterna, é
assegurada ao homem.

Notas
1
G. F. Hasel, “‘The Little Horn’, the Saints, and the Sanctuary in Daniel 8”, The
Sanctuary and the Atonement, eds. A. V. Wallemkampf e W. R. Lesher (Washington, D.C.,
1981), p. 177-227 (doravante citado como Hasel, LSS).
2
A importância dessa distinção tem sido notada por comentaristas. É particularmente
enfatizada por O. Plöger, Das Buch Daniel (Gutersloh, 1965), p. 126-27. L. F. Hartman e A.
A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 230-31, fazem a distinção entre
“visão” (versículos 1-12) e “revelação” (versículos 13-14).
3
Um diálogo de seres celestiais é também descrito em Zacarias 1:12-21. Em contraste
com Zacarias, a passagem de 8:13-14 não tem nenhum diálogo entre anjo e vidente.
4
H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (New York, 1949), p. 32-33, 37. 363
5
H. H. Rowley, “The Unity of the Book of Daniel”, HUCA 33 (1950-51): 233-73.
6
H. L. Ginsberg, “The Composition of the Book of Daniel”, VT 4 (1954): 246-75.
7
H. H. Rowley, “The Composition of the Book of Daniel”, VT 5 (1955): 272-76.
8
Hartman e Di Lella, p. 230-32.
9
B. Hasslberger, Hoffnung in der Bedrängnis. Eine formkritische Untersuchung zu Dan 8
und 10-12 (St. Ottilien, 1977), p. 19-20.
10
A. Jepsen, “Bemerkungen zum Danielbuch”, VT 11 (1961): 386-91.
11
Gisberg, “Composition”, p. 259.
12
Recentemente, por exemplo, Hartman e Di Lella, p. 13; J. G. Gamie, “The Clas-
sification, Stages of Growth, and Changing Intentions on the Book of Daniel”, JBL 95
(1976): 195; J. J. Collins, The Apocalyptic Vision of the Book of Daniel (Missoula, MT, 1977),
p. 8-10; A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 8-10.
13
Ginsberg, Studies in Daniel, p. 32.
14
Hasslberger, p. 19.
15
Ibid.
16
Ibid.
17
Ibid., p. 17-18.
18
Collins, p. 24, n. 19, usa essa designação para Ginsberg.
19
Os intérpretes concordam em grande parte de que Daniel 8 necessite de um elemento
tempo. Veja W. Baumgartner, “Ein Vierteljahrhundert Danielforschung”, TR 11 (1939): 82.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

20
Lacocque, p. 165, argumenta contra Ginsberg que 8:13-14 “são o cerne do capítulo 8.”
21
Veja Hasel, LSS, p. 182-87, para um estudo mais antigo e mais breve de 8:9-10.
22
Veja P. Jouon, Grammaire de l’Hébrew biblique (Roma, 1947), p. 262-63; C. Brockel-
mann, Hebräische Syntax (Neukirchen, 1956), p. 75-76; W. R. Harper, Elements of Hebrew
by an Inductive Method, rev. por J. M. P. Smith (Chicago, 1968), p. 171; M. Lambert, Traité
de Grammaire Hébraique (Hildesheim, 1972), p. 211-12; R. J. Williams, Hebrew Syntax: An
Outline (Toronto, 1967), p. 21-22, n. 95.
23
Hartman e Di Lella, p. 235; cf. C. Keil, Biblical Commentary on the Book of Daniel
(1869), p. 295; Plöger, p. 126; e muitos outros. É surpreendente que estes eruditos passem
por alto toda discussão desses problemas gramático-sintáticos.
24
Há alguns manuscritos hebraicos que trazem mhn, um sufixo feminino, em vez da
variante masculina mhm na tradição massorética. Neste caso, a frase inicial do versículo 9
poderia se referir ou aos “quatro notáveis” ou aos “quatro ventos do céu”. Sintaticamente,
a questão do antecedente seria neutra.
25
Veja n. 22 e também R. Meyer, Hebräische Grammatik, 3a ed. (Berlim, 1969), vol. 2,
p. 86, n. 59.1.
26
W. H. Shea, Daniel and the Judgment (Washington, D.C., s.d. [1980]), p. 65.
27
Veja Isaías 62:1b; 28:15; 42:4; 44:3b; Salmos 57:6, 11; 108:6; Jó 5:9; 18:10; Provérbios
5:5; 29:3; cf. W.G.E. Watson, “Gender-Matched Synonymous Parallelism in the OT”, JBL
364 99 (1980): 321-41, principalmente p. 339 onde os exemplos citados são mencionados.
28
Shea, p. 66.
29
Ibid.: “Assim, é sintaticamente impossível que o chifre pequeno de Daniel 8 repre-
sente Antíoco Epifânio.”
30
M. Suring, Horn-Motifs in the Hebrew Bible and Related Ancient Near Eastern Literature
and Iconography (tese doutoral, Andrews University, 1980), p. 410.
31
L. Kohler and W. Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros (Leiden, 1958), p.
877, doravante citado como KBL.
32
W. L. Holladay, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament (Grand
Rapids, 1971), p. 334, doravante citado como CHAL.
33
R. Albertz e C. Westermann, “Rûah Geist”, THAT, 2:729; cf. CHAL, p. 334.
34
E. Kautzsch e A. E. Cowley, Gesenius’ Hebrew Grammar, 2a ed. (Oxford, 1970), p.
440, grifos dos autores.
35
O leitor deve notar que em 8:8 o numeral “quatro” na frase “quatro notáveis” (hāzût
’arba‘) com a palavra “chifre” omitida por elipse é masculino. O numeral feminino “um”
(’ahat) no início do versículo 9 não pode se referir ao numeral “quatro” porque não há
concordância de gênero. Da mesma forma, ’ahat (um) não pode se referir de volta ao
substantivo feminino hāzût (“notabilidade”) porque sintática e logicamente não faz ne-
nhum sentido sugerir que o intento da frase inicial do versículo 9 seja “de um”, isto é,
“da notabilidade dos quatro (chifres) sai um chifre da insignificância.” Desta forma os
problemas permanecem: (1) ambas as expressões, a saber, “de um” (min-ha’ahat) e deles

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Estudos sobre Daniel

(mēhem), uma sendo feminina e o outra sendo masculina, forçosamente se refeririam a


“chifres” que é omitido pela elipse e que é de gênero feminino e nunca masculino. Assim
não se tem em vista nenhuma concordância em gênero, eliminando isso como uma pos-
sibilidade sintática. (2) A repetição propositiva de “de . . . de” (min . . . min) no versículo 9
permanece inexplicada ao se acreditar que ela se refere à frase “os quatro notáveis”, mas
se ajusta à frase prepositiva “para os quatro ventos dos céus”. (3) é menos natural ter um
antecedente omitido por elipse como é a palavra “chifres” depois da palavra “quatro”. (4)
É sintaticamente normal em hebraico que o antecedente seja o mais próximo gramatical
um, isto é, “os quatro ventos dos céus” e não um mais distante a menos que a sintaxe ou
sentido o exija.
36
KBL, p. 393-94; cf. CHAL, p. 139-40.
37
KBL, p. 705-6.
38
A forma é ta‘ alēnāh, um Hiphil imperf. 3 form. pl. fem.
39
Lacocque, p. 159.
40
A LXX diz keras ischuron hen (um forte [poderoso] chifre), e Teodócio tem apenas
uma ordem de palavras diferente – keras hen ischuron.
41
É do modicum da Vulgata que as versões inglesas obtêm a tradução tradicional “little
horn” [chifre pequeno]. Veja J. A. Montgomery, The Book of Daniel, ICC (1927), p. 383-84.
42
Veja R. Kittel, ed. Biblia Hebraica, 3a ed. (Stuttgart, 1966); eds. K. Elliger e W. Rudolph, Bi-
blia Hebraica Stuttgartensia (Stuttgart, 1976), doravante citados como BHK e BHS respectivamente. 365
43
Assim, de forma muito correta, J. Meinhold, Das Buch Daniel (Nordlingen, 1889),
p. 308; G. C. Aalders, Daniel (Kamper, 1962), p. 174; E. J. Young, The Prophecy of Daniel
(Grand Rapids, 1949), p. 170; Plöger, p. 122; M. Delcor, Le livre de Daniel (Paris, 1971), p.
172; Hasslberger, p. 53.
44
A. Bevan, A Short Commentary on the Book of Daniel (Cambridge, 1892), p. 131, afir-
mou que a preposição min em misse‘îrāh deve ser suprimida, de sorte que se‘îrāh (“pouco,
pequeno”) possa ser lido. No numeral ’ahat a letra “r” deve ser inserida, de sorte que se
diga ’aheret (“outro”) e a frase inteira diga “outro chifre pequeno”. Essa correção dupla tem
sido amplamente seguida: J. D. Prince, A Critical Commentary on the Book of Daniel (Leipzig,
1899), p. 241; P. Riessler, Das Buch Daniel (Viena, 1902), p. 72; K. Marti, Das Buch Daniel
(Tubingen e Leipzig, 1901), p. 57; R. H. Charles, A Critical and Exegetical Commentary on
the Book of Daniel (Oxford, 1929), p. 203; J. T. Nelis, Daniel Roermond-Maaseik, 1954), p.
95; Plöger, p. 122; Hartman e Di Lella, p. 221; Lacocque, p. 159; BHK; BHS.
45
Veja C. F. Keil, Biblical Commentary on the Book of Daniel (Grand Rapids, 1949), p.
295; G. Behrmann, Das Buch Daniel (Gottingen, 1894), p. 53; S. Tiefenthal, Daniel (Pader-
born, 1895), p. 266; Young, p. 170; Delcor, p. 174; Hasslberger, p. 8, v. 22, 53.
46
E. Jenni, “Ys’ hinausgehen”, THAT, eds. E. Jenni e C. Westermann (Zurique, 1971),
1:755-61; W. Baumgartner, Hebräisches und aramäisches Lexikon zumAlten Testament (Leiden,
1974), 2:406-8, doravante citado como HAL.
47
Veja Deuteronômio 20:1; 1 Crônicas 5:18; 20:1; Provérbios 30:27; Amós 5:3.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

48
Veja Daniel 9:15; 22-23; 10:20; 11:11, 44.
49
O verbo é novamente um Qal como no exemplo anterior.
50
HAL 1:171.
51
KBL, p. 171.
52
Keil, p. 296; Meinhold, p. 308; Bevan, p. 132; Behrmann, p. 53; G. F. Moore, “Da-
niel 8:9-14”, JBL 15 (1896): 194; Hartman e Di Lella, p. 236.
53
Dt 4:19; 17:3; 2Rs 17:16; 21:3, 5; 23:4-5; 2Cr 33:3, 5; Is 34:4; Jr 8:2; 19:13; Zc 1:5.
54
1Rs 22:19; 2Cr 18:18; Ne 9:6; Jr 33:22.
55
Veja M. Cogan, Imperialism and Religion: Assyria, Judah and Israel in the Eighth and
Seventh Centuries B.C.E. (Missoula, MT, 1974), p. 84-88.
56
Também Hasslberger, p. 55.
57
Veja n. 34.
58
Keil, p. 296; Young, p. 171.
59
G. F. Hasel, “The Identity of ‘The Saints of the Most High’ in Daniel 7”, Bib 56
(1975): 173-92.
60
B. Hasslberger, Hoffnung in der Bedrängnis. Eine formkritische Intersuchung zu Dan 8 and
10-12 (St. Ottilien, 1977), p. 17-22.
61
A unidade do capítulo 8 é defendida por F. Dexinger, ‘Das Buch Daniel und seine
Probleme (Stuttgart, 1969), p. 27-29; F. Nötscher, “Daniel”, Echter-Bibel (Wurzburg, 1948),
366 p. 6; E. W. Eaton, The Book of Daniel (Londres, 1956), p. 48; N. W. Porteous, Daniel: A
Commentary (Filadélfia, 1965), p. 120; e outros.
62
A razão é o fato de que o verbo precede o sujeito animal onde toma um masculino,
enquanto o sujeito é feminino. Esta falta de concordância entre verbo e sujeito segue a
sintaxe hebraica normal.
63
T. Kliefoth, Das Buch Daniels (Schwerin, 1868), p. 268-69, sugere que a mudança
indica uma mudança de visão para predição. H. Junker, Untersuchgen uber literarische und
exegetische Probleme des Buches Daniel (Bonn, 1932), p. 67, acha que os versículos 11-12 des-
crevem realidade e não visão. Hasslberger, p. 18, afirma que os versículos 11-12 são uma
interpretação dos versículos 9-10. Isto, porém, não é correto, porque os versículos 11-12
introduzem elementos nunca mencionados ou aludidos antes.
64
Hasslberger, p. 18.
65
Por exemplo, G. M. Price, The Greatest of the Prophets (Mountain View, CA, 1955),
p. 170, 173, 176-77.
66
Essa opinião supera duas grandes dificuldades: (1) Algumas especificações de 8:9-12
não encontram cumprimento nas fases de Roma pagã e papal. (2) O livro de Daniel não
tem cumprimento duplo em nenhum outro lugar. Daniel 8:9-12 mantém-se dentro do
padrão de cumprimento único de Roma em suas duas fases históricas distintas.
67
Sintaticamente, as primeiras duas sentenças em 8:11 são sentenças verbais inverti-
das, significando que o objeto precede o verbo, contrário à ordem normal das palavras.
68
É o Hiphil perfeito de gādal que tem o significado de “engrandecer-se” (W. L. Holla-

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Estudos sobre Daniel

day, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament [Grand Rapids [1971]), p.
56, doravante citado como CHAL.
69
Não há nenhuma necessidade de mudar a forma do feminino higdîlāh, como faz A.
von Gall, Die Einheitlichkeit des Buches Daniel (Giessen, 1895), p. 51; G. F. Moore, “Daniel
8:9-14”, JBL 15 (1896): 194; K. Marti, Das Buch Daniel (Tubingen e Leipzig, 1901), p. 58.
70
R. Mosis, “gādhal”, TDOT (1975), 2: 404.
71
E. Jenni, Das hebraische Pi‘el (Zurique, 1968), p. 46-48.
72
Também E. Grotius, Annotations in Vetus et Novum Testamentum (Londres, 1727);
Ephrem, Commentationes Danielii (1740); R. H. Charles, A Critical and Exegetical Commen-
tary on the Book of Daniel (Oxford, 1929), p. 204; M. A. Beek, Das Danielbuch (Leyden,
1935), p. 80.
73
1Cr 24:5; Ed 8:24, 29.
74
Dn 8:11, 25; 10:13, 21; 12:1.
75
A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 162, está correto em apontar para
a identidade de Miguel como o Príncipe do exército, mas a inclusão do Sumo Sacerdote
Onias III é injustificada pelo material.
76
Isto não significa que “o Príncipe do exército” é uma figura coletiva que “designa a
personificação transcendente do ‘povo dos Santos’”, conforme é sugerida por Lacocque,
p. 172.
77
Judas 9 (cf. 1Ts 4:16); Ap 12:7-17. 367
78
Hartman e Di Lella, p. 222, corrigem sem apoio dos manuscritos hebraicos para
mikkannô ou mimmekônô (“de sua posição”) a fim de harmonizar com a interpretação de
Antíoco. Tais mudanças no texto são injustificadas e apontam para os insuperáveis proble-
mas dessa interpretação.
79
Isto é apoiado pela Septuaginta Grega e Teodócio di’ auton e a Vulgata Latina ab eo tulit.
80
L. F. Hartman e A. A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 222
sugerem tārîm (ele removeu).
81
A forma huraym (o Qere) é um Hophal (Montgomery, p. 340) com um yod de rûm
inexplicado. O significado é “ser tirado” (l. Kohler e W. Baumgartner, Lexicon in Veteris
Testamenti Libros [Grand Rapids, 1971], p. 881, doravante citado como KBL) ou “ser remo-
vido” (CHAL, p. 335). O Kethib é herîm, um Hiphil da mesma raiz, com o significado de
“tirar” (KBL, p. 881; CHAL, p. 335), enquanto que vários manuscritos hebraicos apoiam a
variante hûram, um Hophal com uma grafia plena. É esta variante que seguimos.
82
F. Brown, S. R. Driver, e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the OT (Oxford,
1974), p. 556, doravante citado como BDB.
83
No Antigo Testamento tāmîd é usado regularmente e sem exceção, quer seja como
um advérbio ou como um adjetivo.
84
Hartman e Di Lella, p. 222, e outros.
85
Lacocque, p. 158.
86
A. Plöger, Das Buch Daniel (Gutersloh, 1965), p. 120.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

87
J. A. Montgomery, The Book of Daniel, ICC (1927), p. 336.
88
Ibid.
89
E. J. Young, The Prophecy of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 172.
90
Ibid.
91
H. C. Leupold, Exposition of Daniel (Grand Rapids, 1969), p. 347.
92
Assim com ênfase Montgomery, p. 336; Hasslberger, p. 100.
93
Hasslberger, p. 100.
94
Montgomery, p. 336.
95
Montgomery, p. 336; Hasslberger, p. 100; A. Bentzen, Daniel (Tubingen, 1952), p.
70; Marti, p. 58.
96
Veja M. Jastrow, Dictionary of the Targumim, the Talmud Babli and Yerushalmi, and the
Midrashic Literature (New York, 1950), 2:1676-77.
97
Por exemplo, Marti, p. 58; Montgomery, p. 336; Bentzen, p. 70; Charles, p. 207; Plöger, p.
126; Hartman e Di Lella, p. 236; Lacocque, p. 159; N. W. Porteous, Daniel (Londres, 1965), p. 125.
98
Entre os mais antigos comentaristas estão E. W. Hengstenberg (1848), H. C. Haever-
nick (1832), R. Kranichfeld (1868), T. Kliefoth, (1868), e C. F. Keil, Biblical Commentary on
the Book of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 298. Entre os mais recentes expositores estão
Young, p. 172; Leupold, p. 347-48; L. Wood, A Commentary on Daniel (Downers Grove,
IL, 1978), p. 157: “Nesta única palavra todo o sistema sacrificial está implícito”; C. Bout-
368 flower, In and Around the Book of Daniel (Londres, 1923), p. 17, n. 2.
99
Hatman e Di Lella, p. 236.
100
Plöger, p. 126.
101
Antíoco foi o oitavo dos 26 reis do quarto império ou império sírio. Ele é parte de
um dos quatro chifres, mas não um chifre separado e distinto. Veja G. M. Price, The Great-
est of the Prophets (Mountain View, CA, 1955), p. 166-167.
102
Antíoco foi um rei do chifre selêucida, ao passo que os “chifres” representam “qua-
tro reinos” (8:22) o que indica que o novo chifre é também um reino e não um simples rei.
Para outras especificações em Daniel 8 acerca da natureza dos chifres que não são compa-
tíveis com Antíoco, veja Seventh-day Adventists Answer Questions on Doctrine (Washington,
DC, 1957), p. 327-28.
103
Não há nenhuma contagem das 2.300 “tardes e manhãs” que possa ser harmo-
nizada com os três anos de profanação do templo de Jerusalém (1Mac. 1:54, 59; 4:52);
somente dois anos são mencionados em 2 Macabeus 10:2, ou a extensão total do reinado
de Antíoco. Isto é inadvertidamente admitido. Veja Porteous, p. 127; Young, p. 174; Leu-
pold, p. 335; Bentzen, p. 71; Hartman e Di Lella, p. 237; cf. C.H.H. Wright, Daniel and
His Prophecies (Londres, 1906), p. 190.
104
Por exemplo, I. Newton, Dissertations on the Prophecies (Londres, 1838), p. 247-48; E.
B. Pusey, Daniel the Prophet (Plymouth, 1864), p. 135; S. N. Haskell, The Story of Daniel
the Prophet (South Lancaster, MA, 1908), p. 126-27.
105
U. Smith, The Prophecies of Daniel and Revelation (Nashville, 1944), p. 159-62; Price,

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Estudos sobre Daniel

p. 167; SDA Bible Commentary, vol. 4, p. 841. D. Ford, Daniel (Nashville, 1978), p. 172-74,
partilha a interpretação romana em suas fases pagã e papal, e ao mesmo tempo aceita uma
aplicação inicial a Antíoco e à “apostasia final” no futuro. Ele é o único intérprete recente
que aceita várias interpretações, isto é, a preterista, historicista, e futurista pré-milenial que
estão em aparentemente irreconciliável tensão umas com as outras.
106
SDA Bible Commentary, 4:843.
107
Price, p. 173.
108
Hb 8:6; 9:15; 12:24; 1Tm 2:5.
109
E. Kautzsch e A. E. Cowley, Gesenius’ Hebrew Grammar, 2a ed. (Oxford, 1970), p. 455.
110
G. C. Aalders, Daniel (Kampen, 1962), p. 175; Hasslberger, p. 98.
111
Veja G. F. Hasel, Understanding the Living Word of God (Mountain View, CA, 1980),
p. 100-105, para modernos princípios e métodos de tradução.
112
Ginsberg, Studies in Daniel, p. 52; Hartman e Di Lella, p. 222.
113
Hartman e Di Lella, p. 222.
114
Ginsberg, Studies in Daniel, p. 52.
115
Hartman e Di Lella, p. 222, muda o texto hebraico removendo inteiramente o
verbo we hušlak e inserindo em seu lugar wetirmōs (“profanou”). Essa correção foi primei-
ramente sugerida por Ginsberg, p. 52-54. Tanto Ginsberg quanto Hartman e Di Lella tra-
balham com a hipótese de fontes divergentes por trás de Daniel 8 e seguem comentaristas
anteriores que tinham pouco respeito pelo texto hebraico. O desrespeito para com o texto 369
hebraico não pode ser mais mantido em vista dos materiais de texto sobre Daniel encon-
trados nos Rolos do Mar Morto. Os fragmentos publicados de Daniel apoiam fortemente
o texto hebraico. Veja Baldwin, p. 44-45; G. F. Hasel, “Daniel Survives the Critics’ Den”,
Ministry 52 (jan. 1979): 8-11; id., “The Book of Daniel and Matters of Language: Evidences
Relating to Names, Words, and the Aramaic Language”, AUSS 19 (1981): 211-26.
116
Ginsberg, Studies in Daniel, p. 53, argumenta que a correção wtrms que toma o lugar
de we hušlak do texto hebraico, “significa ‘profanar.’ . . . “
117
Plöger, p. 120. Ele admite, porém, que o verbo literalmente significa “e ele foi dei-
tado abaixo” (p. 122).
118
R. Kittel, ed., Biblia Hebraica, 3a ed. (Stuttgart, 1966), e K. Elliger e W. Rudolf, eds. Biblia
Hebraica Stuttgartensia (Stuttgart, 1976), doravante citada como BHK e BHS respectivamente.
119
Um manuscrito babilônio-iemenita recentemente publicado também apoia o texto
massorético; veja S. Morag, The Book of Daniel: A Babylonian-Yemenite Manuscript (Jerusa-
lém, 1973), p. 127.
120
Hasel, Understanding the Living Word of God, p. 86-90.
121
Uma forma Hophal no terceiro perfeito masculino singular (BDB, p. 1021).
122
A raiz triliteral é šlk e aparece no Antigo Testamento somente nas formas Hiphil
(112x) e Hophal (13x). Veja F. Stolz, “šlk hi. werfen”, THAT, 2:916-19.
123
Stolz, col. 916.
124
O cajado de Moisés (Êx 4:3; 7:9, 10, 12), um pedaço de madeira (Êx 15:25), tábuas

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

de pedra (Êx 32:19), um cordel de medir (Mq 2:5), seres humanos mortos (Js 8:29; 10:27),
etc., e vivos (Gn 37:20, 22, 24; Êx 1:22), etc.
125
Os ídolos (Is 2:20; Ez 20:7-8), a lei (Torá) de Yahweh (1Rs 14:9; Ez 23:35; Ne 9:26),
pecado do homem (Ez 18:31).
126
Stolz, col. 918.
127
Veja Salmos 71:9; 102:10 (11); Jonas 2:3 (4); Lamentações 2:1; Neemias 9:11; 2 Reis
13:23; 17:20; 24:20; Jeremias 52:3; 7:15; 2 Crônicas 7:20.
128
Também BDB, p. 1021; KBL, p. 978; G. Fohrer, ed., Hebrew and Aramaic Dictionary
of the OT (Berlim/New York, 1973), p. 286, doravante citado como HAD. CHAL, p. 373,
dá “seja derrubado, desmoronado.”
129
Há alguns empregos no Antigo Testamento onde não se pode distinguir entre signi-
ficados literais e metafóricos. Veja Isaías 2:20, Ez 20:7-8; cf. Stolz, col. 917.
130
Êx 15:17; 1Rs 8:13, 39, 43, 49; 2Cr 6:2, 30, 33, 39; Ed 2:68; Sl 33:14; 89:14 (15);
97:2; 104:5; Is 4:5; 18:4; Dn 8:11.
131
Salmos 104:5 se refere ao ato de Deus de “estabelecer a Terra “sobre seus fundamen-
tos” (‘al–mekônēyhā). Esta é uma linguagem metafórica referindo-se às bases sobre as quais
a Terra foi fundada. HAL, p. 548.
132
Veja capítulo 10, “Significance of the Cultic Language in Daniel 8:9-14”, por A. M.
Rodriguez, p. 533-34, ao qual eu sou agradecido.
370 133
A frase típica é mekôn šebet, com frequência simplesmente traduzida como “lugar da
habitação” (assim RSV, NASB, etc.).
134
1Rs 8:39, 43, 49; 2Cr 6:30, 33, 39; Sl 33:14; Note particularmente que os três em-
pregos em 2Cr 6:30, 33, 39 enfatizam que Deus deve ouvir “do céu.”
135
A validade da equação entre “lugar da habitação” e “santuário” (miqdāš) é feita em
paralelismo poético em Êxodo 15:17.
136
1Rs 8:13 = 2Cr 6:2; Êx 15:17.
137
Is 18:4.
138
Sl 89:14 (15); 97:2.
139
Ed 2:68; Is 4:5.
140
Esta é uma parte significativa da oração de Salomão de dedicação do templo de
Jerusalém (veja 1 Reis 8:39, 41, 43).
141
O termo significativo mišpāt aparece em 1 Reis 8:49. Veja também mišpāt em cone-
xão com a “base” do trono de Deus (Sl 89:14; 97:2).
142
Este é o principal significado deste termo no Antigo Testamento com seus 74 em-
pregos (veja H. P. Muller, qdš heilig, THAT, 2:594). De forma mais restrita, pode se referir
à cortina e altar (Lv 21:23), o santíssimo dentro do santuário, utensílios sagrados (Nm
10:21), ofertas sagradas (Nm 18:29), todo o recinto ao redor e incluindo o santuário (Êx
25:8; Lv 12:4; 19:30; 20:3; 21:12; 26:2, 31; Nm 3:38; 18:1; 19:20); cf. KBL, p. 559; HAL,
p. 591-592; BDB, p. 874.
143
9:17 refere-se ao santuário/templo terrestre Cf. 11:31.

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Estudos sobre Daniel
144
Veja Salmos 68:35 (36); 96:6; e também Salmos 78:69; Jeremias 17:12; cf. M. Met-
zger, “Himmlische und irdische Wohnstatt Jahwehs”, Ugarit-Forschungen (Kevelaer, 1970),
2:140; M. Dahood, Salms (Garden City, NY, 1966-70), 2:192.
145
Salmo 96:6 é assim compreendido por D. Kidner, Salms 73-150 (Londres, 1975), p. 348.
146
De vez em quando, expositores admitem que se abstêm de mudar o texto hebraico
do versículo 11c que “evidentemente Antíoco não destruiu o templo. . . .” – Young, p. 172;
cf. J. F. Walvoord, Daniel, the Key to Prophetic Revelation (Chicago, 1971), p. 187. Wood, p.
215, também observa: “Embora esteja faltando evidência de que Antíoco realmente des-
truiu o Templo como edifício, ele o profanou terrivelmente, . . .” Estas são admissões tácitas
de que a interpretação de Antíoco falha em se ajustar às especificações do livro de Daniel.
147
Lacocque, p. 158, traduz: “fundamentos do seu santuário”. Embora ele interprete
isto ao estilo preterista, sua escolha por “fundamento” é correta.
148
Cf. Baldwin, p. 157.
149
Na sintaxe hebraica esta é uma sentença verbal invertida.
150
KBL, p. 642-643.
151
1 Reis 8:32; 2Cr 6:23; Ez 7:3-4, 9; 9:10; 11:21; 16:43; 22:31; cf. J. Labuschagne, “ntn
geben”, THAT, 2:122.
152
CHAL, p. 32.
153
Ibid.; KBL, p. 104.
154
CHAL, p. 32. 371
155
Veja Rodriguez, capítulo 21.
156
Assim Aalders, p. 178. Alguns comentaristas se empenham outra vez em correção
textual e mudam o verbo do versículo 12b em um tašlak passivo para tušlak (assim von
Gall, Kampenhausen, Marti, p. 59; cf. Montgomery, p. 337).
157
Assim Montgomery, p. 337; Lacocque, p. 163; Plöger, p. 122.
158
Montgomery, p. 338. Semelhantemente J. Meinhold, Das Buch Daniel (Nordlingen,
1889), p. 309; A. Jeffery, “The Book of Daniel”, IB (1956), p. 475; Leupold, p. 349; Aalders,
p. 178; M. Delcor, Le Livre de Daniel Paris, 1971), p. 175; Hartman e Di Lella, p. 226.
159
Lacocque, p. 163.
160
Marti, p. 59; Young, p. 173: “A verdade objetiva, manifestada na adoração a Deus.”
161
O artigo antes de ’emet (“verdade”), aparece em apenas sete empregos (Gn 32:10 (11);
42:16; Is 59:15; Zc 8:3, 19; 2Cr 31:20; 32:1) de 127 no Antigo Testamento (H. Wildberger,
“mn fest, sicher”, THAT, 1:182) e em apenas quatro dos sete ele não é uma referência a uma
referência anterior (Gn 42:16; Is 59:15; Zc 8:19; 2Cr 31:20). Isto não significa necessaria-
mente que “verdade” é um termo abstrato (assim Hasslberger, p. 103), mas que ela deve ser
compreendida em relação com o uso deste termo em Daniel 8:26; 9:13; 10:1, 21; 11:2.
162
A. Jepsen, “’aman”, TDOT (1974), 1:314; Wildberger, col. 208.
163
Note a estreita associação de “verdade” e tôrāh no Salmo 119:142, 151, 160, e tam-
bém Daniel 9:13; cf. Jeffery, p. 475; Hasslberger, p. 104.
164
Mas não nas narrativas aramaicas de Daniel 3:30; 6:28.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

165
Veja K. G. Kuhn, Konkordans zu den Qumrantexten (Göttingen, 1960), p. 234; Id.,
“Nachträge zur ‘Konkordans zu den Qumrantexten’”, RQ 14 (1963): 234; A. M. Haber-
mann, Megilloth Midbar Yehuda (Jerusalém, 1955), p. 173.
166
1QH 11,6; 12,4; 12,7; f 2,6; 4,17.
167
Tradução de 1QH 11,6 de M. Burrows, The Dead Sea Scrolls (New York, 1955), p.
413; cf. M. Mansoor, The Thanksgiving Hymns (Leiden, 1961, p. 167; S. Holm-Nielsen,
Hôdāyôt (Aarhus, 1960), p. 184; veja também 1QH f 4,17.
168
1QH 12,4 traduzido por Mansoor, p. 172; cf. Burrows, p. 414; Holm-Nielsen, p.
197.
169
1QS 6,7; 9,25; 10,23.
170
1QS 6,7. Veja G. Vermes, The Dead Sea Scrolls in English (Baltimore, 1966), p. 81; E.
Lohse, Die Texte aus Qumran (Munique, 1971), p. 23; Burrows, p. 378.
171
1QS 9,25. Veja Lohse, p. 35; Vermes, p. 88.
172
1QS 10,23. Veja Lohse, p. 39.
173
1QM 2,2.2; 2,3; 2,5; 12,14.
174
Assim datado por Y. Yadin, The Message of the Scrolls (New York, 1962), p. 128-43.
175
1QM 12,14 conforme traduzido por Burrows, p. 398; cf. Lohse, p. 209; Vermes, p.
140.
176
1QM 2,2a conforme traduzido por Burrows, p. 391; cf. Lohse, p. 183.
372 177
1QM 2,2b conforme traduzido por Burrows, p. 391.
178
Lohse, p. 183, traduz “perpetuamente”; e Burrows, p. 391, traduz “sempre”.
179
1QM 2,3 conforme traduzido por Vermes, p. 125.
180
1QM 2,5 conforme traduzido por Vermes, p. 126.
181
Publicado por J. M. Allegro. “Fragments of a Qumran Scroll of Eschatological
Midrašim”, JBL 77 (1958): 350-54.
182
4QFlor 1,5 conforme traduzido por Vermes, p. 246; cf. Lohse, p. 257; Habermann,
p. 173-74.
183
4QŠirŠabb 39,40 conforme publicado por J. Strugnell, “The Angelic Liturgy at
Qumran – 4Q Serek Sîrôt ‘ôlat Haššabbāt”, VTSup 7 (1960): 318-45, e 4QDibHam 7,5 e
7,9 conforme publicado por M. Baillet, “Un recueil liturgique de Qumran, Grotte 4: ‘Les
paroles des luminaires’”, RB 68 (1961): 195-250.
184
Y. Yadin, The Temple Scroll, ed. hebraica, 3 vols. (Jerusalém, 1977).
185
J. Milgrom, “The Temple Scroll”, BA 41 (1978): 119.
186
Cl 23:8; 25:7; 29:5; 57:9; omitimos os quatro exemplos plenamente reconstruídos
de Yadin, Temple Scroll, 2:40, 41, 42, 43.
187
Cl 29:5: “a instrução deste juízo é continuamente [tāmîd] contra os filhos de Israel.”
188
Cl 23:8; 25:7.
189
Para aqueles que datam 8-12 no tempo dos Macabeus ou segundo século a.C., seis
a sete séculos estão envolvidos. Para aqueles que datam o capítulo conforme sua linha de
data– 548/47 a.C. (veja G. F. Hasel, “The First and Third Years of Belshazzar [7:1; 8:1]”,

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Estudos sobre Daniel

AUSS 15 [1977]: 153-68 – nove a dez séculos estão envolvidos.


190
KBL, p. 1031.
191
KBL, p. 1031; CHAL. p. 391.
192
BDB, p. 556; KBL, p. 1031; CHAL. p. 391.
193
BDB, p. 556.
194
R. J. Williams, Hebrew Syntax: An Outline (Toronto, 1967), p. 12, n. 42, designa-o
como um uso antagônico do adjetivo no genitivo em ‘ōlat hattāmîd, (“o holocausto contí-
nuo”).
195
BDB, p. 556, observa que ele é usado como um substantivo.
196
Do ponto de vista da sintaxe hebraica a designação adequada é o status constructus,
também chamado “estrutura delimitada ou circunscrita” (J. W. Wevers, “Semantic Bound
Structures”, Canadian Journal of Linguistics [1961]: 9–14; Williams, p. 10-11).
197
A tradução KJV é um exemplo de “diário”; veja Números 29:6.
198
Êx 29:42; Nm 28:3, 6, 10, 15, 23, 24, 31; 29:6, 11, 16, 19, 22, 25, 28, 31, 34, 38;
Ed 3:5; Ne 10:33. Nestas passagens tāmîd aparece com o artigo definido exceto em Êxo-
do 29:42; Números 28:3, 6; e Esdras 3:5. ‘ōlāh (“holocausto/sacrifício”) aparece em sua
forma combinada (‘ōlat) em cada caso exceto em Números 24:6 onde está escrito em sua
forma pura (‘ōlāh).
199
Nm 4:16. Em Levítico 6:20 (Hebreus 6:13) encontramos minhāh tāmîd sem o artigo.
200
2Cr 2:4 (2:3). 373
201
Nm 4:7. BDB, p. 556, traduz, “ ‘pão da continidade’, isto é, o pão que está sempre ali.”
202
Pv 15:15. A ideia é um “banquete que nunca termina”, assim W. McKane, Proverbs
(Filadélfia, 1970), p. 234, 481.
203
Êx 30:8.
204
Êx 27:20; Lv 24:2.
205
2 Reis 25:30. Literalmente, “subsistência de continuidade”, isto é, “subsistência
regular” (BDB, p. 556).
206
Ez 39:14.
207
BDB, p. 556.
208
Ibid.
209
CHAL, p. 391; cf. KBL, p. 1031.
210
Termos como tāmē’ (“ser imundo”, “contaminar” [W. L. Holladay, A Concise He-
brew and Aramaic Lexicon of the Old Testament (Grand Rapids, 1971), p. 124, doravante
citado como CHAL]), gā’al II (“tornar [fazer] impuro”, “profanar” [CHAL, p. 53]), gō’al
(“contaminação” [CHAL, p. 53]) estão totalmente ausentes.
211
A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 164.
212
R. Meyer, Hebräische Grammatik (New York, 1972), 2:179; BDB, p. 724.
213
L. Kohler e W. Baumgartner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros (Leiden, 1958), p.
680, doravante citado como KBL.
214
Meyer, p. 15.

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

215
F. Brown, S. R. Driver, e C. A. Briggs, A Hebrew and English Lexicon of the OT
(Oxford, 1974), p. 607, doravante citado como BDB; W. Baumgartner, Hebräisches und
aramäisches Lexicon zum Alten Testament (Leiden, 1974), 2:618, doravante citado como HAL;
CHAL, p. 222.
216
KBL, p. 680: “Bis wann?”; HAL, p. 618; BDB, p. 607. Deve-se notar que no Antigo
Testamento o advérbio interrogativo de tempo é usado apenas no tempo futuro; cf. L. F.
Hartman e A. Di Lella, The Book of Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 226: “Literalmente,
‘Até quando a visão?’”
217
E. Jenni, “mātaj wann?” THAT, 1:934.
218
HAL, p. 248-49.
219
A. Bentzen, Daniel (Tubingen, 1952), p. 71; semelhantemente K. Marti, Das Buch
Daniel (Tubingen e Leipzig, 1901), p. 60; J. A. Montgomery, The Book of Daniel (Edimbur-
go, 1927), p. 343; N. W. Porteous, Daniel. A Commentary (Filadélfia, 1965), p. 126-27; O.
Plöger, Das Buch Daniel (Garden City, NY, 1978), p. 127; M. Delcor, Le Livre de Daniel (Pa-
ris, 1971), p. 177; A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 164: “A resposta no
versículo 14 é 2.300 tardes e manhãs pelas quais devemos compreender 2.300 sacrifícios
duplos diários perpétuos ou 1.150 dias”; Hartman e Di Lella, p. 227; J. Baldwin, Daniel
(Downers Grove, IL, 1978), p. 158.
220
“E” é suprido em parêntesis, mas é compreendido nesta expressão abreviada “tarde-
374 manhã” por causa de sua presença no versículo 26.
221
A. Rahlfs, Septuaginta, 7a ed. (Stuttgart, 1962), vol. 2, p. 918.
222
Êx 29:38-42; Nm 28:3-6; 29:1-6, 16, 19, 22, 25, 28, 31, 34, 38; Ed 3:3-5. Veja
particularmente S. J. Schwantes, “‛EREB BōQER of Daniel 8:14 Re-Examined”, AUSS 14
(1978): 375-86, reimpresso neste livro como capítulo 7.
223
Êx 29:39; Lv 6:12-13; Nm 28:4; 2Rs 16:15; 1Cr 16:40; 23:30; 2Cr 2:4; 13:11; 31:3;
Ed 3:3.
224
1Esdras 5:50: “eles ofereciam . . . holocaustos ao Senhor de manhã e à tarde”; cf.
Schwantes, p. 381, ou p. 470-71 deste volume.
225
C. F. Keil, Biblical Commentary on the Book of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 302-5;
E. J. Young, The Prophecy of Daniel (Grand Rapids, 1949), p. 174.
226
Gn 1:5, 8, 13, 19, 23, 31; cf. Êx 20:8-11; 31:15, 17. Para a evidência bíblica de que
o dia foi contado começando com a tarde, veja H. R. Stroes, “Does the Day Begin in the
Evening or Morning?” VT 16 (1966): 460-75.
227
Keil, p. 303; Young, p. 174; Schwantes, p. 384-85, ou capítulo 7 deste volume.
228
K. F. Keil, p. 630.
229
Keil, p. 304.
230
Cf. Gn 7:4, 12; Êx 24:18; 1 Rs 19:8; etc.
231
W. E. Schmidt, Die Schöpfungsgeschichte der Priesterschrift, 2a ed. (Neukirchen-Vluyn,
1967), p. 68, n. 3.
232
E. Jenni, “jom Tag”, THAT, 1:710.

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Estudos sobre Daniel
233
Veja 1 Macabeus 1:54, 59; 4:52.
234
C.H.H. Wright, Daniel and His Prophecies (Londres, 1906), p. 186-87, declara: “To-
dos os esforços, porém, para harmonizar o período, quer exposto como 2.300 dias ou
como 1.150 dias, com alguma época precisa mencionada nos Livros dos Macabeus ou em
Josefo tem se provado fútil. . . . O professor Driver está correto ao declarar: ‘Parece im-
possível achar dois eventos separados por 2.300 dias (6 anos e 4 meses) que corresponda
à descrição.’”
235
Veja Ezequiel 4:6; Números 14:34. Estas passagens indicam que um dia em profecia
simbólica representa um ano literal. Assim, o período dos 2.300 dias, isto é, dias proféti-
cos, significa o mesmo número de anos literais, reais. Para a aplicação histórica do princí-
pio dia-ano veja L. E. Froom, The Prophetic Faith of Our Fathers (Washington, DC, 1954),
4:784-851. Veja também W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética, Série
Santuário e Profecias Apocalípticas, vol. 1 (Unaspress, 2007), p. 56-93, para uma análise
da base bíblica para o princípio dia-ano.
236
Montgomery, p. 341.
237
Charles, p. 210; H. C. Leupold, Exposition of Daniel (Grand Rapids, 1969), p. 351;
Young, p. 173; Hartman e Di Lella, p. 226.
238
Veja a discussão dos vínculos entre Daniel 8 e 9 em G. F. Hasel, “Revelation and
Inspiration in Daniel”, Ministry 47 (outubro 1974): 20-23.
239
A designação normal para “visão” em Daniel é o termo hāzôn, uma possível palavra 375
emprestada do aramaico (M. Wagner, Die lexikalischen und grammatikalischen Aramäismen
im alttestamentlichen Hebräisch [New York, 1966], nos. 93-98), que aparece em Daniel 1:17;
8:1-2 (3x), 13, 15, 17, 26; 9:21, 24; 10:14; 11:14.
240
Daniel 8:15-16, 26-27; 9:23; 10:1, 6-7 (2x), 8, 16, 18, onde ou mar’āh ou mar’eh é
empregado. O último é usado somente em 8:16, 26-27; 9:23; 10:1.
241
Plöger, p. 134, afirma que “Dan. 9:23 é formulado por dependência de 8:16.” De
igual modo, Ginsberg, p. 33: “Consequentemente, 9:21 [9:23] pressupõe o capítulo 8 com
o versículo 16 nele.” Lacocque, p. 190: “O capítulo 9 pressupõe no mínimo os versículos
15-16 do capítulo 8, o que é um argumento de peso em favor de um só autor para estes
dois capítulos.”
242
Veja J. Doukhan, “The Seventy Weeks of Daniel 9: An Exegetical Study”, AUSS 17
(1979): 4-6; reimpresso em The Sanctuary and the Atonement, eds. A. V. Wallenkampf e W.
R. Lesher (Washington, D.C. 1981), p. 251-76.
243
Doukhan, p. 10-13.
244
Veja L. H. Wood e S. H. Horn, The Chronology of Ezra 7, 2a ed. (Washington, DC,
1970), p. 91-116.
245
O princípio dia-ano de interpretação tem estado ligado a 4:16, 23-25, 32, onde “sete
tempos” é compreendido como “sete anos.” Costumeiramente, Números 14:34 e Ezequiel
4:6 são invocados para prover soluções para o modelo de interpretação dia-ano. Daniel
8 demonstra a função deste princípio como notamos antes. Daniel 9:24-27 provê outra

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

solução onde as 70 semanas se tornam 490 dias literais ou anos proféticos. Os principais
indicadores permanecem dentro dos livros de Daniel e Apocalipse.
246
A sequência ‛ad . . . we significa “até . . . então”; cf. Jz 16:2, BDB, p. 724. Plöger, p.
120, traduz essa sequência temporal como “depois . . . então.”
247
Lacocque, p. 164: “Os termos da pergunta proposta pelo vidente não são reunidos
em termos de gramática ortodoxa. Há artigos definidos onde não deveria haver, e eles
estão ausentes onde deveriam estar.”
248
Montgomery, p. 341, traduz: “o Constante”; Young, p. 173, traduz o termo por “o
Contínuo.”
249
Veja também Schwantes, p. 375-81, ou p. 462-74 deste volume.
250
A. Bevan, A Short Commentary on the Book of Daniel (Cambridge, 1892), p. 135,
sugeriu que o particípio de rûm na forma de mûram (R. Kittel, ed., Biblia Hebraica, 3a ed.
[Stuttgart, 1966], e K. Elliger e W. Rudolf, eds., Biblia Hebraica Stuttgartensia [Stuttgart,
1976], doravante citado como BHK, BHS) “está removido”, (KBL, p. 881; CHAL, p. 335;
HAD, p. 257) deve seguir hattāmîd. Ele é seguido por von Gall, p. 52, e outros. Plöger, p.
122; Lacocque, p. 158, e outros., não seguem esta correção. Hartman e Di Lella, p. 226,
supre o infinitivo hārēm ou hāsēr (remover).
251
Assim também B. Hasslberger, Hoffnung in der Bedrängnis. Eine formkritische Untersu-
chun zu Dan 8 un 10--12 (St. Ottilien, 1977) p. 105; Plöger, p. 122.
376 252
R. J. Williams, Hebrew Syntax: An Outline (Toronto, 1967), p. 10-11, 82, n. 489; E.
Kautzsch e A. E. Cowley, Gesenius’ Hebrew Grammar, 2a ed. (Oxford, 1970), p. 247-48.
253
L. Köhler, Old Testament Theology (Filadélfia, 1957), p. 170.
254
KBL, p. 785.
255
R. Knierim, “paeša‛ Verbrechen”, THAT, 2:493.
256
Ibid., col. 492.
257
Veja também os empregos em passagens cultuais ou cúltico-judiciais como Êxodo
34:7; Números 14:18; 1 Reis 8:50; Salmos 25:7; 32:1; 51:3; Isaías 53:5; 59:12; Miquéias
7:18-20; etc.
258
Veja Êxodo 34:7; Levítico 16:16; Números 14:18; 1 Reis 8:50; Salmos 32:1; Isaías
43:25; 44:22; Miquéias 7:18.
259
Knierim, cols. 493-95.
260
O particípio šōmēm tem sido considerado como um particípio Polel abreviado de
mešômēm (veja E. Konig, Lehrgebäude der Hebräischen Sprache [1881-97], 1:197; G. Behr-
mann, Das Buch Daniel (Gottingen, 1894), p. 55; Marti, p. 59; Charles, p. 210; CHAL, p.
376). Para a tradução de “causando horror” veja S. R. Driver, The Book of Daniel (Cam-
bridge, 1901), p. 150-51; BDB, p. 1031.
261
H. H. Rowley, Darius the Mede and the Four World Empires in the Book of Daniel (Car-
diff, 1964), p. 125. Note as diferenças; happeša‛ šōmēm (8:13); šiqqûsîm mešōmēm (9:27);
haššiqqûs mešōmēm (11:31); šiqqûs šōmēm (12:11).
262
J. C. Fenton, The Gospel of St. Matthew (Baltimore, 1963), p. 387.

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Estudos sobre Daniel
263
F. W. Burnett, The Testament of Jesus-Sophia (Washington, DC, 1981), p. 306.
264
Rahlfs, vol. 2, 9. 932.
265
Ibid., p. 936.
266
Ibid., p. 918.
267
Veja n. 260 onde as diferenças no hebraico estão listadas.
268
W. Bauer, W. F. Arndt, F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament
and Other Early Christian Literature (Chicago, 1960), p. 137.
269
W. Foerster, “bdelussomai”, TDNT, 1:600.
270
Burnett, p. 303, n. 1.
271
Ibid., 303. Sobre o termo “abominação da desolação” veja R. Rigaux, “BDELUG-
MA TĒS ERĒMŌSEŌS” Mc 13, 14; Mt 24, 15”, Bib 40 (1959): 675-76; S. B. Frost, “
Abomination That Makes Desolate”, IDB (Nashville, 1962), 1:13-14; G. R. Beasley-
Murray, Commentary on Mark Thirteen (Londres, 1957), p. 59-72; W. C. Kaiser, “Desolat-
ing Sacrilege”, International Standard Bible Encyclopedia, rev. (Grand Rapids, 1979), vol.
1, p. 930-31.
272
A forma Hithpael é empregada.
273
CHAL, p. 376.
274
Daniel 8:27 com uma forma Hithpael. Veja um uso semelhante no aramaico de 4:19;
também Ezequiel 3:15.
275
Daniel 9:17 com a forma Qal. Veja também “devastação” do santuário que foi pre- 377
dita como punição por desobediência em Levítico 26:31.
276
Sobre a ameaça de juízo veja Ezequiel 20:26; 32:10; Isaías 6:11; Jeremias 4:27; 10:22.
F. Stolz, “šmm öde liegen”, THAT, 2:970-74.
277
O infinitivo Qal tēt de nātan tem sido corrigido para nittān (Niphal), (. . .), “foi es-
tabelecido” (cf. BHS), e tem sido associado com os termos anteriores para se ler: “e uma
abominação da desolação foi estabelecida” (assim von Gall, p. 52; seguido por Marti, p.
59; Bentzen, p. 56; BHS). Montgomery, p. 341, corrige para titô e traduz: “sua formação
do santuário. . . . “ Plöger, p. 122, sugere wetet, “e exposição de santidade”. A tradução
de “a profanação de” por Hartman e Di Lella, p. 222, 226, por tēt permanece sem apoio
lexicográfico (cf. KBL, p. 642-43; CHAL, p. 249-50; BDB, p. 678-81).
278
Marti, p. 59; Plöger, p. 120; Hasslberger, p. 106-7.
279
Marti, p. 59.
280
Hasslberger, p. 107.
281
Müller, col. 594; KBL, p. 827.
282
Müller, col. 592.
283
Êx 15:11; 77:13; cf. Is 52:10; Amós 4:2; Jr 23:9, etc.
284
Êx 36:1, 3-4, 6; Lv 4:6; 10:4, 17-18 (2x); Nm 3:28, 31-32, 47, 50; 4:15 (3x)-16; 8:19;
18:3, 5; 31:6; 1Cr 22:19; 23:28, 32; 24:5; 2Cr 30:19; Is 43:28; 62:9; Ml 2:11; Sl 68:24; 74:3;
20:2; 28:2. Veja também Êx 30:13, 24; 38:24-27; Lv 5:15; 27:3, 25; Nm 7:13, 19, 25, 31, 37,
43, 49, 55, 61, 67, 73, 79, 85-86; 18:16. Note particularmente o uso de qōdeš na passagem

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

do Dia da Expiação, Levítico 16:2-4, 16-17, 20, 23-24, 27, 32-33.


285
Veja Salmos 60:6; 68:5; 102:19; 150:1; a “santa habitação” de Deus no Céu, Deu-
teronômio 26:15; 2 Crônicas 30:27; Salmo 68:5; Jeremias 25:30; Zacarias 2:13. BDB, p.
871.
286
Êx 26:33-34; 28:29, 35, 43; 29:30; 31:11; 35:19; 39:1, 41; 1 Reis 8:4, 8, 10.
287
Lv 16:2; cf. Ez 41:21, 23.
288
Lv 21:6.
289
2Cr 23:6; 31:17-18; Ed 8:28.
290
Lv 16:4, 32; Êx 28:2, 4; Ez 42:14.
291
Is 62:12; 63:18; Dn 12:7.
292
Is 6:13; G. F. Hasel, The Remnant, 3a ed. (Berrien Springs, MI, 1980), p. 232-48.
293
Sl 114:2; M. Dahood, Psalms III (Garden City, NY, 1970), p. 134, sugere que o par
poético “seu santuário . . . seu domínio” expressa “uma ideia composta, ‘santuário de
domínio’ . . . “ sem nenhuma preferência por Judá sobre Israel.
294
Cf. KBL, p. 828; CHAL, p. 314.
295
Dn 7:18, 21-22, 25, 27. Veja Hasel, “The Identity of ‘The Saints of the Most High’
in Daniel 7”, Bib 56 (1975): 176-85; cf. R. Hanhart, “ ‘Die Heiligen des Hochsten’ (Dan 7,
21.25)”, VTSup. 16 (1967), p. 90-101; V. S. Poythress, “The Holy Ones of the Most High
in Daniel VII”, VT 26 (1976): 208-213.
378 296
A designação comum é juízo pré-advento.
297
A. Ferch, “The Judgment Scene in Daniel 7”, The Sanctuary and the Atonement, p.
157-76.
298
O waw antes de qōdeš indica que ele é “correlativo ao ‘e’ seguinte” (Montgomery, p.
341; cf. HAL, p. 248; CHAL, p. 85: “we . . . we ambos . . . e”) antes de sābā’.
299
O substantivo mirmās, um denominativo de rms, aparece no Antigo Testamento
também em Isaías 5:5; 7:25; 10:6; 28:18; Miquéias 7:10; Ezequiel 34:19.
300
Is 5:5; 7:25; Ez 34:19.
301
Is 10:6; 28:18; Mq 7:10.
302
O termo “purificado” é encontrado em traduções anteriores a KJV tais como
Bishop’s Bible (1568 d.C.), Bíblia de Genebra (1560 d.C.), Taverner Bible (1551 d.C.),
Great Bible (1539 d.C.), Matthew Bible (1537 d.C.), Coverdale (1537 d.C.) e Wycliffe
(1382 d.C.).
303
A tradução latina na Vulgata diz mundabitur (“purificado”).
304
A Septuaginta e a tradução de Teodócio dizem katharisthēsetai (“será purificado”).
Rahlfs, vol. 2, p. 918.
305
Para uma pesquisa de traduções em várias línguas, veja “On Daniel 8:14” em Proble-
ms in Bible Translation (Washington, DC, 1954), p. 174-75.
306
Hartman e Di Lella, p. 222; H. L. Ginsberg, Studies in Daniel (New York, 1948), p.
52; F. Zimmermmann, “The Aramaic Origin of Daniel 8–12”, JBL 57 (1938): 262.
307
Esta forma Niphal é um hapax legomenon; aparece apenas uma vez no Antigo Testa-

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Estudos sobre Daniel

mento. Para uma abordagem detalhada deste termo, veja capítulo 8 de N. E. Andreasen
neste volume.
308
Hartman e Di Lella, p. 227.
309
Qal (22x), Hiphil (12x), Piel (5x), Hithpael (1x). Veja K. Koch, “sdq gemeinschaft-
streu heilvoll sein”, THAT, 2:507-530.
310
O substantivo masculino sedeq, “justiça, retidão, sucesso” (CHAL, p. 303) aparece
119 vezes; o substantivo feminino se deqāh, “justiça, retidão, livramento, irrepreensibilida-
de” (CHAL, p. 303) aparece 157 vezes.
311
O adjetivo saddîq, “justo, reto, inocente, inculpável” (CHAL, p. 303) aparece 206
vezes segundo Koch, THAT, 2:511.
312
Rahlfs, p. 918.
313
Lacocque, p. 159.
314
Ibid., Sobre todo o problema de traduções do livro de Daniel, veja K. Koch, T.
Niewisch e J. Tubach, Das Buch Daniel (Darmstadt, 1980), p. 18-23.
315
Também Hartman e Di Lella, p. 222: “Então o santuário será purificado.”
316
J. Justesen, “On the Meaning of sādaq”, AUSS 2 (1964):53-61.
317
CHAL, p. 88.
318
CHAL, p. 122; KBL, p. 347.
319
KBL, p. 146; W. Baumgartner, Hebräisches und aramäisches Lexicon zum Alten Testa-
ment (Leiden, 1974), vol. 2, p. 146, doravante citado como HAL; cf. CHAL, p. 47: “purity” 379
[pureza].
320
Hebraico: yizkēh//yisdaq.
321
Hebraico: yisdaq//yizkēh.
322
Hebraico versículo 6: tisdaq//tizkēh. Algumas traduções recentes traduzem a forma
de zākāh como “ser irrepreensível” (NASB, NAB, RSV, etc.).
323
Hebraico: yisdāq//yithar.
324
H. –J. Hermission, Sprache und Ritus im alttestamentlichen Kult (Gutersloh, 1965), p. 84-99.
325
F. Maass, “thr rein sein”, THAT, 1:646-52.
326
H. Ringgren, “tāhōr”, Theologisches Wörterbuch zum Alten Testament (Stuttgart, 1978),
3:309, 313; Justesen, p. 58-61.
327
V. Hamp, “bār’ar”, TDOT, 2:308-312, esp. 311.
328
CHAL, p. 303; KBL, p. 794; BDB, p. 842.
329
Veja J. L. McKenzie, Second Isaiah (Garden City, NY, 1958), p. 34-35; C. Wester-
mann, Das Buch Jesaja, Kap. 40-66 (Göttingen, 1966), p. 76.
330
Koch, THAT, 1:528.
331
2Sm 15:4; Jó 9:20; Is 5:23; 41:26; 45:25; 50:8.
332
Note que o consenso da tradução é universal com a exceção de apenas alguns exegetas.
333
A. Von Gall, Die Einheitlichkeit des Buches Daniel (Giessen, 1895), p. 53, sugere o
significado “altar” e aponta em apoio de sua alegação para Êxodo 29:37; 30:20, 29; 40:10.
Deve, portanto, ser observado com Hasslberger, p. 107, n. 53, que nestas passagens o altar

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O “chifre pequeno”, o santuário celestial e o tempo do fim

não é designado com o termo qōdeš, mas com o termo mizbēah (“altar”). No Antigo Testa-
mento, o termo qōdeš nunca transmite o significado de “altar”.
334
Também a Septuaginta e a versão de Teodócio (to hagion), bem como todas as anti-
gas traduções.
335
A ideia de que ele se refere ao santuário celestial não é completamente nova. Foi su-
gerido no décimo-sétimo século por John Everard (cerca de 1575 a cerca de 1650; também
chamado Ebrard) que “os conteúdos [do versículo 11] se referem aos eventos celestiais, a
tirar o sacrifício diante do trono de Deus e à destruição de um santuário celestial” (tam-
bém Keil, p. 297). Esta parece ser a primeira identificação do “santuário” no versículo 11
com o santuário celestial.
336
Note outra vez a ênfase de que a visão se estende ao “tempo do fim” (8:17), ou ao
“tempo determinado do fim” (8:19). Ênfase especial é dada ao aspecto da visão que fala
sobre “a tarde e a manhã” (8:26a) que “se refere a dias ainda mui distantes.” Cf. Montgo-
mery, p. 352; Delcor, p. 183.
337
As várias versões inglesas traduzem qōdeš ou como “lugar santo” (KJV, RSV, NASB),
“relicário” (NJV), “Lugar Santíssimo” (TEV, NIV), ou “santuário” (NAB, NEB, JB) em
Levítico 16:2-3, 16-17, 20, 23, 27.
338
A frase miqdāš haqqōdeš aparece uma vez em Levítico 16:33, e é traduzida por “santo
santuário” (KJV, NASB, NAB), “sagrado santuário” (NAB), “Relicário interno” (NJV),
380 “santuário” (RSV), ou “Lugar Santíssimo” (TEV, NIV).
339
J. Milgrom, “Atonement, Day of”, IDBS (1976), p. 82, chama o Dia da Expiação de
“o dia anual de purgação.”
340
Lv 16:16, 19, 30.
341
1Cr 23:28. Os levitas são encarregados da “purificação de tudo o que é santo (ou
de todo o santuário).”
342
Lv 16:16, 21; Dn 8:12-13; 9:24.
343
É de se notar que a Septuaginta empregue formas da palavra grega katharizō (purifi-
car), em Daniel 8:14 e Levítico 16. Uma forma da mesma palavra é usada em Hebreus 9:23
onde fala da purificação das “próprias coisas celestiais” (KJV).
344
A. Feuillet, “Le Fills de l’homme de Daniel et la tradition biblique”, RB 60 (1953):
197-98, escreve: “Os três oráculos de 7:13-14; 8:14; e 9:24 complementam-se entre si e con-
tribuem para explicar a mesma verdade? Todo o santuário espiritual que Deus unge (9:24)
é assegurado da presença divina, graças à vinda do Filho do homem nas nuvens (7:13-14),
e esta é a maneira em que Deus vinga (8:14) o Templo material profanado por Antíoco.”
Este autor sugere de forma correta a relação essencial destas partes em 7, 8 e 9, mas ele se
desvia em sua interpretação espiritualizante do santuário em 9:24, e sua interpretação de
8:14. O problema parece ser o modelo de interpretação de Antíoco ligado a uma exegese
espiritualizante do santuário (como povo) em 9:24.

345
Baldwin, p. 149: “o cenário de Daniel 7 é o juízo.”

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Estudos sobre Daniel
346
Cf. Dn 10:12-13, 21; 9:25; 8:11.
347
Veja G. F. Hasel, “The Resurrection in the Theology of Old Testament Apocalyp-
tic”, ZAW 92 (1980): 267-84.
348
Lacocque, p. 165.

381

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Capítulo 7

‛Ereb bōqer de Daniel 8:14 reexaminado


Siegfried J. Schwantes

S inopse editorial. Uma tradução literal da expressão de tempo de Daniel 8:14


diz o seguinte: “E ele me disse: Até tarde (‛ereb) manhã (bōqer) duas mil e tre-
zentas, então ...”
Eruditos modernos comumente interpretam essa frase “2.300 tardes e ma-
nhãs” como se referindo ao tāmîd (regular, contínuo), sacrifícios da tarde e da
manhã que eram oferecidos diariamente como sacrifícios gerais por todo o Israel.
Afirma-se que significa 2.300 sacrifícios individuais. Sendo que dois desses sacri-
fícios eram oferecidos cada dia, o número é dividido pela metade para se obter o
que se imagina ser a verdadeira extensão de tempo inferida, a saber, 1.150 dias.
Assim, a famosa “Good News Bible” (TEV), publicada pela Sociedade Bíblica
Americana, interpreta a passagem desta maneira: “Ouvi a resposta do outro anjo:
Isto continuará por 1.150 dias, durante os quais os sacrifícios da manhã e da tarde
não serão oferecidos.” A interpretação reflete a tentativa popular de harmonizar
as declarações de Daniel com um modelo de Antíoco IV e o período da profana-
ção do templo, 167-164 a.C. O autor deste capítulo nega a validade dessa interpre-
tação do número 2.300 presente em 8:14 e faz as seguintes observações:
1. Em primeiro lugar, a suposição de que a expressão 2.300 tardes e manhãs se
refere ao sacrifício tāmîd não é comprovada. O termo não aparece no texto. Deve-
se presumir que “tarde-manhã” se referia ao tāmîd.
De fato, é muito comum que a palavra hebraica tāmîd apareça em conexão
com o ritual do santuário. É bastante usada como um advérbio (“continuamente”,
ou “diariamente”) e como um adjetivo (“contínuo”, “perpétuo”). Seu uso como
substantivo no livro de Daniel ocorre apenas onde parece representar todas as
facetas regulares da atividade do primeiro compartimento do santuário.
2. Eruditos modernos ainda afirmam que o termo tāmîd pode ser compreen-
dido como significando cada um dos dois sacrifícios públicos diários. Mas esta
suposição é claramente refutada pela evidência bíblica. Quando tāmîd é aplicado
a eles, descreve o duplo sacrifício como uma unidade. O ‛ōlat tāmîd (holocaus-
to contínuo) era evidentemente visto como um único sacrifício (embora viesse
em dois segmentos). Portanto, mesmo se a suposição de que a expressão “tarde-

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‛Ereb Bōqer de Daniel 8:14 reexaminado

manhã” se referia aos sacrifícios tāmîd fosse correta, seria incorreto partir pela
metade o número 2.300.
3. Deve-se observar que a sequência na expressão “tarde-manhã” não é a lin-
guagem do sistema religioso hebraico. A ordem para falar da unidade de holo-
caustos do tāmîd era “sacrifícios da manhã e da tarde”, com o termo para “manhã”
sempre precedendo o termo para “tarde”.
Na verdade, a expressão “tarde-manhã” é uma frase de tempo que tem suas
raízes em Gênesis 1, onde a unidade de tempo de um dia é expressa nos mesmos
termos e sequência que tarde e manhã (Gn 1:5, 8, 13, 17, 23, 31). Portanto, a fra-
seologia “2.300 tardes-manhãs” é mais naturalmente compreendida como 2.300
dias completos. Em profecia simbólica, este elemento de tempo deveria ser com-
preendido como 2.300 dias simbólicos.
4. A expressão “tarde-manhã” está escrita no singular. Esse fato favorece a opinião
de que a expressão representa uma unidade de tempo, a saber, um dia completo.
5. A Septuaginta Grega (tanto a versão mais antiga quanto a versão de Teo-
dócio do livro de Daniel) compreendia que a expressão denotava “dias”. Ambas
inserem a palavra “dias” na passagem e dizem literalmente: “Até tarde e manhã
dias dois mil e trezentos...”
A expressão ‛ereb bōqer de Daniel 8:14 é interpretada na literatura atual como
384 uma referência aos sacrifícios da manhã e da tarde oferecidos diariamente no
Templo. A omissão de 2.300 de tais sacrifícios corresponderia aos 1.150 dias, o in-
tervalo de tempo durante o qual os rituais do Templo foram suspensos em seguida
à profanação do templo e do altar por Antíoco Epifânio. Esta interpretação tem
se tornado praticamente padrão, de forma que os eruditos modernos raramente
tomam tempo para examiná-la de forma crítica.
Assim, por exemplo, declara A. Bentzen: “2.300 ‘tardes-manhãs’, a saber, 1.150
dias. Essa maneira peculiar de indicar o tempo é explicada pelo fato de que é dado
o número total dos sacrifícios-tamid omitidos, uma vez que a cada manhã e tarde
de cada dia um tamid era oferecido; a omissão de 2.300 de tais sacrifícios significa
1.150 dias.”1 Bentzen acrescenta a interessante observação de que essa interpreta-
ção remonta a Efraim Sírio. A mesma explicação é repetida inquestionavelmente
pela maioria dos mais recentes comentaristas.2
Duas observações devem aqui ser feitas. Primeira, nenhum desses modernos
comentaristas questiona a correção da afirmação de que tāmîd significa cada um
dos sacrifícios diários, o da manhã e o da tarde. Segunda, a razão proposta por
alguns comentaristas para o estranho fato de que “tarde” precede “manhã” em
Daniel 8:14 não é sustentável à luz da aplicação bíblica.
Em um exame da primeira suposição, a saber, que tāmîd pode se referir a cada
um dos sacrifícios diários considerados separadamente, é importante observar que

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Estudos sobre Daniel

a palavra tāmîd não é empregada como um substantivo por si mesma, exceto no


livro de Daniel (8:11, 12, 13; 11:31; 12:11). No restante do Antigo Testamento, a
palavra é frequentemente usada como um advérbio no sentido de “continuamen-
te” ou “diariamente”, ou como um adjetivo significando “contínuo”, “perpétuo”,
“regular”, etc. É empregada 26 vezes para qualificar substantivos tais como “holo-
causto”, “oferta de manjares”, “fogo”, “pão da proposição”, “festa”, “concessão”, e
coisas semelhantes. Pelo fato de tāmîd ser usada muito frequentemente para quali-
ficar holocausto ou sacrifício, a palavra “sacrifício” tem sido suprida por diferentes
tradutores para completar o sentido do elíptico tāmîd nos cinco textos de Daniel.
A LXX simplesmente traduziu tāmîd por thusia nessas passagens. Mas, sendo que
a palavra era usada para qualificar outros aspectos do ritual do templo além de
sacrifícios, pode-se supor que seja possível colocar a palavra “serviço” ou “ritual”
em vez de “sacrifício” nos mesmos textos. Quando o santuário foi subvertido pela
atividade do “chifre pequeno”, não somente os sacrifícios deixaram de ser ofereci-
dos, mas também cessou a totalidade dos rituais do templo.
Entretanto, mesmo que a palavra “sacrifício” substitua a palavra tāmîd nos
diferentes textos onde ela aparece, é necessário observar que tāmîd é um termo
técnico na linguagem do ritual para designar o duplo holocausto da manhã e da
tarde que deveria ser oferecido diariamente. A legislação de Êxodo 29:38-42 é
muito precisa. Depois de apresentar a prescrição detalhada para a oferta diária 385
de dois cordeiros de um ano sem mancha, o versículo 42 resume toda a instrução
dizendo: “Este será o holocausto contínuo por vossas gerações...” O texto hebraico
salienta o ponto ainda mais claramente: ‛ōlat tāmîd ledōrōtêkem. É evidente que
a dupla oferta da manhã e da tarde formava uma unidade contida na expressão
‛ōlat tāmîd.
O texto paralelo de Números 28:3-6 aponta para o mesmo uso técnico do ter-
mo: “dia após dia: dois cordeiros de um ano, sem defeito, em contínuo holocausto”
(v. 3), onde o texto hebraico diz: ‛ōlāh tāmîd, provavelmente a ser corrigido para
‛ōlat tāmîd.3 A instrução precedente é resumida como segue (v. 6): “É holocausto
contínuo...”, repetindo o termo técnico ‛ōlat tāmîd. Está claro que na linguagem do
ritual, as ofertas da manhã e da tarde constituíam um “holocausto contínuo”.
Nos versículos restantes de Números 28 e no capítulo 29 pode-se ler um resu-
mo de todos os sacrifícios a serem oferecidos ao longo do ano religioso: aqueles
do sábado (28:9, 10); da lua nova (v. 11-15); dos sete dias da festa dos pães asmos
que seguiam a celebração da páscoa no 14.° de Nisã (v. 16-25); do dia das primícias
(v. 26-31); do primeiro dia do sétimo mês (29:1-6); do décimo dia do mesmo mês
(versículos 7-11); e dos oito dias da festa dos tabernáculos (v. 12-38). Em todos os
casos, os sacrifícios especiais deveriam ser oferecidos “além do holocausto contí-
nuo” (28:9, 15, 23, 31; 29:6, 11, 16, 19, 22, 25, 28, 31, 34, 38), ao todo catorze

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‛Ereb Bōqer de Daniel 8:14 reexaminado

vezes. Não obstante o número de sacrifícios a ser oferecido em ocasiões festivas,


o ‛ōlat tāmîd nunca poderia ser suspenso. Também está claro do contexto que o
duplo holocausto da manhã e da tarde está simbolizado por ‛ōlat tāmîd, sendo a
única exceção encontrada em Números 28:23: “Estas coisas oferecereis, além do
holocausto da manhã, que é o holocausto contínuo.” Um estudo cuidadoso desta
última passagem indica que o manuscrito provavelmente está alterado, e que o
copista depois de escrever ‛ōlat habbōqer, tentou corrigir o erro acrescentando
’ašer le ’ōlat hattāmîd da fórmula regular. Esta única exceção não invalida a regra
de que neste longo texto ‘ōlat tāmîd significa tecnicamente o duplo holocausto da
manhã e da tarde.
Nossa alegação de que o tāmîd significa o duplo holocausto da manhã e da tar-
de parece à primeira vista ser contraditada por Ezequiel 46:15: “Assim prepararão
o cordeiro, e a oferta de manjares, e o azeite, manhã após manhã, em holocausto
contínuo.” Isto poderia ser uma importante objeção se pudesse ser mostrado que
as ordenanças cultuais de Ezequiel encontradas nos capítulos 45 e 46 tinham em
vista ser detalhadas e exaustivas, em vez de um simples esboço das características
essenciais da nova ordem que ele visualizou.
John Skinner, G. A. Cooke e Georg Fohrer tomam o texto para indicar que
Ezequiel nada sabia de um holocausto da tarde.4 O argumento padrão é o de que
386 no período pré-exílico havia apenas um ‛ōlāh de manhã e um minhāh à tarde. Su-
põe-se que isso tem fundamento pelo fato de que o rei Acaz ordenou ao sacerdote
Urias, dizendo: “Queima, no grande altar, o holocausto da manhã, como também
a oferta de manjares da tarde...” (2Rs 16:15).
Por outro lado, há eruditos que compreenderam as instruções cultuais de Eze-
quiel como um mero esboço do ritual do templo e não como uma prescrição
detalhada. Assim, Johannes Pedersen, comentando Ezequiel 45:13-17, chama a
atenção para a omissão de dois itens importantes da lista de ofertas a ser feitas, e
apresenta a seguinte explicação:

É provavelmente por causa da incompletude do plano que vinho e gado não são
mencionados. Esta também deve ser a razão por que nenhuma oferta diária é men-
cionada além daquela do príncipe: um cordeiro para um holocausto cada manhã com
uma oferta de produção agrícola e azeite... . Possuímos bastantes evidências de que o
sacrifício diário da tarde foi, realmente, preservado nos tempos pós-exílicos.5

Da mesma forma, W. Zimmerli em seu recente comentário expressa a opinião


de que a instrução de Ezequiel 46:13-15 é um resumo em vez de um plano com-
pleto para o ritual do sacrifício:

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Estudos sobre Daniel

Em vista do fato de que no período pré-exílico as ofertas da manhã e da tarde já


eram conhecidas, não é provável que Ezequiel 46:15 tenha em vista reduzir o ritual
completo. Provavelmente, seu editor foi obrigado, pela revisão dos versículos 13 e
seguintes e pela combinação de ambas as ofertas em uma, concentrar tudo no tāmîd
da manhã e descrever apenas o tāmîd da manhã.6

Que as prescrições rituais de Ezequiel não são mais do que um esboço é tam-
bém evidente da referência à celebração da páscoa em 45:21. Esta declaração não
pode ser tomada como nada além da mais limitada referência a um bem-conheci-
do ritual de longa data. É dito que Josias celebrou a páscoa com toda solenidade
no décimo-oitavo ano do seu reinado (2Rs 23:21-23).7 Deve-se ter em mente que
em muitos casos Ezequiel não estava inovando, mas padronizando antigas práticas
segundo um plano ideal.
Além disso, deve-se observar que o texto de 2 Reis 16:15 não exclui a possibili-
dade de que um holocausto da tarde fosse também oferecido. O texto faz referên-
cia ao “holocausto do rei, e a sua oferta de manjares”, bem como ao “holocausto
de todo o povo da terra, e a sua oferta de manjares, e as suas libações.” Disto é
evidente que havia mais do serviço diário mesmo nos dias de Acaz do que “o ho-
locausto da manhã, e a oferta de manjares da tarde”. Os comentários do profeta
Isaías, contemporâneo de Acaz, sobre o cerimonialismo do dia deixa a distinta 387
impressão de que o número de sacrifícios oferecidos no templo em seu tempo
era enorme (Is 11:11-13).8 Não havia nenhuma falta de zelo cerimonial, mas uma
notória ausência de moralidade e racionalidade na religião então praticada.
Nenhuma opinião final pode ser expressa sobre a validade do argumento base-
ado em 2 Reis 16:15 antes do termo minhāh ser claramente definido.
N. H. Snaith expressou a opinião de que no decorrer do tempo minhāh ad-
quiriu o estrito sentido de “oferta de grão (cereal)”, mas que também poderia ter
retido o significado original de “tributo, dádiva”. Ele argumenta que “por causa
disso, ele poderia ser usado em um sentido mais amplo, a saber, aquele de toda
a cerimônia”.9 Como um exemplo desse sentido mais amplo, Snaith se refere ao
‛ōlat hamminhāh de 1 Reis 18:29, 36, evidentemente oferecido à tarde, e ao ‛ōlat
hamminhāh de 2 Reis 3:20, obviamente oferecido de manhã. Ele prossegue dizendo
que “as duas cerimônias mencionadas são o tāmîd, Êx 29:38ss., Nm 28:3ss”.
Parece razoável supor que o minhāh de 2 Reis 3:20, oferecido de manhã, in-
cluía o holocausto padrão. Por outro lado, o minhāh mencionado em 1 Reis 18:29,
36 certamente incluía, entre outras coisas, o holocausto feito naquela tarde pelo
próprio Elias no cume do monte Carmelo. Se esse sentido mais amplo de minhāh
é permitido em 2 Reis 16:15, então não há motivo para excluir a possibilidade
de que um holocausto da tarde poderia ter sido incluído na cerimônia completa
conhecida como o minhāh.

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‛Ereb Bōqer de Daniel 8:14 reexaminado

Afirmamos e cremos que o termo tāmîd de Daniel 8 significa a dupla ceri-


mônia sacrificial da manhã e da tarde. Os parágrafos anteriores mostraram que
essa suposição não é invalidada por Ezequiel 46:15, ou pelo texto frequentemente
citado de 2 Reis 16:15.10
A evidência provida pelos textos de Êxodo 29 e Números 28 e 29, que são fun-
damentais para qualquer discussão do significado de tāmîd, deve proteger o exegeta
imparcial de qualquer suposição apressada de que hattāmîd em Daniel designava
cada sacrifício por si mesmo, como se os sacrifícios da manhã e da tarde fossem
duas unidades independentes. O texto de Esdras 3:3-5 é particularmente significa-
tivo nessa discussão. Depois de falar da restauração do altar e da apresentação de
“holocaustos de manhã e à tarde”, o versículo 5 resume o holocausto diário da ma-
nhã e da tarde sob a expressão ‛ōlat tāmîd, evidentemente um termo no singular.
Além disso, deve-se observar que a própria palavra tāmîd não é encontrada em
Daniel 8:14. É simplesmente subentendida por causa das referências a ela nos versí-
culos 11-13. Mas a suposição de que a fórmula ‛ereb bōqer é o equivalente de hattāmîd
dos versículos precedentes ignora outro fato fundamental da linguagem do ritual, a
saber, que na descrição dos sacrifícios diários “manhã” sempre precede “tarde”.
O. Plöger, por exemplo, comentando sobre Daniel 8:14, segue incontáveis
predecessores quando escreve: “Sendo que o sacrifício era oferecido à tarde e de
388 manhã, isto significaria um intervalo de 1.150 dias.”11 Mas, deve-se observar que
a linguagem do ritual sempre designa o sacrifício da manhã antes do sacrifício
da tarde, sem exceção. Uma pesquisa do Antigo Testamento produz as seguintes
ilustrações: Êxodo 29:39; Levítico 6:13; Números 28:4; 2 Reis 16:15; 1 Crônicas
16:40; 23:30; 2 Crônicas 2:4; 13:11; 31:3; Esdras 3:3. “Holocaustos da manhã e da
tarde” torna-se uma frase invariável que não acha nenhuma exceção na literatura
bíblica. É também perpetuada no período pós-bíblico, como, por exemplo, em 1
Esdras 5:50: “... e eles ofereciam sacrifícios de acordo com o tempo, e holocaustos
ao Senhor de manhã e à tarde.”12
A expressão mē‛ereb ‛ad-bōqer é usada em Levítico 24:3, mas referindo-se ao
tempo em que as lâmpadas deveriam arder no santuário. O motivo para a sequ-
ência tarde-manhã neste exemplo específico é óbvio. As lâmpadas deveriam arder
durante a noite e não durante o dia. Comentando sobre as cerimônias diárias do
templo, J. B. Segal observa que “o ritual diário do templo seguia a rotina da vida
diária, começando de manhã e finalizando à tardinha”.13
Alguns eruditos alegam que a ordem inversa da expressão ‛ereb bōqer de Daniel
8:14 reflete o uso de um novo calendário adotado pelos israelitas em seu primeiro
contato com a civilização babilônica. Segundo R. de Vaux, por exemplo, a introdução
do calendário lunar babilônio provocou uma mudança na antiga maneira israelita de
contar o dia.14 Enquanto que antes do exílio a ordem usual tinha sido manhã-tarde,

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Estudos sobre Daniel

no período pós-exílico a ordem tarde-manhã tornou-se a normal. O presente escritor


mostrou em outro estudo que o argumento de Vaux baseado no uso da fórmula
“dia e noite” é inadmissível à luz da evidência oferecida pela literatura babilônica.15
Geralmente, é reconhecido que na Mesopotâmia o dia era contado de tarde a tarde,
o que é usualmente o caso onde se observa o calendário lunar.16 Consequentemente,
poder-se-ia esperar, se de Vaux estivesse certo, que na literatura babilônica a expressão
“noite e dia” seria muito mais comum do que seu inverso “dia e noite”. Mas uma
contagem metódica do Épico de Gilgamesh, o protótipo sumeriano do Dilúvio, a
Descida de Inana ao Mundo Inferior, e o Épico da Criação mostravam uma prepon-
derância da fórmula “dia e noite” sobre “noite e dia” na proporção de 4 para 1.17
É evidente desta pesquisa superficial da literatura babilônica que não há ne-
nhuma correlação entre o tipo de calendário usado e o uso da fórmula “dia e
noite” ou seu inverso. A preferência universal pela fórmula “dia e noite” reflete,
como observa Segal, “o curso ordinário do comportamento humano. É com o
amanhecer que o homem começa o trabalho ativo do dia, e, por esse motivo, uma
frase corrente no dizer do homem é ‘dia e noite.’”18
Não é de surpreender, portanto, que a fórmula “dia e noite” é muito mais
comumente atestada do que “noite e dia” na literatura bíblica pré-exílio, a des-
peito do tipo de calendário usado. E pelo mesmo motivo continua sendo mais
comum também nos livros pós-exílicos. Assim, Neemias continua orando “dia 389
e noite” (Ne 1:6). Em seu tempo, puseram-se de guarda como proteção contra
o inimigo “dia e noite” (Ne 4:9). O Siracide [Eclesiástico], escrito no início do
segundo século a.C., ainda diz “entre o amanhecer e a tarde” (Eclesiástico 18:26).
Judas Macabeu ordenou ao povo que invocasse ao Senhor “dia e noite” (2Maca-
beus 13:10). Judite serve ao Deus do céu “dia e noite” (Judite 11:17). A fórmula
invariável continua sendo usada até ao início da era cristã, conforme nos mostra
a literatura de Qumran.19
A linguagem do Novo Testamento aponta na mesma direção, a saber, que o
uso da expressão invariável “dia e noite” ou o seu inverso, não traz nenhuma rela-
ção com a maneira de contar o dia. Assim, no Novo Testamento a fórmula nuktos
kai hēmeras (noite e dia) é usada oito vezes (At 20:31; Rm 13:12; 2Co 11:25; 1Ts
2:9; 3:10; 2Ts 3:8; 1Tm 5:5: 2Tm 1:3), ao passo que o inverso hēmeras kai nuktos
(dia e noite) é usada dez vezes (Mt 4:2; 12:40; Lc 18:7; At 9:24; 26:7; Ap 5:8; 7:15;
12:10; 14:11; 20:10). Além disso, em muitas passagens do Talmude a expressão
“dia e noite” é empregada, conforme salientado por C. H. Borenstein.20 E parece
haver pouca correlação entre linguagem e sofisticação calendárica ou astronômica
mesmo em nossos tempos.
A evidência salientada acima mostra que a expressão ‛ereb bōqer de Daniel
8:14 não poderia derivar da linguagem ritual, onde a ordem manhã-tarde é sempre

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‛Ereb Bōqer de Daniel 8:14 reexaminado

a normal. Não há absolutamente nenhuma evidência de que a fórmula cultual ou


ritual para os sacrifícios “da manhã e da tarde” foi mudada durante o cativeiro ou
no período subsequente. Sendo este o caso, a procedência da expressão ‛ereb bōqer
deve ser procurada em outro lugar, em vez de na linguagem cultual. É inadmissível
que um escritor tão familiarizado com a linguagem cultual como o autor do livro
de Daniel cometesse um erro tão grosseiro.
É o ponto de vista do presente escritor que a expressão incomum ‛ereb bōqer
deve ser procurada na linguagem concisa de Gênesis 1. Ali a expressão padrão
wayehî-‛ereb wayehî-bōqer (“houve tarde, e manhã”) é usada para cada dia da nar-
rativa da Criação (Gn 1:5, 8, 13, 19, 23, 31). R. de Vaux está certo em chamar
atenção para o fato de que em Gênesis 1 ‛ereb assinala o fim dos atos criativos
realizados durante o dia, e bōqer o fim da noite de descanso.21 Parece razoável que
na descrição dos dias da Criação a ênfase é colocada sobre a atividade criativa que
ocorre durante a parte clara do dia, em vez de sobre a noite de descanso.
Seja como for, permanece o fato de que essa maneira de designar um dia
completo não é encontrada em lugar nenhum no Antigo Testamento, exceto em
Daniel 8:14, 26. A prática normal é designar o dia de 24 horas pela fórmula “dia
e noite”, ou, com bem menos frequência, pelo seu inverso “noite e dia”. Segue-se
que se o autor do livro de Daniel tomou emprestada a frase ‛ereb bōqer de Gêne-
390 sis 1, como a evidência parece confirmar, então seu significado não aponta para
metades de dias, como frequentemente tem sido afirmado sem se questionar, mas
para dias completos.
K. Marti afirma que a expressão ‛ereb bōqer de Daniel 8:14 deve ser compre-
endida de acordo com a expressão paralela de Daniel 8:26, onde a existência da
conjunção we entre os dois substantivos indica que ‛ereb bōqer de 8:14 não deveria
ser considerada como uma unidade de 24 horas.22 A conclusão de Marti é discutí-
vel, sendo que o próprio fato de que ‛ereb bōqer, com ou sem we, está no singular
é evidência de que a expressão representa uma unidade de tempo, a saber, um dia
completo. Assim, a LXX e a tradução de Teodócio a compreenderam acrescentan-
do hēmerai ao texto. Em outro lugar no livro de Daniel, os dias, semanas ou anos
contados estão sempre no plural e precedem o numeral. Assim, na porção hebrai-
ca do livro encontramos šanîm (anos) 3 (1:5); yāmîm (dias) 10 (1:12, 14); šābu‛îm
(semanas) 70, 7, 62 (9:24, 25, 26); yāmîm (dias) 1.290 (12:11); yāmîm (dias) 1.335
(12:12). Em contraste, a fórmula ‛ereb bōqer está no singular, como o francês après-
midi, que é também invariável.
O próprio fato de que a expressão ‛ereb bōqer está excepcionalmente no sin-
gular, em contraste com todas as outras enumerações do livro, favorece a opinião
de que ela representa uma unidade de tempo. Se também se reconhece que a
expressão ‘ereb bōqer não poderia ter sido emprestada da linguagem do ritual,

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Estudos sobre Daniel

mas foi muito provavelmente modelada segundo a fraseologia de Gênesis 1, então


a conclusão de que ela representa um dia completo é praticamente inevitável.
[Reimpresso de AUSS 16 (outono de 1978): p. 375-85. Usado com permissão.]

Notas
1
A. Bentzen, Daniel (Tubingen, 1972), p. 71.
2
J. Montgomery, The Book of Daniel (Edimburgo, 1927), p. 343; Jean Steinmann, Dan-
iel (Paris, 1950), p. 124; N. W. Porteous, Das Danielbuch (Göttingen, 1962), p. 104; O.
Plöger, Das Buch Daniel (Gutersloh, 1965), p. 127; M. Delcor, Le livre de Daniel (Paris,
1971), p. 177; André Lacocque, Le livre de Daniel (Paris, 1976), p. 49.
3
Cf. R. Kittel, Biblia hebraica, 3a ed.
4
John Skinner, The Book of Ezekiel (New York, 1905), p. 472-473; G.A. Cooke, The Book
of Ezekiel (Edimburgo, 1936), p. 511; Georg Fohrer, Ezechiel (Tubingen, 1955), p. 256.
5
J. Pedersen, Israel: Its Life and Culture, 3/4 (Londres, 1940): 352.
6
W. Zimmerli, Ezechiel (Neukirchen, 1969), p. 1175.
7
Para a antiga origem da páscoa, veja R. de Vaux, Les sacrifices de l’Ancien Testament
(Paris, 1964), p. 22.
8
Cf. as observações de Miquéias, contemporâneo de Isaías, em Miquéias 6:6-8.
9
N. H. Snaith, “Sacrifices in the Old Testament,” VT 7 (1957): 315.
391
10
Quanto à menção de tāmîd em Ezequiel 46:14, Zimmerli, p. 1168, explica-a como um
acréscimo impróprio do versículo 15.
11
Plöger, p. 127. Todavia, Porteous, p. 104, é cuidadoso em observar a ordem manhã-
tarde: “während dieses Zeitabschnittes wäre das tāmîd-Opfer 2300mal am Morgen oder
Abend dargebracht worden.”
12
APOT, 1:39. Segundo R. H. Charles, a data de Esdras seria “a última era grega.” A
expressão holokautōmata tō kuriō to prōinon kai to deilinon de 1 Esdras 5:49 na LXX não con-
tém nenhum termo técnico, como sugere Montgomery, p. 343, mas simplesmente repete
os termos já empregados em Êxodo 29:30 LXX.
13
J. B. Segal, “Intercalation and the Hebrew Calendar,” VT 7 (1957): p. 254.
14
R. de Vaux, Ancient Israel: Its Life and Institutions (New York, 1961), p. 181.
15
S. J. Schwantes, “Did the Israelites Ever Reckon the Day from Morning to Morn-
ing?” The Ministry, julho de 1977, p. 36-39.
16
Veja O. Neugebauer, The Exact Sciences in Antiquity (Harper Torchbook ed., New
York, 1962), p. 106; A. Parker e W. H. Dubberstein, Babylonian Chronology, 626 B.C.-d.C.
45 (Providence, 1956), p. 26; Jack Finegan, Handbook of the Bible Chronology (Princeton, NJ,
1964), p. 8; E. J. Bickermann, Chronology of the Ancient World (Londres, 1968), p. 13-14.
17
Para a fórmula “dia e noite”, veja Epic of Gilgamesh, Tablet I, 2.24, 4.21, 5.19
(ANET, p. 74-75); The Old Babylonian Version of Tablets II, 2.6 (ANET, p. 77) e X, 2.5,
8 (ANET, p. 89-90); the Assyrian Version of Tablet XI, linhas 126 e 199 (ANET, p. 94-95);

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‛Ereb Bōqer de Daniel 8:14 reexaminado

the Sumerian prototype of the Deluge, linha 203 (ANET, p. 44); the Sumerian myth of
Inana’s descent to the Nether World, linha 169 (ANET, p. 55); the Creation Epic, Table
1, linha 50 (ANET, p. 61). Para a fórmula “noite e dia”, veja the Creation Epic, Tablet I,
linha 129, e Tablet III, linhas 19 e 78 (ANET, p. 62, 64-65).
18
Segal, p. 254.
19
IQM 14:13; veja J. van der Ploeg, “La règle de la guerre: Traduction et notes”, VT 5
(1955): 389, 415.
20
Citado por S. Zeitlin, “The Beginning of the Jewish Day,” JQR 36 (1945-46): p. 410.
Deve-se notar que Zeitlin favorece a hipótese de que os israelitas contavam o dia de manhã
a manhã nos tempos pré-exílicos.
21
De Vaux, Ancient Israel, p. 181. De Vaux usa a ordem ‘ereb . . . bōqer como um argu-
mento em favor da hipótese de que nos tempos pré-exílicos o dia era contado de manhã a
manhã. G. von Rad, Genesis (Filadélfia, 1961), p. 51, tira a mesma conclusão: “O dia aqui
parece ser contado de manhã a manhã, em estranho contraste com sua contagem na lei do
ritual.” Deve-se dizer, porém, que Gênesis 1 não foi escrito com o propósito de reconhecer
ou estabelecer algum calendário específico ou método de contar o dia. Para uma opinião
diferente, veja E. A. Speiser, Genesis (Garden City, NY, 1964), p. 5.
22
K. Marti, Das Buch Daniel (Tubingen, 1901), p. 60.

392

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Capítulo 8

Tradução de nisd aq/katharisthēsetai em


Daniel 8:14
Niels-Erik Andreasen

S inopse editorial. “E ele me disse: Até dois mil e trezentos dias; então o
santuário será purificado” (KJV). “Será purificado [shal be cleansed]” é uma
frase verbal importante para a interpretação dessa declaração. É uma tradução
inglesa de nisdaq, forma passiva do verbo hebraico sādaq (“ser justo, correto”). A
tradução inglesa foi provavelmente influenciada pela tradução da Septuaginta
Grega (LXX) da mesma palavra hebraica, katharisthēsetai (“será purificado”). Sen-
do que a palavra hebraica aparece somente uma vez na forma passiva (Niphal) no
Antigo Testamento, seu significado neste contexto específico (Dn 8:14) foi muito
estudado. Isso resultou em uma variedade de traduções deste termo em nossas
Bíblias modernas.
Em uma tentativa para verificar seu significado básico, o autor observa que
nisdaq deriva da raiz semítica triliteral ocidental: Sdq. O emprego amplo desta
raiz nas conhecidas línguas semíticas ocidentais e na Bíblia Hebraica indica que
os significados básicos envolvem termos tais como “correto”, “justo”, “verídico”,
e conceitos similares. Todavia, seu uso nas linhas paralelas da poesia hebraica
demonstra que a raiz desenvolveu significados ampliados. Dentre as várias raízes
que ela sobrepôs em significado estão thr/ zkh (puro, limpo). Outra importante
extensão ou sobreposição liga Sdq com a raiz špt, que carrega as nuanças legais da
sala do tribunal: “julgar” e “vindicar”.
Muitos intérpretes crêem que os tradutores da LXX atribuíram o significado
ampliado “será purificado” (katharisthēsetai) a nisdaq em uma tentativa de har-
monizar a passagem de Daniel 8:14 com o evento histórico da rededicação do
templo pelos macabeus, após a profanação por Antíoco IV. Contudo, os mesmos
tradutores também traduziram a raiz sdq em Jó 4:17 por katharos, uma forma
adjetiva da mesma palavra que eles usaram para indicar purificação em Daniel
8:14. O emprego tardio da raiz sdq nos targuns aramaicos indica que o termo
realmente se ampliou para significar tais coisas como “limpo” e “puro”. Nos

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

escritos apocalípticos, a ênfase em sdq parece estar sobre a nuança de “justiça” e


qualidades relacionadas.
Assim, a evidência é de que nisdaq não pode ser restringida a um estreito sig-
nificado. Sua raiz sdq era capaz de exprimir uma vasta diversidade de significados,
estendendo-se além de suas simples nuanças de “justo” e “reto” para incluir dis-
posições legais e ações tais como “restauração”, “purificação” e “vindicação”. O
autor sugere que deve ser feita uma distinção entre uma tradução estrita da palavra
e a interpretação do seu pleno significado dentro do contexto de Daniel 8.
Pode-se acrescentar que sua plena interpretação também deve estar dentro do
contexto dos capítulos 7 e 8. O capítulo 8 é uma elaboração adicional de alguns
aspectos da visão do capítulo 7, e a purificação/restauração do santuário no capí-
tulo 8 ocorre na mesma posição paralela do juízo celestial do capítulo 7.

Esboço do capítulo

1. O problema
2. A raiz: sdq
3. Significados ampliados de sdq
394
4. Tradução da LXX de Daniel 8:14
5. Sdq no hebraico e aramaico tardio
6. Sdq na literatura apocalíptica
7. Contexto de Daniel 8:14
8. Conclusão

O problema

Um dos problemas de Daniel 8:14 está associado com a palavra hebraica nisdaq.
Este termo é traduzido por “será purificado” na KJV e muitas outras versões que
evidentemente dependem da Septuaginta (tradução das Escrituras hebraicas para
o grego, produzida em algum tempo no terceiro/segundo séculos a.C.; geralmente
designada como LXX). Todavia, é traduzido por “será justificado”, “será restaura-
do”, ou algo semelhante em muitas traduções recentes da Bíblia. Qual tradução
está correta?1
Esse problema é composto pelo fato de que as traduções naturais de nisdaq
seriam “feito justo” ou “justificado”, embora nenhuma dessas pareça muito apro-
priada para o contexto. Assim, os tradutores da Bíblia propuseram um grande nú-
mero de variações, tais como “será restaurado” (TEV), “será devidamente restau-

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Estudos sobre Daniel

rado” (NASB), “terá seus direitos restaurados” (BJ), “emergirá vitorioso” (NEB),
“será reconsagrado” (NIV), “será restaurado ao seu legítimo estado” (RSV).
O problema é particularmente acentuado para os adventistas do sétimo dia,
cujas primeiras formulações teológicas eram baseadas na KJV (uma vez que eles
eram geralmente de fala inglesa), e, portanto, acostumados com a tradução “será
purificado”.2 Além disso, essa tradução de nisdaq contribui para uma associação
de Daniel 8:14 e Levítico 16 (a purificação do santuário terrestre no Dia da Ex-
piação), uma associação decisiva para todo o pensamento adventista do sétimo
dia sobre o assunto. De fato, essa associação foi suscitada em nossa discussão da
tradução de nisdaq em Daniel 8:14.3
Consequentemente, o crescente número de traduções da Bíblia (e seu difundi-
do uso na igreja) que abandonam a versão tradicional “será purificado” em favor
de “será justificado” ou coisa semelhante, apresentam um desafio para o pensa-
mento teológico adventista do sétimo dia. Como responderemos a esse desafio?
Qual é a evidência por trás das várias traduções de nossa palavra? E quais soluções
podemos encontrar para o problema?
Ao abordarmos uma solução nos limitaremos neste estudo, até onde for pos-
sível, ao assunto da tradução. Deixamos de lado, por enquanto, as questões inter-
pretativas mais amplas de Daniel 8. Mesmo assim, examinaremos seis problemas
relativos à tradução desse versículo antes de tentarmos tirar uma conclusão. 395

A raiz: Sdq

Sdq (o termo ou raiz da qual a palavra nisdaq é formada) é uma raiz semítica
ocidental. Isto significa (para fins de comparação) que não podemos obter nenhu-
ma ajuda dos extensos textos acádios e babilônios. Entretanto, a raiz ocorre em
várias línguas semíticas ocidentais.4
Por exemplo, aparece no arábico com o significado de “verdade” ou “veraci-
dade”, conforme aplicado às declarações. Em ugarítico ocorre com o significado
de “direito” ou “lícito”. As inscrições fenícias empregam a raiz no sentido de “ser
justo” ou “legítimo” (acerca de um herdeiro). No aramaico antigo significa “leal”
e é usado com referência a rei e sacerdote. Inscrições púnicas sugerem o significa-
do de “piedoso” e siríacas e etiópicas a usam no sentido de “ser justo”, “declarar
justo”, e “falar a verdade”.
O resultado dessa pesquisa nos leva ao significado geral para a raiz nos textos
extrabíblicos de “justo”, “direito”, “verídico”, “lícito”. Isto corresponde bem aos
significados básicos dados à palavra nos dicionários hebraicos e aramaicos do
Antigo Testamento, a saber, “veraz”, “justo”, “direito”.5 Portanto, existe quase

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

um consenso sobre os significados básicos dessa raiz, um fato que não deve fugir
da nossa atenção.
No Antigo Testamento, a raiz toma várias formas: dois substantivos, sedeq
(masculino) e sedāqāh (feminino); um adjetivo, saddîq; um verbo, sādaq; e um
substantivo aramaico, sidqāh (feminino). Segundo uma contagem,6 a raiz ocorre
523 vezes no Antigo Testamento, dividindo-se entre as várias formas como segue:
sedeq (119), sedāqāh (157); saddîq (206), sādaq (41). Ocorre principalmente em
Salmos (139), Provérbios (94), Isaías (81), Ezequiel (43) e Jó (35).
De máximo interesse para nossa investigação é o verbo sādaq. Ele ocorre 22 ve-
zes na forma ativa do verbo (Qal), 5 vezes na forma intensiva (Piel), 12 vezes na causa-
tiva (Hiphil), uma vez na reflexiva (Hithpael), e uma vez na passiva (Niphal). A última
ocorrência é encontrada em Daniel 8:14; portanto, a forma nisdaq. Esta forma passi-
va da raiz verbal sdq infelizmente é um hapax legomenon (palavra que ocorre apenas
uma vez na Bíblia), o que suscita a interrogação: como ela deve ser traduzida?
Segundo os dicionários, nisdaq é simplesmente o passivo de sdq, e tem o sig-
nificado de “endireitar” “tornar justo” ou coisa semelhante.7 Do mesmo modo, a
forma causativa (Hiphil) significará “causar ser direito” “causar ser justo”.8 A forma
reflexiva (Hithpael) significará “fazer-se direito” ou “justificar-se”.9 Esta seria a tra-
dução mais simples e mais direta, e é a seguida pelos mais recentes tradutores da
396 Bíblia. Eles simplesmente seguiram o significado imediato, comum da palavra.
Todavia, se seguíssemos esse procedimento, nem todas as perguntas seriam res-
pondidas. Teríamos de inquirir mais para determinar o que estava na mente do es-
critor do Antigo Testamento que usou a palavra nesse contexto específico. O que ele
compreendia por “direito”, “justo”, “verdadeiro” quando estava falando acerca do
santuário? Ou, melhor, o termo fazia referência a que em sua maneira de pensar?
Perguntas como essas nos levam ao assunto da interpretação. Elas são geralmen-
te respondidas quando o intérprete examina as ocorrências da palavra no con-
texto para verificar sobre o que está sendo falado quando o termo é usado. Mas,
neste caso, temos apenas uma simples ocorrência da palavra. Consequentemente,
quando nos mudamos dos dicionários para estudos interpretativos, encontramos
muito menos consenso. Sendo que os limites desta seção não permitem uma in-
terpretação completa da palavra, destacamos algumas conclusões bem conhecidas
que foram alcançadas em estudos anteriores.
De início, pode-se dizer que ficou evidente a partir de estudos eruditos que a pala-
vra trata de relacionamentos. Por exemplo, relações entre rei e súdito (1Sm 24:17-18;
2Sm 8:15) ou entre senhor e servo (Gn 30:33). Tais relações são legítimas (sdq) quan-
do existe paz e harmonia. Elas se rompem em ocasiões de interesses conflitantes.
Mas, especificamente, o que determina uma relação correta? Qual é a sua nor-
ma? Aqui, alguns intérpretes pensaram numa norma como o árbitro final (por

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Estudos sobre Daniel

exemplo, a lei).10 Todavia, é difícil de se encontrar no Antigo Testamento qualquer


identificação exata de tal norma.11 Muitos outros pensaram no bem estar geral da
comunidade como a norma para o relacionamento correto.12 Um estudo recente
sugere que a ordem de todo o mundo, inclusive das esferas de justiça, sabedoria,
natureza, guerra, e adoração, foi estabelecida por Deus, e que sdq serve para des-
crever sua função adequada.13
A avaliação dessas propostas exigiria um exame minucioso da raiz Sdq nas
Escrituras e nos levaria além de nossa tarefa presente. Contudo, a esta altura
podemos ao menos tirar certas conclusões gerais e experimentais no tocante ao
significado da raiz de nossa palavra.
1. Existe um consenso geral nos dicionários hebraicos e aramaicos e na lexi-
cografia semítica ocidental de que os significados básicos de Sdq são “direito”,
“justo”, “verídico”, ou coisa semelhante. Não parece possível no presente desafiar
essa conclusão.
2. Recentes estudos do emprego dessa palavra no Antigo Testamento têm pro-
posto que ela pertence aos relacionamentos. Além disso, o relacionamento assim
caracterizado por sdq é o que Deus estabeleceu para o bem-estar da família huma-
na, inclusive a comunidade da aliança.
Portanto, quando a palavra é aplicada ao santuário em Daniel 8:14, algo bom
e correto é atribuído a ela. Podemos ser mais específicos? 397

Significados ampliados de sdq

Palavras antigas, como suas equivalentes modernas, podem ter seus significa-
dos básicos ampliados. Um olhar de relance para a palavra “direito” no dicionário
confirmará isso. Sendo que a LXX (seguida por várias outras traduções da Bíblia)
tem traduzido sdq por “purificado” em 8:14, é natural perguntar se essa tradução
realmente pertence aos significados ampliados de nossa palavra.14
Um método para encontrar o escopo desse âmbito de significados ampliados é
examinar quaisquer traduções incomuns da palavra que são baseadas no contexto,
e juntar as palavras com que ela faz companhia por meio de contrastes e paralelos.
É isso o que faremos a seguir.
Em várias passagens onde sdq é traduzida de forma inesperada como “inocen-
te” ou “inculpável” têm-se um bom resultado (Gn 20:4; 2Rs 10:9; Jó 9:15). Em
outro lugar, “justo” e “acurado” parecem ser as melhores versões (Lv 19:36; 2Sm
8:15; Ez 45:10). Mesmo “direito”, no sentido de “boa razão”, parece apropriado
em 2 Samuel 19:28. Finalmente, a raiz move-se em direção do significado de “sal-
vação” e “livramento” (Is 51:5; 32:17; 46:13).

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

Várias passagens apresentam ideias que são diferentes de nossa palavra. Na


maioria das vezes elas aparecem em paralelismos literários. Assim, o verbo sdq des-
creve atividades e condições que são o oposto de “perverso” (Jó 10:15), “culpado”
(Is 5:23), “abominável” (Ez 16:51), “contenda” (Is 50:8).
Essas ideias são repetidas e expandidas em conexão com o emprego dos subs-
tantivos. Em oposição a sedeq, sedāqāh e saddîq está “homicidas” (Is 1:21), “impie-
dade e culpa” (1Rs 8:32; Pv 25:5), “engano e mentira” (Sl 52:3; Pv 12:17), “iniqui-
dade” (Ez 3:20), “mal” (Pv 11:19), “pecado” (Pv 13:6), “clamor” (Is 5:7), “erro” (Pv
12:26), “obstinação” (Is 46:12), “impiedade” (Pv 11:9).
Em muitos outros exemplos, a Bíblia apresenta ideias que são similares àquelas
expressas por nossas palavras. Além disso, elas geralmente ocorrem nos paralelis-
mos literários. Assim, o verbo é usado em conexão com tais conceitos como “in-
tegridade”, “perfeito”, “irrepreensível” (Jó 9:20), “moralmente correto” (Sl 51:4),
“puro” (Jó 25:4), “verdadeiro” (Is 43:9), “justo” (Sl 82:3), “absolvido”, “vindicado”
(Jó 11:2; Gn 44:16).
O número de substantivos com que as formas nominais estão associadas é
grande. Entre os mais comuns estão “fidelidade” (Is 11:5), “salvação” (Is 45:8;
62:1), “direito” (Dt 32:4; Is 45:19), “justiça” (Is 59:9; Jr 22:3), “santo” (Jr 31:23),
“juízo” (Sl 9:4), “paz” (Sl 85:10; Is 60:17), “equidade” (Sl 9:8), “pureza” (Sl 18:24),
398 “integridade” (Gn 6:9; Sl 7:8), “glória” (Is 58:8), “inocência” (Sl 94:21), “sabedo-
ria” (Pv 23:24).
Que conclusões podemos tirar no tocante à devida tradução de sdq a partir
dessa pesquisa de seus empregos? Podemos legitimamente estender o significado
de nisdaq considerando o uso de sua raiz sdq em paralelismos literários? Para ser-
mos específicos, podem se tornar significados ampliados de sdq os paralelismos
literários de tais termos como zākāh que significa “puro”, “limpo” (Sl 51:4; Jó 25:4;
15:14), e tāhēr, que significa “puro”, “limpo” (Jó 4:17; 17:9)?15
Sendo que essa pergunta tem sido debatida vigorosamente, uma resposta a ela
deve começar por algumas considerações metodológicas. Por exemplo, é adequado
considerar o significado de palavras individuais como sendo idênticas nos chama-
dos paralelismos sinônímicos da poesia hebraica? Considere Jó 25:4:

A. Como, pois, seria justo o homem perante Deus,


B. e como seria puro aquele que nasce de mulher?

Claramente, essas duas linhas estão relacionadas na medida em que ambas fa-
lam da fraqueza e fragilidade do homem. Mas são elas idênticas em significado?16
A passagem vem de um discurso de Bildade, o suíta, que argumenta a favor
da superioridade de Deus, seu domínio, seu poder e sua bondade (Jó 25:1-3). A

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Estudos sobre Daniel

essa altura ele pergunta: “Como, pois, seria justo o homem perante Deus (linha
A). Não é dada uma resposta explícita a essa pergunta, mas ela é subentendida na
conhecida distinção entre Deus e o homem. Essa resposta subentendida é então
enfatizada e explicitada no que segue (linha B): Sendo nascido de mulher, o ho-
mem é designado entre os mortais, os impuros, os transitórios que têm início e
fim, e que são, portanto, claramente inferiores a Deus.
Resumindo, as duas linhas A e B não dizem exatamente a mesma coisa. Antes,
elas seguem o modelo: “A, e o que é mais, B”.17 Consequentemente, os termos
únicos sdq e zkh não podem ser considerados idênticos em significado devido ao
fato de que ocorrem em linhas paralelas exatas. Contudo, as duas palavras estão
obviamente relacionadas, da mesma forma que as duas linhas em que ocorrem
estão intimamente relacionadas, de forma que se pode dizer que elas se abraçam
mutuamente em significado.18
Um segundo texto importante para nosso problema é Jó 4:17:

A. Seria, porventura, o mortal justo (sdq) diante de Deus?


B. Seria, acaso, o homem puro (thr) diante do seu Criador?

Mais uma vez ambas as linhas estão relacionadas porque elas falam da fraqueza
e fragilidade do homem diante de Deus. Mas são elas idênticas em significado? 399
Nessa passagem Elifaz se refere a uma visão noturna para aconselhar a Jó, que
tem posto a culpa de suas angústias em Deus (Jó 3). Assim, o seu propósito é colo-
car Jó em seu lugar. O “homem” do qual se fala aqui é o próprio Jó (cf. Jó 38:3).
A primeira linha pergunta se o homem (’enoš) pode ser justo à vista de Deus
(’elôah). Aqui são usados dois termos contrastantes. ’Enoš é um dos três termos
usados acerca do homem, e geralmente o caracteriza como fraco (Sl 8:5; 103:15).19
’Elôah é uma palavra para Deus favorita de Jó, e geralmente caracteriza Deus como
forte.20 Portanto, a pergunta é: como pode o homem, que é tão fraco, ser justo à
vista de Deus, que é tão forte?
A segunda linha continua o mesmo argumento, mas usa um raciocínio alter-
nativo.21 Agora, a pergunta é: como pode o homem (geber) ser puro diante do seu
Criador? O termo geber geralmente se refere ao homem como poderoso ou forte.22
Todavia, mesmo esse homem poderoso não pode estar à altura daquele que o fez
(Deus). Em outras palavras, mesmo se descrevermos o homem da melhor forma
possível, ele ainda não chega nem próximo a Deus.
Assim descobrimos mais uma vez (como em Jó 25:4) que as duas linhas não
dizem exatamente a mesma coisa, mas seguem o modelo familiar: “A, e o que é
mais, B”. Consequentemente, os simples termos sdq e thr não podem ser consi-
derados idênticos em significado pela razão de aparecerem em linhas paralelas

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

exatas. Todavia, como declarado antes, eles estão obviamente relacionados e seus
significados se abraçam mutuamente.23
Portanto, de um ponto de vista metodológico, embora possa existir algum
paralelismo sinonímico exato (cf. Sl 135:13), devemos reconhecer que muitas li-
nhas paralelas estão em uma relação dinâmica uma com a outra, e não podemos
afirmar que há uma relação pessoal em significado entre palavras individuais nas
duas linhas respectivamente. Em nossas duas séries de linhas paralelas, dificil-
mente duas palavras parecem ser inteiramente da mesma forma, mas cada palavra
expressa uma ênfase diferente.
Contudo, este reconhecimento não deve obscurecer o fato de que sdq está em
uma relação paralela a zkh e thr, ambas significando “puro”, “limpo”. O que é expres-
so nas linhas A é semelhante ao que é expresso nas linhas B. Consequentemente, as
ideias-chave dessas séries de linhas trazem uma relação mútua, e os significados de
sdq e zkh/thr devem estar relacionados, ou todo o argumento viria abaixo.
O que temos na terminologia thr/zkh são claramente significados ampliados
de sdq, embora não significados idênticos àquele de sdq. Essa é uma importante
distinção O significado de sdq é aquela palavra ou palavras que melhor expressam
seu intento total. Significados ampliados de sdq são aquelas palavras com cujos
conceitos sdq tem algo em comum, talvez ilustrada por círculos sobrepostos.
400 Uma pesquisa das ocorrências de sdq no Antigo Testamento aponta para mui-
to mais palavras além de zkh/thr em cujos significados sdq amplia o seu próprio.
Entre os mais comuns estão “perfeito”, “irrepreensível” (tām), “verdade” (’emet),
“justo”, “vindicar” (špt), “responsável” (dbr, ‘ah), “fiel” (’emûnāh), “salvação” (yš‘),
“direito” (yšr), “santo” (qdš), “equidade” (mîšôr), “juízo (dîn), “paz” (šalôm), “gló-
ria” (kābôd), “inocência” (nqh), “sabedoria” (hokmāh).
Uma destas parece formar uma relação especial com sdq, a saber, o verbo “jul-
gar” (špt) e o substantivo “juízo” (mišpāt). Não apenas encontramos špt e sdq em
frequentes relações paralelas do tipo discutido acima (Sl 82:3; Is 32:1; Jr 22:13)
indicando que sdq estende seu significado na direção de špt, como faz na direção
de thr/zkh (puro), mas sdq e špt estão também relacionados em outros sentidos.
Por exemplo, várias referências falam de “justiça” e “retidão” simultaneamen-
te, por assim dizer (cf. Sl 97:2; 106:3; Is 59:14; Amós 6:12). Isto sugere que mesmo
quando não existe nenhuma construção paralela, frequentemente se pensa nesses
dois termos em conjunto.
A isso pode ser acrescentado que justiça (Sdq) ocorre em muitas passagens que
têm conotações legais (tais como, Sl 82:3; Is 43:9; 45:24; 50:8; 59:14; 63:1). Isto
é de algum interesse para nossa investigação sendo que o livro de Daniel contém
vários contextos e expressões legais, especialmente 7:10, 22, 26, com referência ao
chifre pequeno. Estes contextos legais de sdq fornecem alguma indicação da relação
entre sdq e špt (um reconhecido termo legal), e que nos leva ao cerne da questão.

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Estudos sobre Daniel

Parece que essas palavras estão relacionadas não meramente pelos significados
sobrepostos como nos paralelismos, mas também num sentido causal. Isto é, re-
tidão (sdq) é a consequência de justiça (špt). Ou, afirmando de outra forma, atos
individuais de justiça (špt) levam a uma condição geral de retidão (sdq). Assim, Isa-
ías 43:9 tem um contexto legal em que testemunhas são chamadas para “justificá-
los”, significando que o processo legal de testemunhas leva à justificação (sdq). Em
Isaías 50:8, o acusado está confiante em seu julgamento porque Deus o vindicará
(sdq). Isaías 63:1 anuncia vindicação em seguida ao julgamento. Salmo 82:3 pode
ser um paralelismo dinâmico que tem a mesma finalidade.
À luz disso, o que podemos dizer acerca da tradução de sdq em Daniel 8:14? Pri-
meiro, o significado básico de sdq (direito, justo) não é idealmente apropriado para o
contexto de 8:14, como está indicado pela variedade de traduções em várias recentes
traduções da Bíblia. Segundo, sdq é uma palavra de significados amplos que se esten-
dem em várias áreas, algumas das quais já observamos. Terceiro, ao determinar os es-
pecíficos significados ampliados próprios para a compreensão de sdq nesse exemplo,
devemos considerar o assunto do santuário e o contexto imediato do versículo.
Claramente, thr/zkh (puro, limpo) vem à mente como prováveis significados
ampliados para sdq à luz do contexto imediato, mas outros também podem se
qualificar. Entre eles, špt (julgar, vindicar) salienta-se como uma palavra cujo signi-
ficado precede o significado de sdq neste sentido: nisdaq (endireitar) é uma conse- 401
quência de nišpat (ser julgado), levando à vindicação. Voltaremos a isso, mas pri-
meiro consideraremos outros assuntos que tratam da tradução de sdq em 8:14.

Tradução da LXX de Daniel 8:14

A LXX, antiga tradução grega das Escrituras Hebraicas, foi preservada com duas
diferentes versões do livro de Daniel. Existe a tradução grega mais antiga, seguida
por uma tradução posterior conhecida como a versão de Teodócio. Ambas as ver-
sões usam o verbo katharizō (“tornar puro, limpar, purificar”) em sua terceira pessoa,
na forma do futuro passivo (katharisthēsetai) para traduzir nisdaq em 8:14.24
Katharizō é usado na LXX com referência à purificação física (2Rs 5:10), purifi-
cação cerimonial (Lv 16:30), e também purificação moral (Sl 51:2). Que explicação
podemos dar para o uso desse termo pelos tradutores em 8:14? Aqui estão algu-
mas respostas que têm sido propostas pelos intérpretes bíblicos:
1. A LXX traduziu corretamente do aramaico (original) yidke (“limpou, puri-
ficou”) que um tradutor hebreu confundiu com yizke (“inocente, digno, justifica-
do”) e escreveu nisdaq, como o temos agora.25 Contudo, é impossível no presente
demonstrar esse suposto mal-entendido por parte do texto hebraico. Portanto,
essa proposição deve permanecer hipotética.

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

2. Muitos intérpretes (quer eles considerem katharizō como sendo uma tradu-
ção exata de uma palavra original aramaica “purificar” ou uma interpretação do
sdq hebraico) associam a explícita referência da LXX à purificação do santuário
em 8:14 com as atividades de Judas Macabeu, quando ele rededicou o templo no
ano 164 a.C.
Além de quaisquer problemas históricos e cronológicos associados a essa inter-
pretação do versículo, há alguma evidência linguística para associarmos a tradução
dos LXX a esta altura com as atividades de Judas Macabeu conforme descritas em
1 Macabeus? O que está aqui em debate não é o significado de 8:14, mas a possível
compreensão da passagem pelos tradutores gregos.
Sem fazer uma pesquisa exaustiva, notamos certos paralelos que aparecem no
texto grego de Daniel e de 1 Macabeus. Por exemplo, a sorte do santuário é descri-
ta em Daniel e em 1 Macabeus como segue:

Daniel 8:11 “o lugar do seu santuário foi deitado abaixo” (kai to


hagion erēmōthēsetai)

Daniel 8:13 é entregue o santuário e o exército, a fim de serem


pisados (kai ta hagia erēmōthēsetai eis katapatēma)
402
Daniel 8:13 “a transgressão assoladora” (kai hē amartia erēmōseōs
hē dotheisa)

1 Macabeus 1:54 “eles erigiram um sacrilégio desolador” (bdelugma


erēmōseōs)

1 Macabeus 3:51 “o santuário foi pisoteado” (ta hagia sou katapepatēntai)

1 Macabeus 4:38 “o santuário foi desolado” (to hagiasma ērēmōmenon)

As palavras-chave gregas que descrevem a condição do santuário são erēmoō (“de-


vastar, abandonar, tornar desolado”) e katapateō (“pisar, espezinhar, desdenhar”).
A inversão dessa condição é descrita como segue nos textos gregos dos mes-
mos livros:

Daniel 8:14 “então o santuário será purificado” (kai katharisthēsetai


to hagion; KJV)

1 Macabeus 4:36 “vamos e purifiquemos o santuário ...” (katharisai ta hagia)

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Estudos sobre Daniel

1 Macabeus 4:41 “até que ele tivesse purificado o santuário” (heōs katharisēi
ta hagia)

A palavra-chave grega aqui é katharizō (limpar, purificar).


Por si mesmas, essas observações não provam que os tradutores da LXX esco-
lheram a palavra “purificar” de 8:14 para se referir às atividades de Judas Macabeu,
mas a possibilidade existe. Tal possibilidade tem levado alguns intérpretes a favo-
recer a LXX acima da versão hebraica, a saber, aqueles intérpretes que vêem um
cumprimento de 8:14 nas atividades de Judas Macabeu.26
3. Os adventistas do sétimo dia tradicionalmente têm seguido a versão hebrai-
ca recebida (não querendo emendar o texto ou postular um erro). Eles têm optado
(geralmente se baseando em outras passagens bíblicas que tratam do santuário)
pelo significado ampliado de sdq, escolhido pelos tradutores gregos para a palavra
nisdaq. Por exemplo, Hebreus 9:23 fala das coisas celestiais sendo purificadas pelo
sacrifício de Cristo (katharizesthai)27.
Além disso, foram feitas conexões com Levítico 16, onde as ideias de impureza
e purificação aparecem de forma destacada, embora não atribuídas ao santuário.
Por exemplo, a “expiação por vós” é para “purificar-vos” (katharisai). A expiação
pelo lugar santo é “por causa das impurezas do povo de Israel” (versículos 16, 30).
“Sereis purificados perante o Senhor” (katharisthēsesthe – versículo 30). 403
Como então devemos avaliar a tradução grega de sdq em 8:14? Tinham os
tradutores em mente Antíoco IV e a revolta dos Macabeus quando traduziram
Daniel? Ou estavam simplesmente selecionando um significado apropriado e am-
pliado (katharizō) quando traduziram sdq?28
A pergunta não é fácil de ser respondida. Em primeiro lugar, a LXX traduz sdq
por katharizō ou o adjetivo relacionado katharos somente duas vezes – Daniel 8:14
e Jó 4:17. Na medida em que não há nenhuma relação discernível entre esses dois
textos, nenhum princípio geral de tradução pode ser extraído disso. Todavia, é evi-
dente que a LXX usou katharos para traduzir sdq em Jó 4:17, mesmo onde não há
nenhuma influência possível de 1 Macabeus para justificá-lo. Consequentemente,
alguns intérpretes têm concluído que também em Daniel 8:14 os tradutores gregos
usaram katharizō por considerarem-no como o significado apropriado e ampliado
de sdq para esse versículo que lida com o santuário (cf. Lv. 16).29
Por outro lado, devemos reconhecer que em outro lugar (11:31) a versão grega
mais antiga de Daniel (opondo-se à versão posterior de Teodócio da LXX) parece
indicar uma orientação macabeana. Isso pode ao menos ser possível também no
caso de Daniel 8:14,30 embora em 11:31 o texto de Teodócio não admita exceção
a tal indicação. Resumindo, é possível uma orientação macabeana na tradução
grega de 8:14, embora não necessariamente.

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

Talvez o melhor a ser dito é que embora não possamos excluir a orientação
macabeana da tradução dos LXX de 8:14, esta versão confirma o significado am-
pliado de katharizō para sdq em Jó 4:17 e em Daniel 8:14.

Sdq no hebraico e aramaico tardio

Agora voltamos a atenção para outros escritos judaicos posteriores em hebraico


e em aramaico para ver como a palavra sdq era compreendida neles. Ao fazer isso,
devemos ser cuidadosos para não presumir que o emprego linguístico posterior
necessariamente traga a mesma extensão de significados como fazia o emprego
anterior no tempo da composição de Daniel.
Focalizamos particularmente uma classe de escritos judaicos conhecida como
os targuns. O termo significa “interpretações”. Os targuns são traduções pós-exíli-
cas e paráfrases e comentários sobre a Bíblia hebraica em aramaico. Originando-se
como traduções orais, eles começaram a ser escritos antes do tempo de Jesus, um
processo que continuou por vários séculos.
De interesse especial aqui é a investigação realizada pelo falecido W. E. Read
sobre as traduções targúmicas de sdq. Ele salientou que das 405 ocorrências he-
404
braicas de sdq que podem ser examinadas nos targuns, 209 usaram os termos ara-
maicos zkh/zk (“limpo, puro”).31 Ele prossegue apresentando um modelo segundo
o qual o hebraico sdq é traduzido por dikaios (“correto, justo”) na LXX e zkh/zk
(limpo, puro) nos targuns.32 Ele sugere que se tivéssemos um targum de 8:14, sdq
seria traduzido por zkh. Contudo, neste exemplo a LXX rompeu com os modelos
esperados usando katharizō em vez de dikaioō.
Aonde tal análise nos leva? Significa que agora é mostrado que sdq tem entre
seus significados “purificar”, “limpar”? E que de certa forma este significado deve
ser lido em Daniel 8:14? Parece que em aramaico e hebraico tardio sdq mudou
(ao menos em suas formas nominativas) em direção dos significados de “virtude”,
“misericórdia”, “pureza”, e mesmo “caridade”.33 Por outro lado, a versão targúmi-
ca preferida de sdq, a saber, zkh, é geralmente traduzida por “limpo”, “inocente”,
“justo”, “absolvido”,34 de sorte que não devemos nos surpreender por encontrá-
lo sendo usado para traduzir sdq no aramaico. De fato, pareceria particularmen-
te bem apropriado como uma tradução do hebraico tardio sdq (“justo, virtuoso,
reto, misericordioso, piedoso”). Isto é, o aramaico zkh não é uma tradução mais
surpreendente de sdq do que é o grego dikaios/dikaioō (“justo, correto, absolvido,
vindicado, puro”) para a mesma palavra.
Contudo, se houvesse uma versão aramaica de 8:14 usando zkh para sdq, daria
mais evidência em apoio de uma compreensão um tanto ampliada de nisdaq, além dos

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Estudos sobre Daniel

significados limitados de “justificar”, “endireitar”. Entretanto, este significado mais


amplo de sdq não parece ser tão específico como a versão grega (katharisthēsetai).
A partir disso, podemos arriscar as seguintes conclusões: No hebraico e no
aramaico tardio, sdq recebe uma ampliação em significado que inclui as ideias de
“puro”, “piedoso”, “virtuoso”, etc. Isto é confirmado pela observação de que os
targuns geralmente traduzem o hebraico sdq pelo aramaico zkh, que tem o mesmo
significado amplo que o hebraico tardio sdq. Em distinção dos significados am-
pliados de sdq notados anteriormente – de acordo com os paralelismos literários
– agora falamos de um significado ampliado da raiz sdq.

Sdq na literatura apocalíptica

Nessa conexão podemos perguntar se sdq recebeu algum significado especial


no que chamamos de escritos apocalípticos tais como o livro de Daniel. Um relan-
ce para a evidência nas obras inspiradas e não inspiradas dessa espécie de escritos
judaicos sugere que sdq (geralmente) é usado para se referir às condições produzi-
das pela redenção de Deus no eschaton (“o fim”).
A justiça substituirá a impiedade do mundo presente (2 Esdras 5:2, 11). Essa
405
redenção “introduzirá a justiça eterna” (Dn 9:24) depois que o juízo de Deus
tiver dado um fim à presente era. Então nascerá o “sol da justiça” (Ml 4:2; cf. 1
Enoque 10:16-17; 38:3-4). “A incredulidade foi erradicada, e a justiça aumentou e
a verdade apareceu” (2 Esdras 7:114). De fato 2 Esdras e 1 Enoque repetidamente
distinguem a era presente e a era vindoura por meio de um contraste entre injus-
tiça e justiça.
Tal conceito é refletido nos escritos de Qumran. O líder da comunidade é
“o mestre da justiça”, e os fiéis são aqueles que praticam a justiça (1QS 3), uma
qualidade que prevalecerá no Céu (1QM 17).
Em todos esses escritos sdq caracteriza a nova era vindoura, o que a produzirá,
e aqueles que dela participarão. Descrições adicionais dos participantes revelam
tais características como veracidade, fidelidade, pureza, lealdade, obediência. To-
das elas pertencem ao futuro reino de Deus.

Contexto de Daniel 8:14

Descobrimos que Sdq (como muitas outras palavras hebraicas) possui uma
ampla extensão de significados. Como a maioria de tais palavras, esses significados
centralizam-se em torno ou se estendem a partir de alguns conceitos básicos. Os

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

significados básicos para sdq são “direito”, “justo”, ou semelhante. Podemos falar
destes como os significados limitados da palavra no dicionário.
Circundando esses significados básicos estão os significados ampliados, con-
ceitos com que a palavra está claramente associada em significado, um fenômeno
que podemos ilustrar com um diagrama de círculos sobrepostos. No decorrer da
história, a própria raiz recebeu um significado ampliado, conforme ilustrado nas
traduções do hebraico e aramaico tardio (targuns) da Bíblia. Os tradutores da LXX
também parecem estar familiarizados com significados ampliados e extensos.
Essas observações nos oferecem muitas possibilidades quando chegamos à tra-
dução e interpretação de nisdaq em 8:14. Entre os muitos significados extensos e
ampliados, em que direção se move aqui a palavra sdq? Somente o contexto ime-
diato pode nos ajudar a responder à pergunta. O contexto imediato de 8:14 é o
versículo 13, em que a pergunta respondida no versículo 14 é apresentada.
A natureza e extensão dessa pergunta são importantes, porque nos dará uma in-
dicação da abrangência da resposta a ela. Por exemplo, poderíamos indagar quanto
está incluído na visão (versículo 13)? São somente os versículos 9-12 que contêm a
descrição do chifre pequeno, ou é todo o capítulo 8 (8:1 também fala de uma visão,
hāzôn)?35 No entanto, para a finalidade específica deste capítulo, nossa preocupação
não é com a abrangência da pergunta (Quando começou a visão?), mas com a par-
406 ticularidade dela (O que está em jogo?). Especificamente, ela fala de:

A. O holocausto contínuo (tāmîd) que é tirado


B. A transgressão desoladora (peša‘ sōmēm)
C. O santuário e o exército espezinhados (qōdeš wesābā’ mirmās)

O que essas atividades envolvem? Elas representam os problemas específicos


acerca dos quais a pergunta é feita. O tāmîd (sem qualquer qualificativo) sim-
plesmente significa “contínuo”, “ininterrupto” (referindo-se aqui ao ministério
no santuário). A expressão “transgressão que torna desolado” ou “transgressão
desoladora” usa palavra mais pesada do Antigo Testamento para pecado (peša‛) e
adiciona o qualificativo: desoladora”, “abominável”, “horror”.36 É simplesmente
uma expressão horrível de pecado, que (a julgar do contexto) foi perpetrado no
santuário.
A terceira expressão indica que o santuário e os santos de Deus são humi-
lhados (como por animais que pisam insensivelmente, ou inimigos que pisam
vingativamente sobre o que não valorizam). Destruir, arruinar, em vez de poluir
ou profanar parece ser o significado básico.37
Pondo de lado por enquanto a interpretação histórica e teológica desses even-
tos do versículo 13, poderíamos indagar acerca do tipo de contexto conceitual que

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Estudos sobre Daniel

eles provêem para a compreensão do significado das palavras do versículo 14 que


fornecem uma resposta.
Se A, B e C são consideradas atividades de profanação e poluição, então
“purificação” (katharizō) seria a palavra mais adequada para a resposta. Esta é
a escolha da LXX. É também o termo usado por 1 Macabeus para descrever a
rededicação do templo de Jerusalém depois da profanação por Antíoco IV; con-
sequentemente, é favorecido por alguns que interpretam 8:14 como aludindo aos
eventos dos macabeus.38
Por outro lado, se A, B e C, como vimos, envolvem alguma outra coisa e mais
do que simplesmente profanação e poluição – tais como a revogação do ministério
do santuário, a introdução de horrível pecado dentro do santuário, e a insensível
ruína do santuário e dos santos igualmente –, então a palavra hebraica nisdaq
pode ser uma melhor resposta para a pergunta apresentada. Nisdaq assegura de
uma maneira geral e abrangente que no tempo de Deus as ofensas do versículo 13
serão “corrigidas”. E que, como vimos, é o significado básico de sdq. Todavia, não
é um significado limitado, mas um amplo que pode ser visualizado por meio de
várias ideias associadas, inclusive purificar, restaurar, vindicar, etc.
Essas ideias combinadas parecem muito adequadas para responder à situação
e à pergunta de 8:9-13, mas infelizmente nenhuma palavra inglesa sozinha abran-
ge todas elas. Assim, devemos voltar aos significados extensos e ampliados de sdq 407
que são apropriados para o contexto específico dessa ocorrência. Eles incluiriam
“endireitar” (como em restauração), “limpar” (através da purificação), “vindicar”
(como em juízo). Considerou-se que as duas últimas possuem significados amplia-
dos apropriados de sdq.39

Conclusão

Que tradução de nisdaq seguiremos em Daniel 8:14 – aquela das antigas ver-
sões e de algumas traduções ainda mais antigas em inglês, ou aquela da maioria
das recentes traduções inglesas (e não-inglesas)? Com base nessa visão geral do
assunto, recomendam-se as seguintes conclusões:
1. A versão hebraica (sdq) em vez da tradução de uma versão e tradução poste-
rior deve ser o ponto de partida de qualquer exame desse assunto.
2. O significado básico de sdq é “justo”, “direito”, ou algum termo semelhan-
te. A ideia geral desta tradução mostra nisdaq como uma resposta adequada em
Daniel 8:14 para a pergunta apresentada no versículo 13.
3. Sdq não está restrito a um significado limitado. É um termo dinâmico que
funciona em várias áreas da vida e fé bíblicas. Sua perspectiva, portanto, é sempre

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

ampla e inclui uma variedade de significados. Além disso, sua função passou por
um desenvolvimento, de sorte que em escritos apocalípticos tais como Daniel ela
veio a se referir especificamente à restauração de todas as coisas no final.
4. Partindo dos significados da raiz, os significados extensos e ampliados, e o
contexto imediato à promessa feita em 8:14 concernente ao santuário por meio
da palavra sdq parece incluir ações tais como: a “restauração” do ministério do
santuário, sua “purificação” de horrível pecado, e a “elevação” ou “vindicação”
dos santos e do santuário que têm sido espezinhados. Idealmente, nenhum desses
conceitos mais limitados deveria servir como a tradução de nisdaq, mas eles bem
se ajustam à gama interpretativa de significados para a palavra nesse versículo.
Assim, devemos distinguir entre a tradução limitada de nisdaq por um lado e a
interpretação do seu pleno significado (dentro do contexto de Daniel 8) por outro.
“Restaurado”, “restaurado à sua condição legítima”, “ter seus direitos restaurados”
pode ser a melhor tradução que podemos encontrar. Contudo, à luz do amplo
escopo de significados do termo e do contexto imediato, sua interpretação deve
incluir conceitos adicionais, tais como purificação/limpeza e vindicação/elevação.
Tal distinção entre a tradução limitada e a interpretação mais ampla dessa palavra
pode servir para elucidar a mensagem de Daniel 8:14 em seu pleno escopo.

408 Notas
1
O problema foi revisto de forma sucinta pela publicação da Associação Geral, Proble-
ms in Bible Translations (Washington, DC, 1954), p. 174-77.
2
Veja R. W. Olson, ed., “A Historical Survey of the Heavenly Sanctuary”, E. G. White
Estate, 1980.
3
Veja Seventh-day Adventist Bible Commentary (Washington, DC, 1955), 4:844-45.
4
Várias pesquisas úteis da função de sdq na literatura extrabíblica estão disponíveis: J.
P. Justesen, “On the Meaning of SADAQ” AUSS 2 (1964): 53-55; H. H. Schmid, Gerechtig-
keit als Weltordnung (Tubingen, 1968), p. 69-75; J. F. Jean e J. Hoftijzer, Dictionnaire des
inscriptions sèmitiques de L’ouest (Leiden, 1965), p. 242; THAT, 2:507-510.
5
Koeler-Baumgartner, Lexicon, p. 794-1115, doravante citado como K-B.
6
THAT, 2:511.
7
K-B 794; BDB, p. 842-43.
8
K-B 794; BDB, p. 842-43; 2 Sm 15:4; Dt 25:1; Is 53:11.
9
K-B, p. 294; Gn 44:16.
10
Por exemplo, E. Jacob, Theology of the Old Testament (New York, 1958), p. 94.
11
Exceto para Deuteronômio 4:8; Salmos 19:9; a justiça não está frequente e explicita-
mente associada com a lei (torah); veja THAT, 2:515.
12
Por exemplo, W. Eichrodt, Theology of the Old Testament (Filadélfia, 1961), 1:241-41.
13
Schmid.

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Estudos sobre Daniel
14
A ideia de extensão de significados ou extensão semântica tem sido sugerida para
levar em consideração a aparente discrepância entre o significado básico de sdq e sua tradu-
ção na LXX, KJV, e outras. Veja Justesen, p. 56-61. Recentemente, G. F. Hasel, “The ‘Little
Horn,’ the Saints, and the Sanctuary in Daniel 8”, The Sanctuary and the Atonement, eds.
Arnold W. Wallenkampf e W. Richard Lesher (Washington, DC, 1981), p. 204.
15
Veja J. P. Justesen, p. 56-61; W. E. Read, “Further Observations on Sadaq”, AUSS 4
(1966): 29-36; Hasel, p. 204.
16
Veja discussão deste assunto em J. L. Kugel, The Idea of Biblical Poetry (Yale, 1981),
p. 1-58.
17
Ibid., p. 41.
18
TDOT, 4:63; veja também Jó 15:14.
19
TDOT, 1:346-47.
20
TDOT, 1:259.
21
Podemos traduzir: Pode o homem mortal ser justo à vista de Deus, ou, (hebraico,
’im) pode o homem ser puro diante do seu Criador? Para o uso alternativo do hebraico ’im,
veja Josué 5:13. A estrutura é também quiástica, como segue:

A Homem Mortal
B Deus
B’ Seu Criador 409
A’ Homem

TDOT, 2: 377-78
22

Veja também Jó 17:9; THAT, 3:309, 313; THAT, 1:646-52.


23

24
Também seguido pela Vulgata, mundabitur sanctuarium.
25
Assim L. F. Hartman e A. A. DiLella, The Book of Daniel (New York, 1978), p. 227;
A. Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 159; cf. F. Zimmermann, “The Aramaic
Origin of Daniel 8:12”, JBL 57 (1938): 258-72; H. L. Ginzberg, Studies in Daniel (New York,
1948), p. 42.
26
Hartmann e Di Lella, p. 222, 227.
27
Por este meio, U. Smith defendeu a tradução da LXX do verbo nisdaq e argumentou
que a purificação não é inapropriada para um santuário celestial. The Prophecies of Daniel
and the Revelation (Mountain View, CA, 1944), p. 179-80.
28
Veja neste volume, capítulo 4 de W. Shea, “Desenvolvimento Inicial da Interpreta-
ção de Antíoco Epifânio”, para discussão adicional desse assunto.
29
Assim, Justesen, p. 60. Note o comentário editorial que atribui a tradução dos LXX
de Daniel 8:14 à crise dos Macabeus (p. 60-61).
30
Shea.
31
Leia, p. 32-33. Oito diferentes palavras aramaicas são usadas para traduzir sdq nos Targuns.
32
Ibid.

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Tradução de Nisdaq
. /Katharisthēsetai em Daniel 8:14

Também em Daniel 4:27 (24). M. Jastrow, A Dictionary of the Targumim (New York,
33

1950), p. 1262-64; G. H. Dalman, Armäisch-Neuhebräisches Wörterbuch (Frankfurt, 1901), p.


243; Jean e Hoftijzer, Dictionnaire, p. 243; THAT, 2:530.
34
Jastrow, p. 397-99; K-B, p. 107; Dalman, p. 121.
35
Veja Hasel, p. 198, para discussão adicional.
36
K-B, p. 988.
37
Cf. Mq 7:10; Is 5:5; 7:25; 10:6; veja G. Hasel, p. 203.
38
Veja n. 25.
39
Há evidência indireta para tais significados ampliados de sdq neste versículo de-
vido à variedade de maneiras em que esta palavra é traduzida em traduções recentes.
Nossa opinião é limitar a variedade que os reconhecidos significados ampliados de sdq e
o contexto imediato de Daniel 8:14 permitem, sem confiança exagerada nas opiniões de
interpretação.

410

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Capítulo 9

Dimensões espaciais na visão de Daniel 8


William H. Shea

S inopse editorial. Uma notável característica da profecia apocalíptica é a sua


forte ênfase sobre a conexão entre o Céu e a terra. A descrição das várias visões
sublinha esse aspecto, que pode ser designado como a dimensão vertical da profecia
apocalíptica. Movimentos direcionais pelos símbolos e referências ao Céu e à ter-
ra (dimensões espaciais) servem graficamente para acentuar essa relação vertical.
Também proveem ideias para se fazer sólidas interpretações das visões.
Esse assunto é melhor compreendido se a visão do capítulo 8 for comparada
com a visão anterior. Por exemplo, é possivel pensar na visão do capítulo 7 como
uma foto instantânea, um retrato de natureza morta. Há uma ausência quase total
de movimento. Os animais simbólicos parecem simplesmente surgir e então desa-
parecer. Somente a atividade do quarto animal é descrita, mas nenhum movimen-
to direcional é observado.
Por outro lado, a visão do capítulo 8 é como uma película cinematográfica
desde o início. O movimento direcional é preeminente. O carneiro, saindo do
oriente, ataca na direção do ocidente, norte e sul. O bode se apressa do ocidente
para encontrar-se com o carneiro. Posteriormente, quatro chifres de sua cabeça
saem na direção dos quatro pontos da bússola. Em princípio, o “chifre pequeno”
sai horizontalmente para o sul, o oriente e “a terra gloriosa”. Então muda o seu
movimento direcional. O chifre agora se move verticalmente para o Céu – em um
ataque contra os exércitos estelares e, finalmente, contra o Príncipe do exército
celestial e o seu ministério no santuário.
As dimensões espaciais – terra, Céu – são enfatizadas em ambas as visões. Em
Daniel 7, é a visão do profeta que se desloca de um lado para outro entre a terra e
o Céu. Em Daniel 8, porém, são os movimentos direcionais do chifre pequeno da
terra para o Céu que duas vezes ilustra o elo vertical.
O ponto culminante da visão do capítulo 8 focaliza essas duas atividades ver-
ticais do chifre pequeno. Primeiramente, ele atinge os céus e lança algumas das
estrelas por terra, onde, em seguida, as espezinha. Em seu segundo movimento
vertical, o chifre move-se para cima na direção do reino celestial contra o Príncipe

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

do exército, tirando seu ministério sacerdotal e deitando abaixo o lugar do seu


santuário. A verdade acerca do ministério do Príncipe em seu santuário celestial
é lançada por terra.
Tais delineamentos simbólicos, enfatizando localidades espaciais, indicam cla-
ramente que o santuário da visão do capítulo 8 é o santuário celestial e não um
templo em Jerusalém. O movimento direcional do chifre (vertical) para o próprio
reino celestial engrandece o drama da visão. A atenção do leitor é centralizada
na luta entre o chifre pequeno e o Príncipe relativa ao santuário celestial e o seu
ministério.
O Príncipe do exército não é apenas o soberano do exército (seu povo), mas
Ele é também um Príncipe real ministrando em seu santuário celestial a favor
deles. O santuário celestial lida com a salvação da raça humana. O chifre pequeno
tenta se intrometer e interferir nessa importantíssima atividade celestial do Prínci-
pe. Consequentemente, o cumprimento histórico da extensão cósmica dessa pro-
fecia – denotada por suas dimensões espaciais – encontra o seu cumprimento mais
apropriadamente na fase religiosa de Roma do que na breve profanação do templo
de Jerusalém por Antíoco Epifânio.

412 Esboço do capítulo

1. Introdução
2. Dimensões horizontais e verticais de Daniel 7
3. Dimensões horizontais e verticais de Daniel 8
4. Fase horizontal do chifre pequeno
5. Primeira fase vertical do chifre pequeno
6. Segunda fase vertical do chifre pequeno
7. Resumo e conclusão

Introdução

Existem vários pontos de vista diferentes a partir dos quais uma profecia apo-
calíptica como Daniel 8 pode ser examinada. Por exemplo, pode-se trabalhar dire-
tamente com a descrição dessa profecia e esboçar os elementos sucessivos que ela
apresenta. Ou, em nível de maior detalhe, é possível trabalhar com uma análise
versículo por versículo ou mesmo palavra por palavra ou exegese da passagem.
Ainda em outro processo – em termos de comparações mais amplas – é possível
procurar diferentes elementos na profecia que são particularmente característicos

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Estudos sobre Daniel

da apocalíptica. Esta é a abordagem que seguiremos neste capítulo.


As características da apocalíptica elucidadas em estudos anteriores até aqui1
incluem: (1) uma dimensão cósmica ou escopo universal, (2) uma visão pessimista
da presente história do mundo, (3) ética subentendida (não declarada), (4) uma
divisão do tempo em eras, (5) formas literárias em prosa, (6) extenso uso de visões,
sonhos e símbolos nessas visões e sonhos – especialmente símbolos compostos, (7)
uma ênfase escatológica, e (8) uma tendência fortemente dualista.
Essa ênfase dualista pode ser vista em relações contrastantes de luz e trevas,
bem e mal, Deus e Satanás, vida e morte.
A forte ênfase sobre contrastes na apocalíptica torna visível mais uma caracte-
rística, a saber, um enfoque sobre a conexão entre o Céu e a terra. A apocalíptica
enfatiza a conexão entre o Céu e a terra de uma maneira ainda mais gráfica do que
faz a profecia clássica. Particularmente, um contraste espacial está envolvido no
qual são mostradas ao profeta cenas a ocorrerem na terra, depois no Céu, então,
e, outra vez na terra. Essa característica é às vezes conhecida como a dimensão
vertical da apocalíptica.
A dimensão vertical não é uma propriedade exclusiva da apocalíptica, mas é
encontrada também nos profetas clássicos. Um exemplo disso está em 1 Reis 22:
19-22. Ao profeta Micaías, filho de Inlá, foi concedida uma visão da corte celestial
em que viu e ouviu Deus conversando com os anjos reunidos em torno do seu 413
trono. O assunto dessa conversa era o julgamento de Acabe, rei de Israel, e Micaías
ouviu sua sentença de condenação sendo pronunciada.
Esse tipo de visão harmoniza-se plenamente com os dois primeiros capítulos
de Jó. Ali, ao autor (mas não ao próprio Jó) foi permitido ouvir um diálogo entre
Deus e Satanás nas cortes celestiais. Assim, a apocalíptica está em conexão com
a profecia clássica e outros tipos de literatura bíblica no tocante a essa dimensão
vertical. A diferença aqui é de quantidade em vez de qualidade, sendo que essa
espécie de contraste aparece com muita frequência na apocalíptica.

Dimensões horizontais e verticais de Daniel 7

Para nosso estudo da dimensão vertical de Daniel 8 será proveitoso usar a


visão de Daniel 7 como um modelo para comparação.
No capítulo 7, uma série de quatro animais simbólicos se apresenta diante
da visão do profeta. Ao aparecerem no cenário de ação, um movimento relativa-
mente pequeno é descrito. O profeta observa os ventos do céu soprando sobre o
grande mar, e, por sua vez, cada um dos animais surge desse mar (cf. 7:3ss).
Embora algum movimento obviamente esteja ligado à ação de subir do mar,

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

os animais não se empenham em outros atos de movimento direcional, uma vez


que aparecem no cenário de ação. Eles não atacam em uma direção ou outra a
fim de simbolizar suas conquistas. Cada um simplesmente aparece no cenário e
permanece ali até que seu domínio passa para outro. Não podemos nem mesmo
dizer para onde eles vão depois de perderem o seu domínio, exceto com referência
à destruição do quarto animal (7:11).
Assim, essa série de reinos do capítulo 7 está envolvida com o que poderia ser
chamada a dimensão horizontal da história humana. Os reinos são vistos como ope-
rando o seu destino a partir de um território sobre a terra. Os animais que represen-
tam esses reinos não exercem muita atividade direcional simbólica nesse horizonte.
Contudo, em seguida à referência ao chifre pequeno que sai do quarto animal,
a arena de atividade na visão muda abruptamente. A visão do profeta é transferida
para uma cena que ocorreria no Céu. Ali ele vê o Ancião de dias entrando na sua
câmara de audiência onde o exército celestial se reuniu diante do seu trono (7:9-
10). O Ancião de dias toma seu assento sobre o trono e a atividade para a qual o
exército se reuniu – juízo – começa. Claramente, essa atividade deveria ocorrer no
Céu, não na terra, onde as cenas anteriores da visão deveriam ocorrer.
Em seguida à primeira cena no tribunal celestial, a visão do profeta é transfe-
rida de volta para a terra. Ali ele vê o primeiro resultado desse juízo – a destruição
414 do quarto animal com seu chifre pequeno (v. 11-12). Em seguida a isso, sua visão
é transferida de volta para o Céu onde ele vê uma segunda cena, também um re-
sultado da conclusão desse juízo. Desta vez, ele vê a coroação do Filho do homem
como o soberano do eterno reino de Deus (v. 13-14). A visão conclui com essa
segunda cena no Céu. O restante do capítulo registra o diálogo entre Daniel e o
anjo mensageiro que interpreta para ele a visão.
A visão de Daniel 7 começa com uma série de cenas envolvendo quatro ani-
mais-reinos e um chifre pequeno. Eles são vistos surgindo em períodos sucessivos
no curso de eventos da história humana sobre a terra. Em resposta final a esse cur-
so de eventos, e especialmente em resposta aos atos perseguidores e sacrílegos do
chifre pequeno, é mostrado ao profeta o curso de eventos no Céu. A visão celestial
retratava um julgamento que ocorreria ali.
Essa visão de eventos no Céu é interrompida a fim de voltar o enfoque do
profeta para a terra. Sua visão novamente é mudada para o Céu para concluir nos
eventos finais ali mostrados. A dimensão vertical da apocalíptica é expressa dessa
maneira pelas duas ocasiões em que a visão do profeta é transferida da terra para
o Céu, e na outra ocasião, quando sua visão é transferida do Céu para a terra.
O diagrama abaixo está traçado para expressar as relações espaciais presentes na
descrição dessa visão.

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Estudos sobre Daniel

Dimensão vertical de Daniel 7

Embora cumprimentos históricos não sejam o enfoque específico do presente


estudo, deve-se notar que o modelo historicista de identificação Babilônia, Medo-
Pérsia, Grécia e Roma se ajusta muito satisfatoriamente a essa sequência de quatro
reinos. O primeiro animal pode ser identificado como Babilônia por meio de
paralelismos com a cabeça de ouro de Daniel 2. Os dois próximos animais-reinos 415
são identificados como Medo-Pérsia e Grécia por meio de características paralelas
com aqueles reinos, conforme simbolizados em Daniel 8.
Essas identificações deixam apenas a interrogação histórica de qual poder era
representado pelo quarto animal que chegou a dominar o mundo mediterrâneo
depois da Grécia. Roma Imperial se ajusta a essa qualificação, que a identifica
como o quarto animal-poder. O chifre pequeno seria, assim, uma fase posterior na
obra desse mesmo animal, sendo que esse símbolo se desenvolveu dele.

Dimensões horizontais e verticais de Daniel 8

Do nosso modelo de Daniel 7 da dimensão vertical, voltamos nossa atenção


para ver como essa característica da apocalíptica está retratada na visão de Daniel
8. É evidente dessa descrição da visão do capítulo 8 que a dimensão horizontal da
profecia apresenta-se antes da introdução da dimensão vertical.

O carneiro persa
A primeira atividade relaciona-se com as ações do carneiro com os chifres despro-
porcionados que representavam o reino compartilhado da Medo-Pérsia (v. 3-4, 20). É

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dimensões espAciAis nA visão de dAniel 8

importante notar (em contraste com os símbolos animais do capítulo 7) que a ativi-
dade direcional ocorre imediatamente, logo que o símbolo aparece no cenário de
ação. O carneiro é descrito como estando à margem do rio Ulai (v. 2-3). Do ponto
de vista do narrador, e do que se segue, esta é a margem oriental do rio sobre o
qual ele está. Dessa posição vantajosa, o profeta observa enquanto ele dá marradas
para o ocidente, norte e sul (v. 4).
Essas três direções de movimento simbólico se ajustam bem geográfica e his-
toricamente com as três importantes conquistas ocidentais da Pérsia – Babilônia
ao ocidente, 539 a.C.; Lídia ao norte, 546 a.C.; e Egito ao sul, 525 a.C. Essas três
grandes conquistas no ocidente combinam bem com as três costelas na boca do
urso medo-persa (cap. 7). Contudo, o urso não é descrito como saindo para essas
três direções a fim de empreender suas conquistas. As costelas já estão presentes
na boca do urso quando ele é descrito. No capítulo 8, o carneiro tem de viajar
nessas direções para fazer suas conquistas.
Deve-se notar a orientação dessa ação simbólica na direção oeste. Historica-
mente, o Império Persa também estendeu suas fronteiras orientais por meio da
conquista. Essas conquistas orientais, porém, não foram tão relevantes historica-
mente para as finalidades da visão. A expansão para o oeste levou o carneiro na
direção da terra do povo de Deus. Também o colocou em conflito com o bode
416 grego. Tais movimentos os levaram para um eventual combate. A dimensão hori-
zontal das atividades do carneiro persa pode ser diagramada como segue:

direções horizontAis do cArneiro

Outro importante aspecto desta passagem (para comparações posteriores) é


a declaração resumida no final do versículo 4. A seção sobre o carneiro persa é
concluída com a frase: “ele se engrandecia” (higdîl).

O bODE grEgO
Outro movimento direcional é descrito nas atividades do bode grego. Ele vem
do ocidente e voa sobre o chão em direção ao oriente (v. 5). Após a chegada no

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estudos sobre dAniel

lugar onde se encontra com o carneiro persa, o bode ataca com grande fúria (v. 6).
Ele lança o carneiro por terra e o pisa.
Assim, a visão simbolizava a vitória da Grécia sob o comando de Alexandre
sobre o reino persa. Enquanto o carneiro persa vinha do oriente e atacava o oci-
dente, o bode grego vinha do ocidente e atacava o oriente. Seu vôo sobre o chão
é muito expressivo, simbolicamente, da grande rapidez da conquista do Oriente
Médio por Alexandre.
O bode grego não toca o chão porque seu movimento é retratado como ex-
tremamente rápido (cap. 8). Por contraste, o leopardo grego (cap. 7) não se move,
apesar do fato de que ele tinha quatro asas em suas costas. Em conexão com esse
símbolo, o elemento direcional do capítulo 8 é omitido no capítulo 7.
A conclusão para a seção sobre a Grécia de Alexandre é encontrada na primei-
ra frase do versículo 8: “O bode se engrandeceu sobremaneira (higdîl ‘ad-me’ōd).
A forma verbal usada para descrever o poder do carneiro pode ser traduzida por
“ele magnificou-se” ou “ele tornou-se grande”. No caso do bode, ela é usada em
um sentido comparativo pela adição de uma frase adverbial modificadora, “ele
magnificou-se excessivamente” ou “ele tornou-se muito grande”. As relações dire-
cionais envolvidas aqui podem ser diagramadas como segue:

417
relAções direcionAis do cArneiro e do bode

as quaTrO DIvIsõEs DO ImpérIO DE alExaNDrE


O movimento em direções horizontais ocorre novamente na próxima seção
da visão. O versículo 8 trata dos reinos que deveriam se desenvolver a partir da
ruptura do Império de Alexandre. Os símbolos empregados são quatro chifres que
se estendem exteriormente para os quatro ventos do céu ou pontos da bússola,
depois que eles brotam do grande chifre que simbolizava Alexandre.
Os movimentos direcionais, nesse caso, são difusos. O carneiro persa atacou o
ocidente, e o bode grego atacou o oriente. Esses chifres da cabeça do bode grego,
porém, se estendem em diversas direções. No capítulo 7, esse aspecto dos reinos
helenísticos foi simbolizado por quatro cabeças sobre o leopardo grego. Mas as

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

cabeças não são retratadas se estendendo simbolicamente em diferentes direções


como são esses quatro chifres.

O chifre pequeno
O chifre pequeno aparece no cenário de ação no versículo 9. Há dois grandes
problemas ligados ao seu surgimento: sua origem e sua identificação histórica.
Embora esses dois problemas não sejam o enfoque principal deste estudo, eles
estão relacionados até certo ponto com a dimensão espacial da visão. Portanto,
algumas respostas preliminares a essas perguntas devem ser aqui fornecidas como
uma base para outro exame de nossa passagem.
1. Origem. A origem do símbolo do chifre está envolta em um crux interpretum
ligado à sintaxe no final do versículo 8 e início do versículo 9. O chifre pequeno sai
de um dos quatro chifres ou de um dos quatro ventos? Sendo que já falamos sobre
esse assunto em outro lugar,2 a discussão anterior não precisa ser repetida aqui.
Será suficiente dizer que, embora a possibilidade de que o chifre tenha se
originado de um dos quatro chifres não possa ser excluída, parece mais provável
que ele tenha vindo de uma das direções dos quatro ventos. Em qualquer dos
dois casos, a decisão tomada a respeito desse ponto exegético não é decisiva para
418
a identificação histórica do chifre pequeno.3
2. Identificação histórica. Duas importantes possibilidades têm sido propos-
tas: o rei selêucida Antíoco Epifânio ou Roma. É possível chegar à conclusão sobre
este assunto somente por um exame de todas as características do chifre pequeno
nessa passagem e em passagens paralelas em outro lugar em Daniel. Sendo que esse
tipo de exame não é o enfoque central deste presente trabalho, o leitor interessado
é remetido a um estudo anterior que trata mais especificamente desses pontos.4
Nesse estudo, conclui-se que a identificação do chifre pequeno com Roma é
preferível à identificação dele com Antíoco Epifânio. Além dos pontos conside-
rados no estudo anterior, sugere-se que um discernimento adicional relacionado
com as dimensões espaciais das ações dos símbolos presentes nessa visão pode
apoiar ainda mais essa conclusão.
3. Três cenas. A título de introdução ao chifre pequeno, deve-se notar que
suas atividades são descritas em uma série de três cenas separadas. A primeira fase
de suas atividades é descrita no versículo 9, onde ele é visto estendendo-se em três
direções : para o sul, para o oriente e para a terra gloriosa ou Palestina.
A segunda fase de suas atividades é descrita no versículo 10. Nesse versículo,
ele é descrito atingindo as estrelas, o exército do céu, e lançando alguns deles por
terra e pisando-os.
Na terceira cena, o chifre pequeno é visto atingindo outra vez o céu. Desta vez,
porém, ele se encontra com o Príncipe do exército. Embora ali não haja descrição

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Estudos sobre Daniel

de dano ou agravo pessoal ao Príncipe, seu tāmîd ou ministério “contínuo, diário”


é tirado dele, e o lugar ou fundamento do seu santuário é lançado por terra, evi-
dentemente pelo chifre pequeno.
Ao examinar essas três cenas sucessivas em que a obra do chifre pequeno foi
mostrada ao profeta, é proveitoso ter em mente que foram mostradas em cenas
separadas, porém ligadas. Isto é indicado pelos divisores linguísticos usados pelo
profeta em sua descrição da visão. Além disso, é importante ter em mente a nature-
za simbólica dessa passagem apocalíptica. Uma interpretação literal que não toma
em consideração essa característica pode apenas levar a confusão e mal-entendido.

Fase horizontal do chifre pequeno

A fase horizontal da atividade do chifre pequeno é descrita no versículo 9.


Depois do seu aparecimento, ele é visto se estendendo em três direções: para o
sul, para o oriente, e para a terra gloriosa ou Palestina. As direções para as quais o
chifre pequeno se expandiu são descritas com terminologia que se ajusta à dimen-
são horizontal da presente história humana como ela tem se desenvolvido neste
planeta. A referência à Palestina torna essa dimensão ainda mais concreta. Essas
419
dimensões também correspondem à arena sobre a qual o carneiro persa, o bode
grego e os quatro chifres helenísticos atuaram previamente.
A natureza transicional da junção entre o versículo 8 e o versículo 9 deve ser
enfatizada. A ênfase é posta sobre essa junção pela maneira como as formas causa-
tivas do verbo hebraico gādal (“cresceu, tornou-se grande, magnificou-se”) são em-
pregadas antes e depois dessa junção. O verbo ocorre primeiro como a declaração
breve e conclusiva acerca do carneiro persa no final de sua passagem, no versículo
4 (“ele magnificou-se”, ou “ele tornou-se grande”). Ele ocorre como a declaração
sumária e conclusiva acerca do bode grego, que representava o império de Alexan-
dre no versículo 8a (“ele magnificou-se excessivamente”, ou “ele tornou-se muito
grande”). Ambos os verbos funcionam do mesmo modo em posições similares em
suas respectivas passagens.
A título de contraste, no versículo 9 gādal agora inicia a descrição da obra do
chifre pequeno. Além disso, ele funciona da mesma maneira outras duas vezes no
começo das duas visões finais da obra do chifre pequeno (v. 10-11). Esses verbos
iniciais e suas preposições anexas (veja abaixo) demarcam as três cenas da ativida-
de do chifre pequeno retratada na visão.
Assim, há uma transição na maneira como que o verbo gādal funciona nessa
passagem geral. Nas duas primeiras seções, pertencentes ao carneiro persa e ao
bode grego, ele funciona como a palavra conclusiva e sumária. Nas três últimas

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

seções, todas tratando do chifre pequeno, ele funciona como a palavra de abertura
e introdutória. A junção na qual essa transição no emprego de gādal ocorre está
localizada entre o versículo 8 e o versículo 9, onde é dada a descrição do surgimen-
to do chifre pequeno.
As diferentes maneiras pelas quais as preposições hebraicas são usadas com as
ocorrências de gādal também adicionam ênfase às dimensões espaciais descritas
na visão. Por exemplo, para indicar que o bode grego se engrandeceu, Daniel
empregou a preposição ‘ad (“até que, mesmo para, até”) na frase adverbial que
modifica o verbo (v. 8). Essa é também a preposição que ele usará nas descrições
subsequentes da atividade do chifre pequeno.
No caso encontrado aqui no versículo 9, porém, a preposição usada com todas
as três das direções descritas é ’el (uma preposição que denota movimento para ou
direção para). Nesse caso, a preposição ’el foi usada para descrever movimento no
plano horizontal enquanto a preposição ‛ad foi usada para descrever movimento na
dimensão vertical. Este uso de ‘ad torna-se mais claro nos versículos sucessivos.
Tanto quanto diz respeito ao cumprimento histórico, essa descrição da obra
do chifre pequeno no versículo 9 se ajusta muito bem com a extensão do chifre
pequeno para a área do Mediterrâneo oriental, ao passo que se ajusta menos com
a obra de Antíoco Epifânio.5
420 Uma observação adicional poderia ser feita aqui com respeito a essa diferen-
ciação. Pode-se inferir que o carneiro persa veio do oriente porque ele se movia
para o ocidente, norte e sul (v. 4). Igualmente, pode-se inferir que o chifre peque-
no veio do ocidente, sendo que ele se movia para o sul, para o oriente, e para a
terra gloriosa (v. 9). Essa foi também a direção da qual Roma Imperial veio quando
ela abria seu caminho através da bacia do Mediterrâneo oriental.
Há um número suficiente de correspondências entre as características do chi-
fre pequeno do capítulo 7 e do capítulo 8 para identificá-las como representando
o mesmo poder.6 Contudo, há algumas diferenças em suas ações simbólicas. Uma
diferença significativa envolve mais uma vez a dimensão espacial.
No capítulo 7, o chifre pequeno surge da cabeça do animal indescritível e con-
duz sua obra a partir dessa posição vantajosa. Ele não se estende para nenhuma das
direções da bússola partindo desse ponto. Em Daniel 8, por outro lado, o chifre
pequeno é descrito se estendendo nas direções mencionadas no versículo 9. Trata-
se apenas de mais um caso onde a dimensão horizontal da atividade simbólica atua
na visão do capítulo 8 de uma forma pela qual não opera na visão do capítulo 7.
Essa primeira e horizontal fase da obra do chifre pequeno pode agora ser
diagramada:

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Estudos sobre Daniel

Fase horizontal do chifre pequeno

Primeira fase vertical do chifre pequeno

Uma nova dimensão é introduzida com a descrição da segunda cena da ati-


vidade do chifre pequeno (v. 10). Nesse exemplo, o chifre não mais se estende
para as direções da bússola no plano horizontal da história humana. Agora ele se
estende em uma dimensão vertical para o próprio céu. Ele encontra as estrelas do
exército do céu e lança algumas delas por terra e as espezinha.
A dimensão vertical dessa ação é indicada pelo uso das palavras “estrelas” e “céu”.
421
Primariamente, as duas palavras não transmitem uma referência ao Céu como o lu-
gar onde Deus habita, mas antes aos céus estelares. Também não são primariamente
uma referência àqueles céus estelares como objetos literais do universo físico. Antes,
esses objetos literais são usados como símbolos nessa profecia apocalíptica.
Assim, o chifre pequeno e outros símbolos dessa profecia operavam previa-
mente na dimensão horizontal, estendendo-se em diferentes direções sobre a ter-
ra. Agora, a profecia faz uma transição para uma dimensão diferente com o chifre
pequeno dirigindo suas ações simbólicas para acima da terra.
Um corolário para a introdução dessa nova dimensão na profecia é a indicação
de que o chifre pequeno entrou em uma nova fase de atividade. O caráter especi-
ficamente religioso dessa nova fase é salientado por Gabriel em sua interpretação
desse elemento da visão no versículo 24. Ali ele declara que o chifre pequeno
destruiria “os poderosos e o povo santo”.
A fim de estender-se nas diferentes direções de suas conquistas, Roma teria
que derrotar os homens poderosos ou guerreiros dos países presentes naquelas
áreas. Esse fato histórico se ajusta à atividade simbólica do chifre pequeno descrita
no versículo 9 da visão. Além disso, o chifre pequeno haveria de lançar por terra
algumas das estrelas do céu e espezinhá-las, isto é, destruir alguns do povo dos
santos. Essa segunda atividade se ajusta melhor à obra do chifre pequeno descrita
no versículo 10 da visão.

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

Sendo que o povo de Deus, “o povo dos santos”, é o objeto específico dessa nova
fase de atividade, é evidente que esse ataque é de caráter religioso. Esse movimento
não é mais apenas com a finalidade de conquista territorial. Desse modo, é desta-
cada uma fase nova e mais distintamente religiosa do chifre pequeno. Isso é enfati-
zado pela descrição daquelas ações ocorrendo simbolicamente sobre o eixo vertical
de ação, quando o chifre pequeno exaltou-se em direção ao céu. Pode-se fazer uma
comparação neste ponto entre a obra do chifre pequeno de Daniel 7 e de Daniel 8.
Em ambos os casos, o poder é descrito como um poder perseguidor. Em ambas as
passagens, o objeto da perseguição é o mesmo: “o povo dos santos do Altíssimo” na
primeira (7:22, 25, 27), e simplesmente “o povo dos santos” na segunda (8:24).
Um novo elemento, porém, é introduzido com a descrição da perseguição no
capítulo 8. No capítulo 7, a vindoura ocorrência de perseguição é simplesmente
declarada como um fato, que o chifre pequeno cumprirá. No capítulo 8 ela é
descrita com símbolos apocalípticos. Em contraste com a descrição anterior das
atividades do chifre pequeno e dos outros símbolos do capítulo 8, o símbolo do
chifre agora parte na direção vertical para os céus. Ali ele faz dano às estrelas que
representam os santos de Deus.
O verbo e a preposição usados com ele (v. 10) são significativos. O verbo é
gādal (“tornar-se grande, magnificar-se”). Ele aparece outra vez na forma causativa
422 no início do versículo. Desta vez, está escrito na forma feminina para concordar
com o gênero do seu sujeito, o chifre pequeno. Ligando seu objeto (o “exército do
céu”) com gadal está a preposição ‘ad (“mesmo para, até”).
Em contraste com a preposição ’el (“para, em direção de”) usada com as dire-
ções sobre a terra no versículo anterior (v. 9), ‘ad é usada para indicar a partida do
chifre pequeno em sua direção vertical da terra. O contraste é deliberado e enfati-
za a diferença entre as ações envolvidas nas dimensões horizontal e vertical.
A dimensão vertical de ação, nesse caso, foi exercida em duas direções. Pri-
meira, o chifre pequeno atingiu o céu. Segunda, ele lançou por terra algumas das
estrelas. Foi uma rua de duas mãos. Uma vez que as estrelas tinham sido lançadas
por terra, elas foram pisadas pelo chifre pequeno.
Sendo que as expressões anteriores acerca das ações do chifre pequeno nesse
versículo constituem frases completas, essa expressão final e solitária (“e os pisou”)
pode ser identificada como um verbo projetado. Essa espécie de identificação é
útil para comparação com as descrições das outras duas cenas que lidam com o
chifre pequeno. Na primeira cena (v. 9) não há nenhum verbo projetado. Na cena
2 (v. 10) está presente um verbo projetado (“pisou”). Na cena terceira e final (v. 11-
12) estão presentes dois verbos projetados (“e o que fez prosperou”). Essa progres-
são sistemática parece ser uma construção literária deliberadamente planejada.
Com esses aspectos do versículo 10 examinados, as ações do chifre pequeno

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estudos sobre dAniel

descritas nessa porção da visão podem ser agora diagramadas como segue:

primeirA Ação verticAl do chifre pequeno dAniel 8:10

“o exército dos céus” = “o exército das estrelas”

‛ad (até, mesmo para) “lançou por terra”

“exaltou-se” “em direção à terra”

O chifre pequeno “pisou”

sEguNDa fasE vErTICal DO ChIfrE pEquENO


423
A quinta e última ocorrência do verbo gādal (tornar-se grande, magnificar-se)
na descrição dessa visão introduz sua primeira cena. Esta é também a terceira e úl-
tima cena que retrata a obra do chifre pequeno (v. 11-12). Como na cena anterior,
o chifre pequeno torna-se grande e se exalta até ao céu.
Várias linhas de evidência enfatizam o fato de que o céu é retratado como a
arena simbólica em que tais ações deveriam ocorrer. Por exemplo, o mesmo verbo
e preposição (gādal; ‘ad) introduzem a seção justamente como fizeram na cena
precedente em que a ação é posta nos céus estelares. Na cena anterior, o chifre pe-
queno se exalta contra o exército de estrelas do céu. Nessa terceira cena ele é visto
entrando em conflito com o Príncipe ou líder do mesmo exército. Esse Príncipe,
portanto, tem uma relação com a esfera celestial.
A ação do chifre de lançar por terra a verdade é descrita também nessa seção.
Assim, a localidade da qual ela é deitada abaixo deve ser, a título de contraste, o
céu. Esses fatores contribuem para a conclusão de que a ação dessa cena final é
posta no céu, precisamente como a ação da cena precedente.

vErsíCulO 11
A sequência comum de palavras é invertida no início do versículo 11 a fim
de enfatizar a posição importante que o Príncipe do exército ocupa. Sua conexão
com o exército de estrelas (v. 10) enfatiza sua função política como o Líder do exér-

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cito dos santos. Entretanto, nessa terceira cena (introduzida pelo versículo 11) é a
sua função sacerdotal que está sendo enfatizada em virtude de sua conexão com o
santuário celestial e seu ministério.
Todas as ações do chifre na descrição dessa cena (v. 11-12) descrevem ataques
contra o Príncipe. O ponto culminante da visão é o seu enfoque sobre o conflito
entre o Príncipe e o chifre pequeno. O objeto específico em disputa entre eles é
o santuário e seu ministério. Embora o chifre pequeno não seja capaz de infligir
qualquer dano corporal pessoal contra esse Príncipe celestial, sua atividade afeta
o seu ministério sacerdotal.
O primeiro efeito da interrupção da obra do santuário celestial pelo chifre
pequeno está ligado ao tāmîd (traduzido em nossas versões comuns como “sacri-
fício diário”/“holocausto contínuo”). Esta palavra é usada como um advérbio ou
adjetivo em outro lugar no Antigo Testamento e se refere a uma atividade que é
constante ou repetida em uma base regular, uma que é “contínua” ou ocorre “dia-
riamente”; daí as traduções comuns da palavra aqui.
Geralmente, essa palavra modifica um substantivo, mas aqui ela está sozinha
com o artigo definido (“o tāmîd”). Obviamente, portanto, deve-se perceber que
uma ideia adicional a acompanha. No Antigo Testamento, tāmîd é comumente
usada (30 vezes) em conexão com vários tipos diferentes de atividade dos sacerdo-
424 tes no santuário (cf. Êx 25:30; 27:20; 29:38; 30:8, etc.). O denominador comum
de todos esses tipos de atividade é o ministério (sacerdotal).
Assim, a tradução preferível dessa palavra em Daniel é “o contínuo/diário
(ministério)”. A conexão de tāmîd com o santuário é especialmente enfatizada por
sua repetição no versículo 12. Dessa maneira, a palavra tāmîd, usada nos versículos
11 e 12, acompanha a palavra para santuário no final do versículo 11. Assim, a
ordem dessas relações é tāmîd-santuário-tāmîd. A relação próxima e estreita entre
esses conceitos realça o fato de que esse ministério tāmîd do Príncipe está ligado a
esse santuário celestial.
É o seu ministério que o chifre pequeno deveria usurpar por algum tempo,
ou ao menos tentaria usurpar. O verbo com essa declaração está posto na forma
passiva (“foi tirado”). Todavia, sendo que essa passagem como um todo está preo-
cupada com as ações do chifre pequeno, é evidente que ele é o poder responsável
por tirar o ministério tāmîd do Príncipe.
A próxima declaração no versículo 11 refere-se ao próprio santuário. O verbo
está na forma passiva (“foi lançado, ou foi deitado abaixo”). Novamente, não pode
haver dúvida de que o chifre pequeno é o agente responsável por tal efeito sobre o
santuário. O fundamento desse santuário deveria ser “deitado abaixo”, significan-
do do céu para a terra. A raiz verbal presente neste caso é šālak, comumente usada
em outro lugar no Antigo Testamento para o ato de lançar ou atirar. A tradução
de lançado, derrubado, subvertido não capta plenamente essa ideia. É inferior à

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Estudos sobre Daniel

tradução de lançar por terra, deitar abaixo. Isso é confirmado pelo uso do mesmo
verbo no versículo seguinte, no qual é a verdade que seria lançada por “terra”.
Deve-se notar que o objeto que seria lançado por terra aqui não era o santuário
em si, mas o lugar ou “fundamento” do santuário. A palavra hebraica usada para
essa expressão não é a comum para “lugar” (māqôn, 400 vezes). Em vez disso, o pro-
feta empregou o termo mākôn que vem da raiz kûn (“colocar, fundar, estabelecer”).
Esse termo ocorre 16 vezes no Antigo Testamento fora de Daniel, sendo que
em 15 desses exemplos, ele se refere ao lugar da habitação de Deus ou no santuá-
rio terrestre ou no celestial. Salmo 104:5 é a única exceção; ali ele é usado para os
fundamentos da terra que foram lançados por Deus na Criação. Nas 15 ocorrên-
cias que se referem ao santuário, dois terços das passagens se referem ao santuário
celestial e um terço ao santuário terrestre.
Portanto, esse termo é usado no Antigo Testamento basicamente como uma pala-
vra para santuário. Faz referência tanto ao santuário terrestre quanto ao celestial como
um lugar para a habitação de Deus, o local para o seu trono, e o lugar a partir do qual
Ele age. Refere-se mais comumente ao santuário celestial do que ao terrestre.
As atividades de Deus descritas ali são especificamente responder à oração
e administrar a justiça e retidão através do pronunciamento de juízo. Em alguns
lugares, tais como Salmos 89:14 e 97:2, esse fundamento do trono de Deus não é
compreendido tanto como uma posição física, mas como uma realidade espiritual 425
expressa desse trono. É nesse sentido que o fundamento do seu trono pode ser
descrito como “retidão e justiça”.
Sendo que os símbolos empregados na visão apocalíptica de Daniel pertencem
mais à natureza espiritual do que literal, poder-se-ia procurar essas referências para
suprir algum tipo de significado especial envolvido com o uso desse termo para
“fundamento” em Daniel. Por exemplo, esses dois Salmos (89:14; 97:2) relacionam
as três palavras: sedeq (“justiça”), mišpat (“juízo/justiça”) e mākôn (“fundamento”)
do trono de Deus, que estão ligadas às atividades divinas no santuário celestial.
Uma ênfase adicional sobre essa relação ocorre por meio do uso da mesma raiz sdq
na forma verbal (nisdaq) em 8:14.
Qualquer que seja o aspecto especial da obra de Deus enfatizado aqui pelo uso
de nisdaq, o lançar por terra pode certamente ser considerado como a usurpação
de sua obra, ou tentativa de usurpação, pelo poder do chifre pequeno.

Versículo 12
Na próxima frase da profecia (v. 12a) a descrição da visão retorna ao assunto
do tāmîd. No versículo 11, é declarado que o tāmîd foi tirado do Príncipe do exér-
cito. Subentende-se aqui que o chifre pequeno foi responsável por essa remoção.
O texto não diz, porém, onde o tāmîd foi tirado, ou o que foi feito com ele. A

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segunda dessas duas perguntas é aqui respondida nessa declaração paralela acerca
do destino do tāmîd.
Algumas dificuldades de tradução estão presentes nessa declaração, mas nós a
traduziríamos um tanto literalmente: “A ele [o chifre pequeno] foi dado um exér-
cito sobre o tāmîd por meio da transgressão.”
Um exército foi mencionado antes no ataque do chifre contra as estrelas (v.
10). Pode-se indagar se o mesmo exército de estrelas está em vista aqui. Contudo, a
sintaxe dessa difícil declaração parece indicar que outro exército é mencionado. O
verbo está no feminino singular, portanto seu sujeito deve ser o chifre (feminino),
não pode ser o exército (masculino) e concorda em gênero com o verbo. Assim, a
construção da sentença indica que ao chifre foi dado um exército.
Mas havia um propósito nisso. Ao chifre, por meio do seu exército, foi tam-
bém dada alguma medida de controle “sobre” (‘al) o tāmîd. Assim como o Prín-
cipe tinha o seu exército que o chifre perseguiu, assim o próprio chifre pequeno
tem aqui o seu próprio exército. Embora essa palavra seja comumente usada no
Antigo Testamento para se referir a um grupo corporativo militar, o conflito aqui
é espiritual em vez de literal; assim não se deve esperar um exército literal.
É por meio do seu exército que o chifre pequeno chega a exercer controle so-
bre o tāmîd. Sendo que o tāmîd lida com o ministério sacerdotal do Príncipe (veja
426 discussão anterior), o exército seria muito naturalmente um exército espiritual,
um sacerdócio, por meio do qual o chifre pequeno operaria. Em contraste com a
justa atividade do Príncipe e seu exército, essa atividade por parte do chifre e seu
exército é injusta ou rebelde para com Deus (bepeša‛).
Assim, a atividade sacerdotal do Príncipe, mencionada previamente como ten-
do sido removida dele, foi agora substituída pelo chifre pequeno e as atividades
do seu exército. Nenhuma direção específica é mencionada em conexão com essa
atividade. Não é dito explicitamente que o tāmîd foi lançado por terra como o
lugar do santuário. Contudo, pode-se provavelmente pensar nisso como algo que
o acompanha, visto que o ministério do tāmîd funciona no santuário e envolve a
própria essência das atividades salvíficas do Céu.
A próxima frase do versículo 12 declara que a “verdade” foi lançada por terra.
A terceira cena que lida com o chifre pequeno começou com uma visão de sua
chegada ao céu para batalhar contra o Príncipe. Assim, isso termina agora com
a verdade lançada por terra como resultado da atividade do chifre. A ação na
dimensão vertical viaja nessa cena em ambas as direções, precisamente como na
cena anterior, no versículo 10. O verbo “lançar” é o mesmo que aquele usado para
o deitar abaixo o lugar do santuário no versículo 11 (šālak).
Essa correlação linguística, a posição dessa declaração como um resumo da
cena final da visão, e a posição dessa declaração na estrutura literária de sua descri-
ção combinam para indicar que a “verdade” afetada aqui não é apenas a verdade

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Estudos sobre Daniel

em geral, mas a verdade acerca do ministério tāmîd do Príncipe em seu santuário.


É uma verdade específica que é atacada aqui, não simplesmente a verdade em ge-
ral. A natureza simbólica, em vez da natureza física literal do objeto afetado aqui,
enfatiza mais uma vez esse aspecto da natureza da profecia.
A declaração final do versículo 12 (que é também a frase final na descrição da
visão) contém dois verbos (“ele agiu e prosperou”). A sentença se refere à atividade
contínua do chifre pequeno. No ponto em que essa visão desapareceu da vista do
profeta, o chifre ainda estava no comando e continuava exercendo sua autoridade.
O destino final do chifre e a suspensão de suas atividades não são relatados na
visão em si. Esses assuntos são tratados no diálogo entre os dois anjos que Daniel
ouviu (v. 13-14), na interpretação da visão dada ao profeta por Gabriel (8:15-27), e
também em conexão com outras profecias do livro (caps. 2, 7, 9, 11). Sendo que
aqui estamos preocupados especialmente com a estrutura literária e as dimensões
espaciais encontradas na descrição da visão do capítulo 8, essas outras relações
estão fora do assunto do nosso estudo.
Outro ponto acerca da estrutura literária deve ser observado em conexão
com essa declaração final do versículo 12. Essa declaração consiste de dois verbos
(“agiu/prosperou”) que descrevem a atividade do chifre pequeno aqui na terra. O
verbo “pisou” (v. 10) é encontrado em uma posição paralela a esse na descrição da
cena precedente da visão. Anteriormente nos referimos a esse verbo como projeta- 427
do porque ele está fora da descrição da ação que ocorreu na dimensão vertical e no
céu. Esses dois verbos (agiu/prosperou) também podem ser considerados como
projetados pelo mesmo motivo.
Três das cinco cenas apresentadas ao profeta nessa visão tinham a ver com os
atos do chifre pequeno. Nenhum verbo projetado está presente na descrição da
primeira cena (v. 9). Todas as ações descritas ali ocorreram no plano horizontal.
Na segunda cena, o chifre parte na dimensão vertical para batalhar contra as
estrelas do céu (v. 10). Depois de lançar algumas delas por terra, ele as espezinha.
Assim, um verbo projetado (“pisar”) está presente nesse esboço.
A cena final (v. 11-12) conclui com dois verbos projetados (“agiu/prosperou”)
depois de ser descrita a ação na dimensão vertical. Assim, está presente uma
progressão nessas cenas, movendo-se de um verbo não projetado para um verbo
projetado,e, depois, para dois verbos projetados. Isso parece ser parte do plano
literário da descrição dessa visão e não apenas uma característica aleatória dela.
A natureza contínua desses dois verbos projetados (“agiu/prosperou”) indica
que ao chifre pequeno foi designado um período de tempo para exercer seus pode-
res. Seu merecido juízo (descrito posteriormente) não deveria vir imediatamente.
A cena final dessa visão (v. 11-12) pode agora ser diagramada:

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dimensões espAciAis nA visão de dAniel 8

segundA Ação verticAl do chifre pequeno

(C)Lugar do santuário do Príncipe

(B’) tāmîd sob controle do


(B) tāmîd tirado do Príncipe
exército do chifre pequeno

(A) Príncipe do exército (A’) Verdade

“até”/ ‘ad “lançou” (šālak) “lançou” (šālak)

exaltou-se

428 O chifre pequeno e o que fez


“por terra” prosperou

rEsumO DO gráfICO

Agora podemos também diagramar as cinco cenas e seus elementos a fim de


visualizarmos as dimensões espaciais e a estrutura literária da visão dos versículos
8 a 12. Note que o gráfico está organizado em torno das cinco ocorrências de gādal
(“tornar-se grande”) e as ações direcionais do assunto de cada cena. Veja gráfico
na página seguinte.

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Estudos sobre Daniel
Dimensões espaciais e estrutura literária da visão de Daniel 8

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

Resumo e conclusão

A descrição da visão em 8:2-12 contém cinco cenas principais, conforme esbo-


çadas acima. Em alguns casos, essas cenas retratam diferentes atores (cenas 1-3).
Em outros casos, elas descrevem diferentes ações realizadas pelo mesmo ator (ce-
nas 3-5). As cenas separadas por esses diferentes atores ou ações estão também
separadas por marcadores linguísticos, especialmente o verbo gādal, que é usado
em cada atuação. Gādal ocorre como uma palavra conclusiva, resumitiva nas duas
primeiras cenas e como uma palavra introdutória nas três últimas. As preposições
que ela rege nesses exemplos dão ênfase à função desse verbo.
Neste presente estudo representamos por meio de gráficos as três cenas que
retratam a atividade do chifre pequeno um tanto separadas umas das outras. Em
um sentido muito real, elas são uma descrição de uma visão contínua e em movi-
mento que passou diante do profeta. Há várias maneiras possíveis pelas quais se
pode relacionar as três cenas finais entre si. Em um estudo anterior não publicado
sobre esse assunto, diagramamos todas as três juntas como uma obra contínua.
Outra possibilidade é que elas devem, por um lado, ser diagramadas como
uma cena terrestre, e por outro lado, uma visão celestial contendo duas ações
430
sucessivas. Esse tipo de distinção acentuaria a divisão entre ações terrestres e ce-
lestiais. Nesse caso, as ações do chifre pequeno contra as estrelas e, então, contra
o Príncipe e seu santuário seriam consideradas como uma sequência contínua de
ações ininterruptas praticadas pelo chifre pequeno no domínio celestial.
Embora essas alternativas sejam possibilidades viáveis, me parece que os di-
visores linguísticos presentes no texto separaram completamente essas cenas. Por
esse motivo, elas devem ser consideradas um tanto quanto separadas umas das
outras. Esse é o motivo por que as diagramamos da forma como fizemos.
A profecia paralela do capítulo 7 também contém uma série de cenas. Os
marcadores linguísticos igualmente ressaltam suas cenas sucessivas umas das ou-
tras. Contudo, os marcadores empregados derivam da experiência do profeta em
visão: “Eu vi, eu olhei, eu contemplei”, etc. A título de contraste, os marcadores
linguísticos para as novas cenas do capítulo 8 saem de uma descrição das ações
na própria visão. Embora a narrativa de 8:2-12 prossiga com um fluxo ainda mais
uniforme do que a do capítulo 7, suas cenas estão de igual modo separadas e dis-
tintas. Simplesmente estão separadas de uma maneira diferente.
Há também uma importante diferença entre as visões do capítulo 7 e do ca-
pítulo 8 acerca dos movimentos direcionais pelos símbolos. Embora algumas das
atividades dos quatro animais (cap. 7) sejam mencionadas, relativamente pouco
movimento (quer horizontal, quer vertical) é descrito em conexão com elas. Esses
animais não atacam em nenhuma direção para conquistar.

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Estudos sobre Daniel

Por outro lado, as ações dos animais e chifres do capítulo 8 são descritas com
muita movimentação direcional. O carneiro persa investe na direção do ocidente
e então o bode grego lança-se para o oriente a fim de confrontar-se com ele. Os
quatro chifres que saíram do bode grego partem na direção dos quatro ventos. Em
seguida, o chifre pequeno estende-se para o oriente, o sul, e a “terra gloriosa” ou Pa-
lestina. Até aqui, por meio da narração das ações dos animais envolvidos, a visão do
capítulo 8 é muito mais direcionalmente orientada do que a visão do capítulo 7.
É em torno do fim de ambas as visões que a dimensão vertical atua. Isso é
exercido de uma maneira diferente nas duas visões. No capítulo 7, é a visão do
profeta que muda da terra para o Céu e volta novamente. O chifre pequeno nessa
visão não atinge o céu, nem quaisquer dos outros seres vistos no tribunal celestial
descem para a terra.
A diferença no capítulo 8 é que um dos atores move-se de um domínio para
outro. O chifre pequeno, que primeiro é visto atuando sobre a terra, estende-se
para o céu a fim de lançar por terra algumas das estrelas e pisá-las. Outra vez, ele
chega até ao céu para se intrometer nos assuntos do santuário. Assim, no capítulo
8, o chifre pequeno move-se da terra para o céu, volta outra vez e repete o ciclo.
Dada a maneira como a dimensão vertical da apocalíptica é exercida aqui, o
caráter simbólico dessas ações deveria ser novamente enfatizado. O chifre pequeno
na realidade não atingiu os céus celestiais para lançar por terra estrelas literais. Essa 431
ação simbolizava sua perseguição dos santos. Da mesma forma, o chifre pequeno
não chegou até o céu para lançar por terra um santuário de tijolo e argamassa.
Essa ação simbólica do chifre pequeno aqui na terra tem ramificações que se
estendem até o ponto de afetar a obra daquele santuário celestial. O ministério
do Príncipe celestial naquele santuário é exercido para a salvação da humanidade.
Esse é o propósito de toda ministração nos santuários de Deus, terrestre ou celes-
tial. Assim, em virtude do caráter de suas atividades, o chifre pequeno é visto in-
terferindo na obra de salvação da humanidade conforme é exercida no santuário
celestial, daí o emprego da descrição desse tipo de ação simbólica.
A descrição dessas ações verticais tem alguma influência sobre a identificação
histórica do chifre pequeno do capítulo 8. Um grupo preeminente de intérpretes
sustenta que o chifre pequeno representa Antíoco Epifânio, o rei selêucida do se-
gundo século a.C. que perseguiu os judeus e interrompeu os rituais em seu templo
de Jerusalém. Segundo essa escola de pensamento, o santuário mencionado no
capítulo 8 é o templo terrestre de Jerusalém.
Partindo da análise precedente da linguagem simbólica empregada, pode-se
concluir que o santuário dessa passagem não se refere a um templo terrestre em
qualquer sentido básico da palavra. É um santuário celestial que está em disputa
entre o chifre pequeno e o Príncipe do exército. No sentido primário do seu voca-
bulário apocalíptico, essa profecia se refere a um santuário celestial.

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

Pode-se indagar aqui acerca da coerência. Se o símbolo das estrelas no céu re-
presenta os santos de Deus na terra, então não deveria o santuário do céu, afinal
de contas, representar um templo literal sobre a terra? Vários pontos devem ser
levados em conta ao se respondera essa pergunta.
Primeiro, essas duas cenas (v. 10 e v. 11-12) parecem ter sido distinguidas uma
da outra uma vez que são de natureza um tanto diferente. Uma lida com pesso-
as, que podem interagir espiritualmente com o Céu; daí sua conexão simbólica
com o céu (estrelas) expressar uma certa verdade teológica. De um ponto de vista
humano, porém, um templo é uma entidade mais concreta e material, embora o
significado dessa entidade material transcenda sua realidade concreta. O que é
especialmente importante acerca de um templo é o que acontece nele – os ritos
que reconciliam o homem com Deus – não sua construção.
Esse ponto é enfatizado especialmente pelas referências ao ministério tāmîd
mencionado aqui. Ele é mencionado duas vezes, ao passo que o templo é mencio-
nado apenas uma vez nos versículos 11-12. Portanto, não era apenas o templo que
seria atacado. Antes, era o ministério que ocorria naquele templo. Na verdade,
conforme notado acima, não é declarado especificamente que o ministério foi
lançado por terra, por assim dizer, embora essa possa ser uma boa inferência.
O ministério no Céu não é tão tangível que possa ser embalado para entrega
432 ou passado de uma pessoa para outra. Esse tipo de ministério é relacional, exer-
cido pelo Príncipe sacerdotal em favor do seu povo. A correspondência terrestre
a isso deve, portanto, ser algum tipo de ritual ou ministério exercido pelo chifre
pequeno que tem por objetivo interromper o relacionamento previamente estabe-
lecido pelo Príncipe no Céu.
Outro ponto a ser considerado aqui é o fato de que na linguagem da visão
o Príncipe nunca é lançado por terra como as estrelas. E é Ele quem exerce esse
ministério no santuário celestial. Também deve-se enfatizar que o que é declarado
especificamente como lançado por terra é o “lugar” ou fundamento do santuário.
Esse “lugar” ou fundamento tem suas dimensões espirituais, como indica o uso
dessa palavra nos Salmos.
O resumo do efeito sobre essas relações espirituais está na seguinte até a últi-
ma declaração da descrição da visão. Essa declaração indica que a verdade (acerca
do ministério tāmîd do Príncipe em seu santuário celestial) foi também lançada
por terra. Essa declaração acerca de lançar a verdade por terra usa o mesmo verbo
que a declaração acerca de lançar por terra o lugar ou fundamento do templo. No-
vamente, essa verdade é um objeto abstrato - assim, mais do que o concretamente
literal pode ser mencionado nessa cena da visão. Essas são ações simbólicas empre-
endidas contra a obra de Deus no Céu em favor do seu povo terrestre.
Resumindo, essa cena da atividade do chifre pequeno descreve as ações que ele
empreendeu contra o templo celestial e sua obra no sentido teológico e espiritual.

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Estudos sobre Daniel

Reduzir isso a uma mera correspondência física sobre a terra – com um edifício tal
como o templo de Jerusalém – parece reduzir as concepções acerca do santuário
aqui envolvidas a um horizonte de cumprimento excessivamente estrito.
O ponto que temos tentado enfatizar é que no nível básico de sua linguagem apo-
calíptica e simbólica essa visão se refere a um santuário celestial, não importa como
alguém aplique a interpretação ou cumprimento desses símbolos secundariamente.
Seu nível de linguagem primário não se refere diretamente a um templo terrestre.
Naturalmente, as ações descritas nesses termos simbólicos têm relações terres-
tres. Se eruditos da escola crítico-histórica de pensamento desejam aplicar essas
ações simbólicas a eventos históricos que ocorreram em Jerusalém no segundo
século a.C. é prerrogativa deles. Deve ser enfatizado, porém, que a linguagem da
profecia em si não se refere àquele templo terrestre em um sentido primário. Além
disso, pode-se oferecer explicações razoáveis para interpretar essas ações simbóli-
cas executadas contra o santuário celestial.
Um ponto adicional acerca da identificação histórica do chifre pequeno deve
ser aqui enfatizado. Foi salientado no passado por intérpretes historicistas que
Antíoco Epifânio não se ajusta muito bem ao chifre pequeno por causa da im-
portância progressivamente maior dos atores sucessivos nas cenas dessa profecia.
O bode grego é maior, mais forte e mais importante do que o carneiro persa. O
chifre pequeno é grande, mais forte e mais importante do que o bode grego. Essa 433
progressão não se ajusta bem a Antíoco Epifânio, sendo que ele não foi tão impor-
tante historicamente como o Império Persa ou o Império Grego sob o domínio de
Alexandre. Ele foi apenas um rei, em uma linhagem de muitos, de uma das quatro
divisões daquele império.
Por outro lado, essa progressão no simbolismo se ajusta muito bem a Roma.
Ela evidentemente foi maior, mais forte e mais importante do que os impérios per-
sa ou grego que a precederam. Pode-se chegar à mesma conclusão acerca do quarto
animal do capítulo 7, o animal indescritível que ali representava Roma.
A análise da linguagem usada na visão do capítulo 8, contribui ainda mais para
ressaltar a importância dessa progressão. A maneira como o verbo gādal (tornar-se
grande) é usado com seus vários modificadores e objetos enfatiza essa progressão
do comparativo para o superlativo de maneira ainda mais forte. A introdução da
dimensão vertical na obra do chifre pequeno acentua essa progressão, a qual se
ajusta ainda mais adequadamente com uma aplicação histórica a Roma em suas
fases política e religiosa.
Uma ênfase final aqui tem a ver com a posição ocupada pelo Príncipe do
exército no Céu. Um aspecto interessante da descrição dessa visão é o de que a
palavra para Deus nunca aparece. Seu lugar é ocupado pelo Príncipe celestial. O
santuário do qual o fundamento foi simbolicamente lançado por terra pertencia
a Ele, assim como o ministério tāmîd exercido naquele santuário. A essência do

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Dimensões espaciais na visão de Daniel 8

ponto culminante dessa visão é, portanto, uma luta entre o chifre pequeno e o
Príncipe sobre o santuário celestial e seu ministério.
O Príncipe não é apenas soberano sobre seu exército ou povo; Ele é também
um Sacerdote celestial ministrando por eles em seu santuário. É esse aspecto es-
pecífico de sua obra que é da máxima importância, e que é atacado pelo chifre
pequeno. A razão evidente para isso é que o ministério naquele santuário lida
com a salvação da humanidade. Portanto, é relatada uma luta sobre o plano da
salvação. A dimensão espacial empregada com o simbolismo dessa visão realça o
impacto da descrição desse conflito.
A visão encerra-se à vista do profeta com o chifre pequeno ainda exercendo
algum controle no versículo 12. Contudo, o balanço da profecia do capítulo 8,
além da própria visão, e as passagens paralelas em outras profecias de Daniel, asse-
guram ao crente que Deus e seu Príncipe emergirão vitoriosos no final. Os santos
do Altíssimo um dia entrarão no reino eterno que tem sido preparado para eles.

Notas
1
A literatura sobre a apocalíptica é extensa. Para algumas referências úteis sobre as ca-
racterísticas da apocalíptica o leitor é remetido a K. Strand, Perspectives in the Book of Revela-
434 tion (Worthington, OH, 1975), p. 41-43; D. P. Hanson, The Dawn of Apocalyptic (Filadélfia,
1975), p. 6-7; K. Koch, “What Is Apocalyptic? An Attempt at a Preliminary Definition”,
em Visionaries and Their Apocalypses, ed. P. D. Hanson (Filadélfia, 1983), p. 16-36.
2
W. H. Shea, Estudos Selecionados em Interpretação Profética, Série Santuário e Profecias
Apocalípticas , vol. 1 (Unaspress, 2007), p. 41-43.
3
O chifre pequeno deve ser identificado historicamente a partir de uma combinação
do cumprimento de todas as suas características, não apenas essa acerca de onde ele vem.
Há mais de meia dúzia de características do chifre pequeno em Daniel 8 que precisam ser
analisadas a fim de se estabelecer uma identificação histórica, e além disso há passagens
paralelas em outras profecias de Daniel acerca do mesmo poder que também devem ser
levadas em consideração.
4
Veja Shea, cap. 2, p. 25-55.
5
O chifre pequeno se estendeu para o sul, o oriente, e a “terra gloriosa” em suas
conquistas. Essas direções de conquista obviamente se ajustam muito satisfatoriamente a
Roma Imperial, uma vez que ela se estendeu para a bacia do Mediterrâneo oriental e con-
quistou a Síria, Palestina, e Egito. Antíoco IV, por outro lado, teve apenas algum sucesso
militar parcial no Egito por um ano antes que os romanos o expulsassem dali. Ele possuía
a Palestina como uma parte do seu reino quando subiu ao trono, mas foi o monarca se-
lêucida responsável pela perda desse território. Morreu na única campanha oriental que
conduziu, aparentemente de causas naturais, não em batalha.
6
Veja Shea, p. 27-34.

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Capítulo 10

Significado da linguagem cultual em


Daniel 8:9-14
Angel M. Rodríguez

S inopse editorial. É exegeticamente correto explicar Daniel 8:14 (“Até dois mil
e trezentos dias; então o santuário será purificado”) em conexão com o ritual
do Dia da Expiação em Levítico 16? Segundo a tese deste capítulo não é somente
apropriado fazer isso, mas é uma questão de necessidade para que a visão seja
compreendida corretamente.
O autor examina várias palavras e expressões da passagem (8:9-14) que estão
direta ou indiretamente relacionadas com o ritual hebraico, isto é, o sistema de
adoração no santuário hebraico. Os eruditos comumente usam os termos “culto”,
“cultual”, ou “cúltico” para se referir aos sistemas de adoração dos antigos. Trata-
se de uma terminologia neutra e não carrega nenhuma nuança depreciativa.
As palavras que Daniel emprega nessa passagem tais como “lugar/fundamen-
to” (mākôn), “santuário” (miqdāš; qōdeš), “contínuo” ou “sacrifício diário/holocausto
contínuo” (tāmîd) estão diretamente relacionadas com o sistema de adoração hebrai-
co. O verbo rûm na expressão “foi tirado” também tem ligações com o santuário (em
sua forma Hophal). O mesmo pode ser dito a respeito do verbo “ser correto/justo”
(sādak) e seu substantivo e formas adjetivas; ele é usado por Daniel em sua forma
passiva simples, nisdaq (v. 14), mas sua raiz, sdq, aparece muitas vezes nos Salmos,
os “hinos” do ritual hebraico. Outros termos que aparecem na passagem tais como
“exército” (sābā’), “chifre” (qeren), “verdade” (’emet), e “transgressão/rebelião (peša‛)
podem ser relacionados indiretamente com o sistema do santuário, isto é, são termos
usados em conexão com o ritual, mas podem aparecer também noutros contextos.
Esse uso do santuário ou terminologia cultual indica claramente um vínculo en-
tre essa profecia de Daniel e o ritual hebraico conforme apresentado em Levítico. O
corolário é que terminologia semelhante pressupõe conceitos semelhantes, ou seja,
tanto a profecia como Levítico lidam com o conceito e a realidade do santuário. A
fim de compreender o emprego de Daniel dos termos do santuário o estudante deve
retornar a Levítico e ao ritual hebraico para sua adequada explicação.

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

Um importante termo usado por Daniel enfatiza esse procedimento. Esse ter-
mo ou expressão é “o tāmîd”. Segundo a profecia, o chifre pequeno ataca o Prínci-
pe do exército. Ele tira o tāmîd do Príncipe celestial e lança por terra “o lugar” do
“santuário” do Príncipe. Um estudo dos empregos de tāmîd no livro de Levítico
revela que o termo estava intimamente ligado ao ministério dos sacerdotes no
primeiro compartimento do santuário. Ele nunca é usado em conexão com o mi-
nistério do segundo compartimento. Portanto, a expressão hattāmîd (o tāmîd) em
Daniel seria mais corretamente traduzida por “a contínua intercessão” em vez de
“o sacrifício diário” como em nossa versão comum.
A profecia de Daniel indica que o Príncipe do exército não é apenas uma
figura real, mas também uma figura sacerdotal. Assim, isso chama a atenção para
a intercessão do Príncipe em favor do seu povo no lugar santo do santuário ce-
lestial. É esse ministério que o chifre tenta interromper e é bem-sucedido. Sendo
que “o tāmîd” se refere apenas ao ministério do Príncipe no primeiro comparti-
mento, naturalmente surge a pergunta: O que dizer da obra sacerdotal do lugar
santíssimo? O chifre pequeno também afeta a purificação anual do santuário?
Daniel 8:14 responde à pergunta.
Segundo seu emprego nos Salmos, o verbo sādaq (ser correto, justo) e suas
formas substantivas e adjetivas relacionadas expressam (no contexto do culto do
436 santuário) as ideias de justiça, purificação e vindicação. Sendo que os termos e
ideologia cultuais predominam em Daniel 8:9-14, o autor argumenta que estamos
livres para postular um emprego cultual para a raiz Sdq nessa passagem (nisdaq).
Consequentemente, ele traduz nisdaq como “ser declarado justo/ser vindicado/
ser purificado”. Ele sugere que Daniel usou nisdaq e não tāhēr (“limpar, purifi-
car”), outro termo cultual, porque o primeiro tinha um significado mais rico e
mais amplo e assim poderia abranger mais adequadamente os processos judiciais e
salvíficos de julgar, absolver e salvar que estão envolvidos no escopo cósmico dessa
profecia apocalíptica.
A expressão “o tāmîd” usada nessa profecia aponta para a atividade sacerdo-
tal do Príncipe no lugar santo do santuário celestial. Sendo que o santuário é a
estrutura conceitual da profecia, seria lógico encontrar uma referência também à
sua atividade sacerdotal no lugar santíssimo. Nisdaq provê essa referência (v. 14).
A atividade do Dia da Expiação era o único dia no ritual quando o santuário era
purificado/vindicado.
A purificação/vindicação do santuário (v. 14) não é uma reação exigida pelo
ataque do chifre. O chifre pequeno ataca, mas ele não contamina. A pergunta do
versículo 13 (“Até quando?”) tem a ver com o fim da atividade do chifre pequeno.
A resposta é: a visão e atividade do chifre continuarão até o fim dos 2.300 dias, até
esse tempo em que o santuário será purificado, isto é, até o Dia da Expiação. O chi-
fre afetaria a obra do Príncipe no lugar santo, mas não seria capaz de interferir em

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Estudos sobre Daniel

sua obra no lugar santíssimo. Essa obra começaria no final dos 2.300 dias e poria
um fim à tentativa do chifre de controlar o santuário.
À luz do tipo do Dia da Expiação, os processos de purificação/vindicação que
ocorrerão no antitípico Dia da Expiação envolverão vários assuntos: Deus e seu san-
tuário serão vindicados, seu povo será julgado e purificado, isto é, os fiéis serão reafir-
mados e o registro de seus pecados cancelado, e os infiéis serão retirados. Satanás e as
agências por ele empregadas – as forças do mal – serão para sempre subvertidas.

Esboço do capítulo

1. Introdução
2. Terminologia cultual
3. Sdq na terminologia cultual
4. Sdq em Daniel 8:14
5. O Dia da Expiação e Daniel 8:14
6. Conclusão

437
Introdução

Uma leitura analítica do texto hebraico de Daniel 8:9-14 revela o importante


fato de que o profeta utiliza a terminologia cultual, isto é, ele emprega vocabulário
extraído do sistema de adoração do santuário dos israelitas. Tal terminologia é espe-
cialmente usada em conexão com a atividade do chifre pequeno. A seguir, analisa-
remos as formas cultuais de expressão na passagem sob exame em um esforço para
esclarecer a mensagem do profeta. Como veremos, o reconhecimento da presença de
vocabulário cultual na perícope é essencial para uma melhor compreensão da visão.
Em termos de procedimento, discutiremos primeiro o significado dos termos
cultuais usados na passagem. Atenção especial será dada ao termo tāmîd. Final-
mente, exploraremos o possível significado cultual da raiz sdq, da qual obtemos
nisdaq em Daniel 8:14.

Terminologia cultual

1. Lugar do seu santuário (mekôn miqdāšô). Daniel 8:11. Tanto mekôn (“lu-
gar”) quanto miqdāš (“santuário”) em Daniel 8:11 são termos cultuais. Mākôn (lu-
gar) é usado no Antigo Testamento cerca de 17 vezes, sendo que em 14 delas é

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

usado em conexão com o santuário. Em duas das outras três ocorrências é usado
em conjunção com o trono de Deus, sugerindo uma relação indireta com o santu-
ário – “Justiça e juízo são a base [mākôn, ‘apoio, suporte, sustento’] do seu trono”
(Salmos 89:14, 97:2).
Mākôn é usado para designar o santuário. Aplicado como tal, pode significar
“habitação” (Êx 15:17; 1Rs 8:13; 2Cr 6:2; Is 18:4). A ideia de “fundamento” po-
deria também ser expressa por mākôn (Sl 104:5). A palavra parece designar uma
base.1 A tradução “lugar” deveria então ser compreendida como “um lugar para
estar.”2 Quando mākôn é usado com respeito ao santuário, poderia designar o
lugar onde está o santuário terrestre de Deus (Ed 2:68; Is 4:5) ou o celestial (1Rs
8:39, 43, 49; 2Cr 6:30, 33, 39; Sl 33:14).
Miqdāš (Dn 8:11) é um termo muito comum no Antigo Testamento emprega-
do para designar o santuário. Refere-se ao “santuário” como um todo. Em muitos
casos, denota o santuário terrestre (Êx 25:8; Lv 26:2, etc.). Contudo, há algumas
passagens em que miqdāš se refere à habitação celestial de Deus (Sl 68:33-35;
96:5-6).3 O termo é também usado com muita frequência para identificar o san-
tuário como o objeto de ataque dos inimigos de Deus (Sl 74:7; Is 63:18; Jr 51:51;
Lm 1:10).
2. Santuário (qōdeš). Daniel 8:13-14. Trata-se de outro termo usado para
438 designar o santuário. Poderia se referir ao santuário em sua totalidade (Êx 30:13;
Nm 3:28; 1Cr 9:29), o lugar santo (Êx 28:29; 29:30; 1Rs 8:8), ou mesmo o lugar
santíssimo (Lv 16:2). Qōdeš é a palavra usada em Levítico 16 para designar o san-
tuário como o objeto de purificação.4
3. Exército (sābā’). Daniel 8:10-13. Este é um termo militar usado para
denotar um exército.5 É empregado com muita frequência em contextos cultuais.
De fato, é usado em sua forma plural como um nome cultual para Deus (Yahweh
Sebā’ōt, “Senhor dos Exércitos”).6 É interessante notar que sābā’ (“exército”) é usa-
da em relação à obra dos levitas no santuário (Nm 4:3, 23, 30; 8:24-25). Portanto,
parece que há uma clara conexão entre sābā’ (“exército”) e o ritual.
4. “Foi tirado” (huraym). Daniel 8:11. Esta expressão verbal deriva do
verbo hebraico rûm, que significa “erguer, carregar”. Rûm é usado com muita fre-
quência em contextos cultuais no sentido de “doar, dar um presente” (Nm 15:19-
21), e “remover, pôr de lado” (Lv 2:9; 4:8).7 Daniel usa nesse exemplo a forma
Hophal ou causativa passiva do verbo rûm. Quando essa formação verbal é usada
em contextos cultuais designa o ato de remover do sacrifício a parte que pertencia
de uma maneira especial a Deus (Lv 4:10; cf. 22:15), ou aos sacerdotes (Êx 29:27).
A responsabilidade de remover isso dos sacrifícios era designada aos sacerdotes.
5. Chifre, verdade, rebelião (qeren, ’emet, peša‘). Daniel 8:9-14. Há outros
três termos em Daniel 8:9-14 que têm ou podem ter algum significado cultual. Um

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Estudos sobre Daniel

deles é “chifre” (qeren) em 8:9 que nos relembra dos chifres dos quatro cantos dos
altares do santuário (Êx 27:2; 29:12; Lv 4:7; 16:18). Esses chifres eram provavel-
mente símbolos do poder de Deus.8 Outro termo é “verdade” (’emet) em 8:12. Pro-
priamente falando, “verdade” não é necessariamente um termo cultual,9 todavia,
pode possuir significado cultual. Por exemplo, em Malaquias 2:6 a instrução que o
sacerdote deveria transmitir ao povo era chamada “a lei da verdade”.10 Finalmente,
encontramos o termo “rebelião/transgressão” (peša‘) em 8:12. Esse mesmo termo
é usado em Levítico 16:16 para designar os pecados que podiam ser expiados no
Dia da Expiação se o povo se humilhasse e se arrependesse.
6. Contínuo (tāmîd). Daniel 8:11-13. Há mais um termo cultual que devemos
analisar. O termo parece ser um termo-chave na passagem, a saber, tāmîd, que é
sem dúvida um termo cultual. Geralmente tāmîd é compreendido como signifi-
cando “diário”, mas ele é mais aplicável a “contínuo, incessantemente”.11
Muitos comentaristas têm traduzido tāmîd de 8:11-13 como “sacrifícios diários”.
O motivo básico para essa tradução é que tāmîd é usado com muita frequência em co-
nexão com os sacrifícios da manhã e da tarde. É muito comum encontrar tāmîd quali-
ficando o holocausto: ‘ōlat tāmîd – um holocausto contínuo (Êx 29:42; Nm 28:3; Ne
10:33). Todavia, em Daniel, tāmîd não funciona como um adjetivo ou um advérbio.
Tem o artigo definido (o) antes dele, hattāmîd (o tāmîd). Portanto, ele funciona como
um substantivo. Esse emprego absoluto do termo é singular em Daniel. 439
Sendo que o termo ‛ōlāh (holocausto) não é usado por Daniel junto com tāmîd,
é inadequado introduzi-lo na tradução. Além disso, o termo tāmîd não é usado
somente com respeito a sacrifícios no Antigo Testamento, mas é usado também
em relação ao “pão da proposição” (Êx 25:30; Nm 4:7), “lâmpadas” (Êx 27:20; Lv
24:2), “incenso” (Êx 30:8, e o fogo sobre o altar (Lv 6:13). Limitar o significado de
hattāmîd a sacrifício é passar por alto a variedade de empregos de tāmîd dentro do
ritual. Hattāmîd deve ser compreendido no sentido mais amplo possível.
Um estudo de tāmîd nos contextos cultuais revelaria que ele era usado em co-
nexão com as muitas atividades que o sacerdote devia realizar continuamente no
santuário. Além disso, o tāmîd era usado com referência às atividades sacerdotais
realizadas no pátio e no lugar santo do santuário. Não devemos esquecer o fato
significativo de que tāmîd nunca é usado com referência a uma atividade realizada
no lugar santíssimo.
É muito provável que quando tāmîd é usado na forma absoluta, como em
Daniel, refere-se aos atos cultuais realizados no lugar santo ou que tinham uma
relação indireta com o lugar santo. O conceito teológico implícito nessas ativida-
des era o de intercessão. A expressão hattāmîd poderia ser mais bem traduzida por
“intercessão contínua”. Referir-se-ia, então, ao ministério contínuo do sacerdote
no santuário em favor do povo.

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

Resumo parcial
Façamos uma pausa por um momento para ver como a terminologia cultual
que temos estudado até aqui nos ajuda a compreender 8:9-14.
Primeiramente, a linguagem cultual encontrada na perícope em discussão
deixa claro que existe ao menos uma “conexão terminológica” (mesmos termos)
entre essa passagem e o ritual ou sistema de adoração do santuário. Portanto, é
apropriado fazer referência a Levítico na tentativa de compreender o que o profeta
está tentando nos dizer.
Segundo, também devemos ter em mente que a terminologia é usada para
transmitir ideias e conceitos. Nesse exemplo, o conceito do santuário. Sendo esse
o caso, também é correto propor uma “conexão conceitual” entre 8:9-14 e o ritual
hebraico. O profeta pressupõe que seus leitores estão familiarizados com o sistema
de adoração, assim ele usa o vocabulário cultual sem explicá-lo.
Terceiro, a terminologia cultual ajuda na compreensão da natureza e atividade
do chifre pequeno. A passagem ignora os interesses políticos do chifre pequeno. É
a atitude do chifre para com o ritual e a comunidade cultual (povo de Deus) que
é realmente enfatizada. O chifre pequeno é essencialmente um poder anticultual,
mas ele não está simplesmente em oposição a qualquer prática cultual. Esse chifre
age contra o culto jeovístico. Torna-se grande em uma direção em que nenhum
440 dos outros animais se engrandece, a saber, para cima.
O chifre pequeno ataca o “exército do céu”. Esse exército sābā’ provavelmente
designa uma guarda cultual, uma espécie de guarda levítica. Entre os deveres dos
levitas, estava a responsabilidade de proteger o santuário da intromissão de pes-
soas que não fizessem parte do serviço no templo (Nm 3:5-10; 18:1-10; 1Cr 9:23-
27).13 Essa era uma das suas mais importantes responsabilidades. O santuário não
devia ser profanado de forma alguma.
Quando o chifre pequeno ataca o santuário, ele primeiro tem de combater
o sābā’, a guarda cultual. Na luta, alguns do exército cultual (min-hassābā’) são
“lançados por terra”. Essa última expressão é usada no Antigo Testamento para
indicar derrota.14 O chifre é capaz de vencer a guarda.
Agora, ele vai atrás do Príncipe do exército (śar-hassābā’) e o – santuário –
seu real interesse, sendo poderoso o suficiente para tirar (rûm, forma Hophal) do
Príncipe seu contínuo ministério sacerdotal no santuário, o tāmîd. Tirando do
Príncipe o que pertence exclusivamente a Ele, o chifre indica que ele mesmo de-
seja agir como sacerdote. Em um esforço para obter ainda mais exaltação, o chifre
lança por terra o “lugar” do santuário do Príncipe. Isso sugere uma destruição
literal ou metafórica da base do santuário. O chifre pequeno é bem-sucedido em
sua atividade antijeovística.
Segundo 8:12, o chifre fez algo mais. Há algumas dificuldades nesse versículo;
mas a ideia geral é muito clara. O verbo tinnāten (foi dado) é passivo. Seu sujeito

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Estudos sobre Daniel

é provavelmente o chifre pequeno. O objeto do verbo é o “exército” e o objeto


indireto parece ser o tāmîd.15 Uma tradução literal diria assim: “E um exército foi
dado sobre o tāmîd.” O que isso significa é que uma vez que o chifre tira o tāmîd
do Príncipe, ele coloca seu próprio exército no controle do tāmîd.
O chifre pequeno tem completo controle sobre o tāmîd. Ele também tem uma
guarda cultual para “proteger” o tāmîd. Esse poder antijeovístico é capaz de fazer
isso “através da transgressão” (bepeša‘). O chifre revoltou-se contra Deus. A rebelião
(peša‛), que podia ser expiada no santuário (Lv 16:16) não pode ser expiada neste caso
porque o chifre pequeno ataca os próprios instrumentos de expiação. Isso é o cúmulo
da rebelião.
O controle do chifre sobre o tāmîd implica que ele também controla a tôrāh (“instru-
ção”). Esse inimigo do santuário de Deus é capaz de lançar por terra a verdade (’emet),
a instrução divina que estava sob o controle do sacerdócio. Daniel 7:25 se refere a essa
mesma entidade como uma tentativa de “mudar os tempos e a lei”.
Está muito claro que o profeta, por meio da linguagem cultual, revela a verdadeira
natureza do chifre e seu principal interesse. Esse poder rebelde ataca o santuário e con-
trola o tāmîd; é um poder anti-Yahweh.
Quarto, a linguagem cultual usada em 8:9-14 deixa claro que o chifre pequeno não
contamina o santuário. Nessa perícope não há um só termo cultual que possa sugerir a
ideia de contaminação.16 O que temos aqui é um ataque ao santuário. O anjo-intérprete 441
define essa atividade como uma profanação (hālal). Lemos em 11:31: “Dele sairão forças
que profanarão (hālal) o santuário, e a fortaleza nossa, e tirarão o [tāmîd]”.
Esse poder não tem nenhum respeito pela santidade do templo, ele trata o templo
e seus rituais de uma maneira comum (hālal, “entregar para uso comum”).17 No uso cul-
tual, “profanação” e “contaminação” não são a mesma coisa. O chifre não é, portanto,
um agente contaminador, mas um agente rebelde, profanador.
Quinto, a linguagem cultual de 8:9-14 deixa aberta a pergunta: acerca de qual san-
tuário o profeta está falando? Já observamos que os termos usados nesses versículos para
designar o santuário poderiam se referir ao santuário celestial bem como ao santuário
terrestre. Aqui eles são provavelmente usados para designar ambos os santuários ao
mesmo tempo. Todavia, a menção do Príncipe parece indicar que a principal preocupa-
ção do profeta é o santuário celestial.
A atividade do Príncipe é de significativa importância, e o chifre pequeno quer
controlar essa atividade. Atenção especial é dada ao fato de que o tāmîd pertence ao
Príncipe. Já salientamos que a atividade tāmîd era realizada pelos sacerdotes israelitas.
É lógico sugerir que o Príncipe é uma figura sacerdotal. Na realidade, o termo príncipe
(śar) é usado no Antigo Testamento para designar o sumo sacerdote (1Cr 24:5).18 O
chifre assume a autoridade do ministério sacerdotal do Príncipe.
Contudo, não devemos esquecer o fato de que o Príncipe mencionado aqui
é mais do que um sacerdote humano. Ele é o Príncipe dos exércitos celestiais.

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

Segundo Josué 5:13-15, esse Príncipe é um ser celestial.19 No livro de Daniel Ele
é também chamado “o Príncipe dos príncipes” (8:25), “Messias o Príncipe” (9:25,
KJV),20 e “Miguel, o grande príncipe” (12:1). Esse Príncipe é provavelmente o mes-
mo ser chamado “o Filho do Homem” no capítulo 7.21 Esses títulos tendem a
sugerir que o Príncipe é também uma figura real; nele temos uma combinação das
funções reais e sacerdotais.
No capítulo 8, a função sacerdotal do Príncipe é enfatizada. A atividade em
que Ele está envolvido é interpretada de forma cultual por meio do emprego do
termo tāmîd. Isto é, a obra do sacerdote israelita realizada continuamente no san-
tuário é usada para descrever a atividade do Príncipe. Ele está encarregado do
tāmîd, a contínua obra intercessória no santuário.
O tāmîd é usado apenas em conexão com o lugar santo e tem a ver com a
obra do sacerdote nesse lugar. Portanto, é adequado inferir que o Príncipe estaria
fazendo uma obra equivalente àquela realizada pelo sacerdote no lugar santo. Se
estamos certos, podemos concluir que o chifre pequeno, de certo modo, afetará a
obra do Príncipe no lugar santo. Diz Daniel: ele tirará do Príncipe o tāmîd, isto é,
o ministério contínuo no lugar santo.
Qualquer um que esteja familiarizado com o ritual hebraico imediatamente
levantará a pergunta: “O que dizer da obra sacerdotal no lugar santíssimo? O
442 chifre pequeno afeta a purificação anual do santuário? Aqui 8:13-14 torna-se
muito importante.

Sdq na terminologia cultual

O termo-chave em 8:14 é nisdaq, traduzido pela KJV como “será purificado”, e


“será restaurado à sua condição legítima” pela RSV. A raiz verbal da qual obtemos
nisdaq é sādaq, geralmente traduzido por “estar no direito”, “ser vindicado”, “ser
justo, correto”.22
A raiz sdq, em suas formas verbal, nominal e adjetival, é usada nos contextos
cultuais, isto é, em conexão com o santuário e seu ritual. Esse é o caso principal-
mente no livro de Salmos. A essa altura, devemos nos lembrar de que muitos Sal-
mos têm um contexto cultual. É muito provável que a maioria deles foi composta
a fim de ser usada em associação com rituais específicos e festas religiosas.23 Geral-
mente aceita-se que há uma relação estreita entre os Salmos e o culto do santuário.
Portanto, é muito natural descobrir que a raiz sdq é usada nos Salmos com claras
associações cultuais e expressando ideologia cultual.
Talvez os Salmos que expressam mais claramente a conexão cultual de sdq se-
jam aqueles pertencentes à classe conhecida como “liturgias de entrada”, ou “Tōrāh

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Estudos sobre Daniel

da admissão”.24 Esses Salmos definem as condições exigidas daqueles que querem


ter acesso ao santuário. Salmo 24:3-6 ilustra isso muito bem. Ali podemos detectar
o que parece ser um diálogo entre o sacerdote e o adorador:

Adorador: Quem subirá ao monte do SENHOR? Quem há de per-


manecer no seu santo lugar?

Sacerdote: O que é limpo de mãos e puro de coração, que não


entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente.
Este obterá do SENHOR a bênção e a [justiça, sedāqāh]
do Deus da sua salvação.

Adorador: Tal é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face
do Deus de Jacó.25

Esses requisitos pressupõem a aliança. O que é exigido do adorador é uma


declaração de lealdade à aliança, de fidelidade à vontade revelada de Yahweh.26
Embora o Salmo enfatize as exigências éticas da aliança, uma confissão semelhante
de lealdade também inclui o que pode ser chamado de “requisitos rituais” (Dt
26:13-15).27 A fim de ter acesso ao santuário, a lealdade à aliança como um todo era 443
exigida do indivíduo. A pessoa que podia fazer tal confissão era realmente justa.28
É o Salmo 15:1-2 que deixa claro que a fim de que fosse legitimado para a parti-
cipação no culto, a “justiça” (sedeq) era exigida do israelita.29 “Quem há de morar no
teu santo monte? O que vive com integridade [tāmîm], e pratica a justiça [sedeq].”
A condição de perfeição exigida de um animal destinado ao sacrifício (Lv 1:3,
tāmîm) é agora exigida do israelita. Aqui, o termo “imaculado” é igualado com o
termo “justiça”. Todavia, essa justiça não é o resultado do esforço humano, mas um
dom da graça salvadora de Deus ao homem (Sl 4:1; 17:1; 35:24; 1 Rs 8:58, 61). A jus-
tiça (sedeq) exigida do adorador não é possível separada da expiação e do perdão.30
O indivíduo que se dirigia ao santuário não ia apenas para confessar sua leal-
dade à aliança; ele devia também confessar suas violações da aliança. Aquele que,
com um espírito humilde e coração contrito, confessava seu pecado era também
uma pessoa justa:

Salmo 32:1 Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo


pecado é coberto.

Salmo 32:5 Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não


mais ocultei. Disse: confessarei ao SENHOR as minhas
transgressões.

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

Salmo 32:11 Alegrai-vos no SENHOR e regozijai-vos, ó justos


[saddîqîm].

Os justos mencionados no versículo 11 são aqueles que confessavam seus pe-


cados, suas violações da aliança, e eram perdoados pelo Senhor.31 Temos aqui um
novo pensamento: Justiça não era algo que o adorador levava ao templo, mas algo
concedido a ele no templo.32 Ali ele recebia a “bênção do Senhor [a bênção sacer-
dotal], e a justiça [a declaração sacerdotal de justiça]” (Sl 24:5, KJV).
Geralmente se admite que uma das funções do sacerdote como representante
de Deus consistia em pronunciar declarações cultuais depois de ser feita uma in-
vestigação cultual.33 Quando um israelita levava ao santuário um animal sacrifical,
o sacerdote deveria examiná-lo. Expressões como “é um holocausto” / ‛ōlāh hû’
(Lv 1:13), “é uma oferta de manjares” / minhāh hû’ (Lv 2:6), “é uma oferta pelo
pecado”/ hatta’t hû’ (Lv 4:21), “é imundo” / tāmē’ hû’ (Lv 13:11), “está limpo”
/ tāhôr hû’ (13:13, 17) são declarações sacerdotais revelando o resultado de sua
investigação cultual.
O sacerdote deveria declarar se a vítima sacrificial era ou não aceitável ao Se-
nhor. Se o sacrifício fosse declarado inaceitável, ele não era creditado ao ofertante
(cf. Lv 7:18). “O juízo sobre o animal cultual era sempre identificado com aquele
444 sobre o próprio ofertante.”34 A rejeição de um era a rejeição do outro.
O livro de Salmos sugere que quando o adorador ia ao templo ele recebia justi-
ça de Deus por meio de uma declaração sacerdotal. Ezequiel 18:5-9 deixa claro que
tal declaração de justiça era conhecida dentro do ritual. O que ali encontramos
é uma assim chamada “série de mandamentos catequéticos”,35 da mesma espécie
daqueles encontrados nas “liturgias de entrada”.36
Depois da lista de mandamentos, encontramos a declaração “ele é justo” /
saddîq hû’. De um ponto de vista gramatical, a expressão saddîq hû’ é o equiva-
lente das expressões que mencionamos acima. Todas elas são sentenças nominais
construídas sobre a terceira pessoa pronominal singular funcionando como um
predicado. “Ele é justo” é uma declaração sacerdotal.37
Até aqui sugerimos que o Senhor, por meio do sacerdote, declara justo o
homem que é leal à aliança, e poderia ser também aquele cujos pecados eram
perdoados. Ele também recebia justiça no santuário. Algumas vezes, a declaração
de justiça era um ato de vindicação. Nos Salmos de Inocência, encontramos decla-
rações como as seguintes:

Julga-me, SENHOR, segundo a minha retidão [sedeq] e segundo a integridade


que há em mim.
Cesse a malícia dos ímpios, mas estabelece tu o justo [saddîq] (Sl 7:8-9; cf.
35:24-25).

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Estudos sobre Daniel

Evidentemente, o salmista foi acusado falsamente de um crime. Ele vai ao santuá-


rio buscar ao Senhor. Ele quer ser declarado justo. Desse modo, ele seria vindicado.
Os Salmos indicam que o indivíduo que visitava o santuário buscando jus-
tiça/vindicação a recebia por meio de uma declaração sacerdotal de justiça. O
homem assim declarado tinha acesso ao templo.
É interessante e muito importante notar que, segundo Levítico, o que era
necessário a fim de ter acesso ao santuário era “pureza” (tāhôr). Essa pureza era
obtida por meio da obra sacerdotal. Descobrimos, por exemplo, que o leproso,
uma vez declarado impuro, não podia ir ao santuário (Lv 13:46). Somente depois
que o sacerdote o declarasse “puro, limpo” (tāhôr), era que o acesso ao santuário
se lhe tornava possível (Lv 14:1-20). O que em Levítico era uma declaração de
pureza ou limpeza é nos Salmos uma declaração de justiça. Ser pronunciado puro
(ritualmente) era o mesmo que ser declarado justo (moralmente).
Esses dois conceitos – justo/puro – são encontrados juntos em uma das mais
significativas passagens do Antigo Testamento, a saber, Isaías 52:13–53:12. Ao
longo desse poema, encontramos a terminologia cultual.38 A experiência do Servo
do Senhor é interpretada ali em tipos cultuais. O Servo é a vítima sacrifical, bem
como o sacerdote. Essas duas funções são reunidas em Isaías 53:11 – “o meu Ser-
vo, o Justo, com o seu conhecimento [justificará a muitos], porque as iniquidades
deles levará sobre si.” 445
Note que, como sacerdote, o Servo possui certo conhecimento que lhe permi-
te fazer uma declaração cultual (“com o seu conhecimento”). Mas ele é também a
vítima sacrifical. Como tal, Ele é pronunciado, declarado justo (“o justo”) e pode
declarar, como sacerdote, os “muitos” justos (yasdîq, “declarar justo”). O juízo
feito sobre a vítima é aquele feito sobre os muitos.
Note também que a declaração de justiça é seguida pela declaração: “ele [o Ser-
vo] levará suas iniquidades”. A expressão “levar o pecado” é uma expressão cultual
que expressa a ideia de perdão e purificação.39 Os muitos não são declarados justos
porque eles são justos, mas porque o Servo os purificou. A declaração cultual de
justiça e a purificação do pecado são uma e a mesma.
Parece haver, portanto, uma conexão teológica entre justiça e pureza; uma
conexão de tal natureza que ambos os conceitos têm se tornado praticamente si-
nônimos, ao menos em contextos cultuais. Recentes estudos feitos sobre a raiz sdq
mostraram que ela é realmente usada em paralelismo sinônímico com formas da
raiz thr, “ser limpo, puro” (Jó 4:17, 17:9), e bōr, “pureza” (Sl 18:20). Em outras pas-
sagens, ela é um sinônimo de zākāh, “ser puro, limpo” (Sl 51:4; Jó 15:14; 25:4).40
É claro que a extensão semântica da raiz Sdq inclui as ideias de pureza e limpeza.
Além disso, a associação da raiz sdq com termos e conceitos cultuais é uma clara
indicação de que ela desempenhava um papel significativo no ritual.

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

O livro de Salmos revela o fato significativo de que a raiz sdq estava no próprio
coração do ritual. O ritual, em sua inteireza, parece revolver-se em torno do con-
ceito de Sdq: o adorador entra no templo pelas “portas da justiça” (Sl 118:19);41
ele leva um “sacrifício de justiça” (Sl 4:5, KJV; 51:19; Ml 3:3); e o sacerdote “ves-
tido de justiça” (Sl 132:9), intercede em favor do ofertante diante de Yahweh, “o
Deus de justiça” (Sl 11:7). Como resultado, o adorador recebe no templo “justiça
de... Deus” (Sl 24:5, KJV). Por intermédio do sacerdote, Deus declara o indivíduo
justo. Uma vez que o crente foi declarado justo/purificado/vindicado, ele pode
participar plenamente do ritual e regozijar-se diante do Senhor.

Sdq em Daniel 8:14

Nossa análise anterior mostrou que a raiz sdq é usada em diferentes lugares junta-
mente com vocabulário e ideologia cultuais. É, portanto, muito normal encontrá-la
em 8:14 rodeada também por vocabulário cultual. O que torna o uso de sdq particu-
larmente difícil em 8:14 é o fato de que sua forma verbal, nisdaq, é única no Antigo
Testamento. Nisdaq é a forma Niphal do verbo sādaq. Nessa forma, o verbo expressa
uma ideia reflexiva ou passiva. O contexto sugere que o verbo deve ser tomado aqui
446
como um passivo. A pergunta é: “Como devemos traduzi-lo?” Diferentes sugestões
têm sido apresentadas: “será purificado”, “será justificado”, “será reintegrado em seu
direito”, “será trazido de volta aos seus direitos”, “será vindicado”, etc.
Já vimos que em contextos cultuais a raiz sdq pode expressar as ideias de jus-
tiça, purificação, vindicação. Daniel 8:14 pertence a uma perícope em que a ter-
minologia e a ideologia cultuais predominam. Estamos, consequentemente, livres
para postular aqui um emprego cultual da raiz sdq.
Poderíamos traduzir nisdaq por “ser declarado justo/ser vindicado/ser purifi-
cado”. Daniel usou nisdaq e não tāher (limpar/purificar) porque Sdq “é uma raiz
ampla muito rica em significado. Sua ênfase central é descrever um processo judi-
cial e soteriológico de julgar, absolver e salvar.”42 Ajustava-se muito bem ao escopo
cósmico de sua profecia apocalíptica.
Daniel 8:14 aponta para um tempo em que o santuário seria declarado justo/
purificado/vindicado. Havia tal tempo dentro do calendário cultual hebraico? O
Dia da Expiação era o único momento no ritual hebraico em que tal pronuncia-
mento poderia ser uma realidade. Essa, nos parece, é a única conclusão lógica a
que alguém familiarizado com o ritual israelita poderia chegar.
O Dia da Expiação era o único dia no ritual em que o santuário era purifica-
do/vindicado. Além disso, o contexto de Daniel 8 apoiaria nossa conclusão. Já
salientamos que nos versículos anteriores é feita referência apenas à atividade sa-

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Estudos sobre Daniel

cerdotal no lugar santo. Seria muito lógico ter também uma referência à atividade
sacerdotal no lugar santíssimo. Essa referência é encontrada em Daniel 8:14.
Com muita frequência é pressuposta uma conexão entre nisdaq e o chifre
pequeno. Acredita-se que a purificação do santuário é necessária por causa da
atividade desse chifre. Devemos prosseguir explorando esse problema à luz da
linguagem cultual usada em 8:9-14.
Vimos que a atividade do chifre pequeno é anticultual. Ele é bem-sucedido em
vencer o exército, o santuário e em controlar o tāmîd, a obra sacerdotal no lugar
santo. Em tudo isso o chifre prosperou (8:12). A pergunta óbvia era: “Até quan-
do?” (8:13). Veio a resposta: “Por duas mil e trezentas tardes e manhãs;43 então o
santuário será [declarado justo/purificado/vindicado” (8:14).
No versículo 13, é suscitada a pergunta que tem a ver com o fim da atividade
do chifre pequeno. A pergunta tem a ver com o fim do período de tempo. A res-
posta é clara: A visão44 e a atividade do chifre continuarão até o final de 2.300 dias,
até o tempo em que o santuário será purificado, isto é, até o Dia da Expiação.
A purificação/vindicação do santuário mencionada no versículo 14 não é efe-
tuada por causa do chifre pequeno. Já indicamos que o vocabulário cultual usado
em 8:9-14 não fornece nenhuma evidência que apoie a ideia de que o chifre peque-
no contaminou o santuário. É dito a Daniel que o chifre pequeno afetaria a obra
do Príncipe apenas no lugar santo, e não seria capaz de interferir em sua obra no 447
lugar santíssimo. Essa obra se iniciaria no final dos 2.300 dias e poria um fim ao
controle do chifre sobre o santuário.
Se a purificação/vindicação do santuário em 8:14 não é uma necessidade cria-
da pelo chifre, ficamos com a importante pergunta: por que o santuário precisa
ser purificado? O contexto imediato não responde a esta pergunta. Mas note que
o tāmîd é mencionado nos versículos anteriores, e não nos é dito por que ele é im-
portante e necessário, nem mesmo o que ele é. Quando quisemos saber o que era
o tāmîd, tivemos de reconhecer que ele era um termo cultual. Então prosseguimos
para examinar o seu emprego em contextos cultuais. Se agora queremos saber o
que é a purificação/vindicação do santuário e por que ela é necessária, devemos
examinar o ritual do Dia da Expiação no culto hebraico. É, portanto, correto mudar-
mos de Daniel 8:14 para Levítico 16.

O Dia da Expiação e Daniel 8:14

Há apenas algumas passagens no Antigo Testamento em que o Dia da Expia-


ção é mencionado (Êx 30:10; Lv 16; 23:26-32; 25:9). As duas mais importantes

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

são Levítico 16 e 23:26-32. Os rituais realizados durante esse dia parecem ter tido
o propósito de expressar no mínimo três ideias básicas:
1. Deus e seu santuário eram vindicados. A remoção do pecado/impureza do
santuário revelava algo significativo acerca da natureza de Deus e de sua habitação.
Por meio dos sacrifícios expiatórios diários, o pecado confessado era transferido
para o santuário em favor do pecador arrependido.45 Somente para a finalidade de
expiação era permitido que o pecado/impureza fosse à própria presença de Deus.
Mas nem mesmo os pecados expiados poderiam permanecer indefinidamente na
santa habitação de Deus. O Dia da Expiação proclamava que a santidade/pureza
não tem nada em comum com o pecado/impureza. Eles eram separados um do
outro de uma maneira permanente, revelando de uma forma especial a verdadeira
natureza de Deus e de seu santuário.
Durante aquele dia importante, o pecado/impureza não era somente removi-
do do santuário, mas era também transferido para Azazel, uma figura demoníaca
que parece representar a própria fonte da impureza. Transferindo-a para Azazel,
Yahweh estava devolvendo a impureza para sua própria fonte. Forças malignas
eram vencidas por Yahweh durante o Dia da Expiação. Enquanto o povo estava
descansando, o Senhor estava ativo em seu favor.
2. O povo era purificado. A purificação do santuário e a purificação do povo
448 estavam intimamente relacionadas entre si. Na purificação do santuário no Dia da
Expiação, a purificação do povo atingia sua consumação. Seus pecados eram final-
mente removidos da presença do Senhor. Agora eles mesmos podiam permanecer
na presença de Deus. O próprio propósito da aliança era então restabelecido:
Deus continuará habitando entre seu povo; Ele será o seu Deus e eles continuarão
sendo o seu povo escolhido.
3. Deus julgava o seu povo. Durante o Dia da Expiação, Deus ordenava ao
seu povo que repousasse e afligisse suas almas (Lv 16:29). Afligir a alma (‛ānāh
nepeš) significa “humilhar-se”, provavelmente por meio do jejum. Repousar e
humilhar-se revelava uma atitude de completa dependência da misericórdia de
Yahweh. Essa atitude pessoal estava relacionada com a purificação do santuário.
A remoção do pecado do santuário significava purificação final somente para
aqueles que permaneciam em uma atitude de absoluta dependência da graça e do
poder divinos. Nesse dia, o Senhor julgava o seu povo. O indivíduo que não se hu-
milhava, nem repousava, era declarado culpado. Essa pessoa era “extirpada do seu
povo”, destruída do seu povo (Lv 23:29-30). Essa fórmula de extermínio era um
veredito negativo pronunciado depois da investigação divina. O veredito positivo
era uma declaração de pureza. Yahweh estava julgando o seu povo.
Os três conceitos já discutidos parecem ter sido de fundamental importância
no Dia da Expiação dentro do ritual israelita. Com base em nossa discussão an-

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Estudos sobre Daniel

terior, podemos então afirmar que a proclamação da vindicação/purificação do


santuário em Daniel também significa que:
A. Deus e seu santuário devem ser vindicados. O ministério sacerdotal do
Príncipe do exército celestial, mencionado em 8:11, era realizado em favor do
povo de Deus. Era um ministério de intercessão e, portanto, segundo a legislação
levítica, de perdão do pecado. A purificação do santuário, mencionada em 8:14,
deixará bem claro que o envolvimento do santuário no problema do pecado era
um meio eficiente de acabar com esse problema, e que a transferência do pecado
para o santuário em nenhum sentido afetava o caráter de Deus. Removendo o pe-
cado do seu povo do santuário, Deus se revela como um Deus santo, puro e justo.
Ele também se revelará como o Deus todo-poderoso que vence as forças malignas
deste mundo de uma maneira permanente (cf. Dn 2, 7).
B. O povo de Deus será purificado. O livro de Daniel aguarda o tempo em
que a salvação do povo de Deus será definitiva. Eles já são os santos do Altíssimo.
Todavia, ainda estão aguardando a consumação de sua salvação. A vindicação/
purificação do santuário mencionada em 8:14 é também a proclamação da vindi-
cação/purificação do povo de Deus. Seus pecados serão cancelados. A purificação
deles atingirá sua consumação. Agora o reino eterno será estabelecido.
C. Deus julgará o seu povo. A vindicação/purificação do santuário em Da-
niel inclui também uma obra de juízo. O verbo usado por Daniel para se referir à 449
purificação do santuário (sdq) é um termo legal. Nele, os conceitos legais e cultuais
estão reunidos. A purificação do santuário está intimamente relacionada com a
declaração cultual da pureza dos santos de Deus. O povo do Senhor tem sido julga-
do por Ele e têm permanecido em uma atitude de completa dependência de Deus
sob as mais angustiosas circunstâncias. Isso é precisamente o que encontramos no
capítulo 7. A cena de juízo encontrada nesse capítulo é um paralelo adequado de
8:14.46 Os santos são julgados e absolvidos (7:9-10, 13-14, 21-22). O registro de seus
pecados é permanentemente removido do santuário. Os infiéis são extirpados (Lv
23:29-30; cf. Mt 7:21-23; 22:11-14). Assim, o santuário é purificado.
A perícope que discutimos (8:9-14), nos permitiu olhar para o santuário onde
oficia o Príncipe dos exércitos celestiais. Sua obra sacerdotal inclui não somen-
te os serviços diários, mas também o equivalente ao serviço anual, o Dia da
Expiação. A fim de compreender o significado da obra do Príncipe no Dia da
Expiação, examinamos brevemente o significado desse ritual no livro de Levítico.
Descobrimos que durante o Dia da Expiação, Deus se revelava como um Deus
puro e poderoso, que vence as forças do mal. Deus purificava o seu povo de uma
maneira definitiva, removendo seu pecado do santuário, permitindo-lhes viver
permanentemente em sua presença. Aquele dia era também um dia de juízo. As
profecias de Daniel, com seus temas apocalípticos, anseiam pelo tempo em que

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

esses eventos serão finais em uma escala cósmica, e o mal será finalmente extir-
pado do Universo.

Conclusão

Nosso estudo mostrou que Daniel usa linguagem cultual em 8:9-14 com a fina-
lidade de expressar ideias cultuais. Portanto, há uma conexão entre essa perícope
e o ritual. Um estudo do termo tāmîd indicou que o termo designa a obra media-
dora sacerdotal efetuada em favor do povo no lugar santo do santuário. Nossa
investigação da raiz sdq revelou que ela é usada em contextos cultuais, e que era
um conceito-chave dentro do ritual. O emprego de sdq, especialmente nos Salmos,
indica que ela expressava no ritual a mesma ideia expressa por tāhēr em Levítico.
Daniel estava ciente desse fato e sentiu-se livre para usar sdq para se referir à obra
sacerdotal no lugar santíssimo durante o Dia da Expiação.
Salientamos que o chifre pequeno, em sua atitude anticultual, é capaz de
controlar o santuário. Ele afeta a obra do Príncipe no lugar santo. Quando chega
o tempo de o Príncipe iniciar a sua obra no lugar santíssimo, o chifre pequeno
perde o controle sobre o santuário. Ele não pode afetar a obra do Príncipe no
450
lugar santíssimo. Essa obra e seu significado são descritos em Levítico 16. Sua
obra no lugar santíssimo inclui, portanto, a vindicação do caráter de Deus, a
purificação do seu povo, e o juízo dos santos antes que o reino de Deus seja esta-
belecido sobre a terra.

Notas
1
Veja James A. Montgomery, A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel
(Edimburgo, 1927), p. 336.
2
William L. Holladay, A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon of the OT (Grand Rapids,
1971), p. 194, doravante registrado como CHAL.
3
Veja Niels-Erik Andreasen, “The Heavenly Sanctuary in the Old Testament”, The
Sanctuary and the Atonement, ed. Arnold V. Wallenkampf and W. Richard Lesher (Washing-
ton, DC, 1981), p. 70; Gerhard F. Hasel, “The ‘Little Horn,’ the Saints, and the Sanctuary
in Daniel 8”, em The Sanctuary and the Atonement, p. 192. Veja também neste volume, cap.
6, “O ‘Chifre Pequeno,’ o Santuário Celestial e o Tempo do Fim: Um Estudo de Daniel
8:9-14” de G. F. Hasel
4
Veja Hasel. Em Levítico 16:33 encontramos a frase peculiar miqdaš haqqōdeš como
uma designação para o “Lugar Santíssimo”; veja Martin Noth, Leviticus: A Commentary,
The OT Library (Filadélfia, 1977), p. 126.
5
B. W. Anderson, “Hosts, Hosts of Heaven”, IDB 2 (1962): 655.

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Estudos sobre Daniel
6
Assim Ibid.; H. Wildberger, Jesaja, Biblischer Kommentar Altes Testament (Neu-
kirche—Vluyn, 1972), p. 248.
7
Veja Jacob Milgrom, “The šôq Hatterûmā: A Chapter in Cultic History”, Studies in
Cultic Theology and Terminology (Leiden, 1983), p. 160.
8
Angel M. Rodríguez, “Substitution in the Hebrew Cultus and in Cultic Related
Texts”, tese de doutorado (Andrews University, 1979), p. 140.
9
Alfred Jepsen, “’āman”, TDOT 1 (1974): 310.
10
Veja André Lacocque, The Book of Daniel (Atlanta, 1979), p. 163.
11
Holladay, p. 391.
12
Arthur Jeffery, “The Book of Daniel”, IB 6 (New York, 1956): 474.
13
Para uma importante discussão sobre este assunto veja Jacob Migrom, Studies in
Levitical Terminology 1 (Los Angeles, 1970), p. 5-59.
14
Veja Magnus Otosson, “’eres”, TDOT, 1:398.
15
Estamos seguindo aqui William H. Shea, Daniel and the Judgment, (preparado pela
Sanctuary Review Committee, 1980), p. 402. Veja também neste volume o cap. 9 do mes-
mo autor, “Dimensões Espaciais na Visão de Daniel 8”, comentários sobre o versículo 12.
16
Isso é salientado por Hasel, p. 205.
17
Veja Friedrich Hauck, “Koinos”, TDNT 3 (1965): 190-91.
18
Lacocque, p. 162.
19
Sobre esse assunto, veja Hasel, p. 189. 451
20
O hebraico usa aqui nāgîd em vez de Śar. Esses dois termos parecem ser sinônimos.
Segundo W. H. Shea, Daniel and Judgment, p. 399, nāgîd é usado em Daniel para se referir
ao Príncipe em conexão com suas atividades humanas; e Śar quando são mencionadas
suas atividades celestiais. Veja também por W. H. Shea, “The Prophecy of Daniel 9:24-27”,
DRC Series, vol. 3, cap. 3.
21
Também Lacocque, p. 162.
22
CHAL, p. 303.
23
Veja Sigmund Mowinckel, The Psalms in Israel’s Worship 1 (Nashville, 1962), p. 1-41;
Leopold Sabourin, The Psalms: Their Origin and Meaning (New York, 1974), p. 34-40.
24
Veja Sabourin, p. 405-10.
25
Este modelo foi sugerido por Mowinckel, p. 178.
26
Gerhard von Rad, Old Testament Theology 1 (New York, 1962): 378.
27
A distinção entre mandamentos éticos e cultuais é uma distinção artificial. É mais
provável que na mente dos israelitas essa distinção fosse desconhecida.
28
Cf. A. A. Anderson, The Book of Psalms, New Century Bible 1 (Greenwood, SC, 1972): 203.
29
Gerhard von Rad, “‘Righteousness and ‘Life’ in the Cultic Language of the Psalms”,
The Problem of the Hexateuch and Other Essays (New York, 1966), p. 249.
30
Hans K. La Rondelle, Perfection and Perfectionism (Berrien Springs, MI, 1971), p. 113-
14, declara que “os Salmos revelam a carência e necessidade da contínua graça mantene-
dora e perdoadora de Yahweh.”

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Significado da linguagem cultual em Daniel 8:9-14

Leo G. Perdue, Wisdom and Cult (Missoula, MT, 1977), p. 303.


31

Veja Walther Zimmerli, OT Theology in Outline (Atlanta, 1978), p. 143.


32

33
Sobre declarações sacerdotais veja Rolf Rendtorff, Die Gesteze in der Piesterschrift
(Göttingen, 1954), p. 74-76; Gerhard von Rad, “Faith Reckoned as Righteousness”, Prob-
lem of the Hexateuch, p. 125-30; H. Ringgren, “hu”, TDOT, 3:342-43.
34
La Rondelle, p. 127.
35
Von Rad, “Faith”, p. 128.
36
W. Zimmerli declara: “Ezequiel 18 reflete uma ação real que costumava ser realizada no
santuário [em Jerusalém] na porta do templo” (Ezekiel Hermenia [Filadélfia, 1979], p. 376).
37
Ibid.; von Rad, “Faith”, p. 128; Ringgren, p. 343.
38
Veja Rodriguez, p. 283-301.
39
Ibid., p. 291-92.
40
Jerone P. Justesen, “On the Meaning of Sādaq”, AUSS 2 (1964): 53-61; W. E. Read,
“Further Observations on S ādaq”, AUSS 4 (1966): 29-36; Hasel, p. 203-4.
41
A porta do templo é assim chamada não simplesmente porque os justos entram
por ela, (Anderson, Psalms, 2:802), mas também porque atrás dessa porta a justiça era
encontrada no Justo. Mowinckel diz: “O próprio fato de que era permitido à congregação
entrar pela Porta da Justiça era ao mesmo tempo uma corroboração de sua justiça e uma
comunicação do poder da ‘justiça’ e felicidade.” (Psalms, 1:181).
452 42
Justesen, p. 61.
43
A expressão “tardes e manhãs” não é uma expressão cultual. Não deve ser igualada
com o tāmîd. Sobre este assunto veja S. J. Schwantes, “‛Ereb Bōqer of Dan 8:14 Re-exami-
ned”, AUSS 16 (1978): 375-85. Veja também o capítulo 7 deste volume.
44
Shea, p. 81, sugere que, sendo o termo “visão” usado no versículo 13, o período de
tempo abrange não somente o tempo em que o chifre está ativo, mas também o período
para o cumprimento de toda a visão do capítulo 8.
45
Veja Rodríguez, “Transfer of Sin in Leviticus”, The Seventy Weeks, Leviticus, and the
Nature of Prophecy (Washington, DC, 1986).
46
Hasel, p. 206-7.

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Índex*
A
Afraate, pai sírio, adota os pontos de vista de Porfírio, 243-245
Agostinho, autor de “Cidade de Deus”, 274-275
empregado o método alegórico/espiritual, 274
identifica o reino de Deus como o presente reino da Igreja Romana, 274-275
identifica a Pedra (Dn 2) como o início da igreja no primeiro advento, 274-275
Alcazar, Luis de, 277
Alta crítica, surgimento da, 278-280
efeitos na interpretação profética, 5-8, 278-280
Anos sabáticos, relação com a profecia das 70 semanas, 182-184, 204-206
nota final, fontes para datação dos, posteriores ao exílio, 204-207
Anselmo de Havelberg reintroduz a abordagem historicista, 277
Antíoco Epifânio, argumentos avaliados em favor de sua presença em Daniel 7, 180-182
origem/desenvolvimento da interpretação de Antíoco em Daniel , 209-257
análise da interpretação de Antíoco, veja vol. 1, cap. 2
Argumento da pseudonomia em Daniel, analisado, 13-14, 112-114
Arnaldo de Villanova, 275 453
Audição sobre o santuário celestial (Dn 8:13-14), 342-363

B
Barnabé, Epístola de, 220
Belsazar, evidência do reinado, 80-82
Datas para (Dn 7:1; 8:1), 87-88
Nabucodonosor, “pai” de, 81-82

C
Calendário caraíta, Dia da Expiação, usado pelos mileritas (para outro modo
de determinar datação antitípica, veja vol. 1, cap. 6)
Cânon do AT, prosição do livro de Daniel no, 104-105
Chifre pequeno (Dn 7), características do, identificação histórica do, 144-146
Chifre pequeno (Dn 8), ataque contra o santuário, 160-161, 440-442
expansão do, 323-324

*
Os principais temas da obra Estudos Selecionados em Interpretação Profé-
tica (vol. 1, Série Santuário e Profecias Apocalípticas) estão inclusos neste índex.

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Index

natureza do, 322-323


origem e primeiras atividades do, 318-325, 417-423
aspectos papais do, 326-338
atividade vertical do, primeira, 324-325, 421-422
segunda, 423-429
Chifres pequenos (Dn 7, 8) comparados, identificados, 149-154
Cipriano, 246
sobre o segundo advento, 273
Cirilo, 247
Clemente de Alexandria, 221
Contra-reforma, introduzidos novos métodos de interpretação profética, 276-277
interpretação protestante derrotada, enfraquecida, 277
Crisóstomo, 247
Cronologia, itens históricos em Daniel, 85-88
em Daniel 9, 182-185

D
Daniel, “terceiro” governador em Babilônia, 85
454 Daniel, livro de, propósito, 56-57
teologia de, 36-56, 106-107
anjos, 41
escatologia, 49-56
Deus, 37-41
história, 44-48
homem, 42-43
Daniel 2, primeiras testemunhas favorecem Roma como o quarto reino; pedra
como segundo advento/reino de Deus, 274
importância de sua natureza apocalíptica, 279-280
reino da pedra, interpretação do, 271-300
Daniel 7, exegese de, veja vol. 1, cap. 5
aspectos específicos de, 141-146
Daniel 7, 8, relações, cenas finais, 167-169
Daniel 7, 8, 9, profecias relacionadas em termos de extensão, 189-192
Daniel 8, aspectos específicos, 154-177
análise/interpretação de, 311-363
v. 9-14, contexto de, 313-315
autenticidade de, 315-317
tradução de, 317-318
v. 9-12, cumprimento sequencial, 327-328

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Estudos sobre Daniel

v. 9-10, exegese de, 318-325


v. 11, exegese de, 327-335
v. 12, exegese de, 335-338
v. 13-14, exegese de, 342-363
conteúdo da pergunta, 350-355
conteúdo da resposta, 355-363
v. 14, primeiras interpretações de, 257-258
vínculos com o cap. 7, 361-363
relações com o cap. 9, 184-186, 349-350
lapso de tempo entre, e o cap. 9, 88
conexões com Levítico, 163-167, 359, 360-361, 435-450
dimensões espaciais em, 411-434
Daniel 9, profecia messiânica, 185-189
Daniel 9, aspectos específicos de, 180-189
Daniel 11, todas as escolas de intérpretes concordam basicamente sobre os v.
1-13, 236
Vínculos entre os capítulos 7-9, 198-200
Dario, o Medo, identificação de, 82-85
Data para o livro de Daniel, estabelecimento, 67-114
Importância da, para interpretação, 69-72 455
Dia da Expiação, veja Expiação
Dias, “Dias do Santuário”, 157-158
Dimensões espaciais (céu/terra) na profecia, 402-435
quadro, 429
Dimensão vertical, na profecia apocalíptica (Dn 7), 142-144
em Daniel 8, 155-156
em Daniel 7 e 8, comparadas, 161-163, 411-434
Duas mil e trezentas (2.300) tardes e manhãs, 345-346, 383-393
comumente consideradas como 2.300 sacrifícios, 383-384
referem-se a “dias”, não “sacrifícios”, 384, 388-391
a Septuaginta acrescenta “dias” ao texto, 383, 390
pontos de início e término, 346-349

E
Eclesiástico, autor omite referências a Daniel, 106
Efraim Sírio, pai sírio, adota os pontos de vista de Porfírio, 245
Enoque, primeiro livro de, 213-214, 219-220
‛Ereb bōqer (“tarde-manhã”, 2.300), reexaminado, 383-391
Esdras, quarto livro da, 216-217

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Index

Estruturas literárias (Dn 7), 134-135, 141-142, veja também vol. 1, cap. 5
em Daniel 9, 195-198
produz unidade do livro todo, 201-204
Eusébio de Cesareia, 246
Expiação, Dia da, relação com o santuário celestial, 360-361
relação com Daniel 8:14, 448-450
identidade com 22 de outubro de 1844, veja vol. 1, cap. 6

G
Grócio, Hugo, adotou o preterismo, 277

H
Hātak, “cortar/determinar, decreto”, significado de, avaliado, 185
Hazôn (“visão”), 178, 184-185, 346-349; veja também vol. 1, p. 56-57
Hipólito, se baseia em 1 Macabeus para interpretar Daniel 8, 224-226
exposição de Daniel 11, inconsistente, 226-228, 230
primeiro cristão a identificar o chifre pequeno (Dn 8) com Antíoco, 229
a aplicar Daniel 11 a Antíoco, 224-230
456 historicista, preterista e futurista, 224-231
interpreta Daniel 2, 223, 273
coloca a setuagésima semana no final da era , 228-229
Historicistas, lista de, primeiros expositores de posturas futuristas/preteris-
tas, 277-278
Huss, John, 275

I
Interpretação futurista da profecia, origem da, 276
Interpretações rabínicas, 217-220
Intérpretes judeus de Daniel, 289-298
Intérpretes cristãos de Daniel, primeiros, 220-222
Irineu, 221
sobre Daniel 2, 190

J
Jerônimo, 248-254
provavelmente concorda com Porfírio, interpretação de Daniel 11:1-21,
235-236, 252
(provavelmente) sobre a identidade do chifre pequeno (Dn 8)

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Estudos sobre Daniel

como Antíoco, 239


Comentário sobre Daniel, uma obra de referência, 248
Daniel 2, interpretação historicista padrão, 248
Daniel 7, quarta besta=Roma; chifre pequeno=futuro anticris-
to, 248
Daniel 8, chifre pequeno, Antíoco, 248-250
Antíoco também um tipo de futuro anticristo, 250-251
problemas em fazer suas identificações, 249-250
Daniel 9, messiânico; cumprido em Cristo, 251-252
Daniel 11, aplica-se a Antíoco e ao futuro anticristo, 252-253
Resumo de suas interpretações proféticas, 253-254
Joaquim de Flores, expositor medieval, desafia a tradição ticoniana, 275
Josefo, 216, 219-220
Julgamento investigativo (Dn 7), veja vol. 1, cap. 5
paralelos do AT, veja vol. 1, cap. 1
Júlio Africano, 222
Justino Mártir, 217, 220-221

L
457
Lactâncio, 246
Levítico, relações com Daniel 8, 163-167
Levítico 16, relações com Daniel 8, 359, 360-361, 434-450
Linguagem cultual, significado da, em Daniel 8:9-14,157-159, 435-450
Lutero, Martinho, 276

M
Macabeus, primeiro livro de, 212, 219
Maitland, Samuel, primeiro expoente protestante do futurismo de Ribera, 276
Mākôn (lugar do seu santuário), 171-173, 333-335, 425, 437-438, 441
Mar’eh, 178-179, 184, veja também vol. 1, p. 56-57, 346-349
Melâncton, sobre Daniel 2, 276
Messias, figuras pessoais de, em Daniel, 192-194
Metódio, sobre o segundo advento, 189
Milênio, ponto de vista do quinto século, começa com o primeiro advento, 189
Movimento Oxford, 278

N
Nabucodonosor, 76-80

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Index

Empreendimentos, 76-77
juramento de lealdade, planície de Dura, datado, 80
loucura, possível evidência não-bíblica para, 77-79
Nicolau de Cusa, 275
Nisdaq, significado de, 161, 355-359, 393-411, 443-448
tradução de, 393-410
problema de tradução, 394-395
Raiz Sdq, 395-397
Significados amplos de, 399-403
na literatura apocalíptica, 405
no contexto de Daniel 8:14, 405-408
no hebraico tardio e aramaico, 404-405
nos Salmos e outros livros do AT, 443-449
tradução da Septuaginta, 356-357, 401-405

O
22 de outubro de 1844, verificação por meio de sistemas de calendários anti-
gos, veja vol. 1, cap. 6
“Oração de Nabonido”, 78-79
458
Oráculos sibilinos, 212-213, 219-220
Orígenes, 222, 273

P
Padrão de pensamento semita, raciocínio do efeito para causa, 190-196
Parábola dos lavradores maus, comparada com Daniel 2, 294-300
Pedra, uso do termo no AT, 290-294
Períodos de tempo (Dn 8-9), ligações entre, 183-185
Personagens históricos de Daniel, 78-82
Peša‛ (trangressão), 351-352, 438-439
Plymouth, Irmãos de, desenvolveram a interpretação futurista, 340-341
Policrônio, pai sírio adota o ponto de vista de Porfírio, 245, 273
Porfírio, terceiro século d.C. neoplatônico, 231-243
Hipólito, fonte de seus pontos de vista sobre Antíoco, 236-239, 240-243
Comentário de Jerônimo, apenas a preservação de seus pontos de vista, 233-234
retifica a exposição de Hipólito de Daniel 11, 235-237, 241-243
Preterismo, defendido pela primeira vez por Luis de Alcazar, 277
Profecia apocalíptica, características da, 145, 281-282, 414-416
Profecia messiânica (Dn 9), 185-189
Profecias (Dn 7-9), extensão, comparadas e relatadas, 189-192

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Estudos sobre Daniel

Padrão semita, tema dado na ordem reversa, 137, 163, 191-192


“Príncipe do exército”, 175-176, 328-329, 423-424, 425-426, 440-442
Princípio dia-ano, aplicado por Joaquim de Flores, 275
base bíblica para, ver vol. 1, cap. 3
implícito em Daniel 8, 342, 347-349
na literatura judaica, veja vol. 1, cap. 4
Propósito do livro de Daniel, 56-57
Purrey, John, 275
Q
Qōdeš (“santuário”), 353-354, 438
Questões sobre linguagem em Daniel, 9-10, 89-100
seção aramaica, soluções sugeridas, 9-10, 93-97
“caldeu”, como uma terminologia para uma profissão, 90-91
palavras gregas, 92-93
linguagem hebraica de, 152-153
empréstimos, 9-10
palavras persas, 91-92
“Sadraque”, “Mesque”, “Abdenego”, origem dos nomes, 91
duas línguas, uso de, 99-100 Quiasma, veja estruturas literárias 459
Qumran, rolos não-bíblicos da comunidade, 215-216, 219-220

R
Reforma, século dezesseis, 275-276
Ressurreição, clímax do livro de Daniel, 362
Ribera, Francisco, desenvolveu o futurismo na interpretação profética, 276-277
Rolos do Mar Morto, constatações em Daniel, 102-104

S
Sābā’ (“exército”), 324-325, 335-337, 421-423, 438, 440-442
Santuário (qōdeš), ataque do chifre, 361-362, 440-442
centro de salvação, 160
limpeza, restauração do, 358-361
nenhuma resposta ao ataque do chifre, 436, 447-448
linguagem cultual (Dn 8) identifica, explica, 157-159, 435-450
pisando o santuário, 353-355
termo, hebraico, usado em Levítico 16 e Daniel 8, 359, 438
Savonarola, 275

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Index

Sdq, raiz hebraica, 395-397


significados ampliados, 397-401
em hebraico tardio e aramaico, 404-405
na literatura apocalíptica, 405
no contexto de Daniel 8:14, 405-408, 443-448
nos Salmos e em outros livros, 443-446
Septuaginta, antiga versão grega, 212, 219-220, 356, 401-405
Sequência do império mundial (Daniel), 109
esquema dos quatro impérios mundiais, 108
Stuart, Moses, introduz o preterismo nos Estados Unidos, 277
Supostas inexatidões (históricas), 8-9
Supostas semelhanças históricas (Dn 11 e o período de Antíoco), 10-14, 110-114
grandes diferenças, 11-15
insignificantes, embora suponha-se que tenha sido escrito logo depois dos
eventos, 11-15
fontes, históricas, esparsas e discordantes, 10-12
T
Tāmîd (“diário/contínuo”), 157-158, 344-359, 350, 383-388, 438-439
460
Nota final, uso de tāmîd no Qumran e AT, 339-341
Fontes, datação dos anos sabáticos, período posterior ao exílio,
204-206
relatado o ministério no primeiro compartimento, 436, 439
sacrifício da tarde/manhã, uma unidade, 384-388
Teodoro, 247
Tertuliano, 221
Tese exílica, coloca o livro de Daniel no sexto século a.C., 5
aceita afirmações do livro, 5
sustentadas no passado tanto por judeus quanto por cristãos, 5-6
Tese macabeia, 5-8
Avaliação, 8-14
Testamento dos Doze Patriarcas, 215, 219-220
Ticônio, influência sobre Agostinho, 274
Transgressão (peša‛, Dn 8:13), 351-352
Trifo, diálogo com Justino Mártir, 219, 221

U
Últimos dias, significado de (Dn 2), 281-283
Unidade de Daniel, 16-35, 133-206

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Estudos sobre Daniel

argumentos contra, revisados, 19-27


correlações de Daniel 2 e 7, 137-141
7 e 8, 147-177
2, 7 e 8, um gráfico, 149
8, 8 e 11, 178-204
evidência da estrutura literária (Dn 7) 141-142, veja também vol. 1, p. 73-74
história do debate sobre, 17-19,
indicadores de unidade, 27-35
temas comuns, 28
conexões cronológicas, 28-29
interligar, função do cap. 7, 29-30
últimos capítulos pressupõem os primeiros, 28
padrões literários, 29-33
paralelismo progressivo, 33
características únicas de estilo, 29
evidência prima facie para autoria múltipla, 17-18
V
Visão, distinção entre hāzôn e mar’eh hebraico, 181, 184-185, 347-349, veja
também vol. 1, p. 56-57
461
Vitorino, no segundo advento, 273

W
Wycliffe, John, 275

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