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01/05/2020 VANGUARDA - E-Dicionário de Termos Literários

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VANGUARDA
by Ricardo Marques | Jan 1, 2010 | V | 0 comments

O termo “vanguarda” nasceu com o advento da primeira guerra mundial, originando o


seu uso moderno: denominava a primeira linha de soldados numa batalha, e que recebe, em
primeira mão, o ataque directo do exército oposto. É assim, desde logo, um conceito de acção,
de movimento, opondo-se naturalmente à imobilidade, ao conservadorismo, ou, claro está, à
“retaguarda”.
No famoso livro de Calinescu,  Five Faces of Modernity: Modernism, Avant-Garde,
Decadence, Kitsch, Post-Modernism, por exemplo, o conceito de “vanguarda” é dado como uma
das cinco faces da Modernidade, a par do seu outro conceito limítrofe (Modernismo). Já
Osvaldo Silvestre no seu verbete sobre “Vanguarda”, refere vários usos cronológicos
anteriores, de cariz literário, mas com semelhantes signi cados como este: “O humanista
francês Etienne Pasquier (1529-1615), nas suas Recherches de la France, e num contexto que
anuncia a Querela dos Antigos e dos Modernos, refere-se a uma ‘belleguerre’ contra a
ignorância, indicando em seguida os nomes daqueles que constituíram a sua ‘avant-garde’.”  Por
outro lado, é o próprio Calinescu que faz uma resenha histórica deste conceito no segundo
capítulo do seu livro, defendendo haver uma vanguarda no Renascimento e no Romantismo,
num sentido mais lato. Tal ideia não é estranha se aceitarmos o Renascimento como o início da
Modernidade, onde o Modernismo é o seu último grande período.
É assim produtivo o cotejo que se pode fazer entre este termo e “Modernismo”, uma
vez que se confundem frequentemente. A Vanguarda nasce do desejo, no início do século XX,
de se ser absolutamente moderno, preconizando que a própria sociedade e cultura já não
serviam nem espelhavam a ansiedade do indivíduo (o que a primeira guerra mundial veio, de
certa forma, comprovar). Esta transformação da sociedade implicava, deste modo, estar mais à
frente do seu tempo, criar uma arte que não se diferenciasse da vida. Esta é a atitude
vanguardista, a de uma fusão total entre a vida e a arte.
Data-se então a Vanguarda, num sentido estrito, desse mega-momento da
periodologia literária, o Modernismo, onde há uma grande ênfase na tentativa de ruptura e de
transgressão do texto literário, recorrendo-se, por isso, a uma experimentação sem limites.
Essa consciência será alimentada por um contexto estrutural disfórico – não só pelo cansaço

https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/vanguarda/ 1/5
01/05/2020 VANGUARDA - E-Dicionário de Termos Literários

dos artistas por um gosto burguês estafado e obsoleto, alimentado por uma poesia nissecular
assente em lugares-comuns, mas igualmente por uma autêntica revolução das mentalidades,
provocada, entre outros, pelos trabalhos seminais de Einstein e Freud sobre a relatividade e a
psicanálise (a que os poetas e artistas do período claramente aderiram de imediato, como é
exemplo D. H. Lawrence).
Esta experimentação estaria então ligada intrinsecamente à polémica literária, que
 em Portugal é concomitante com o aparecimento do próprio Modernismo, com a
revista Orpheu, em 1915. Neste sentido, há aqui uma clara co-existência temporal entre o
conceito de Vanguarda e de Modernismo (ainda que tal termo não existisse e estivesse ainda
para ser atribuído retrospectivamente). O crítico e poeta E.M. de Melo de Castro, ele próprio
um (neo)vanguardista dos anos 60, esclarece, já em 1980: “Foi no nível de teorização que ela
[Vanguarda] começou a ganhar peso internacionalmente e desde o começo da década de 60 se
transformou num motor auto-re exivo sobre a produção da arte ou de anti-arte, de cultura ou
de contra-cultura.”
Assim se vê igualmente o carácter dinâmico deste conceito operativo – a vanguarda
ocorre sempre dialecticamente, num sentido lato, ocorre num determinado momento
temporal. Reage a um tempo eminentemente conservador, respeitoso da “tradição”,
produzindo ‘manifestos’ que a rmam uma diferenciação ao tempo vigente (pense-se
no Manifesto Anti-Dantas, do futurista Almada Negreiros). Por outro lado, certas vanguardas
podem ser herdeiras de outro tempo, tal como as (neo)vanguardas dos anos 60, em que
teóricos da vanguarda como Ana Hatherly e o próprio Melo e Castro, eram eles próprios
vanguardistas, bem como herdeiros de outros ismos como o Futurismo, o Surrealismo, e as
práticas dadaísticas. Neste sentido, a Vanguarda começa a ser contraditória, porque ao querer
libertar o homem-artista e o objecto artístico por si produzido, acaba por circunscrevê-lo ao
próprio objecto e à sua prática artística através da sua teorização, quando começa a recepção
literária e a aceitação na academia (de lembrar que Roland Barthes defende “a morte das
vanguardas” já nos anos 60, quando precisamente nasce verdadeiramente esse pendor
re exivo e crítico acima descrito).
Talvez pelas palavras de Ionesco se entenda, em suma, o conceito de Vanguarda:
Eu pre ro de nir a vanguarda em termo de oposição e ruptura. Enquanto a maior
parte dos escritores, artistas e pensadores acreditam que pertencem ao seu tempo, o
dramaturgo revolucionário sente que está a correr contra o seu tempo…Um homem de
vanguarda é como um inimigo dentro de uma cidade que ele pretende destruir, contra o
qual ele se rebela; porque como qualquer sistema de governo, uma forma estabelecida de
expressão é também uma forma de opressão. O homem da vanguarda é o opositor de um
sistema existente. (Eugène Ionesco, Notes andCounter-Notes, London, J. Calder, 1964, pp.
40-41, apud Calinescu, 1999, p. 110)
{bibliogra a}
BÜRGER, Peter, TheTheoryofthe Avant-Garde, Minneapolis, Universityof Minnesota
Press, 1974. [Vega, 1993].
CALINESCU, Matei, Five Faces of Modernity: Modernism, Avant-Garde, Decadence, Kitsch,
Post-Modernism, Durham : Duke University Press, 1987. [Vega, 1999.
GUIMARÃES, Fernando, Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1982.
HATHERLY, Ana, O Espaço Crítico do Simbolismo à Vanguarda, Lisboa: Caminho, 1979.

https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/vanguarda/ 2/5
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JACKSON, K. David, As Primeiras Vanguardas em Portugal: Bibliogra a e Antologia Crítica,


Frankfurt-Madrid, Vervuert-Iberoamericana, 2003.
MARNOTO, Rita (coord.), Vanguardas, Coimbra, Colégio das Artes da Universidade de
Coimbra, 2016.
NOGUEIRA, Isabel, Teoria da Arte no Século XX – Modernismo, Vanguarda, Neovanguarda,
Pós-Modernismo, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012.
MELO E CASTRO, E. M., As Vanguardas na Poesia Portuguesa do Século XX, Lisboa, ICLP,
1980.
SILVESTRE, Osvaldo, “Vanguarda”, in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo
Português, Lisboa, Caminho, 2008.
TORRE, Guillermo de, História das Literaturas de Vanguardas, 6 volumes, Lisboa,
Presença, 1972 [1ªed, 1925].

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