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Criada em 1979, muito antes de palavras como “produção” e “gestão cultural” fossem
inseridas no segmento cultural brasileiro, a CPT constituiu-se como modelo desta
atividade, criando inúmeras ações para a realização do fazer artístico e promovendo
reflexões sobre os rumos da atividade.
Na CPT, percebe-se orientações muito claras e assertivas acerca do fazer artístico que
contribuem de forma decisiva na formação do artista cooperado. São orientações
voltadas para relacionamentos de seus cooperados para com outros cooperados e de seus
cooperados para com a organização a que pertencem. Orientações voltadas para o
mercado e realização de resultados através de oficinas e cursos de formação e
aperfeiçoamento do artista, vendo a arte não só como resultado artístico, mas também
como um produto final a ser oferecido aos seus consumidores.
Existem também algumas orientações para processos e estabilidade/segurança, através
de ações que estimulam a continuidade da pesquisa artística, a manutenção de
companhias e a garantia de assessoramento jurídico e representativo da Cooperativa ao
artista pertencente a ela.
“[...] mesmo antes de sua fundação, a entidade abarcava indivíduos ligados a grupos de
teatro. Em maio de 1979, por exemplo, data em que se realizou a primeira reunião sem
homologação da assembleia, constavam os grupos 21 (José Antonio Tamelini, entre
outros), Ab Surdo (Orlando Parolini, entre outros), Agosto (José Antonio de Souza,
entre outros), Boca Aberta (Cláudio Mendel, Esmeralda de Souza, entre outros), Teatro
e Circo Alegria dos Pobres (Beatriz Tragtemberg, entre outros), Exercício (Oscar
Teixeira Soares, entre outros), Grupo Mamão de Corda ou Teatro do Homem (Jair
Antonio Alves, entre outros), Liberdade para as Borboletas (Alexandre Kavanji, Pedro
Saliba Filho, entre outros), Pasárgada (José Geraldo Rocha, entre outros), Pessoal do
Victor (Adilson Barros, Paulo Betti, entre outros) e Unicórnio (Maria Helena
Grembecki, entre outros)”.
Em breve estará completando quarenta anos. Tempo de intensas lutas e inigualáveis
prazeres. Cooperativa, esta, integrante da história do teatro brasileiro. Infelizmente uma
história documentada por poucos conscientes da importância da memória cultural
brasileira.
Nas palavras do Deputado Federal por São Paulo, Vicente Cândido da Silva3, “O teatro
é fundamental na formação das pessoas, é a arte mais viva que existe. Está presente em
toda a nossa vida, somos atores de nosso cotidiano sem precisar subir ao palco. O que
seria do teatro sem a vida? E o que seria a vida sem o teatro? 17
Em meio a esta fase triste da nossa história, já no início dos anos setenta do século XX,
novamente surgiu a ideia acirrada do trabalho teatral em comum: Teatro de grupo. Na
perspectiva que se anunciava não havia patrão nem recursos para bancar salários, mas a
possibilidade concreta de reconstrução de histórias individuais e coletivas. A entrada no
mercado teria de ser a prioridade e também a possibilidade de se proteger nele. Elaborar
um produto vendável. Somente assim se daria sobrevivência ao teatro e subsistência aos
artistas.
Em 1978 surge a Lei 6.533/785, pela qual os artistas tiveram seus direitos garantidos
como trabalhadores. Este fato contribuiu para a criação da Cooperativa, pois seus
integrantes, então, eram reconhecidos profissionais que lutaram por essa conquista
através de décadas.
É importante lembrar que a Lei do Cooperativismo no Brasil foi aprovada em 1971. Tal
lei diferencia a cooperativa de uma empresa comercial. Trata-se de uma sociedade de
indivíduos e não de capital ou de grupos, onde há a valorização do trabalho em
detrimento do capital. Isto reforça a importância da Lei 6.533/78.
Jair Antonio Alves, o primeiro presidente da entidade, afirmou os motivos pela escolha
da criação de uma sociedade cooperativada de pessoas (MATE, 2009, p. 83). Primeiro,
cooperativismo era um direito universal, ou seja, mesmo debaixo de um regime de
exceção havia uma política internacional para o segmento e isso abria brechas para
descobrir o nosso (dos grupos) verdadeiro papel. Segundo: o cooperativismo tinha
origem nos movimentos anarquistas do século XIX, que negavam o Estado, mas não o
mercado.
Desde seu início a Cooperativa exigia que o artista pertencesse a um coletivo, ou seja,
fizesse parte de um grupo teatral, então esse grupo poderia ser cooperativado. 19
Uma das metas da Cooperativa sempre foi a transformação dos programas públicos em
política de Estado. Manifestações artísticas eventuais não consolidariam as metas da
Cooperativa.
Pela necessidade e concretude da experiência social e coletiva serem absolutamente
intrínsecas à prática teatral, a Cooperativa, portanto, caracterizava-se como
possibilidade concreta de um conjunto de artistas contra o conceito avassalador que se
avizinhava com toda pompa e também como driblador de um tempo artificial com
tendências homogeneizantes.
Somente na década de 19906, sem alterar os estatutos e mediante uma necessidade do
mercado artístico, criou-se a possibilidade de trabalho individual desvinculado da
participação em um grupo. Período este onde surgiam vagas nas programações
televisivas para atores em novelas, seriados, programas humorísticos, infantis, etc.
Até hoje os estatutos passam por reconsiderações, mas sempre fiéis aos princípios do
cooperativismo. A Cooperativa transformou-se em um meio para conseguir uma
profissionalização.
Forneceu e ainda fornece (ainda que mais raramente na atualidade como veremos nos
capítulos adiante) ações como: modos de produção, pesquisas de linguagem e teatral,
fóruns artísticos, oficinas de aperfeiçoamento e de capacitação, além de incentivar ações
de teatro de rua, de bonecos, mostras brasileiras e latino-americanas, seminários
teóricos.
A criação em sua sede de uma biblioteca como ponto de pesquisa e estudo, é outro
tópico que reforça o caráter formativo e esclarece, juntamente com as outras ações o que
é uma organização jurídica, de produção, de pesquisa teatral e reflexões sobre políticas
públicas e culturais nas esferas municipal, estadual e federal. Todas essas atividades
consolidaram uma base para que vários grupos profissionais e amadores, anteriormente
informais, encontrassem seus meios de formalização dentro da legalidade. Grupos não
só do Estado de São Paulo, mas também de todo o Brasil, devido ao enorme
reconhecimento que a Cooperativa Paulista de Teatro recebeu ao longo dos anos. 20
Após esse evento, vários outros foram desenvolvidos, alguns copatrocinados pela
Prefeitura Municipal de São Paulo, pela Secretaria Municipal de Cultura com apoio
cultural do Ministério da Educação e Cultura e do Instituto Nacional de Artes Cênicas -
INACEN.
Desde sua fundação, a relação da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT) com seus
cooperados vem mudando ao longo dos anos. Antes, um espaço essencialmente de luta
política e reunião dos artistas, gerando oportunidades de trabalho e conquistas de
direitos. Hoje, devido ao seu inchaço, acabou se afastando do conceito essencial de
cooperação, já que se torna quase impossível que mais de 4.000 pessoas compartilhem a
mesma forma de pensar. 30
CPT busca algumas estratégias no intuito de fortalecer esta formação artística, tais
como:
- Desenhar modelos de formação (cursos, oficinas, workshops, palestras) e materiais
informativos e educativos (Informes ao Cooperado, Revista Camarim) para facilitar a
incorporação adequada do cooperado a entidade pelo viés do incremento de formação.
- Fortalecer processos locais de formação artística com finalidade de estimular a
formação da identidade dos grupos cooperados e fomentar a presença de seus artistas na
formação contínua.
- Propiciar práticas de formação criando um sistema de intercâmbio com tomadores de
serviços externos (cursos livres nas mais diversas áreas) através da promoção com
descontos especiais para cooperados para ampla participação destes.
- Realizar encontros periódicos (fóruns, assembleias, encontros) onde se compartilham
as experiências mais significativas de cada um dos grupos presentes.
- Publicar livros e documentos de referência sobre a Cooperativa estimulando o fluxo de
informação para caráter educativo e acervo para consulta.
- Promover iniciativas de natureza artística como o Prêmio CPT, Mostra Latino
Americana de Teatro, para estimular e reconhecer o trabalho dos grupos cooperados.
Paralelamente a este trabalho, a CPT promove com sua forte atuação política a arte do
compromisso, que clama ao artista colocar sua criatividade a serviço das causas sociais.
Não deve o artista somente lutar contra todas as formas de alienação burguesa da arte,
mas também ajudar no processo de transformação social, representando (falando no
lugar de) os interesses de toda uma comunidade artística, para angariar mais conquistas
e condições de exercer sua profissão.
... mesmo com a regulamentação da profissão, o trabalho artístico é, praticamente, um
trabalho desregulado, vivendo num jogo, uma luta diária para que se firme como uma
profissão e não uma atividade, onde as artes são lugar corrente de informalidade e
precariedade. 34
O desenvolvimento histórico da produção das artes cênicas no estado de São Paulo teve,
nos últimos 36 anos, a Cooperativa Paulista de Teatro como um importante agente no
processo de conquistas e avanços nas políticas públicas ligadas à cultura. Ao olhar essa
trajetória, é possível perceber alterações significativas nos modos de produção dos
coletivos e artistas ao longo desse período. Como exemplo dessas alterações, podemos
citar as demandas ligadas à formação técnica, a continuidade de projetos de pesquisa, o
conhecimento específico da legislação tributária, os desafios presentes na administração
dos espaços denominados sedes, a relação com a cidade, a necessidade de se reconhecer
como parte de uma categoria de trabalhadores, entre outros.
congressocpt@cooperativadeteatro.com.br
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Desde a sua formação em 1979, a Cooperativa Paulista de Teatro vem usando a
expressão de sua produção como meio de comunicação de ideologias que, através das
vias da arte, podem atingir mais e novas formas de espectadores que o simples discurso
politizado não afetaria. Manifestos e encontros políticos esquentaram, e ainda
esquentam, o debate acerca das políticas públicas de cultura na cidade de São Paulo, do
fazer teatral, da legitimação e representatividade de categoria e, principalmente, firma a
Cooperativa como instrumento de voz e ação para mais 4.000 cooperados.
A história da CPT sempre foi pautada por diversos acontecimentos políticos,
econômicos e sociais, que despertaram a necessidade de um posicionamento assertivo
dos seus cooperados, no intuito de conseguirem a preservação dos direitos já adquiridos
em sua constituição e também lutar pela obtenção de outros.
O sistema cooperativado, uma alternativa por vezes libertária às exigências do
capitalismo, dá o controle e a possibilidade de batalhar contra uma possibilidade da
massificação e homogeneização da indústria cultural. 48
Assim, a luta dos artistas de teatro contra os meios de reprodução que norteiam os
outros segmentos artísticos, faz dela um exemplar único (ainda que solitário) de e
resistência. O teatro, inclusive, sempre se configurou como uma manifestação artística
essencial para a reflexão sobre o diálogo que acontece entre ator e plateia. Fernando
Peixoto (1985, p.13) afirma que o teatro muitas vezes, incapaz de agir diretamente no
processo de transformação do social, age diretamente sobre os homens, que são
verdadeiros agentes da construção da vida social.
Historicamente, coletivos artísticos vêm cada vez mais propondo produções teatrais
livres, que nascem a partir das inquietações do artista. Já nos é sabido que políticas
governamentais não dão a devida importância a este nicho, preferindo, ainda que
timidamente, reforçar a preferência por criações que já estão adaptadas dentro da
discutível reprodutibilidade.
Quando esta preocupação acontece, ela é transferida para empresas e marcas de outros
setores, que, através da renúncia fiscal, via Lei Rouanet (1991), ProAC ICMS ou em
editais privados, aprovam projetos de acordo com seus interesses, privilegiando a
veiculação da marca, o perfil de público e eventos promocionais.
O Movimento “Arte contra a Barbárie” (1999), organizado por grupos cooperados, foi
um marco importante para a cena teatral paulistana. Lutaram de forma incessante pelo
financiamento público da arte e leis de mercado, para que grupos pudessem desenvolver
suas atividades e suas pesquisas de forma continuada. Tal articulação trouxe como
principal resultado a propositura do Programa Municipal de Fomento, que desde 2002,
seleciona projetos inseridos no chamado sujeito histórico teatro de grupo, apoiando a
criação de ações de pesquisa e a produção teatral na cidade. As diversas assembleias
promovidas entre 1998 e 1999, discutiram o dever do Estado em relação ao teatro em
particular.
Em 2000, foi criado o Espaço da Cena, um espaço público onde seriam debatidas as
questões que cercam o fazer teatral. Então, naqueles contextos as questões eram
abordadas publicamente e propostas eram discutidas com ações concretas para as
políticas públicas para o teatro. E com um terceiro manifesto, lançado em junho de
2000, o “Arte contra a Barbárie”, segundo Iná Camargo e Dorberto Carvalho (2008,
p.37), “viu aprovada por unanimidade a sua Lei de Fomento ao Teatro, conquistando de
fato uma trincheira que, além de assegurar a grupos de teatro um ganho material, teve
grande força simbólica: assegurou a existência de uma prática artística que não se
submetia ao mercado capitalista”.