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A SEPTUAGINTA

Por Fabio Marchiori Machado

O que é a Septuginta? Resposta direta: é o Antigo Testamento traduzido do hebraico


para o grego. Agora, se você quer entender mais sobre este assunto nos acompanhe no texto.

Antecedente Histórico

Antes de entrarmos no âmbito de como teria sido feita a elaboração da Septuaginta,


creio que seja importante destacar a papel que o Império Persa teve na colaboração disso (sec.
V e IV a.C.). Foi sobre este domínio político que se viu o surgimento das sinagogas e,
principalmente, onde surgiu a prática da tradução da lei para uma língua contemporânea.
Neste caso, a lei era traduzida, através de intérpretes, para o aramaico. Ou seja, uma pessoa
lia o texto em hebraico e a outra traduzia simultaneamente, de forma oral para o aramaico.
Este fato tem a sua importância por abrir a possibilidade de liturgias em outras línguas, o que
iria colaborar muito com o papel helenísticoi que veremos a seguir.

No final do século IV e início do III a.C. temos a hegemonia do Império Greco-


Macedônico sobre a Palestina. No princípio deste período, os Judeus gozavam de grande
estima pela parte de Alexandre Magno, o então imperador. Ele permitia que os Judeus
observassem suas leis, os isentava dos impostos nos anos sabáticos e estendia a eles quase os
mesmos privilégios dos gregos. Mesmo não sabendo, Alexandre foi um dos mais importante
instrumento nas mãos de Deus para a preparação do mundo para a difusão do cristianismo.

Depois da morte de Alexandre, o reino foi dividido entre quatro generais gregos,
conhecidos por diádocos. Os dois de maior importância para o discurso em questão são os
reinos que surgiram sob domínio de Ptolomeu I (Egito) e Seleuco (Síria).

Apesar de originarem-se da mesma raiz (Império Macedônico) e compartilharem da


mesma visão e cultura helenística, ambos os reinos não nutriam um bom relacionamento
entre si. Nas palavras de John Stott:

“Ambas as dinastias duraram até metade do século I a.C., a relação entre eles variava
entre a coexistência desconfortável e guerra e hostilidades abertas. A Judéia manteve-se ora
sob domínio de uma, ora da outra”

Geograficamente, a Palestina ficava entre estes dois reinos, e consequentemente sofria


com a pressão entre os lados. No entanto, pelo menos em termos religiosos e civis, as
primeiras décadas deste período foram de continuidade ao período alexandrino. Por
cento e vinte e dois anos Israel ficou sujeito ao reinado dos ptolomeus. Os judeus puderam
gozar dos mesmos privilégios concedidos por Alexandre. Muitos deles, inclusive, optaram por
viver em Alexandria, capital do Império Ptolomaico. Segundo F.F. Bruce, os judeus de
Alexandria formavam a colônia não grega mais importante da cidade, a ponto de ter suas
próprias leis municipais. Alexandria, de fato, era o centro mais importante do Judaísmo fora da

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Palestina. É neste cenário que temos a tradução do Antigo Testamento para a língua grega, a
Septuaginta, inaugurando uma importante era.

As Razões para o Surgimento da Septuaginta

Não existe um consenso em relação as razões que levaram a elaboração da Septuaginta.


Existem, na verdade, duas teorias, a da história mais famosa e a mais plausível. Vamos ver as
duas.

A versão mais famosa do porquê produzir uma tradução da Bíblia Hebraica é a da que
fala do rei Ptolomeu II e a Biblioteca de Alexandria. Nesta história, teria Ptolomeu II solicitado
ao bibliotecário da Biblioteca de Alexandria, um cidadão conhecido como Demétrio, que
adquirisse para sua imponente biblioteca um exemplar de cada livro existente no mundo, até
aquela época. O rei foi prontamente atendido e depois de adquirir uma parte dos livros (mais
de 200 mil livros), Demétrio resolve colocar o rei a parte dos andamentos de sua empreitada.
Depois de relatar que o objetivo final seria a reunião de 500 mil obras, dentre elas os livros da
lei dos judeus na sua língua original. Tal fato teria chamado a atenção de Ptolomeu II, que
desejou, segundo a história, não apenas adquirir tais livros, mas que estes fossem traduzidos
para a língua grega, o idioma oficial do seu império.

Ptolomeu II autoriza Demétrio a contatar, através de uma carta, o sumo sacerdote de


Jerusalém Eleasar. Nesta carta, o rei solicitava o envio dos 72 melhores estudiosos a fim de
elaborarem uma tradução acurada da Lei de Moisés (Genesis, Exodo, Levito, Números e
Deuteronômio) para a língua grega. Segundo a história, Eleasar atendeu ao rei prontamente,
enviando seus 72 melhores homens para a tarefa direto para Alexandria.

Chegando na cidade, estes 72 estudiosos são isolados, um em uma cada ilha no Mar
Mediterrânio, a 2 km da costa alexandrina. Os trabalhos teriam sido intensos e estava pronta a
tradução da lei dos judeus para o grego.

Este relato acima é um pequeno resumo da descrição encontrada em um documento


antigo, conhecido como Carta de Aristéias. Nesta carta, Aristéia informa a seu irmão os planos
do rei e como tudo ocorreu para a tradução da Lei de Moisés.

Esta versão, apesar de ser a mais famosa, apresenta algumas inconsistências de acordo
com seus opositores. A primeira questão é que a Carta de Aristéias seria o único documento
conhecido da época que relata a empreitada. Em nenhum outro registro do reinado de
Ptolomeu II há a menção de tal ordem do rei. A segunda questão é que na carta Aristéias gasta
um grande esforço na qualificação dos estudiosos e no resultado do seu trabalho. Assim
sendo, estes opositores acreditam que tal carta foi criada muito posteriormente com a
finalidade de impedir que o texto original da Septuaginta sofresse alterações. Há na carta,
inclusive, uma menção a uma suposta maldição para aqueles que fizessem alguma alteração
no texto original, em detrimento ao resultado acurado da obra.

A versão mais provável, portanto, diz que a Septuaginta origina-se devido ao


crescimento da comunidade judaica nas colônias gregas e, principalmente, em Alexadria

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(como vimos anteriormente). Distantes de casa e imerso em uma cultura plenamente
efervescente, começaram a serem educados na língua grega e muitos adotaram até os
costumes. Com isso, depois de algum tempo, começou a ficar difícil a leitura das Escrituras no
seu texto original. Para atender esta necessidade é que surgiu a tradução da Septuaginta.

A Tradução

O nome Septuaginta teria se originado de um desdobramento da primeira versão dada


acima para o surgimento do texto grego do AT. No meio cristão do primeiro século acreditava-
se que esta tradução teria sido feita não por 72 homens, mas sim por 70 para que houvesse
paralelo entre os 70 líderes que foram com Moisés para o Sinai (Ex24.1-14) e os 70 discípulos
que que foram enviados por Jesus em Lucas 10. A partir dessa história, o nome Septuaginta
surge porque “septuaginta” é setenta em grego.

Independente de como ocorreu, o que vale ressaltar é que a tradução do AT foi feita e
logo se tornou um documento religioso muito importante.

Acredita-se que, como relata a carta de Aristéias, os primeiros livros traduzidos foram os
que compõem o Pentateuco (Genesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). O resultado
deste trabalho teria dado origem a primeira versão do Pentateuco. No decorrer de 200 anos,
vários outros textos bíblicos e apócrifos foram traduzidos e incorporados a Septuaginta. Segue
abaixo todos os livros da versão final da Septuaginta. Os que estão destacados em itálico não
são participantes do cânon hebraico. No entanto, a maioria deles está em bíblias católicasii.

Livros da Lei e Históricos


Genesis Êxodo Levítico Números
Deuteronômio
Josué Juízes Ruth
1-4 Reinos (livro de 1-2 Paralipomenos 2Esdras (Esdras e
1 Esdras
Reis e Josué) (Crônicas) Neemias)
Ester Judite Tobias 1-4 Macabeus
Livros Poéticos e Proféticos

Salmos Odes Oração de Manasses Provérbios

A Sabedoria de
Eclesiástes Cântico dos Cânticos Jó
Salomão
Eclesiástico
Salmos de Salomão Oséias Amós
Miquéias
Joel Obadias Jonas
Naum
Habacuque Sofonias Ageu

Zacarias Malaquias Isaías Jeremias

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Baruque A Carta de Jeremias Lamentações Ezequiel

A Canção dos Três


Daniel A Oração de Azarias Susana
Moços
Bel e o Dragão

A Importância da Septuaginta

Como falamos anteriormente, pouco importa a história de como ou por que a


Septuaginta foi composta. O fundamental é entender a relevância desta tradução na história
das Escrituras.

A primeira importância reside no fato de ser a Septuaginta a primeira tradução


conhecida de um texto bíblico a partir do seu original. Isso abriu a porta para que a Palavra de
Deus começasse a ser difundida em outras línguas (processo que dura até hoje). Com a
tradução para o grego (a língua universalmente aceita no mundo antigo, como é o inglês hoje)
temos o texto bíblico levado a um alcance muito maior de pessoas, ultrapassando os limites
dos falantes de hebraico.

Outro fato relevante é que ainda no primeiro século da era cristã, a Septuaginta havia se
tornado a versão mais acessível da Bíblia dos judeus. O papel de protagonista da versão era
tanta que praticamente quase todas as citações do Novo Testamento foram extraídas dela. É
bem provável afirmar que a maioria dos autores bíblicos do NT tiveram acesso livre a esta
tradução do AT.

Por último, temos a importância desta tradução nos ajudar a entender melhor a Palavra
de Deus. Para produzir o texto em grego, os tradutores tiveram que interpretar as Escrituras
em hebraico para trazer o significado o mais próximo da cultura helenística. Com isso, os
estudantes bíblicos mais avançados tem a possibilidade de uma interpretação mais correta
seja do AT ou mesmo do NT, através da análise da metodologia e trabalhos destes homens.

i
Helenístico era o nome dado ao conjunto da cultura grega.
ii
Esta tabela de livros foi retirada da obra A Bíblia e sua História de Stephen M. Miller e Robert V. Huber,
publicado pela Sociedade Bíblica do Brasil.

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