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Ruger Keeran Thomas Kenny’ 0 SOCIALISM TRAIDO POR TRAS DO COLAPSO DA UNIAO SOVIETICA coigoes Pabwamter COLECGAO PROBLEMAS DO MUNDO CONTEMPORANED Nota da editors Ac wongo do texto € nas notas « letlur encontrard diferengas na gratia de alguns nomes. Essas dife.engax devem-se ao modo di- verso dec! -tuar a transliteracdo dos nomes russos para portu- gués e pura suglés. Os autores Roger Keeran ¢ professo: r+» SUN ¥/Empire State Colle»: ¢ autor do livro The Conumunis ! «arty and the Auto Workers'Unions. Thomas Kenny é cconomista. ‘OSOCIALISMO TRADO Por trés do colapso da Unio So (2-edigho) ‘Autor: Roger Kectan e Thomas Kenny ‘Titulo original: Socialism Betraver!: Behind the collapse ofthe Soviet Union Tradugae. Vitor Guerreiro Capa: José Monginho Revisto: Colectiv das EdigBes «Avante!» © 2004 Intemational Publishers Co., Inc. Direitos de tradugto em lingua portuguesa reservados por torial «Avante'», SA, Lisboa — 2008 Tiragem: 500 exemplares jpelmunde — Sociedade de Manufacturas Grificas, Lda, Data de impressio: Dezembro de 2008 Depésito legal n°281 60608 ISBN 978-972-550-336-2 Impressio e acabamen Indie Prefacio........ 9 1 Introdugdte co 2. Duas tendéncias na politica sovie.- trabalhadores fabris ¢ rur Um breve resumo das realizagées da Unido Soviética realca.» que se perdeu. A Uniao Soviética nao sé eliminou as classes exploradoras da Iha order como também pés fin: a inflagdo, desemprege,, discrimina- <4o racial : nacional, pobreza extrema, desigualdades flagrantes de ri- ,jueza, rendimento, educago e oportunidades. Em cinquenta anos, o pais passou de uma produgao industrial que correspondia a apenas 12% da »vodugao nos Estados Unidos para uma producio industrial de 80% e uma producdo agricola que equivalia a 85% da dos EUA. Embora o consumo soviético per capita permanecesse mais baixo que nos EUA, nenhuma ociedade tinha até entao elevado o nive! de vida e 0 consumo para toda a populacdo tao rapidamente e num periodo de tempo tao reduzido O em- prego cra garantido. A educacao gratuita cra acessivel a todos, dos infan- trios as escolas secundarias (gerais, técnicas, profissionais), universidades € escolis pés-laborais. Além de isengao de propinas, os estudantes pés- -liceais 1ecebiam subsidios. Havia um servigo de sadde gratuito para todos, com cerca de duas vezes mais médicos por pessoa do que nos Estados Unidos. Os trabalhadores que sofriam acidentes ou doengas tinham em- prego ussegurado e baixa médica paga. Em meados da década de 1970, os trabalhadores gozavam em média de 21,2 dias titeis de férias (um més de férias), e os sanatérios, casas de repouso e campos de férias infantis eram ‘ou gratuitos ou comparticipados. Os sindicatos tinham o poder de vetar despedimentos e revogar administradores. O Estado regulava os pregos € subsidiava os custos da alimentagao bdsica e a habitagao. As rendas cons- 12 situiam 2% a 3% do organ; vigos piblicos apenas 4°. a 5%, Nao hava discriminagao da nabitagd« em fungao do rendimento. Embora algun bairros fossem reservados para altos funcio- nérios, em qualquer outro lugar 0: gestores de fabrica. e:,fermeiras, pro- fessores e porteiros viviam lado « «ada. O govero inclufa 0 c:scimeiito cultural e intelectual como parte do ‘esforgo para melhorar o ni«.| de vida. Os subsidios do Estado mantinham inénimo 0 prego dos livros, periédicos, eventos culturais. Como resultado disso, os trabalhadores tinham frequentemente a sua prépi a biblioteca e a familia média assinava quatro publicagdes periédicas. Segundo a UNESCO 05 cidadaos soviéticos liam mais livros e viam mais filmes do que qualquer outro povo no mundo. Todos 0s anos o nimero de visitan- ies dos museus correspondia a qua-s. metade da populagdo, ¢ a frequéncia de teatros, concertos ¢ outros espectéculos ultrapassava « total da popu- lagdo. O govemo fez um esforgo concertado paraelevar a iiteracia e o nivel de vida das regides mais remotas e encorajar a expressio cultural da mais de uma centena de grupos nacionais que constituiam a Uniao Soviética. Na Quirguizia, por exemplo, ape'-s uma em cada quinhentas pessoas sabia ler e escrever em 1917, mas «nquenta anos depois praticamente toda a populagdo sabia ler e escrever * Em 1983, o sociélogo americano Albert Szymanski passou em re- vista uma série de estudos ocidentais sobre a distribui¢o de rendimentos o nivel de vida soviéticos Apurou que as pessoas mais bem pagas da Uniao Sov .ética eram artistas proeminentes, escritores, professures vni- versitarios, administradores, cientistas, que auferiam quantias entre os 1200 os 1500 rublos mensais. Os altos funciondrios do governo auferiam cerca de 600 rublos; os directozes empresariais entre 190 a 400 rublos men- sais; os trabalhadores cerca de 150 rublos mensais. Consequentemente, os rendimentos mais elevados correspondiam a apenas 10 vezes o salério do trabalhador médio, ao passo que nos Estados Unidos as mais altas chefias empresariais recebiam 115 vezes o saldrio de um trabalhador. Os privilé- gios associados a altos cargos do Estado, como lojas especiais ¢ autom6- veis oficiais, permaneciam baixos ¢ limitados e nao contrariavam uma tendéncia continua de quarenta anos no sentido de um maior igualitarismo. (A tendéncia oposta ocorreu nos Estados Unidos, onde, em finais da dé- cada de 1990, as chefias empresariais recebiam 480 vezes 0 salério do tra- balhador médio.) Embora a tendéncia para nivelar saldrios ¢ rendimentos 13 tetiva criado problemas (que discuti:. mos mais adiante), o nivelamento day condigdes de vida na Unido Sov;-tica representou um feno sem pre- Cc -entes na historia humana. © n:velamento foi impulsionaé: yor uma po- iit, a de pregos que fixava o cusio dos artigos de luxe acinie ‘0 seu salor €¢ 208 ncus de j rimeira necessidade abaixo do seu valor. Foi tambén: im- pulsionade pelo crescimento constante de um «salario soci!» ist &. a Prestacao de um numero crescente de beneficios sociais gratuitos ou subsi- diados. Além dos ja mencionados, os beneficios inclufam baixas de ma- temnidade pagas. creches acessiveis ¢ reformas yenerosas. S/ymanski concluiu: «Hmbor: « estrutura sucial soviética possa ndo corresponde: ao ideal comunista wu sociaiista, ¢ a0 mesmo tempo qualitativamente dife- rente c mais igualitaria que a dos paises capitalistas ocidentais. O socialismo Tepresentou uma diferenga radical em favor da classe trabalhadora.» ° No contexto mundial, o desuparecimento da Unido Soviética signi- ficou também uma perda incalculavel. Significou o desaparecimento de um contra9eso ao colenialismo ¢ ao imperialismo. Significou w eclipse de um modelo de como as nagdes recentemente libertas podiam harmo:...-ar 0s seus diferences constituinies Sinicos e desex:volver-se por si sem h:po- tecar 0 seu futuro aos Estados Unidos ou a Europa Ocidental. Em 1991, 0 principal pais nao capitalista no mundo, o suporte principal dos movi- menios d libertagao nacional e de governos socialistas como o de Cuba, desmoror.sra-se. Nenhuma racionalizasdo poderia disfarcar este factoe o revés que represent-vu para as lutas socialistas populares. Ainda mais iniportante Uo que avaliar o que se perdeu com o colapso soviético é 0 esforgo de o compreende: A dimensao do impacto que tera este acontecimento depende em parte ‘« modo como forem entendidas as suas causas, Na grande celebracdo anticomunista dos primeiros anos da década de 1990, a direita triunfante martclou diversas ideias na consciéncia de milhGes: 0 socialismo soviético como sistema econémico planificado indo funcionava e nao podia trazer abundancia, porque fora um acidente. uma experiéncia nascida na violéncia e mantida pela coacgao, uma aber- ra¢do condenada ao fracasso pelo seu desdém da natureza humana ea sua incompatibilidade com a democracia. A Unido Soviética terminou porque uma sociedade governada pela classe trabalhadora ¢ uma ilusio; nao existe ordem pés-capitalista. A esquerda, alguimas pessoas, em geral as que perfilham perspecti- vas sociais-democratas, retiraram conclusées similares, embora nao ta0 14 extremus -umo as da direita. Ac-editavam que 0 socialismo soviél: era fundamenalmente defeituoso: -:repardvel, que as falhas eram «sistémi cx», enratzadas numa falta de aemocracia e num excesso de centraliza- ‘ao daeconomia. Os sociais-democratas nao concluiram que v socialismo esta condenad:- ao fracasso no futuro, ynas conclufram que o colapso so- victico privou o marxismo-leninismo de muita da sua autoridade e que um socialisns. futuro terd de ser constn.iao sobre uma base completamente ditcrente da forma soviética. Para estes, as 'eformas de Gorbatcho. nao foram erradas, foram apenas demasiado tardias. Obviamente, s¢ tais afirmacoes forem verdadeiras, o futuro da teo- ria marxista-leninista, do socialismo e da luta anticapitalista tem de ser muito diferente do que os marxistas previram antes de 1985. Se a teoria mazxisla tcninista traiu os lideres soviéticos que presidiram ao desmoro- namento, a teoria marxista estava na sua maior parte errada v devia ser abandonada. Os esforcos pussados para edificar 0 socialismo nao conti- nham ligdes validas para o futuro. Os que se opdem ao capitalismo global (ém de compreender que a historia nao esté do seu lado e contentar-se com retormas gr is € suaves, no maximo. Claramente, estas eram as ligdes que a direita trunfante esperava que todos retirassem. A nossa investigagao foi motivada pela enormidade das consequén- cias do colapso. Permaneciamos cépticos face 4 direita triunfante, mas dispostos a seguir os factos onde estes nos levassem. Estavamos cientes de que outros partidérios do socialismo tiveram de analisar enormes der- rotas da . lasse trabalhadora. Em A Guerra Civil em Franca, Karl Marx analisou z derrota da Comuna de Paris em 1871. Vinte anos mais tarde, Friedrich Engels ampliou essa andlise numa introdugao & obra de Marx sobre a Comuna ’, Vladimir Lénine e a sua yeragdo tiveram de explicar 0 fracasso revolucionario russo em 1907 ¢ 0 facto de as revolugdes na Eu- ropa Ocidental nao se terem concretizado em 1918-1922. Marxistas pos- teriores, como Edward Boorstein, tiveram de analisar 0 fracasso da tevolugao chilena em 1973 ®. Tais andlises mostraram que a simpatia para com os derrotados nao impedia a formulagao de questées dificeis sobre as Tazdes da derrota. Dentro da questo global de saber por que caiu a Unido Soviética surgem cutras questdes: Qual o estado da sociedade soviética quando ‘comegou a perestroika? A Unido Soviética enfrentava uma crise em 1985? A que problemas respondia supostamente a perestroika de Gorbatchov? 15 Que forgas tavareceran e 4ue f"Gas se opuseran:a senda de reformas au conduziu ao capit. smo”? Quiido a reforma de Gorbatchov comegou produzir o desastr: econdmice e a des: miegragao nacional, por que r: mudou Gorba. how tiv rune, 0% por que ni#0 0 substituiram os outros cs rigentes do Partido ( »mumista” Po: que estava aparentemente tdo fragil 0 socialismo sov.ctico? Por que ra.40 os dirigentes subestimaram tanto 0 se- paratismo nacional? Por que conseguiy « \:.cialismo — pelo menos numa ceita forma — sobreviver na China, na Corcia do Norte, no Vietname, em Cuba, ao passo que na Unido Soviética, onde aparentemente se encontrava mais enraizado e desenvolvido, nao conseguiu durar? O desaparecimento da Unido Soviética era inevitavel? Esta tiltima questao era crucial. O facto de o socialismo ter ou nao um futuro depende da inevitabilidade ou evitabilidade do que ocorreu na Unido Soviética. Certamente que era possivel imaginar uma explicacao diferente da inevitabilidade alardeada pela direita. Tome-se, por exemplo, a seguinte experiéncia mental. Suponhamos que a Unido Soviética rufra porque um ataque nuclear dos Estados Unidos destruira o governo e devas- tara as cidades ¢ a inadstria. Poder-se-ia ainda concluir que a guerra-fria terminara e que o capital:sino vencera, mas ninguém poderia argumentar razoavelmente que este acontecimento provava que Marx estava errado ou que entregue a si proprio o socialismo era impraticavel. Por outras pala- vras, s€ 0 socialismo soviético terminasse pincipalmente devido a causas externas, como ameagas militares ov subversio estrangeiras, poder-se-ia concluir que este destino ndo comprometera o marxismo com. teoriae 0 socialismo como um sistema vidvel. Noutro e>:mplo, alguns afirmaram que a Unido Soviética fracassou devido a «erro humano» e nao a «fraquezas sistémicas». Por outras pa- lavras, lideres mediucres e decisdes erradas derrubaram um sistema basi- camente saudavel. A ser verdadeira, esta explicayao, como a anterior, Preservaria a integridade da teoria marxistae a viabilidade do socialismo. Na verdade, contudo, esta ideia nao serviu como explicagao, nem mesmo como inicio de explicagao, mas antes como uma razAo para evitar procurar uma explicacao. Nas palavras de um conhecido nosso: «Os comunistas soviéticos lixaram tudo, mas nés faremos melhor.» Para ter alguma plau- sibilidade, contudo, esta explicacao teria de dar resposta a questdes impor- tantes: 0 que tornou os lideres mediocres e as decisdes erradas? Por que produziu o sistema tais lideres e como conseguiram eles sobreviver a0 16 factw de tmarem devisces csradas? Existiam alternativas vidveis as esco- thas adopiadas” Que se devem dai retirar? Questionara inevitabilidade do desaparecimento da Unido Suwiétca & um empreendiment » armi-cado. O historiador britanico E. H. Carr pre- veniu que © questionainento da inevitabjidacl: de qualquer acontecimento hist6rico pode condu. a um jogo de Salao especulativo sobre «os pode- rin-ter-sido da hist6riz» trabalho dos hist riadores era explicar 0 que leu e ndo deixar «4 imaginagao deambular descontroladamente por as coisas mais agraddveis que poderiam ter acontecido». Carr re- heceu, contudo, que ao expicar por que se optou por uma via ¢ nao ‘ouuza, os historiadores discutem muito apropriadamente as «vias alterna- tivas disponiveis» *. De modo semelhante, o historiador britanico Eric Hobsbawm argumentou que nem toda a especulacao «contrafactual» igual. Algum pensamento acerca de opgdes hist6ricas cai na categoria da «imaginaco descontrolada», que um histoniador sério deve excluir. Tal é caso da reflexao acerca de resultados que nunca fizeram parte do leque das possibilidades hist6ricas, como a hipstese de a Russia tsarista evoluir para uma democracia liberal sem a revolugao russa ou a hipétese de » Sul ter eliminado a escravatura sem a guerra civil. Alguma especulagav: con- trafactual, contudo. 1uando se conforma cstritamente aos factos e possi- bilidaaes reais. serve um fim produtivo. Onde existem linhas altemnativas reais de acgao, estas podem mostrar a contirséncia do que efectivamente ocorreu. Simultaneamente, Hobsbawm forneceu um exemplo relevante da hist6ria soviética re: :nte. Hobsbawm citou um antigo director da CIA: «Acredito que se (0 lider soviético Turi] Andrépov fosse quinze anos mais jovem quando tomou o poder em 1982 existiria ainda a Unido Soviética.» Sobre isto, Hobsbawm comentou: «Nao me agrada concordar com chefias daCIA, mas isio parece-me inteiramente plausivel.» Também achamos isto plausivel e discutimos as razdes no proximo capitulo. Aespeculacao contrafactual pode legitimamente sugerir como, em circunstancias futuras semelhantes as do passado, se poderia agir de modo diferente. Os debates dos historiadores em toro da decisao de usar a bomba atémica em Hiroshima, por exemplo, nao s6 mudaram 0 modo como as pessoas cultas entendem este acontecimento também reduziu a probabilidade de se tomar uma decisao similar no futuro. Afinal de con- tas, a hist6ria tem de ser mais que um divertimento de salao, pode e deve ensinar-nos algo acerca de como evitar os erros passados. 7 A interpretagao do colapso soviético envalve ui: conibate pelo fu- uro. As explicagdes ajudardo a determinar se no século x3: 0s trabalha- vores iro uma \e7 mais «langar-se ao assalto do céu» para suostituir 0 capitalismo poi um sistema melhor. Dificilmente a vitarao os riscos Sufi"tardo 08 custos se acreditarem que 0 governo « 's ttabalhadores. a propriedade colectiva. uma economia planificada, estao condenados a tra cassar, que 86 0 «mercado livre» funciona e que milhdes de pessoas da Europa de Leste e da Uniao Soviétiva experimentaram 0 socialismo mas regressaram ao capitalismo por desejarem prosperidaue ¢ liberdade. Num. momento em que 0 movimento radical contra o globalismo cresce € 0 movimento operdrio renasce, em que a explosao econémica da década de 1990 se encontra em recessdo, os duradouros males do capit — desemprego, racismo, desigualdade, degradacao ambiental, guerra - se tomam,cada vez mais evidentes, o questionamento do futuro do capi- talismo passard invariavelmente para primeir plano. Mas os movimen- tvs operdrio e juvenil dificilmente progredira: inuito além de exigéncias econémicas limitadas, protesto moral, anarquismo ou niilismo se consi- derarem 0 socialismo uma impossibilidade. Dilicilmente poderia haver mais c7n jogo. A medida que o significado da perda da Unido Soviética se toma mais claro, aumenta a oportunidade para um discurso desapaixonado sobre asua nistoria, Certamente que se converteram em cinzas muitas nogdes an- teriores sobre um mundo pés-guerra-fria pacifico e prospero. Um mundo bipolar foi substituido por um mundo unipolar dominado pelo poder em- presarial € militar americano. O globalismo substituiu 0 anticomunismo como ideologia governante. O globalismo insiste em que a dominagao do mundo por algumas empresas transnacionais, a difusio da tecnologia da informago e o livre movimento de mercadorias e capitais em busca dos custos mais baixos e lucros mais elevados representam uma forga impa- rdvel perante a qual todos os outros interesses — os de Estados mais fracos, movimentos de independéncia nacional, movimentos de trabalhadores, defensores do ambiente — tém de ceder. Sem a Unido Soviética como alternativa viavel ao capitalismo, a assisténcia social, o Estado social, 0 sector pablico, o keynesianismo, a «terceira via», cairam na linha de fogo. Em todos 0s paises, os partidos progressistas vacilaram sob a pressao de uma reanimada direita neoliberal. Desde 1991, a pobreza mundial e a de- sigualdade aumentaram a um ritmo veloz. 18 Outra ilusdo Jest':scada,a ideia de um dividendo de paz pés-guerra- -friadesapareceu =m: «v. dc cortar o orgamenty militar, George W. Bush. e outros lideres at.-zrica:..». procuraram freneticamente justificayGes para 0 aumento de gas. ¢ nos sistemas de srmamentos. Procuraram usar como justificagdes um: -2rra con.ra gglroga os Estados pirias eo fun- damentalismo is!:imicw:. Entéo o ataque ao World Trade Center forneceu a justificagao de que precisavam —- uma guerrs interminavel contra o ter- rrismo internacional. Para muitas pessoas, estas desilusdes pos-soviéti- cas tém enfraquecido a interpretagac triunfalistz do colapso soviético. Igualmer > comprometedor para a interpretacao triunfalista foi v desastroso custc ‘tumano que 0 capitalismo mafioso causou a ex-Unido Soviética. 0 que !i uma década era publicitado como a «transformagao democratica» da Kussia cy seu renascimento como uma «vibrante econo- mia de mercado» tornou-se uma anedota de mau gost’ Um relatério das Nagdes Unidas de 1998 afirmava: «Nenhuma regio do mundo sofreu tamanhos recuos na década de 1990 com« os paises da ex-Unido Sovié- tica e da Europa de Leste.» O ntimero de pessoas a viver na pobreza au- mentou em mais de 150 milhdes, um ntimere maior do que a soma da populagdo total da Franca, Reino Unido, Paises Baixos e c’scandindvia. Os rendimentos nacionais declinaram «drasticamente» perante «a mais descontrolada inflagav que se testemunhou em qu :lquer parte do globo» "’ Em Failed Crusade {Cruzada Falhadu|. o historiador Stephen F. Cohen foi ainda mais longe. Por volta de 1998, a economia, dominada por’ grupos do crime organizado e por estrangeiros, ndo chegava a metade da dimensio que tinha no inicio da década. O yado par’ produgao de came e lacticfnios decresccu para um quarto; 0s saldrios desceram para menos de metade. O tifo, fetre tifdide, célera e outras doencas atingiram proporgdes epidémicas, Milhdes de criangas sofriam de subnutricao. A esperanga de vida para o sexo masculino caiu para os sessenta anos, a mesma do final do século xtx. Nas palavras de Cohen, «a desintegraco econémicae social da nagio foi tio grande que conduziu a desmodernizago sem preceden- tes de um pais do século xx». Perante o fracasso catastréfico do cami- nho da Russia para o capitalismo, o entusiasmo com os problemas inevitaveis do socialismo perdeu alguma da sua forga. Nao s6 poderé haver mais pessoas interessadas em compreender a experiéncia soviética do que antes mas também o material para andlise est mais acessivel do que anteriormente. As primeiras publicagdes sobre a 19 perestroika co colz.:. “oram dominadas pelos escritos dos paruidarios de Gorbs:chov e dos cies-de-filz do anticomunismo. Entre eles contavarn-se as memdvias € Outros escritos de Gorbatchov, Boris Ieltsin ¢ os seus spoiantes, as mem@ria:. do embaixador americano na Unido Saviética, Jack vs ensaios de dissidentcs soviéticos muitas ve, es duvidesos vomo Roi Medvédev ¢ Andrei Sakharov, 0s relatos de jorisalistas ociden- tais como David Remnick e David Pryce-Jones, 0 trabalho de historiadore: anti-soviéticos como Martin Malia c Richard Pipes Desde entdo, surgiu contudo uma segunda onda de publicagdes. Estas publicaydes incluiam uma literatura memor~listica bastante ampliada de lideres secundarios, incluindo legor Ligatchov, militares e académicos. Houve também um granu. atimero de estudos monograficos sobre aspectos particulares da era Gorbatchov, incluindo a glasnost, o nacionalismo, as coopcrativas, a po- Ftica econdmica, a privatizagao da propriedade estatal, a politica soviética + «relacdo ao Congresso Nacionai Africano e a politica soviética no Afe- ganistéo. Um jomalista comunista americano destacado em Moscovo, Mike Davidow, publicou Perestroika: Its Rise and Fall | Perestroika: A sua ascensdo e queda} e 0 economista marxista Bahman Aad publicou Heroic Strugele Bitter Defeat: Factors Contributing to the Dismantling of the Socialist State in the Soviet Union [Luta Herdica Derrota Amarga: Fac- tores Que Contributram Para .: Desmantelamento do Estado Socialista na “Inido Soviética}. Além disso, varios partidos, dirigentes e tcorizadores comunistas, como Fidel Castro, Joe Slovo, Hans Heinz Holz e o Partido Comunista Russo, emitiram declaracées sobre a perestroika ¢ 0 colapso. Na nossa pesquisa apoiimo-nos em todos eles. Nem é preciso diver que a derrota da Comuna de Paris, apés setenta dias, desferiu um golpe snenos significativo sobre os socialistas do que 0 desaparecimento da Unido Soviética apés mais de setenta anos. Talvez seja impossivel concluir a nossa andlisc com 0 desafio que Engels langou no final das suas observagGes sobre a Comuna: «0 filisteu social-democrata caiu recentemente, outra vez, em salutar terror, 4 palavra ditadura do pro- letariado. Ora bem, senhores, quereis saber que rosto tem esta ditadura? Olhai para a Comuna de Paris. Eraa ditadura do proletariado.» Nao obs- tante, € possivel reconhecer as realizag6es da Unido Soviética, avaliar a dimensio e consequéncias das forcas externas organizadas contra ela, observar algumas das perspectivas politicas divergentes no interior do socialismo soviético e arriscar alguns juizos sobre as suas politicas. Serd 20 preciso. contudo, muito mais du que este livre para atings: wus anelise completa, de modv yur. no futuro, os homens e as mulheres da esquerda possam lutar por uin soviatismo, conivantes de que nao so prisioneiros uo passado. Podem iambe,.. relembrar as palavras de Marx sobre a Comuna, afirmando que tatni»..:« Unido Sovitica «sera sempre celebrada como o arauto glonoso de vs:a nov suciedaden ". Nos capitulos seguintes alirmamos que 0 colapso soviético ocorreu sobretudo devido as polsticas seguidas por Mikhail Gorbatchov depois de 1986. Estas politicas na . cairam do céu nemeram as uniicus possiveis para dar resposta aos problemas existentes. Decorreram de um debate inter: ao movimento comunista, quase téo antigo como 0 préprio marxismo, sobre como construir uma sociedade socialista. De mode « explicar a ge- nealogia das politicas tle Gorbatchov antes e depois de 195, discutimos no Capitulo 2 as duas principais tendéncias ou orientagdes no dehate so- viético sobre a construcao do socialismo. O debate continuo cenirava-se nesta questo: nas circunsténcias particulares existentes num determinado periodo, como devem os comunistas construir o socialism»? A posigao de esquerda defendia a intensil cacao da luta de classes, os interesses da classe operdria e 0 poder do partido comunista, a posicao de direita defen- dia recuos e comprom: Fidel Castro citado por Andrew Murray, Flashpoint: World War III, Londres, Pluto Press, 1996, 38. . 4 Victor and Elten Perlo, Dynamic Stability: The Soviet Ecomon:y Tous, Muscovo Progress ivblishers, 1980, passim; USSR: 100 Questions uns! answers, Moscovc. 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Ocorreu devido as reformas iniciadas a partir do topo pelo Partido Comunista da Unido Soviética (PCUS) e pelo seu secretério-geral Mikhafl Gorbatchov. Nem é preciso dizer que teria de haver problemas na Unido Soviética; de contrério nao teria surgido a necessidade de reformas. As reformas de Gorbatchov foram uma resposta aos problemas subjacentes. No Capitulo 4 examinaremos os problemas crénicos com que se deparava a sociedade soviética em trés ‘reas: economia, politica e relagGes externas — os quais se tinham agudi- zado por causa de factos ocorridos nos primeiros anos da década de 1980. Porém, uma vez que a morte do doente foi provocada pelo tratamento e nao pela propria doenga, a origem e carécter do tratamento, isto é, a origeme caracter das reformas de Gorbatchov, exigem desde logo a nossa atengao. 25 Partimos G:_ pres «iposis: simples ce que os diagndsticos dos provle- mas sociais, mais ainca de gue dos pr. vlemas médicos, raramente sao objecto de certeza. A definigo e diagndstico dos problemas sociais 10 mesmo modo que 1s medidas de resposta aos problemas, envolvem a »9- litica, ou seist, valores e interesses contlituantes, ¢ isto nao menos na Unido. Soviética ov que nos Estados Unidos. Os estrangeiros pressupunham nor- malmente que, ums vez que a Unido Soviética tinha apenas um partido, o pensamento politico era monolitics: c debate politico inexistente. Isto estava longe de ser verdade. Desde antes da revolugao, 0 Partido Comu- nista soviético continha mais de uma tendéncia ou orientacao. Gorbatchov nao inventou as suas politicas a partir do nada; elas reflectiam antes orien- tagGes no Partido que tinham sido anteriormente representadas em parte por Nikolai Bukharine, Nikita Kruchtch-- e outros. Do mesmo modo que nav surgiram num vacuo politico, as ideias de Gorbatchov 40-pvuco surgiram num vacuo socioeconémico. Isto é, as ideias politicas de Gorbatchov reflectiam interesses sociais e econémicos. Asreformas de Gorbatchov depois de 1986 reflectiam os interesses daque- les que na sociedade soviética tinham interesses na empresa privada e no «mercado livre». Este sector consistia em empresarios e funcionarios do Partido corruptos, cujo némero aumentara nos trinta anos anteriores. Antes de prosseguir, é necesséria uma palavra de esclarecimento. Embora houvesse uma continuidade na abordagem de Bukhdrine, Kruch- tchov e Gorbatchov, os problemas que enfrentaram. « sua base social de apoio e as politicas que defendiam eram diferentes. Por exemplo, na dé- cada de 19200 maior grupo social com interesses na empresa privada era, ‘ocampesinato, que constituia uma classe distinta representando cerca de 80% da populacdo. Em meados da década de 1970, apenas 20% da popu- lagdo trabalhava na agricultura, e na sua maioria estes eram trabalhadores agricolas em quintas do Estado ou em quintas colectivas. Por essa altura © grupo social com interesses na empresa privada eram os pequenos em- presdrios da segunda economia. Tais elementos tinham prosperado sob a Nova Politica Econémica (NEP) dos primeiros anos da década de 1920, diminuiram drasticamente com a colectivizagao da propriedade sob lossif Stéline, voltaram a aparecer com a chamada liberalizacao de Nikita Kruch- tchov, cresceram significativamente com o laxismo de Bréjnev e prolife- taram em flecha com as reformas de Gorbatchov. Outra diferenga: a questo agréria, tZo proeminente na defesa que Bukhérine fez dos kulaks, 26 c em diversas politicas de Keuchtchov. nao figurava de modo destacado no piograma de Gorbatchov. Além disso, os 10s de Gorbatchov na poli- ticaexterma, na liberalizacio cultural, no er: “aquecimento do Partido e nas invcivtivas de mercado atingiram propor.’ < nuncit imaginadas pelos seus precursores. a Na politica da revolugao russa surgiram dois pélos ou tendéncias por- .. ¢ sencedores da revolugao eram duas classes: a classe operéria ea pequcna burguesi::. principalmente o campesinato. Em 1917 aclasse ope- rirla sovietica era pequena, e nas décadas que se seguiram a 1917 dezenas «le milhdes de camponeses foram o material humano que iria formar a nova e-crescente ciasse operdria soviética, Como estas duas classes perduravam, perduravam também as duas tendéncias politicas que reflectiam mais ou menos os interesses de cada uma, Na década de 1920, ambas as tendén- cias aparentemente defendiam a construgao do socialismo. A tendéncia operdria, contudo, favorecia politicas que fortaleciam a classe operéria através da répida construgao da indistria, enfraqueciam as classes proprie- arias através da colectivizago da agricultura, « politics que fortaleciam 0 papel do Partido Comunista, em-particular no pianeamento econémico centralizado. A tendéncia pequeno-burguesa favorecia a construgao lenta do socialismo, mantendo ou incorporando aspectos do capitalismo, por exemplo mantendo a propriedade privada, mercados competitivos e incen- tivos ao lucro, Embora nem todas as ideias politicas encaixassem impe- eavelmente numa ou noutra categoria, estas categorias constituiam os - polos em volta dos quais muitas vezes girava a diversidade. Isto foi evi dente logo muito cedo nos debates sobre a Nova Politica Econémica. _ No final do ano de 1920 e no inicio de 1921, com o pais livre dos invasores estrangeiros, Lenine e os outros lideres da revolugao deslocaram asua atengo da guerra para a paz. Precisavam de substituir as medidas do «comunismo de guerra», em particular a apropriagao forgada de cereais, excedentes, que afastara muitos camponeses. Tinham de enfrentar graves caréncias de combustivel, alimentos e transportes, de revitalizar a indas- triae a producao alimentar, de assegurar a unidade entre operdrios e cam- poneses. Em Marco de 1921, no X Congresso do Partido Bolchevique, Lénine propés 0 que se tomou conhecido como a «Nova Politica Econé- mica»’, Era um «recuo estratégico» *e uma oportunidade de reagrupar € Tangar as fundacOes para uma futura marcha em direcgdo ao socialismo. 2 Sob a NEP. a apropriagao !orgada de cereais aos -ampuneses toi substi- uida por um imposto em espécie. Os camponeses podiam recorrer at comércio livre para vender os seus excedentes e }-..diain existir diversos. outros tipos de empisa capitalista. A ideia era qu. .« NEP encorajasse os camponeses a produzir mais e que 1 Estado pudesse usar 0: impustos sobre « produgo camponesa para revitalizar a indistriv estata! Cedo surgiu 0 debate. Os «esquerdistas» chamaram a NEP uma capitulagao ao capita- lismo que iria condenitr 0 projecto soviético ao fracasso. No outro lads 0 espectro. Lev Tréiski, Gregori Zinéviev, Nikolai Bukhérine ¢ outros pen- saram que a NEP era demasiado branda e defende: am concessdes ainda de maior alcance ao capitalismo. Lénine concordou que a NEP represen- lava um perigo. Significava 0 «comércio irrestrito», afirmou, «e isso sig- nifica regressar ao capitalismon’, Ainda assim, Léninc pensou que 0 Partido podia gerir o perigo limitando o recuo e assegurando 0 seu cara ter temporério. A posigao de Lénine prevaleceu* Quando Lénine morreu, em 1924, a revolucao tomara o po-ler de Es- tado ¢ consolidara a sua posicdo, derrotara os exércitos imperialistas inva- sores € a contra-revolu¢do interna, nacionalizara as indtistrias fundamentais, distribuira a terra aos camponeses ¢ revitalizara a industria e a produgao alimentar. Inicialmente, toda a vanguarda comunista supunha que seria impossivel completar a revolugao socialista num pais atrasado e camponés como a Rissia sem a ocorréncia de revolugdes no Ocidente. Contudo, com aderrota de uma sublevagao dos trabalhadores alemaes em 1923 tornou-se claro que nenhuma revolucao europeia se antevia. Sem poder contar com uma revolugo europeia, que fazer? Trés solugdes foram apresentadas: ade Lev Trotski, a de Nikolai Bukharinc ea de Iossif Staline. Lev Trétski defendia uma tentativa de construir o socialismo inter- namente ao mesmo tempo que se procuraria favorccer a ocorréncia da revolucao socialista no exterior. Internamente, Trétski apelava ao desen- volvimento da industria, a colectivizagao e mecanizacao da agriculturae ao desenvolvimento do planeamento econémico. Antes de mais, contudo, ecom uma estridéncia crescente, Trétski sublinhava a necessidade da re- volugao internacional como a tnica esperanga que a Riissia tinha de esca- par ao que ele considerava ser a degenerago burocrética e a perda de fervor revolucionério. Trétski e a oposicao de esquerda foram definitivamente derrotados no XIV Congresso do Partido, em 1925, que adoptou a via da industrializagao acelerada e da auto-suficiéncia®. 28 Nikolai Bukhdrine repesentava uma solugdo pequeno-burguesa put ‘cavango do socialismo. Barrington Moore sublinhou que, a0 contrario ve Lenine de Trétski e de Staline, Bukhérine nunca wcupou um alto cargo ad- munistrativo com responsabilicades organizativas de grande 1mportancia. Como director do Pravda ¢ tunciondrio da Intemacional Comunista, tratava com «simbolos em vez de homens». Afém disso, como te6ric ». passou aa «extrema-esquerda para a extrema-direita do espectro politico comunista», Em meados da década de 1920, Bukhdrine acreditava que a Rissia nao podia saltar sobre a fase do capitalisino ou mesmo percorré-la rapidamente. Como afirmou Moore, as posigdes de Bukharine «assemelhavam-se fortemente as perspectivas gradualistas da social-democracia ocidental». Ele amenizou ideia da luta de classes até chegar & ideia de uma competigdo pacifica entre 1pos de interesse rivais, entre a inclustria estatal e a industria privada, entre as quintas cooperativas as quintas privadas, na qual o primeiro elemento revelaria gradualmente a sua superioridade. Ao passo que Lénine, ocriador da Nova Politica Econémica, a encarara abertamente como um recuo, Bukhérine encarava a NEP como a via para 0 socialismo. Teria continuado aNova Poliica Econémicae permitido ou até encorajado a empresa privada, particularmente entre os kulaks. Bukhérine opunha-se a industrializagio acelerada, & colectivizagao da agriculturae a qualquer coergao exercida sobre or camponeses. Ao invés, afirmou que se devia dar aos camponeses 0 que estes queriam e propés uma palavra de ordem para os mesmos: «Enrique- cei.» Numa espécie de imitagao palida da va esperanga que Trotski deposi- tava na ocorréncia de revolugées socialistas no estrangeiro, Bukhdrine procurou granjear & Unido Soviética o apoio de grupos nao comunistas es- trangeiros, esperangas que foram estilhagadas, nos anos de 1926-1927, a0 nao conseguir ganhar 0 apoio dos sindicalistas britanicos, dos sociais-demo- cratas alemies e dos nacionalistas chineses. Bukhdrine e a oposigao de di- ‘eita foram rejeitados pelo XV Congresso do Partido, em 1927, que adoptou uma politica de promogao da colectivizagao da agricultura . (Sessenta anos ais tarde, Gorbatchov leu uma biografia de Bukhédrine pelo historiador ‘Stephen F. Cohen. De acordo com um conselheiro préximo de Gorbatchov, Anatoli Tchemiéey, foi eto que Gorbatchov decidiu reabilitar Bukhérine, areavatiagao de Bukhdrine «abriu as comportas para a reconsideracao de toda a nossa ideologia» "',) No decurso dos debates com Trotski e Bukharine, Stéline desenvol- veu a sua prépria solugo para o avango do socialismo. Esta tinha quatro 29 cumponentes principais. Em ,~smeivo lugar estava a ideia de que 0 socia- lismo podia ser construid. nutn Gnico pais, « reiterayas> da ideia de | ni em 1915, de que «a vit6r :. do socialism» era possivel «mesmo num tinico pafs capitalista» , Na decada de 192: Staline transfo: mou esta ideia num. pruyrama, Stéline defendeu que a Unido Soviética podia avangar na direc- 40 do socialismo sem que ocorresse um revolucao no Ocidente, sem a ajuda de aliados ndo comunists’ no estrangeiro e sem passar pelo capita- lismo desenvolvido, desde qu: «pais .c industrializasse rapidamente. Esta era a segunda componente. A industnalizacao exigia financiamento. Uma vez. que 0 autofinanciamento ¢: induistria seria lento e o financiamento através do investimento estrangeiro era impossivel, o crescimento da in- dustria teria de ser financiado através do aumento do produto agricola. Portanto, a industrializagao répida exigia o desenvolvimento de ouintas coiectivas de grande escala utilizando a produgao mecanizada. Lista era a terceira componente. A coordenayo :‘« crescimento industrial e da produ- ¢40 agricola exigiam o planeamento centralizado, a quarta componente ". Ohistoriador britanico E. H. Carr chamou a esta formulagao do problema ¢ da sua solugdo uma prova do «génio politico de Stéline». Com estas idcias, Sidline derrotou primeiro Trétski e depois Bukharine. Além disso, como apontou Carr, Stiline salvou a revolugao: «Mais de dez anos depois da revolugao de Lénine, Staline fez uma segunda revolugao sem a qual a revolugao de Lénine se teria afundado na areia. Neste sentido, Staline con- tinuou e realizou o lenini-mo.»'* Sob as diferengas de politica entre Stéline e Bukhérine residiam di- ferengas mais fundamentais. Bukharine pensava que a luta de classes s6 era necessdria até ao estabelecinnento da ditadura do proletariado. Embora Stdline nao defendesse (como muitos afirmaram) que a luta de classes em geral se intensificava 4 medida que o socialismo se desenvolvia, de facto afirmou que a luta de classes se intensificaria especificamente & medida que © pais passasse da NEP & colectivizacao '°. Bukhdrine via as concessoes da NEP aos camponeses, o mercado e o capitalismo como uma politica de longo prazo; Stdline via-as como expedientes tempordrios que a revolu- 40 tinha de rejeitar assim que pudesse. Durante a crise dos cereais de 1927-1928, Bukhérine queria confiar no mercado livre e encorajar os cam- poneses a produzir mais cereal oferecendo-lhes mais bens de consumo. Mesmo com a ameaga da guerra iminente, Bukhérine opunhe-se a acele- rar a industrializagao se isto implicasse afectar adversamente os campo- 30 neses. Para Staline, a guerra iminente fornecia uma raziv adiciunal para acclerar a industrial mesmo se para a financist foxse necessdrio conliscar excedentes aos camponeses. ¢ referiu-se a Bukhdrine come um do. «tilésofos camponeses. As diferencas entre B.:khérine e Staline permeavam outras questoes lem da econonuia politica, em parti€@lar a questao nacional Uma das caracteristivas mais salientes na abordagem da questac :sacional por Lé- tainc ¢ Stéline foi a aten¢do considerdvel que ambos lhe dedicaram. Lénine nas dv livros em diversas linguas acerca da historia e problemas dos varios grupos nacionais. preparou centenas de paginas de notas e re- digiu pelo menos doze discursos importantes, relat6rios ou partes de livros sobre esta questao '’. Lénine introduziu refinamentos onginais na teoria imarxista no que respeita a importancia das lutas de libertacdo nacional ¢ ao dircito das nagdes & autodeterminacao '*. Também Stdline dedicou uma atengo considerdvel 8 questo nacional, acerca da qual escreveu nume- rosos discursos ¢ relatérios '°. Além disso, depois da revolugao Sidline foi Comissdrio do Povo das Nacionalidades e tratou de numerosos problemas nacionais dificeis, acerca dos quais ele ¢ |énine ocasionalmente discor- davam. Sob a chefia de Lénine, Stéline presidiu a criagao da Uniao das Repuiblicas Socialistas Soviéticas em 1922 ¢ a diversas modificacdes na Unido, que veio a abranger quinze repiiblicas e um grande nimero de re- gides auténomas. Durante as trés décadas da lideranga de Staline, a Unido Soviética também usou a riquezae o saber técnico da republica russa, mais avangada, para desenvolver a indiistria, mecanizar a agricultura e elevar 0 nivel educativo e cultural das repiiblicas periféricas. Estas politicas trou- xeram a libertacao e o progresso aqueles que tinham sido sistematicamente oprimidos no que Lénine denominou a «prisio dos povos» tsarista®. Nada disto quer dizer que Lénine e Stdline resolveram todos os problemas. De facto, na medida em que a industrializacao implicou inundar de cida- dios russos algumas das repiiblicas periféricas e poluir alguns dos seus cursos de 4gua, as politicas de Stdline ¢ dos seus sucessores criaram no- ‘Vos ressentimentos nacionais. Ainda assim, a atenco que Lénine e Stéline dedicaram a questao nacional contrastava acentuadamente com a relativa negligéncia de Bukhérine, Kruchtchov e Gorbatchov. A importancia dfspar que as duas tendéncias atribuiam & questéo nacional reflectia uma diferenca mais profunda. Tal como com a econo- mia politica, o que distinguia as tendéncias de esquerda e direita girava a 31 volta da luta, Piss Lénine para Stéline, os comunistas tinham d contar © nacionalismo como uma importat.«: varidvel independente na c...agd0 revolucionéria. A revolucao proletérva enfrentaria o maior dos perigos se ignorasse a importancia das aspiracées nacionais dos povos oprimidos ou 0 perigo do chauvinismo de grande poténcia e do estreito nacionalismo pequeno-burgisés. Entre 1914 ¢ 1919 ocorreu uma discussao de sande importancia entre Lénine c Bukhdrine precisamente sobre esta questo. Bukhérine rejeitava os apelos ao nacionalismo como nao classistas € nao marxistas, e consequentcmente foi incapaz de prever o crescimento dos movimentos de libertagao nacional depois da Primeira Guerra Mundial. Pelo contrério. Lénine defendia que » nacionalismo nos territ6rios colo- niais ¢ nao coloniais tinha potencial revolucionério e que se os revolucio- nérios socialistas lutassem sinceramente pela autodeterminagao, os nacionalistas maioritariamente camponeses das nagdes oprimidas junta- riam as suas forgas a revolucao proletaria. Stephen F. Cohen, bidgrafo de Bukhérine, afirmou: «A incapacidade de Bukhérine de ver o nacionalismo anti-imperialista como forga revolucionéria foi o defeito mais gritante no seu tratamento original do imperialismo.»”' O facto de a revolucao russa ter conseguido ganhar o apoio das nagdes oprimidas no império tsarista veio dar razio a abordagem de Lénine e mudou mesmo a opinio de Bukhrine Durante a NEP, Staline enfrentou um problema diferente daquele que Lénine enfrentara antes de 1919. A NEP encorajou o desenvolvimento de pequenos capitalistas, ou aquilo a que Stéline chamaya as «camadas mé- dias», compostas pelo campesinato e pela «pequena populagao labv :0sa das cidades». Estas camadas médias constitufam nove décimos ¢:, »opu- ago das «nacionalidades oprimidas» e eram particularmente susceptiveis aos apelos nacionalistas. O desenvolvimento do nacionalismo nestas ca- madas constituia uma ameaga real a consolidagao da ditadura proletéria, cuja base estava «principalmente e antes de mais nas regides centrais, in- dustriais». Consequentemente, Stéline apelou a uma luta contra «as ten- déncias naciona: stas que se esto a desenvolver e a tomar mais acentuadas em ligaco com a Nova Politica Econémica». A principal oposigao a Sté- line neste ponto veio de Bukhdrine, que em 1919 dera uma reviravolta, pas- sando da oposigo a defesa da autodeterminacao. Em 1923, Bukhérine nao s6 apoiava a NEP e 0s pequenos capitalistas por ela criados como também defendia uma abordagem de nao intervengao face ao crescente naciona- 32 Jismo desta classe. Stéline gotou que Bukhdrine passara de um extremoa outro, de negar » autodeterminagao a apoid la unilateralmente .O que permaneceu igual, contudo, foi aincapa-idade de Bukhérine de conceder importanci. suficiente ao nacionalismo, «: sua :ncapacidade de avaliar quer ‘seu puit:icial apoio, quer o seu o potencial perigo. para a revolugao ea cua reluténcia em combater os naciondfistas que se opunham ao desenvol- vimento socialista. Std!2 contribuiu muito para a criagdo de um Estado multinacio- nal justo « vidvel, mas as suas politicas tiveram também um lado plematico. Durante a Segunda Guerra Mundial, na sua determinagio de inibir o nacionalismo estreito entre os elementos retrégrados da peri- feria, Stéline deslocou populagées inteiras, atacou 0s judeus como «cos. mopolitas desenraizados» deu aos russos « dominio do Partido e do Estado’. Desde meados da década de 1930 até a morte de Stéline, em 1953, as politicas de colectivizagao forgada, de industrializagao r4pida.e planea- mento centralizado através de uma série de planos quinquenais predomi- naram con pletamente. Certamente que o julyamento e execugao de Bukhérine c de outros lideres e o encarceramento de dezenas de milhares de comunistas de base, muitos dos quais estavam inocentes de qualquer transgressao, tiveram muito a ver com a rclativa reticéncia da oposigoem. fazer-se ouvir. Seria errado, contudo, presum’ ue Stéline eliminou toda adiversidade de pensamento ou que s6 a repressao explicava o predomi- nio das concepgées de Staline. A aceitagan gen-ralizada da abordagem de Stéline & construcdo do socialismo resultou principalmente do seu éxito evidente em, num curto perfodo de tempo, conduzir a Uniao Soviética do atraso semifeudal para as primeiras filas das nagGes industrializadas. Bahman Azad fornece um breve sumério do que foi alcancado. Nos primeiros dois planos quinquenais, a produgao industrial cresceu a uma taxa anual média de 11%. De 1928 a 1940, o sector industrial cres- ceu de 28% para 45% da economia. Entre 1928 e 1937, a parte da indtis- tria pesada no total da produgdo industrial cresceu de 31% para 63%. A taxa de analfabetismo caiu de 56% para 20%. Disparou o ntimero de alu- fos a concluir cursos na escola secundaria, em escolas especializadas e nas universidades. Além disso, durante este periodo 0 Estado comegou a asse- gurar educacao gratuita, servigos de saide e seguranga social gratuitos, e depois de.1936 0 Estado atribuiu subsfdios a maes solteiras e a maes com 33 muitos filhos Estas realizagdes, como Azo observa, foram «impressio- nantes ¢ sistoricamente inéditas» Z {Entre 1941 ¢ 1953 a Unido Sovivtica derrotou a Alemanha fascista “Srecornds-se da devastagao da guerr... Em 1°48 o produto industrial total excedis “de i840.eem 1952 exceder ode 140 em duas vezes e meia’® A Unis Soviétuica desenvolveu uma bomba atém:-ae levou 0 Ocidente um empate ne guerra-fria. Havia reconhecidamente problemas, em pas- ticular acentuavas caréncias agricolas, e mesmo as realizagées custaram um certo prego em termes de vidas, de padrées de vida, de democracia socialista € de direc o colectiva, mas apesar disso aconteceram. E impossivel compreender a divergéncia entre as politicas de Nikita ‘chov e as de Stéline sem avaliar a persisténcia da diversidade e do deb: ideolégicos no Partido. Uin pedaco f...cinante da hist6ria do PCUS foi a luta entre Gueorgui Malenkov e Andrei Jdénov depois da Segunda Guerra Mundial. Ambos tinham credenciais revolucionérias impecaveis. Antes da guerra, Jdinov liderara o trabalho ideolégico do Partido e durante a guerra estivera & frente da herdica resisténcia de Leninegrado ao cerco alemao. Malenkov desempenhou um napel igualmente importante em tempo de guerra. Como membro do Comité de Defesa do Estado encar- regado do pais, Malenkov era responsavel pelos funciondrios e pelas ope- rages do Partido e do governo. No final da guerra, embora discordassem acerca das perspectivas ¢ prioridades do pés-guerra, Jdénov e Malenkov emergiram como os dois principais adjuntos de Stéline. Jdénov entendia que as promissoras perspectivas de paz internacional deviam reger as po- Iiticas do Partido, Ganhar a guerra exigira ce se desse prioridade a pro- dugao ¢ ao saber técnico, mas com uma pa-. duradoura em perspectiva, Jdanov entendia que o Partido devia dar prioridade a ideologia. Além disso, © Partido devia enfatizar a elevacao dos niveis de vida e o aumento dos bens de consumo. Em 1946 e 1947, por exemplo, Jdénov e os seus alia- dos lancaram uma campanha contra as debilidades ideol6gicas na litera- turae na cultura e uma campanha contra a «agricultura privada». Um dos alvos de Jdénov era Nikita Kruchtchov, 0 lider do Partido na Ucrania, quem Jdénov ¢ os seus apoiantes acusavam de laxismo na admissio de novos membros no Partido e de erros «nacionalistas burgueses» a prop6- sito das hist6rias da Ucrania publicadas durante o seu governo. Em contraste, Malenkov acreditava que os perigos internacionais continuavam a ser reais e que as prioridades do partido tinham de continuar 34 sero desem olvirnento ddinduistria basica e da forga militar. A crenca de Malenkov ria priondade do desenvolvimento industrial colocava-o mente ao lado de Stéline e contra Bukhdrine. (Quando mais tarde Kru - tchov fez eco das prioridades de Jdénov quanto ao aumento dos bens Je consumo e a elev is dos niveis de vida. Malenkov continuou a defender a primazia do desenvolvimento industrial.) Em 1946 Stéline alinhou com Idénov, mas em {447, depois de a Doutrina Truman e 0 Plano Marsal assinalarem o rumo anu-soviético agressivo da politica externa norte- ‘line concordou com Malenkov. Em 1948 Jdénov morreu, os seus aliados mais préximos foram despromovidos e dois deles foram julgados por traigdo ¢ executados *. A politica de fortalecimento da indiis- tria e do sector militar continuou a ter a primazia. A luta entre Jldnov Malenkov mostrou que mesmo no tempo de Stéline, persistiram ao mais alto nivel sérias diferengas politicas, acerca da direcgao do socialisme.¢ elas assemelhavan. se a polaridades e tendéncias anteriores ””. Com a morte de Stéline, em 1953, continuaram as lutas politicas acerca da direceao do socialismo. A principio Kruchtchov tomou-se o li- der do Partido e Malenkav o lider do governo. A direccao colectiva do Partido concordou na necessidade de abandonar a repressao de Stéline de elevar 0 nivel de vida da populacao. Todo o praesidium do Partido se juntou a Kruchtchov num plano secreto para prender e destituir Lavrenti Béria, o chefe da policia secreta, que aspirava a posigao de topo do Par- tido depois da morte de Stdline € cujo nome se tornara sindnimo de repres- sio excessiva. O Comité Central comegou também a libertar e reabilitar alguns dos que tinham sido presos por delitos politicos, em particular vi- timas recentes, como por exemplo membros da chamada «conspiragio dos médicos», um grupo de médicos acusados de conspirar contra a sade de Stéline. O Comité Central formou também uma comissao com o fim de analisar a repressdo passada, a sua magnitude e 0 grau em que fora ou nio justificada® Emm 1956 a unidade dos dirigentes de topo sogobrou a propésito da forma como Kruchtchov tratou a repressao ocorrida no tempo de Stéline. A meia-noite do tiltimo dia do XX Congresso, em Fevereiro de 1956, Kruchtchov pronunciou um «discurso secreto», uma condena¢ao, com a durago de quatro horas, do «culto da personalidade» de Stéline e do en- carceramento, tortura e execugao de milhares de pessoas inocentes, in- cluindo membros leais do Partido. Embora o Comité Central tenha votado ee a favor de qu: este discurso fosse lidv er eunides do Partido em todo 0 pais, alguns , .embros do mesmo opusersm-se_Viatcheslav Mélotor, Gueorgui Mienkov. Lazar Kagénovitch, K. E. Vorochilov entenderam que Kruchtcho: aoptara uma abordagem ¢quili‘-rada que nem atribua mérito a State petas suas contribuigde: ;- sitivas nem reconhecia a legi- limidade de alguma repressio. As suas aj ensiics reforgaram-se e alar- garam-se a ouiros com as sublevagdes na At: manha de Leste e na Hungria, que o discurso aparentemente despoletou. Fm funho o Comité C- ntral revelou uma oposigao crescente & abordageni de Kruchtchov quando apro- vou uma resolugao que reconhecia as realizagécs de Stéline ao mesmo tempo que condenava 0 scu abuso do poder *°. Subsequentemente 0 pré- prio Kruchtchov apresentou uma perspectiva mais equanime de Stéline chegando a atirmar aos seus opositores na vireccao: «Todos juntos nao va Jesnos a merda de Stéline.»*' Contudo, cedo surgiu oposigao a Kruchtches a propésito de outras questdes. Altamente impulsive e por vezes inconsequente, Kruchtchoy repre: sentava uma abordagem da construcio do socialismo que se assemelhava amitide a Bukhdrine e Jdénov e prefiyurava Gorbatchov. Esta abordagem atravessava todo o espectro de questdes, desde a ideologia & agricultura, negécios estrangeiros, economia, cultura, actividade do Partido. Embora seja importante reconhecer a cont:nuidade de certas ideias na historia do PCUS, é abvio que o valor de qualquer politica particular dependia do scu éxito em defender ou fazer avangar o socialismo num tempo e circunstan- cias particulares. Quase todos concordari:m, por exemplo, que a promo- ¢40 por Kruchtchov da ideia de coexisténcia pacifica e a redugao das forcas militares terrestres soviéticas constituiram politicas apropriadas ¢ bem- -sucedidas, independentemente da sua linhagem. Outras das suas ideias eram mais duvidesas. Antes de Kruchtchov ter consolidado a sua posi¢o no Partido, em 1957, Mélotov c outros opuseram-se ao principal eixo das suas politicas,e em 1964, depois de forgar Kruchtchov a retirar-se, o Par- tido inverteu muitas das suas iniciativas. Contudo, as ideias de Kruchtchov nao desapareceram inteiramente e viriam a florescer de novo com Gor- batchov. O melhor mado de entender as diferengas entre 0 eixo das politicas de Kruchtchov e o das dos seus criticos, como Molotov (como também das politicas de Gorbatchov e dos seus criticos, como legor Ligatchov), era ve- -las como polaridades, mesmo que na pratica as diferengas se reduzissem 36 por vezes a questdes de énfass. Por exemplo, Kruchtchuy acreditava nun cam:nho rapido e fcil para 0 comunismo. ao paso que Os seus criticoy prevram uma via mais extensa e dificil. Kruchtchov procurava um «alivia: da competi. com os BUA e os seus aliados no p10 externa e, no plan: interno, a «distensdo politica» e um «compnism -z consumo», Os seu siticos viam uma continuagao da luta de classes no exterior e a necessi- dade de vigilancia e disciplina internamente. Kruchtchov via em Staline mais a condenar do que a louvar; Mélotov ¢ outros viam mais a louvar do que a condenar. Kruchtchov favorecia a incorporago no socialismo de um leque de ideias capitalistas ou ocidentais, incluindo mecanismos de mer cado, descentralizagao, «lguma produyao privada, um intenso recurso aos fertilizantes € ao cultivo de milho, investimento crescente em bens de con-, sumo. Mélotov favorecia um planeamento centralizado melhorado ¢ pro- priedade socializada e a continuagao do desenvolvimento industrial. Kruchtchov favorecia um alargamento da ideia de ditadura do proletariado edo papel de vanguarda proletéria do Partido Comunista de modo acolo- car outros sectores di popt:lagao em pé de igualdade com os operiirios; os seus criticos discordavam. Kruchtchov nasceu numa familia camponesa, ¢ entre 1938 ¢ 1949 foi secretério do Partido na Ucrania, onde se tormou uma autoridade em ques tes agricolas e apoiou, sob 0 governo de Stéline, a subordinagao da agri- cultura & industrializacao do pais. O Partido censurara a lideranga de Kruchtchov na Ucrania (com o que Staline concordou) por admitir no Partido demasiadas pessoas, sobretudo camponeses, por ser demasiado permissivo com os critérios de exigéncia do Partido e por tolerar um nacio- nalismo ucrani:no estreito °. Mesmo depois de se mudar para Moscovo, onde se tomnou secretario local do Partido em 1949, Kruchtchov manteve as suas ligagdes com a agricultura e, na qualidade de chefe da politica agricola nacional, era 0 nico membro do Politburo de Stéline que visitava frequentemente o campo “. Depois de 1954, as suas politicas agricolas de- sempenhariam um papel proeminente no crescente debate no Partido. Em 1953, Kruchtchov deu inicio a um conjunto de politicas que se mostraram problematicas quer ideologicamente quer do ponto de vista pratico. Kruchtchov encorajou o pais a olhar para o Ocidente nao apenas como uma fonte de novos métodos de produgao mas como uma bitola de comparago para as realizagdes soviéticas. Também deslocou recursos da inddstria para a agricultura. Para encorajar a producao agricola, Kruch- > tchov regressou a medic.:s do tipo da NEP. Reduziu os impostos sobre os lotes individuais, eliminou os ..npostos sobre gado particular e encorajou os habitantes das aldeias © vil: a criar, em reginie de propriedade privada, uma maior quantidad. de vacas, porcos, gaiii...as e a cultivar hortas pri- vadas. Kruchtchov avancou tambcm com ums discussao para aumentar a produgdo agricola da noite para o dia. Em Junciro de 1954 propés uma campanha nacional para cultivar milhdes de hectares das chamadas «ter- ras virgens», sobretudo na Sibéria e no Cazaquistdo. Nesse ano aderiram Acampanha das terras virgens 300 000 voluntérios e foram lavrados 13 mi- Thdes de hectares de terra nova. O esforgo do ano seguinte adicionou outros 14 milhdes de hectares de terra cultivada “. Kruchtchov deu também uma nova énfase a elevagao dos niveis de vida. Apés as privagdes da guerra, ninguém se opunha a clevar os niveis, de vida. A questau era como fazé-lo e a que prego. Para os seus oposito- res, a abordagem de Kruchtchov tinha dois problemas. Em primeiro lugar, requeria uma deslocagao das prioridades de investimento da inddstria pesada para a indtistria ligeira e os bens de consumo. Durante o primeiro ano de Kruchtchov como secretdrio-geral, o investimento na industria pesada excedeu o investimento em bens de consumo em apenas 20%, por comparaco aos 70% antes da guerra ®, Esta deslocicao das prioridades ia contra 0 aviso dado por Stéline em 1952 de que «deixar de dar prima- ia produgao dos meios de produgao» iria «destruir a possibilidade daex- pansdo continua da nossa economia naciunal»"”. A longo prazo,amudanga de prioridades subverteria o objectivo de ultrapassar o Ocidente que 0 proprio Kruchtchov indicara. Em segundo lugar, os opositores de Kruch- tchov pensavam que a sua énfase colocava a Unido Soviética em compe- tigdo com os Estados Unidos e a Europa Ocidental a respeito dos bens de consumo, uma corrida que a Unido Soviética nao podiae provavelmente nao devia ganhar. O comunista alemao Hans Holz afirmou posteriormente que reduzir 0s objectivos socialistas 4 competi¢o material com o capita- lismo era ceder «terreno ideol6gico»”®. O objectivo de alcangar e ultrapas- sar o Ocidente em cinco ou dez anos resultou num «estimulo de necéssidades apetites orientados em tomo de um estilo ocidental de consumo» ®.O slogan incitava a populagao soviética para a perspectiva de que a «competi¢ao entre sistemas sociais no era acerca dos objectivos da vida, mas acerca dos nfyeis de consumo» “. De um modo mais simples, Mélotov afirmou: «O kruchtchovismo ¢ 0 espirito burgués!» “' 38 Cee oi cone Molotov € outros membros do Praesidium (como era ento conhe- erdo Politburo; opunham-se as politicas de Kruchtchov em toda a linha: 1.0 tratamento da desestalinizagao, na reducao de énfase na luta de classe-. (nfvel ntermacional, no enco:ajament: da »rodugi:- agricola privada, na iniciativa das‘ ~as virgens, na descentrajiza. «: da industria e na viragem da industria pesada para a inddstria ligeira* . Por exemplo, Mélotov outros pensavam que, por causa do ctima problematico e da falta de infra- ruturas nas lerras virgens. o cultivo em larga escala era um convite ao desasire e que 0 pais podia usar mais proveitosamente os scus recursos para aumentar a produgao em dreas jé cultivadas. A oposi¢a0 upoiava algumas medidas para methorar o nivel de vida mas ndo uma mudanca abrupta das prioridades. A u>osi¢ao a Kruchtchov cresceu ao longo de um par de anos ¢ foi entdo impelida a entrar em acco por dois acontecimentos em Maio de 1957. O primeiro foi a decisao de Kruchtchov de descentralizar a in- duistria ”. O segundo foi um discurso em que Kruchtchov incitou a um «es- pectacular salto em frente» na produgio de leite, carne e manteiga, de modo a ultrapassar 0 Ocidente em trés ou quatro anus “. Isto tomou-se parte da crenga de Kruchtchov de que a Unido Sovietica podia, nas pala- vras do seu neto, «correr para o comunismo», uma ideia que mais tarde até Kruchtchov considerou um «conceito incorrecto» Durante uma reuniao de quatro dias do Prdesidium, de 18 a 21 de Junho de 1957, e uma reuniao do Comité Central que se seguiu de ime- diato, ocorreu um confronto decisivo entre Kruchtchov ea oposi¢ao. Como preltidio a tentativa de conseguir o afastamento de Kruchtchov do cargo de secretério-geral, a oposigo atacou as suas politicas econémicas, em particular as suas politicas agricolas e a sua ideia de descentralizar a pla- nificago estatal **. Molotov e outros opuseram-se a mudanga das priori- dades de investimento da indistria para a agricultura, a precipitagao para alcangar 0 Ocidente em bens de consumo, ao desbravamento das terras virgens, ao afrouxamento das restriges agricolas, a descentralizagao da tomada de decisdes econémicas. Na sua perspectiva, as politicas de Kruch- tchov estavam fundamentalmente erradas ¢ levariam a ruptura econémica. Molotov chamou ao programa das terras virgens uma «aventura» e afir- mou que desviaria recursos da industrializaca0. Malenkov argumentou que 0 objectivo devia ser ultrapassar 0 Ocidente em aco, ferro, carvao e pe- tr6leo, no em bens de consumo. «Nés, marxistas», afirmou Malenkov, «estamos habituados a comegar com a industrializagao.» Chamou a0 bey programa de Kruchtchov um «desvio direitista camponé:», uma medida «opertunistan que faria com que a populacdo soviética se interessasse mens pela industrializagao répida”. A opusicao detinha uma maioria de sete para tr com ui neutro) no Praesidium. Contudo, quando correram rumores ai «/ninente rejei¢o de Kruchichov os membros moscovitas do Comité Ceiiral (muitos dos quais tinham sido promovidos por Kruchtchov) cercaram 0 Pracsidiume exigiram a convocagao do Comité Central. Durante seis dias decorreu uma reunido do Comité Central organizada a pressa, que terminou com 0 apoio a Kruchtchov e a expulsao de Mélotov, Malenkov e Kaganovitch do Comité Central ¢ do Praesidium *. Depois de derrotar 0 que chamou eoposigiio antipartido», Kruch- tchov governou sem resisténcia séria nos sete anos seguintes. Duas coisas sobressafram no percurso de Kruchtchov durante este periodo. Em pri- meiro lugar, apesar de alguma hesitagao, Kruchtchov seguiu uma linha de acco interna cujos elementos principais consistiram em cortes nos gas- tos militares, ataques a Stéline, descentralizagao da planificagao, desman- telamento das centrais estatais de tractores, imitacao de métodos agricolas norte-americanos, cultivo de terras virgens, promogao de bens de con- sumo, alguma liberalizagao das restrigGes intelectuais ¢ culturais, uma desacentuago ideolégica da luta de classes, da ditadura do proletariado, do partido de vanguarda. Em segundo lugar, todas as principais politicas internas de Kruchtchov se mostraram incapazes de surtir os efeitos dese- jados. Como afirmou o seu biégrafo William Taubman: «Demasiadas vezes, Kruchtchov tornou uma situagao mé ainda pior.»® No XXII Congresso, em 1961, Kruchtchov voltou com renovada intensidade ao seu ataque a Staline. Dois aspectos do anti-stalinismo de Kruchtchov prefiguravam Gorbatchov. Em primeiro lugar, o tratamento que Kruchtchov deu de Staline foi exagerado, unilateral ¢ incompleto. Em segundo lugar, a deniincia de Stéline servia fins politicamente faccio- 0s. Muito se podia dizer acerca das distorgdes do tratamento que Kruch- tchov deu de Staline. Por exemplo, Kruchtchov deu a entender que Stéline surgiu subitamente em cena em 1924, quando na verdade Stéline tinha cre- denciais revolucionérias sdlidas, que remontavam ao seu trabalho politico entre os trabalhadores ferrovidrios da Geérgia em 1898. Kruchtchov citou o chamado «testamento» de Lénine criticando a rudeza de St4line, mas ignorou o elogio que Lénine fez de Stéline como lider notdvel. Em 1956 40 Kruchtchov concentrou-sé na alegada repressao de Stéline sobre lideres de Partido e afirmou que n-=tade dos delegados ao XVII Congressoe 70% do Comité Central foram mortos. Ken Cameron, bidgrafo de Staline, con- cluiu que é «dificil acreditar que os nimeros de Kruchtchov estao correc- ios» ®, (U'sando 08 arquivos soviéticos gecentemente abertos, 0s estudiosos determinaram o nlimero total de execugdes de 1921 a 1953 em 799 455, muito abaixo dos milhées estimados por Robert Conquest, Roi Medvédev eoutros académicos anti-soviéticos !.) Além disso, Kruchtchov ignorou os indicios de sabotagem que serviram como ravdo aparente para a repres- sao. Kruchtchov acusou Stdline de estratégia militar errénca c de liderang ditatorial durante a Segunda Guerra Mundial, amhas negadas pelo emi- nente general soviético, Gucorgui Jiikov. Mais importante, Kruchtchov no instigou a um tratamento exaustivo, diligente e equilibrado de Stéline. Ao invés, excluiu Staline da histéria soviética, e a discussao do seu papel mais ou menos parou *. Consequentemente, Kruchtchov deixou a histéria, nas palavras de legor Ligatchov, com «demasiados espagos em branco» ®, Além das suas deficiéncias histéricas, 0 ataque de Kruchtchov a Sté- line servia tins sectérios. Tendo forjado uma imagem monstruosamente distorcida de Staline, Kruchtchov passou a acusar 0 que nao aderiram & dentincia de pretender recuperar os métodos de Staline. Em 1961, Kruch- tchov ligou explicitamente o seu ataque a Staline aos crimes dos seus opositores, a quem chamou um «grupo de facciosos liderados por Mélotov, Kaganovitch e Malenkov». Kruchtchov afirmou que eles «resistiram a tudo o que era novo e tentaram recuperar os métodos perniciosos que im- perzram durante 0 culto da personalidade»#. Embora Mélotov e 0s outros ‘se opusessem as politicas de Kruchtchov e ao tratamento unilateral de Sté- line, nao defendiam um regresso a repressao de Staline. Tal como os an- ticomunistas usam 0 «stalinismo» para atacar os comunistas, também Kruchtchov empregou a ideia, se nao o termo, para difamar os seus opo- sitores. O tratamento de Stéline por Kruchtchov preparou o cenario para Gorbatchov. Gorbatchov capitalizaria o desejo de encher os espacos em branco da hist6ria deixados pelo tratamento incompleto de Kruchtchov. Além disso, Gorbatchov abriria a porta a ainda mais ataques unilaterais a Stéline do que os que tinham ocorrido no tempo de Kruchtchov. Por fim, como 0 seu antecessor, Gorbatchov viria a usar astuciosamente os ataques a Stéline para combater os que no se juntavam ao coro e para minar os que 41 se opunham as suas politicas. Em }988. durante o caso Nina Andréeva (ver 0 Cznituie 5), Gorbatchov fez-se eco de Kruchtchov ao acusar 0s seus opontore: de pretender recuperar os inctdos stalinistas. Naua era mais caracteristico da at::tagem da construgav: do socia- isn por Kruchtchov do que a crenga de que existiam solucée: rapidas e faceis. Este crenga estava subjacente as politicas que no espaco de uma década conduziram a agnicultura soviétic: ao limiar do caos. A campanha das terras virgens constituia o centro destas iniviativas. Com a durago de dez.:unos, esta campanha acarretou o envio de dezenas de milhares de trac- tores ¢ ceifeiras-debulhadoras e de centenas de milhar de voluntarios para lavrar uma area que acabou por equivaler a superficie da Franca, Alemanha, Ocidental c Inglaterra somadas. No primeiro ano da campanha, a produ: do de grao cresceu cerca de 10 milhdes de toneladas, mas o aumento foi largamente devido a maiores produces nas terras nao virgens. No ano a seguir ocorrcu uina seca e a produgao foi globalmente afectada. No ano se- guintc, em 1956, acampanha assinalou um triunfo, pois as terras virgens, apresentaram uma produgio excepcional, forriecendo metade de todo 0 gro soviético, ainda que muito se tivesse perdido por causa da escassez de equipamento de colheita, armazenagem e transporte do produto: Em nenhum dos anos subsequentes a colhvita igualou ade 1956. Em 1957, a colheita foi 40% inferior 4 de 1456, em 1958 foi 8% menor e nos anos seguintes ainda menor, até 196. «1964. quando a colheita foi uma ruina total. Na sua monografia sobre « campanha das terras virgens, Gerald: Meyer afirmou que o fracasso da campanha se deveu ao facto de Kruch- ichov ter sobrestimado as vantagens of: :ecidas pelas condigdes naturais’ e ter subestimado os custos. Uma époc:: de crescimento curta, precipita- do insuficiente e mal distribufda, ventos fortes e pratica insuficiente do pousio nas terras virgens resultaram em secas frequentes, erosdo em larga escala, fertilidade decrescente e custos elevados °*. Como politica, acam- panha das terras virgens foi um desastre. ‘Trés outras iniciativas agricolas de Kruchtchov produziram também resultados indesejaveis. Duas brotaram da crenga de Kruchtchov de que a emulacdo de praticas ocidentais seria seguida de aumentos rapidos e Féceis da produgdo. A campanha do milho assentava na ideia de elevar a produgo pecudria seguindo a prética americana de cultivar milho para ragdo. A campanha antipousio implicou encorajar 0 uso de adubos qui- micos em vez da rotago de colheitas ou da pritica de deixar os terrenos 42 em pousiv. Ambas as campanhas ignoraram a realidade das condiyoes naturais ¢ outras na Unido Sovie..ca e nunca se aproximarain ua pa:isceia que Kruchtchov imaginara % Atci-eira iniciativa, uma das mais extremas durante todo o tempo de Krucihov. implicou 0 desmantelamgnto das ceatrais de maquiniaria etractores, genidas pelo Estado. que forneciam tractores e outras pegiss de maquinaria as quintas colectivas. As quintas colectivas, que tinham con- tado com as centrais de tractores, tiveram subitamente de comprar e manter seu proprio equipamento agricola. Ideologicamente, a medida de Kruch- tchov representou um reptidio di ultima afirmagao de Staline sobre a eco- nomia soviética. Staline afirmara que a direcgao do desenvolvimento soviético devia ser a do fortaiccimento do sector estatal (e nao das quintas colectivas)”. Na pratica, a politiva produziu cutro descalabro. A mudanga ocorreu com tal leviandade que a mitior parte das centrais de tractores desapareccu no espaco de trés meses. Mesmo simpatizantes de Kruch- tchov pensavam que esta medida reduziu seriamente a produtividade agri- cola, infligiu prejuizos along: "::z0 4economia e redundou num fracasso absouuto *, Com a indastria, tal como com a agricultura, Kruchtchov enfrentava problemas sérios mas recorreu a solugées problematicas. No socialismo, 05 planos centrais determinavam em larga medida a dimensdo e natureza da produgao. A planificagao eliminava 0 ciclo de altos e baixos dos merca- dos capitalistas, mas tinha os sc 1s prOprios desafios. A planificagdo tor- nou-se mais dificil a medida que a economia se tomava mais vasta e mais complexa. Em 1953 0 nimero de empresas industriais atingiu os 200 000 0 nlimero de objectivos da planificacao atingiu os 5000, comparados com 300 no inicio da década de 1930 e 25110 em 1940. Nesta altura, afirmou © economista britanico Maurice Dobb, a «excessiva centraliza¢ao» inibis a iniciativa e a inovagao técnica, desperdicava recursos, congestionava os fornecimentos, premiava o «cumprimento meramente quantitativo» do plano, recompensava empresas improdutivas e punia as conscienciosas®. Ao direccionar a economia para os bens de consumo, Kruchtchov compli- cou a jé dificil tarefa da planificacao. Alec Nove afirmou: «A habitagio, aagricultura, os bens de consumo, o comércio, tudo isto se tornou impor- tante e mesmo prioritério. De modo que a tarefa da planificacao se tornou mais complicada, porque um sistema baseado em algumas prioridades fulcrais, assemelhando-se neste aspecto a uma economia de guerra ociden- 43 tal, mic. podia funcionar tac e:ivazmente se os seus objectivos se ciluiam ou muitiplicavam.»® Krucht:hov procurou unia saida facil para os problemas da pisaific vo central através da descentralizacao radical e da aplicagao de iderss de onentacac c::pitalista como a concorréncia de inercado. Em Maio de 1957 Ksuchtchov aholiu os mais de trint ministérios de planificagao central & “ubstituiu-os por mais de cem conselhos econdémicos locais. O resultado era previsivel. A coordenagao da produgao e fomecimento tomou-se ainda mais dificil do que antes e os intcresses locais suplantaram os objectivos nacionais. Os Medvédev, que supostamente simpatizavam com Kruch- tchov, afirmaram que a sua descentralizacdo produziu a «anarquia», «a duplicagao, o paralelismo e a dissipagao da responsabilidade»'. Em 1961 Kruchtchov teve de reagrupar e consolidar a planificagao em dezassete grandes regides econdmicas. Mesmo isto nao reparou os estragos da des- centralizacao. A economia soviética cresceit a uma taxa mais lenta wa se- gunda metade da década de 1950 do que na primeira e cresceu a uma taxa mais lenta nos primeiros cinco anos da década de 1960 do que na de 1950 **. Depois de substituir Kruchtchov em 1964, 0 Partido recriou vinte ministérios de planificago central e procurou combiné-los com uma maior autonomia das fabricas ®. As politicas de Kruchtchov muitas vezes langaram as sementes de problemas posteriores. Talvez numa reacgdo excessiva a criticas anterio- re> ao seu laxismo para comh o ncionalismo burgués ucraniano, frequen- temente Kruchtchov fez ouvidos moucos as sensibilidades nacionais, como quando, apés uma visita a Asia Central, propés apressadamente a uniticagao de todas as repiiblicas astéticas numa s6 . Coisa menos ex- trema, declarou que o pais tinha resolvido a questo nacional ¢ que pro- curava alcangar uma «identidade nacional soviética» que substituiria as identidades nacionais existentes, visto que as diversas nagdes da Unido Soviética se aproximavam da «completa unidade». Por muito louvavel que fosse enquanto ideal, a promogao de uma identidade nacional soviética surtiu o efeito contrario, estimulando os sentimentos nacionalistas entre aqueles que valorizavam o seu préprio patriménio nacional. De acordo com o historiador Itzak Bnidni, a abordagem de Kruchtchov menospre- zou 0s problemas nacionais existentes e contribuiu para um ascenso dos sentimentos nacionalistas estreitos quer nas nagées nao russas da perife-! ria quer entre os intelectuais russos do centro’. al 44 A politica de Kruchtclsv que sais agradou aos olhus dos intelectuais e serviria como precursora da g:1s10st de Gorbatchov foi o abrandamento dacensura. Embora o «degelo» de. Kruchtchov fosse inconsequente e epi- sédico, de facto levou teipor: ~ amente a uma maior abertura a arte moderna ¢ a cinema, poesia e r.angps eriticos do passado sovietico. Durante o degelo, publicaram-se romances anteriormente proibidos, como Nem S6 de Pao Vive o Homem, de V. D. Dudintsev, e Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch, de A. 1. Soljenitsine “*. Esta abertura te .« uma inevitavel contrapartida na disseminagao de ideias econémicas burguesas nos cfrculos académicos soviéticos. De acordo com os Medvédev, j4 em 1953- -1954 «a influéncia ocidental comegou a penetrar muitas areas da econo- mia», Em muitos outros assuntos, incluindo as suas perspectivas acerca das relag6es intemacionais, do Partido, do Estadc. do comunisino, Kruchtchov apresentou ideias que na altura e desde entdo provocaram controvérsia entre os comunistas no interior e no exterior da Unido Soviética. Est para além do escopo do presente trabalho averiguar se estas ideias eram apli- cages criativas do marxismo-leninismo a novas circunstancias ou revisdes erréneas de princfpios basicos. O que era claro, contudo. era que as ideias de Kruchtchov acerca destes assuntos se inclinavam cocrentemente para a social-democracia, langaram as sementes de problenias posteriores € criaram um precedente para as perspectivas e medidas ainda mais extre- mas de Gorbatchov. Nas relages internacionais, Kruchtchov acentuou politica de coe- xisténcia pacifica. Defendeu que, com o crescimento do mundo socialista, acorrelacao de forcas tinha mudado de tal forma que a luta principal con- sistia numa «competi¢ao pacifica» entre o socialismo e o capitalismo e que seria possivel uma «transico pacifica» do capitalismo para o socialismo. Embora estas ideias se tenham tomado o aspecto principal da dentincia de Kruchtchov como revisionista pelos chineses “, muito se poderia dizer em sua defesa. Em primeiro lugar, estas ideias apareceram no auge da guerra- -fria, quando a Uniao Sovittica estava cercada pelos Estados Unidos, em grande medida mais fortes, que procuravam justificar uma politica externa belicosa, anti-soviética e anti-revolucionéria, afirmando que a Unido So- viética, increntemente expansionista, se inclinava para a agressio e subver- sao a escala mundial. Neste contexto, as ideias de Kruchtchov ripostavam energicamente as afirmagées do imperialismo. Retiravam argumentos as 45 forgas que instavam & guerra contra 4 Unido Sovict , fortalecendo 0 movimento internacibnal da paz. Em segunde tdeias de Kruch- tchov acerca desta matéria nao eram inteiramer'e nas. Numa série de entrevistas que concedeu antes de morrer, o propric St/ine sublinhara a politica da coexisténcia pacifica e rejeitara a ideia de qu. a gue raeraine- vitavel ®, Em terceiro lugar, na pratica Kruchtchov nav se ewuuivou a de- fender o socialismo no estrangeiro, Interveio contra a cwntra-:evolugao na Hungria em 1956 ¢ em 1962 enviou misseis para defenucr Cuba. Na ver- dade, no pico da crise cubana dos misseis, quando o destinc ila revolugao cubana estavz em jogo, Kruchtchov insistiu num compromisso americano de nao invadir a tha antes de retirar os misseis soviéticos *. Além disso, Kruchtchov nunca se esquivou a fornecer uma generosa ajuda material e assisténcia técnica aos que lutavam por fazer seu priprio caminio con- tra o imperialismo, incluindo a China (antes da ruptura), o Egipto ¢ a in- dia. O historiador William Kirby chamou & ajuda soviétiva 4 China entre 1953 ¢ 1957 «a maior transferéncia de tecnologia da historia mundial» ". Ainda que a politica de coexisténcia pacifica de Kruchtchov fosse apropriada e bem-sucedida, ele pode ter confiado excessivamente na dis- posi¢ao dos EUA, sob a direcgao do presidente Eisenhower, de renunciar & guerra-fria. Os EUA nunca corresponderam a reducao unilateral por parte de Kruchtchov da dimensao dos gastos militares e das forgas arma- das soviéticas nein ao seu desejo de se retirar da guerra do Vietname ”. ‘Além disso, Kruchtchov reconheccu mais tarde que a sua ideia de coope- ragao pacifica fora seriamente prejudicada em 1960, quando, pouco antes de uma cimeira prevista entre quatro poténcias, os EUA mandaram um avido de espionagem U-2 sobrevoar territ6rio soviético, negando posterior- inente té-lo feito até os soviéticos apresentarem o piloto abatido, Gary Powers. «Os que sentiam que a América tinha intengGes imperialistas e que a forca militar era o mais importante», afirmou Kruchtchoy, «tiveram as provas de que precisavam.»”? Kruchtchov avangou duas novas ideias acerca do Partido e do Estado: a ideia de que o PCUS deixara de ser apenas a vanguarda do proletariado para se tomar a vanguarda de «todo 0 povo» e de que a ditadura do proleta- riado se tornara o «Estado de todo 0 povo». A dada altura do desenvolvi- mento do socialismo, estaria seguramente na ordem do dia uma transigao semelhante, mas a questo era saber se a Unido Soviética alcangara esse momento. O escritor Bahman Azad sugeriu que estas ideias tiveram efeitos 46 corrosiv.»s de longo praz: “porque alimentaram ilusdes acerca da importan- civ da luta de classes e ac.-rca da fiabilidade de certos grupos sociais. como wr burocratas estatais “. Certamente que estas ideias retiraram éntase aos int-resses proprios da classe operaria. Uma vez que o socialmo supos- tamente servia os interesses da classeperaria, estas ideias poacm ter obs curecido um critério importante para aferir 0 progresso do socialismo. ‘Além disso, estas ideias acompanharam outras politicas problematicas, como 0 nivelamento dos si lérios — isto €, a redugao das diferengas sala- riais. Em certo nivel do desenvolvimento socialista, o nivelamento dos salrios era apropriado, mas no ponto em que as coisas estavam esse ni- velamento tendia a enfraquecer o incentivo ea produtividade. Kruchtchov fez diversas mudangas no modo de funcionamento do Pando que diluiram o seu papel dirigente. Em 1957, na esteira dos seus anos passados na Ucrania. Kruchtchov abriu as portas do Partido Comu- nista ao recrutamento em massa, levando a uma ampla expansao do ni- mero dos seus membros. Isto estava ligado & sua ideia de que as distinges de classe estavam a desaparecer e de que «na sua larga maioria» os cida- daos soviéticos «pensam come comunistas» '°. Kruchtchov wroduziu também aexigéncia de um tergo dos dirigentes do partido fosse substituido “> ), uma espécie de limitagao de mandatos soviética. O secre- tério-geral também dividiu o partido em secgdes agricola industrial, um Lipo incipiente de sistema bipartidério. Embora visando ostensivamente a revitalizacao do Partido, medidas como o recrutamento em massa, limi- tages de mandatos e divisao do Partido enfraqueceram-no de diversos modos e geraram muita oposigao. Depois de Kruchtchov, o Partido aban- donou estas ideias-coqueluche "*. Mais tarde Gorbatchov alimentou ideias semelhantes, como a divisdo do PCUS em dois, antes de decidir enfraque- cé-lo e erradica-lo completamente. Em 1964, o periodo Kruchtchov chegou ao fim, quando a direcgo colectiva o forgou a retirar-se. Todavia, as ideias acerca da liberalizagao econdmica eda democratizacao politica que Kruchtchov veio a simbolizar nao terminaram com ele. Ao invés, continuaram a encontrar expiessao naquilo a que o historiador John Gooding chama a «tradigo altemativay. Nas décadas de 1960 e 1970, esta tradigao alternativa encontrou os seus defensores no director da Novy Mir, Alexandr Tvardovski, e em economis- tas, socidlogos, fisicos, historiadores e dramaturgos como V. Chubi Nikolai Petrakov, Alexandr Birman, Roi Medvédev, Aiidrei Sékharov, 4 forgas que instavam a guerra contra a Unido Suvictt =, fortalecendo o reovimento internacional da paz. Em segundc igs. -ideias de Kruch- tchov acerca desta matéi1a nao eram inteiramente 1. as. Numa série de entrevistas que concedeu antes de morrer, o propric: Sr: ine sublinhara a politica da coexisténcia pacifica e rejeitara aideia de qu. a gue’ia eraine- vitavel ®, Em terceiro lugar, na pratica Kruchtchov nav. se esuuivou a de- fender o socialismo no estrangeiro. Interveio contra a ciira-:evolugao na Hungria em 1956 em 1962 enviou misseis para defenuct Cuba. Na ver- dade, no pico da crise cubana dos misseis, quando o destine dla revolugio cubana estave cm jogo, Kruchtchov insistiu num compromisso americano de nao invadir a itha antes de retirar os misscis soviéticos . Além disso, Kruchtchov nunca se esquivou a fornecer uma generosa ajuda material e assisténcia técnica aos que lutavam por fazer o seu pr'sprio caminino coi tra o imperialismo, incluindo a China (antes da ruptura), o Egipto e a in- dia. O historiador William Kirby chamou a ajuda soviética 4 China entre 1953 ¢ 1957 «a maior transferéncia de tecnologia da histéria mundial». Ainda que a politica de coexisténcia pacifica de Kruchtchov fosse apropriada e bem-sucedida, cle pode ter confiado excessivamente na dis- posigao dos EUA, sob a direcco do presidente Eisenhower, de renunciar guerra-fria. Os EUA nunca corresponderam a reduco unilateral por parte de Kruchtchov da dimensao dos gastos militares e das forgas arma- das soviéticas nem ao seu desejo de se retirar da guerra do Vietname ”. Além disso, Kruchtchov reconheceu mais tarde que a sua ideia de coope- ragdo pacifica fora seriamente prejudicada em 1960, quando, pouco antes de uma cimeira prevista entre quatro poténcias, os EUA mandaram um avidio de espionagem U-2 sobrevoar territ6rio soviético, negando posterior- mente té-lo feito até os soviéticos apresentarem o piloto abatido, Gary Powers. «Os que sentiam que a América tinha intengGes imperialistas e que a forca militar era o mais importante», afirmou Kruchtchov, «tiveram as provas de que precisavam.»”? Kruchtchov avangou duas novas ideias acerca do Partido e do Estado: a ideia de que o PCUS deixara de ser apenas a vanguarda do proletariado para se tomar a vanguarda de «todo 0 povo» e de que a ditadura do proleta- riado se tomnara o «Estado de todo 0 povo». A dada altura do desenvolwi- mento do socialismo, estaria seguramente na ordem do dia uma transigao semelhante, mas a questo era saber se a Unido Sovitica alcangara esse momento. O escritor Bahman Azad sugeriu que estas ideias tiveram efeitos 46 -orrosis.»s de longo praz: “porque alimentaram ilusdes acerca da importan- cw da luta de classes e ac-rca da fiabilidade de certos grupos sociais. como « burocratas estatais "*. Certamente que estas ideias retiraram éntase aos intzresses proprios da classe operéria. Uma vez que 0 social:~mo supos- tamnente servia os interesses da classeperdria, estas ideias poem ter obs- curecido um critério importante pars aferir 0 progresso do socialismo Além disso, estas ideias acompanharam outras politicas problematicas, como 0 nivelamento dos szlérios — isto €, a redugdo das diferengas sala- riais. Em certo nivel do desenvolvimento socialista, 0 nivelamento dos alirios era apropriado, mas no ponto em que as coisas estavam esse ni- velamento tendia a enfraquecer 0 incentivo ¢ a produtividade. Kruchtchov fez diversas mudangas no modo de funcionamento do Partido que diluiram o seu papel dirigente. Em 1957, na esteira dos seus anos passados na Ucrania. Kruchtchov abriu as portas do Partido Comu- nista ao recrutamento em massa, levando a uma ampla expansao do ni- mero dos seus membros. Isto estava ligado a sua ideia de que as distingdes de classe estavam a desaparecer c de que «na sua larga maioria» os cida- daos soviéticos «pensam como comunistas» ”. Kruchtchov u:roduziu — , iambém a exigéncia de um tergo dos dirigentes do partido fosse substituido acadaeleigao, uma espécie de limitagao de mandatos soviética. O secre- tario-geral também dividiu o partido em secgdes agricola e industrial, um tipo incipiente de sistema bipartidario. Embora visando ostensivamente a revitalizago do Partido, medidas como o recrutamento em massa, li tagdes de mandatos e diviséo do Partido enfraqueceram-no de diversos modos e geraram muita oposicao. Depois de Kruchtchov, o Partido aban- donou estas ideias-coqueluche ”*. Mais tarde Gorbatchov alimentou ideias senwelhantes, como a divisio do PCUS em dois, antes de decidir enfraque- cé-lo e erradic4-lo completamente. Em 1964, 0 perfodo Knichtchov chegou ao fim, quando a direcgao colectiva o forgou a retirar-se. Todavia, as ideias acerca da liberalizacao econémicae da democratizacao politica que Kruchtchov veio a simbolizar nao terminaram com ele. Ao invés, continuaram a encontrar expresso naquilo a que o historiador John Gooding chama a «tradigao altemativa». Nas décadas de 1960 e 1970, esta tradi¢ao alternativa encontrou os seus defensores no director da Novy Mir, Alexandr Tvardovski, e em economis- tas, sociélogos, fisicos, historiadores e dramaturgos como V. Chubikin, Nikolai Petrakov, Alexandr Birman, Roi Medvédev, Aitdrei Sakharov, 47 Valentin Turtchin, Tatiana Zaslavskar_¢ Mii hail Chatrov. Na sua niaior pane estes intelectuais permaneciam “0 Pariido Comunista, admiravam Lénine. continuavam a acreditar no socialismo, mas ao mesmo tempo defeniiam um socialismo imbuido de asp::ctos dos mercados, ges:o ¢ formagies politicas capitalistas. Ao invés de atacaro sistema vigente, acre ditavam vir a alcangar os seus fins ganhando a atengao dos Iideres comu- nistas, um esforco que acabaram por levar a termo com Gorbatchov ””. Entretanto, Leonid Bréjnev em breve emergiu como dirigente sovié- tico maximo, e assim permaneceu até 192. Para Gorbatchov e os seus par- tidérios, Bréjnev tormou-se 0 bode expiatériv de tudo o que estava mal na Unido Soviética. Ridiculanzaram a sua fraca satide, gostos caros, vaidade pessoal ¢ fraqueza politica. Bréjnev tornou-se o simbolo da estagnagao € da corrupgao. Embora esta perspectiva de Bréjnev carega de equilibrio, tinha de facto um fundamento. De acordo com o historiador soviético Dimitri Volkogénov, Bréjnev queria acima de tudo «paz e tranquilidade, serenidade e auséncia de conflito». Substituindo a politica de rotacao de cargos por tuma politica de «estabilidade dos quadros», Bréjnev resistiu mesmo a mudangas de pessoal. Em cada um dos quatro congressos parti- darios a que presidiu, Bréjnev reconheceu insuficiéncias, mas resistiu a solugées ousadas. Além disso, muitos dos que integravam a sua direcco eram de idade avangada e sofriam incapacidades. Ninguém manifestava estas fraquezas melhor que o proprio Bréjnev, que apés 1970 ficou debi- litado por problemas de satide. Em 196 sofreu uma grave trombose, € entre esta data ¢ a sua morte, em 1982, teve varios ataques cardfacos e mais tromboses. Nos tiltimos cinco anos da sua vida, estava tao doente e debi- itado que nao desempenhou qualquer papel activo na vida do Estado ou do Partido. Nos tltimos anos, Bréjnev nao conseguia falar sem ter 4 sua frente um texto escrito e sem engrolar as palavras *. Embora muitas dats criticas feitas a Bréjnev fossem merecidas, estas obscureciam a verdade simples de que a maioria dos problemas que a Unido Soviética conheceu sob 0 governo de Bréjnev surgiram sob 0 go- verno de Kruchtchov. Além disso, embora Bréjnev tenha feito pouco para Teverter 0 mau tratamento que Staline dera a algumas nacionalidades ou para denunciar violagdes anteriores da legalidade socialista, inverteu al- gumas das medidas mais extremas de Kruchtchov. A planificagao centra- lizada regressou. A «estabilidade dos quadros» substituiu as limitacdes de mandatos. Uma organizacao unitéria do Partido substituiu a divisdo em secgdes industrial e agricota. Critérios mais estritos de admissao no Par- tido substitufram o recrutamento em massa U «Estado de todo 0 povo» e 0 «Partisio de todo o povo» permanes: -am mas adquiriram um significado diferente. O Pravda explicou que e:

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