Você está na página 1de 171

Odontologia em Saúde Coletiva

MANUAL DO ALUNO

ORGANIZADORES
MARIA ERCILIA DE ARAUJO
ANTÔNIO CARLOS FRIAS
SIMONE RENNÓ JUNQUEIRA

SÃO PAULO
2007
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Faculdade de Odontologia
Disciplina de Saúde Coletiva em Odontologia

APRESENTAÇÃO

Este Manual do Aluno contém os textos de apoio a serem utilizados no


desenvolvimento das atividades que integram o programa da disciplina:
Saúde Coletiva em Odontologia.

O programa é constituído por atividades teóricas realizadas em sala de aula


onde é imprescindível a participação pró-ativa de cada um dos alunos e
atividades práticas que acontecem junto a espaços sociais. As atividades
foram programadas de modo a valorizar os conhecimentos adquiridos pelo
aluno ao longo da formação, complementando-os. Para maior aproveitamento
no aprendizado, adota-se a metodologia construtivista que é uma ótima
ferramenta para se trabalhar os problemas complexos - desestruturados, os
problemas da vida real, orientada tanto às questões teóricas quanto ao
contexto de aplicação de conhecimentos.
Assim, as aulas teóricas, em sua forma clássica, são reduzidas ao
mínimo e as turmas são divididas para valorizar as discussões e reflexões
inerentes a esta metodologia de ensino. Esta opção pedagógica implica,
todavia, a preparação de materiais de apoio ao trabalho do aluno. É esta a
finalidade deste Manual. Os textos que o compõem, cuja reprodução para
qualquer outra finalidade requer autorização dos autores, serão utilizados
gradativamente ao longo do desenvolvimento do programa da disciplina.
É oportuno reafirmar, a propósito, que a utilização deste Manual pelo
aluno não o dispensa, obviamente, da leitura dos títulos da literatura básica
relacionada e de consulta à bibliografia complementar, nele identificada.
São Paulo, fevereiro de 2007. Maria Ercilia de Araujo

COLABORADORES:
Celso Zilbovicius Julie Silvia Martins
Fausto Souza Martino Luciana Hatsue Isuka
O CONCEITO DE SAÚDE E A do que a que circunscreve o campo específico da saúde, incluindo o ambiente em
1 sentido amplo, atravessando a perspectiva local e global, além de incorporar
DIFERENÇA ENTRE PREVENÇÃO E PROMOÇÃO
elementos físicos, psicológicos e sociais.
Dina Czeresnia Independente das diferentes perspectivas filosóficas, teóricas e políticas
envolvidas, surgem dificuldades na operacionalização dos projetos em promoção da
1 saúde. Essas dificuldades aparecem como inconsistências, contradições e pontos
Esse texto é uma versão revisada e atualizada do artigo "The concept of health and
obscuros e, na maioria das vezes, não se distinguem claramente das estratégias de
the diference between promotion and prevention", publicado nos Cadernos de Saúde
promoção das práticas preventivas tradicionais.
Pública (Czeresnia, 1999). In: Czeresnia D, Freitas CM (org.). Promoção da Saúde:
Este texto tem o objetivo de contribuir para o debate, tematizando a diferença
conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003. p.39-53.
entre os conceitos de prevenção e promoção; defende o ponto de vista de que as
dificuldades em se distinguir essa diferença estão relacionadas a uma questão nuclear
à própria emergência da medicina moderna e da saúde pública. O desenvolvimento
O discurso da saúde pública e as perspectivas de redirecionar as práticas de
da racionalidade científica, em geral, e da medicina, em particular, exerceu
saúde, a partir das duas últimas décadas, vêm articulando-se em torno da idéia de
significativo poder no sentido de construir representações da realidade,
promoção da saúde. Promoção é um conceito tradicional, definido por Leavell &
desconsiderando um aspecto fundamental: o limite dos conceitos na relação com o
Clarck (1976) como um dos elementos do nível primário de atenção em medicina
real, em particular para a questão da saúde, o limite dos conceitos de saúde e de
preventiva. Este conceito foi retomado e ganhou mais ênfase recentemente,
doença referentes à experiência concreta da saúde e do adoecer.
especialmente no Canadá, EUA e países da Europa ocidental. A revalorização da
A construção da consciência desse limite estaria na base de mudanças mais
promoção da saúde resgata, com um novo discurso, o pensamento médico social do
radicais nas práticas de saúde. Pensar saúde em uma perspectiva mais complexa não
século XIX expresso na obra de autores como Virchow, Villermée, Chadwick e outros,
diz respeito somente à superação de obstáculos no interior da produção de
afirmando as relações entre saúde e condições de vida. Uma das motivações centrais
conhecimentos científicos. Não se trata de propor conceitos e modelos científicos
dessa retomada foi a necessidade de controlar os custos desmedidamente crescentes
mais inclusivos e complexos, mas de construir discursos e práticas que estabeleçam
da assistência médica, que não correspondem a resultados igualmente significativos.
uma nova relação com qualquer conhecimento científico.
Tornou-se uma proposta governamenta1, nestes países, ampliar, para além de uma
abordagem exclusivamente médica, o enfrentamento dos problemas de saúde
Saúde, Ciência e Complexidade
principalmente das doenças crônicas em populações que tendem a se tornar
proporcionalmente cada vez mais idosas (Buss, 2000).
A saúde pública/saúde coletiva é definida genericamente como campo de
A configuração do discurso da 'nova saúde pública' ocorreu no contexto de
conhecimento e de práticas organizadas institucionalmente e orientadas à promoção
sociedades capitalistas neoliberais. Um dos eixos básicos do discurso da promoção
da saúde das populações (Sabroza, 1994). O conhecimento e a institucionalização
da saúde é fortalecer a idéia de autonomia dos sujeitos e dos grupos sociais. Uma
das práticas em saúde pública configuraram-se articulados à medicina. Apesar de
questão que se apresenta é qual concepção de autonomia é efetivamente proposta e
efetivamente superarem a mera aplicação de conhecimentos científicos, as práticas
construída. A análise de alguns, autores evidencia como a configuração dos
em saúde representaram-se como técnica fundamentalmente científica. Essa
conhecimentos e das práticas, nestas sociedades, estariam construindo
representação não pode ser entendida como simples engano, mas aspecto essencial
representações científicas e culturais, conformando os sujeitos para exercerem uma
da conformação dessas práticas, as quais encontram suas raízes na efetiva utilização
autonomia regulada, estimulando a livre escolha segundo uma lógica de mercado. A
do conhecimento científico. A medicina estruturou-se com base em ciências positivas
perspectiva conservadora da promoção da saúde reforça a tendência de diminuição
e considerou científica a apreensão de seu objeto (Mendes Gonçalves, 1994). O
das responsabilidades do Estado, delegando, progressivamente, aos sujeitos, a tarefa
discurso científico, a especialidade e a organização institucional das práticas em
de tomarem conta de si mesmos (Lupton, 1995; Petersen, 1997).
saúde circunscreveram-se a partir de conceitos objetivos não de saúde, mas de
Ao mesmo tempo, afirmam-se perspectivas progressistas que enfatizam uma
doença.
outra dimensão do discurso da promoção da saúde, ressaltando a elaboração de
O conceito de doença constituiu-se a partir de uma redução do corpo humano,
políticas públicas intersetoriais, voltadas à melhoria da qualidade de vida das
pensado a partir de constantes morfológicas e funcionais, as quais se definem por
populações. Promover a saúde alcança, dessa maneira, uma abrangência muito maior
intermédio de ciências como a anatomia e a fisiologia. A 'doença' é concebida como

1
dotada de realidade própria, externa e anterior às alterações concretas do corpo dos buscam não só descrever os elementos dos objetos, mas, principalmente, as relações
doentes. O corpo é, assim, desconectado de todo o conjunto de relações que que se estabelecem entre eles. Evidenciaram-se diferentes níveis de organização da
constituem os significados da vida (Mendes Gonçalves, 1994), desconsiderando-se realidade e qualidades emergentes próprias a cada nível. Porém, esta tentativa
que a prática médica entra em contato com homens e não apenas com seus órgãos e encontra limite na 'indizibilidade' do real, que sinaliza a construção de qualquer
funções Canguilhem (1978). modelo como inevitavelmente redutora.
Uma primeira questão é a de a saúde pública se definir como responsável pela A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se manifesta. Correspondem
promoção da saúde enquanto suas práticas se organizam em torno de conceitos de a experiências singulares e subjetivas, impossíveis de serem reconhecidas e
doença. Outra questão é que suas práticas tendem a não levar em conta a distância significadas integralmente pela palavra. Contudo, é por intermédio da palavra que o
entre conceito de doença - construção mental - e o adoecer - experiência da vida -, doente expressa seu mal-estar, da mesma forma que o médico dá significação às
produzindo-se a 'substituição' de um pelo outro. O conceito de doença não somente é queixas de seu paciente. É na relação entre a ocorrência do fenômeno concreto do
empregado como se pudesse falar em nome do adoecer concreto, mas, adoecer, a palavra do paciente e a do profissional de saúde, que ocorre a tensão
principalmente, efetivar práticas concretas que se representam como capazes de remetida à questão que se destaca aqui. Esta situa-se entre a subjetividade da
responder à sua totalidade. experiência da doença e a objetividade dos conceitos que lhe dão sentido e propõe
A importância de adquirir a consciência de que o conceito não pode ser tomado intervenções para lidar com semelhante vivência.
como capaz de substituir algo que é mais complexo é enfocada por Edgar Morin em O Carregado de emoção, o relato das queixas e sintomas dos doentes é traduzido
Problema Epistemológico da Complexidade. Nesse texto, o autor vincula a questão da para uma linguagem neutra e objetiva. Em troca, as lacunas que o texto médico
complexidade ao problema da "dificuldade de pensar, porque o pensamento é um apresenta para dar conta da dimensão mais ampla do sofrimento humano acabaram
combate com e contra a lógica, com e contra o conceito", destacando a "dificuldade por aproximar medicina e literatura. Inúmeros médicos lançaram mão da literatura
da palavra que quer agarrar o inconcebível e o silêncio" (Morin, s.d.: 14). Ou seja, a como meio de expressar o sofrimento humano para além dos limites da objetividade
palavra, mesmo que seja uma elaborada forma de expressão e comunicação, não é do discurso científico. Escritores como Thomas Mann e Tolstói conseguiram exprimir,
suficiente para apreender a realidade em sua totalidade. como poucos, a condição do homem em sua relação com a doença e a morte. Este é
O pensamento humano desenvolve-se em duas direções: por um lado, a o tema que Moacyr Scliar – também médico e escritor – desenvolve no livro A Paixão
profundidade, a redução e o estreitamento; por outro, a amplitude, a abrangência e a Transformada, mostrando como a ficção é reveladora "porque fala sobre a face oculta
abertura de fronteiras. O pensamento científico moderno tendeu à redução, colocando da medicina e da doença" (Scliar, 1996: 10).
para si o desafio de alcançar o máximo da precisão e objetividade por meio da O discurso médico científico não contempla a significação mais ampla da saúde e
tradução dos acontecimentos em esquemas abstratos, calculáveis e demonstráveis. do adoecer. A saúde não é objeto que se possa delimitar; não se traduz em conceito
.A linguagem matemática seria capaz de expressar as leis universais dos fenômenos. científico, da mesma forma que o sofrimento que caracteriza o adoecer. O próprio
Os elementos dos acontecimentos que as palavras - ou, mais precisamente, os Descartes, considerado o primeiro formulador da concepção mecanicista do corpo,
conceitos científicos - não conseguiam alcançar, tenderam a ser vistos como erro ou reconheceu que há partes do corpo humano vivo que são exclusivamente acessíveis
anomalia. O significado da palavra objetiva apresentou-se em substituição à própria a seu titular (Caponi, 1997: 288). Esse aspecto foi analisado com profundidade por
coisa, cujo aspecto sensível não era tido como existente. Canguilhem (1978) na obra O Normal e o Patológico. Em trabalho mais recente, este
Mas a referência à integridade dos acontecimentos – que torna evidente o autor afirma o conceito de saúde tanto como noção vulgar - que diz respeito à vida de
aspecto mutilante do conhecimento – é questão que se coloca desde o nascimento cada um - quanto como questão filosófica, diferenciando-o de um conceito de
dessa forma de apreender a realidade. Sem dúvida que tal problema tomou-se mais natureza científica (Canguilhem, 1990).
explícito no mundo contemporâneo em decorrência dos impasses gerados pela Nietzsche, que adota o vital como ponto de vista básico, relaciona medicina e
progressiva fragmentação do conhecimento. A necessidade de integrar as partes filosofia, mostrando a dimensão de amplitude que o termo saúde evoca:
surgiu no interior da própria lógica analítica - como integrar as' informações e saberes Ainda estou à espera de um médico filosófico, no sentido excepcional da
construídos no sentido de uma profundidade crescente? palavra - um médico que tenha o problema da saúde geral do povo, tempo,
Apresentou-se, para o pensamento científico, o desafio da busca da amplitude, raça, humanidade, para cuidar -, terá uma vez o ânimo de levar minha
valorizando a compreensão da interação entre as partes na direção da unidade e da suspeita ao ápice e aventurar a proposição: em todo o filosofar até agora
totalidade. A questão da complexidade surgiu na discussão científica como nunca se tratou de ´verdade', mas de algo outro, digamos saúde, futuro,
possibilidade de explicar a realidade ou os sistemas vivos mediante modelos que crescimento, potência, vida. (Nietzsche, 1983: 190)

2
conta da singularidade é estabelecer novas relações entre qualquer conhecimento
Conforme ressaltou Morin (s.d.), o que a aproximação entre medicina, literatura e construído por meio de conceitos e modelos e o acontecimento singular que se
filosofia afirma senão a evidência de que a objetividade não poderia excluir o espírito pretende explicar; Enfatiza-se aqui a necessidade de redimensionar os limites da
humano, o sujeito individual, a cultura, a sociedade? A medicina foi também ciência, revalorizando e ampliando a interação com outras formas legítimas de
considerada arte; porém, em seu desenvolvimento histórico, tendeu apreensão da realidade.
hegemonicamente a identificar-se com a crença da onipotência de uma técnica Como foi explicitado acima, a filosofia e a literatura, mesmo que marginalmente,
baseada na ciência. Não houve o devido reconhecimento do hiato entre a vivência sempre foram complementares à medicina. Ao questionar hoje o primado da
singular da saúde e da doença e as possibilidades de seu conhecimento. Isto produziu objetividade científica, não caberia propor a implosão de fronteiras em direção à
um problema importante na forma com que se configurou historicamente a utilização construção de um discurso unificador. O que se afirma é a exigência de revalorizar a
dos conceitos científicos na instrumentalização das práticas de saúde. Atribuiu-se aproximação complementar - na ação - entre formas de linguagem essencialmente
predominância quase exclusiva à verdade científica nas representações construídas diferentes entre si. Trata-se de relativizar o valor de verdade dos conceitos científicos;
acerca da realidade e, principalmente, das práticas de saúde. utilizá-los, mas não acreditar totalmente neles, abrindo canais para valorizar a
Ao contrário da literatura, o pensamento científico desconfia dos sentidos. No interação de sensibilidade e pensamento. Sem abrir mão de ter conhecimento de
processo de elaboração do conceito científico, o contato imediato com o real causa dos saberes científicos, é preciso recolocar a importância do papel da filosofia,
apresenta-se como dado confuso e provisório que exige esforço racional de da arte e da política. Trata-se do esforço voltado para a construção de uma nova
discriminação e classificação (Bachelard, 1983: 15). A explicação científica, ao relação com a verdade, que permita "encontrar uma sabedoria através e para além do
deslocar-se dos sentidos, constrói proposições que se orientam por planos de conhecimento" (Atlan, 1991: 18).
referência, com delimitações que contornam e enfrentam o indefinido e o inexplicável Não é a descoberta de uma novidade, mas a renovação de questões que a
(Deleuze & Guattari, 1993). A circunscrição de um plano de referência é necessidade modernidade e o pensamento iluminista sufocaram. Não deixando de empregar os
que se impõe à construção científica. É no interior do limite que se torna possível a conhecimentos científicos e, ao mesmo tempo, buscando ampliar as possibilidades
explicação, criando-se recursos operativos para lidar com a realidade. Assumir o dos modelos construídos, não se fecham os canais que nos tornam sensíveis à
domínio limitado do pensamento científico constitui, portanto, uma qualificação de sua realidade. Trata-se da renovação de velhas filosofias que foram esquecidas e
pertinência. No entanto, também conforma uma definição de restrição, pois o limite é marginalizadas pela crença desmedida na razão e no poder de controle e domínio do
ilusório e qualquer explicação objetiva não poderia pretender negar a existência do homem. O objetivo não é a verdade, mas a felicidade, a sabedoria e a virtude (Atlan,
misterioso, inexplicável ou indizível. 1991). Tal como a própria medicina, a saúde trata, como afirma a citação de
A questão que se apresenta é que o discurso da modernidade não levou em conta Nietzsche feita anteriormente, não de 'verdade', mas de "(...) futuro, crescimento,
essa restrição. Levando-se em consideração o limite da construção científica e o seu potência e vida" (1983: 190).
inevitável caráter redutor, pode-se afirmar que nenhum conceito - ou sistema Essa questão é estrutural à constituição do campo da saúde pública e está na
conceitos - poderia se propor a dar conta da unidade que caracteriza a singularidade. origem do que se denomina a sua' crise'. Para compreender o que diferencia
O conceito expressa identidades, já a unidade singular é expressão da diferença. Por prevenção e promoção da saúde, do ponto de vista deste trabalho, esse aspecto é
mais que o conceito tenha potencial explicativo e possa ser operativo, não é capaz de fundamental, pois situa o contexto das transformações contemporâneas"do discurso _
expressar o fenômeno na sua integridade, ou seja, não é capaz de 'representar' a saúde pública. As transformações discursivas envolvidas não são somente internas à
realidade. Ao se elaborar um sistema lógico e coerente de explicação, assumir essa lógica do discurso ,científico, mas recolocam, em especial, os limites e os sentidos do
construção mental como capaz de substituir a realidade, mutilam-se as possibilidades conhecimento produzido na configuração das práticas de saúde e, por conseqüência,
de sua apreensão sensível, por se encerrar a realidade em uma redução. na elaboração dos programas de formação profissional. Trata-se da proposta de uma
Não caberia, portanto, questionar o pensamento científico por ser limitado e forma inovadora no que se refere a utilizar a racionalidade científica para explicar o
redutor, mas sim criticar o ponto de vista que nega o limite da construção científica. real e, em particular, para agir. Esse processo implica _formações mais radicais do
Essa negação se expressa, por um lado, ao se considerar a verdade científica como que a mudança no interior da ciência, pois diz respeito à construção de uma
dogma, tornando-se insensível ao inexplicável, ao que não foi conceituado; por outro concepção de mundo capaz de interferir no enorme poder de a racionalidade científica
lado, ocorre também quando se exige que a ciência responda ao que não lhe é construir representações acerca da realidade.
pertinente. Nenhuma ciência seria capaz de dar conta da singularidade, por mais que
se construam novos modelos explicativos - complexos - da realidade. Buscar dar

3
Saúde Pública: diferença entre prevenção e promoção baseado na medicina, estimando-se que ele deve estar integrado às dimensões
ambiental, social, política, econômica, comportamental, além da biológica e médica
O termo 'prevenir' tem o significado de "preparar; chegar antes de; dispor de (Carvalho, 1996). As ações próprias dos sistemas de saúde precisam estar
maneira que evite (dano, mal); impedir que se realize" (Ferreira, 1986). A prevenção articuladas, sem dúvida, a outros setores disciplinares e de políticas governamentais
em saúde "exige uma ação antecipada, baseada no conhecimento da história natural responsáveis pelos espaços físico, social e simbólico. Essa relação entre
a fim de tornar improvável o progresso posterior da doença" (Leavell & Clarck, 1976: intersetorialidade e especificidade é, não obstante, um campo problemático e deve ser
17). As ações preventivas definem-se como intervenções orientadas a evitar o tratado com cuidado, pois sustenta uma tensão entre a demarcação dos limites da
surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas competência específica das ações do campo da saúde e a abertura exigida à
populações. A base do discurso preventivo é o conhecimento epidemiológico integração com outras múltiplas dimensões. Se a especificidade não é disciplinar, ela
moderno; seu objetivo é o controle da transmissão de doenças infecciosas e a deve constituir-se a partir da delimitação de problemas, possibilitando a
redução do risco de doenças degenerativas ou outros agravos específicos. Os implementação de práticas efetivas.
projetos de prevenção e de educação em saúde estruturam-se mediante a divulgação No contexto da implementação das práticas de saúde mantém-se a tensão entre
de informação científica e de recomendações normativas de mudanças de hábitos. duas definições de vida: uma, a de nossa experiência subjetiva; outra, a do objeto das
'Promover' tem o significado de dar impulso a; fomentar; originar; gerar (Ferreira, ciências da vida, do estudo dos mecanismos físico-químicos que estruturam o
1986). Promoção da saúde define-se, tradicionalmente, de maneira bem mais ampla fundamento cognitivo das intervenções da medicina e da saúde pública.
que prevenção, pois refere-se a medidas que "não se dirigem a uma determinada A partir de concepções e teorias a respeito da especificidade biológica ou
doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais" psíquica, foram elaboradas intervenções objetivas e operacionais de assistência à
(Leavell & Clarck, 1976: 19). As estratégias de promoção enfatizam a transformação saúde. Qualquer teoria é redutora e incapaz de dar conta da totalidade dos
das condições de vida e de trabalho que conformam a estrutura subjacente aos fenômenos de saúde e do adoecer. Ao se tentar pensar a unidade do sujeito, o
problemas de saúde, demandando uma abordagem intersetorial (Terris, 1990). máximo que se consegue é expressá-la como 'integração bio-psico-social' que não
A constatação de que os principais determinantes da saúde são exteriores ao deixa de se manifestar de forma fragmentada, mediante conceitos que não dialogam
sistema de tratamento não é novidade. Oficialmente, contudo, é bem recente à com facilidade entre si. Se, de um lado, o vital é mais complexo do que os conceitos
formulação de um discurso sanitário que afirme a saúde em sua positividade. A que tentam explicá-lo; de outro, é através de conceitos que são viabilizadas as
Conferência Internacional sobre Promoção de Saúde, realizada em Ottawa (1986), intervenções operativas. Não há como produzir formas alternativas de atenção à
postula a idéia da saúde como qualidade de vida resultante de complexo processo saúde que não busquem operacionalizar conceitos de saúde e doença.
condicionado por diversos fatores, tais como, entre outros, alimentação, justiça social, Essa demarcação aplica-se não só ao limite da ação específica da assistência à
ecossistema, renda e educação. saúde em relação aos condicionantes sociais envolvidos na dimensão da
No Brasil, a conceituação ampla de saúde assume destaque nesse mesmo ano, intersetorialidade, como também aos limites dos conceitos objetivos que configuram a
tendo sido incorporada ao Relatório Final da VIII Conferência Nacional de Saúde: lógica das intervenções em relação à dimensão da singularidade e subjetividade do
Direito à saúde significa a garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida E adoecer concreto. Nesse último aspecto, a afirmação de Canguilhem manifesta com
acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e propriedade o reconhecimento de que a necessária preocupação com o corpo
recuperação da saúde, em todos os seus níveis, a todos os habitantes do subjetivo não deve levar à obrigação de uma libertação da tutela, tida como
território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua repressiva, da medicina: “o reconhecimento da saúde como verdade do corpo, no
individualidade. (Brasil/MS, 1986). sentido ontológico, não só pode senão como deve admitir a presença, como margem
Apesar de configurar avanço inquestionável tanto no plano teórico quanto no e como barreira, da verdade em sentido lógico, ou seja, da ciência. Certamente, o
campo das práticas, a conceituação positiva de saúde traz novo problema. Ao se corpo vivido não é um objeto, porém para o homem viver é também conhecer"
considerar saúde em seu significado pleno, está-se lidando com algo tão amplo como (Canguilhem, 1990: 36).
a própria noção de vida. Promover a vida em suas múltiplas dimensões envolve, por Sem dúvida, é fundamental valorizar e criar formas de ampliação dos canais de
um lado, ações do âmbito global de um Estado e, por outro, a singularidade e abertura aos sentidos. O ponto de partida e a referência da experiência da saúde e da
autonomia dos sujeitos, o que não pode ser atribuído a responsabilidade de uma área doença é a intuição primeira do corpo. Porém, a razão - mediada pelo conhecimento
de conhecimento e práticas. científico e se utilizada sem reificação - permitiria alargar a intuição e principalmente
É conquista inegável o reconhecimento oficial dos limites do modelo sanitário servir como "instrumento de diálogo e também como barreira de proteção" ao

4
processo de vivência singular do adoecer (Atlan, 1991: 13). O conhecimento científico questionando-se abordagens que restringiam os processos ora a uma dimensão
e a possibilidade operativa das técnicas nas práticas de saúde deveriam ser biologista ora a determinantes genéricos e estruturais (Fleury, 1992).
empregados sem provocar a desconexão da sensibilidade em relação aos nossos O amadurecimento das discussões no interior do campo tomou mais claro que o
próprios corpos. O desafio é poder transitar entre razão e intuição, sabendo relativizar fato de se pensar de modo complexo a questão da saúde não diz respeito à
sem desconsiderar a importância do conhecimento, alargando a possibilidade de incorporação de novo discurso que migra do pólo da objetividade ao da subjetividade,
resolver problemas concretos. do universal ao singular, do quantitativo para o qualitativo etc. Não se trata
É justamente aí que se afirma a radical e, ao mesmo tempo, pequena diferença simplesmente de optar por valores que ficaram subjugados no decorrer do
entre 'prevenção' e 'promoção' da saúde. Radical porque implica mudanças profundas desenvolvimento da racionalidade científica moderna, submetendo-se, agora os que
na forma de articular e utilizar o conhecimento na formulação e operacionalização das eram anteriormente hegemônicos. Não se trata, portanto, de construir novos
práticas de saúde - e isso só pode ocorrer verdadeiramente por meio da posicionamentos que mantêm a reprodução de antigas oposições, mas de saber
transformação de concepção de mundo, conforme problematizado anteriormente. transitar entre diferentes níveis e formas de entendimento e de apreensão da
Pequena porque as práticas em promoção, da mesma forma que as de prevenção, realidade, tendo como referencial não sistemas de pensamento, mas os
fazem uso do conhecimento científico. Os projetos de promoção da saúde valem-se acontecimentos que nos mobilizam a elaborar e a intervir.
igualmente dos conceitos clássicos que orientam a produção do conhecimento A compreensão adequada do que diferencia promoção de prevenção é
específico em saúde - doença, transmissão e risco - cuja racionalidade é a mesma do justamente a consciência de que a incerteza do conhecimento científico não é simples
discurso preventivo. Isto pode gerar confusão e indiferenciação entre as práticas, em limitação técnica passível de sucessivas superações. Buscar a saúde é questão não
especial porque a radicalidade da diferença entre prevenção e promoção raramente é só de sobrevivência, mas de qualificação da existência (Santos, 1987). É algo que
afirmada e/ou exercida de modo explícito. remete à dimensão social, existencial e ética, a uma trajetória própria referida a
A idéia de promoção envolve a de fortalecimento da capacidade individual e situações concretas, ao engajamento e comprometimento ativo dos sujeitos, os quais
coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da saúde. Promoção, dedicam sua singularidade a colocar o conhecido a serviço do que não é conhecido
nesse sentido, vai além de uma aplicação técnica e normativa, aceitando-se que não na busca da verdade que emerge na experiência vivida (Badiou, 1995). Pensar,
basta conhecer o funcionamento das doenças e encontrar mecanismos para seu conseqüentemente, em termos de promoção da saúde é saber que as transformações
controle. Essa concepção diz respeito ao fortalecimento da saúde por meio da de comportamento são orientadas simultaneamente por aquilo que se conhece acerca
construção de capacidade de escolha, bem como à utilização o conhecimento com o dos determinismos e pela clareza de que não se conhece, nem se chegará a
discernimento de atentar para as diferenças e singularidades dos acontecimentos. conhecer, todos eles (Atlan, 1991).
No contexto das transformações das abordagens tradicionais da saúde pública, a A consciência prática cio limite do conhecimento acarreta que não se tenha a
formulação de Castellanos (1997) acerca do conceito de situação de saúde permite pretensão de encontrar uma nova teoria científica que possa formular um discurso
ampliar a concepção de promoção da saúde. unificador de todas as dimensões que envolvem a saúde. Promover saúde envolve
Uma situação de saúde define-se pela consideração das opções dos atores escolha e isso não é da esfera do conhecimento verdadeiro, mas do valor. Vincula-se
sociais envolvidos no processo; esta não pode ser compreendida "à margem da a processos que não se expressam por conceitos precisos e facilmente medidos.
intencionalidade do sujeito que a analisa e interpreta" (Castellanos, 1997: 6). Termos como empowerment (Eakin & Maclean, 1992) ou 'vulnerabilidade' (Ayres et
Vinculado ao conceito de situação de saúde, estabelece-se a diferença entre al., 1997) vêm sendo desenvolvidos e utilizados cada vez mais no contexto das
necessidade e problema de saúde. As necessidades são elaboradas por intermédio propostas de promoção da saúde. Esses 'quase conceitos' não só permitem
de análises e procedimentos objetivos. Os problemas demandam abordagens mais abordagens transdisciplinares, articulando-se a conceitos de outras áreas, como
complexas, configurando-se mediante a escolha de prioridades que envolvem a abrem-se a múltiplas significações que emergem da consideração da diferença,
subjetividade individual e coletiva dos atores em seus espaços cotidianos subjetividade e singularidade dos acontecimentos individuais e coletivos de saúde.
(Castellanos, 1997). Essa abertura, contudo, não deixa de ter, como referência dialógica; os conceitos
O reconhecimento de valores, tais como subjetividade, autonomia e diferença, que configuram a especificidade do campo da saúde pública. Esse diálogo não se
apresentou-se no contexto das transformações no discurso científico, que há cerca de estabelece sem lacunas e pontos obscuros. Um dos exemplos, nesse sentido, é a
uma década manifestou-se mais explicitamente na saúde coletiva. Buscou-se marcante vinculação dos projetos em promoção da saúde com o conhecimento
reinterpretar o significado de conceitos, como, por exemplo, sujeito e natureza, na elaborado mediante estudos epidemiológicos de risco. Essa ligação ocorre mesmo
compreensão dos processos de saúde e doença (Costa & Costa, 1990), nas pesquisas que alcançam articular múltiplas abordagens, como é o caso dos

5
estudos de vulnerabilidade à Aids, que integram as dimensões de comportamento parte, alguma coisa se revela e, por outra, algo se oculta, correspondem a interesses,
pessoal, contexto social e de organização de programas institucionais (Mann; valores e necessidades. O conceito de risco e sua enorme importância na constituição
Tarantola & Netter, 1993; Ayres et al., 1997). Grande parte dos projetos definidos da cultura moderna tardia (Guiddens; Beck & Lasch, 2000), é devido, também, à
como promoção também aponta exposições ocupacionais e ambientais na origem de exacerbação da pertinência do conceito na sua utilização social. O conceito de risco
doenças, assim como propõe o estímulo a mudanças de comportamento, como, por contribuiu para a produção de determinadas racionalidades, estratégias e
exemplo, o incentivo à prática de exercícios, ao uso de cintos de segurança, à subjetividades, sendo central na regulação e monitoração de indivíduos, grupos
redução do fumo, álcool e outras drogas etc. sociais e instituições (Lupton, 1999).
O desenvolvimento dos estudos de risco esteve vinculado a um processo cultural
Epidemiologia e Promoção da Saúde construtor de um homem individualista, que enfrentou a necessidade de lidar com as
forças desagregadoras da natureza e da sociedade por intermédio da lógica da ordem
A integração entre epidemiologia e promoção da saúde situa-se no campo e da proteção, ao passo que pouco investiu no amadurecimento das relações com o
problemático analisado neste texto. O que foi discutido acerca da diferença (e outro mediante o fortalecimento de sua vitalidade e autonomia (Czeresnia, 1997).
semelhança) entre prevenção e promoção diz respeito também ao uso dos conceitos Considerando que um dos aspectos fundamentais da idéia de promoção da saúde é o
epidemiológicos, que são ,a base do discurso sanitário preventivo. Não se trata de estímulo à autonomia, retoma-se a pergunta: com que concepção de autonomia os
'acusar' o aspecto redutor desses conceitos como limite à compreensão da projetos em promoção da saúde efetivamente trabalham? Pensar na possibilidade de
complexidade dos processos de saúde e doença em populações e à conformação das estimular uma autonomia que potencialize a vitalidade (saúde) dos sujeitos envolveria
práticas de saúde pública, mas de ter maior clareza dos limites desses conceitos, o transformações profundas nas formas sociais de lidar com representações científicas
que possibilitaria direcionar melhor as tentativas de aprimorar métodos, construir e culturais como o risco. Não há como propor 'recomendações objetivas e de
novos conceitos e utilizá-los de modo mais integrado e apropriado aos interesses e execução rápida' que capacitem uma apropriação de informações sem o 'risco' da
necessidades de estruturação das práticas de saúde. incorporação acrítica de valores.
O conhecimento epidemiológico é nuclear na conformação das práticas de saúde A clareza a respeito dos valores contidos nos diferentes projetos em promoção é
pública. O discurso preventivo tradicional ressentiu-se da pobreza teórica e da um dos principais pontos problemáticos da proposta. Qualquer prática em promoção
hegemonia da lógica mecanicista e linear na elaboração conceitual da epidemiologia. da saúde apresenta pontos de vista acerca do que é 'boa saúde'. A idéia genérica de
Problemas desse tipo são manifestos, em especial, nas críticas já feitas ao conceito promover saúde esconde profundas tensões teóricas e filosóficas (Seedhouse, 1997).
epidemiológico de risco (Goldberg, 1990; Almeida Filho, 1992; Castiel, 1994; Ayres, Promoção da saúde contempla um amplo espectro de estratégias técnicas e políticas
1997). Quais valores são produzidos através das representações formadas a partir que incluem tanto posturas conservadoras como extremamente radicais (Lupton,
desse conceito? Que significados são gerados socialmente ao se estabelecer 1995).
determinados hábitos e comportamentos como risco de agravos à saúde? É com esse cuidado que se deve avaliar, por exemplo, propostas como a de
O objetivo formal do estudo de risco é inferir a causalidade, avaliando a medicina baseada em evidências, que utiliza fundamentalmente critérios e métodos
probabilidade da ocorrência de eventos de doença em indivíduos e/ou populações epidemiológicos para sistematizar resultados de pesquisas aplicadas, experiências
expostos a determinados fatores. No entanto, apesar de se propor a mensurar riscos clínicas e de saúde pública (Jenicek, 1997). Como articular um achado de best
individuais e/ou coletivos, o que o método matemático utilizado estima é o 'efeito evidence, formulado por meio do conhecimento clínico epidemiológico, com a
causal médio' - uma redução tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo. As experiência clínica e de saúde pública? Quais as mediações entre critérios
reduções - passagens lógicas necessárias e inevitáveis à viabilização do método - operacionais e decisões práticas? Como traduzir 'boas recomendações' técnicas em
constroem representações que não correspondem à complexidade dos processos. O ação (Jenicek, 1997)? Não será um protocolo técnico que vai resolver a
problema é que as informações produzidas por meio dos estudos de risco tendem a implementação de uma 'boa prática', o que não desqualifica - pelo contrário - a
ser empregadas sem se levar em conta as passagens de nível lógico que efetuam. pertinência da construção de protocolos que otimizem a informação acerca de
Não se considera devidamente os limites estritos de aplicação das estimativas de procedimentos.
risco, 'apagando-se' assim aspectos importantes dos fenômenos (Czeresnia & Não há como trabalhar devidamente e de modo prático a construção da idéia de
Albuquerque, 1995). promoção da saúde sem enfrentar duas questões fundamentais e interligadas: a
Esse 'apagamento' não é destituído de valor; pelo contrário, é por meio dele que necessidade da reflexão filosófica e a conseqüente reconfiguração da educação
proliferam significados culturais. As opções envolvidas no processo em que, por uma (comunicação) nas práticas de saúde.

6
A questão filosófica é vulgarmente tida como 'diletante', pairando acima da vida e DELEUZE, G. & GUATTARI, F. 'O Que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
do mundo real. Mas, sem ela, não há como lidar com pontos obscuros que se EAKIN, J. & MACLEAN, H. A critical perspective on research and knowledge development in
apresentam quando se procura dialogar e fluir entre as diferentes dimensões que health promotion. Canadian Journal of Public Health, 83: 72-76,
mar./ apr., 1992.
caracterizam a complexidade da saúde. Sem a reflexão, não há como dar conta do
FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário do Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
desafio que existe em traduzir informações geradas por meio da produção de 1986.
conhecimento científico em ações que possam efetivamente promover transformações FLEURY, S. (Org.) Saúde: coletiva? Questionando a onipotência do social. Rio de Janeiro:
sociais, ambientais e de condutas 'não saudáveis' dos sujeitos. Os desafios que se Relume-Dumará,1992.
apresentam, nesse sentido, não se resolvem 'apenas' com a aplicação de novos GIDDENS, A.; BECK, U. B. & LASH, S. Modernização Reflexiva. São Paulo: Unesp, 1997.
modelos, da mesma maneira que a questão da educação não se resolve 'apenas' com GOLDBERG, M. Este obscuro objeto da epidemiologia. In: COSTA, D. C. (Org.) Epidemiologia:
informação e capacitação técnica. teoria e objeto. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1990.
JENICEK, M. Epidemiology, evidenced-based medicine, and evidenced-based public
health.JournalofEpidemiology, 7(4): 187-197, dec., 1997.
Referências Bibliográficas
LEAVELL, S. & CLARCK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.
LUPTON, D. The Imperative ofHealth: public health and the regulated body. Londres: Sage,
ALMEIDA FILHO, N. A Clínica e a Epidemiologia. Salvador: Rio de Janeiro: APCE/Abrasco, 1995.
1992. LUPTON, D. Risk: key ideas. Londres: Routledge, 1999.
ATLAN, H. Tudo, Não, Talvez: educação e verdade. Lisboa: Instituto Piaget, 1991. MANN, J.; TARANTOLA, D. J. M. & NETIER, T. W. (Orgs.) A Aids no Mundo. Rio de Janeiro:
AYRES, J. R. M. C. Sobre o Risco: para compreender a epidemiologia. São Paulo: Abia/IMS/Uerj/Relume-Dumará, 1993.
Hucitec/Abrasco, 1997. MENDES GONÇALVES, R. B. Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde:
AYRES, J. R. et aI. Aids, vulnerabilidade e prevenção. In: SEMINÁRIO SAÚDE REPRODUTIVA características tecnológicas do processo de trabalho na rede estadual de centros de saúde de
EM TEMPOS DE AIDS, II, 1997, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Abia, 1997. São Paulo. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1994.
BACHELARD, G. Epistemologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. MORIN, E. O Problema Epistemológico da Complexidade. Portugal: Publicações Europa-
BADIOU, A.Ética: um ensaio sobre a consciência do mal. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. América, s.d.
BRASIL/M:S. In: VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1986, Brasília. Anais...Brasília: NIETZSCHE, F. Obras Incompletas. Gaia ciência. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MS, 1986. PETERSEN, A. Risk, govemance and the new public health. In: PETERSEN, A. & BUNTON, R.
BUSS, P. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1): 163-177, (Eds.) Foucault, Health and Medicine. Londres/Nova Iorque: Routledge, 1997.
2000. SABROZA, P. C. Saúde pública: procurando os limites da crise. Rio de Janeiro: Ensp/Fiocruz,
CANGUILHEM, G. O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978. 1994. (Mimeo.).
CANGUILHEM, G. La Santé: concept vulgaire e question philosophique. Paris: Sables, 1990. SANTOS, B. S. Um Discurso sobre as Ciências. Porto: Afrontamento, 1987.
CAPONI, S. Georges Canguilhem y el estatuto epistemológico deI concepto de salud. História, SCILIAR, M. A Paixão Transformada: história da medicina na literatura. São Paulo, Companhia
Ciências e Saúde: Manguinhos, 4(2): 287-307, juI.-out., 1997. das Letras, 1996.
CARVALHO, A. L Da saúde pública às políticas saudáveis: saúde e cidadania na pós- SEEDHOUSE, D. Health Promotion: philosophy, prejudice and practice. England: Wiley, 1997.
modernidade. Ciência & Saúde Coletiva, 1(1): 104-121, 1996. TERRIS, M. Public hea1th policy for the 1990s. Ann. Review of Public Health, 11: 39-51, 1990.
CASTELLANOS, P. L: Epidemiologia, saúde pública, situação de saúde e condições de vida:
considerações conceituais. In: BARATA, R. B (Org.) Saúde
e Movimento: condições de vida e situação de saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 1997.
CASTIEL, L. D. O Buraco e o Avestruz: a singularidade do adoecer humano. Campinas: Papirus,
1994.
COSTA, D. C. & COSTA, N. R. Teoria do conhecimento e epidemiologia: um convite à leitura de
John Snow. In: COSTA, D. C. (Org.) Epidemiologia,
Teoria e Objeto. São Paulo: Hucitec/Abrasco, 1990.
CZERESNIA D. Do Contágio à Transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento
epidemiológico., Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997.
CZERESNIA, D. The concept of health and the diference between promotion and
prevention. Cadernos de Saúde Pública_ 15(4): 701-710, 1999.
CZERESNIA, D. & ALBUQUERQUE, M. F. M. Modelos de inferência causal: análise crítica da
utilização da estatística na epidemiologia. Revista de Saúde Pública, 29(5): 415-423, 1995.

7
A OMS tem esse conceito hoje (será que ele é correto?) mas a humanidade, ao longo
SAÚDE BUCAL COLETIVA de sua história, tem formulado os mais variados conceitos na tentativa de
compreender a relação entre a saúde e a doença.

Carlos Botazzo; Marcos Antônio Manfredini; Paulo Capel Narvai; Paulo Frazão. Veremos a seguir um pouco dessa história.
Elaborado como material de apoio ao Curso para Formação de Técnico em Higiene 2-A CAUSA DAS DOENÇAS NA ANTIGUIDADE
Dental, do SUDS-SP. São Paulo, 1988.
Para alguns dos povos da antigüidade (hebreus, assírios, egípcios etc. ) a doença
seria causada por fatores naturais ou sobrenaturais; em geral, a manifestação da
1-INTRODUÇÃO vontade dos deuses. O Velho Testamento, por exemplo, contém inúmeras referências
a pestes e outras doenças que teriam ocorrido por desobediência à vontade divina. No
A compreensão ou o entendimento do que venha a ser saúde não é uma tarefa caso, o homem seria apenas o objeto dessa vontade, isto é, inteiramente passivo. As
complicada para a maior parte das pessoas. O senso comum, a opinião do leigo, causas seriam sempre externas ao homem e o organismo humano não teria nenhuma
coloca juntas a noção de saúde com a noção de bem-estar: participação.
"Eu me sinto bem, logo estou com saúde". Já para os chineses e hindús, embora podendo sofrer a influência dos astros e do
clima, a doença seria a manifestação do desequilíbrio dos "humores" que compõem o
Quando começamos a refletir sobre esse tema, entretanto, surgem os primeiros
organismo. Nesta visão, os agentes externos causariam desequilíbrios internos e o
obstáculos. De fato, uma pessoa pode "sentir-se bem" mesmo estando enferma. Os
organismo participaria ativamente nesse processo. Para ser curado seria necessário
que têm alguma experiência com doentes sabem disso.
restabelecer o equilíbrio e isto se conseguiria mediante uma intervenção sobre o
Podemos, então, fazer um raciocínio inverso: a ausência de doença seria a saúde. corpo doente. A medicina chinesa elaborou muitas técnicas de intervenção há
Mas como saber se uma pessoa está ou não doente? .Muitas vezes uma pessoa milhares de anos e algumas delas são praticadas ainda hoje, como a acupuntura e o
aparenta estar bem e depois percebemos que esta não era a realidade. do-in.
Por outro lado, sabemos que as doenças não são físicas somente, ou seja, elas não Os gregos antigos tinham uma concepção próxima a dos chineses. Também eles
se manifestam de modo visível no organismo humano mas afetam também o trabalharam com a idéia dos "humores" e desenvolveram explicações bastante
psiquismo das pessoas. São as chamadas "doenças mentais". sofisticadas acerca das doenças. A qualidade do ambiente físico – o ar e a água,
particularmente – tinha grande importância. Entre eles surgiram grandes médicos,
Ainda tentando compreender o que vem a ser a saúde, podemos imaginar que uma dos quais Hipócrates é considerado o maior. A influência das concepções dos gregos
pessoa se sinta bem, não tenha conhecimento de nenhuma doença, nem visível nem foi grande e de um modo ou de outro estiveram presentes no mundo ocidental até o
invisível, nem física nem mental, porém sua condição de vida é muito precária: não fim da Idade Média.
ganha o suficiente, se alimenta mal, mora em local sem água e esgoto, os transportes
são deficientes etc. Mesmo não apresentando "nada", será que esta pessoa pode ter 3-A CAUSA DAS DOENÇAS DURANTE A IDADE MÉDIA
saúde?
A medicina grega, ou medicina hipocrática, continuou a ser praticada durante muitos
"Sentir-se bem" ou "haver ausência de doença”, portanto, não significa ter saúde. séculos, mesmo depois do desaparecimento do mundo grego-romano.
Os estudiosos desse assunto vêm há muito tempo debatendo essa questão. O estudo Na Idade Média, todavia, não é observado nenhum avanço ao nível das explicações
desse tema é importante pois as práticas de saúde, isto é, o modo como os para a doença. Ao contrário, sob influência do cristianismo, o caráter religioso do
profissionais trabalham, como as doenças são tratadas e como são organizados os processo saúde/doença foi retomado, particularmente por causa das inúmeras
serviços de saúde, dependem do conceito que temos sobre a saúde e a doença. epidemias que assolaram a Europa nesta época. A medicina, tal como praticada pelos
gregos, foi abandonada. A intervenção sobre o corpo doente (clínica) seria de pouca
Atualmente a Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua saúde como um ou nenhuma utilidade para a cura.
"estudo de completo bem-estar físico, psíquico e social, e não apenas a ausência de
doença".

8
As doenças transmissíveis eram o centro das atenções. Foi formulado o conceito de Para que o capitalismo se desenvolvesse e se consolidasse como modo de produção
contágio, isto é, a idéia de que um homem (ou animal) doente pode transmitir doença hegemônico, isto é, dominante na sociedade, a burguesia estimulou o
a uma pessoa sã. As ca4sas das doenças, todavia, eram as mais diferentes, indo desenvolvimento das ciências e da técnica em níveis jamais alcançados pela
desde águas de poços "podres" ou "envenenados", passando por influências humanidade em sua história anterior. Mas o capitalismo também significava miséria e
astrológicas, feitiços e bruxarias, ou ainda atribuída à influência maléfica de judeus e exploração. Por toda parte milhões de pessoas perderam suas terras e seus
não batizados em geral. instrumentos de trabalho e, como gado humano, foram amontoados nas cidade,
enfiados nas minas, confinados nas fábricas para produzirem até a completa exaustão
No fim da Idade Média, porém, a prática da medicina em moldes clínicos foi retomada, de suas forças. Naquela época não havia limites: homens, mulheres e crianças, todos
como também foram reiniciadas as experiências e observações acerca da constituição encontravam-se obrigados a jornadas diárias de até 19 horas, em condições hoje
e do funcionamento do corpo humano, as quais foram fundamentais para a formação inimagináveis.
das ciências básicas (Anatomia, Patologia, Fisiologia etc).
A mortalidade infantil era tão alta que ameaçavam a própria capacidade de
4-A CAUSA DAS DOENÇAS NA IDADE MODERNA OU INDUSTRIAL reprodução biológica da força de trabalho. Incapacidade física, envelhecimento e
Entre os séculos XVI e XVIII a preocupação com o contágio foi dominante. O centro morte precoce, este era o destino reservado a todos os trabalhadores, incluindo
das atenções continuou sendo as doenças transmissíveis. Surgiu a teoria dos mulheres grávidas e crianças de tenra idade.
miasmas, ou seja, odores mal-cheirosos originados em pântanos, águas paradas e VIRCHOW foi um médico e estudioso das causas das doenças em seu tempo. Ele
corpos em decomposição, os quais seriam os responsáveis pelas doenças. viveu entre o século XVIII e o XIX. Eis o que escreveu sobre esse assunto:
A tentativa de explicar a disseminação das epidemias fez surgir a idéia de que "Se a doença é uma expressão da vida individual sob condições desfavoráveis, a
"partículas invisíveis" poderiam ser responsáveis por elas. Esta época (entre 1.500 e epidemia deve ser indicativa de distúrbios, em maior escala, da vida das massas."
1.600) assinala o retorno da explicação da doença a partir de um elemento externo
que, invadindo o corpo, causa doença (o organismo humano seria apenas um Ou ainda:
receptáculo). As concepções dos gregos sobre a saúde e a doença, que situavam o
homem em sua relação com a natureza, foram abandonadas. "As epidemias não apontarão sempre para as deficiências da sociedade? Pode-se
apontar como causas as condições atmosféricas, as mudanças cósmicas gerais e
O desenvolvimento da ciência (no campo da química e da física, de modo particular) coisas parecidas mas, em si e por si, estes problemas nunca causam epidemias. Só
foi transportado para a prática clínica. Entre o fim do século XVIII e início do século podem produzi-las onde devido às condições sociais de pobreza, o povo viveu
XIX o que se busca explicar não é mais porquê as pessoas adoecem, mas sim onde durante muito tempo em situação anormal."
as doenças se localizam no corpo e quais os danos que provocam. Procura-se
desvendar o significado dos sinais e sintomas ao nível exclusivo do indivíduo. Eis o ponto central da questão: uma "partícula invisível" poderia causar doença mas a
sua produção só seria possível onde e quando condições objetivas de existência
Os estudiosos da época se dividiram em dois grupos: de um lado clínicos e social (isto é, o modo como as pessoas trabalham e vivem) permitissem que a doença
pesquisadores em laboratórios que procuravam encontrar uma causa que pudesse se desenvolvesse. Por este raciocínio era possível entender porque milhares de
explicar o surgimento de uma doença (uma "partícula invisível", por exemplo) e de pessoas podiam estar contaminadas ( com o bacilo da tuberculose, por exemplo) mas,
outro os que procuravam explicar as causas das doenças (ou sua causalidade) a com uma ou outra exceção, apenas as pessoas que compunham um determinado
partir das condições concretas de existência social, ou seja, o modo real como as grupo, vivendo em condições semelhantes, desenvolviam a doença.
pessoas vivem, onde trabalham, quanto ganham etc. Para compreender essa divisão
entre os estudiosos das causas das doenças, e as propostas que faziam para Já naquela época a explicação simplista, unicausal (presença de micróbio = doença)
enfrentá-las, é necessário entender alguns aspectos específicos da época que não satisfazia pesquisadores com Virchow.
estamos estudando. Para esclarecer esse raciocínio pode-se apresentar outros exemplos dos dias atuais:
Sem dúvida, a coisa mais importante que ocorreu neste período foi o desenvolvimento o risco de ter doenças no coração não é igual para todas as pessoas – para as que
acelerado do capitalismo, após a Revolução Industrial. fumam o risco é maior; os operários que trabalham na indústria do cimento ou do cal
estão sujeitos a riscos maiores de terem doenças nos pulmões; uma pessoa que toma

9
café adoçado com sacarose várias vezes ao dia apresenta maior risco de ter cárie pobres está permanentemente sujeita. A própria atividade econômica acabava sendo
dental do que outra que toma menos café ou que tome café sem açúcar . comprometida. Por isso, as grandes cidades são saneadas; constrõem-se redes de
água e esgoto e são instituídos esquemas racionais de coleta e destino para o lixo
Mas os pesquisadores que defendiam esta visão do processo saúde/doença não urbano.
obtiveram êxito. Na segunda metade do século XIX foi aberto o caminho para a
afirmação dos interesses empresariais capitalistas na área da saúde. A necessidade Por outro lado, os trabalhadores organizaram-se em associações e sindicatos e, em
de maior controle sobre os trabalhadores urbanos e o próprio desenvolvimento da muitos países, suas lutas levaram à obtenção de melhores condições de vida e
economia capitalista na área da saúde (equipamentos, instrumentos, medicamentos, trabalho: a jornada diária foi reduzida (muito lentamente.....), determinados tipos de
construção de hospitais e ambulatórios) fez com que a idéia de causa única se ocupação foram proibidos às mulheres grávidas e crianças abaixo dos 15 anos.
tornasse dominante. A ênfase é dada ao individual, ao biológico, ao técnico. Os Aumentou a produção de alimentos, os salários também aumentaram. As pessoas
alunos da área médica (medicina, enfermagem, odontologia etc.) aprendem como os passaram a morar em casa melhores, a trabalhar em melhores condições, a se
tecidos e células se alteram nos processos patológicos. Aprendem, por extensão, alimentar melhor .
como curar a partir de uma intervenção técnica sobre o corpo doente. O modelo de
intervenção baseado nesta concepção recebeu o nome de Medicina Cientifica As alterações ocorridas na forma de produzir e consumir na sociedade é que foram (e
(Odontologia Científica). Esta medicina encarrega-se de prestar assistência á saúde são) as responsáveis, no fundamental, pela modificação da situação de saúde da
das pessoas. O local privilegiado de sua intervenção é o corpo doente, é o indivíduo. população. Isto pode ser demonstrado de modo claro com o gráfico abaixo:

Para esta medicina é conveniente (e também altamente lucrativo) que o social seja
esquecido. Assim, embora se pretenda científica, ignora o conjunto dos TUBERCULOSE PULMONAR : TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE MORTALIDADE
conhecimentos que a ciência produziu sobre à saúde e a doença, utilizando apenas (PADRONIZADO PARA A POPULAÇÃO DE 1901):
parcelas desse conhecimento. INGLATERRA E GALES
5-A CAUSA DAS DOENÇAS NA ÉPOCA ATUAL
Habitualmente as pessoas são acostumadas também a associar boa saúde com
assistência à saúde, isto é, com a possibilidade que as pessoas têm de se consultar
com médicos e dentistas, ou de se internar em hospitais. Isto tem importância, não há
dúvida. Porém, como esse modelo de prática vem sendo exercido há mais de um
século, uma pergunta se faz necessária: essa concepção das causas das doenças e
essa prática médica (e, também, de odontologia) conseguiu obter melhores níveis de
saúde para a humanidade? A resposta seguramente é negativa.
Sem dúvida sabemos que, em geral, hoje vivemos mais e melhor do que há 100 anos.
Mas isso se deu não como decorrência do modelo de intervenção médica hegemônico
e sim devido às melhores condições sociais de existência, possíveis nos dias atuais.
De fato, ao lado do desenvolvimento material da sociedade no século XIX e início do
século XX, foi também sendo desenvolvida a idéia de que as condições de vida e
trabalho precisavam mudar .
Por um lado, era preciso, do ponto de vista da burguesia, criar um cordão sanitário
que, nas cidades dos países capitalistas, separasse os bairros ricos dos bairros
pobres. Se nos bairros pobres a doença era (é) uma constante, durante as epidemias
as fronteiras entre eles podiam ser rompidas, submetendo os moradores dos bairros
de alta renda aos mesmos riscos de adoecer aos quais a população dos bairros

10
Para explicar situações como esta, que coloca em evidência a extrema limitação do com outro homem, e não social. Vivendo em "equilíbrio", numa espécie de mundo
conceito de unicausalidade (isto é, que apenas um agente é o responsável pela parecido com o paraíso não haverá doença; esta ocorrerá quando sobrevier o
produção da doença), surgem a partir do início deste século desdobramentos desta "desequilíbrío". Assim eles pensam. Claro que águas contaminadas ou poluídas (um
concepção. São as teorias de multicausalidade. O homem passa a ser entendido rio ou um lago) são causadoras de doenças, algumas bastante graves. Mas podemos
como uma unidade bio-psico-social e se considera que várias causas ou fatores afirmar que essa água poluída é apenas conseqüência do desequilíbrio ambiental?
intervêm para que a doença ocorra. Aqui também preciso estar atento pois desastres ecológicos naturais ocorrem com
pouca freqüência, sendo muito mais freqüentes e lesivos para o homem aqueles
O surgimento da psicologia e da psicanálise conduz à idéia de que a mente do produzidos continuamente em decorrência da atividade humana e diretamente
homem também seria importante e se admite que o social teria influência. relacionada com o modo como a sociedade está organizada e produzindo (poluição
Nesta visão, porém, o social é compreendido como sendo um conjunto de condições do ar provocada por automóveis, rios poluídos por dejetos industriais ou esgotos não
relativas apenas ao ambiente e à família, e não como sendo as relações dinâmicas e tratados etc ). Mergulhados nas concepções biologicistas, os defensores do modelo
contraditórias que os homens estabelecem entre si ao trabalharem. Desse modo, ecológico não conseguem perceber como a vida humana articula-se socialmente,
nessa concepção, os três elementos (o biológico, o psicológico e o social) têm o percebendo a vida apenas como um fenômeno "natural".
mesmo peso e a mesma importância, sendo o homem sempre compreendido Outra conseqüência dessas formulações foi o surgimento, desde o século XIX, de
isoladamente. idéias que, reduzindo o homem a um fenômeno biológico, procurou explicar as bases
Para entender melhor os limites dessa concepção, duas coisas ainda precisam ser do comportamento humano a partir de detalhes anatômicos ou fisiológicos. Assim,
ditas. A primeira é que, mesmo não desconhecendo a existência real da sociedade particularidades da anatomia racial, segundo eles, são indicativos de alguns
humana, os defensores dessa teoria na verdade ignoram o modo concreto como a comportamentos em geral negativos. Por exemplo, malares salientes, testa baixa,
sociedade é formada, as contradições existentes entre os grupos e as classes sociais nariz achatado e queixo largo, podem caracterizar uma pessoa potencialmente
e o porque dessas contradições. Como seu modo de pensar alcança apenas o criminosa. Este tipo de observação "científica", desenvolvida muito bem por Lombroso
biológico, confundem a doença com os doentes e pensam que a psicologia é uma na Itália, dentre outros, apesar do tempo passado ainda está presente entre nós.
extensão da fisiologia do sistema nervoso. Por isso, é importante destacar, e esta é a Muita gente, sinceramente, acredita que o miserável é o responsável por sua miséria
segunda coisa que deve ser dita, que o social deve ser compreendido não como um e o doente por sua doença: pior, há os que pensam que as doenças da infância são
atributo (qualidade) encontrado nas pessoas, mas sim como o cenário, o espaço ou "naturais" e que funcionam como mecanismo para a seleção da espécie.
local onde os homens, os grupos e as classes sociais estabelecem relações entre si, e Voltemos ao nosso tema, porém.
no qual a cultura, a ciência, a moral e todos os demais valores humanos são
produzidos. É por isso que cada sociedade humana ( cada povo ), em cada época Como acabamos de ver, todas essas concepções são parecidas com o conceito de
específica, produz coisas diferentes umas das outras: literatura, arquitetura, música, saúde proposto pela OMS: "saúde é um estado de completo bem estar bem-estar
vestuários, alimentação, ciência, moral, hábitos etc. Do contrário, a vida social no físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença".
Brasil ou no Alasca, no presente ou no passado, seria a mesma coisa, e esta é uma
idéia absurda. Fica mais claro agora percebermos os limites desse conceito, pois o "bem-estar físico,
mental e social" é um bem (tanto no sentido do valor econômico quanto no sentido do
Este é um modo de interpretar o conceito de multicausalidade. bom, isto é, de qualidade positiva) que não é igual para todos os homens ou grupos e
classes sociais.
Outro modo de interpretar esse conceito é fornecido pelo modelo ecológico. Ele é
assim chamado por dar grande importância ao ecossistema no qual o homem está Em resumo, a possibilidade de uma pessoa alcançar o "bem-estar físico, mental e
inserido, isto é, o conjunto dos elementos que compõem o meio ambiente. As social" vai depender do grupo social ao qual ela pertença. Vai depender ainda da
atividades do homem, nesta visão, seriam condicionadas pelo meio ambiente e, ocupação principal da pessoa, quanto ela ganha, nível de escolaridade, da
embora se admita que o meio pode ser modificado pela atividade humana, todos possibilidade de acesso maior a informações, da participações maior ou menor nas
acabam colocados num mesmo plano: homens, agentes etiológicos (causadores de esferas de decisão política, do consumo (água potável, alimentos, moradia,
doenças) e a própria doença. Ou seja, é como se vivêssemos em equilíbrio biológico transporte, vestuário, lazer etc) e de acesso a serviços de saúde, dentre outros.
exclusivo com a natureza, como se o homem tivesse uma relação animal (natural)

11
Por isso, fala-se hoje na determinação social do processo saúde/doença. Ela é tecnologia menos sofisticada (apropriada) diminuindo, assim, os custos. Desse modo,
entendida como um conceito que permite explicar não só a produção das doenças a odontologia poderia vir a se tomar mais eficaz e menos iatrogênica. Seria possível,
como também sua distribuição e localização enquanto causa específica de morte para então, conseguir maior impacto, isto é, alterar a situação atual de saúde bucal da
os vários grupos populacionais. população.
As práticas de saúde derivadas desta concepção denominam-se Saúde Coletiva. Os estudiosos que se preocupam com esta situação costumam falar em odontologia
simplificada ou odontologia integral.
6-ODONTOLOGIA INTEGRAL ?
Não é tarefa das mais fáceis, entretanto, definir odontologia integral pois existem
Como já foi dito, o modo como são organizados os serviços de saúde, e como as muitos entendimentos para esta expressão.
doenças são tratadas, dependem do modo como o processo saúde/doença é
entendido. Evidentemente, isto é também válido para a odontologia. Para alguns ela seria a integração das atividades educativas, preventivas e curativos.
Genericamente os que defendem esta posição são chamados de preventivistas.
Ao se constituir como especialidade da medicina em meados do século passado, a Reconhecem a debilidade do curativismo e colocam a necessidade de incorporar
odontologia se organizou tendo por base a teoria da unicausalidade. Mais tarde, são medidas preventivas individuais e "de massa" (de alcance coletivo) como forma de
aceitas as teorias da multicausalidade e do modelo ecológico. A explicação atual para equacionar os problemas de saúde bucal mais agudos.
a cárie dental, ensinada em todos os nossos cursos de odontologia, é um bom
exemplo disso. No que diz respeito à cárie dental, por exemplo, os preventivistas identificam os
fatores mais frágeis na "cadeia" da doença e se propõem atuar exclusivamente sobre
Nos últimos anos surgiram no Brasil vários grupos de cirurgiões-dentistas, professores eles. Assim, a prevenção dessa doença seria possível através do fortalecimento do
universitários e pesquisadores que procuram analisar a situação de saúde bucal da esmalte (flúor), do controle da dieta (açúcar) e do controle mecânico da placa
nossa população. Esses grupos também vêm estudando o modo como é prestada a bacteriana (escovação) baseiam-se no modelo de explicação multicausal da doença
assistência odontológica às pessoas, bem como as condições em que essa para o qual, como vimos anteriormente, as condições objetivas de existência social
assistência é realizada. Estudam, portanto, o modelo de prática odontológica que é não têm muita importância.
dominante (hegemônico) em nosso país. As características desse modelo já foram
discutidas em várias oportunidades. Vale, neste momento, relembrar algumas delas : O preventivismo propõe ainda outras medidas profiláticas como o flúor, etc. Isso,
porém, não lhe modifica a essência. Bastaria, portanto, identificar na rede de
• ênfase no biológico e no curativo; causalidade os fatores mais vulneráveis, intervir neles e ser bem sucedido.
• baixa cobertura;
• uso de tecnologia sofisticada em procedimentos básicos; Outras interpretações da odontologia integral vão além da simples integração entre
• altos custos; prevenção e cura. Passa a ter grande importância, também, a racionalização do
• ineficiência e ineficácia; trabalho odontológico, tomada possível através da simplificação, da utilização de
• iatrogênica e mutiladora; tecnologia apropriada, da incorporação de recursos humanos auxiliares e da
• pouco ou nenhum impacto; desmonopolização do saber. O diagnóstico também deve ser integral, isto é, não deve
estar restrito apenas ao dente ou à boca, mas deve relacionar a doença bucal atual
Tecnicamente, a odontologia brasileira é, sem dúvida, comparável à dos países com outros eventos observáveis no indivíduo, tais como possíveis manifestações
desenvolvidos e até melhor em certos aspectos. sistêmicas da doença bucal ou vice-versa; considera indispensável a valorização de
aspectos do psiquismo, da história médica anterior etc.
Mas é também reconhecido que esta odontologia, com as características que
apresenta, não vem sendo capaz de resolver, ou manter em níveis compatíveis com Pretende-se, assim, que ao odontologia seja integral não por não separar a prevenção
nossa época, os problemas de saúde bucal da população, após mais de 100 anos de da cura, mas por considerar que a cavidade bucal e suas estruturas têm importantes
existência. relações com outros componentes do organismo, os quais não deveriam ser
desconsiderados para a compreensão das ações clínicas. Estas, por sua vez,
Por isso, todas as propostas que visam superar essa situação colocam a necessidade deveriam ser desenvolvidas enfatizando-se os aspectos preventivos, com a utilização
de se dar uma ênfase maior à prevenção, em aumentar a cobertura, em usar

12
de recursos humanos adequados e em ambientes físicos onde fosse possível a Esta atividade é "fácil": basta falar às pessoas. Isto também pode ser feito por
racionalização do trabalho odontológico. qualquer membro da equipe de saúde bucal.
Ora, na medida em que se avança por este caminho, tem-se a impressão de que a É preciso compreender, entretanto, que as pessoas consomem açúcar não apenas
prática da odontologia se tomaria efetivamente integral. quando adoçam café ou suco mas também numa quantidade enorme de preparações,
a maior parte das quais na forma de produtos industrializados. Os trabalhadores de
Aqui, porém, surge um problema: à medida que a odontologia vai se tomando cada baixa renda compensam a deficiência calórica de sua dieta com a ingestão de
vez "mais integral", vai também se tomando cada vez "menos odontologia". alimentos açucarados. E isto ocorre também particularmente entre as crianças e
Para melhor compreendermos esses aspectos, vamos imaginar algumas situações adolescentes filhos desses trabalhadores, pois a maior parte dos alimentos que o
concretas, bastante comuns no dia-a-dia das nossas instituições. salário permite comprar é destinada aos adultos produtivos. Por outro lado, ainda, o
consumo de açucarados vai depender das práticas sociais e culturais da população.
Dizendo de outro modo, a prática odontológica realiza a assistência à saúde bucal das E, por fim, se grande parte do consumo de açúcar está relacionada com o consumo
pessoas. A ação clínica ocorre nos indivíduos pois a doença, embora produzida de produtos industrializados (refrigerantes, balas, bombons, bolachas etc), a
socialmente, está obrigatoriamente localizada num corpo biológico e não "na propaganda maciça através dos meios de comunicação induz esse consumo,
sociedade". Por isso, é importante que sejam organizados os sistemas de assistência desenvolvendo novas práticas. Se entendemos isso, vamos entender que o consumo
às pessoas doentes. de açúcar, ou de produtos que contenham açúcar de cana, dá-se não por opção
Assim, ao paciente que procura o serviço de saúde com queixa de abscesso dental individual mas por uma necessidade existente (déficit calórico ou prática cultural e
será oferecida a assistência que o caso requer: exame clínico, diagnóstico da lesão e alimentar) ou por necessidades artificialmente criadas (propaganda).
a prescrição de medicamentos ou a realização de intervenção cirúrgica. Esta é uma Por isso tudo, à medida que vai se tomando "mais integral", a prática será cada vez
história bastante comum em nossa população, onde os índices de cárie dental são "menos odontológica": se as pessoas ganhassem melhor, poderiam ter mais acesso a
elevados e os níveis de assistência baixos. uma dieta equilibrada; se houvesse um sistema educacional adequado, crianças e
Podemos, então, pensar num conjunto de atividades que visem diminuir o número de adolescentes seriam alimentados em creches e escolas; se não houvesse tanta
casos de abscessos dentais: educação em saúde, controle mecânico da placa propaganda, o consumo de açúcar seria menor...
bacteriana dental, uso de substâncias fluoradas, diagnóstico e tratamento precoce das Mas estas questões não podem, evidentemente, ser resolvidas pela clínica, mesmo
lesões de cárie etc. Algumas destas atividades são realizadas pelo cirurgião-dentista que os profissionais da equipe de saúde bucal tenham disso consciência.
exclusivamente; outras podem ser realizadas pelo pessoal auxiliar.
Aqui, justamente, está a essência da questão: a assistência odontológica (ou médica
Outras delas, entretanto, não dependem nem são realizadas seja pelo cirurgião- etc) às pessoas compreende ações clínicas e cirúrgicas restritas, limitadas ao
dentista, THD ou ACD. Aplicação tópica de fluoretos, por exemplo, é uma atividade de atendimento individual. Esta é a prática odontológica. A atenção à saúde bucal
prevenção que pode ser realizada por qualquer membro da equipe de saúde bucal. compreende, por outro lado, as atividades de assistência individual mas implica, além
Mas não depende dessa equipe a fluoretação das águas de abastecimento público. A disso, também em ação sobre as causas das doenças, sejam estas de que natureza
primeira atividade (aplicação tópica) é uma atividade odontológica mas a segunda for (biológicas, sociais, econômicas ou políticas). Estas ações, situando-se num
(fluoretação das água) não é, embora ambas atividades se relacionem com saúde campo extra-clínica, são englobadas por práticas de saúde não mais no campo da
bucal. assistência odontológica, mas num campo que poderíamos chamar saúde bucal
A mesma coisa pode ser dita com relação à educação em saúde. Prossigamos com coletiva.
nossa reflexão... Como o abscesso dental é, na maior parte dos casos, conseqüência Seria preferível, portanto, se concordamos que o processo saúde/doença é
da cárie e esta, por sua vez, tem uma relação com o consumo abusivo e/ou socialmente determinado, falar em práticas de saúde bucal ao invés de prática
indisciplinado de açúcar, ao realizarmos atividades educativas vamos enfatizar este odontológica (integral ou não), pois as ações necessárias à manutenção da saúde têm
aspecto, isto é, que as pessoas devem comer menos alimentos açucarados e, ao como sujeito não apenas os profissionais da área (cirurgião-dentista, THD ou ACD)
fazê-Io, disciplinar a ingestão. com suas práticas clínicas restritas, mas também outros sujeitos sociais
desenvolvendo práticas as quais, repercutindo na saúde, não são práticas clínicas.

13
Assim, pode-se afirmar que o modo mais conseqüente de ampliar os limites e as
funções sociais da odontologia seria a critica à explicação ecológica da doença e, por
extensão, do seu caráter a- histórico, biologizante e individual. A compreensão do
processo saúde/doença a partir da sua determinação social tem um potencial
transformador muito grande. Os autores acreditam que é em tomo dessa tarefa de
transformação que os profissionais da saúde bucal devem hoje se posicionar , se
pretendem desenvolver sua ação profissional no campo da saúde, em coerência com
os conhecimentos produzidos pela Ciência até o presente.

7-BIBLIOGRAFIA
1 -AROUCA, A.S.S. A história natural das doenças. Saúde em Debate, I, out/dez., 1976.
2- BARRADAS, R.C. A historicidade do conceito de causa, São Paulo, mimeo, 1978.
3- BOUILLON, J., SOHN, A.-M. & BRUNEL, F. 1848/1914. Histoire. Paris: Bordas, 1978.
4 -BREILH, J. e GRANDA, E. Saúde na sociedade. São Paulo: Instituto de Saúde/ ABRASCO,
1986.
5- CONTI, L. Ecologia. Capital, trabalho e ambiente. São Paulo: Hucitec, 1986.
6- ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global, 1985.
7- FOUCAULT, M. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
8- HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
9- LEAVELL, H.; CLARK, E. G. Medicina preventiva. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 1976.
10- LERMAN, S. Historia de Ia odontología y su exercicio legal. Buenos Ayres: Mundi, 1964.
11 -MENDES, E. V. Formação de Recursos Humanos: um novo marco conceitual para a
educação odontológica na América Latina. A Odontologia Simplificada. Sd/mimeo.
12 -MENDES, E. V. e MENDES, E. G. Odontologia. Alguns aspectos da odontologia brasileira.
Belo Horizonte: Vozes, 1968.
13 -MENDES, E. V & MARCOS, B. Odontologia integral,- Belo Horizonte: PUC-MG/FINEP, 1984.
14- ROSEN, G. Da política médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1980.
15 -SCLIAR, M. Do mágico ao social. Porto Alegre: L PM, I 987.
16- SONTAG, S. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
17 -VASQUES, A. S. Ética. São Paulo: Civilização Brasileira, 1986.

14
A) ÁGUAS DE ABASTECIMENTO PÚBLICO
RECOMENDAÇÕES SOBRE USO DE PRODUTOS FLUORADOS NO ÂMBITO DO
SUS-SP EM FUNÇÃO DO RISCO DE CÁRIE DENTÁRIA A fluoretação das águas de abastecimento público é uma medida eficaz, segura,
de baixo custo relativo e fácil aplicação. Reduz a prevalência da cárie em 60% em
média. É recomendada pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da
RSS-164, de 21/12/2000/DOE de 27 e 30/12/2000. Saúde sendo obrigatória por lei no Brasil onde houver estação de tratamento de água
Grupo de Trabalho: JA Cury, PC Narvai, RA Castellanos, TIB Forni, (Lei Federal 6.050, de 24/05/1974). A ação setorial de saúde específica em relação a
SR Junqueira, MC Soares este produto é a vigilância sanitária, que deve ser feita por órgãos especializados no
município (do SUS-SP) com base no princípio do heterocontrole. Cabe reiterar que é
competência do SUS assegurar que a população consuma um produto em
O flúor vem sendo utilizado, sob diversas formas, como instrumento eficaz e
conformidade com as exigências legais. A Resolução SS-293/96, de 25/10/1996,
seguro na prevenção e controle da cárie dentária. Por isso é considerado elemento
estabelece os procedimentos do programa de vigilância da qualidade da água para
estratégico das tecnologias empregadas nos sistemas de prevenção em saúde bucal.
consumo humano no Estado de São Paulo e dá providências correlatas.
Nos anos 80 e 90, houve grande expansão na utilização de produtos fluorados
B) DENTIFRÍCIOS
no Estado de São Paulo. O principal veículo para o flúor vem sendo a água de
abastecimento público. Em 1996, 30,7 milhões de paulistas tinham acesso a essa Seu uso diário é um dos maiores responsáveis pela redução dos níveis de cárie
medida preventiva, correspondendo a 79,3% da população do Estado e a 91,8% da dentária, devido à ação tópica do flúor na cavidade bucal. Pela Portaria SNVS no 71,
população com acesso à rede de água tratada. Contudo, o flúor está presente de 29/05/1996 – que teve alguns anexos revogados pela Resolução no 79, de
também em dentifrícios, soluções para bochechos, géis para aplicações tópicas e em 28/08/2000 –, não há obrigatoriedade de os dentifrícios comercializados conterem
outros produtos. Este uso de flúor em larga escala, em saúde pública, combinado com flúor mas, se tiverem, devem obedecer às recomendações em relação ao tipo e
ações educativas e práticas adequadas de higiene pessoal, vem produzindo características do composto de flúor.
importantes mudanças no perfil epidemiológico da cárie dentária, conforme ficou
Os dentifrícios também são utilizados nas ações coletivas como veículo para
documentado no levantamento “Condições de saúde bucal – Estado de São Paulo,
flúor tópico durante a escovação supervisionada. Esta atividade deve ser realizada no
1998”.
mínimo trimestralmente, em todas as pessoas, seja qual for o grupo de risco em que
Este novo contexto epidemiológico e a necessidade de se utilizar produtos estejam incluídas.
fluorados apenas quando o seu emprego está efetivamente indicado e, ainda,
Crianças de 2 a 4 anos deglutem, em média, 50% do dentifrício utilizado na
associando-se adequadamente diferentes métodos são as justificativas para a edição
escovação. Para crianças de 5 a 7 anos, esse percentual é inferior a 25%. Isto é um
dessas “Recomendações”.
comprovado fator de risco para fluorose dentária. Para prevenir o problema, pais ou
PRODUTOS FLUORADOS responsáveis devem ser orientados para supervisionar as escovações domésticas ou
as realizadas em ações coletivas pelo menos até os 7 anos de idade, para instruir a
Alguns produtos fluorados mais utilizados têm certas características que
criança para que não engula a espuma da escovação, e para colocar na escova
precisam ser devidamente consideradas no planejamento e execução das ações
pequena quantidade de pasta. A técnica recomendada para uso é a transversal.
preventivas.
Técnica Transversal: consiste em, com o tubo de dentifrício em posição
perpendicular ao longo eixo da escova, dispensar no centro da ponta ativa do
instrumento, uma quantidade de dentifrício correspondente a, no máximo, metade da

15
sua largura da ponta ativa. Essa quantidade equivale, de modo geral, a um grão de crianças menores de 6 anos. O uso de bochechos semanais é seguro e não
ervilha pequeno e é suficiente para a finalidade. Esta técnica também é recomendada representa risco quanto à ocorrência da fluorose. No entanto, a ingestão da solução
para adolescentes e adultos. de bochecho diário ou semanal pode representar algum problema em relação à
intoxicação aguda, se ingerido mais do que a dose provavelmante tóxica, que é de 5
Para reduzir ainda mais a quantidade de dentifrício a ser utilizado nas
mgF/Kg. Nesse caso, problemas gastro-intestinais (náusea, vômitos) e
crianças menores de 4 anos (já que estas ingerem maior quantidade), sugere-se a
cardiovasculares (hipotensão), neurológicos (parestesia), podem ocorrer. Todo o
técnica da tampa:
cuidado quanto à letalidade deve ser tomado na manipulação dos produtos usados
Técnica da Tampa: consiste em, com a bisnaga fechada, pressionar (sais, sachês, soluções concentradas) para o preparo das soluções que, além da
levemente o tubo de modo a que fique retida, na parte interna da tampa (seja ela rotulação, devem ser mantidos longe do alcance de crianças. Em caso de acidente
rosqueável ou não), uma pequena quantidade de pasta. Então, abre-se o tubo e ministrar cálcio oral; se necessário, induzir vômitos com eméticos e proceder à
pressiona-se a ponta ativa da escova contra a parte interna da tampa de modo a internação para controle.
transferir para a escova a pequena quantidade de pasta ali retida. Esta quantidade é
Como ação de cobertura universal, os bochechos são indicados, principalmente,
suficiente para veicular o flúor necessário e para produzir os outros efeitos do
para municípios que não contam com o serviço de fluoretação das águas de
dentifrício. Esta técnica é indicada para os primeiros anos de vida e até
abastecimento público e sejam justificados pela prevalência de cárie da população
aproximadamente os 4 anos de idade.
alvo.
C) BOCHECHOS FLUORADOS
Dentre as várias técnicas para aplicação de bochechos fluorados, as duas mais
As soluções fluoradas para bochechos contendo 225 ppm F (0,05% de NaF) são difundidas no Estado de São Paulo são a do copo descartável e a da "pisseta".
recomendadas para o uso diário e as que contêm 900 ppm F (0,2% de NaF) são
Técnica do Copo: consiste em entregar a cada participante um copo
recomendadas para uso semanal.
descartável contendo aproximadamente 5 ml para crianças de 6 e 7 anos e 10 ml de
Os bochechos semanais vêm sendo largamente utilizados no Brasil e no Estado solução para as maiores de 7 anos. A um sinal do supervisor da ação a solução é
de São Paulo. Como sua eficácia está condicionada à continuidade da ação, quando é levada à cavidade bucal e bochechada durante 1 (um) minuto. Após o bochecho a
utilizada solução de fluoreto de sódio a 0,2%, é preciso realizar, no mínimo, 25 solução é devolvida ao copo e este descartado.
aplicações por ano. São indicadas apenas a partir dos 6 anos de idade e não
Técnica da “Pisseta”: consiste em substituir a tampa cônica de uma almotolia
requerem profilaxia prévia. Em São Paulo, a Resolução SS-39 de 16/03/1999
de plástico de cerca de 500 ml por uma “pisseta” em forma de “V” invertido. Uma das
estabelece normas para a realização de procedimentos coletivos, nos quais estão
extremidades, a mais longa, atinge o fundo da almotolia através de uma cânula de
incluídos os bochechos fluorados.
imersão e prende-se ao recipiente através da tampa. A outra extremidade é colocada
As crianças entre 3 e 5 anos de idade ingerem de 10 a 20% da solução de próxima à abertura bucal, sem tocá-la. O dispositivo é então acionado mediante
bochecho. Na faixa etária de 6 anos ou mais, a porcentagem de ingestão é, no pressão digito-palmar no corpo da almotolia, liberando um jato com quantidade
máximo, de 10%. Portanto, estes devem ser feitos apenas após cuidadosa avaliação controlada de solução, suficiente para cobrir os dentes a serem atingidos. A criança
profissional da necessidade e não são indicados para crianças menores de 6 anos ou começa então a bochechar a solução por 1 (um) minuto (como descrito acima) e em
para aquelas que não têm controle de seus reflexos. seguida a despreza no bebedouro ou pia.

Em relação à fluorose dentária, cuidados devem ser tomados no que diz respeito
aos bochechos diários, pois, embora a concentração de flúor seja reduzida, a ingestão
constante do produto pode significar algum risco, principalmente se usado em

16
D) OUTRAS FORMAS DE APLICAÇÃO DE SOLUÇÕES FLUORADAS Sendo a técnica da escova dentária a mais comumente empregada nas ações
coletivas no Estado de São Paulo, é oportuno descrevê-la em linhas gerais.
A solução de fluoreto de sódio a 0,02% vem sendo utilizada para o uso diário em
bebês, aplicando-a com o auxílio de cotonete. Naqueles que apresentam um maior Técnica de Aplicação de Gel Fluorado com Escova Dentária: consiste em
risco para a cárie, soluções mais concentradas (0,5%) vêm sendo preconizadas em colocar no centro da ponta ativa de uma escova dentária, utilizando-se a técnica
aplicações semanais, durante um mês. Entretanto deve-se salientar que tais transversal, uma pequena quantidade de gel, equivalente a um grão de ervilha
recomendações não estão fundamentadas em estudos clínicos controlados. pequeno (menos que 0,5 g). Durante cerca de 30 segundos, fricciona-se a ponta da
escova contendo o gel sobre as superfícies dentárias de um hemi-arco, exercendo
Para crianças menores de 2 anos, não se recomenda nenhum tipo de solução de
leve pressão nas proximais e oclusais. Iniciar pelo hemi-arco superior direito e, em
flúor para a aplicação tópica. Essas crianças recebem o benefício da água fluoretada,
sentido horário, repetir o procedimento de modo a atingir os quatro hemi-arcos,
usada no preparo de alimentos. Caso sejam de alto risco, os vernizes teriam melhor
perfazendo um total de 2 minutos de exposição ao gel. Orientar a criança para não
indicação.
engolir em nenhuma hipótese. O objetivo da atividade é, naquele momento, apenas
Há no mercado soluções comerciais que contêm flúor, entretanto, essas não têm aplicar flúor — não é, portanto, escovar os dentes. Assim, quem aplica o flúor não é a
indicação terapêutica na prevenção da cárie, e sim para casos de hipersensibilidade. criança mas o agente da ação. Recomenda-se que este não chame mais do que 6
crianças ao mesmo tempo para fazer a aplicação de gel fluorado, de forma a facilitar o
E) PRODUTOS COM ALTA CONCENTRAÇÃO DE FLÚOR PARA USO PROFISSIONAL
fluxo. É da maior importância que esse número não seja excedido, uma vez que o teor
Os produtos utilizados para aplicações profissionais são os géis e os vernizes de flúor presente em géis é muito elevado, sendo necessário absoluto controle sobre
(existe também a apresentação em mousse). Os géis fluorados contêm de 0,9 a o uso do produto em crianças. Cabe reiterar que não se trata de escovação dentária
1,23% de flúor (9.000 a 12.300 ppm F). Nos vernizes são encontrados 22.600 ppm F. com gel fluorado. Recomenda-se enfaticamente que não se deve permitir que a
São, portanto, produtos com alta concentração de flúor e que devem ser manipulados criança, ou mesmo um adulto não qualificado, manipule gel fluorado.
por profissionais qualificados, uma vez que o seu emprego é indicado nos
Técnica de Aplicação de Verniz Fluorado: embora a quantidade de flúor reagente
procedimentos de fluorterapia intensiva, preconizados para indivíduos de médio e alto
nos vernizes fluorados seja de aproximadamente 23.000 ppm F, sua adesividade
risco de cárie.
permite que o produto seja aplicado apenas nas áreas de maior risco, minimizando a
Há situações em que o gel fluorado é empregado para a aplicação em massa, exposição a uma alta quantidade de flúor. Por esse motivo, é o veículo de flúor mais
indiscriminadamente, em geral uma vez por semestre, e sem profilaxia prévia. Isto indicado para bebês de alto risco de cárie (e para outros indivíduos também). Vale
ocorre quando os indivíduos não estão expostos ao flúor por outros veículos, ou essa destacar que a aplicação de verniz é feita em ambiente clínico, com o auxílio de
exposição é mínima, ou quando a prevalência de cárie é alta. Nesses casos, a pincéis, e não se tem descrições de técnicas de aplicação em ambientes coletivos.
condição individual praticamente não é levada em conta na definição da estratégia.
F) MEDICAMENTOS FLUORETADOS
Entretanto, em contextos de baixa prevalência de cárie e alta exposição ao flúor, a
aplicação indiscriminada de gel fluorado não é mais indicada. Mas seu uso continua O uso pré-natal de medicamentos fluoretados (ex: complementos vitamínicos)
válido, desde que restrito aos indivíduos que, efetivamente, dele necessitam. Sua não se justifica por não causar nenhum benefício. O uso pós-natal, mesmo em regiões
aplicação pode ser realizada em ambiente clínico ou em espaços coletivos. Existem sem água fluoretada, não é recomendado em saúde pública se a população infantil
várias técnicas descritas para cada ambiente, entre as quais destacamos a do tem acesso a dentifrícios fluoretados. É uma tendência mundial a afirmação de que
cotonete, a da gaze, a da moldeira e a da escova dentária. A finalidade é sempre a experiências em saúde pública com uso pós-natal de soluções e comprimidos diários
mesma, a aplicação de gel fluorado, e qualquer técnica, para ser efetiva, deve ser não têm mostrado resultados positivos. Mesmo do ponto de vista individual, sua
realizada de maneira adequada, respeitando-se os passos inerentes a cada uma. prescrição seria extremamente limitada.

17
ASPECTOS ÉTICOS DA APLICAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS FLUORETADAS cerca de um quarto da população concentra aproximadamente 75% das necessidades
de tratamento decorrentes de cárie. Esta distribuição não uniforme da doença entre os
Pelas características desses produtos e pela dimensão ética presente na
indivíduos faz com que seja necessário diferenciar as medidas preventivas a serem
realização dos procedimentos, recomenda-se que os responsáveis pelas ações
desenvolvidas junto aos diferentes grupos populacionais. É indispensável, entretanto,
obtenham autorização escrita dos responsáveis pelos beneficiários, retendo-a na
sublinhar que ações preventivas são imprescindíveis para todos e devem ser
instituição promotora da atividade. De fato, não apenas para a realização de
realizadas segundo o princípio da universalidade. Reitera-se, portanto, que a
fluorterapia, mas para qualquer atividade desenvolvida fora da Unidade de Saúde, é
polarização não é razão para descontinuar medidas preventivas dirigidas a toda
necessária a autorização dos pais ou responsáveis. Nos procedimentos em ambiente
população, mas justifica a ênfase que deve ser dada às ações direcionadas aos
clínico, a autorização do paciente ou responsável também é necessária, de acordo
grupos mais vulneráveis.
com as Resoluções SS-15, de 18/01/1999 e CFO-179/91, de 19/12/1991 (Código de
Ética Odontológica) e o Código de Defesa do Consumidor. Com tal finalidade – avaliação do risco de cárie –, o exame pode ser realizado
tanto no ambiente clínico, como em outros espaços coletivos. Neste caso, o exame
será feito com o auxílio de espátula de madeira, consistindo na inspeção visual dos
PRINCÍPIOS PARA AVALIAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DO
arcos dentários, sob luz ambiente natural ou artificial, sem secagem dos dentes, a fim
RISCO DE CÁRIE DENTÁRIA
de verificar o número e localização das superfícies dentárias afetadas pela doença
Saúde e doença são determinadas por fatores sociais, econômicos e cárie – incluindo mancha branca – e placa bacteriana.
psicológicos. Mais importante é a incorporação das preocupações com a saúde nas
a) Fatores de risco
discussões e implementações de políticas públicas baseadas num modelo
socioeconômico, objetivando o desenvolvimento de estilos de vida saudáveis. Alguns fatores têm sido identificados nas pesquisas científicas que abordam o
risco de cárie dentária. Eles estão identificados no Quadro 1.
Nesse sentido, admite-se que a promoção da saúde bucal é o processo social de
produção de condições gerais de vida e de trabalho favoráveis a um desenvolvimento
sadio da boca, compreendida em sua integralidade biológica e social. Portanto, e
QUADRO 1 – Fatores associados ao risco de cárie dentária.
conforme a 2a Conferência Nacional de Saúde Bucal, (Brasília, 25 a 27 de setembro,
1993) "(...) a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo
e está relacionada diretamente com as condições de saneamento, alimentação, FATORES CARACTERIZAÇÃO DO ALTO RISCO DE CÁRIE
moradia, trabalho, educação, renda, transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da • Baixa renda média familiar
Aspectos
terra, aos serviços de saúde e à informação". • Desemprego
socioculturais
• Maior concentração populacional nos domicílios
Nestas “Recomendações” admite-se que, para uma avaliação sumária do risco
• Menor grau de escolaridade materna
de cárie, são necessárias informações adicionais às relacionadas às características
• Crianças que moram com um dos pais
biológicas individuais e que, em relação a estas, algumas são suficientes para
caracterizar o risco individual. Esta opção visa apenas à simplificação operacional de Idade • Maior risco entre 2 e 16 anos
procedimentos e não significa que, com outras finalidades, informações adicionais não continua....
sejam necessárias.
Uma das características epidemiológicas da cárie dentária é o fenômeno da
polarização. Observa-se que, em situações de baixa prevalência de cárie dentária,

18
continuação Tendo em vista a relação existente entre os fatores de risco apresentados no
• Alta prevalência de cárie nos anteriores superiores aos Quadro 1, busca-se uma classificação clínica que também seja compatível com a
Experiência
3 anos operacionalização das ações coletivas em saúde bucal, onde o exame clínico e a
prévia de cárie
• Mais de 3 cavidades em superfícies proximais de anamnese não são viáveis.
decíduos
b) Classificação do risco e inclusão do indivíduo segundo o risco
• 8 ou mais superfícies com cárie aos 7 anos
• Cárie em 1 dente anterior aos 11 anos Com base nos fatores de risco expostos no Quadro 1, cada indivíduo pode ser
• Valores do índice CPO-D e CPO-S acima da média classificado num dos 3 grupos de risco apresentados no Quadro 2. Deve-se
apresentada pelo respectivo grupo esclarecer que esta proposta da SES-SP é baseada em várias experiências
• Cárie em superfície proximal de incisivo ou 1o molar municipais realizadas no Estado e, certamente, não é a única forma de classificar os
Localização da
aos 9-10 anos indivíduos com relação ao risco de cárie.
lesão
• Lesões em superfícies lisas, principalmente na bateria
labial inferior
• Duas ou mais cavidades cariadas em superfícies QUADRO 2 – Classes de risco de cárie dentária e critérios para inclusão segundo a
interproximais situação individual.
• Presença de superfícies cariadas e de manchas
Atividade de CLASSIFICAÇÃO GRUPO SITUAÇÃO INDIVIDUAL
brancas
cárie
• Lesões incipientes em superfícies lisas Baixo risco A Ausência de lesão de cárie, sem placa, sem gengivite
• Baixa freqüência de escovação e/ou sem mancha branca ativa
Hábitos
• Idade no início de escovação
B História de dente restaurado, sem placa, sem gengivite
Placa • Grande quantidade de placa visível nos dentes 16, 11, e/ou sem mancha branca ativa
Risco
bacteriana 32 e 36
Moderado C Uma ou mais cavidades em situação de lesão de cárie
Na possibilidade de investigar aspectos socioculturais e hábitos do indivíduo,
crônica, mas sem placa, sem gengivite e/ou sem mancha
estes podem esclarecer a conduta e a conseqüente condição de saúde bucal
branca ativa
encontrada. Isso deve, inclusive, favorecer a orientação para uma mudança nos
hábitos, tentando reverter um quadro desfavorável. Alto risco D Ausência de lesão de cárie e/ou dente restaurado, mas
com presença de placa, de gengivite e/ou de mancha
A experiência prévia de cárie é identificada pelos dentes restaurados, cariados e
branca ativa
perdidos por cárie.
E Uma ou mais cavidades em situação de lesão de cárie
Quanto à localização da lesão, esta pode indicar uma alta atividade de cárie
aguda
dentária e com isso, orientar a conduta terapêutica mais adequada ao paciente,
individualmente. No entanto, em ações coletivas, o fato de alguém apresentar uma F Presença de dor e/ou abscesso
lesão de cárie, independentemente de sua localização, já é um indicativo de risco e
este deve receber tratamento.

19
A divisão em grupos (A, B, C, D, E, F) é proposta para facilitar a referência dos maior que 3 aos 12 anos; ou se a proporção de indivíduos de 12 anos com índice CPO-D
igual a zero for menor do que 30%.
indivíduos que necessitem de tratamento odontológico, segundo suas necessidades
mais imediatas, para as Unidades Básicas de Saúde, no caso de ações coletivas. d) Freqüência do uso de produtos fluorados
Naqueles que já estão em tratamento na Unidade de Saúde, essa classificação pode
A aplicação do flúor pode ser realizada em espaços coletivos ou nas Unidades
orientar um agendamento mais propício para cada caso, em que os que apresentam
Básicas de Saúde, de acordo com o risco apresentado pelo paciente. O Quadro 4
um quadro mais grave devem ser atendidos com maior freqüência.
refere-se à freqüência de aplicação dos diferentes produtos fluorados, considerando-
c) Exposição a produtos fluorados segundo o grupo de risco se a condição de acesso à água fluoretada.
A possibilidade de acesso à água de abastecimento público fluoretada deve ser
universal. Entretanto, há situações em que isto não acontece, seja em comunidades Quadro 4 – Freqüência da aplicação de produtos fluorados segundo
rurais ou mesmo em alguns núcleos urbanos. No Quadro 3 são apresentadas o acesso à água fluoretada.
recomendações para exposição dos indivíduos a diferentes combinações de produtos
PRODUTO ACESSO À ÁGUA FLUORETADA
fluorados, segundo o grupo de risco, considerando-se a condição de acesso à água
fluoretada. Sim Não
A escolha do produto fluorado dependerá, entre outros aspectos, dos recursos DENTIFRÍCIOS Diário Diário
disponíveis, da facilidade de aplicação da técnica e do grupo populacional – alvo da
ação programática. BOCHECHOS _ Diário na concentração de
FLUORADOS 0,05% ou semanal na
Quadro 3 – Exposição individual a produtos fluorados segundo o grupo de risco e o concentração de 0,2%
acesso à água fluoretada.
GÉIS/VERNIZES Fluorterapia intensiva, Fluorterapia intensiva,
GRUPO ACESSO À ÁGUA FLUORETADA FLUORADOS enquanto condições de alto enquanto condições de alto
Sim Não risco forem detectadas risco forem detectadas
Nota: Há várias estratégias e controvérsias em relação à freqüência da fluorterapia
A • Dentifrícios • Dentifrícios intensiva. Levando-se em consideração a possível influência da ação educativa, medidas
intensivas de aplicação de flúor conduzidas durante 4 (quatro) semanas consecutivas são
• Bochechos recomendadas, sendo reduzidas gradativamente para 2 (duas) no mês seguinte e
finalmente para 1 (uma) semana no terceiro mês. Flexibilizações nessa freqüência são
• Dentifrícios • Dentifrícios possíveis em função da reclassificação do risco do indivíduo. Nesse sentido, a avaliação
de sangramento gengival e o índice de placa são aspectos que podem ser considerados.
B, C, D, E, F • Géis/Vernizes • Bochechos* A ausência de resultados positivos pode estar relacionada a indivíduos que mereçam
avaliação clínica e microbiológica mais detalhada.
• Géis/Vernizes
Nota: Embora esta classificação se refira a indivíduos, sua finalidade é auxiliar na tomada Estas recomendações estão baseadas em minuciosa revisão da literatura
de decisão sobre ações coletivas. Assim, para facilitar a operacionalização das ações, científica e expressam uma (mas não a única) possibilidade de consenso sobre o
recomenda-se levar em consideração a situação epidemiológica em cada local onde a assunto. Dadas as características da produção científica, prevê-se a edição de novas
ação coletiva será realizada. Dessa forma, a situação epidemiológica deve ser a base para
“Recomendações” no futuro, sendo fundamentais nesse processo dinâmico de
a tomada de decisão. Por exemplo: mesmo em indivíduos com acesso à água fluoretada,
bochechos fluorados* (desde que realizados semanalmente, totalizando, no mínimo, 25 aperfeiçoamento, as contribuições decorrentes das experiências daqueles que estão à
aplicações durante um ano) podem estar indicados quando o valor do Índice CPO-D for frente dos serviços.

20
(*) As razões desta realidade, estão relacionadas, dentre outras causas, à
PROMOÇÃO DA SAÚDE BUCAL EM ESCOLAS formação e capacitação dos recursos humanos que tem sido direcionada mais para as
ações de recuperação da saúde, situadas no 4º e 5º nível de prevenção (Leavell &
Paulo Frazão
(**) Clark, 1965) do que para as ações de promoção da saúde bucal (1º e 2º níveis).
Paulo Capel Narvai (**) Nos anos 60, dirigentes de entidades, autoridades de saúde e coordenadores
de saúde bucal preconizavam a instalação de um equipamento odontológico e a
fixação de um cirurgião-dentista em cada escola para prestar assistência
1. INTRODUÇÃO odontológica. Era o tempo do serviço dentário escolar. Esse tipo de serviço, ao
A cárie dentária é um problema de saúde pública que atinge praticamente reproduzir mecânica e acriticamente o modelo da clínica privada, não conseguiu
toda a população brasileira. Dados publicados (Ministério da Saúde, 1986) indicam responder às necessidades epidemiológicas de saúde bucal da população escolar,
que aos 12 anos, mais de 6 dentes, em média, estão atingidos pela doença. A pois era/é um modelo de alto custo, com enfoque curativo, de baixa cobertura e
Organização Mundial da Saúde considera como "aceitável" até 3 dentes atacados por portanto, ineficaz do ponto de vista do impacto social.
cárie nesta idade. A partir dos anos 80, com a redemocratização do país, o aparecimento de
novas lideranças e o desenvolvimento científico-tecnológico no campo da cariologia e
O aumento dramático da cárie dentária, segundo estudos epidemiológicos
(Moore & Corbett, 1976; Mayhall, 1975), deve-se ao processo de urbanização e da epidemiologia, ocorreu importante renovação da teoria e da prática da odontologia
em saúde coletiva e começaram a se produzir mudanças em várias áreas, dentre
industrialização das sociedades e a conseqüente transformação dos modos de vida e
trabalho, das práticas alimentares, dentre outros aspectos. elas, na atenção à saúde bucal em escolas.

No Brasil, a prática odontológica predominante ainda concentra a maioria de O objetivo deste texto é apresentar alguns fundamentos teóricos que vêm
suas ações no campo da assistência individual, isto é, na oferta de procedimentos orientando as ações de promoção da saúde bucal em escolas, no que se refere ao
papel da epidemiologia, à importância do planejamento e da avaliação no trabalho em
cirúrgico-restauradores, com base em instrumentos da clínica odontológica.
saúde, à estruturação de um sistema de prevenção e à educação em saúde bucal.
As poucas ações de promoção da saúde bucal são desenvolvidas quase que
(...)
exclusivamente pelo Poder Público. Apesar da comprovada eficácia e do baixo custo
dos métodos preventivos quando desenvolvidos através de ações coletivas e 5. A ESTRUTURAÇÃO DE UM SISTEMA DE PREVENÇÃO
programáticas, pouca ênfase têm sido dada, mesmo pelo Poder Público, à
continuidade e extensão da cobertura dessas ações. Além disso, poucos programas Até a década dos 70, a assim chamada "promoção da saúde bucal em
com a necessária base epidemiológica vêm sendo desenvolvidos. escolas" restringia-se às ações com caráter de campanha, portanto esporádicas e
descontínuas, que eram executadas na semana dos bons dentes ou algo parecido.
Além disso, em sistemas de saúde melhor estruturados, procurava-se selecionar e
____________________________ adotar um método de prevenção, por exemplo: ou a fluoretação das águas de
abastecimento público ou a realização de bochechos fluorados semanais. Com o
(*) Elaborado em janeiro de 1996 para a disciplina HSP-281/Odontologia Preventiva e avanço da cariologia e da epidemiologia, e sua aplicação em programas de saúde
Saúde Pública ministrada aos alunos do Curso de Odontologia da Universidade coletiva, desenvolveu-se o conceito de associação de métodos preventivos.
de São Paulo. Atualmente, em programas bem estruturados, isto é, que utilizam técnicas de
planejamento-avaliação permanente, considera-se mais adequado o uso da
(**) Professores do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de expressão sistemas de prevenção em saúde bucal.
Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr. Arnaldo, 715 - CEP 01246-
904 - São Paulo, SP. Tel: 011-3066-7782 - Fax: 011-883-3501. Sistemas de prevenção em saúde bucal são processos sociais que
combinam diferentes ações programáticas periódicas de caráter preventivo e
educativo a fim de controlar e/ou reduzir o nível das doenças bucais que afetam uma
dada população ou grupo social específico. No planejamento do conjunto de

21
atividades coletivas e individuais que integram um sistema de prevenção devem ser Dependendo de cada realidade, isto é, das características sociais e
considerados diferentes aspectos relativos à população-alvo. Entre eles, cabe epidemiológicas de cada população-alvo pode-se combinar diferentes ações. Em
destacar as características sócio-culturais, os fatores econômicos e os aspectos pesquisas realizadas em São José dos Campos, observou-se que a prevalência da
biológicos que afetam cada grupo social específico. cárie dentária nos escolares diminuiu no período de 1979 a 1991. Esta diminuição foi
atribuída à reorientação das ações preventivas em 1985. Esta reorientação consistiu
Do ponto de vista sociocultural, não se pode desprezar a faixa etária, os na implementação de um programa preventivo complementar para crianças de alto
costumes e a experiência histórica do grupo social local e de suas lideranças. Neste risco. Para isto, foi adotado um critério epidemiológico e em cada escola foram
aspecto, incluem-se desde a utilização de utensílios e insumos de limpeza, práticas identificadas as crianças cujo CPO-D estava acima da média para sua idade. À estas
alimentares até conceitos e a linguagem para expressá-los que conformam o universo crianças, além do programa preventivo básico composto de bochechos fluorados
simbólico da população-alvo. Concepções relativas à causalidade das doenças e ao semanais, uso de dentifrício fluorado e atividades de educação em saúde bucal
modo de impedir o aparecimento delas são determinadas pela dinâmica sociocultural realizadas em sala de aula, foram oferecidas também aplicação semestral de gel
de cada população. fluorado, aplicação de selantes, limpeza profissional periódica e orientação individual
Ao planejar um sistema de prevenção devem ser considerados também de higiene bucal. Após seis anos, através do uso de técnicas de planejamento-
fatores econômicos como, por exemplo, os recursos financeiros do sistema local de avaliação com base na epidemiologia pôde-se medir o impacto destas modificações
saúde, a oferta e disponibilidade de bens e produtos de higiene bucal, a oferta e o na condição de saúde bucal dos escolares. O caso do município de São José dos
consumo de alimentos, o acesso à água tratada e fluoretada, as características da Campos é um exemplo, dentre outros, onde verificamos a montagem de sistemas de
distribuição de renda, a oferta de empregos e as condições de trabalho as quais prevenção em saúde bucal em escolas utilizando racionalmente os recursos
podem expor mais ou menos diferentes grupos sociais às doenças bucais. existentes visando melhor relação de custo-efetividade e aplicando o princípio da
equidade, isto é, oferecer mais ações a quem mais necessita delas.
Em relação aos aspectos biológicos, devem ser considerados os fatores de
risco mais sensíveis à intervenções que os controlem visando proteger a população
exposta, bem como o grau de eficácia dos recursos tecnológicos existentes para 6. A EDUCAÇÃO EM SAÚDE BUCAL
reduzir sua incidência. Por exemplo, o conhecimento existente hoje permite afirmar
que é mais fácil controlar a cárie dentária com uso de produtos fluorados do que O termo educar pode ser utilizado em diferentes situações e com vários
através do controle da placa bacteriana; mais fácil controlar a gengivite, o tipo mais sentidos, dentre os quais: para expressar polidez e conhecimento de costumes ao
comum de doença periodontal, realizando-se o controle da placa através de recursos cumprimentar-se, ao sentar-se à mesa, etc; para referir-se ao cultivo de plantas e ao
mecânicos de remoção do que através de produtos químicos. adestramento de animais; para significar erudição em determinado assunto; para
expressar o desenvolvimento das capacidades humanas; ou para indicar processos
Nos últimos anos, inúmeras tecnologias foram criadas e implementadas em de socialização de conhecimentos e práticas.
diferentes realidades sociais. Do modelo inicial que levava à adoção de um único
método para enfrentar o fator de risco mais sensível (o elo frágil) da rede de Nos limites deste texto, quando nos referirmos à educação em saúde
causalidade de cada doença, progrediu-se para a associação de métodos, isto é, a estaremos identificando processos técnicos informais de troca e socialização de
combinação racional de diferentes recursos e tecnologias visando ao controle de mais conhecimentos e práticas relativos a um problema de saúde pública. Inclui-se desde
de um fator de risco, e quando possível, o controle de mais de uma patologia como no capacitações e treinamentos de curta duração dirigidos à diferentes profissionais e
caso dos estágios iniciais da cárie dentária e da gengivite que ocorrem desde a trabalhadores até atividades educativas com diferentes públicos-alvo (gestantes ou
infância. Dessas tecnologias, podemos destacar as seguintes ações coletivas: hipertensos de uma Unidade Básica de Saúde, crianças de uma escola, pájens de
fluoretação das águas de abastecimento público, fluoretação de dentifrícios, uma creche, trabalhadores de uma empresa etc.).
bochechos fluorados, evidenciação de placa bacteriana seguida de escovação
supervisionada, aplicação de gel fluorado com escova ou moldeira, atividades Essas atividades são práticas sociais, e como toda prática social, variam,
educativas; e as seguintes ações individuais: aplicação de cariostáticos, de vernizes evoluem, e dependem do lugar e do tempo. No século XIX, as poucas atividades
fluorados, selantes oclusais etc. realizadas eram dirigidas às elites, sendo as demais camadas da população,
segregadas e isoladas da sociedade em dispensários especiais de doenças
específicas.

22
No início desse século, as atividades de educação sanitária eram realizadas pretende que alguém viva ou trabalhe submetido a "vontades" de outrem. Significa,
em centros de saúde e durante as campanhas sanitárias. Propagavam conteúdos de também, considerar os valores, conhecimentos e universo-simbólico de cada grupo
puericultura e caracterizavam-se pela ênfase nos aspectos biológicos e no social. Esses aspectos variam em função da inserção social e do repertório de
desenvolvimento da denominada "consciência sanitária individual". A partir de 1942, experiências vividas de cada pessoa e de cada grupo conforme os modos de viver, de
com a criação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), novas técnicas são trabalhar e de relacionar-se com o mundo. É o respeito às especificidades de cada
introduzidas: a educação de grupos, recursos audiovisuais e o desenvolvimento e setor, de cada sujeito, por vezes a recolocação de papéis e funções; compreendendo
organização de comunidades. a educação em saúde como exercício da cidadania e da democracia entre as
pessoas, e como o processo cotidiano em que se gera a consciência da necessidade
Mais recentemente, os serviços de saúde vem solicitando a participação de de tomar para si o processo de organização da vida individual e coletiva.
cirurgiões-dentistas na execução de atividades educativas em saúde bucal. Os
cirurgiões-dentistas, geralmente desenvolvem uma estratégia conhecida por palestra, Neste sentido, é preciso considerar que as ações educativas podem ser
dirigida a 50 pessoas ou mais, onde durante uma a duas horas, com auxílio de organizadas em função de necessidades individuais ou de necessidades coletivas.
imagens ou não, discorre-se sobre as características anátomo-funcionais da cavidade Podem ser dirigidas à pessoas portadoras de alguma doença ou a pessoas sadias
bucal, sobre a cronologia de erupção dos dentes, sobre a placa bacteriana, o perigo com a finalidade de manter a saúde. E ainda, podem ser organizadas em diferentes
do açúcar, o uso de produtos de higiene bucal, recomendando-se ao público-alvo que espaços sociais como por exemplo unidades básicas de saúde, hospitais, escolas,
visite o dentista regularmente. creches, empresas, associações comunitárias, centros de juventude, clubes etc.
Na maioria dos casos observamos a reprodução de um curso simplificado de É muito difícil identificar com precisão onde termina a saúde e onde começa
odontologia preventiva, que se assenta sobre pressupostos tradicionais que marcaram a doença. Deste modo, conceituamos saúde e doença como algo dinâmico e
a origem das práticas higienistas no começo do século no Brasil. Os problemas de contínuo, isto é, como um processo. É como uma fotografia do sol no horizonte. "Não
saúde são vistos como decorrentes da condição da pessoa de ser carente, pobre e sabemos se está se pondo ou se está nascendo". Na assistência médica-odontológica
ignorante. São considerados problemas de responsabilidade individual, cabendo aos individual, quando examinamos um indivíduo tomamos contato com certas
profissionais de saúde o dever de transmitir as informações necessárias para uma boa características biológicas e sociais referentes aquele momento do indivíduo.
saúde. Acredita-se que a transmissão de informações tem elevado potencial para Aprofundamos nossa entrevista para entender o processo anterior, as circunstâncias
produzir alterações nas condições de produção das doenças, e portanto preveni-las. passadas que provavelmente contribuíram para a situação do presente. Deste modo,
começamos a compreender como evoluem as doenças e como podemos preveni-las
De fato, a formação de cirurgiões-dentistas oferecida na maioria das ou mesmo impedir que ocorram novamente.
faculdades não prevê sua capacitação para compreender, em bases científicas, a
variedade de aspectos do comportamento humano e social, e de outro, a natureza e Em geral, as pessoas só procuram o serviço de saúde quando sentem algum
os fatores que influenciam o processo educativo e a mudança de comportamento. problema de saúde. Deste modo, a maior parte do tempo dos profissionais de saúde é
gasto em procedimentos clínico-cirúrgicos que visam a recuperação da saúde e que
Na atualidade, considera-se que a prática do educador apresenta maior variam segundo as necessidades individuais. Sabemos que estes são necessários,
probabilidade de alcançar resultados positivos quando concebe a educação como porém insuficientes para se enfrentar os problemas de saúde da população.
socialização de conhecimentos e práticas. É de Paulo Freire a expressão "educar-
prevenindo para prevenir-educando", pois para ele, "só aprende verdadeiramente As ações educativas, ao contrário, são ações de promoção da saúde que
aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que visam dentre outros aspectos a melhoria das condições gerais de vida e trabalho. São
pode, por isso mesmo, reinventá-lo. Aquele que é capaz de aplicar o aprendido- ações dirigidas à grupos de pessoas e definidas a partir de necessidades coletivas.
apreendido a situações concretas".
Cabe ao educador em saúde bucal ou à equipe, organizá-las junto com a
Uma exigência básica das atividades de educação em saúde bucal é a busca população de espaços sociais (escolas, creches etc) da área de abrangência da
permanente da construção de sujeitos entre os participantes. Isto significa admitir os unidade de saúde ou com grupos de pacientes da própria unidade. Essas ações
princípios de autonomia-heteronomia que regem a ação entre os sujeitos no cotidiano. poderão variar dependendo da experiência coletiva do grupo com o qual se vai
Nas sociedades contemporâneas, ninguém vive e trabalha numa perspectiva de total interagir. É a partir das experiências e valores sentidos no grupo e da identificação
e irrestrita autonomia, isto é, sob normas e regras próprias. Do mesmo modo, não se dos problemas de saúde mais relevantes que o educador em saúde bucal poderá

23
propor ações educativas estabelecendo associações e nexos com os problemas de O aluno não é percebido apenas como um sujeito em crescimento que com a
saúde bucal. ajuda dos outros irá se "tornar alguém um dia". Ele deve ser visto como um sujeito
social e histórico, que a partir das relações que estabelece em casa, na escola, com
O papel do educador em saúde bucal será tanto mais fecundo quanto mais seus amigos etc, consegue experimentar um conhecimento acumulado sobre as
possibilitar o desenvolvimento de informações e práticas que possam contribuir para coisas do mundo e opiniões próprias sobre o que vivencia. É a partir deste
uma elevação da consciência em relação ao próprio corpo, aos determinantes sociais conhecimento que se inicia a prática pedagógica.
do processo saúde-doença, e a organização de práticas coletivas de saúde. As
pessoas são convidadas a participar ativamente da produção de saúde, superando a 6.2. A relação de ensino-aprendizagem
postura de consumidores passivos de ações curativas e remédios.
O ingrediente básico no processo ensino-aprendizagem é a construção do
6.1. O processo educativo conhecimento. Para que ela ocorra o educador deve compreender que é necessário
se aproximar do objeto de estudo visando conhecer alguns de seus aspectos mais
Toda concepção de educação baseia-se em concepções de homem e de relevantes. Além disso, é preciso conhecer, do ponto de vista cognitivo, psicológico e
mundo. Estas concepções subsidiam toda prática pedagógica e não estão dissociadas social, o aluno que vai construir este conhecimento, conforme exposto anteriormente.
das condições históricas, políticas e sociais onde a prática se realiza.
Para estabelecer uma relação de ensino-aprendizagem, o educador em
Atualmente, a aplicação em escolas bem estruturadas da concepção saúde bucal pode organizar determinadas atividades para operar como instrumentos
construtivista de educação vem criando condições para que os alunos desenvolvam e de trabalho em sala de aula. Essas atividades para serem significativas devem:
exerçam sua cidadania, desde a infância até a vida adulta, tornando-se um cidadão
crítico, questionador e capaz de contribuir para a construção de uma sociedade mais a) partir do conhecimento prévio que o aluno traz a respeito do tema a ser
justa e democrática. trabalhado, do que gostaria de saber, suas dúvidas, curiosidades etc.
Jean Piaget, Vigotsky, Walloon, Sigmund Freud, Paulo Freire, Emília b) propiciar ao aluno constantes processos de interação entre: aluno-aluno,
Ferreiro, dentre outros, tem oferecido os fundamentos teóricos tanto no sentido da aluno-adulto, aluno-objeto de conhecimento. É a partir desses processos de
recolocação do papel da escola, quanto sobre as concepções de desenvolvimento socialização do saber que ocorrem trocas de conhecimentos entre os indivíduos e, é
infantil até a vida adulta. no confronto de hipóteses diferentes que o conhecimento vai sendo construído.
Nesta concepção, o aluno é visto como o sujeito do conhecimento, isto é, c) trabalhar com o interesse do aluno. A partir do interesse são
trabalha-se a partir da prática e da vivência dos alunos para se chegar a construção desencadeadas ações que levam à busca do conhecimento. As atividades que são
dos conhecimentos teóricos desejados. mais prazerosas e mais ricas são sempre sustentadas por algum tipo de motivação. É
muito difícil pedir que uma criança se empenhe numa atividade de aprendizagem se
Os objetivos da prática pedagógica não são vistos como pontos de partida, ela não vê interesse algum na atividade. Então é necessário pensar no que seja esse
mas como pontos de mudanças visíveis. Neste sentido, devem ser apresentados de interesse. Pode-se admitir pelo menos dois tipos de interesse: o imediato e o diferido.
forma clara e concreta. Sendo assim, a atividade realizada com cunho educacional O interesse imediato manifesta-se em atividades realizadas com um fim em si
deve tomar a realidade e os conhecimentos dos alunos como ponto de partida, mesmas, como por exemplo, o jogo. Já o interesse diferido manifesta-se em
ampliando-os e organizando-os através de um trabalho significativo, planejado e atividades onde a criança a realiza com o objetivo de obter algum benefício futuro,
consistente. conferindo sentido à tarefa cuja função é trabalhar determinados objetos de
Para isso, é preciso conhecer as características cognitivas, afetivas e sociais conhecimento cujos resultados muitas vezes só serão sentidos no futuro, como por
do aluno ou grupo de alunos com o qual será realizado o trabalho. exemplo a compreensão de que é preciso escovar os dentes para não desenvolver a
cárie dentária.
Do exposto, resulta que o aluno é considerado um ser inteligente, com uma
maneira própria de interpretar o mundo e que, apesar de condições adversas pode se Enfim, vamos descobrindo que o conhecimento, o ensino e a aprendizagem
desenvolver e aprender, desde que a escola não lhe crie mais obstáculos do que a caminham juntos, porque nunca conhecemos tudo, e ao ensinar vamos percebendo e
sua condição de classe já lhe impõe, no caso dos alunos das camadas populares. apreendendo outros aspectos dos objetos de conhecimento.

24
6.3. Os recursos no processo educativo desses recursos, pois joga papel fundamental o grau de interação e o estabelecimento
de vínculos entre os educadores e o público-alvo.
O recurso mais utilizado no processo ensino-aprendizagem é a linguagem
oral. Entretanto estudos demonstram que ele pode ser auxiliado por outros recursos Quando os recursos são utilizados em situações de ensino-aprendizagem é
que estimulam outros sentidos possibilitando assim maior aprendizagem. É o caso da necessário ter presente que a educação se insere numa realidade, onde aprender
combinação da oral e visual. significa tornar o sujeito mais consciente de si e do mundo que o cerca, dando-lhe
7 condição de atuar na e sobre a realidade. Dessa forma devemos evitar que a
Conforme FERREIRA & SILVA JR estudantes, de modo geral, retêm: aplicação de recursos venha a ser um suporte a mais de uma prática isolada e
♦ 10% do que lêem; desvinculada do concreto. Para isso, devemos levar em conta algumas condições
básicas:
♦ 20% do que escutam;
a) serem acessíveis e adequados à realidade;
♦ 30% do que vêem;
b) serem apropriáveis pelos sujeitos que os utilizam;
♦ 50% do que vêem e escutam;
c) serem formativos e capazes de estimular a auto-capacitação;
♦ 70% do que dizem e discutem;
d) estimularem os processos grupais;
♦ 90% do que dizem e logo realizam.
e) serem flexíveis e readaptáveis às realidades locais;
f) permitirem a participação da maioria das pessoas envolvidas;
MÉTODO DE ENSINO DADOS REPETIDOS DEPOIS DE 3 DIAS g) serem avaliáveis.
Somente oral 10% Para que a comunicação realmente se efetive e a aprendizagem ocorra é
Somente visual 20% necessário que as relações que venham a se estabelecer entre o que já é conhecido e
as novas informações sejam significativas. Não basta, portanto, que o indivíduo
Oral e visual 65% simplesmente memorize informações; memorizar informações não é o mesmo que
simultaneamente apropriar-se de conhecimentos.
Nesse sentido, os recursos podem vir a desempenhar um papel importante,
ao propiciar uma identificação, ao nível afetivo, com personagens e situações
Ao se analisar os recursos de forma isolada, podemos afirmar que a
concretas apresentadas.
aprendizagem fica mais eficiente na medida em que os recursos são mais concretos.
É muito mais fácil apropriar-se do raciocínio lógico-matemático ou da estatística Para isso é importante a adequação da mensagem à situação real vivida
manipulando objetos, por exemplo cartas de um baralho, do que através dos símbolos pelos sujeitos. A partir de situações ou conceitos apresentados com os quais o
da linguagem da matemática. É mais fácil compreender o processo de "espectador" se identifique, pode-se desenvolver novos conteúdos e informações.
des(re)mineralização que ocorre na superfície do esmalte dentário através de imagens
microscópicas de corte histológicos do que através da expressão das cadeias de Quando assistimos uma dramatização, um filme, uma projeção de
reações químicas com símbolos e fórmulas complexas. Entretanto, considerando que diapositivos sonorizados ou programas de televisão, estamos como que "sonhando"
os recursos se constituem num dos vários elementos presentes no processo de olhos abertos. Nesta situação nossa esfera emocional está diretamente envolvida,
educativo, devemos admitir que eles não tem valor em si. alcançando, em muitos casos, uma participação física nos acontecimentos (riso,
lágrimas, desgosto etc). O espectador que "desperta" de um filme tem quase a
No nosso trabalho junto à equipe de saúde bucal ou junto à população, a sensação de ter participado dos acontecimentos.
importância dos recursos se relaciona aos objetivos propostos e ao uso que se faz

25
Quando exercemos sobre a linguagem audiovisual uma visão crítica aprendizagem, variando a explicação oral, quantidade de elementos, ritmo de
podemos perceber os códigos, valores e significados da mensagem. apresentação e profundidade do conteúdo.
Num estudo em que foram analisadas mensagens publicitárias de televisão 6.3.4. ÁLBUM SERIADO: consiste em uma coleção de folhas organizadas em
sobre o tema saúde, observou-se que a proposta era transmitir a idéia de que o armação de madeira ou papelão. Pode conter fotografias, gráficos, cartazes. Suas
cidadão, individualmente, é o único responsável pela sua saúde, e que a saída, isto é, dimensões e proporções devem ser tomadas de modo que seja visível a todo público
o remédio é o consumo de medicamentos. "Tomou isso, aconteceu aquilo". Essas assistente. Mantém o interesse pela sucessão e interdependência das imagens,
mensagens são denominadas propaganda em saúde. Será que é tão simples assim? orientando o rumo das atividades. A expectativa pode proporcionar discussões e
Muitas vezes confunde-se comunicação ou educação em saúde com propaganda em coleta de experiências do grupo. As folhas podem ser acondicionadas de forma
saúde. organizada e se possível apoiadas em suporte ou tripé de madeira. O álbum seriado
recortado tem seu assunto guiado ao redor de uma ilustração básica. Suponhamos a
Quando pretendemos elaborar qualquer tipo de material educativo para confecção de um álbum seriado para o estudo do aparelho digestivo:
crianças temos que ter sempre em mente que o mundo delas é mesclado de fantasia
e realidade e que elas também não estão a salvo das contradições e ambivalências - começamos pela última folha que apresentará todo o aparelho, colorido em
do cotidiano vivido por todos nós. Incluir a fantasia nas ações educativas através de cores distintas segundo os órgãos constituintes.
dramatizações, desenhos, colagens, possibilita que a criança possa se identificar com
personagens e situações, como uma brincadeira. Assim ela irá se descobrindo, - a 1ª folha poderá reproduzir o contorno do aparelho digestivo, sem
desvendando o mundo, criando, interpretando e se apropriando do real. detalhes. Nas folhas sucessivas, seriam recortados e colados os órgãos componentes
do aparelho digestivo, de modo que ao virar as folhas, os órgãos seriam apresentados
Há um grande número de recursos que podemos utilizar, dentre os quais em cores distintas, mostrando progressivamente o caminho percorrido pelo bolo
destacamos: alimentar.
6.3.1. DRAMATIZAÇÃO: é um recurso que parte de uma idéia, de uma estória 6.3.5. RETROPROJEÇÃO: o retroprojetor é um equipamento bastante utilizado,
simples, seja um conflito de posições, uma crônica do cotidiano ou o drama de alguém composto por sistema de iluminação (lâmpadas), sistema óptico (lentes) e ventilação
ou de um grupo de pessoas com um problema de saúde. Esta idéia inicial sugere um (refrigeração do aparelho). Permite que o operador fique de costas para a projeção e
roteiro com situações, intercaladas por músicas ou não, a serem representadas por voltado para o grupo de espectadores, assim percebendo suas reações, tornando o
diferentes personagens portadores dos sentimentos e pensamentos mais trabalho mais dinâmico. O expositor deve utilizar a plataforma do retroprojetor e não a
significativos que permeiam a vida social e que motivam as ações entre os homens. tela para suas explicações ou referências necessárias. Os desenhos e/ou escritos são
Quando bem montada, pode criar condições para despertar e fluir emoções e registrados nas transparências feitas com plástico, celofane ou películas de acetato
associações com fatos e fenômenos da realidade da vida cotidiana tanto naqueles especiais para esse fim. Existem várias formas de se registrar os desenhos e/ou
que assistem quanto naqueles que participam em cena. escritos, porém a utilização de canetas especiais são os mais adequados (canetas
hidrográficas para retroprojeção). A impressão com carbono ou com lápis de
6.3.2. CARTAZ: deve ser atraente e fixado em locais que promovam boa sobrancelha ou lápis de cera pode ser removida com flanela ou lenço de papel. É
visualização pois o indivíduo apressado que não se desloca a fim de vê-lo, deve ser necessário considerar, na confecção das transparências, o tamanho das letras, cores
atraído por ele. A comunicação deve ser simples, para que seja entendido e quantidade de elementos em cada película. As transparências podem ser
rapidamente. Quando presente a ilustração deve ser auto-explicativa com texto sobrepostas para demonstrar explicações de complexidade crescente ou para criar
reduzido. As cores devem ser vivas e contrastantes. Deve ser usado para a novas situações durante a exposição. A vedação com papel opaco permite que os
transmissão de mensagens simples e diretas. registros das transparências sejam revelados conforme a necessidade ou momento
6.3.3. FLANELÓGRAFO: trata-se de uma superfície rígida, recoberta por flanela desejado. O retroprojetor pode ser utilizado ainda para demonstração de objetos
ou feltro, onde se colocam peças confeccionadas com material aderente ou tendo na opacos, como por exemplo instrumentos cirúrgicos, ou objetos que podem ter sua
parte posterior lã, flanela, feltro ou lixa de madeira colada. Pode ser utilizado para silhueta estudada na tela. Também é possível a visualização de películas
públicos diversos, acessível, dispensando aparelhos sofisticados. É um recurso radiográficas.
dinâmico onde os materiais podem ser utilizados em diferentes níveis de

26
6.3.6. DIAPOSITIVOS ("slides"): atraem a atenção, pois o escurecimento da Material: papel sulfite, lápis de cor e massa de modelar.
sala elimina uma série de elementos que poderiam dispersar o interesse. Porém
requer equipamento próprio como o projetor, e cuidado no seu manuseio e confecção. Procedimento:
A organização e o planejamento da sequência de slides é fundamental para a a) pedir aos alunos que se sentem no chão, em duplas, um em frente ao
aprendizagem. A seleção realizada deve ser numerada na própria moldura. A outro. O primeiro "examina" a boca do outro, invertendo-se os papéis em seguida.
projeção pode ser acompanhada ou não de estímulos sonoros, através de gravação Pedir que observem o formato dos dentes, sua cor, se existem cáries ou não, a cor da
em fita para toca-fitas, apresentados simultaneamente. Para confecção de slides é língua, o tamanho dos dentes etc. Se necessário explicar como esses aspectos
necessário ter à disposição câmera fotográfica, filme para slides e conhecimentos podem ser observados.
básicos de manuseio de material fotográfico.
b) cada aluno deverá, após o "exame" da boca de seu colega, fazer um
6.3.7. VÍDEOS: A produção de um vídeo requer equipamentos mais desenho do que viu.
sofisticados e a qualidade final dependerá dos recursos e conhecimentos das técnicas
de gravação e elaboração final do produto. Nos vídeos e filmes estão combinados a c) em seguida, cada um com o seu desenho, sentando-se à mesa, deverá
comunicação falada e escrita e a comunicação visual. Além disso, o movimento de reproduzir com a massa de modelar o que desenhou.
imagens proporciona uma maior proximidade com a realidade. São despertados todos d) fazer uma "exposição" do que foi construído com a massa de modelar,
os sentidos de percepção do público assistente. Imagens de maior impacto podem colocando os trabalhos no centro da sala para que todos vejam.
aflorar reações e sentimentos profundos, dinamizando ainda mais as discussões,
sensibilizando e favorecendo a assimilação da aprendizagem. e) levantar junto aos alunos suas hipóteses a respeito de:
6.3.8. ATIVIDADES DE PAPEL E LÁPIS: são recursos utilizados em sala de aula - qual a função dos dentes ?
para possibilitar que os alunos desenvolvam novos conhecimentos.
- por que eles são diferentes ?
A seguir são apresentados alguns exemplos de atividades na concepção
- qual a função da língua ?
construtivista:
- por que temos saliva na boca ?
A. O QUE FAZ O DENTISTA?
- por que os dentes estragam ?
Objetivo: levantar junto aos alunos as informações que dispõem sobre a
profissão de dentista. f) a partir do que foi sendo falado, complementar com informações adicionais
as questões discutidas.
Material: papel sulfite e lápis de cor.
C. COMO É O "BICHO DA CÁRIE"?
Procedimento:
Objetivo: trabalhar com os alunos suas hipóteses a respeito de como a cárie
a) pedir aos alunos que façam um desenho onde expressem o que elas
é causada.
acham que um dentista faz.
Material: papel sulfite e giz de cera.
b) sentar os alunos em círculo no meio da sala e pedir que cada um fale
sobre o que desenhou. Procedimento:
c) anotar na lousa o que vai sendo dito, completando e explicando sobre: o a) distribuir o papel e o giz para as crianças, fazendo a seguinte proposta: "
que o dentista faz; quais os instrumentos que utiliza; qual a importância do seu desenhem como vocês imaginam o bicho da cárie ".
trabalho; o que ele precisa estudar para se tornar dentista etc.
b) após o término do trabalho, pedir as crianças que falem sobre os seus
B. COMO É A NOSSA BOCA? desenhos tentando fazer com que expressem o porquê imaginaram o bicho dessa
forma.
Objetivo: propiciar o conhecimento e o reconhecimento de nossa boca.

27
c) exemplificar apresentando aos alunos a bactéria que causa a cárie em da luta da população por iniciativas de promoção de saúde e, também, do
forma de desenhos ou de diapositivos, ou até mesmo através do microscópio. Explicar engajamento e compromisso dos profissionais de saúde com a eficácia e eficiência
como ela agride a superfície dentária e como ela consegue sobreviver na boca. desses projetos.
d) concluir a atividade aplicando um evidenciador de placa bacteriana a fim 8. AGRADECIMENTO
de demonstrar que as bactérias vivem juntas, em "bando", na forma de uma placa ou
massa branca aderida à superfície dos dentes. Em seguida, estimular a remoção da Os autores agradecem a valiosa colaboração da pedagoga Elisa Maria
placa bacteriana com uso de escova e dentifrício. Grossi Manfredini no conteúdo do item 6, referente à educação em saúde bucal.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cárie dentária vem tendo sua prevalência diminuída na maioria dos países 9. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
desenvolvidos. Uma visão panorâmica da saúde bucal em diferentes partes do CHAVES, M.M. Odontologia social. 3a ed. Rio de Janeiro, Artes Médicas, 1986.
planeta, permite admitir que essa redução é alcançada mais facilmente quando essas COSTA, N.R. Estado, educação e saúde: a higiene da vida cotidiana. Cad. CEDES, 4:5-27,
sociedades industrializadas conseguem articular e conjugar as principais forças 1984.
sociais do país para a implementação de projetos políticos que, no plano mais geral, FARIA, A.R. O desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. São Paulo,
respondam às exigências de desenvolvimento econômico, justiça social e democracia Ática, 1989.
política, e no plano da saúde bucal, universalizam medidas coletivas relativas ao uso FERREIRA, O.M.C.; SILVA JR, P.D. Os recursos audiovisuais no processo ensino-
do flúor e incorporam pessoal auxiliar odontológico nos sistemas de saúde para aprendizagem. São Paulo, EPU, 1986.
realizar, dentre outras atividades, as de promoção da saúde bucal. FRAZÃO, P. A participação do pessoal auxiliar odontológico em dez sistemas locais de
saúde de cinco municípios do Estado de São Paulo, 1994. [Dissertação de mestrado
No Brasil, a prevalência da cárie dentária aos 12 anos de idade, à despeito apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 01/11/1995.]
de ainda ser considerada alta, vem diminuindo desde a década dos 70. Essa queda
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977.
não é uniforme nem homogênea pelo vasto território brasileiro. Podemos considerar
que varia, dentre outros fatores, segundo as características da água de abastecimento GIACOMANTONIO, M. O ensino através dos audiovisuais. São Paulo, EDUSP, 1981.
de cada região, dos sistemas locais de saúde e das classes sociais e seus diferenciais L'ABBATE, S.; SMEKE, E.L.M.; OSHIRO, J.H. A educação em saúde como um exercício de
de consumo. Em regiões com água fluoretada e cujos teores são mantidos cidadania. Rev. Saúde em Debate, 37:81-85, 1992.
adequados há cerca de 10 anos, a redução pode ser atribuída a essa medida. Em LATAILLE, I. Transmissão e construção do conhecimento. São Paulo, 1990.
regiões onde o método sistêmico apresenta dificuldades operacionais, como por LEAVELL, H.R.; CLARK, E.G. Preventive medicine for the doctor in his community. New
exemplo S. José dos Campos, a queda pode ser atribuída aos programas de saúde York, McGraw-Hill, 1965.
bucal coletiva que se fundamentam em métodos de uso tópico do flúor (dentifrícios, MAYHALL, J. Canadian inuit caries experience, 1969-1973. J. Dent. Res., 54:1245-7, 1975.
soluções para bochechos e géis) com participação de pessoal auxiliar odontológico. MELO, J.A.C. Educação sanitária: uma visão crítica. Cad. CEDES, 4:28-43, 1984.
Em regiões onde nos últimos 10 anos foram implementados métodos sistêmicos e
MOORE, W.J.; CORBETT, M.E. The distribution of dental caries in ancient British populations -
tópicos, como por exemplo o município de Santos, cujo levantamento epidemiológico
realizado em 1995 verificou um índice CPO-D de 1,7 aos 12 anos de idade, pode-se IV The 19th century. Caries Res., 10:401-3, 1976.
atribuir essa expressiva redução às duas medidas de prevenção. NARVAI, P.C. Diagnóstico de saúde bucal. São Paulo, mimeo, 1988.
NASCIMENTO, E; REZENDE, A. N. Criando histórias aprendendo saúde. São Paulo,
Assim, independentemente da força relativa de cada método no interior de Cortez, 1988.
um sistema de prevenção, o que nos parece importante salientar é o lugar de
SÃO PAULO, SECRETARIA MUNICIPAL DA SAÚDE. Manual de formação do técnico em
destaque cada vez maior que vem sendo dado às práticas de promoção da saúde
higiene dental. São Paulo, CEFOR-Projeto Larga Escala, 1992.
bucal no processo de transformações que tem caracterizado a saúde bucal da
população brasileira. Tal processo, que já beneficia as classes de maior potencial de SILVA, J.O. Educação em saúde: notas para a discussão de um campo temático. Rev. Saúde
em Debate, 42:36-39, 1994.
consumo, poderá alcançar todos os brasileiros, tornando a saúde bucal, de fato, um
bem público. Tal possibilidade depende da dinâmica social dos próximos anos, isto é,

28
Quando se fala de “Fatores Pedagógicos” inclui-se nesta categoria todos os
ALGUNS FATORES PEDAGÓGICOS processos relacionados com o ensino-aprendizagem das tecnologias que um
Juan E. Dias Bordenave determinado grupo elegeu como apropriada para seu sistema de produção.
Todos os processos educativos, assim como suas respectivas metodologias
e meios, têm por base uma determinada pedagogia, isto é, uma concepção de como
Texto traduzido e adaptado do artigo La Tranferencia de Tecnologia Apropriada ao se consegue que as pessoas aprendam alguma coisa e, a partir daí, modifiquem seu
Pequeño Agriculor. Bordenava Juan E. Dias. Revista Interamericana de Educação de comportamento. A pedagogia escolhida, por sua vez, se fundamenta em uma
Adultos, vol. 3, no 1-2 – PRDE – OEA. Por Maria Thereza Grandi, OPS. Brasília, 1983. determinada epistemologia ou teoria do conhecimento.
As concepções pedagógicas adotadas por um determinado contexto refletem
Notas Preliminares as ideologias (e os objetivos) desse referido contexto. E muitas vezes o interesse
central não está precisamente dirigido aos fundamentos epistemológicos da
pedagogia e sim aos efeitos de sua aplicação.
O texto que veremos a seguir foi adaptado de um artigo maior publicado sob Como veremos a seguir, cada opção pedagógica, quando exercida de
o título “A transferência de tecnologia apropriada ao pequeno agricultor”. Contudo, maneira dominante durante um período prolongado, tem conseqüências discerníveis
nenhuma inadequação existe quanto a sua utilização na área de saúde já que sua sobre a conduta individual e também, o que é mais importante, sobre o
essência refere processos pedagógicos comuns a qualquer ação educativa. comportamento da sociedade em seu conjunto. Embora existam numerosas opções
pedagógicas, ressaltaremos três que consideramos polêmicas por seus domínios:
Bordenave, especialista em Comunicação e Educação, paraguaio, tem vasta
experiência em educação de adultos, principalmente aqueles de escolarização a) Pedagogia de Transmissão
precária, típica das classes menos favorecidas dos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento. Conseqüentemente, trata-se de uma educação voltada para o b) Pedagogia do Conhecimento
trabalho, mas nem por isso mecanicista: procura todo o tempo ressaltar a importância c) Pedagogia da Problematização
do aprendizado pela descoberta e, portanto, o crescimento do indivíduo como um
todo. Critica a simples transferência do conhecimento feita por métodos não reflexivos
evidenciando sua superficialidade e baixa retenção do conhecimento mas sem o a) A Pedagogia de Transmissão
radicalismo do negar por negar. Enfim, esclarece sobre as várias modalidades de
“ensinar-aprender-ensinar” deixando flexível a escolha em função dos objetivos que
se quer atingir.
A Pedagogia de Transmissão parte da premissa de que as idéias e
Por último, a linguagem direta, acessível e clara facilita a compreensão do conhecimentos são os pontos mais importantes da educação e, como conseqüência,
conteúdo por parte de profissionais de diferentes áreas que, por necessidades a experiência fundamental que o aluno deve viver para alcançar seus objetivos é a de
diversas, se deparam com a tarefa de ensinar. E é importante lembrar que quando RECEBER o que o professor ou o livro lhes oferece. O aluno é considerado como
ensinamos não basta o domínio do conteúdo: deve ser levado em conta “como uma “página em branco” onde novas idéias e conhecimentos de origem exógena
ensinar” o que implica o mínimo de formação pedagógica para que se logre o produto serão imprimidos.
final desejado: a transformação da realidade a partir da modificação do
Ainda que tradicionalmente a pedagogia de transmissão venha
comportamento, via novos conhecimentos.
acompanhada pela exposição oral do professor, e por isso justifique a expressão
Maria Thereza Grandi magister dixit, a verdade é que em muitos casos a moderna Tecnologia Educacional
com seus complicados conjuntos multimeios pode não ser nada mais que um veículo
OPS. Brasília, 1983. sofisticados de mera transmissão.

29
• Conformismo
• Individualismo e falta de participação e cooperação;
É necessário observar que a pedagogia de • Falta de conhecimento da própria realidade e, conseqüentemente, imitação
transmissão não está circunscrita nas situações de de padrões intelectuais, artísticos e institucionais estrangeiros;
educação formal, mas quase sempre pode estar
presente nas situações de educação não-formal. • Submissão à dominação e ao colonialismo;
• Manutenção da divisão de classes sociais (status quo).
Parece evidente que a pedagogia da transmissão não coincide com as
Assim, quando se critica os agentes de treinamento em campos aspirações de um desenvolvimento baseado na transformação das estruturas, o
profissionalizantes, de usar um estilo autoritário e vertical na transmissão de, por crescimento pleno das pessoas e sua participação ativa no processo de mudança,
exemplo, novos conhecimentos técnicos, em geral o que se pretende denunciar é uma evolução.
entrega de conhecimentos sem o correspondente esforço para desenvolver as Finalizando, é bom lembrar que no processo ensino/aprendizagem de
habilidades intelectuais (observação, análise, avaliação, extrapolação, compreensão, capacitação existe um sério perigo de adotar a pedagogia de transmissão: o fato de
etc.). que o que se transmite não sejam só conhecimentos ou idéias mas também
As possíveis conseqüências desta pedagogia seriam: procedimentos e práticas, não altera o caráter transmissivo do fenômeno já que os
procedimentos inculcados provêm integralmente de uma fonte que já possui e o aluno
Ao Nível Individual não faz outra postura reflexiva diante de possíveis problemas que venham surgir.
• Elevada absorção de informação;
• Hábito de tornar notas e memorizar; b) A Pedagogia do Condicionamento
• Passividade do aluno e falta de atitude crítica;
• Profundo “respeito” quanto às fontes de informação, sejam elas professores A Pedagogia do Condicionamento se diferencia da Pedagogia de
ou textos; Transmissão por não considerar como mais importante no processo educativo as
idéias e os conhecimentos. Na verdade ela enfatiza os RESULTADOS
• Distância entre teoria e prática; COMPORTAMENTAIS, ou seja, as manifestações empíricas e operacionais da troca
• Tendência ao racionalismo radical; de conhecimentos, atitudes e destrezas.

• Preferência pela especulação teórica; Esta escola pedagógica, associada ao behaviorismo (Watson, Skinner) e a
reflexologia (Pavlov), se concentra no modelo da conduta mediante um jogo eficiente
• Falta de “problematização” da realidade. de estímulos e recompensas capaz de “condicionar” o aluno a emitir respostas
pedagógicas pelo professor.
Exemplificando:
Ao Nível Social
• Adoção inadequada de informações científica e tecnológica de países
desenvolvidos;
• Adoção indiscriminada de modelos de pensamento elaborado em outras
regiões (inadaptação cultural);

30
Ao Nível Individual
• aluno ativo, emitindo as respostas que o sistema permitir;
• alta eficiência da aprendizagem de dados e processos;
• o aluno não questiona os objetivos nem o método, e nem participa de sua
seleção;
• o aluno não problematiza a realidade nem lhe é pedido uma análise crítica da
mesma;
• o aluno não tem oportunidade de criticar as mensagens (conteúdo) do
programa;
• o tipo e a oportunidade dos reforços são determinados pelo programador do
sistema;
• tendência ao individualismo salvo quando o programa estabelece
oportunidade de co-participação;

Traduzindo-se o exemplo para a educação humana, o processo consiste em • tendência à competitividade: o aluno mais rápido ganha em status e em
que o professor estabeleça OBJETIVOS INSTRUMENTAIS de realização acesso a materiais ulteriores;
quantitativamente mensuráveis e programe uma estratégia de modelagem baseada
• tendência a renunciar a originalidade e criatividade individual: as respostas
em uma seqüência de pequenos passos, reforçando-se ou recompensando-se o aluno
corretas são preestabelecidas.
quando a resposta emitida coincide com a resposta esperada. Mediante a repetição
da associação ESTÍMULO-REPOSTA-ESFORÇO, o aluno termina por ser
condicionado a emitir respostas desejadas sem necessidade de um reforço contínuo.
No caso do estudante que, ainda que receba uma nota por cada assunto aprendido, Ao Nível Social
aprende, por condicionamento subconsciente, a temer uma nota ruim e não apenas • tendência à robotização da população com maior ênfase na produtividade e
pelo prazer de aprender. na eficiência do que na criatividade e na originalidade;
Muito da Tecnologia Educacional Moderna se baseia na pedagogia • costumes de dependência de uma fonte externa para o estabelecimento de
conducionista que acabamos de descrever, começando pela Instrução Programada e objetivos, métodos e reforços: desenvolvimento da necessidade de um líder;
terminando pelo enfoque mais amplo do Ensino para a Competência ou domínio. O
Método dos Módulos pode também ser incluído na pedagogia do condicionamento se • falta de desenvolvimento de consciência crítica e de cooperação;
as instruções que a realizam enfatizarem a obtenção de objetivos preestabelecidos ao
invés do desenvolvimento integral do aluno como ser individual e social. • eliminação do conflito como ingrediente vital da aprendizagem social;

Vejamos quais poderiam ser as conseqüências individuais e sócias da • susceptibilidade dos programas à manipulação ideológica ou tecnológica;
pedagogia do condicionamento ou modelagem da conduta, também chamada • ausência de dialética “professor-conteúdo” salvo em sessões eventuais de
“engenharia do comportamento”. reajustes;
• dependência de fontes estrangeiras de programas, equipamentos e métodos;

31
• tendência ao conformismo por razões superiores de eficiência e pragmatismo O diagrama a seguir, que nos ajudará a representar esta pedagogia
utilitário. problematizadora pode ser bastante simples e Charles Maguerez, seu autor, o
chamou de “método do arco”.

Pode se inferir desta lista de conseqüências que o balanço final desta


pedagogia é algo alarmante para países do terceiro mundo, empenhado como estão
em lograr sua independência mental associada à independência tecnológica, política e
sócio-econômica.]
Parece que os métodos emergentes desta pedagogia deveriam ser utilizados
somente depois que os alunos já houvessem desenvolvido sua consciência crítica e
sua capacidade de problematizar sua própria realidade mediante outros métodos
menos condicionadores.

c) A Pedagogia da Problematização

A Pedagogia da Problematização parte da base que, em um mundo de


mudanças rápidas, o importante não são os conhecimentos e idéias e nem os
comportamentos corretos e fáceis que se espera, mas sim o aumento da capacidade
do aluno – participante e agente da transformação social – para detectar os problemas
reais e buscar para eles soluções originais e criativas. Por esta razão, a capacidade O diagrama nos diz que o processo “ensino-aprendizagem” selecionado com
que se deseja desenvolver é a de FAZER PERGUNTAS RELEVANTES em qualquer um determinado aspecto da realidade deve começar levando os alunos a observar a
situação para entendê-las e ser capaz de resolvê-las adequadamente. realidade em si, com seus próprios olhos. Quando isto não é possível, os meios
audiovisuais, modelos, etc., permitem trazer a realidade até aos alunos, mas,
Em termos de capacitação em gestão e produtividade, não é tão importante, naturalmente, com perdas de informação inerentes a uma representação do real. Ao
dentro do contexto desta pedagogia, a transmissão fiel de conceitos, fórmulas, observar a realidade, os alunos expressam suas percepções pessoais, efetuando
receitas e procedimentos nem tão pouco a aquisição de hábitos fixos e rotinas de assim uma primeira “leitura sincrética” ou ingênua da realidade.
trabalho que conduzem a uma boa gestão. Em certas situações, é mais importante e
urgente desenvolver a capacidade de observar a realidade imediata ou circundante Em um segundo momento ou fase, os alunos separam, no que foi observado,
como a global e estrutural; detectar todos os recursos a que se possa lançar mão; o que é verdadeiramente importante do que é puramente superficial ou contingente.
identificar os problemas que obstaculizam um uso eficiente e eq6uitativo dos ditos Melhor dizendo, identificam os pontos chaves do problema ou assunto em questão, as
recursos; localizar as tecnologias disponíveis para usar melhor os recursos ou até variáveis mais determinantes da situação. Esta etapa da problematização constitui
inventar novas tecnologias apropriadas e encontrar formas de organização do trabalho uma das razões mais importantes da superioridade desta pedagogia sobre as de
e da ação coletiva para conseguir tudo anteriormente citado. transmissão e condicionamento.
Essa pedagogia não separa a transformação individual da transformação Em um terceiro momento, os alunos passam a teorização do problema ao se
social, pela qual ela deve desenvolver-se em situação grupal. perguntar o porquê das coisas observadas. Ainda que o papel do professor seja
sempre importante como estímulo para que os alunos participem ativamente, nesta
fase de teorização sua contribuição é fundamental, pois a tarefa de teorizar é sempre
difícil e ainda mais quando não se possui o hábito de fazê-lo, como é, em geral, o
caso de adultos em treinamento. Trata-se então do caso de apelar para

32
conhecimentos científicos contidos no dia-a-dia e outras de maneira simplificada e • aprendizagem ligada a aspectos significativos da realidade;
fácil de comprovação.
• desenvolvimento das habilidades intelectuais de observação, análise,
Se a teoriação é bem sucedida o aluno chega a “entender” o problema tão avaliação, compreensão, extrapolação;
somente em suas manifestações empíricas e situacionais assim como também os
princípios teóricos que o explicam. Essa etapa de teorização que compreende • intercâmbio e cooperação com os demais membros do grupo;
operações analíticas da inteligência é altamente enriquecedora e permite o • superação de conflitos como ingrediente natural da aprendizagem grupal;
crescimento mental dos alunos. Como diz Piaget, eles passam pelo próprio esforço do
domínio das “operações concretas” para as “operações abstratas” e isto lhes confere • status do professor não diferente do status do aluno.
um poder de generalização e extrapolação considerável. Eis, então, outra razão da
superioridade da Pedagogia da Problematização sobre as de transmissão e
Condicionamento. Ao Nível Social
Confrontada a Realidade com sua Teorização, o aluno se vê naturalmente • população conhecedora de sua própria realidade e valorização excessiva do
movido a uma quarta fase: a formulação de Hipóteses de Solução para o problema forâneo (externo) ou sua imitação;
em estudo. É aqui onde deve ser cultivada a originalidade e a criatividade na inventiva
para que os alunos deixem sua imaginação livre e se acostumem a pensar de maneira • métodos e instituições originais, adequados à própria realidade;
inovadora. Porém, como a teoria em geral é muito fértil e não tem amarras
• cooperação na busca de soluções a problemas comuns;
situacionais, algumas das hipóteses apresentadas podem ser válidas a princípio,
porém não na prática. De modo que, esta etapa deve conduzir o aprendiz a levar a • redução da necessidade de um líder pois os líderes são emergenciais;
termo provas de viabilidade e factibilidade confrontando sus hipóteses de solução com
os condicionamentos e limitações da própria realidade. A situação de grupo ajuda a • elevação do nível médio de desenvolvimento intelectual da população,
esta confrontação “ideal-real”. Aqui vemos outra vantagem desta pedagogia: o aluno graças a maior estimulação e desafio;
usa a realidade para aprender com ela, ao mesmo tempo que se prepara para
• criação (ou adaptação) de tecnologia viável e culturalmente compatível;
transformá-la.
• resistência à dominação por classes e países.
Na última fase, o aluno pratica e fixa as soluções que o grupo encontrou
como sendo mais viáveis e aplicáveis. Aprende a generalizar o aprendido para
utilização em situações diferentes e a discriminar em que circunstâncias não é
possível ou conveniente a aplicação sabendo qual escolher. Da análise comparativa da natureza e conseqüências das 3 opções
pedagógicas apresentadas, parece evidente uma nítida superioridade da terceira
Através do exercício aperfeiçoa sua destreza e adquire domínio e opção, a problematizadora. Sem dúvida, isto não quer dizer que haja que se rechaçar
competência no manejo das técnicas associadas à solução do problema. totalmente as contribuições das duas outras opções restantes, sobretudo de algumas
de suas aplicações metodológicas.
Correndo o risco de repetir pontos já ditos, pode-se esperar que a pedagogia
da problematização tenha as seguintes conseqüências:
Assim, por exemplo, existem momentos em que o processo de ensinar onde
tudo que se requer é transmitir informação, e outros, em que certos automatismos
Ao Nível Individual
devem ser fixados pelo aluno para a execução de seqüências rígidas de operações. O
• aluno constantemente ativo, observando, formulando perguntas, que não se pode é perder de vista o objetivo fundamental da ação educativa, o qual é
expressando percepções e opiniões; desenvolver a personalidade integral do aluno, sua capacidade de pensar e raciocinar,
assim como seus valores e hábitos de responsabilidade, cooperação, etc.
• aluno motivado pela percepção de problemas reais cuja solução se converte
em reforço;

33
utilização de um sistema de classificação das doenças: o CID-10 (Classificação
INSTRUMENTOS EPIDEMIOLÓGICOS Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados), pois a adoção de
um sistema único de registro pelos países possibilita a comparação de resultados
encontrados. No Estado de São Paulo, a consolidação e análise das informações é
Antonio Carlos Frias realizada pela Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados).
Outra fonte de Informação é o recenseamento populacional realizado pela
A epidemiologia vem se tornando um instrumento indispensável para o Fundação IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) cujos dados são
processo de implantação, construção e consolidação do SUS, nas três esferas de coletados de maneira periódica a cada 10 anos. Por meio do Censo Demográfico
governos: Municipal, Estadual e Federal, por ser um poderoso mecanismo utilizado podemos observar como ocorre o crescimento populacional, informações econômicas,
para o diagnóstico de saúde das comunidades, para o planejamento e a avaliação das de educação, de moradia etc. Outras fontes de informações podem ser colhidas de
ações de saúde coletiva implantadas, para o controle ou erradicação de doenças e maneira ocasional, segundo interesses ou necessidades pontuais sobre algum evento
agravos à saúde e por propiciar sustentação para definir prioridades nas políticas de ou patologia, como exemplos temos o PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras
saúde. Domiciliares) ou os Levantamentos Epidemiológicos em Saúde Bucal.

Para o estabelecimento de um diagnóstico de saúde de uma comunidade ou A combinação de dados demográficos e epidemiológicos que possa traduzir
um território é fundamental a utilização de medidas demográficas e epidemiológicas. os níveis de saúde de uma população é expresso através de indicadores, estes
Deve-se conhecer quais os agravos à saúde ou doenças mais freqüentes e sua indicadores podem ser coeficientes ou índices.
distribuição pela comunidade, quais são os grupos mais vulneráveis, os grupos etários Os índices ou coeficientes referem-se às condições de morbidade ou
mais suscetíveis, os fatores de risco e de proteção dos grupos sociais. mortalidade de uma determinada população e devem estar bem definidos quanto ao
Estabelecer os níveis de saúde de uma população de uma determinada área tempo (ano, mês) e ao espaço (local do evento). Os valores encontrados nos eventos
geográfica não é tarefa fácil, pois não há instrumento que possa mensurar são registrados no numerador e são de menor grandeza que aqueles registrados no
diretamente os níveis de saúde. Sendo assim, estes são estabelecidos através de denominador, devendo o resultado ser multiplicado por uma base (número múltiplo de
dados do avesso da saúde, ou seja, os casos de morbidade (doenças) e os casos de 10), assim devemos comparar resultados que tenham a mesma base referencial.
mortalidade (mortes) mais suscetíveis daquela comunidade, agregando, também,
informações sobre quais são as causas de morte e de adoecimentos e os grupos
vulneráveis, fornecendo uma visão aproximada dos níveis de saúde da comunidade. Coeficientes
Os sistemas de informações de registro de dados devem ser confiáveis e
fidedignos, evitando, ao máximo, a subnotificação de informações ou os casos de fuga Denomina-se coeficiente as relações entre o número de eventos reais e o
de dados. Alguns dados são coletados de maneira contínua, como o registro de que poderiam acontecer (ROUQUAYROL), ou seja, o coeficiente é a expressão
eventos vitais (casamentos, nascimentos, mortes, adoção etc). Assim, os nascimentos numérica da freqüência relativa de uma determinada condição, resultante de uma
são registrados pelos cartórios por meio da Declaração de Nascidos Vivos, relação entre numerador e denominador, multiplicada por uma base, onde o
documento expedido pelos hospitais. De posse deste documento, o pai ou a mãe numerador é um subconjunto do denominador que é o grupo exposto ao risco.
registra a criança no cartório. A consolidação dos dados de nascimento forma o
“Sistema de Nascidos Vivos” (SINASC). Este sistema é considerado peça Alguns coeficientes muito utilizados são:
fundamental para os serviços de saúde que utilizam a epidemiologia como ferramenta
de trabalho, possibilitando a vigilância sobre os recém-nascidos de risco, as condições
de gestação e do parto e o cálculo da mortalidade infantil. O Sistema de Mortalidade N° de óbitos de det. área e ano
(SIM), cujo formulário de Declaração de Óbito foi padronizado em 1975, constituiu-se Coef. Geral de Mortalidade (CGM) = ------------------------------------------------ x 1.000
em um marco no aprimoramento das estatísticas vitais. A Organização Mundial da Pop. total da mesma área,
Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) recomendam a no meio do ano

34
N° de óbitos pela doença, N° de óbitos por determinada doença,
de det. área e ano de uma dada área e ano
Coef. de Mortalidade por Causa = ---------------------------------- x 10.000 ou 100.000 Coef. de Letalidade ou Fatalidade = --------------------------------------------------- x 100
Pop. total da mesma área, N° de casos dessa doença
no meio do ano da mesma área e ano

N° de óbitos de crianças
N° de óbitos por causas maternas, menores de 1 ano
de det. área e ano Coef. de Mortalidade Infantil (CMI) = ------------------------------------------------ x 1.000
Coef. de Mortalidade Materna = ------------------------------------------------------ x 1.000 N° de crianças nascidas vivas
Número de crianças nascidas vivas,
da mesma área e ano
O Coeficiente de Mortalidade Infantil expressa o número de óbitos ocorridos
com crianças menores de um ano em uma determinada região (Distrito Sanitário,
N° de nascidos vivos, de det. área e ano Município ou País). Ele é um bom indicador dos níveis de saúde da região porque
Coef. Geral de Natalidade = ----------------------------------------------------------- x 1.000 reflete as condições de saneamento básico, nutrição, educação habitação, assistência
Pop. total da mesma área, no meio do ano ao pré-natal e ao parto; está ligado diretamente às condições socioeconômicas da
população, mesmo tendo uma série de viés devido à: subnotificação de óbitos de
menores de um ano; subnotificação de nascimentos; definição incorreta de nascido
vivo e nascido morto; evasão e invasão de nascidos vivos e de óbitos de menores de
N° de nascidos vivos, de det. área e ano um ano e, ainda, declaração errada de idade. Apesar de todos estes problemas, ainda
Coef. de Fecundidade = ---------------------------------------------------------------- x 1.000 assim é um bom indicador de saúde da população porque, quando a informação é
Pop. feminina de 15 a 49 anos registrada com fidedignidade, é um indicador sensível às melhoras ou pioras nas
da mesma área, no meio do ano condições de vida da comunidade. Como exemplos: o CMI do Brasil em 1980 foi de
69 óbitos por 1.000 nascidos vivos (69‰); em 1990, 49,4‰; em 2000, 33,0‰. No
Município de São Paulo o CMI em 1980 foi de 50,6‰; em 1990, 30,9‰ e em 2000,
15,8‰.
N° de casos novos de det. doença, Em Saúde Bucal Coletiva, um coeficiente utilizado é o CPC Coeficiente de
de uma dada área e ano Prevalência de Cárie, onde do total de dentes presentes na cavidade bucal são
Coef. de Incidência = --------------------------------------------------- x 10.000 ou 100.000 observados quantos foram atacados por cárie, sendo a base de cálculo a
Pop. da mesma área, no meio do ano porcentagem.

N° de dentes atacados por cárie,


N° de casos existentes de det. doença, de uma dada pop. na área e no ano
de uma dada área e ano Coef. de Prevalência de Cárie CPC =-------------------------------------------------- x 100
Coef. de Prevalência = ------------------------------------------------ x 10.000 ou 100.000 Nº de dentes presentes na cavidade bucal
Pop. da mesma área, no meio do ano de uma dada pop. na área e no ano

35
Índice Nº de Dentes Permanentes
Cariados + Perdidos + Obturados
CPO-D = --------------------------------------------------------------
Índice é a expressão numérica da freqüência relativa de uma determinada Número de Pessoas Examinadas
condição, resultante de uma relação entre numerador e denominador, onde o de uma det. área e no ano
denominador não se refere a nenhuma espécie de risco a que o numerador esteja
exposto (NARVAI e FRAZÃO). Ou seja, no denominador posso ter indivíduos que não
estão expostos ao risco expresso no evento registrado no numerador. É sempre
Indicadores
relativo a tempo e lugar definidos.
Para saber se uma certa população está crescendo ou diminuindo, é utilizado
o Indice Vital de Pearl (IVP). Para medir o nível de vida, a Organização das Nações Unidas
sugere que a consideração dos seguintes componentes, passíveis de quantificação,
podem conformar um quadro razoável da qualidade de vida de uma população:
Número de nascidos vivos
de uma det. área e no ano 1. Saúde, incluindo condições demográficas;
Índice Vital de Pearl (IVP) = ---------------------------------------------------- 2. Alimentos e nutrição;
Número de óbitos
da mesma área e no ano 3. Educação, incluindo alfabetização e ensino técnico;
4. Condições de trabalho;
Outro índice utilizado relacionando o grupo etário e o total de óbitos ocorridos 5. Situação em matéria de emprego;
é o Índice de Swaroop & Uemura (ISU). Este índice expressa a porcentagem de
pessoas que morreram com 50 anos ou mais em relação ao total de óbitos em uma 6. Consumo e economia gerais;
determinada população. O que se espera é que as pessoas aumentem sua
7. Transporte;
longevidade. Nos países desenvolvidos este índice fica compreendido entre os 80 e
90%, já nos países subdesenvolvidos este índice pode chegar aos 49%, refletindo 8. Moradia, incluindo saneamento e instalações domésticas;
assim as precárias condições de saúde, os baixos níveis econômicos e elevados
níveis de violência urbana. O ISU no Estado de São Paulo no ano 2000 foi de 68,2%. 9. Vestuário;
10. Recreação;
Nº de óbitos de 50 anos e mais
de uma det. área e no ano 11. Segurança social e
Índice de Swaroop & Uemura (ISU) = --------------------------------------------------------- 12. Liberdade humana.
Número total de óbitos
da mesma área e no ano
Alguns indicadores gerais de condições de qualidade de vida associam e
combinam indicadores específicos. Assim, temos o Indicador de Qualidade Material
Em Saúde Bucal, um índice bastante utilizado é o CPO-D, proposto por Klein de Vida (IQMV), que associa a Esperança de Vida a um ano de idade, a Mortalidade
e Palmer em 1937. Seu valor corresponde à soma dos dentes permanentes atacados Infantil e o Analfabetismo; o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que associa a
por cárie dividido pelo número de pessoas examinadas. O componente "C" refere-se Longevidade, a Escolaridade e a Renda, onde a Longevidade representa a esperança
aos dentes cariados; o componente "P" refere-se aos dentes já extraídos e o de vida ao nascer, a Educação considera o número médio dos anos de estudo e a
componente "O" refere-se aos dentes restaurados, ou "obturados". taxa de analfabetismo e a Renda considera a renda familiar per capita. O Programa

36
das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) classifica o IDH, que tem uma Sistema de Informação de Doenças de Notificação Compulsória (SDNC) é a
variação de 0 a 1, em três categorias: IDH menor que 0,500 baixo desenvolvimento comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde, feita à
humano; IDH entre 0,500 e 0,800 médio desenvolvimento humano e o IDH acima de autoridade sanitária por profissionais de saúde ou qualquer cidadão, para fins de
0,800 é considerado alto desenvolvimento humano. No Município de São Paulo o IDH adoção das medidas de intervenção pertinentes. Destina-se, em primeira instância, ao
em 1970 foi de 0,45; em 1980, 0,47; em 1990, 0,51 e em 2000, 0,52. serviço local de saúde incumbido de controlar a ocorrência. Quando reunidas de
forma sistematizadas, as notificações passam a compor sistemas de informações
O Índice de Exclusão Social (IES) é um índice que classifica os municípios, próprios, que possibilitam o acompanhamento, de forma mais ampla, das
segundo o escore registrado, em uma variação de 0 (exclusão absoluta) a 1 (inclusão características do fenômeno estudado, quanto a sua distribuição e tendências.
total). No IES as variáveis utilizadas são: o índice de pobreza, a quantidade de jovens,
a alfabetização, a escolaridade, o emprego formal, a desigualdade social nos níveis A notificação compulsória é feita na situação em que a norma legal obriga
de renda e a violência. O índice utiliza como base de dados o Censo Demográfico. aos profissionais de saúde e pessoas da comunidade a comunicar a autoridade
sanitária a ocorrência de doença ou agravo que estão sob vigilância epidemiológica.
A Organização Mundial da Saúde sugere a divisão dos indicadores de saúde No Estado de São Paulo devem ser notificados para o CVE (Centro de Vigilância
em três grupos: Epidemiológica) todos os caso suspeitos e/ou confirmados das doenças relacionadas
I- Aqueles que tentam traduzir diretamente a saúde (ou sua falta) em um grupo no Quadro 1.
populacional. Podem ser globais e específicos. Nos primeiros incluem-se o CGM e
a esperança de vida ao nascer, por exemplo. Os indicadores específicos referem-
se ao CMI, ao coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis e aos
levantamentos epidemiológicos em saúde bucal, entre outros.
II- Aqueles que estão relacionados às condições do meio ambiente e que têm
influência sobre a saúde: abastecimento de água, rede de esgotos, contaminações
ambientais por diversos poluentes, heterocontrole dos teores de flúor na água etc;
III- Aqueles que procuram medir os recursos materiais e humanos relacionados às
atividades de saúde, tais como rede de postos de saúde, número de profissionais
de saúde e número de leitos hospitalares em relação à população etc.

Vigilância Epidemiológica

o
De acordo com a Lei Orgânica da Saúde de 1990 (Lei n 8.080), a Vigilância
Epidemiológica (VE) é definida como "um conjunto de ações que proporcionam o
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de
recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças e agravos".
Assim, para atender à sua finalidade, a VE tem que ser alimentada com informações
sobre as doenças e agravos que estão sob vigilância ou que possam ocorrer de modo
inusitado.

37
Considerações Finais
Quadro 1 – Doenças de Notificação Compulsória no Estado de São Paulo

Por meio das informações obtidas pelos diversos indicadores, os resultados


Notificação de casos Notificação de casos
confirmados
devem ser utilizados para o planejamento e organização das ações de saúde,
suspeitos e/ou confirmados possibilitando a melhora do acesso da população aos serviços de saúde, tanto na
atenção primária, secundária e terciária. Ter um sistema de informação confiável é
Acidentes do Trabalho, Paresias e paralisias flácidas Esquistossomose
doenças profissionais e do agudas de membros de
fundamental para subsidiar as decisões para o estabelecimento de prioridades e para
trabalho qualquer etiologia em menores o melhor uso de recursos físicos, humanos e financeiros. A intervenção em outras
de 15 anos variáveis do processo saúde-doença deve prever a estruturação das condições de
moradia, acesso à água tratada e ao saneamento básico, educação, trabalho, renda,
Coqueluche Peste Hanseníase transporte, lazer, acesso a bens e serviços essenciais, para que ocorra uma efetiva
Acidentes por animais Poliomelite Síndrome da mudança no quadro epidemiológico dos indicadores de saúde refletindo, desta forma,
peçonhentos Imunodeficiência Adquirida na melhoria da qualidade de vida da população.
(AIDS)
Cólera Raiva Humana Tracoma
Dengue Rubéola Tuberculose
Difteria Sarampo
Doença de Chagas Sífilis congênita
Bibliografia básica consultada
Doença meningocócica Síndrome da rubéola congênita
Outras meningites Tétano acidental
FORATTINI, OP. Epidemiologia geral. São Paulo: Artes Médicas, 1980.
Encefalite por arbovírus; Tétano neonatal
LESER, WP et al. Epidemiologia geral. São Paulo: DMP/EPM, 1974.
Febre amarela Varíola
LAURENTI, R et al. Estatísticas de saúde. São Paulo: E. P. U., 1987.
Febre Purpúrica Brasileira; Surtos de diarréia
NARVAI PC, FRAZÃO P. Indicadores básicos utilizados em saúde coletiva. In: ARAUJO, ME
Febre tifóide Hepatite (org). Manual do Aluno - Odontologia em Saúde Coletiva. São Paulo: FO-USP, 2001.
Leishimaniose Tegumentar Conjuntivite e de quaisquer PEREIRA, MG. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.
Americana; outros agravos à saúde
PINTO, VG. Saúde Bucal Coletiva. São Paulo; Editora Santos, 2000.
Leishmaniose Visceral Oncocercose
POCHMANN, M, et al. Atlas da Exclusão Social no Brasil. Editora Cortez, 2003.
Leptospirose Agravo inusitado à saúde
ROUQUAYROL, MZ. Epidemiologia & Saúde. Rio de Janeiro, 1994.
Malária
Fonte: Formulário SVE-1 Notificação de doenças transmissíveis. CVE/SES-SP, 2003.

38
(*) Os sanitaristas (profissionais especializados em planejamento de ações de
SAÚDE BUCAL COLETIVA saúde pública) chamam esse conhecimento de diagnóstico de saúde. Mas, nesse
caso, não se trata de diagnóstico de saúde ou doença numa única pessoa (como se
Adaptado e atualizado por Frias AC; Junqueira SR. faz nas consultas individuais em consultórios), mas do diagnóstico de saúde ou
doença na população total de um determinado município ou bairro. Ou seja: um
1. INTRODUÇÃO diagnóstico de saúde da comunidade como um todo. Ou, como também se diz,
diagnóstico de saúde coletiva.
As ações de saúde bucal, sejam de assistência odontológica às pessoas ou
ações sobre o meio-ambiente que tenham repercussões sobre a saúde bucal, devem
ser ações orientadas através de Programas de Saúde Bucal6. 2. DIAGNÓSTICO
Uma vez que a saúde bucal é uma parte integrante da saúde geral, os Para realizar esse diagnóstico de saúde coletiva, os sanitaristas utilizam
programas de saúde bucal deveriam ser vistos como componentes essenciais para os principalmente índices e coeficientes para medir as condições de saúde-doença da
programas de saúde globais. Todo programa de saúde coletiva, não importando o seu população. Falamos em condições de saúde, mas o que vem a ser saúde e como
grau de simplicidade, deve sempre fornecer alguns meios de satisfazer as medi-la?
necessidades de saúde bucal. A Organização Mundial de Saúde define como sendo o "estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença"15. Uma das
Para que tais ações de saúde bucal não sejam realizadas em separado,
muitas críticas a este conceito, que apesar de tudo é o mais conhecido, é a de que é
isoladas das ações de outras áreas técnicas recomenda-se que, nas diferentes
utópico, pois "completo bem-estar físico, mental e social" é uma condição muito difícil,
comunidades (municípios ou bairros p.ex.), sejam definidos Programas Integrados de
senão impossível de se alcançar – isto, sem entrar no mérito do que significa "bem-
Saúde, a serem desenvolvidos durante um determinado período e que disponha para
estar" para cada pessoa... HANLON afirma que essa definição, por ser subjetiva, não
isso de uma certa quantidade de recursos (humanos, materiais e financeiros).
tem utilidade operacional. Seria uma "declaração de princípios e não propriamente
10
O desenvolvimento de um Programa Integrado de Saúde, numa comunidade uma definição" .
qualquer, exige que as condições de saúde e doença nessa comunidade sejam
Mas certamente pode-se dizer que a saúde tem como fatores determinantes
conhecidas. Esse conhecimento é necessário, entre outras coisas, para que se possa
e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
prever e planejar os recursos necessários ao atendimento da população.
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a
bens e serviços essenciais (Lei 8080/90), portanto devemos voltar nosso olhar para o
quanto tais fatores influenciam a saúde bucal e qual a relação entre esta e a qualidade
de vida de nossa população.
É muito comum que as condições de saúde de uma população sejam
conhecidas através da medida do seu contrário, ou seja, através da medida da
doença, ou das doenças nela existentes em determinado momento. Isto é possível
___________________________________ porque, objetivamente, saúde e doença constituem um processo, único, dinâmico,
(*) Elaborado especialmente para o uso na disciplina de Odontologia em Saúde Coletiva, da determinado pelas relações sociais de produção, em que o "máximo de saúde" seria o
FOUSP, a partir de: ideal do completo bem-estar, e o "máximo de doença" seria a morte.
A saúde bucal deve ser pensada em sua forma total, e esquematicamente
Narvai, P. C. Diagnóstico de saúde bucal. São Paulo: Secretaria de Saúde do podemos descrevê-la em: identificação dos problemas (diagnóstico situacional),
Município de São Paulo, 1988. [material de apoio à formação e desenvolvimento de recursos
humanos odontológicos; texto de apoio das disciplinas da área de Odontologia Preventiva e
definição dos métodos ou propostas de intervenção e organização da oferta de
Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo]. serviços, sendo que, em todas as fases, podem haver abordagens individuais e/ou
Araujo, M. E. Saúde bucal: entendendo de forma total. In: Feller, C.; Gorab, R. (Org.). coletivas, ou ainda, públicas e privadas.
Atualização na clínica odontológica: módulos de atualização. v.1, 2000. p. 489-508.

39
3. DIAGNÓSTICO DE SAÚDE BUCAL O estabelecimento de prioridades em saúde pública é feito, ainda segundo
4
CHAVES , levando-se em conta principalmente os seguintes critérios:
Por saúde bucal deve-se entender, portanto, o conjunto de práticas que
objetivam promover, recuperar e manter a higidez dos tecidos e estruturas anatomo- 1) número de pessoas atingidas;
funcionais da cavidade bucal, ou a ela relacionados. Parte inseparável da Saúde
Coletiva, a saúde bucal deve ser compreendida não apenas a partir dos processos 2) seriedade do dano causado;
mórbidos, localizáveis biológica e individualmente, mas também e fundamentalmente 3) possibilidade de atuação eficiente;
a partir das relações que os homens estabelecem entre si ao viverem em sociedade.
Essas relações determinam, por seu lado, as condições concretas de existência nas 4) custo per capita;
quais o fenômeno "doença" é produzido. 5) grau de interesse da comunidade.
Um diagnóstico de saúde bucal deve estar sempre presente nos
Diagnósticos de Saúde Coletiva bem realizados. Além dos aspectos relacionados aos
serviços existentes e às condições de acesso a eles, às características demográficas 3.2. A cobertura
e de saneamento etc., esse diagnóstico deve incluir a identificação dos principais
Cobertura é um termo amplamente utilizado em saúde pública. Pode ser
problemas de saúde-doença bucal e os recursos necessários para resolvê-los ou
conceituado como oferta sistematizada de serviços de saúde, proporcionados de
diminuí-los até níveis suportáveis pela comunidade.
forma contínua, orientados à satisfação de necessidades de uma população-alvo
determinada e a ela acessíveis (geográfica, cultural e financeiramente), assegurando-
lhe acesso aos diferentes níveis de atendimento do sistema de saúde. Embora outros
3.1. Os principais problemas conceitos de cobertura possam ser encontrados na literatura, o sentido geral é o que
As doenças de maior ocorrência na cavidade bucal, e portanto de maior aparece no conceito aqui apresentado.
11
interesse do ponto de vista da saúde coletiva são: Sobre a cobertura da assistência odontológica em nosso Estado, a I
♦ cárie dentária; Conferência Estadual de Saúde Bucal realizada em setembro de 1986 afirma o
5
seguinte em seu Relatório Final :
♦ periodontopatias;
"No setor privado, a prática odontológica atual, nitidamente curativa, por
♦ más-oclusões; seus altos custos, torna-se acessível para tão somente 5 por cento da
população, os quais consomem serviços odontológicos com freqüência
♦ fissuras lábio-palatais; regular; outros 15 por cento servem-se desses mesmos serviços de
♦ câncer bucal. modo irregular, ficando o restante da população à mercê de
atendimento ainda mais irregular ou sem qualquer espécie de
Esta relação dos problemas não segue uma hierarquização segundo a cobertura. Isto determina, para esse modelo, algumas características,
importância de cada um deles. Tal hierarquização deve ser feita segundo a situação dentre as quais se poderia colocar: baixo impacto social, baixa
de cada comunidade, num momento determinado. Apenas para ilustrar, cárie dentária produtividade, ineficácia e iatrogenicidade.
não vem sendo, há muitas décadas, o principal problema de saúde bucal na Índia.
Os Serviços Públicos, por outro lado, apresentam oferta inelástica de
4
SINAI, conforme CHAVES , considera que um problema de saúde é um serviços, operando com os mais variados modelos de atendimento e
problema de saúde pública quando: escassos recursos."
a) constitui causa comum de morbidade ou mortalidade; Tradicionalmente, aprendemos que somente estaríamos melhorando os
níveis de saúde bucal quando estivéssemos aptos a realizar boas restaurações e
b) existem métodos eficazes de prevenção e controle;
próteses, soubéssemos todas as técnicas cirúrgicas, induzindo as extrações
c) os métodos não estão sendo adequadamente utilizados. dentárias, é claro. Ficávamos esperando o aparecimento das doenças e só a partir daí

40
iniciávamos o chamado "tratamento curativo" ou "cirúrgico-restaurador" desses atenção à saúde bucal, havendo significativas modificações na prática da saúde
agravos. Muitas vezes, mal acabávamos o tratamento e já estavam presentes novas bucal, passando do enfoque individual para o coletivo e do enfoque assistencial para o
lesões; além disso, não estávamos suficientemente preparados para entender o da atenção à saúde bucal.
processo saúde-doença que vinha ocorrendo e, na maioria das vezes, se quer
realizávamos uma anamnese completa, não nos preocupávamos em realizar exame
das mucosas e outras estruturas da boca, ficando restrito somente aos dentes e 4. DIAGNÓSTICO DE SAÚDE BUCAL QUANTO AOS PRINCIPAIS PROBLEMAS
gengivas, gravemente afetados pelas doenças da placa bacteriana, nos levando, em
muitos casos, às extrações dentárias.
Os avanços científicos, os estudos epidemiológicos e a experiência prática Tomando como referência os anos de 1986, 1996, 1998 e 2003, podemos
nos indicam que essa forma de atuação profissional, baseada exclusivamente em fazer o seguinte diagnóstico de saúde bucal, com base nos principais problemas de
procedimentos curativos não foi capaz de controlar as doenças bucais e nem mesmo saúde coletiva nesta área:
evitar que muitos indivíduos, mesmo com acesso a serviços de saúde, perdessem
todos ou quase todos os dentes, levando o cirurgião-dentista a um papel de mero
espectador. 4.1. Cárie dentária
Esse tipo de prática odontológica permite, somente, a assistência de um Muitos são os índices utilizados para medir a ocorrência de cárie dentária. O
número reduzido de indivíduos, sendo, portanto, de baixa cobertura, necessitando de índice CPO-D é, contudo, o mais difundido e utilizado em todo o mundo para conhecer
alta complexidade tecnológica. Em países desenvolvidos foram realizados estudos a situação da cárie dentária numa determinada comunidade, para realizar avaliações
que comprovam que a relação custo-benefício em função do enorme volume com base epidemiológica das ações desenvolvidas e, também, para fazer
financeiro para o tratamento curativo não representa uma boa relação. Esse tipo de comparações no tempo e no espaço. Seu valor corresponde, num indivíduo, à soma
tratamento, além de ser incapaz de melhorar os níveis de saúde bucal, não reduz a do número de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados. Numa população,
demanda e é extremamente oneroso. é a média, ou seja: o número total de dentes atacados pela cárie dividido pelo número
de pessoas examinadas. O componente "C" refere-se aos dentes cariados; o
As ações de assistência individual, oferecendo tratamento às doenças já componente "P" refere-se aos dentes já extraídos, portanto, perdidos e o componente
instaladas, são indispensáveis, mas muitos estudos já apontaram que estas não "O" refere-se aos dentes restaurados, ou "obturados". O índice CPO-D pode assumir
reduzem doença. Como todo problema de saúde, a promoção da saúde bucal e a valores entre 0 e 32. A letra "D" significa que a unidade de medida utilizada é o dente
prevenção das doenças da boca exigem ações que visem a melhoria da qualidade de permanente ("D"). Assim é feito para diferenciar o CPO-D do CPO-S, situação em que
vida e ações coletivas que garantam acesso a um método sistêmico de administração a unidade de medida não é o dente, mas a superfície ("S") dental. O CPO-S varia de 0
de flúor (fluoretação das águas) devidamente fiscalizado e controlado e acesso a a 148, uma vez que são consideradas as 5 superfícies de molares e pré-molares e 4
métodos tópicos de prevenção (escovação com dentifrícios fluoretados, bochechos superfícies em caninos e incisivos.
fluoretados, aplicações tópicas etc.).
Para os dentes decíduos, GRUEBBEL (1944)9 propôs o índice ceo-d. Este
O setor público reproduziu, por muitos anos e sem nenhuma reflexão, a índice corresponde, num indivíduo, à soma do número de dentes decíduos cariados
prática odontológica privada. Nas décadas de 50, 60, 70, chegando, em alguns ("c"), com extração indicada ("e") e restaurados ("o"). Varia de 0 a 20. O ceo-d é
lugares até hoje, autoridades de saúde preconizavam a instalação de um sempre grafado com letras minúsculas.
equipamento odontológico e a colocação de um cirurgião-dentista em cada escola
para prestar assistência odontológica, com o intuito de realizar o chamado serviço Os levantamentos epidemiológicos incluem sempre uma etapa de
dentário escolar. Esse tipo de serviço não conseguiu responder às necessidades "Calibração", na qual os diferentes examinadores são treinados para a interpretação o
epidemiológicas de saúde bucal da população escolar, tanto por seu alto custo, mais homogênea possível dos critérios e códigos adotados. A calibração propriamente
quanto por seu enfoque curativo, e, portanto, de baixa cobertura. dita nada mais é do que uma técnica de análise de discordâncias intra e entre-
examinadores para padronizar a interpretação dos critérios. A OMS preconiza uma
A partir dos anos 80, com o desenvolvimento científico-tecnológico no campo "consistência aceitável" de 85 a 90% dos exames. Ou seja: aceita-se que, em 10 a
da cariologia e da epidemiologia, ocorre uma importante mudança no enfoque da 15% dos exames realizados, os examinadores não concordem quanto a uma

41
condição encontrada, sem que isto invalide a aceitação estatística dos dados de um Quadro 3 – Metas em Saúde Bucal relativas à prevalência de cárie dentária nos anos
levantamento. 2000 e 2010 e resultados de levantamentos epidemiológicos no Estado de
São Paulo em 1998 e 2002 e em outros países
Para comparar a situação da cárie dentária em diferentes comunidades, a
OMS recomenda a utilização do índice CPO-D, em diferentes idades e grupos METAS IDADE
8
etários . A idade-índice mais utilizada é 12 anos. Os grupos de 35-44 e 65-74 anos
também são freqüentemente encontrados na literatura sobre o assunto. 5-6 ANOS 12 ANOS 18 ANOS 35-44 ANOS 65-74 ANOS
A situação de cárie dentária de uma determinada comunidade pode ser ANO 2000
1
50% SEM CPO-D≤3 85% 20 OU + 20 OU +
8
classificada segundo um padrão definido pela OMS para a idade de 12 anos, ou para
CD P=0 DENTES: 75% DENTES: 50%
o grupo etário de 35-44 anos, conforme pode ser observado nos Quadros 1 e 2. 2
ANO 2010 90% SEM CPO<1 100% 20 OU + -
Quadro 1 – OMS: Classificação da prevalência de cárie dentária, com base nos CD P=0 DENTES: 90%
valores do CPO-D aos 12 anos de idade.
ATÉ 2% ATÉ 5%
DESDENTADOS DESDENTADOS
PREVA- Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta
LÊNCIA SP 1998 39% CPO-D=3,7 73% 70% 69% desdentados
SP 2002 47% CPO-D=2,5 80% 49% 64% desdentados
VALORES 0,0 a 1,1 1,2 a 2,6 2,7 a 4,4 4,5 a 6,5 ≥6,6 Índia3 - - - - 19% desdentados
DO CPO-D 3
Áustria - - - - 15% desdentados
EXEM- Etiópia: 0,4 EUA: 2,6 França: 4,2 Japão: 4,9 Brasil: 6,6 3
Canadá - - - - 58% desdentados
PLOS (1986) (1989) (1989) (1989) (1986)
Fontes: (1) Féderation Dentaire International. Global goals for oral health in the year 2000. Int.
o
S.Paulo: 2,06 Brasil: 2,78 Dent J, 32(1): 74-7, 1982. (2) 4 Congresso Mundial de Odontologia Preventiva – Umea, Suécia,
(1996/98) (2003) 3-5 set., 1993. (3) WHO. The world oral heath report 2003.

Até 1986, o Brasil não havia realizado, em escala nacional, nenhum estudo
para conhecer a situação de saúde bucal da população. Naquele ano, o Ministério da
Saúde realizou o "Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal: Brasil, zona
2
Quadro 2 – OMS: Classificação da prevalência de cárie dentária, com base nos urbana, 1986" . A pesquisa foi realizada em 16 capitais brasileiras, inclusive São
valores do CPO no grupo etário de 35-44 anos de idade. Paulo, consideradas representativas das 5 macrorregiões classicamente adotadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): norte, nordeste, sudeste, sul
PREVA- Muito Baixa Baixa Média Alta Muito Alta e centro-oeste. Dez anos depois, outro levantamento foi realizado pelo Ministério da
LÊNCIA Saúde em todas as capitais estaduais e no Distrito Federal: “Levantamento
1
Epidemiológico em Saúde Bucal: Cárie Dental, 1996” . Em 1998, a Secretaria de
VALORES 0,2 a 1,5 1,6 a 6,2 6,3 a 12,7 12,8 a 16,2 ≥16,3 Estado da Saúde e a Faculdade de Saúde Pública realizaram o “Levantamento
17
DO CPO-D Epidemiológico em saúde bucal: Estado de São Paulo, 1998” que incluiu, além da
capital, outros 132 municípios. Em 2002, a SES/SP e FSP-USP concluíram o
levantamento epidemiológico em saúde bucal do Estado de São Paulo, parte
integrante do Projeto SB 2000, do Ministério da Saúde, cujos exames, em sua
Com base nos valores do índice CPO-D, a OMS e a Federação Dentária maioria, foram realizados nos domicílios. Participaram deste projeto 250 municípios de
Internacional (FDI), definiram Metas para os anos 2000 e 2010, para diferentes idades todo o território nacional e o trabalho foi finalizado em 2003, quando então recebeu a
7,8
e grupos etários , conforme o Quadro 3. denominação de “Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população
brasileira”.

42
Alguns dos resultados obtidos nestes estudos aparecem na Tabela 1. suficientemente dimensionadas, estão no aumento da exposição ao flúor, como nas
águas de abastecimento público e nos dentifrícios, bem como, do uso a bens e
Tabela 1 – Índice ceo-d e porcentagem de crianças livres de cárie aos 5 anos; índice serviços de saúde – em especial os programas coletivos de saúde bucal –
CPO-D e porcentagem de livres de cárie aos 12 anos, CPO-D aos 18, 15-19, demonstrando que educação em saúde e prevenção funcionam quando aliados a um
35-44, 50-59 e 65-74 anos, em estudos realizados no Brasil em 1986, 1996 e sistema de prevenção.
2003, no Estado de São Paulo em 1998 e 2002 e no Município de São Paulo
em 1998. Mas muitos adultos e idosos apresentam os resultados do avanço inexorável
das patologias que são conseqüências diretas de anos de equívoco de nossa
Idade/Faixa MS: MS: FSP: FSP: SES: MS: profissão e de fatores socioeconômicos cada vez mais excludentes. Por outro lado,
etária Brasil, Brasil, Estado de Mun. de Estado de Brasil, não devemos entender que a história natural das doenças de cárie e periodontal,
1986 1996 SP, 1998 SP, 1998 SP, 2002 2003 traga embutida uma fatalidade de aumento constante conforme aumenta a idade; hoje
sabemos e temos tecnologia para interromper essa marcha a qualquer tempo da vida
5 - - 2,94 1,55 2,32 2,80 dos indivíduos.
5 (ceo-d=0) - - 39,30 63,50 45,98 40,62% Essa queda observada no CPO-D não é uniforme nem homogênea pelo
vasto território brasileiro. Podemos considerar que varia, dentre outros fatores,
12 6,65 3,06 3,72 2,06 2,52 2,78 segundo as características da água de abastecimento de cada região, dos sistemas
locais de saúde e das classes sociais e seus diferenciais de consumo. Em regiões
12 (CPO-D=0) 3,73 25,28 20,00 42,40 31,83 31,08% com água fluoretada e cujos teores são mantidos adequados há cerca de 10 anos, a
redução pode ser atribuída a essa medida. Em regiões onde o método sistêmico
18 - - 8,64 6,44 - -
apresenta dificuldades operacionais, como por exemplo São José dos Campos, a
15-19 12,68 - - - 6,43 6,17
queda pode ser atribuída aos programas de saúde bucal coletiva que se fundamentam
em métodos de uso tópico do flúor (dentifrícios, soluções para bochechos e géis) com
35-44 22,50 - 21,56 19,61 20,32 20,13 participação de pessoal auxiliar odontológico. Em regiões onde nos últimos 10 anos
foram implementados métodos sistêmicos e tópicos, como por exemplo o município
50-59 27,21 - - - - - de Santos, cujo levantamento epidemiológico realizado em 1995 verificou um índice
CPO-D de 1,7 aos 12 anos de idade, pode-se atribuir essa expressiva redução às
65-74 - - 29,00 28,52 28,18 27,79 duas medidas de prevenção.

Fontes: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona


Quanto ao edentulismo, os dados do levantamento nacional de 1986 revelam
urbana, 1986. Brasília: CDMS, 1988. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Levantamento um quadro desalentador, conforme pode ser verificado na Tabela 2. Naquele ano,
epidemiológico em saúde bucal 1996. Disponível em <Datasus.gov.br>, 1999. 40% dos adultos e 72% dos idosos estavam edêntulos. A Tabela 3 apresenta os
SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA – USP. valores obtidos 17 anos depois, quando então aproximadamente 8% dos adultos e
Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Estado de São Paulo, 1998. São Paulo: 53% dos idosos estavam edêntulos.
SES/FSP, 1999. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. DIR-I Capital. FACULDADE DE
SAÚDE PÚBLICA – USP. Condições em saúde bucal: Estado de São Paulo, 1998. DIR-I.
São Paulo: DIR-I, 1999. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. FACULDADE DE
SAÚDE PÚBLICA – USP. Condições de saúde bucal no Estado de São Paulo, 2002. São
Paulo, SES/SP, 2002. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Projeto SB Brasil 2003. Condições de
Saúde Bucal da população brasileira 2002-2003. Brasília: MS, 2004.

Esses estudos epidemiológicos confirmam a ocorrência de melhoras


significativas nos níveis de saúde bucal da população; principalmente no que refere-se
à severidade da cárie dentária e da doença periodontal. As razões, embora ainda não

43
Tabela 2 – Percentual de necessidade e posse de prótese total (PT) em diferentes 4.2. Periodontopatias
grupos etários. Brasil, 1986.
Em 1979, MARCOS12 estimou as necessidades de tratamento de cárie e
doenças gengivais na população brasileira. Naquele estudo, apresentou um
Necessitam Prótese Total Possuem Prótese Total
diagnóstico aproximado das condições gengivais afirmando que, entre 5 e 14 anos de
Idade idade, 91% das crianças apresentavam doença, sendo que em 10%, a enfermidade
(anos) Superior Inferior Ambas Superior Inferior Ambas registrava estágio intermediário (bolsa periodontal). Após 15 anos, as doenças
% % % % % % gengivais atingiriam 100% da população, sendo que em 45% dos casos o estágio é
intermediário, e em 22% avançado, com 1 ou mais dentes necessitando extração
15-19 0,40 0,14 0,08 0,96 0,00 0,15 devido a esse estágio avançado.
14
A partir dos anos 80, o CPITN tem sido o índice mais utilizado em estudos
35-44 3,83 5,43 3,47 14,47 0,24 12,86 epidemiológicos sobre problemas periodontais.
O CPITN é preconizado pela OMS e FDI para estudos que têm como objetivo
50-59 5,94 11,70 9,18 14,18 0,35 30,79 conhecer a situação periodontal coletiva e dimensionar os recursos necessários.
Permite também avaliar resultados obtidos após o desenvolvimento de ações nesta
Fonte: MINISTÉRIO DA SAÚDE. Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil, zona área, indicando a presença ou ausência de sangramento gengival, cálculo supra ou
urbana, 1986. Brasília, CDMS, 1988. subgengival e bolsas periodontais (rasas e profundas).
Para realizar o exame, utiliza-se uma sonda específica, com esfera de
0,5mm na ponta e área anelada em preto situada entre 3,5 e 5,5 mm da ponta. A boca
é dividida em sextantes definidos pelos dentes: 18-14, 13-23, 24-28, 38-34, 33-43 e
Tabela 3 – Percentual de necessidade e posse de prótese total (PT) em diferentes 44-48. A presença de dois ou mais dentes sem indicação de extração, é pré-requisito
grupos etários. Brasil, 2003. ao exame do sextante. Sem isso, o sextante é cancelado. Havendo um único dente
presente, é incluído no sextante adjacente. Pelo menos 6 pontos são examinados por
Necessitam Prótese Total Possuem Prótese Total dente, nas superfícies vestibular e lingual, abrangendo as regiões mesial, média e
distal. A força na sondagem deve ser inferior a 20 gramas (recomenda-se o seguinte
Idade Superior Inferior Superior Inferior teste prático: colocar a ponta da sonda sob a unha do polegar e pressionar até obter
(anos) % % % % ligeira isquemia).
15-19 0,02 0,02 0,08 0,02 São os seguintes os dentes-índices para cada sextante (se nenhum deles
estiver presente, examinam-se todos os dentes remanescentes do sextante):
35-44 2,52 2,88 25,54 7,08
♦ Até 19 anos: 16, 11, 26, 36, 31 e 46.
♦ 20 anos ou mais: 17, 16, 11, 26, 27, 37, 36, 31, 46 e 47.
65-74 16,15 23,81 57,91 34,18
Quanto aos registros, deve-se considerar que:
Fonte: BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Projeto SB Brasil 2003. Condições de Saúde Bucal da
população brasileira 2002-2003. Secretaria de Atenção à Saúde, Depto. de Atenção a) Em crianças com menos de 15 anos não são feitos registros de bolsas,
Básica.Brasília: MS, 2004.
uma vez que as alterações de tecidos moles podem estar associadas à erupção e não
à presença de alteração periodontal patológica.
b) Embora 10 dentes sejam examinados, apenas 6 anotações são feitas:
uma por sextante, relativa à pior situação encontrada.
c) Quando não há no sextante pelo menos dois dentes remanescentes e não
indicados para extração, cancelar registrando um "x".

44
São os seguintes os códigos utilizados no CPITN: Tabela 4 – Percentagem de sextante, segundo condição periodontal e idade. DIR – I –
Capital, 1998.
0 = sextante hígido.
1 = sextante com sangramento (observado diretamente ou com espelho, IDADE
após sondagem). CONDIÇÃO
2 = cálculo (qualquer quantidade detectada no exame). PERIODONTAL 5 12 18 35 |⎯| 44 65 |⎯| 74
3 = bolsa de 4 a 5 mm (margem gengival na área preta da sonda).
4 = bolsa de 6 mm ou mais (área preta da sonda não visível). 0 n 475 649 572 523 73
Com base nos valores do índice CPITN, a OMS e a FDI estabeleceram (SADIOS) % 76,2 86,5 75,1 53,5 11,4
Metas para o ano 2010, conforme o Quadro 4. 1 n 7 52
Atualmente, tem-se denominado o índice apenas pelas iniciais CPI, que 81 49 5
indicam a condição periodontal. Outro índice, chamado PIP, mede a perda de (SANGRAMENTO) % 1,2 7,0 10,6 5,0 0,8
inserção periodontal.
2 n 2 45 92 146 42
Quadro 4 – OMS/FDI: Metas em Saúde Bucal relativas à situação periodontal no ano (CÁLCULO) % 0,3 6,0 12,1 14,9 6,5
2010.
3 n - - 8 36 11
IDADE 15 anos 35-44 anos 65-74 anos (BOLSA 4 |⎯| 5 mm) % - - 1,0 3,7 1,7
METAS CPITN = 1 ou 2 CPITN = 4 CPITN = 4 4 n - - 1 6 3
(BOLSA 6 mm +) % - - 0,2 0,6 0,5
Máximo 1 sextante Máximo 0,25 sextante Máximo 0,5 sextante
X n 140 4 8 218 508
o
Fonte: 4 Congresso Mundial de Odontologia Preventiva. Umea, Suécia, 3-5 set. 1993.
(NULOS) % 22,3 0,5 1,0 22,3 79,1
n 624 750 762 978 642
No levantamento epidemiológico em saúde bucal realizado em São Paulo,
em 1998, foram encontrados os valores que aparecem na Tabela 4. TOTAL % 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
O objetivo do estabelecimento de metas é a possibilidade de comparação
Fonte: SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. DIR-I Capital. FACULDADE DE SAÚDE
entre os resultados de levantamentos epidemiológicos com bases populacionais e PÚBLICA – USP. Condições em saúde bucal: Estado de São Paulo, 1998. DIR-I. São
estes parâmetros. Mas, ao se tentar fazer a comparação, observa-se que as unidades Paulo: DIR-I, 1999.
de medidas são diferentes, ou seja, as metas da OMS são apresentadas em médias
de sextantes aceitáveis em diferentes graus do índice CPI (no máximo, 1,0; 0,5 ou
0,25 dos sextantes atingidos pela doença com valores iguais a 1 ou 2 para os
adolescentes e igual a 4 para adultos e idosos), já a tabela com os resultados dos
dados populacionais apresentam a distribuição de freqüência relativa e absoluta de
sextantes, segundo idade e condição do agravo.
Assim, é necessário transformar as médias das metas em porcentagem de
sextantes atingidos por determinado grau do agravo ou, ao contrário, a distribuição de
freqüência percentual dos dados em média.

45
4.3. Má-oclusão 4.5. Câncer bucal
A epidemiologia das oclusopatias envolve muitas questões acerca dessa Representa 8% do total das ocorrências neoplásticas, registrando 3.450
alteração, incluindo o próprio conceito de má-oclusão. Consideramos aqui a má- novos casos por ano no Estado de São Paulo, um coeficiente que varia de 4 a 5 casos
oclusão como um distúrbio na erupção dentária e no adequado alinhamento dos por 100.000 habitantes, no sexo masculino, enquanto lesão primária. Nosso
dentes nas maxilas, associado ou não à disfunção da articulação têmporo-mandibular, coeficiente de prevalência nos situa em quinto lugar no mundo, antecedidos pela
e atingem cerca de 45% dos indivíduos aos 12 anos. Índia, Nova Guiné, Tailândia e Polônia.
Pelo último levantamento epidemiológico nacional, em 2003 a prevalência de Apesar de apresentar possibilidade de cura em praticamente 100% dos
problemas oclusais moderados ou severos foi de 14,5% no Brasil, aos 5 anos de casos, quando diagnosticado precocemente, o câncer de boca leva à óbito, no ano do
idade, sendo que, nesta idade, 61,5% das crianças apresentaram oclusão normal. diagnóstico, cerca de 50% das vítimas. Outros 10 a 20% morrem antes de completar 5
anos de sobrevida.
Embora todos os tipos de alterações da oclusão dentária sejam de interesse
epidemiológico, à saúde pública interessa, principalmente, as alterações que O câncer de boca predomina em pessoas com mais de 40 anos e,
interferem nas funções mastigatória e de fonação. Tais casos incluem um componente principalmente, com mais de 65 anos. No sexo masculino, é o sexto tipo de neoplasia
estético que também é considerado no conjunto. Costuma-se falar em má-oclusão mais freqüente e o oitavo no sexo feminino.
incapacitante. Segundo o índice de estética dentária (DAÍ), na faixa etária dos 15 aos
19 anos de idade, 18,7% dos brasileiros apresentaram má-oclusão muito severa ou
incapacitante em 2003. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas Especiais de Saúde. Área Técnica de
O percentual aceito universalmente é de que cerca de 1% das pessoas Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em saúde bucal 1996 (Primeira etapa –
apresentam má-oclusão incapacitante. Nesses casos, mantida a dentição cárie dental). [Disponível em <http://www.datasus.gov.br/cgi/sbucal/sbdescr.htm>;
permanente, o tratamento ortodôntico seria indispensável. Capturado em 16 out. 1999].
2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão
Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em Saúde Bucal: Brasil,
4.4. Fissuras lábio-palatais zona urbana, 1986. Brasília, CD-MS, 1989.
3. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Projeto SB Brasil 2003. Condições de Saúde Bucal da
A fissura lábio-palatal pode ser considerada como um distúrbio do
população brasileira 2002-2003. Secretaria de Atenção à Saúde, Depto. de Atenção
desenvolvimento oro-facial, podendo produzir graves problemas anatomo-funcionais Básica.Brasília: MS, 2004.
e, em alguns casos, risco para a sobrevivência do indivíduo. 4. CHAVES, M.M. Odontologia social. 2.ed. Rio de Janeiro, Labor, 1977.
5. Conferência Estadual de Saúde Bucal, 1, São Paulo, 1986. Relatório Final. São Paulo,
A proporção de fissurados lábio-palatais registrada para o Brasil como um mimeo., 1986.
todo é de 1 fissurado para cada 650 nascimentos, segundo o principal centro de 6. Conferência Nacional de Saúde Bucal, 1, Brasília, 1986. Relatório Final. Brasília, MS-UnB,
pesquisa e tratamento de fissurados do país, o Hospital de Pesquisas e Reabilitação 1986.
de Lesões Lábio-Palatais da USP/Bauru. 7. CONGRESSO MUNDIAL DE ODONTOLOGIA PREVENTIVA, 4, Umea, Suécia, 3-5 set. 1993.
8. FEDERATION DENTAIRE INTERNACIONALE. Global goals for oral health in the year 2000.
Projetada essa proporção para o conjunto da população, observa-se que é Int.Dent.J., 32 (1): 74-7, 1982.
de 0,15 o percentual de fissurados. Aplicando esse percentual à população do 9. GRUEBBEL, A.O. A mesurement of dental caries prevalence and treatment service for
Município de São Paulo obteríamos, para 1988, um total de 15.148 fissurados lábio- deciduos teeth. J.Dent. Res., 23: 163, 1944.
palatais. 10. HANLON, J.J. Principles of public health administration. 2.ed. Saint Louis, Mosby, 1955.
11. HIGIENE DENTAL: reunión de un grupo de consultores de la OMS. Cronica de la OMS, 9:
11-6, 1955.
12. MARCOS, B. et alii. Doença periodontal e cárie dental na população brasileira. Necessidade
de tratamento, atenção odontológica e formação profissional. Odontólogo Moderno: 7-
16, junho 1979.

46
13. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Documentos básicos. 10.ed. Genebra, OMS, 1960.
14. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Série de Informes Técnicos, nº 621, 1978.
15. SÃO PAULO, Comissão Interinstitucional de Saúde Bucal. Proposta de um Programa de
Integração da Assistência Odontológica no Município de São Paulo. São Paulo,
mimeo., 1985.
16. SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. DIR-I – Capital. Faculdade de Saúde Pública
da Universidade de São Paulo. Condições em saúde bucal: Estado de São Paulo,
DIR-I, 1998: Relatório. São Paulo: DIR-I; 1999.
17. SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo. Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Estado de São
Paulo, 1998: Relatório. São Paulo: FSP-USP; 1999.
18. WORLD HEALTH ORGANIZATION. The world oral heath report 2003. Geneva: WHO,
2003.

47
Materiais e Métodos
DECLÍNIO NA EXPERIÊNCIA DE CÁRIE EM DENTES PERMANENTES DE
ESCOLARES BRASILEIROS NO FINAL DO SÉCULO XX Foram recolhidos dados sobre experiência de cárie em dentes permanentes
de escolares brasileiros, provenientes de estudos que utilizaram como instrumento de
Rev. Odontologia e Sociedade, vol 1 n1/2, 1999 medida o índice CPO-D, independente dos critérios utilizados pelos produtores do
Paulo C. Narvai, Paulo Frazão, Roberto A. Castellanos dado primário. Esse instrumento (índice CPO-D) foi proposto em 1938 por Klein &
Palmer e, desde então, tem sido amplamente utilizado em todo o mundo. O índice
CPO-D tem sido, também, objeto de sucessivas modificações nos critérios adotados
Resumo. O objetivo deste artigo é recolher, organizar e tornar acessíveis alguns para caracterizar uma determinada condição clínica, bem como na forma de
dados nacionais sobre a situação da cárie em dentes permanentes de escolares apresentação e análise dos dados. Embora se admita o significado dessas
brasileiros nas últimas décadas do século XX. Foram analisados estudos que modificações, o que implica reconhecer com reserva algumas das estimativas
utilizaram como instrumento de medida o índice CPO-D e também informações apresentadas, considera-se necessário, ainda assim, compreender a validade das
disponíveis no site do Ministério da Saúde na Internet. A análise dos dados correlações e a utilidade das diferentes pesquisas, dando-lhes a necessária
secundários revela uma significativa redução nos valores do índice CPO-D no período divulgação.
1980-1996. De um valor considerado “muito alto” (7,25) em 1980, na idade de 12
anos, o índice mostrou consistente tendência de queda ao longo do período até Os dados secundários foram identificados na literatura sobre o assunto e no
atingir, em 1996, o valor de 3,1 caracterizando uma prevalência considerada site do Ministério da Saúde (MS) na Internet. A forma de organizá-los e apresentá-los,
“moderada”. Entre 1980 e 1996 a redução nos valores do índice CPO-D aos 12 anos bem como a análise efetuada, é de responsabilidade dos autores.
de idade foi da ordem de 57,8%. A fluoretação das águas de abastecimento público, a
adição de compostos fluoretados aos dentifrícios e a descentralização do sistema de
saúde brasileiro são fatores que devem ser considerados para compreender esse Resultados e Discussão
fenômeno.
A Tabela 1 mostra os valores do índice CPO-D em 1980 (Pinto, 1983). Na
Palavras-Chave: cárie dentária; índice CPO; fluoretação da água; dentifrício; SUS idade-índice de 12 anos (OMS, 1997) o valor é 7,25. Segundo a classificação de
prevalência de cárie da OMS, com base nessa idade-índice, esse valor situava o
Brasil na faixa de prevalência “muito alta” (maior ou igual a 6,6).
Introdução É relevante registrar que em 1972 apenas 3,3 milhões de brasileiros tinham
Informações sobre a ocorrência da cárie dentária em populações interessam acesso à água fluoretada – reconhecidamente a medida preventiva de cárie de maior
a vários agentes sociais em todos os países. De autoridades públicas a estudantes, impacto populacional, reduzindo-a em cerca de 60%, após 10 anos de aplicação
passando por planejadores e administradores de serviços de saúde e por profissionais diária. Em 1977 esse número havia sido elevado para 10,7 milhões, impulsionado pela
vinculados à indústria de produtos do âmbito odontológico, entre outros, todos estão aprovação da Lei Federal 6.050/74 e pelas políticas públicas de saneamento que
interessados, ainda que em graus variados, em dados sobre cárie. Esta é uma das permitiram a alocação de significativos recursos para esse fim. Em 1982, chegava-se
razões pelas quais a Organização Mundial da Saúde (OMS) mantém em seu site na a 25,7 milhões de brasileiros com acesso à água fluoretada (20,8% da população total
Internet uma área com várias páginas dedicadas a informar sobre a saúde bucal nos do país). Quanto aos dentifrícios, segundo Bastos & Lopes (1984), em 1981 apenas
países membros (www.whocollab.odont.lu.se/index.html). Tais informações incluem cerca de 12% dos produtos consumidos no Brasil eram fluoretados. Este dado é
dados sobre cárie dentária. relevante, pois sabe-se que quando disponível no creme dental (cerca de 0,1% =
1.000 ppm), o flúor está comprovadamente associado à menor incidência de cárie
As informações sobre o Brasil, entretanto, estavam incompletas e dentária.
desatualizadas em Fevereiro de 1999.
O propósito deste artigo foi recolher, organizar e tornar acessíveis alguns
dados nacionais sobre a situação da cárie em dentes permanentes de escolares
brasileiros, nas últimas décadas do século XX.

48
Tabela 1. Média dos componentes do índice CPO-D segundo idade em escolares. Tabela 2. Média dos componentes do índice CPO-D segundo idade em escolares.
Brasil, 1980. Brasil, 1986.

Idade n C E EI O CPO-D Idade n C E EI O CPO-D


6 11.112 1,39 0,03 0,12 0,10 1,64 6 931 1,13 0,00 0,02 0,16 1,31
7 40.667 2,23 0,07 0,08 0,18 2,56 7 1.752 1,71 0,03 0,07 0,43 2,24
8 37.852 2,29 0,09 0,16 0,85 3,39 8 1.936 1,90 0,07 0,14 0,73 2,84
9 35.840 2,74 0,05 0,18 1,01 3,88 9 1.977 2,13 0,15 0,25 1,08 3,61
10 35.091 2,86 0,34 0,38 1,16 4,74 10 1.947 2,67 0,24 0,28 1,37 4,56
11 32.280 3,37 0,63 0,52 1,40 5,92 11 1.977 3,29 0,36 0,39 1,76 5,80
12 28.923 4,22 0,78 0,47 1,78 7,25 12 1792 3,66 0,44 0,44 2,12 6,66
13 24.972 4,90 0,75 0,81 2,70 9,16 Fonte: Ministério da Saúde (1988).

14 20.143 4,95 1,54 0,47 2,98 9,94 Na Tabela 3, estão apresentados os dados para o grupo etário de 7 a 14
anos de idade, obtidos em 1993 pelo serviço odontológico do SESI – Serviço Social
Fonte: PINTO, V.G. (1983).
da Indústria, em crianças de escolas mantidas pelo SESI e também de algumas
escolas públicas, em 114 municípios de 22 unidades federativas, abrangendo todas
as macrorregiões brasileiras (SESI, 1996). Em relação aos dados de 1980 e 1986,
Na Tabela 2 são apresentados os dados relativos à cárie dentária no grupo confirma-se a tendência de declínio nos valores do CPO-D.
etário de 6 a 12 anos de idade, do Levantamento Epidemiológico em Saúde Bucal:
Brasil, Zona Urbana, 1986, realizado pelo MS em 16 capitais estaduais, tomadas Tabela 3. Média dos componentes do índice CPO-D segundo idade em escolares.
como representativas das cinco macrorregiões brasileiras (norte, nordeste, centro- Brasil, 1993.
oeste, sudeste e sul). Foram examinadas 21.960 pessoas, em quatro grupos etários:
6-12, 15-19, 35-44 e 50-59 anos de idade (Brasil, 1988). Observa-se relativa Idade n C E EI O CPO-D
tendência de declínio nos valores do índice CPO-D em todas as faixas etárias, em
relação aos dados de 1980. Mas aos 12 anos de idade o valor do CPO-D era 6,65 7 12.745 0,91 0,01 0,03 0,32 1,27
(prevalência ainda “muito alta”). 8 11.071 1,06 0,03 0,05 0,69 1,83
9 11.041 1,26 0,05 0,09 0,94 2,34
10 10.321 1,40 0,09 0,13 1,36 2,98
11 9.436 1,59 0,15 0,18 1,79 3,71
12 11.278 2,11 0,33 0,24 2,16 4,84
13 6.950 2,07 0,26 0,25 3,16 5,74
14 5.451 2,04 0,34 0,24 3,87 6,49
Fonte: SESI (1996).

49
O valor do CPO-D na idade-índice de 12 anos havia atingido 4,8 (prevalência aumento de 10% nas vendas. O consumo total passou de 77,4 mil toneladas para
“alta” – 4,5 a 6,5 – segundo a OMS). Tal tendência é reafirmada pelos dados da 81,3 mil toneladas. Produtos importados corresponderam (1997) a 1,2% do mercado.
Tabela 4, que apresenta o resultado da pesquisa nacional promovida pelo Ministério No final do século, praticamente todos os dentifrícios comercializados no Brasil, e com
da Saúde em 1996, abrangendo 27 capitais estaduais em todas as macrorregiões do relevância no mercado, contêm fluoretos”.
país. Observa-se na Figura 1 que o declínio ocorre em todas as macrorregiões
brasileiras. Em 1996, o valor do CPO-D registrado aos 12 anos de idade foi 3,1. A Figura 1. Índice CPO-D aos 12 anos de idade em diferentes anos no Brasil.
OMS considera que quando esse valor oscila entre 2,7 e 4,4 a prevalência é
“moderada”. Esta estimativa está dentro da meta definida pela OMS a ser atingida
pelos países até o ano 2.000 (FDI, 1982).

Tabela 4. Média dos componentes do índice CPO-D segundo idade em escolares.


Brasil, 1996. 7,73
6,7
Idade n C E EI O CPO-D
4,8

CPO
6 4.320 0,22 0,00 0,06 0,05 0,33
7 4.320 0,51 0,01 0,02 0,16 0,70 3,1
8 4.320 0,77 0,02 0,05 0,32 1,16
9 4.320 0,93 0,03 0,07 0,50 1,53
10 4.320 1,03 0,05 0,10 0,70 1,88 1980 1986 1993 1996
11 4.320 1,28 0,08 0,13 0,90 2,39
12 4.320 1,56 0,12 0,17 1,21 3,06 Essa adequada conjugação de fatores (cobertura de água fluoretada +
Fonte: Ministério da Saúde (www.datasus.gov.br). dentifrícios fluoretados) está na base das análises que pretendem explicar o
fenômeno de acentuado declínio na experiência de cárie em dentes permanentes de
escolares brasileiros – ainda que se reconheça a insuficiente cobertura da água
fluoretada, estimada em 42% da população em 1998, correspondendo a 65,5 milhões
de pessoas (Brasil, 1998).
Observa-se na Figura 1 que entre 1980 e 1996 a redução nos valores do
índice CPO-D aos 12 anos de idade foi da ordem de 57,8%. Entre 1980 e 1996 a estimativa de queda foi de 57,8% (Figura 2). Embora a
contribuição relativa dos serviços odontológicos na alteração dos níveis de cárie
Em 1989 cerca de 62 milhões de brasileiros estavam cobertos por água dentária aos 12 anos de idade seja muito pequena quando comparada às variáveis já
fluoretada, segundo estimativa oficial. Em 1995 esse número subiu para 65,5 milhões. mencionadas, o mesmo não pode ser afirmado em relação aos programas de
promoção da saúde bucal bem organizados e dirigidos aos que freqüentam pré-
Segundo Cury (1996), em 1988 os dentifrícios líderes de vendas no Brasil
escolas, escolas de 1º grau e outros espaços sociais. A partir de 1991, observa-se
tiveram compostos fluoretados adicionados às suas composições. Quanto aos
uma grande expansão desses sistemas de prevenção, fato relacionado, dentre outros
dentifrícios, segundo Narvai (1998), com base em dados divulgados pelos produtores
aspectos, à aprovação da Portaria 184 da Secretaria Nacional de Assistência à Saúde
nacionais, “em 1997 os brasileiros estavam consumindo 508 gramas per capita – um
(MS). Através desse documento foram instituídos os Procedimentos Coletivos em
dos melhores índices em nível mundial (EUA, por exemplo, registram média de 571
saúde bucal (PC) na tabela de procedimentos vinculada ao Sistema de Informações
gramas per capita/ano). Entre setembro de 1996 e abril de 1998 o Brasil registrou um

50
Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA-SUS). Sua edição criou condições Tais possibilidades decorreram da descentralização do sistema de saúde
extremamente favoráveis à implementação dessas ações nos municípios brasileiros, brasileiro, ocorrida a partir de 1988 com a criação do SUS, que viabilizou o surgimento
passando-se efetivamente a financiar o desenvolvimento de outras ações preventivas e expansão de centenas de programas municipais de saúde bucal (Narvai, 1996).
além da fluoretação das águas. Frazão (1998) assinala que mesmo em municípios
menos desenvolvidos, e com modestos sistemas locais de saúde, foi possível utilizar Outras hipóteses que podem ser consideradas, relacionadas a fatores de
recursos do Fundo Nacional de Saúde para financiar a realização desses ordem geral, dizem respeito ao padrão de consumo de produtos açucarados e à
procedimentos preventivos. distribuição da renda nacional, variáveis reconhecidas como capazes de influenciar os
níveis de prevalência e magnitude da cárie dentária em populações. Entretanto,
segundo Narvai (1996), não se registraram, no período analisado, alterações positivas
significativas nessas variáveis.

1986 1996

8,5
7,5
6,6 6,9
5,9 6,3
CPO

4,3
3,1 3,0 2,8
2,1 2,4

BR N NE SE S CO

Figura 2. Índice CPO-D aos 12 anos de idade em 1986 e em 1996 segundo


macrorregiões brasileiras.

51
A composição percentual do índice CPO-D nas idades de 8 e 12 anos é 4. CFO (1997) Decide impedir criação de novos cursos de odontologia. Jornal da ABO Nacional
apresentada nas Figuras 3 e 4. Embora tenha ocorrido um expressivo declínio 46, 5, mar/abr.
na experiência de cárie entre os escolares brasileiros, observa-se que a 5. Chaves, M.M. (1986) Odontologia social. 3 a ed. Rio de Janeiro, Artes Médicas.
problemática do acesso aos serviços odontológicos permanece como
importante desafio. Em 1980, o componente “O” (dentes restaurados) 6. Conselho Federal de Odontologia (1982) Relatório 1981. Rio de Janeiro, CFO.
correspondia a apenas cerca de 25%, tanto aos 8 quanto aos 12 anos de idade. 7. Cury, J.A. (1996) Dentifrícios fluoretados no Brasil. Jornal da ABOPREV 7, mai/jun.
Em 1996, esse componente (“O”) registrou 28% aos 8 anos de idade e 40% aos
12 anos. Esse ganho na idade de 12 anos, de cerca de 15% em quase duas 8. Federation Dentaire Internationale (1982) Global goals for oral health in the year 2000.
International Dental Journal 1, 74-7.
décadas, é significativo e pode ser atribuído à ampliação da cobertura dos
serviços odontológicos, decorrente tanto da descentralização do sistema de 9. Klein, H.; Palmer, C.E. (1938) Dental caries in american indian children. Public Health Bulletin
saúde quanto da maior disponibilidade de recursos odontológicos pela 239, Washington, GPO.
sociedade. No período 1980-1996 a proporção dentista/10.000 habitantes evoluiu 10. Narvai, P.C. (1996) Está ocorrendo um declínio de cárie no Brasil? Jornal da ABOPREV 6,
de 5,13 para 8,76 . A análise dos dados revela também que esse melhor mar/abr.
desempenho do componente “O” foi conseguido com a diminuição da
participação dos componentes “C” (dentes cariados), “E” (dentes extraídos), e 11. Narvai, P.C. (1998) Vigilância sanitária e saúde bucal. São Paulo, FSP-USP.
“EI” (dentes com extração indicada). “C” caiu de 58% para 51%; “E” de 11% 12. Pinto, V.G. (1983) Saúde bucal no Brasil. Revista de Saúde Pública 17, 316-27.
para 4%; e “EI” de 6,5% para 5,6%. Como E+EI correspondem aos dentes
perdidos, expressam a mutilação dentária a que a população está submetida. 13. Serviço Social da Indústria (1996) Estudo epidemiológico sobre prevalência da cárie dental
em crianças de 3 a 14 anos: Brasil, 1993. Brasília, Sesi-DN.
Assim, é alentador observar que dos 15% de aumento no componente “O”, 8%
correspondem a dentes que passaram a ser mantidos e não extraídos. Isso é
tanto melhor quando se considera que entre 1980-1996 houve um ganho médio
de cerca de 4 dentes sem experiência de cárie na idade-índice de 12 anos.
Tratando-se todavia de média populacional, cabe assinalar que tal ganho não é
homogêneo em todas as regiões do país (os dados referem-se às zonas
urbanas) e em todas as classes sociais, sendo lícito admitir que pode ser, de
modo geral, bem maior entre os segmentos de melhor renda e escolaridade e
mais modesto – ou, talvez, inexpressivo – em certos grupos de baixa renda e
escolaridade e entre os desprovidos de acesso aos meios de produção.

Referências Bibliográficas

1. Bastos, J.R.M.; Lopes, E.S. (1984) Dentifrícios: cosméticos e terapêuticos. Bauru, FOB-USP.
Série Publicações Científicas n° 001/84.
2. Brasil (1988) Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde.
Divisão Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em Saúde Bucal:
Brasil, Zona Urbana, 1986. Brasília, CD-MS.
3. Brasil (1998) Ministério da Saúde. Mais saúde no sorriso das crianças. Saúde Informe, n° 72,
nov.

52
se, polidez, rubor etc. A maneira de olhar ou deixar de olhar traduz sentimento de
COMUNICAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO superioridade, culpa, sinceridade, interesse ou indiferença.

Temos tanta consciência de que nos comunicamos como a de que


respiramos ou andamos e só percebemos a sua importância quando por algum motivo
Você se recorda de como se fez "gente"? perdemos a capacidade de nos comunicar. A comunicação é uma necessidade básica
da pessoa humana, do homem social.
Sua casa, seu bairro, sua escola, seu trabalho, seu lazer, seu primeiro
amor?... O Processo de Comunicação

A comunicação foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua cultura A origem da palavra "comunicação" está no latim communis (comum).
foram-lhe transmitidos e a forma com a qual aprendeu a ser "membro" de sua Quando nos comunicamos estamos tentando compartilhar uma informação, uma idéia
sociedade, sua família, seu grupo de amigos, sua vizinhança, seu clube, sua nação. ou uma atitude. Estamos tratando de estabelecer uma "comunidade", algo em comum
com alguém. Para tanto, é fundamental que exista a "sintonia" entre quem envia e
Assim é que, uma pessoa adota a sua cultura, isto é, define seus modos de quem recebe a mensagem.
pensamento e ação, suas crenças e valores, seus costumes, hábitos e tabus.
O processo de comunicação pode ser entendido como o processo pelo qual
Isto não ocorreu propositadamente, ninguém lhe ensinou como está se dá o intercâmbio de mensagens de uma pessoa para outra.
organizada a sociedade, e o que pensa e sente a sua cultura. Aconteceu
naturalmente, pela experiência acumulada de numerosos pequenos eventos, Para facilitar o entendimento, poderíamos decompor o processo de
insignificantes em si mesmos, através dos quais travou relação com diversas pessoas. comunicação enumerando os seus elementos:

Tudo isto foi possível, graças a comunicação. Foi a comunicação diária - a realidade ou situação onde o processo de comunicação acontece, sobre
com pais, irmãos, amigos, em casa, na rua, nas lojas, na escola, nos ônibus, no jogo, a qual tem um efeito transformador e de quem sofre influências. A realidade influi no
no supermercado, na igreja, que lhe transmitiram as qualidades essenciais da comunicar e o comunicar influi na realidade;
sociedade e a natureza do ser social.
- os interlocutores: emissor (quem emite) e o receptor (quem recebe a
Você já tentou listar todos os atos de comunicação realizados desde que se informação);
levanta pela manhã até a hora de deitar-se, no fim do dia?
- a mensagem, as coisas que se desejam partilhar, o conteúdo, a idéia da
A quantidade será imensa, quase inacreditável. Desde o "bom dia" , a comunicação;
leitura de um jornal, identificação do número e da cor do ônibus que o leva ao
trabalho, o pagamento ao cobrador, os cumprimentos aos colegas de sua Unidade de - os signos, usados para representação da mensagem, ou seja, a forma
Saúde, sua assinatura no livro do ponto, reuniões, recepção do usuário, o choro, o que se representa as idéias e que se transmitem as emoções, caracterizando a
riso, o abraço, o aperto de mãos, orientações educativas, orientações pré e pós mensagem. Por exemplo: sons, letras, números, cores etc.
operatórias, conversas com o filho, novelas de TV, ato amoroso, "boa noite".
Em geral, os signos formam conjuntos organizados chamados Códigos, por
A comunicação não fica apenas nas mensagens que as pessoas trocam exemplo: a Língua Portuguesa, Código Morse, Conjunto de sinais de trânsito,
voluntariamente entre si. Além dessa troca feita conscientemente muitas outras são Sistema Braile etc.
trocadas sem querer, numa espécie de para-linguagem. O tom das palavras faladas, o
silêncio, os movimentos do corpo, a maneira de se cumprimentar, de vestir-se, sentar-

53
Existem vários recursos que os interlocutores utilizam para representar as Nos países católicos os homens devem tirar o chapéu para entrar em uma
idéias e sentimentos. Dessa forma, o artesão utiliza o barro e suas mãos; o ator pode igreja; já em Israel e nos templos israelitas os homens devem cobrir a cabeça para
usar o palco, as luzes, maquilagem e roupas especiais; um locutor emprega sua voz, serem admitidos. Assim, vemos que os significados não são universais, mudam de
uma fita gravada etc. país para país e dentro do mesmo país entre as diferentes classes e grupos sociais.

Meios de Comunicação Em comunicação dizemos que a mensagem para ser transmitida deve
passar pelo processo de codificação que implica na seleção dos elementos que se
Para atingir um grande público, a comunicação utiliza os "meios de deseja compartilhar, no emprego de um código ou linguagem adequada, sendo esta
comunicação de massa" como a televisão, o rádio, jornais, revistas etc. São veículos linguagem verbal e/ou gestual.
empregados para a transmissão da mensagem.
Do ponto de vista do receptor supõe a decodificação, que implica na
E para que serve a comunicação? possibilidade de interpretação – compreensão total ou parcial da mensagem – e a
incorporação ou não da mesma. Seria impossível para uma pessoa viver no seio de
Serve para que as pessoas se relacionem entre si, transformando-se uma cultura sem aprender a usar seus códigos de comunicação. E também seria
mutuamente e a realidade que as rodeia. impossível para ela não se comunicar.

A atribuição de significados a determinados signos é precisamente a base Dentro de um mesmo país, os códigos lingüísticos são variados onde cada
da comunicação em geral e da linguagem em particular. Ex: se eu digo a alguém a expressão gramatical é típica de uma determinada região.
palavra "boca", a pessoa fará uma imagem na sua cabeça de algo com as
características de uma boca. Imagine um homem do sertão nordestino conversando com um homem do
pampa gaúcho:
Os símbolos são um tipo especial de signo, que acumulam ambiguamente
vários significados diferentes e que, ao mesmo tempo, evocam emoções e Gaúcho: - "Tás atucanado, bagual?"
sentimentos, impelindo os homens à ação. Por ex: um sinal rodoviário com um círculo
vermelho em fundo branco, com o número 80 sobre ele, significa para o motorista Nordestino: "Não, tô aperreado, bichinho."
apenas uma coisa: a velocidade limite é de 80km por hora. Por outro lado, números
podem significar uma expressão matemática ou também a designação de um Observação:
determinado dente, por exemplo: 3 significa dente canino, 23 representa o canino
superior do lado esquerdo, onde o 2 significa o número do quadrante. Atucanado = aperreado, aborrecido

A forma de uma cruz possui diferentes significados para diferentes pessoas Bagual = bichinho, rapaz
ou até para uma única pessoa em momentos diversos. Um símbolo evoca
sentimentos, experiências anteriores e abstração individual.
A comunicação humana tem uma origem bastante nebulosa. Realmente
não se sabe como foi que os homens primitivos começaram a se comunicar, se por
Ocorre que as pessoas fazem parte de uma sociedade que possui uma gritos ou grunhidos, como fazem os animais, ou se por gestos, ou ainda por
cultura sobre a qual o processo de comunicação se dá. combinações de gritos, grunhidos e gestos.

Assim a cultura constitui-se num pano de fundo, um plano comum que E a origem da fala? Alguns afirmam que os sons utilizados para criar uma
permite a ligação entre o emissor (que emite a mensagem) e o receptor (aquele que linguagem nada mais eram que a imitação dos sons da natureza: a cachoeira, o
recebe) e sobre o qual trafegam as mensagens. trovão, um som animal... Outros acham que os sons humanos vinham de

54
exclamações espontâneas: "ai" de dor; "frr" de fúria; "oh" de admiração. Poder-se-ia, Evolução dos meios de comunicação
também, pensar no uso das mãos e pés, além da boca, para se produzir sons, ou
ainda objetos como pedras e troncos. De qualquer forma, a história mostra que o Paralelamente à evolução da linguagem, desenvolveram-se, também, os
homem encontrou a maneira de associar determinado som ou gesto a um certo objeto meios de comunicação.
ou ação.
O papel foi inventado pelos chineses. No ano 1454, Gutenberg inventou a
Não há dúvida que a primeira forma organizada de comunicação humana tipografia e o papel foi melhorado (tornou-se mais resistente e leve), o que possibilitou
foi a linguagem, acompanhada ou não de gestos. que os livros fossem impressos repetidamente em muitos exemplares.

Porém, os limites de alcance e a dificuldade de permanência levou o A indústria gráfica associou-se à invenções da mecânica, da química, da
homem a fixar os seus signos e modos de transmiti-los à distância. eletrônica, até chegarmos hoje às impressoras computadorizadas capazes de receber
sinais de satélites. A fotografia ampliou a comunicação visual. Possibilitou a ilustração
O desenho foi a primeira forma de fixação dos signos e mais tarde a de livros, jornais, revistas, inspirou o cinema, culminando com as imagens pela
linguagem escrita. Foram encontrados desenhos primitivos pintados por homens das televisão.
cavernas, entre 35.000 e 15.000 a.C.
O alcance das comunicações foi garantido pela invenção de meios
Para comunicar-se à distância, o homem inicialmente apelou para sinais eletrônicos que se utilizam de vários tipos de ondas para transmitir os signos, como o
sonoros e visuais (tantã, berrante, gongo, fumaça), mas a solução definitiva veio com telegrafo, o telefone, o rádio, a televisão, o satélite.
a invenção da escrita, no século IV a.C., aproximadamente. As mensagens escritas
podem, com efeito, ser transportadas a qualquer distância. Com o desenvolvimento dos aparelhos e técnicas de produção dos meios
de comunicação, aumenta imensamente a influência e o poder da comunicação na
A escrita evoluiu aos pictogramas, signos que tinham correspondência sociedade. O impacto dos meios sobre as idéias, emoções, comportamentos, atitudes
exata entre a imagem e o objeto representado: um sol significava um sol; uma mulher econômicas e políticas das pessoas cresceu tanto, que hoje é um fator fundamental
era uma mulher mesmo. Ex: os hieróglifos do antigo Egito. de poder e domínio em todos os campos da atividade humana.

Chegou um momento em que o homem sentiu-se limitado pelo fato de que O Poder da Comunicação e a Comunicação do Poder
cada signo correspondesse a um objeto. Passou, então, a usar os signos para
representar idéias. Assim, para os índios americanos a figura de um pássaro voando Será que o modo da sociedade usar a sua comunicação "social" satisfaz as
significava pressa, um cachimbo, a paz. Esse tipo de escrita recebeu o nome de necessidades das pessoas?
ideográfica.
Os veículos de comunicação ajudam a tomar decisões importantes? Dão
Um grau maior de liberdade foi alcançado quando o homem percebeu que condições de expressão a todos os setores da população? Favorecem ocasiões de
as palavras ou nomes de objetos eram compostos por unidades menores de sons (os diálogo e de encontro? Estimulam o crescimento de consciência crítica e a
fonemas) e que, então, os signos poderiam representar esses fonemas e não mais capacidade de participação? Questionam os regimes políticos e estruturas sociais que
objetos ou idéias. Surge então a escrita fonográfica, onde os signos representam os não respondem aos anseios de liberdade, convívio ou de satisfação das necessidades
sons de uma palavra. Nasce o conceito de letras (a, b etc.). Delas, forma-se o básicas da população?
Alfabeto, onde cada letra representa um determinado som. Os alfabetos deram maior
alcance a linguagem escrita. O que faltava era um meio de registro melhor que as Os meios de comunicação muitas vezes, são utilizados visando o lucro, o
pedras e os pergaminhos de couro. prestígio, o poder e domínio. Existem ainda, táticas diversionistas do governo, tirando
a atenção do povo dos problemas de base, condicionando comportamentos,

55
dificultando a consciência crítica. É a política do "Pão e circo". Exemplos: alguns A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO
programas de TV e rádio sem qualquer valor educativo e construtivo. TRABALHO EM SAÚDE

Contrariamente então ao que alguns pensam, a comunicação é muito mais


que os "meios de comunicação social". Estes meios são tão poderosos na nossa vida
atual, que, às vezes, esquecemos que representam uma mínima parte de nossa Discutir alguns aspectos da realidade do trabalho na área de saúde, facilita
comunicação total. a compreensão das condições em que o trabalhador dessa área atua, favorecendo o
desenvolvimento da sua capacidade transformadora.
A sociedade civil, constatando que todo esse poder não está sendo Alguns aspectos dessa realidade:
utilizado para a promoção de um crescimento integral de todas as classes sociais, luta
por uma sociedade participativa, igualitária. Esta transformação passa 1. O trabalho na área da saúde faz com que o profissional esteja
necessariamente pela participação pessoal e coletiva e forçosamente pela constantemente lidando com o sofrimento do outro, o que pode lhe provocar uma
comunicação. É a serviço da construção desta sociedade que o poder da carga psíquica intensa.
comunicação deve ser usado. 2. O resultado do trabalho na área da saúde é um serviço e não a produção
de um objeto. Lidar com parafusos, sapatos etc. é, fundamentalmente, diferente de
A comunicação pode se dar de uma forma confusa resultando em lidar com as pessoas.
distorções que geram incertezas ou falsa compreensão. As comunicações confusas
caracterizam-se por mensagens incompletas ou pouco explícitas, mensagens 3. O trabalho na área da saúde desenvolve-se dentro de uma instituição
contraditórias, falta de esclarecimentos sobre a mensagem mesmo quando o receptor com regras, normas, regulamentos, poder e hierarquia. O trabalhador está sujeito ao
dá indícios dessa necessidade. Essa falta de compreensão gera a não comunicação. mando de "cima para baixo" e ao mesmo tempo deve entender-se com o colega, na
equipe. Essas pressões de poder mal distribuídas, podem fazer o trabalhador
pressionar também de "cima para baixo" a população, esquecendo-se que esta tem
Dentro de uma sociedade competitiva como a nossa, a habilidade de direitos sociais adquiridos.
comunicação é um recurso valorizado. As pessoas que não articulam suas intenções
claramente, podem encontrar-se em desvantagem ante pessoas com amplo 4. No campo da saúde bucal as atribuições de cada integrante da equipe
vocabulário. encontram-se bem definidas. Mesmo assim, pode ocorrer, eventualmente,
sobreposição de funções que repercutem na organização do trabalho. É preciso,
A ausência de comunicação empobrece os indivíduos, paralisa o portanto, que todos encarem o trabalho de cada um, como parte de um conjunto de
crescimento interno porque rompe o processo de aprendizagem de ajuste de idéias, tarefas realizadas com o objetivo maior de prestar serviços de boa qualidade à
percepções e sentimentos. população.
5. Muitas vezes, é fácil misturar os problemas do trabalho com a vida
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS particular e vice-versa, pois não somos divisíveis, estando sujeitos a emoções,
problemas, necessidades, etc. A problemática fica ainda maior, pois o objeto do nosso
BORDENAVE, Juan E. Dias. O que é comunicação. São Paulo, Brasiliense. trabalho é uma pessoa semelhante a nós, também sujeita a problemas, emoções etc.

NICOLA, J. Língua, literatura, redação. Ed. Scipione, 1988. São nessas condições de trabalho que a equipe de saúde presta serviços à
população.
Além dessas condições, temos que levar em consideração a variedade de
formas de pensar e entender saúde. A maneira de ser do indivíduo abrange um
conjunto de valores, crenças e tabus que se refletem no seu comportamento.
Portanto, as ações das pessoas, desde os simples atos do cotidiano até as condutas
profissionais estão respaldadas em valores que as pessoas atribuem às coisas.

56
Pode-se dizer que o comportamento das pessoas é basicamente são desiguais) e mesmo pela recusa sistemática do universo do usuário, que teremos
influenciado por: maiores chances de conseguir sua confiança para estreitar vínculos com a equipe de
saúde e chegar a objetivos que são comuns e não opostos: melhorar a saúde
1. Seu modo de perceber a realidade que o envolve - que depende das individual e coletiva.
características fisiológicas como acuidade sensorial, sexo, forças físicas e outras
variáveis, e também das experiências anteriores que o indivíduo, com o decorrer dos
anos, vai incorporando.
O Trabalho na Saúde
2. Seu ambiente social - Podem ser considerados como fatores de ordem
social, formadores de personalidade, todas as experiências vividas socialmente e Quando o paciente procura um serviço de saúde geralmente está inseguro,
incorporadas pelo indivíduo. Essa influência do meio social pode se dar de duas pois está enfrentando uma situação desconhecida ou mesmo fora do seu controle.
formas principais: pela educação formal, ou seja, aquela que é transmitida ao Isto gera medo e modificações nas suas emoções. A maneira de expressar esta
indivíduo, sistematicamente, através dos professores e dos livros, e pela educação insegurança varia segundo idade, sexo, situação sócio-econômica, experiências
informal, ou seja, aquela feita assistematicamente, através de incorporação de anteriores, maneira como é atendido nos serviços de saúde etc. Com freqüência
padrões dos grupos por onde vai passando, desde a família, até os grupos de apresenta sinais de ansiedade, como por exemplo:
recreação, esporte, religião e outros.
3. Sua necessidade imediata ou motivação - As pessoas não fazem as - mudança freqüente da posição do corpo;
mesmas coisas pelas mesmas razões. O motivo que gera as ações humanas, varia de - deambulação constante;
pessoa a pessoa, o que determina uma significativa diferença individual de - insônia;
comportamento. Todos temos as mesmas necessidades básicas, porém o momento - inapetência ou apetite exagerado;
que elas emergem depende do seu grau de satisfação. São as necessidades que - tremores;
geram os nossos comportamentos e nos motivam para fazer ou alcançar - gagueira momentânea;
determinadas coisas. Por exemplo: todos precisam comer, dormir, ser amado, - roer unhas;
pertencer a um grupo, ser reconhecido socialmente, etc. Porém, não temos fome na - choro ou riso sem motivo;
mesma hora e nem gostamos todos da mesma comida. - hipertensão;
- diarréia;
Ao conviver com as pessoas sente-se que seus objetivos são diferentes - vômito;
entre si. Há aquelas que se motivam por recompensas salariais, outras buscam - sudorese.
aceitação do grupo no qual trabalham e outras ainda o reconhecimento de sua
capacidade profissional.
Por isso, encontramos diferentes modos de se comportar e pensar e, Apesar de o usuário/paciente/cliente ser uma pessoa igual a nós,
consequentemente, diferentes conceitos de saúde, não só por parte do indivíduo, semelhante a qualquer membro da equipe, encontra-se em situação especial quando
como também dos próprios grupos profissionais ou da população. precisa de serviços de saúde.

Por existir esta diferença de conceitos é necessário estarmos atentos à Quando nos vemos como pessoa humana e percebemos o indivíduo a que
forma de resolução de problemas de saúde de uma pessoa pois esta seguirá a estamos atendendo como outra pessoa humana, devemos estar atentos para alguns
orientação na qual acreditar. Ela acreditará numa orientação dada na medida em que aspectos de grande importância na forma de nos comunicarmos. Eles nos auxiliam a
tenha confiança em quem lhe está prestando orientação. estabelecer um relacionamento adequado aos nossos objetivos:

É através de um relacionamento humano, caracterizado por relações de


cooperação e solidariedade e não de antagonismo, diferenças, medição de força (que

57
Saber ouvir objetos e adornos e mesmo o momento em que as coisas são ditas, influem
decisivamente na comunicação.
A maioria de nós tende a falar demais e ouvir de menos. Para conseguir
ouvir os outros é necessário que, além de saber fazer uso do silêncio, não julguemos Outros fatores dificultam a comunicação. Por exemplo:
antecipadamente o que nos falam. É muito importante também darmos indicação à
pessoa que estamos prestando atenção ao que ela nos diz. a. A projeção: leva-nos a emprestar a outro, intenções que ele nunca teve,
mas que teríamos no lugar dele;
b. A transferência inconsciente: sentimentos que tínhamos em relação a
Estar disponível uma pessoa parecida com o interlocutor, nos leva a uma predisposição favorável ou
desfavorável;
Quando estamos fazendo um atendimento é importante que o indivíduo
atendido sinta que, naquele momento, estamos com ele. O fato de sentar junto, ou c. A frustração: impede a pessoa sujeita a ela de ouvir e entender o que
mesmo estar por perto cria oportunidades para que o outro se dirija a nós. está sendo dito;
d. A competição: nos leva a fazermos uma espécie de "monólogo coletivo"
ou "diálogo de surdos". Cada um corta a palavra do outro sem ao menos ouvir o que
Compreensão está sendo dito. Ninguém ouve ninguém;
É a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, tentando perceber e. A percepção: o outro é visto sob influencia de preconceitos e
suas angústias e preocupações e, ao mesmo tempo procurando manter uma posição discriminações decorrentes de trajes, aspectos físicos etc. Os termos branco, negro,
profissional frente ao fato. judeu, viúvo, pobre, operário, mulato, chinês, gordo, tem cada um uma conotação que
nos predispõe a ouvir com atenção ou não;

Respeito f. O egocentrismo: dificulta a aceitação do ponto de vista de quem nos fala.


Somos compelidos a rebater tudo o que o outro diz, sem ao menos ouvir o que ele
O profissional deve se comunicar com o paciente respeitando suas realmente quer dizer;
características físicas, culturais, socioeconômicas, idade etc. Exemplo: sabendo que
um paciente tem dificuldade de audição, devemos falar num tom mais alto, mais g. A inibição: do receptor em relação ao emissor e vice-versa;
devagar, olhando para ele, pois a leitura labial facilita a compreensão. h. A seleção: leva-nos a escolher as mensagens com as quais estamos de
acordo. Esta seleção pode alterar e mesmo inverter o sentido do que está sendo
comunicado.
Tom de voz
Outro aspecto a ser considerado é o fato de que a pessoa atendida pode
Ao falar, qualquer que seja a circunstância, o profissional deve manter um ter restrições para se comunicar: desde uma deficiência física até a dificuldade em
tom de voz que expresse tranqüilidade e controle da situação, demonstrando firmeza compreender o significado de nossas palavras e vice-versa, por diferenças na
e segurança. O profissional seguro transmite tranqüilidade que é captada pelo linguagem utilizada.
paciente.

A comunicação verbal não é a única forma de nos comunicarmos. Mesmo


quando falamos, existe a comunicação não verbal. Somada com a verbal, ela reflete a
mensagem real do que está sendo transmitido. Assim, a entonação da voz, as
expressões faciais, a postura corporal, o toque, o espaço entre os comunicadores, os

58
(*)
COMO PREPARAR UMA ENTREVISTA
f. não fazer perguntas que influenciem as respostas;

Como fazer uma entrevista?


g. fornecer as informações necessárias procurando ater-se ao objeto da
entrevista;
Antes de fazê-la é necessário sua preparação levando em consideração os
objetivos e quem vai ser entrevistado.
h. ajudar o entrevistado a encontrar soluço para o seu problema, sempre
que for possível;
O que é importante na realização da entrevista?

i. não dar ordens;


Antes de tudo é importante planejar um roteiro, considerando alguns itens:

j. terminar a entrevista agradecendo a atenção e deixando a possibilidade


a. apresentar-se ao entrevistado, dando nome e função que exerce; para contatos posteriores.

b. esclarecimento dos objetivos da entrevista; O que observar na entrevista?

c. ouvir atentamente o que o entrevistado quer dizer; A entrevista supõe uma relação pessoal, entre entrevistador e entrevistado.
Para que a mesma atinja seu objetivo é importante que aconteça num ambiente
tranqüilo e de forma agradável, facilitando o contato entre as pessoas.
d. facilitar e auxiliar quando este tiver dificuldade na comunicação e na
compreensão das perguntas;
É necessário que o entrevistador saiba ouvir, mostrando-se atento e
interessado em tudo que disser o entrevistado. Manter o assunto da entrevista dando
e. ser gentil e não agir com superioridade; ao entrevistado o direito de perguntar ou questionar.

_____________________________ É importante também observar a aparência, atitudes, expressões, silêncios


e contradições do entrevistado, que ajudarão a entender e complementar os dados
(*) Texto reproduzido do Manual de Formação - Unidade 1 do Atendente de que muitas vezes não são respondidos claramente na entrevista.
Consultório Dentário, do Centro de Formação dos Trabalhadores da
Saúde (CEFOR), da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo,
publicado em 1991. O leitor deve levar em conta que trata-se de material
de formação de pessoal de saúde de nível elementar.

59
- desempenho descoordenado dos órgãos públicos e privados;
ABC DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
- insatisfação dos profissionais da área da saúde, que vêm sofrendo as
conseqüências da ausência de uma política de recursos humanos justa e
Documento elaborado por técnicos da União, dos Estados e dos coerente;
Municípios, em discussão no Ministério da Saúde (versão de 18 de outubro de 1990)
- baixa qualidade dos serviços oferecidos em termos de equipamentos e serviços
VOLUME I profissionais;

I - O QUE HÁ DE NOVO NA SAÚDE? - ausência de critérios e de transparências dos gastos públicos, bem como de
participação da população na formulação e gestão políticas de saúde;
Entre as diretrizes políticas consolidadas pela Nova Constituição no cenário
nacional estão os fundamentos de uma radical transformação do sistema de saúde - falta de mecanismos de acompanhamentos, controle e avaliação dos serviços;
brasileiro.
- imensa insatisfação e preocupação da população com o atendimento à sal saúde.
O que levou os constituintes a proporem essa transformação foi o consenso,
na sociedade, quanto à total inadequação do sistema de saúde caracterizado pelos A partir desse diagnóstico e de experiências isoladas ou parciais acumuladas
seguintes aspectos, entre outros: ao longo dos últimos 10 anos, e especialmente baseando-se nas propostas da 8ª
Conferência Nacional da Saúde realizada em 1986, a Constituição de 1988
- um quadro de doenças de todos os tipos, condicionado pelo tipo de estabeleceu, pela primeira vez, de forma relevante, uma seção sobre a saúde que
desenvolvimento social e econômico do País e que o Sistema de Saúde não trata de três aspectos principais:
conseguia enfrentar com decisão;
Em primeiro lugar, incorpora o conceito mais abrangente de que a saúde tem
- completa irracionalidade e desintegração do Sistema de Saúde, com sobreoferta como fatores determinantes e condicionantes o meio físico (condições geográficas,
de serviços em alguns lugares e ausências em outros; água, alimentação, habitação, etc.); o meio sócio-econômico e cultural (ocupação,
renda, educação, etc.); os fatores biológicos (idade, sexo, herança genética, etc.), e a
- excessiva centralização implicando, por vezes, em impropriedade das decisões, oportunidade de acesso aos serviços que visem a promoção, proteção e recuperação
pela distância dos locais onde decorrem os problemas; da saúde.

- recursos financeiros insuficientes em relação às necessidades de atendimento e Isso implica que, para se ter saúde, são necessárias ações em vários
em comparação com outros países; setores, o que só uma política governamental integrada pode assegurar.

- desperdício dos recursos alocados para a saúde, estimado nacionalmente em Em segundo lugar, a Constituição também legítima o direito de todos, sem
pelo menos 30%; qualquer discriminação, às ações de saúde em todos os níveis, assim com explicita
que o dever de prover o pleno gozo desse direito é responsabilidade do Estado, isto é,
- baixa cobertura existencial da população, com segmentos populacionais do Poder Público.
excluídos do atendimento, especialmente os mais pobres e nas regiões mais
carentes; Isso significa que, a partir da Nova Constituição, a única condição para se ter
direito de acesso aos serviços e ações de saúde é precisar deles.
- falta de definição clara das competências entre os órgãos e as instâncias político- Por último, a Constituição estabelece o Sistema Único de Saúde – SUS, de
administrativas do sistema, acarretando fragmentação do processo decisório e caráter público, formado por uma rede regionalizada, hierarquizada e
descompromisso com as ações de sua responsabilidade; descentralizada, com direção única em cada esfera de governo, e sob
controle dos seus usuários. Os serviços particulares conveniados e

60
contratados passam a ser complementares e sob diretrizes do Sistema Único poder público. Saúde é, more o cidadão onde morar, sem privilégios e sem barreira.
de Saúde. Todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades, até
o limite do que o Sistema pode oferecer a todos.
Ainda que esse conjunto de idéias, direitos, deveres e estratégias não
possam ser implantados automaticamente e de imediato, o que deve ser Integralidade – É o reconhecimento, na prática, de que:
compreendido é que a implantação do SUS tem por objetivo melhorar a qualidade da
atenção à saúde no País, rompendo com um passado de descompromisso social e - cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade;
irracionalidade técnico-administrativa, e é a imagem ideal que norteará o trabalho do
Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. - as unidades prestadoras de serviço, com seus diversos graus de
complexidade, formam também um todo indivisível, configurando um
Para isso, é necessário que se entenda a lógica do SUS, como ele deve ser sistema capaz de prestar assistência integral;
planejado e funcionar para cumprir esse novo compromisso, que é assegurar a todos,
indiscriminadamente, serviços e ações de saúde de forma equânime, adequada e - O homem é um ser integral, biopsicossocial, e será atendido, com
progressiva. esta visão holística, por um Sistema de Saúde também integral, voltado
a promover, proteger e recuperar sua saúde.
II – O QUE É SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS
Quais são os princípios que regem a organização do SUS?
É uma nova formulação política e organizacional para o reordenamento dos
serviços e ações de saúde estabelecidas pela Constituição de 1988. O SUS não é Regionalização e Hierarquização – Os serviços devem ser organizados em
sucessor do INAMPS e nem tampouco do SUDS é o novo Sistema de Saúde que está níveis de complexidade tecnológica crescente, dispostos numa área geográfica
em construção. delimitada e com a definição da população a ser atendida. Isto implica na capacidade
dos Serviços em oferecer a uma determinada população todas as modalidades de
Por que Sistema Único? assistência, bem como o acesso a todo tipo de tecnologia disponível, possibilitando
um grau ótimo de resolubidade (solução de seus problemas).
Porque ele segue a mesma doutrina e os mesmos princípios organizativos
em todo território nacional, sob a responsabilidade das três esferas autônomas de O acesso da população à rede deve se dar através dos serviços de nível
governo: federal, estadual e municipal. Assim, o SUS não é um serviço ou uma primário de atenção, que devem estar qualificados para atender e resolver os
instituição, mas um Sistema que significa um conjunto de unidades, de serviços e principais problemas que demandam os serviços de saúde. Os demais deverão ser
ações que interagem para um fim comum. Esses elementos integrantes do sistema referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica.
referem-se, ao mesmo tempo, às atividades de promoção e recuperação da saúde.
A rede de serviços, organizada de forma hierarquizada e regionalizada,
Qual a doutrina do SUS? permite um conhecimento maior dos problemas de saúde da população da área
delimitada, favorecendo ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle de
Baseado nos preceitos constitucionais, a construção do SUS se norteia pelos vetores, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e hospitalar em
seguintes princípios doutrinário: todos os níveis de complexidade.

Universalidade – É a garantia de atenção à saúde, por parte do sistema, a Resolubidade – É a exigência de que, quando um indivíduo busca o
todo e qualquer cidadão. Com a universalidade, o indivíduo passa a ter acesso a atendimento ou quando surge um problema de impacto coletivo sobre a saúde, o
todos os serviços públicos de direito de cidadania e dever dos governos municipal, serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e resolvê-lo até o nível da
estadual e federal. sua competência.

Eqüidade – É assegurar ações e serviços de todos os níveis de acordo com Descentralização – É entendida como uma redistribuição das
a complexidade que cada caso requeira saúde, assim como àqueles contratados pelo responsabilidades quanto às ações e serviços de saúde entre os vários níveis de

61
governo, a partir da idéia de que quanto mais perto do fato a decisão for tomada, mais deverá estar claramente estabelecido, considerando-se os serviços públicos
chance haverá de acerto. Assim, o que é abrangência de um município deve ser de e privados contratados, quem vai fazer o que, em que nível e em que lugar.
responsabilidade do governo municipal; o que abrange um estado ou uma região
estadual deve estar sob responsabilidade do governo estadual; e o que for de Dentre os serviços privados, devem Ter preferência os serviços não
abrangência nacional será de responsabilidade federal. lucrativos, conforme determina a Constituição.

Deverá haver uma profunda redefinição das atribuições dos vários níveis de Assim, cada gestor deverá planejar primeiro o setor público e, na seqüência,
governo, com um nítido reforço do poder municipal sobre a saúde – é o que se chama complementar a rede assistencial com o setor privado, com os mesmos conceitos de
municipalização da saúde – é o que se chama municipalização da saúde. regionalização, hierarquização e universalização.

Aos municípios cabe, portanto, a maior responsabilidade na promoção das Torna-se fundamental o estabelecimento de normas e procedimentos a
ações de saúde diretamente voltadas para os seus cidadãos. serem cumpridos pelos conveniados e contratados, os quais devem constar, em
anexo, dos convênios e contratos.
Participação dos Cidadãos – É a garantia constitucional de que a
população, através de suas entidades representativas, poderá participar do processo III - PAPEL DOS GESTORES DO SUS
de formulação das políticas de saúde e do controle da sua execução, em todos os
níveis, desde o federal até o local. O que significa os gestores?

Essa participação deve se dar nos Conselhos de Saúde, com representação Gestores são entidades encarregadas de fazer com que o SUS seja
paritária de usuários, governo, profissionais de saúde e prestadores de serviço, com implantado e funcione adequadamente dentro das diretrizes doutrinárias e da lógica
poder deliberativo. Outra forma de participação são as Conferências de Saúde organizacional, e seja operacionalizado dentro dos princípios anteriormente
periódica para definir prioridades e linhas de ação sobre a saúde. esclarecidos.

Deve ser também considerado como elemento do processo participativo o Haverá gestores nas 3 esferas do governo, isto é, nos níveis municipal,
dever das instituições oferecem as informações e conhecimentos necessários para estadual e federal.
que a população se posicione sobre as questões que dizem respeito à sua saúde.
Quem são os Gestores?
Complementariedade do Setor Privado – A constituição definiu que quando,
por insuficiência do setor público, for necessária a contratação de serviços privados, Nos municípios, os gestores são as secretarias municipais de Saúde ou as
isso deve se dar sob três condições: prefeituras, sendo responsáveis pelas mesmas, os respectivos secretários municipais
ou equivalentes e os prefeitos.
ª
1 – a celebração de contrato conforme as normas de direito público,
ou seja, o interesse público prevalecendo sobre o particular; Nos estados, os gestores são os secretários estaduais de Saúde e, no nível
federal o Ministério da Saúde. A responsabilidade sobre as ações e serviços de saúde
ª
2 - a instituição privada deverá estar de acordo com os princípios em cada esfera do governo, portanto, é do titular da secretaria respectiva e do
básicos e normas técnicas do SUS. Prevalecem, assim, os princípios da Ministério da Saúde, no nível Federal.
universalidade, eqüidade, etc., como se o serviço privado fosse público, uma Quais são as principais responsabilidades dos Gestores?
vez que, quando contratado, atua em nome deste,
No nível municipal, cabe aos gestores programar, executar e avaliar as ações
ª
3 - a integração dos serviços privados deverá se dar na mesma de promoção, proteção e recuperação da saúde. Isto significa que o município deve
lógica organizada do SUS, em termos de posição definida na rede se o primeiro e o maior responsável pelo planejamento, execução e controle das
regionalizada e hierarquizada dos serviços. Dessa forma, em cada região ações de saúde na sua própria área de abrangência.

62
Como os servidores devem ser oferecidos em quantidade e qualidade Deverá haver, sempre que possível, uma integração entre os municípios de uma
adequada às necessidades de saúde da população, ninguém melhor que os gestores determinada região para que sejam, resolvidos os problemas de saúde da população.
municipais para avaliar e programar as ações de saúde em função da problemática da Conforme o grau de complexidade do problema, entram em ação os estados e/ou a
população do seu município. própria União.

O secretario estadual de Saúde, como gestor estadual, é o responsável pela


coordenação das ações de saúde do seu estado. Seu plano diretor será a Quem deve controlar se o SUS está funcionando bem?
consolidação das necessidades propostas de cada município, através de planos Quem deve controlar é a população, o poder legislativo e cada gestor na sua
municipais ajustados entre si. O Estado deverá corrigir distorções existentes e induzir esfera do governo. A população deve ter conhecimento de seus direitos e reivindicá-
os municípios ao desenvolvimento das ações. Assim, cabe também aos estados los ao gestor local do SUS, sempre que os mesmos não forem respeitados. O sistema
planejar e controlar o SUS em seu nível de responsabilidade e executar apenas as deve criar mecanismos através dos quais a população possa fazer essa reivindicação.
ações de saúde que os municípios não forem capazes de executar. Os gestores devem, também, dispor de mecanismos formais de avaliação e controle,
e democratizar as informações deste processo.
A nível Federal, o gestor é o Ministério da Saúde e sua missão é liderar o
conjunto de ações de promoção, proteção e recuperação de saúde, identificação
riscos e necessidades nas diferentes regiões para a melhoria da qualidade de vida do De onde vem o dinheiro para pagar tudo isto?
povo brasileiro, contribuindo para o desenvolvimento. Ou seja, ele é responsável pela Os investimentos e o custeio do SUS são feitos com recursos das três
formulação, coordenação e controle da política nacional de saúde. Tem importantes esferas de governo: federal, estadual e municipal.
funções no planejamento, financiamento, cooperação técnica e controle
macroestratégico do SUS. Os recursos federais para o SUS provêm do orçamento da Seguridade Social
(que também financia a Previdência Social e a Assistência Social), acrescidos de
Em cada esfera de governo, o gestor deverá se articular com os demais outros recursos da União constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada
setores da sociedade que têm interferência direta ou indireta na área da saúde, anualmente pelo Congresso Nacional.
fomentando sua integração e participação no processo, pois ainda que a saúde seja
um direito de todos e um dever do governo, isto não dispensa cada indivíduo da Esses recursos, geridos pelo Ministério da Saúde, são divididos em duas
responsabilidade por seu autocuidado, nem as empresas, escolas, sindicatos, partes: uma é retida para o investimento e custeio das ações federais; e a outra é
imprensa e associações de sua participação no processo. repassada às secretarias de Saúde estaduais e municipais, de acordo com critérios
previamente definidos em função da população, necessidades de saúde e rede
Nas três esferas deverão participar, também, representantes da população, assistêncial
que garantirão, através de entidades representativas, envolvimento responsável no
processo de formulação das políticas de saúde e no controle da sua execução. Em cada Estado, os recursos repassados pelo Ministério da Saúde são
somados aos alocados pelo próprio governo estadual, de suas receitas, e geridos pela
respectiva secretaria de Saúde, através de um Fundo Estadual de Saúde. Desse
Quem é o responsável pelo atendimento ao doente e pela saúde da montante uma parte fica retida para as ações e os serviços estaduais, enquanto outra
população? parte é repassada ao município, de acordo, também, com critérios específicos.

O principal responsável deve ser o município, através das suas instituições Finalmente, cabe aos próprios municípios destinar parte adequada de seu
próprias ou de instituições privadas contratadas. Sempre que a complexidade do próprio orçamento para as ações e serviços de saúde de sua população.
problema extrapolar a capacidade do município resolvê-lo, o próprio município deve
enviar o paciente para outro mais próximo, capaz de fornecer a assistência adequada, Assim, cada município irá gerir os recursos federais repassados a ele, os
ou encaminhar o problema para suportes regionais estaduais nas áreas de estaduais repassados a ele e os seus próprios recursos alocados pelo governo
alimentação, saneamento básico, vigilância epidemiológica e vigilância sanitária. municipal para o investimento e custeio das ações e serviços de saúde de âmbito

63
municipal. Também das referências, os municípios administrarão os recursos para comunidade. Essas ações podem ser desenvolvidas pelo governo, empresas,
saúde através de Fundos Municipais de Saúde. associações comunitárias e indivíduos, visando a redução de fatores de risco que
provocam determinadas doenças. Essas ações se dariam, basicamente, através da
É importante a idéia dos fundos para assegurar que os recursos da saúde educação em saúde, vigilância sanitária legislação específica.
sejam geridos pelo setor saúde, e não pelas Secretarias de Fazenda, em caixa único,
estadual ou municipal, sobre o qual a Saúde não tem poder.

Hoje, a maior parte dos recursos aplicados em Saúde tem origem na Vigilância Epidemiológica
Previdência Social. Esta tendência deverá alterar-se até que se chegue a um
equilíbrio das três esferas de governo em relação ao financiamento da saúde. Para A vigilância epidemiológica tem como objetivo obter informações necessárias
tanto, os estados e municípios deverão aumentar os seus gastos com saúde atingindo para conhecer, perceber e prevenir qualquer alteração nas causas internas e externas
em torno de 10% de seus respectivos orçamentos, e a União deverá elevar a que provocam o aparecimento das doenças. Exemplos: insalubridade do meio
participação do seu orçamento próprio, de acordo com as necessidades do ambiente, doenças de notificação obrigatório, morbimortalidade na população
financiamento, a serem indicadas pelo processo do planejamento-orçamentação ambulatorial e hospitalar, etc. Essas informações são obtidas através de coleta e
ascendente. análise de dados nos diversos níveis de complexidade dos serviços de Saúde. A
interpretação dos dados obtidos subsidiam a formulação de estratégias de controle e
IV – QUAIS AS AÇÕES A SEREM DESENVOLVIDAS?
de planejamento para a área, e essa ação acontece nos níveis municipal, estadual e
Historicamente, atenção à saúde no Brasil vem sendo desenvolvida através federal.
da prestação de serviços médicos individuais, com enfoque curativo, a partir da
Vigilância Sanitária
procura espontânea pelos serviços.
A Vigilância Sanitária abrange atividades que visam garantir a qualidade de
O conceito abrangente de saúde, definido na nova Constituição, deverá
produtos que são consumidos, a qualidade do meio ambiente e dos serviços utilizados
nortear a mudança progressiva de ações de promoção, proteção da saúde e
pela população, para prevenção e controle dos fatores adversos à saúde.
prevenção das doenças, além das ações de sua recuperação.
Estão sujeitos a essa vigilância restaurantes, hotéis, unidades prestadoras de
O setor deve desenvolver ações que visem a redução dos fatores de risco
serviços de Saúde, locais e condições de trabalho, linhas de fabricação de produtos,
através de:
alimentos, medicamentos e situação do meio ambiente.
- métodos que não dependem exclusivamente da participação do indivíduo,
Educação em Saúde
desenvolvendo ações a nível da comunidade, e participando de políticas
intersetoriais que possam interferir direta ou indiretamente na saúde da
população. Exemplos: suplementação alimentar, educação em saúde, Sob o enfoque do desenvolvimento de ações junto ao fatores de risco de
saneamento básico em comunidades, etc. adoecer, a educação para a saúde da população tem papel relevante e prioritário no
sentido da criação e fortalecimento de mecanismos individuais de prevenção dos
- ações de prevenção individual, proporcionando condições para o indivíduo agravos e proteção da saúde. Deve-se estimular a população a optar por hábitos de
evitar e/ou minimizar os fatores de risco à sua saúde. Exemplos: imunização, vida mais saudáveis (alimentação, exercício físico, higiene), evitando fatores de riscos
escovação de dentes, preservativos contra AIDS, etc. à saúde, como álcool, drogas etc.

A partir do levantamento do perfil epidemiológico da população, conhecendo as


doenças que mais ocorrem e afetam a saúde da população e quais as suas causas,
deverão ser planejadas as seguintes ações: vigilância sanitária, controle de vetores e
saneamento básico, as quais serão exercidas diretamente no meio ambiente e na

64
Legislação específica normalizados alguns procedimentos a serem dirigidos especialmente a situações de
risco, com a finalidade de intensificar a promoção, proteção e recuperação da saúde.
A legislação específica, voltada para a promoção e proteção da saúde, Daí vem o conceito e prática dos programas de saúde, que são parte da produção
embora envolva setores aparentemente não relacionados com a área, deve ser geral das ações de saúde pelas instituições, unidades e profissionais da área. Como
utilizada como um meio de regulamentar fatores que influenciam a saúde da tal, os programas de Saúde são eficientes para a população-alvo somente quando
população, tais como trânsito, funcionamento de fábricas e empresas, normas nacionais e estaduais respeitam as condições sociais, epidemiológicas,
comercialização de produtos e combate à criminalidade e violência institucionais e culturais existentes ao nível regional ou microregional, passando por
adaptações e até recriações nestes níveis.
Os atuais códigos sanitários dos estados devem ser atualizados em função
da Lei Orgânica da Saúde, da descentralização e de novas tecnologias. VOLUME II

Atendimento nos estabelecimentos prestadores de serviços ambulatoriais e I – ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES NA ORGANIZAÇÃO DO SUS A
hospitalares NÍVEL LOCORREGIONAL
1. Se o perfil epidemiológico é quem orienta as ações do plano, é a rede de
As ações de prevenção, detecção precoce, tratamento e reabilitação devem serviços de saúde quem executa tais ações. Portanto, a organização do sistema
ser desenvolvidas pelos serviços de saúde, que devem ser organizados de forma a de saúde é fundamental para execução do Plano e, consequentemente, deve ser
oferecer resolutividade (soluções) em todos os níveis de complexidade. As ações de priorizada no planejamento.
Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária e Controle de Vetores são exercidas 2. O SUS é um processo em construção e os conceitos, os tipos de unidades e
tipicamente na comunidade e no meio ambiente, através de vários procedimentos os parâmetros selecionados e apresentados neste documento para elaboração
técnicos adequados, e são exercidas (ou desencadeada) também, no atendimento de do planejamento e conseqüente organização dos serviços devem ser construídos
rotina em todas as unidade ambulatoriais e hospitalares. De todo modo, nestas ou readequados em função de cada realidade específica. Assim, são pontos de
unidades, as ações típicas são consultas médicas e odontológicas, a imunização, o partida e de referência para o dimensionamento, adequação e organização da
atendimento de enfermagem, exames diagnósticos e o tratamento, inclusive em rede de serviços, à luz do perfil epidemiológico, recursos disponíveis, carências e
regime de internação, e em todos os níveis de complexidade. especificidade de cada realidade loco-regional.
A realização de todas essas ações para a população deve corresponder às 3. Cada município, ou conjunto de municípios, levantará os seus problemas de
suas necessidades básicas, e estas transparecem tanto pela procura aos serviços saúde e buscará com responsabilidade as soluções, evitando a má distribuição
(demanda) como pelos estudos epidemiológicos e sociais de cada região dos equipamentos, de recursos humanos e das unidades de saúde. É preciso
(planejamento da população de serviços). ultrapassar a ociosidade e o obsoletismo de capacidade instalada da rede pública
de serviços.
Programas de Saúde 4. Importante lembrar que o modelo de saúde pretendido deverá ser construído
a partir das diretrizes e princípios fundamentais do SUS, formalizados na
Existem grupos populacionais que estão mais expostos a riscos na sua Constituição da República. Constituições Estaduais e Leis Orgânicas das três
saúde. Isto é evidenciado pelos registros disponíveis de morbimortalidade, como, por esferas de poder.
exemplo menores de 1 ano, gestantes, idosos, trabalhadores urbanos e rurais sob 5. Os municípios deverão encontrar fórmulas próprias para organizar a rede de
certas condições de trabalho, etc. A intensidade e peculiaridade dessa exposição serviços e desenvolver o modelo de saúde de acordo coma as peculiaridades
variam bastante com os níveis sociais e características epidemiológicas de cada locorregionais.
região e, muitas vezes, da microregião. A exposição a riscos pode também ser vista e 6. Dentre os modelos que vêm sendo desenvolvidos, destaca-se a proposta do
entendida em função de cada doença, como no caso da tuberculose, câncer, Distrito da Saúde.
hanseníase, doenças cardiovasculares, AIDS e outras. Portanto, no planejamento da
produção das ações de educação em saúde e de vigilâncias epidemiológica, vigilância Distrito de Saúde – pode ser a unidade mínima operacional e administrativa
sanitária, controle de vetores e atendimento ambulatorial e hospitalar, devem ser do Sistema Único de Saúde, implicando numa delimitação geográfico-populacional

65
concreta, norteada pelos princípios básicos do SUS. Deve ser resultante das regular do sistema. Compreendo o atendimento elementar e a atenção primária, deve
experiências e iniciativas dos municípios. É um resultado a que deverá se chegar em atender de forma imediata e sem burocracia, todas as pessoas que buscam a
algum momento do processo de descentralização e municipalização, em cada unidade, com maior resolubilidade possível. Os serviços que atendem as urgências e
realidade estadual ou regional. A esfera estadual do SUS deverá se limitar ao apoio emergências compõem também a “porta de entrada”, inclusive porque devem orientar
técnico e articulação com os municípios, tendo em vista as diretrizes e princípios do seus egressos para acompanhamento nos demais níveis do sistema.
SUS e a configuração do SUS na unidade federada. Por isso, o sistema loco-regional
ou Distrito de Saúde – ou outro nome que venha Ter – não deve ser precipitado “de Os tipos de estabelecimentos que compõem a “porta de entrada” do sistema
cima para baixo”, nem tampouco pretender vir a ser o “quarto poder”, acima do poder são os postos de saúde, centros de saúde e unidades de emergência.
municipal.
Cabe os profissionais destas unidades identificar os usuários pertencentes a
O distrito de Saúde deverá abarcar um conjunto de recursos de saúde, grupos de risco por faixa etária ou morbidade, e agendá-los para atendimento no
públicos e privados, que se articularão através de mecanismos político-administrativos programas, de acordo com prioridades estabelecidas, local e regionalmente, bem
sob comando único a nível governamental, contando com a participação da população como para o desencadeamento de ações de vigilância epidemiológica e sanitária.
organizada em sua gestão. Assim configurado, o Distrito de Saúde deverá estar
capacitado a desenvolver ações integrais de Saúde, capazes de resolver a maior 2- FLUXO DOS USUÁRIOS NO SISTEMA
quantidade possível de problemas de Saúde com um enfoque epidemiológico-social.
A esquematização do “caminho” dos usuários no sistema foi feito com o
A construção do Distrito de Saúde envolve processos de natureza política, objetivo de facilitar a forma de acesso dos usuários aos serviços, com atendimento
normativa, gerencial, organizativa e operacional e podem resultar em 3 modelos imediato, sem burocracia e com acesso a todos os níveis.
básicos:
O “caminho” dos usuários no sistema, que chamaremos de fluxo, se dá de
- Distrito de Saúde correspondente à base territorial, populacional, administrativa duas formas:
e sanitária igual ao município, abrangendo o conjunto de serviços públicos e
privados sob a direção da secretaria municipal de Saúde; - fluxo interno às unidades de serviços e
- Distrito de Saúde correspondente a uma parte de um municípios; geralmente
de média e alta densidade populacional, que permite a divisão dos serviços de - fluxo externo entre as unidades de serviço (referência e contra-referência).
Saúde no âmbito municipal;
FLUXO INTERNO
- Distrito de Saúde correspondente ao conjunto de vários municípios
pequenos, que tenham fácil comunicação entre si, permitindo integração de Conforme já mencionado no item anterior, a “porta de entrada” do Sistema é
serviços, garantindo o acesso à população. Dessa forma, municípios constituída pelas unidades de assistências primária, que atenderão a todas as
pertencentes a uma mesma região poderão formar um consórcio ou outra forma pessoas, sendo que os usuários que pertencem à área programática da unidade
de associativismo municipal, visando a integração da assistência à saúde nos devem ser registrados e possuir um prontuário, através do qual se possa fazer o
níveis secundários e terciários. Cada município deverá continuar se acompanhamento de sua história clínica.
responsabilizando pelo atendimento primário.
Os problemas que não podem ser resolvidos pela unidade – consultas
especializadas e internações – deverão ser encaminhados para outras unidades de
II – ALGUNS ASPECTOS FUNCIONAIS IMPORTANTES maior complexidade, para os ambulatórios de especialidades ou para os hospitais.

1- “PORTA DE ENTRADA” DO SISTEMA

O primeiro nível de assistência caracteriza-se pelo fato de permitir o acesso


direto da população às unidades de saúde, constituindo-se em PORTA DE ENTRADA

66
FLUXO EXTERNO

O fluxo externo, que constitui o sistema de referência e contra-referência de


casos, visa a assistência integral às necessidades de saúde da população.

Entende-se por referência o ato de encaminhamento de um paciente


atendido em um determinado estabelecimento de saúde a outro de maior
complexidade. A referência deverá sempre ser feita após a constatação de
insuficiência de capacidade resolutiva e segundo normas e mecanismos
preestabelecidos. O encaminhamento deverá ser acompanhado com todas as
informações necessárias ao atendimento do paciente (formulário com resumo da
história clínica, resultado de exames realizados, suposição diagnóstica, etc.) e a
garanti, através de agendamento prévio, do atendimento na unidade para o qual foi
encaminhado.

Por contra-referência entende-se o ato de encaminhamento de um paciente


ao estabelecimento de origem (que o referiu) após resolução da causa responsável
pela referência. A contra-referência do paciente deverá sempre ser acompanhada das
informações necessárias ao seguimento ou acompanhamento do paciente no
estabelecimento de origem onde, juntamente com seus familiares, será atendido nas
suas necessidades básicas de saúde.

Para que o sistema de referência e contra-referência funcione é fundamental


um boa articulação entre as unidades do sistema local e regional, a partir do
estabelecimento do comando e coordenação únicos em cada nível, com definição
clara das atribuições de cada unidade dentro do sistema, de acordo com os princípios
de regionalização e hierarquização. Em áreas complexas, a existência de centrais de
marcação de consultas especializadas e de internações hospitalares facilita este
sistema.

67
O SUS PODE SER SEU MELHOR PLANO DE SAÚDE O orçamento do SUS conta com menos de R$ 20,00 reais mensais por pessoa. Isso é
dez vezes menos do que é destinado pelos sistemas de saúde dos países
Esta publicação, uma iniciativa do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) com o apoio da desenvolvidos e bem abaixo do valor de qualquer mensalidade de um plano de saúde.
Fundação Rockfeller, é destinada a informar e orientar os cidadãos sobre seus direitos às ações e Por outro lado, os planos privados de saúde, que atendem 35 milhões de brasileiros,
aos serviços de saúde. A sua distribuição é gratuita. Autorizamos a reprodução. estão longe de representar a solução para a saúde no Brasil. É ilusão achar que os
São Paulo – Brasil 2003
planos prestam serviços de qualidade. Além de custarem caro, muitas vezes negam o
atendimento quando o cidadão mais precisa: deixam de fora medicamentos, exames,
Apresentação
cirurgias e muitas vezes dificultam o atendimento dos cidadãos idosos, dos pacientes
Todos os brasileiros e brasileiras, desde o nascimento, têm direito aos serviços de
crônicos, dos portadores de patologias e deficiências.
saúde gratuitos. Mas ainda faltam recursos e ações para que o sistema público atenda
Alguns donos de planos de saúde já compararam os doentes e idosos a “carros
com qualidade toda a população.
batidos”. Como só visam o lucro, eles preferem ter como “clientes” apenas os jovens e
Você, que utiliza esses serviços, conhece bem as dificuldades e pode se valer desta
os sadios.
cartilha para conhecer seus direitos e exigir que eles sejam cumpridos. Esta publicação
também é de muita utilidade para quem possui um plano de saúde. Se você fez essa
Compare a diferença entre os dois sistemas
opção, deve ter sido porque o sistema público ainda não funciona como deveria e
porque tem condições econômicas para tanto. Mas, certamente, você não deve estar
PLANOS DE SAÚDE SUS
satisfeito com a idéia de pagar impostos para não receber nada em troca e, ao mesmo
tempo, pagar mensalidades altas para ter um plano que, ainda por cima, tem Só tem direito quem adere ao plano Todos têm direito, desde o nascimento
limitações, impõe dificuldades, enfim, deixa muito a desejar. Só tem direito quem pode pagar Os serviços são gratuitos
O Idec sempre atuou na defesa dos usuários de planos de saúde e continuará nessa A finalidade é o lucro A finalidade é a promoção e a
batalha. Mas, por não acreditar que os planos sejam a solução, nem para os atuais recuperação da saúde
usuários muito menos para toda a população, é que decidimos participar da luta pela Quem paga mais, recebe mais e melhores Não há discriminação. Todos têm direito
melhoria dos serviços públicos. O Idec espera que, um dia, os consumidores deixem de serviços a todos os serviços
ser reféns dos planos de saúde e possam fazer valer o dinheiro pago com seus Idosos pagam mais caro Não há discriminação
impostos.
Doentes sofrem restrições e precisam Não há discriminação
Vale ressaltar que, em alguma medida, mesmo quem tem um plano de saúde é
também usuário do SUS, já que se beneficia das campanhas de vacinação; das ações pagar mais caro para ter atendimento
de prevenção e de vigilância sanitária (como controle de sangue e hemoderivados, Há carências de até 2 anos Não existem carências
registro de medicamentos etc.); ou de eventual atendimento de alta complexidade, Só realiza atendimento médico-hospitalar Dá atendimento integral
quando este é negado pelo plano de saúde. Como você pode ver, o SUS não está tão Há planos que não cobrem internação e Dá atendimento integral
longe quanto parece. O Idec convida você a conhecer seus direitos, os avanços já parto
conquistados e ajudar a transformar o SUS no verdadeiro plano de saúde do Brasil. Há planos que não cobrem exames e Dá atendimento integral
Marilena Lazzarini procedimentos complexos
Coordenadora Executiva do Idec Em geral, os planos não cobrem doenças Não há restrições, apesar das
profissionais e acidentes de trabalho deficiências
O plano de saúde de todos os brasileiros
Não tem compromisso com a prevenção Realiza prevenção de doenças e
Há mais de 15 anos o Brasil vem implantando o Sistema Único de Saúde, o SUS,
criado para ser o sistema de saúde dos 170 milhões de brasileiros, sem nenhum tipo de de doenças campanhas educativas em saúde
discriminação. Está enganado quem pensa que o SUS se resume a consultas, exames Aposentados, ex-funcionários, ex- Pode ser utilizado independentemente de
e internações. O sistema hoje faz muito com poucos recursos e também se sindicalizados e ex-associados perdem qualquer situação ou vínculo empregatício
especializou em apresentar soluções para casos difíceis, como o atendimento aos direitos do plano coletivo com o tempo
doentes de Aids e os transplantes.

68
Você paga duas vezes, e ainda não fica satisfeito mesmo tempo, para o indivíduo e para a comunidade, para a prevenção e para o
Todos os cidadãos pagam mais de uma vez para ter acesso à saúde, mas, em geral, tratamento, sempre respeitando a dignidade humana.
nem o usuário do SUS, nem o consumidor de planos de saúde, está satisfeito com o -Garante eqüidade, pois deve oferecer os recursos de saúde de acordo com as
atendimento que recebe. necessidades de cada um; dar mais para quem mais precisa.
Boa parte do dinheiro para financiar o SUS vem de contribuições sociais de patrões e -É descentralizado, pois quem está próximo dos cidadãos tem mais chances de
empregados. Outra parte vem do pagamento de impostos embutidos no preço de acertar na solução dos problemas de saúde. Assim, todas as ações e serviços que
produtos e serviços (Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS) e também de atendem a população de um município devem ser municipais; as que servem e
impostos sobre o lucro (o Cofins), sobre os automóveis (o IPVA) e sobre a alcançam vários municípios devem ser estaduais e aquelas que são dirigidas a todo o
movimentação financeira (a CPMF). Os planos de saúde não são financiados apenas território nacional devem ser federais. O SUS tem um gestor único em cada esfera de
pelas mensalidades dos usuários ou pelas empresas que pagam o benefício para seus governo. A Secretaria Municipal de Saúde, por exemplo, tem que ser responsável por
funcionários. Indiretamente, eles recebem recursos públicos, como, por exemplo, por todos os serviços localizados na cidade.
meio dos planos de saúde contratados para funcionários públicos. -É regionalizado e hierarquizado: os serviços de saúde devem estar dispostos de
Além disso, os planos de saúde tiram muitas vantagens do SUS. Quando o plano nega maneira regionalizada, pois nem todos os municípios conseguem atender todas as
um atendimento (a negativa pode ou não estar prevista no contrato), como exames e demandas e todo tipo de problemas de saúde. Os serviços de saúde devem se
procedimentos caros e complexos, é o SUS quem acaba atendendo o cidadão. organizar regionalmente e também obedecer a uma hierarquia entre eles. As questões
Mesmo quando o paciente tem plano de saúde, o SUS atende todos os casos de menos complexas devem ser atendidas nas unidades básicas de saúde, passando
urgência e emergência que dão entrada nos hospitais públicos, a exemplo dos pelas unidades especializadas, pelo hospital geral até chegar ao hospital especializado.
acidentes de trânsito. Nestes casos, o SUS paga a conta que deveria ser da empresa -Prevê a participação do setor privado: as ações serão feitas pelos serviços públicos
de plano de saúde e poucas vezes é ressarcido pelo atendimento prestado. e de forma complementar pelo setor privado, preferencialmente pelo setor filantrópico e
Outro desvio é a prática ilegal da “fila dupla”, quando as unidades do SUS, sem fins lucrativos, por meio de contrato administrativo ou convênio, o que não
principalmente hospitais universitários, fazem parcerias com planos de saúde. Neste descaracteriza a natureza pública dos serviços.
caso, os usuários dos planos recebem atenção diferenciada, “furam” a longa fila de -Deve ter racionalidade: o SUS deve se organizar para oferecer ações e serviços de
espera do SUS de marcação de exames e consultas, passam na frente nas cirurgias e acordo com as necessidades da população e com os problemas de saúde mais
demais procedimentos, além de serem atendidos e até internados em melhores freqüentes em cada região. Uma cidade não pode, por exemplo, manter um hospital e
acomodações. não dispor de unidades básicas de saúde.
-Deve ser eficaz e eficiente: deve prestar serviços de qualidade e apresentar soluções
Conheça melhor o SUS, um direito de todos quando as pessoas o procuram ou quando há um problema de saúde coletiva. Deve
A saúde no Brasil é direito de todos e dever do Estado. Mais que isso, a saúde é item usar da racionalidade, utilizar as técnicas mais adequadas, de acordo com a realidade
de relevância pública, o que assegura a participação do Ministério Público na local e a disponibilidade de recursos, eliminando o desperdício e fazendo com que os
fiscalização do cumprimento das leis. O SUS é um sistema porque é formado por várias recursos públicos sejam aplicados da melhor maneira possível.
instituições dos três níveis de governo (União, estados e municípios) e pelo setor -Deve promover a participação popular: o SUS é democrático porque tem
privado, com o qual são feitos contratos e convênios para a realização de serviços e mecanismos de assegurar o direito de participação de todos os segmentos envolvidos
ações, como se fosse um mesmo corpo. Assim, o serviço privado (um hospital, por com o sistema - governos, prestadores de serviços, trabalhadores de saúde e,
exemplo), quando é contratado pelo SUS, deve atuar como se fosse público. principalmente, os usuários dos serviços, as comunidades e a população. Os principais
O SUS é único, porque tem a mesma filosofia de atuação em todo o território nacional e instrumentos para exercer esse controle social são os conselhos e as conferências de
é organizado de acordo com uma mesma lógica. saúde, que devem respeitar o critério de composição paritária (participação igual entre
Além disso, o SUS: usuários e os demais); além de ter caráter deliberativo, isto é, ter poder de decisão.
-É universal porque deve atender a todos, sem distinções, de acordo com suas
necessidades; e sem cobrar nada, sem levar em conta o poder aquisitivo ou se a O SUS já provou que pode dar certo
pessoa contribui ou não com a Previdência Social. Você já deve ter ouvido falar muito mal do SUS. Freqüentemente, jornais, rádios e TVs
-É integral, pois a saúde da pessoa não pode ser dividida e, sim, deve ser tratada apresentam o seu lado ruim: filas de espera, hospitais lotados e sucateados, situações
como um todo. Isso quer dizer que as ações de saúde devem estar voltadas, ao de mau atendimento, falta de remédios e outros problemas.

69
O lado bom do SUS é mesmo muito pouco conhecido, pois há preconceito, -Muitas vezes os profissionais não estão preparados para atender bem a população,
desinformação e até má fé de alguns setores que lucram com a exposição negativa dos sem contar que as condições de trabalho e de remuneração são geralmente muito
serviços públicos de saúde. Conheça alguns dos avanços e das conquistas do SUS: ruins. Isso também acontece nos planos de saúde, que remuneram mal os profissionais
-Dá assistência integral e totalmente gratuita para a população de portadores do HIV e credenciados.
doentes de Aids, renais crônicos e pacientes com câncer. -O atendimento às emergências está longe de ser o adequado, principalmente às
-Realiza, por ano, 2,4 consultas para cada brasileiro; 2,5 milhões de partos; 200 vítimas da violência e dos acidentes de trânsito.
milhões de exames laboratoriais; 6 milhões de ultra-sonografias. -São precários os serviços de reabilitação, o atendimento aos idosos, a assistência em
Na última década houve aumento da esperança de vida dos brasileiros; diminuição da saúde mental e os serviços odontológicos. Nos planos de saúde, a situação não é
mortalidade e da desnutrição infantil; eliminação da varíola e da poliomielite; controle muito diferente: é comum a restrição aos serviços de reabilitação, à saúde mental e os
da tuberculose infantil, tétano, sarampo e de muitas doenças que podem ser serviços odontológicos, normalmente, são excluídos. Os idosos, por sua vez, sofrem
prevenidas com vacinação. com os altos preços das mensalidades.
-Mantém 500.000 profissionais de saúde, 6.500 hospitais, 487.000 leitos, onde são -De acordo com pesquisas realizadas pelo Idec, em 2002, apenas 54% de 61
realizadas mais de um milhão de internações por mês. Conta com 60.000 unidades medicamentos básicos estavam disponibilizados em centros de saúde de 11 cidades.
básicas de saúde, que realizam 350 milhões de atendimentos por ano. Outra pesquisa do Idec demonstrou que em alguns municípios os usuários precisam
Realiza 85% de todos os procedimentos de alta complexidade do país. Em 2000, fez 72 chegar de madrugada ou retornar várias vezes para marcar um exame preventivo.
mil cirurgias cardíacas, 420 mil internações psiquiátricas, 90 mil atendimentos de
politraumatizados no sistema de urgência emergência, 7.234 transplantes de órgãos. Faltam recursos e políticas sociais
-O Programa Saúde da Família do SUS contava com mais de 16.000 equipes no final A saúde da população não depende somente do SUS, mas também de investimento de
de 2002, atendendo 55 milhões de pessoas, presente em 90% dos municípios recursos, de políticas econômicas e sociais. A garantia de emprego, salário, casa,
brasileiros. comida, educação, lazer e transporte interfere nas condições de saúde e de vida.
-Realiza por ano 165.000 cirurgias de catarata; distribui 200 milhões de preservativos; Saúde não é só atendimento médico, mas também prevenção, educação, recuperação
realiza campanhas educativas; ações de vigilância sanitária de alimentos e e reabilitação. Além disso, veja só o que está por trás das dificuldades do SUS:
medicamentos; além do controle de doenças e epidemias. -O orçamento público destinado ao SUS é insuficiente, o que fica pior com a política
-Os brasileiros que conseguem ser atendidos pelo SUS estão satisfeitos com o econômica do governo; a CPMF criada para melhorar a saúde, acabou sendo usada
tratamento que recebem. Pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em 2001, com 110 para outros fins; há estados e municípios que descumprem a Constituição e não
mil usuários internados pelo SUS, mostra que 85% consideram excelente ou bom o destinam os recursos previstos para a saúde.
atendimento oferecido pelo hospital. -Parte do dinheiro da saúde, que já é pouco, está sendo desviada para pagamento de
-Outra pesquisa, do Ibope, revelou que a metade da população acredita que a salários de aposentados, pagamento de dívidas, obras de outros setores e até
implantação do SUS está dando certo e 41% admitem que a qualidade dos serviços pagamento de planos privados de saúde para funcionários públicos.
vem melhorando. -A implantação do SUS esbarra na falta de vontade política de muitos governantes e na
falta de organização da sociedade, especialmente aqueles mais pobres e
Não são poucas as dificuldades do SUS marginalizados, que têm dificuldades de mobilização para pressionar as autoridades.
As dificuldades do SUS são conhecidas, mas não podem ser generalizadas. Muitos
municípios, que assumiram a saúde de seus cidadãos, que respeitam a lei e investem
recursos próprios, estão conseguindo prestar atendimento com qualidade e dignidade a Está tudo na Constituição. Só falta cumprir.
toda a população. Todos nós podemos dar uma contribuição, pois ainda persistem Resultado de muita luta e mobilização da sociedade, a Constituição Brasileira
muitos problemas que precisam ser enfrentados: reconheceu a saúde com um direito de cidadania e instituiu um sistema de saúde que
-Muita gente não consegue ter acesso ao SUS. Em algumas cidades, principalmente precisa ser implementado.
nos grandes centros, é longa a fila de espera para consultas, exames e cirurgias. Com base na Constituição Federal; na Lei 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde; na Lei
Dependendo do local, é comum não haver vagas para internação, faltam médicos, 8142/90, que trata da participação da sociedade e do financiamento da saúde; e nas
pessoal, medicamentos e até insumos básicos. Também é grande a demora nos demais leis que de alguma forma relacionam-se com o tema, o Idec elencou os
encaminhamentos e na marcação para serviços mais especializados.

70
principais direitos dos usuários de ações e serviços de saúde. Conheça de perto esses -Ter, se desejar, uma segunda opinião ou parecer de outro profissional ou serviço
direitos e passe a lutar por eles no seu dia a dia. sobre seu estado de saúde ou sobre procedimentos recomendados, em qualquer fase
São seus direitos: do tratamento, podendo, inclusive, trocar de médico, hospital ou instituição de saúde.
-Ter acesso ao conjunto de ações e serviços necessários para a promoção, a proteção -Participar das reuniões dos conselhos de saúde; das plenárias das conferências de
e a recuperação da sua saúde. saúde; dos conselhos gestores das unidades e serviços de saúde e outras instâncias
-Ter acesso gratuito, mediante financiamento público, aos medicamentos necessários de controle social que discutem ou deliberam sobre diretrizes e políticas de saúde
para tratar e restabelecer sua saúde. gerais e específicas.
-Ter acesso ao atendimento ambulatorial em tempo razoável para não prejudicar sua -Ter acesso a informações claras e completas sobre os serviços de saúde existentes
saúde. Ter à disposição mecanismos ágeis que facilitem a marcação de consultas no seu município. Os dados devem incluir endereços, telefones, horários de
ambulatoriais e exames, seja por telefone, meios eletrônicos ou pessoalmente. funcionamento, mecanismos de marcação de consultas, exames, cirurgias,
-Ter acesso a centrais de vagas ou a outro mecanismo que facilite a internação profissionais, especialidades médicas, equipamentos e ações disponíveis, bem como
hospitalar, sempre que houver indicação, evitando que, no caso de doença ou gravidez, as limitações de cada serviço.
você tenha que percorrer os estabelecimentos de saúde à procura de um leito. -Ter garantidos a proteção de sua vida privada, o sigilo e a confidencialidade de todas
-Ter direito, em caso de risco de vida ou lesão grave, a transporte e atendimento as informações sobre seu estado de saúde, inclusive diagnóstico, prognóstico e
adequado em qualquer estabelecimento de saúde capaz de receber o caso, tratamento, assim como todos os dados pessoais que o identifiquem, seja no
independente de seus recursos financeiros. Se necessária, a transferência somente armazenamento, registro e transmissão de informações, inclusive sangue, tecidos e
poderá ocorrer quando seu quadro de saúde tiver estabilizado e houver segurança para outras substâncias que possam fornecer dados identificáveis. O sigilo deve ser mantido
você. até mesmo depois da morte. Excepcionalmente, poderá ser quebrado após sua
-Ser atendido, com atenção e respeito, de forma personalizada e com continuidade, em expressa autorização, por decisão judicial, ou diante de risco à saúde dos seus
local e ambiente digno, limpo, seguro e adequado para o atendimento. descendentes ou de terceiros.
-Ser identificado e tratado pelo nome ou sobrenome e não por números, códigos ou de -Ser informado claramente sobre os critérios de escolha e seleção ou programação de
modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso. pacientes, quando houver limitação de capacidade de atendimento do serviço de
-Ser acompanhado por pessoa indicada por você, se assim desejar, nas consultas, saúde. A prioridade deve ser baseada em critérios médicos e de estado de saúde,
internações, exames pré-natais, durante trabalho de parto e no parto. No caso das sendo vetado o privilégio, nas unidades do SUS, a usuários particulares ou
crianças, elas devem ter no prontuário a relação de pessoas que poderão acompanhá- conveniados de planos e seguros saúde.
las integralmente durante o período de internação. -Receber informações claras, objetivas, completas e compreensíveis sobre seu estado
-Identificar as pessoas responsáveis direta e indiretamente por sua assistência, por de saúde, hipóteses diagnósticas, exames solicitados e realizados, tratamentos ou
meio de crachás visíveis, legíveis e que contenham o nome completo, a profissão e o procedimentos propostos, inclusive seus benefícios e riscos, urgência, duração e
cargo do profissional, assim como o nome da instituição. alternativas de solução. Devem ser detalhados os possíveis efeitos colaterais de
-Ter autonomia e liberdade para tomar as decisões relacionadas à sua saúde e à sua medicamentos, exames e tratamentos a que será submetido. Suas dúvidas devem ser
vida; consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e com adequada informação prontamente esclarecidas.
prévia, procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou outros atos médicos a serem -Ter anotado no prontuário, em qualquer circunstância, todas as informações
realizados. l Se você não estiver em condição de expressar sua vontade, apenas as relevantes sobre sua saúde, de forma legível, clara e precisa, incluindo medicações
intervenções de urgência, necessárias para a preservação da vida ou prevenção de com horários e dosagens utilizadas, risco de alergias e outros efeitos colaterais,
lesões irreparáveis, poderão ser realizadas sem que seja consultada sua família ou registro de quantidade e procedência do sangue recebido, exames e procedimentos
pessoa próxima de confiança. Se, antes, você tiver manifestado por escrito sua vontade efetuados. Cópia do prontuário e quaisquer outras informações sobre o tratamento
de aceitar ou recusar tratamento médico, essa decisão deverá ser respeitada. devem estar disponíveis, caso você solicite.
-Ter liberdade de escolha do serviço ou profissional que prestará o atendimento em -Receber as receitas com o nome genérico dos medicamentos prescritos,
cada nível do sistema de saúde, respeitada a capacidade de atendimento de cada datilografadas, digitadas ou escritas em letra legível, sem a utilização de códigos ou
estabelecimento ou profissional. abreviaturas, com o nome, assinatura do profissional e número de registro no órgão de
controle e regulamentação da profissão.

71
-Conhecer a procedência do sangue e dos hemoderivados e poder verificar, antes de Conselhos e Conferências de Saúde
recebê-los, o atestado de origem, sorologias efetuadas e prazo de validade. Como funciona
-Ser prévia e expressamente informado quando o tratamento proposto for experimental Obrigatórios por lei nos três níveis de governo (municípios, estados e União), os
ou fizer parte de pesquisa, o que deve seguir rigorosamente as normas de conselhos de saúde contam com a participação de representantes da sociedade e têm
experimentos com seres humanos no país e ser aprovada pelo Comitê de Ética em a tarefa de fiscalizar e definir diretrizes para a execução das políticas de saúde. Metade
Pesquisa (CEP) do hospital ou instituição. dos conselheiros tem que ser representantes dos usuários dos serviços de saúde.
-Não ser discriminado nem sofrer restrição ou negação de atendimento, nas ações e Todos os Estados têm Conselho Estadual de Saúde e a maioria dos municípios tem
serviços de saúde, em função da idade, raça, gênero, orientação sexual, características Conselho Municipal de Saúde, que funcionam junto às secretarias de saúde, mas são
genéticas, condições sociais ou econômicas, convicções culturais, políticas ou autônomos e independentes.
religiosas, do estado de saúde ou da condição de portador de patologia, deficiência ou Já as Conferências de Saúde, também asseguradas em lei, acontecem
lesão preexistente. periodicamente, são abertas à sociedade e representam o mais importante espaço de
-Ter um mecanismo eficaz de apresentar sugestões, reclamações e denúncias sobre controle social na área da saúde.
prestação de serviços de saúde inadequados e cobranças ilegais, por meio de Quando procurar
instrumentos apropriados, seja no sistema público, conveniado ou privado. Os conselhos podem receber denúncias sobre o atendimento precário nos serviços de
-Recorrer aos órgãos de classe e conselhos de fiscalização profissional visando à saúde; desvios de recursos e cobrança pela prestação de serviços públicos. Além
denúncia e posterior instauração de processo ético-disciplinar diante de possível erro, disso, recebem sugestões para a melhoria dos serviços, ações e políticas de saúde, o
omissão ou negligência de médicos e demais profissionais de saúde durante qualquer que também pode ser feito durante as conferências de saúde. Mas saiba que os
etapa do atendimento ou tratamento conselhos podem agir para corrigir o problema coletivo, mas não poderão resolver seu
caso individual, ou seja, não têm como solucionar de imediato a demora de sua
Onde e como fazer valer seus direitos consulta, exame ou cirurgia, fornecer medicamentos, reparar eventuais danos morais e
Agora que você já conhece seus direitos, precisa saber como exigi-los no dia a dia, materiais.
toda vez que não forem respeitados. Em geral, o caminho não é fácil e requer uma Para acionar
grande disposição. Mas vale a pena! Ao reivindicar o cumprimento da lei, você busca Por meio de carta dirigida ao Conselho de Saúde. Ou pessoalmente, pois as reuniões
resolver o seu problema pessoal, e também contribui para a melhoria dos serviços e dos conselhos e as plenárias das conferências são públicas, abertas a todos os
ações de saúde para toda a comunidade. interessados. Você pode também procurar um conselheiro de saúde representante dos
Indicamos a seguir os principais órgãos para a solução das situações indesejadas que usuários, que será seu porta voz.
o cidadão pode enfrentar, e, quando possível, endereços que poderão também ajudar *Informações sobre os Conselhos e Conferências podem ser obtidas junto ao Conselho
você a encontrar os contatos estaduais e municipais. Além disso, elaboramos modelos Nacional de Saúde: Esplanada dos Ministérios, Bloco G, Anexo, Ala B. 1º and. - salas
de cartas, representações ao Ministério Público e ações judiciais para facilitar a 128 a 147 - CEP 70058-900 - Brasília – DF. Tel.: (61) 315-2150/315-2151 Fax: (61)
reivindicação do seu direito. Os principais modelos de cartas estão aqui reproduzidos. 315-2414/315-2472. E-mail: cns@saude.gov.br / Site: http//conselho.saúde.gov.br
Já os modelos de representações e ações judiciais estão disponíveis na Internet, no
site www.idec.org.br. Conselhos Gestores
Em diversos casos, mais de uma atitude pode ser tomada, mas é sempre aconselhável Como funciona
que a primeira delas seja formalizar seu pedido, o que pode ser feito por meio de uma Vários municípios já contam com Conselhos Gestores em hospitais, ambulatórios,
carta dirigida tanto ao responsável pela unidade de saúde ou hospital, conforme o caso, postos e unidades de saúde. Criados geralmente por lei municipal, são compostos por
quanto ao secretário municipal de saúde. Além disso, o usuário pode reclamar junto ao três partes (por isso são chamados tripartite): os usuários, ou seja, a população que
Conselho de Saúde local; enviar uma representação solicitando que o Ministério utiliza os serviços de saúde; os funcionários da unidade de saúde; e a administração, a
Público cuide do problema ou ainda propor uma ação judicial. direção do estabelecimento de saúde Os membros do Conselho Gestor discutem e
Na situação concreta, o cidadão, após ler o que é e o que faz cada órgão, deve decidir decidem sobre a prestação de serviços e atendimento na unidade; planejam e avaliam
quais as melhores alternativas a serem seguidas. a qualidade do atendimento e, principalmente, recebem diretamente as queixas da
população que é atendida naquele lugar. Além do Conselho Gestor, em alguns locais,
existem os Conselhos Comunitários de Saúde, que têm a função de conscientizar os

72
moradores sobre as lutas do bairro e contribuir para a melhoria dos serviços de saúde. Telefones 0800 ou Disque Saúde
Os conselhos locais, de unidades e de bairros, geralmente, estão ligados ao Conselho Como funciona
Municipal de Saúde. O Ministério da Saúde mantém o Disque Saúde que funciona 24 horas, com ligação
Quando procurar gratuita. Além de orientações sobre prevenção e tratamento de doenças, é possível
Para apresentar um problema específico da unidade de saúde onde você buscou ou obter informações sobre telefones 0800 municipais, sobre onde fazer denúncias
recebeu atendimento. relacionadas a medicamentos falsos e reclamações sobre serviços prestados na rede
Para acionar pública. Em São Paulo e outros estados existe o Disque SUS que funciona como um
Após se informar do dia e horário das reuniões, procure pessoalmente um conselheiro. canal de acesso da população para queixas sobre o SUS.
Conselhos Gestores Quando procurar
Para reclamações e denúncias de violações de seus direitos enquanto usuário do SUS;
Diretor Chefe de Serviço e Secretário de Saúde para dúvidas sobre prevenção e tratamento de doenças; para obter informações sobre
Como funciona marcação de consultas, acesso a medicamentos, doação de sangue, transplantes
Todo serviço ou unidade de saúde obrigatoriamente tem um chefe ou diretor, que é um etc.
profissional de saúde, geralmente médico, responsável pela administração e pleno Para acionar
funcionamento do serviço. Todos os serviços de saúde do SUS estão subordinados às Ligue de qualquer telefone. Disque Saúde 24 horas do Ministério da Saúde: 0800 –
secretarias municipais ou estaduais de saúde. 611997 (ligação gratuita de todo o país). Disque SUS/SP (11) 3081-2817 (ligação
Quando procurar cobrada)
No caso de reclamações sobre falta e despreparo de profissionais, mau atendimento,
descumprimento de horários, filas de espera, demora, desorganização do serviço, falta Ministério Público
de aparelhos, equipamentos, medicamentos e insumos (gaze, esparadrapo, seringas Como funciona
descartáveis etc). É o órgão que atua na proteção e na defesa dos direitos e interesses da sociedade,
Para acionar como é o caso da saúde. Quando recebe informações sobre casos de desrespeito aos
Procure saber o nome do Diretor e escreva uma carta endereçada a ele, apresentando direitos sociais, o Ministério Público (MP) pode instaurar um procedimento (inquérito
sua queixa. Envie uma cópia ao Secretário Municipal ou Estadual da Saúde. Insista civil) para ouvir quem eventualmente causou o dano e levantar provas. Quando tiver
para que você tenha uma resposta rápida e satisfatória. evidências de uma conduta prejudicial a um ou mais cidadãos, o MP pode fazer um
termo de ajustamento de conduta (um acordo) ou mesmo ingressar com ação na
Ouvidoria Justiça. Tendo em vista a importância do direito à saúde, e que, provavelmente, a falha
Como funciona na prestação dos serviços neste setor atinge várias pessoas, o MP é um importante
Vários hospitais, serviços e órgãos públicos de saúde mantém ouvidoria, que tem a recurso do usuário do SUS. Existe o Ministério Público Federal e o Estadual, sendo que
função de ouvir os usuários, apurando as denúncias e apresentando soluções em ambos têm competência para atuar nas questões relacionadas à saúde.
relação ao problema levantado. A ouvidoria recebe e analisa as reclamações e as Quando procurar
sugestões dos usuários, encaminhando o problema aos setores competentes. Sempre que você tiver informações sobre má qualidade do atendimento, falta de
Acompanha também as providências adotadas, cobra soluções e mantém o usuário medicamentos, deficiências de serviços de saúde e desvios de recursos.
informado. Para acionar
Quando procurar Por meio de uma representação, que é um documento escrito que conta o problema e
Diante da insatisfação quanto ao atendimento e aos serviços prestados. Exija da solicita providências, ou comparecendo pessoalmente ao Ministério Público, onde
ouvidoria uma resposta rápida e satisfatória. haverá alguém para tomar seu depoimento. No site do Idec, www.idec.org.br, estão
Para acionar disponíveis alguns modelos de representações que poderão auxiliar no
Dirija-se diretamente ao ouvidor, por telefone ou por meio de carta. Pergunte no encaminhamento de suas informações ou denúncias.
estabelecimento de saúde como entrar em contato com a ouvidoria. Ministério Público Federal - Procuradoria Geral da República
SAF - Sul, Quadra 04, Conj. C - Cep:70050-900 - Brasília / DF Tel: (61) 3031-5100
Site: www.pgr.mpf.gov.br

73
Em São Paulo JEC só é possível um único recurso. Mas, atenção, ação judicial contra o Poder Público
Rua Peixoto Gomide, 768 - Cerqueira César - Tel: (11) 3269-5000 (município, estado e União) não pode ser proposta neste Juizado.
Site: www.mp.sp.gov.br (em outros estados, troque a sigla sp) Quando procurar
Ministério Público Estadual Para discutir problemas com planos de saúde, hospitais e clínicas privadas, etc, desde
São Paulo que o valor envolvido não ultrapasse 40 salários mínimos.
Rua Riachuelo, 115, 1º andar - Cep: 01007-904 - São Paulo / SP - Tel: (11) 3119-9000 Para acionar
Para causas de até 20 salários mínimos não é necessário advogado, basta recorrer à
Poder Judiciário unidade mais próxima de sua casa (normalmente situa-se no Fórum). O pedido deve
Como funciona ser feito por escrito ou oralmente. É preciso anexar ao pedido todos os documentos
A Constituição Federal garante que toda lesão ou ameaça de direito seja apreciada que comprovem a reclamação: receitas, exames, prontuário médico, notas fiscais,
pelo Poder Judiciário. Basta que o interessado procure a Justiça. Desde que orçamentos, contratos etc. Também é importante saber os dados das eventuais
preenchidas as formalidades exigidas, você sempre poderá levar o problema a um Juiz testemunhas existentes, como nome e endereço. Quando os valores discutidos
de Direito. O acesso à Justiça se dá por meio de um documento denominado petição estiverem entre 20 e 40 salários mínimos é necessária à contratação de um advogado.
inicial, que deve sempre ser elaborado e assinado por um advogado. A partir daí, o Juizado Central de São Paulo/Capital
Juiz analisará o pedido do autor da ação, a resposta do réu, as provas apresentadas, e (em outros locais, informe-se no Fórum)
decidirá a questão. Aquele que perder poderá recorrer aos Tribunais na tentativa de Rua Vergueiro, 835. Cep: 01504-001 - Tels: (11) 3207 5857 ou 3207 5183
mudar a decisão do Juiz.
Quando procurar Defensoria Pública
Pode ser acionado para que os responsáveis (as autoridades municipais, estaduais ou Como funciona
federais; diretor do hospital ou unidade; ou profissional de saúde), sejam obrigados a A Defensoria Pública foi criada pela Constituição Federal de 1988 e tem o dever de
corrigir as falhas ou a omissão na prestação dos serviços de saúde. prestar assistência jurídica gratuita aos necessitados, definidos por lei como aqueles
Conseqüentemente, você pode conseguir o atendimento do qual precisa, como por que não têm condições de pagar os honorários de um advogado e as custas de um
exemplo internação para fazer uma cirurgia, realização de consultas ou exames, processo judicial, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. De acordo com o
medicamentos etc. Também é possível recorrer à Justiça para buscar a indenização ou problema, o cidadão deverá procurar a Defensoria Pública da União – que tratará, por
reparação de danos de qualquer natureza sofridos em razão da falta de atendimento ou exemplo, das causas na qual o Governo Federal é umas das partes. Já as Defensorias
do atendimento de má qualidade. Estaduais cuidarão dos problemas cíveis, inclusive quando o Município for uma das
Para acionar partes, o que ocorrerá freqüentemente nas questões relacionadas ao SUS. Em alguns
Os cidadãos podem ingressar na Justiça individualmente, contratando um advogado estados, como São Paulo, a Defensoria Pública Estadual ainda não foi implantada.
particular, ou recorrendo à assistência judiciária gratuita. O Ministério Público também Neste caso, é possível recorrer à Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ), ao
pode representar o cidadão judicialmente, o que pode ser feito ainda por meio de uma escritório experimental da OAB ou a escritórios modelos das faculdades de Direito.
associação ou entidade com legitimidade para propor ações judiciais e que tenha entre Quando procurar
as suas finalidades, descritas no seu estatuto, a defesa da saúde ou da cidadania. Sempre que o cidadão tiver alguma dúvida ou a intenção de promover uma ação,
lembrando que somente poderá contar com este órgão se for considerado necessitado.
Juizado Especial Cível (JEC) Para acionar
Como funciona Dirigir-se à Defensoria Pública, à Procuradoria de Assistência Judiciária ou às
Antes conhecido como Juizado de Pequenas Causas, o JEC faz parte do Poder entidades que ofereçam assistência jurídica gratuita, conforme o caso. Relatar o
Judiciário, mas dedica-se exclusivamente ao julgamento de ações cujo valor envolvido problema e apresentar as provas de que se enquadra na condição de necessitado. Os
não seja superior a 40 salários mínimos. Seu objetivo é simplificar o andamento das critérios utilizados para essa classificação poderão ser diferentes dependendo do órgão
causas de menor complexidade e, por isso, costuma ser mais rápido do que a Justiça ou entidade procurado pelo cidadão.
Comum. Após analisar o pedido de quem deu entrada na ação e ouvir a defesa do Defensoria Pública-Geral da União
acusado, o Juiz decide quem tem razão. Quem perder pode recorrer ao Tribunal. No Esplanada dos Ministérios - Ministério da Justiça - Bloco “T” - Anexo II
Sala 228. Cep: 70.064-901 - Brasília/DF. Tels: (61) 429-3714 /429-3718.

74
Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ) A Comissão de Ética Médica pode ser acionado diante da conduta inadequada de um
São Paulo: Av. Liberdade, 32. Centro de Atendimento: através de senhas distribuídas médico, como por exemplo negligência ou omissão de socorro. Já o Comitê de Ética
todos os dias pela manhã, das 07 às 10 horas. em Pesquisa deve ser procurado pelo voluntário de pesquisa que se sentir prejudicado
pelo estudo do qual ele faz parte.
Conselhos de fiscalização profissional Para acionar
Como funciona Por meio de carta dirigida ao coordenador da Comissão ou Comitê de Ética do hospital,
Os Conselhos Regionais de fiscalização profissional (Medicina, Enfermagem, relatando o problema e solicitando abertura de sindicância. Pergunte o nome do
Psicologia, Farmácia, Odontologia e outros) recebem denúncias relacionadas ao responsável na secretaria do hospital.
exercício do profissional (médico, enfermeiro, psicólogo, farmacêutico etc). Também
têm a prerrogativa legal de apurar os fatos, abrir processos disciplinares e julgar os Defesa do Consumidor
profissionais, o que pode resultar até na cassação do diploma. Além disso, fazem Como funciona
vistorias e diligências para verificar as condições de trabalho dos profissionais nos As entidades de defesa do consumidor podem ser públicas, como os Procons
serviços de saúde. Não tratam de indenização ou ressarcimento ao paciente vítima da estaduais e municipais ou entidades formadas a partir da organização da sociedade
má conduta do profissional. civil como o Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e demais entidades do
Quando procurar Fórum Nacional de Entidades Civis de Defesa do Consumidor.
Sempre que você se sentir prejudicado pelo atendimento ou conduta individual de um Ambas as entidades recebem denúncias envolvendo planos de saúde, como negação
profissional, que tenha resultado em dano à sua saúde; em casos de erro médico ou de cobertura de atendimento, descredenciamento de médicos e serviços, aumento
erro de outro profissional; negligência, omissão de socorro,desleixo, falta de cuidado, abusivo de mensalidades, entre outras. Como são órgãos públicos, os Procons tem a
desrespeito, assédio sexual, discriminação, prescrição incorreta de medicamentos ou obrigação de atender qualquer cidadão. O Idec, associação civil sem fins lucrativos,
tratamento inadequado. também orienta e defende toda a sociedade; por exemplo, por meio da divulgação dos
Para acionar testes de produtos e serviços que realiza, das informações e orientações
As denúncias podem ser feitas pelo correio, por escrito, da forma mais clara e disponibilizadas em seu site e inclusive atuando judicialmente por meio de ações civis
detalhada possível, constando nome do profissional, data e local do atendimento, bem públicas que beneficiam todos os consumidores, sem distinção. Por outro lado, o
como anexando documentos como exames, receitas, laudos etc. Também podem ser atendimento individual do Idec é exclusivo para seus associados que contribuem para a
feitas pessoalmente na sede dos Conselhos estaduais, pois estes normalmente existência do Instituto. O associado do Idec recebe a revista Consumidor S.A., participa
dispõem de pessoal para tomar o depoimento. Todas as denúncias devem ser das ações judiciais promovidas pelo Instituto e tem à disposição o Serviço de
assinadas e não são aceitas denúncias por telefone ou e-mail. Orientação ao Associado que ensina o consumidor a defender os seus direitos, além
Conselho Federal de Medicina - (61) 445-5900 e www.cfm.org.br de contribuir para que o Instituto continue ajudando a todos.
Em São Paulo - Cremesp - (11) 3017-9300 Quando procurar
Conselho Federal de Enfermagem Sempre que você precisar conhecer seus direitos, esclarecer dúvidas ou diante de um
(61) 345-4187 - (21) 2221-6365 e www.portalcofen.com.br problema relacionado ao consumo de produtos ou serviços.
Em São Paulo - Coren - (11) 3225-6300/0800 552155 Para acionar
Compareça pessoalmente a uma dessas entidades ou entre em contato, por meio de
Comissões de Ética telefone, e-mail, ou mesmo carta.
Como funciona Procon de São Paulo
A maioria dos hospitais tem a sua Comissão de Ética Médica. Essas comissões são Telefone 1512 / site: www.procon.sp.gov.br
ligadas aos Conselhos de Medicina e fiscalizam o desempenho ético dos médicos na Tel: 0800 7723633, de segunda a sexta-feira das 8h às 18h
instituição. Também existem os Comitês de Ética em Pesquisa, obrigatórias em todos Poupatempo Sé (Praça do Carmo, ao lado da Estação Sé do Metrô)
os serviços de saúde que realizam pesquisas clínicas com seres humanos, Horário: segunda a sexta-feira, das 7h às 19h e aos sábados, das 7h às 13h
responsáveis por resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes Fórum de Procons Site: www.mj.gov.br/dpdc
dos estudos. Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Quando procurar Tel: (11) 3874-2152, e-mail: naoassociado@idec.org.br / www.idec.org.br

75
Rua Doutor Costa Júnior 356, Água Branca Em São Paulo - Centro de Vigilância Sanitária (CVS)
São Paulo – SP - Cep: 05002 - 000 Tels: 1520 / (11) 3257-7611 ou e-mail: ouvidoria@cvs.saude.sp.gov.br
Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor
E-mail: fnecdc@uol.com.br Defesa dos Direitos Humanos
Como funciona
Agência Nacional de Saúde Suplementar Existem diversas instâncias, como as comissões de direitos humanos ligadas ao poder
Como funciona Legislativo (Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais) e
É o órgão governamental, criado em 2000 e vinculado ao Ministério da Saúde,que tem as secretarias e conselhos de direitos humanos ligados ao poder Executivo. Elas
a tarefa de regular, regulamentar e fiscalizar o setor de planos e seguros de saúde. recebem, investigam e apuram denúncias de violação dos direitos humanos.
Quando procurar Quando procurar
Quando o consumidor tiver denúncias relacionadas a problemas com operadoras de Sempre que o usuário for vítima ou presenciar qualquer violação dos direitos civis e de
planos de saúde como negativas de atendimento, reajustes de mensalidades, cidadania, preconceito, discriminação, maus tratos, abandonos e todas as formas de
descredenciamento de médicos, laboratórios e hospitais, entre outros. A Agência violências e atentados contra a dignidade humana que possam vir a ocorrer nas
deverá proibir, fazer cessar e até mesmo multar as condutas contrárias à legislação do unidades e serviços de saúde, a exemplo de hospitais psiquiátricos e lares de idosos.
setor, mas não resolverá o problema concreto do consumidor. Para acionar
Para acionar Encaminhe uma carta à comissão, secretaria ou conselho de direitos humanos
Você pode encaminhar sua denúncia por meio do telefone 0800 701 9656, da internet relatando o fato.
(www.ans.gov.br), ou para o endereço: rua Augusto Severo, 84 - Glória, Rio de Janeiro l Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
– RJ, CEP:20021-040. E-mail: cdh@camara.gov.br
Palácio do Congresso Nacional - Edifício Principal, Praça dos Três Poderes
Vigilância Sanitária Cep 70160-900 - Brasília - DF Tel.: (61) 318-5151 e 318-5930
Como funciona Site: www.camara.gov.br/cdh
Tem a obrigação de controlar os riscos à saúde. Fiscaliza a comercialização de Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Ministério da Justiça
alimentos, bebidas, medicamentos, sangue, produtos e equipamentos médicos. Edifício Sede, Esplanada dos Ministérios – Bloco T – Sala 420
Também é responsável pela fiscalização de serviços de saúde, como hospitais, clínicas Cep: 70064-900 - Brasília/DF - Tel/Fax: (61) 429-3142 / 223-2260
e laboratórios. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tem sede em Site: www.mj.gov.br/sedh/index.htm/ - e-mail: direitoshumanos@mj.gov.br
Brasília; os Centros de Vigilância Sanitária são ligados às Secretarias de Estado da
Saúde e várias cidades têm Vigilância Sanitária ligada à Secretária Municipal de Imprensa e meios de comunicação
Saúde. Como funciona
Quando procurar Os meios de comunicação (rádio, TV, jornais, revistas e Internet) podem ser
Quando você tiver denúncias relacionadas à estrutura inadequada dos serviços de importantes aliados dos usuários dos serviços de saúde. O jornal diário mantém
saúde, falta de higiene, fraude, falsificação e problemas na qualidade de colunas que publicam cartas, opiniões, queixas e denúncias da população. Os maiores
medicamentos, sangue e hemoderivados, produtos para a saúde e alimentos, dentre veículos têm editorias e programas específicos para tratar dessas questões. Mas saiba
outras. que o seu depoimento, o seu caso ou a sua imagem só podem ser divulgadas com sua
Para acionar prévia autorização.
Entre em contato por telefone ou encaminhe carta ou e-mail denunciando o problema. Quando procurar
A partir daí a Vigilância tem a obrigação de fiscalizar, efetuar diligências, interditar ou Para denunciar as omissões das autoridades de saúde, as deficiências dos serviços
multar os responsáveis. públicos e privados, os abusos dos planos de saúde, as falhas de hospitais e unidades
Anvisa de saúde, a falta de medicamentos, equipamentos e médicos, os erros de profissionais,
O atendimento ao usuário acontece de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, e está dentre outros problemas.
disponível pelo telefone (61) 448-1327. O telefone geral da Anvisa é (61) 448-1000 e o
site é: www.anvisa.gov.br

76
Para acionar
Envie uma carta ou e-mail à Redação ou à coluna, seção ou painel do leitor; ou
telefone para o veículo de comunicação e peça para falar com o setor de Pauta (que
define os assuntos que vão virar notícia) ou com a Reportagem.

Outras Organizações Não-Governamentais


Como funciona
São entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, a exemplo das ONGs de defesa
dos portadores de patologias e deficiências (hemofílicos, portadores do HIV e Aids,
renais crônicos, diabéticos, deficientes físicos, APAES, dentre outras); associações de
profissionais e sindicatos de trabalhadores da saúde; entidades ligadas à Igreja e
órgãos de classe (OAB e CRM, por exemplo). Elas têm atuações específicas, mas são
todas comprometidas com a defesa de melhores condições de saúde e de vida da
população.
Quando procurar
Para propor encaminhamentos e lutas coletivas em defesa dos usuários; as ONGs
podem pressionar para agilizar a solução dos problemas, participar de atos, manifestos,
denúncias públicas e levar informações e denúncias ao Ministério Público, o que você
também pode fazer.
Para acionar
Procure pessoalmente a entidade ou ONG mais próxima ou de seu interesse.
Fórum Nacional de Entidades de Defesa dos Portadores de Patologias e Deficiências
Informe-se no Conselho Nacional de Saúde
(61) 315- 2150 e 315-2151
Fórum de ONGs/Aids do Estado de São Paulo
Site: www.forumaidssp.org.br - Tel: (11) 3334-0704

Use seu voto para defender a saúde


Os governos da União, dos estados e dos municípios são obrigados a realizar uma
gestão eficiente dos serviços públicos. Os recursos devem ser investidos
principalmente na atenção e nos serviços básicos de saúde, na criação de um
ambiente saudável, na prevenção das doenças, na garantia dos medicamentos
essenciais e não em obras faraônicas para enriquecer empreiteiras. Antes das
eleições, conheça as propostas dos candidatos para a área saúde. Não vote
novamente em quem investiu pouco ou gastou indevidamente os recursos da saúde.
Exija dos políticos ações que garantam dignidade no atendimento em saúde.

Fontes: Legislação sobre o SUS; Relatório Final da 11ª Conferência Nacional de


Saúde; Conselho Nacional de Saúde; Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz.

77
O SUS E O CONTROLE SOCIAL TFAE - Teto Financeiro da Assistência do Estado
Guia de Referência para Conselheiros Municipais TFAM - Teto Financeiro da Assistência do Município
TFECD - Teto Financeiro da Epidemiologia e Controle de Doenças
Ministério da Saúde TFG - Teto Financeiro Global
Coordenação de Projetos de Promoção de Saúde TFGE - Teto Financeiro Global do Estado
Brasília – DF – 2001 TFGM - Teto Financeiro Global do Município
TFVS - Teto Financeiro da Vigilância Sanitária
SIGLAS UTILIZADAS

AIH - Autorização de Internação Hospitalar O CONCEITO DE SAÚDE


CES - Conselho Estadual de Saúde
CIB - Comissão Intergestores Bipartite A Constituição Federal de 1988 é um marco importante para o setor saúde
CIT - Comissão Intergestores Tripartite porque definiu-o como setor de relevância pública, ficando o Estado, a partir desta
CMS - Conselho Municipal de Saúde definição, obrigado a garantir, independente de solicitação, as condições necessárias
CNS - Conselho Nacional de Saúde ao atendimento à saúde da população. Isto significa que a saúde é um bem prioritário
COFINS - Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social e uma condição para que os indivíduos possam ter uma vida digna e produtiva.
CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde CONASS - Até a promulgação da Constituição, a saúde era entendida como ausência de
Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde doenças, como um estado de bem estar físico e mental. Esta compreensão contribuía
FAE - Fração Assistencial Especializada para que o sistema fosse organizado para atender, em primeiro em lugar, à procura
FIDEPS - Fator de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa FNS - das pessoas por assistência médica curativa. Havia, assim uma predominância do
Fundação Nacional de Saúde atendimento médico individual e hospitalar. As ações de saúde pública, ou seja, as
INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social chamadas ações preventivas, de caráter coletivo, não eram prioridade neste período,
IVH- E - Índice de Valorização Hospitalar de Emergência a não ser em momentos críticos, como por exemplo quando a população era atingida
IVISA - Índice de Valorização do Impacto em Vigilância Sanitária por uma epidemia ou uma catástrofe.
IVR - Índice de Valorização de Resultados Mas a nova Constituição formulou um novo conceito de saúde, assim expresso
MS - Ministério da Saúde em seu artigo 196:
NOB - Norma Operacional Básica
P AB - Piso Assistencial Básico A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
P ACS - Programa de Agentes Comunitários de Saúde sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
PBVS - Piso Básico de Vigilância Sanitária ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
PDA VS - Programa Desconcentrado de Ações de Vigilância Sanitária recuperação.
PPI - Programação Pactuada e Integrada
PSF - Programa de Saúde da Família Este novo significado de saúde passou a exigir novas práticas dos serviços de
SAS - Secretaria de Assistência à Saúde saúde porque, ao ampliar o conceito anterior, tornou necessária uma mudança na
SES - Secretaria Estadual de Saúde organização e nas formas de prestação destes serviços.
SIA/SUS - Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS O novo conceito de saúde tem sido considerado um avanço para o setor na
SIH/SUS - Sistema de Informações Hospitalares do SUS medida em que leva em conta não só as causas biológicas da doença - o ataque por
SMS - Secretaria Municipal de Saúde agentes agressores do organismo como os vírus, bactérias, fungos, etc. - mas
SNA - Sistema Nacional de Auditoria também as causas sociais: a falta de saneamento básico, a fome, a falta de
SUS - Sistema Único de Saúde escolarização, enfim, todas as causas determinantes das condições de vida e trabalho
SVS - Secretaria de Vigilância Sanitária da população.
o o
TFA - Teto Financeiro da Assistência A Lei 8080/90, afirma em seu artigo 2 , parágrafo 3 :

78
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a Ao definir o Sistema Único de Saúde diz a Constituição Federal de 1988, em
alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a seu artigo 198:
educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços essenciais; os níveis de As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
saúde da população expressam a organização social e econômica do País. hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
Parágrafo Único - Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do seguintes diretrizes:
disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
condições de bem estar físico, mental e social. II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
O reconhecimento da determinação social das doenças exige novas maneiras prejuízo dos serviços assistenciais;
de enfrentar os problemas de saúde. Ganha ênfase, então, a concepção integral da III -participação da comunidade.
saúde, que exige o desenvolvimento de ações preventivas e curativas, bem como Parágrafo Único - O sistema único de saúde será financiado, nos termos do
1
reforça-se a necessidade de desenvolvimento de ações voltadas para a erradicação artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social , da União, dos Estados,
das causas sociais das doenças, como por exemplo, ações de saneamento básico, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
aumento de aferra de empregos e outras que dependem da articulação entre os O Sistema Único de Saúde é um sistema público, ou seja, destinado à toda a
setores governamentais responsáveis pelo provimento de necessidades básicas da população e financiado com recursos arrecadados através dos impostos que são
população (educação, meio ambiente, trabalho, previdência social. etc.). pagos pela população. Fazem parte deste sistema os centros e postos de saúde,
hospitais, incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros e também fundações
O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES e institutos de pesquisa, como por exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz.
No SUS, o setor privado participa de forma complementar, através de
o Sistema Único de Saúde-SUS é resultado de uma luta que teve início nos contratos e de convênios de prestação de serviços ao Estado. Isso porque nem
anos 70 e foi chamada Movimento pela Reforma Sanitária Brasileira. Partindo do sempre as unidades públicas de assistência à saúde são suficientes para garantir o
princípio de que a defesa da saúde é a defesa da própria vida, o Movimento pela atendimento a toda a população de uma determinada região.
Reforma Sanitária Brasileira insistia em que era preciso reformular o sistema de saúde São diretrizes do SUS, como vimos no artigo 198 da Constituição Federal: a
para torná-lo mais eficaz e disponível a toda a população. Dele participaram descentralização, a integralidade e a participação da comunidade. Estas diretrizes
profissionais de saúde, lideranças políticas, sindicais e populares, dando ao SUS o orientam a organização e o funcionamento do sistema com o objetivo de torná-lo mais
privilégio de ser uma conquista da sociedade brasileira, que os parlamentares da adequado às necessidades da população brasileira. São elas também que
Assembléia Constituinte transformaram em lei. caracterizam o SUS como um sistema único. Único, portanto, não porque a
O sistema de saúde vigente até a promulgação da Constituição de 1988 só organização dos serviços deva se dar da mesma maneira em todos os estados e
garantia o atendimento aos trabalhadores que tinham carteira de trabalho assinada. municípios, mas porque as diretrizes de descentralização, integralidade e participação
Naquela época, a assistência pública à saúde era de responsabilidade do Instituto da comunidade devem prevalecer sobre toda e qualquer alternativa de reorganização
Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, o extinto INAMPS. Aqueles que dos serviços de saúde.
não eram trabalhadores assalariados, mas podiam pagar, eram assistidos por De forma complementar, mas não menos importante, teremos também alguns
médicos particulares e, em casos de internação, pagavam também pelo atendimento princípios que devem ser observados na operacionalização destas diretrizes. São
hospitalar. Para aqueles que não faziam parte destes grupos, ou seja, para os pobres eles: a universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
e excluídos do mercado de trabalho restava o atendimento gratuito realizado pelas
Santas Casas de Misericórdia ou por postos de saúde municipais, estaduais e
hospitais universitários.
O SUS é então criado com o firme propósito de alterar esta situação de
desigualdade na assistência à saúde da população, universalizando o acesso ao __________________________________________
1
atendimento - tornando obrigatório o atendimento público e gratuito a qualquer A seguridade social, a que se refere o texto acima, foi também uma criação da Constituição
pessoa. Federal de 1988. Ela "compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Mas o que é o SUS? Que modificações ele traz para o sistema de saúde Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social" (Artigo 194 da CF/88).
brasileiro?

79
assistência (todas as pessoas, sem discriminação, têm direito ao atendimento público administrar os serviços de saúde locais. Isto faz com que o sistema de saúde se torne
e gratuito à saúde); a igualdade da assistência à saúde (o mesmo tipo de mais eficiente porque fica mais fácil resolver os problemas de saúde da população
atendimento deve ser oferecido a todas as pessoas, sem preconceitos ou privilégios); quando as soluções podem ser tomadas no próprio local onde o problema é
a equidade na distribuição de recursos (destinar mais recursos para localidades mais identificado. Os estados, por meio das Secretarias Estaduais de Saúde, no processo
pobres e com menor capacidade de atender às necessidades de suas populações); a de descentralização, coordenam a prestação dos serviços de saúde na sua área de
resolutividade dos serviços (capacidade de resolver os problemas de saúde da abrangência e prestam cooperação técnica aos municípios para o bom desempenho
população); a integralidade da assistência; a descentralização e a participação da destes serviços. À direção nacional do SUS, representada pelo Ministério da Saúde,
comunidade. cabe então coordenar e estabelecer normas para o sistema em nível nacional e
Além destes, encontramos ainda na Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90) os também prestar assessoria técnica aos estados e municípios.
seguintes princípios: A descentralização tem como pressupostos a regionalização e a
- preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e hierarquização. A regionalização e hierarquização são formas de organizar o sistema
moral: o respeito aos sentimentos, aos modos de pensar, às crenças e convicções buscando torná-lo mais eficaz, tanto com relação ao atendimento quanto com relação
dos indivíduos, bem como seu direito de escolher alternativas de assistência médica à aplicação dos recursos. Através destas formas de organização evita-se, por
disponíveis, desde que a opção feita não cause danos irreparáveis à sua saúde, ou à exemplo, que o sistema de saúde ofereça serviços que não são necessários e deixe
saúde da comunidade. de oferecer outros que possam efetivamente resolver os problemas da população de
- direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde: as unidades de uma determinada região.
saúde são obrigadas a fornecer informações de interesse das pessoas assistidas ou * Entende-se por regionalização a distribuição dos serviços numa
de interesse da comunidade. Por exemplo, no caso dos usuários dos serviços de determinada região, levando-se em conta os tipos de serviços oferecidos e sua
saúde, é garantido o acesso às informações de seu prontuário médico. capacidade de atender à população. Um dos objetivos desta forma de organização é
- divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua evitar a duplicidade de ações, ou seja, duas ou mais unidades de saúde realizando o
utilização pelo usuário: as unidades de saúde devem oferecer informações sobre os mesmo tipo de serviços, quando uma só unidade poderia dar conta do atendimento.
serviços disponíveis: como utilizá-los, onde recorrer em caso de necessidade, horário Quando há duplicidade, outras ações podem deixar de ser realizadas.
de atendimento, etc. * Entende-se por hierarquização a divisão dos serviços em atenção primária
- utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a (prevenção), secundária (assistência médica) e terciária (assistência hospitalar): os
alocação de recursos e orientação programática: as ações de saúde devem ser chamados níveis de complexidade do sistema. A hierarquização é um importante
definidas em função do quadro de doenças da região, buscando-se não só seu componente da regionalização, estabelecendo com ela uma relação de dependência
controle e erradicação, como também oferecendose atendimento de acordo com os tal que não podemos considerar uma sem, necessariamente, considerar a outra.
problemas da localidade. A regionalização e a hierarquização são elementos importantes para o
- integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e planejamento das ações e serviços de saúde. Conhecendo as necessidades de saúde
saneamento: união de esforços no sentido de combater as causas sociais das da população e a oferta de serviços numa determinada região é possível regionalizá-
doenças da localidade. Ios e hierarquizá-Ios de forma a tomar mais eficiente a rede de serviços de uma
- conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da região. Este processo facilita o acesso da população a todos os tipos de serviços
União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de oferecidos pelo sistema de saúde, uma vez que os serviços não oferecidos na
assistência à saúde da população. localidade onde as pessoas residem podem estar sendo oferecidos numa outra
- organização dos serviços públicos de saúde de modo a evitar a duplicidade próxima à sua.
de meios para fins idênticos. As Normas Operacionais Básicas-NOBs do SUS, que são parte do conjunto de
Podemos observar que a descentralização, a integralidade da assistência e a leis do SUS, regulamentam os processos de descentralização da gestão dos serviços
participação da comunidade são, ao mesmo tempo, princípios e diretrizes do SUS, e das ações de saúde. Até hoje, foram formuladas três NOBs (1991, 1993 e 1996).
constituindo-se, pois, o seu tripé de sustentação. Vejamos o que significa cada uma Elas têm sido resultado de amplas discussões e negociações entre representantes
dessas palavras: dos governos federal, estadual e municipal e Conselhos de saúde.
* Descentralização, com direção única em cada esfera de governo: a A NOB-SUS/96 apresenta duas condições de gestão:
descentralização é uma forma de organização que dá aos municípios o poder de - Gestão Plena de Atenção Básica, em que o município terá o repasse de

80
recursos Fundo a Fundo (do Fundo Nacional de Saúde diretamente para o Fundo saúde, parlamentares e outros, para "avaliar a situação de saúde e propor as
Municipal de Saúde) para o financiamento de todas as ações básicas de saúde. O diretrizes para a formulação da política de saúde" nos três níveis de governo (Artigo
o o
volume de recursos é definido por um valor per capita. O valor per capita é resultado 1 , § 1 , Lei 8.142/90).
da multiplicação de um valor financeiro básico pelo número de habitantes do Em nível nacional, as Conferências devem ser realizadas de 4 em 4 anos. Nos
município, por exemplo, supondo que o valor financeiro básico é R$ 1,00 e que a níveis estaduais e municipais, de 2 em 2 anos. São convocadas pelo Poder Executivo
população de um município qualquer seja de 3000 habitantes, o valor per capita do e, extraordinariamente, pelos Conselhos de Saúde nos respectivos níveis.
a
município será de R$ 3000,00 por mês, destinados às ações básicas de saúde. Já foram realizadas dez Conferências Nacionais de Saúde (CNS). A 8 CNS,
- Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde, em que o município terá o em 1986, teve um papel importante na medida em que o seu Relatório Final serviu de
repasse de recursos Fundo a Fundo para o financiamento de toda a assistência em base para a elaboração do capítulo da saúde na Constituição Federal de 1988,
a
saúde. momento em que foi criado o SUS; a 9 CNS, realizada em 1992, exigiu o
a
* Atendimento Integral: o atendimento integral é uma forma de assistência cumprimento das leis que sustentam o SUS e a 10 CNS, em 1996, reafirmou a
que privilegia a saúde, não a doença. Os serviços de saúde devem funcionar universalidade, a descentralização e a gratuidade dos serviços de saúde, além de
atendendo ao indivíduo como ser humano integral, submetido às mais diferentes exigir a efetivação de espaços para a participação popular e controle social no SUS.
situações de vida e trabalho que o leva a adoecer e morrer. O indivíduo não deve ser Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados, de caráter permanente e
visto como um amontoado de partes (coração, fígado, pulmão, etc.), mas como um deliberativo, composto por representantes do governo, prestadores de serviços,
ser que está submetido às determinações Sociais. profissionais de saúde e usuários. São funções dos Conselhos: formular estratégias e
Todas as pessoas, sem discriminação de qualquer natureza, têm direito a um controlar e fiscalizar a execução da política de saúde, inclusive em seus aspectos
atendimento que não só dê conta de tratar a sua doença, mas, principalmente, financeiros.
ofereça serviços de prevenção e promoção da saúde. Assim, ganham relevância A participação, na perspectiva do controle social, possibilita a população
ações e programas de atenção básica à saúde, bem como faz-se necessária a interferir na gestão da saúde, colocando as ações do Estado na direção dos
articulação do setor saúde com as demais áreas sociais que têm a ver com a melhoria interesses da coletividade. O que é público deve estar sobre o controle dos usuários:
da qualidade de vida. O controle social não deve ser traduzido apenas em mecanismos formais e, sim,
Mas não é só isso. O atendimento integral significa também que será garantido refletir-se no real poder da população em modificar planos, políticas, não só no campo
o acesso das pessoas a todos os níveis de complexidade do sistema, desde a da saúde (Relatório Final 9a CNS, 1992).
atenção primária, no caso das ações preventivas, até os níveis secundários e Com a participação da comunidade na gestão do SUS estabelece-se uma
terciários de atendimento, necessários na assistência curativa. nova relação entre o Estado e a Sociedade, de forma que as decisões do Estado
No modelo anterior ao SUS, as ações preventivas e curativas eram divididas sobre o que fazer na saúde terão que ser negociadas com os representantes da
entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social. O Ministério da Saúde ficava sociedade, uma vez que eles são quem melhor conhecem a realidade de saúde das
encarregado das ações preventivas, as chamadas ações de saúde pública, como por comunidades. Por isso ela é entendida como uma das formas mais avançadas de
exemplo, as campanhas de vacinação e o combate e controle de endemias. A democracia.
assistência curativa individual ficava sob a responsabilidade do Ministério da Mas, embora esteja prevista na Lei, a participação social é um processo, em
Previdência Social, do antigo INAMPS. permanente construção, que comporta avanços e recuos e, por isso, muitas vezes,
O SUS acaba com esta separação e garante a cobertura da assistência depende de ampla mobilização da comunidade na defesa de seus direitos.
preventiva e curativa tendo por base os princípios da igualdade e da universalidade do
atendimento à saúde. Legislação Básica do SUS:
* Participação da comunidade: é uma forma de controle social que possibilita a - Constituição Federal de 1988 (Artigos 196 a 200)
população, através de seus representantes, definir, acompanhar a execução e - Lei Orgânica da Saúde (Leis 8080/90 e 8142/90)
fiscalizar as políticas de saúde. - Norma Operacional Básica 01/96
A Lei Orgânica da Saúde estabelece duas formas de participação da
comunidade na gestão do SUS: as Conferências e os Conselhos de Saúde. As
Conferências são fóruns amplos, onde se reúnem representantes da sociedade
(usuários do SUS), profissionais de saúde, dirigentes, prestadores de serviços de

81
FINANCIAMENTO PLANEJAMENTO

Por ser a saúde um componente da Seguridade Social, pela Lei seus recursos O planejamento é um instrumento importante na gestão do SUS porque
compõem o também chamado Orçamento da Seguridade Social (OSS). organiza as ações a serem desenvolvidas e facilita a fiscalização e o controle dos
O orçamento é uma espécie de plano no qual são relacionadas as receitas gastos em saúde. Planejar é decidir o que fazer, preparar e organizar bem uma ação,
(montante de recursos recolhidos através do pagamento de impostos pela população) acompanhar sua execução, corrigindo as decisões tomadas, e avaliar os resultados.
e as despesas gastos com financiamento das ações e serviços, incluindo pagamento Existem, basicamente, dois tipos de planejamento: o normativo e o estratégico.
de pessoal e investimentos), isto é, o quanto vai se gastar e com o que. No planejamento normativo são considerados, principalmente os aspectos técnicos,
O Orçamento da Seguridade Social é constituído pelas seguintes fontes: ou seja, os recursos humanos, materiais e financeiros que poderão ser utilizados na
- contribuição sobre os salários pagos, sobre as vendas e sobre os lucros oferta de serviços ou no atendimento das demandas por atenção à saúde. Por este
das empresas; motivo, mesmo considerando a realidade de saúde local, este tipo de planejamento
- contribuição dos trabalhadores, descontada dos seus salários; procura ajustar as necessidades existentes à capacidade técnica que se tem para
- recursos arrecadados das vendas das loterias federais. atende-las. Em certos casos, isso pode limitar o tipo de ação a ser desenvolvida ou
Esta receita deverá ser, então, distribuída entre as partes componentes do até mesmo o seu impacto na melhoria da situação de saúde.
OSS: saúde, previdência e assistência social. Já no planejamento estratégico, são os aspectos políticos que são
Além dos recursos do OSS, outras fontes são destinadas ao financiamento da destacados, uma vez que eles poderão interferir mais diretamente na execução das
saúde. São as chamadas fontes fiscais, que acumulam recursos provenientes de ações planejadas. Isso vai fazer com que se precise identificar os diversos setores,
outros tipos de impostos ou contribuições, como por exemplo, o Imposto de Renda grupos ou lideranças envolvidas na prática dos serviços para que se conheça o grau
(IR) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). de apoio ou rejeição às propostas definidas no plano de ação: Dessa forma, passa a
Os recursos destinados à saúde devem ser depositados nos Fundos de ser considerado não só o quê e o como fazer, mas, ainda, o porque fazer. As
Saúde, federal, estaduais e municipais. Os Fundos são uma espécie de conta possibilidades de atuação dependem mais dos aspectos políticos do que da
especial exclusiva do setor, cuja movimentação deverá ser feita sob a fiscalização dos disponibilidade de recursos, sejam eles materiais, humanos ou financeiros.
Conselhos de Saúde (Lei 80/90 - artigo 33). O planejamento é constituído de três etapas básicas: diagnóstico,
A concentração dos recursos nos Fundos de Saúde facilita a administração e acompanhamento e avaliação. O diagnóstico é uma importante etapa do
a fiscalização dos gastos que deverão estar previstos nos Planos de Saúde. planejamento porque é através dele que se faz o levantamento dos problemas de
O Conselho de Saúde tem entre suas atribuições: saúde de uma determinada população, bem como daqueles relacionados à
- fiscalizar a movimentação de recursos repassados à Secretaria de organização e funcionamento dos serviços de saúde. A partir deste levantamento,
saúde e/ou Fundo de Saúde; então, é possível definir que tipos de ações serão necessários para resolver os
- propor critérios para a programação e para as execuções financeira e problemas e melhorar a saúde da comunidade. É o diagnóstico, portanto, que orienta
orçamentária dos Fundos de Saúde, acompanhando a movimentação e a escolha das prioridades, que devem ser feitas em função dos problemas da
o
destinação de recursos (Resolução n 33 do CNS, 1992). população. Daí a importância do envolvimento desta na sua elaboração.
A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080/90) é clara quanto à obrigatoriedade da Os tipos de ações e como estas ações serão realizadas, bem com as
elaboração dos Planos de Saúde: respectivas metas a serem alcançadas, por exemplo, quantas consultas serão
Artigo 36 - § 1o: OS planos de saúde serão a base das atividades e oferecidas à população, quantos leitos o hospital vai manter para atender às
programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde-SUS e seu necessidades, quantas crianças deverão ser vacinadas, quantas gestantes serão
financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. atendidas durante a gravidez, etc., deverão estar descritas nos Planos de Saúde. O
o
§ 2 : É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não planejamento deve ser feito levando-se em consideração o volume de recursos
previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade disponíveis, que deverão estar nos Fundos de Saúde dos municípios e dos estados.
pública na área da saúde. O ideal é que o município, assim como o estado, tenha um Plano de Saúde
A existência de Fundos, Planos e Conselhos de Saúde são condições para para mais de um ano de execução, de preferência coincidindo com a duração do
que os recursos provenientes do Orçamento da Seguridade Social e da União sejam mandato do prefeito ou do governador. Assim fica mais fácil e mais organizada a
repassados para estados e municípios. atividade no setor saúde, inclusive no que diz respeito às necessidades de recursos

82
em cada período. juntamente com outros indicadores também importantes como de educação, emprego
O acompanhamento é a etapa do planejamento que possibilita verificar se o e renda, por exemplo, medem o nível de desenvolvimento econômico e social de um
que foi planejado está ou não dando certo. Dessa forma, dá oportunidade para que país.
sejam feitos ajustes que garantam, efetivamente, o sucesso do plano, uma vez que
podem ocorrer imprevistos e as ações propostas precisarem ser revistas, ou outras CONSELHOS
ações precisarem ser executadas.
A avaliação é uma etapa mais conclusiva do planejamento, a partir da qual Papel e composição
mede-se o impacto as ações desenvolvidas no prazo estabelecido no Plano de
Saúde. Na avaliação deve-se considerar não só a relação entre o que foi programado O Conselho de Saúde é um órgão colegiado, de caráter permanente e
e executado, mas, principalmente, se o que foi executado promoveu melhorias no deliberativo. Por isso deve funcionar e tomar decisões regularmente, acompanhando a
estado de saúde da população. execução da política de saúde e propondo correções e aperfeiçoamentos em seus
Desde a identificação dos principais problemas de saúde da população até a rumos.
avaliação final das ações executadas, a população deverá estar informada e deverá A Lei 8.142/90, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do
participar de todas as decisões através de seus representantes nos Conselhos de SUS, define, no parágrafo primeiro, artigo segundo, o papel dos Conselhos:
Saúde, os quais têm entre suas atribuições fazer o acompanhamento e fiscalizar a Atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da política de
execução dos Planos de Saúde locais, bem como traçar diretrizes de elaboração e saúde, incluídos os aspectos econômicos e financeiros.
aprovar os planos de saúde, adequando-os às diversas realidades epidemiológicas e A Lei também é clara quanto à forma de composição dos Conselhos. Em
à capacidade organizacional dos serviços (Resolução no 33 do Conselho Nacional de primeiro lugar, garante a representação dos seguintes segmentos: governo,
Saúde, 1992). prestadores de serviços, profissionais de saúde e usuários. Em seguida, define a
Na área da saúde, o planejamento deve ser feito com base no perfil paridade da composição de usuários em relação aos demais segmentos. Isto significa
epidemiológico da comunidade, que é descrito através da utilização de conhecimentos que 50% do número total de conselheiros será de representantes dos usuários
produzidos pela Epidemiologia. A epidemiologia é a ciência que estuda de que, como enquanto que os outros 50% será de representantes dos demais segmentos. Neste
e porque as pessoas adoecem numa comunidade. Os estudos epidemiológicos caso, o Conselho Nacional de Saúde recomenda que as vagas sejam distribuídas da
buscam explicar os fatores determinantes dos quadros de saúde das populações e seguinte maneira: 25% para trabalhadores de saúde e 25% para prestadores de
geram indicadores que servem para orientar o planejamento em saúde em cada serviços públicos e privados.
localidade. Os conselheiros representantes dos usuários devem ser indicados pelas
Os indicadores são uma espécie de medida das condições de saúde das entidades ou movimentos a que pertencem, mediante ampla discussão interna ou com
populações. São dois os principais indicadores de saúde: outras entidades e movimentos afins quando há concorrência para ocupação das
INDICADOR DE MORTALIDADE: que indica o número de pessoas que vagas, geralmente definidas em Plenárias Populares.
morrem num determinado tempo em uma localidade e qual a causa das mortes Mas para que um Conselho funcione adequadamente, algumas condições são
ocorridas. necessárias, além das previstas pela Lei. É fundamental, por exemplo, que o
INDICADOR DE MORBIDADE: que indica o número de pessoas que adoecem Conselho seja REPRESENTATIVO e tenha LEGITIMIDADE.
e do que adoecem numa comunidade. Para que um conselho tenha REPRESENTATIVIDADE é necessário que o
Algumas indicadoras de mortalidade são especialmente importantes, pois conselheiro, entre outras coisas:
revelam as condições de vida de um povo. É o caso, por exemplo, dos indicadores de - atue como interlocutor de suas bases, levando ao Conselho as suas
mortalidade materna e de mortalidade infantil. A mortalidade infantil expressa o demandas e retomando com as decisões ou outras informações de
número de crianças que morreram antes de completarem 1 ano de vida em cada mil interesse das bases;
crianças que nasceram vivas numa comunidade. Já a mortalidade materna expressa o - não se distancie da entidade ou do movimento que o indicou;
número de mortes de mulheres em decorrência de causas relacionadas com a - represente e defenda os interesses da sociedade, ou seja, o conselheiro
maternidade: gravidez, parto e pós-parto (resguardo). não deve se limitar à defesa dos interesses específicos da entidade ou
Os indicadores de mortalidade e morbidade são reconhecidos, movimento que representa, mas, ao contrário, ampliar o seu espaço de
internacionalmente, como medidas das condições de saúde das populações e, atuação defendendo os interesses da população como um todo porque,

83
especialmente no caso da saúde, as melhorias realizadas no sistema de atuação dos Conselhos. Neste sentido, devem ser criados canais de comunicação,
saúde resultarão em benefícios para todos, inclusive para a entidade ou por meio dos quais o Conselho presta contas do que faz à sociedade. A relação com
movimento que representa. os meios de comunicação local bem como a criação de boletins informativos e outros
A LEGITIMIDADE, por sua vez, se baseia no respaldo político da sociedade, tipos de publicações, pelo próprio Conselho, são decisões importantes para garantir a
incluindo as bases do conselheiro. A LEGITIMIDADE é a condição que um visibilidade.
conselheiro, ou mesmo uma decisão, adquire quando verdadeiramente representa as Já articulação significa a capacidade de os Conselhos se aproximarem,
idéias de um grupo ou de toda a sociedade. Um Conselho ou conselheiro que tenha estabelecerem relações não só com outros Conselhos, municipais, estaduais e
legitimidade é um Conselho ou conselheiro que tem o apoio, o consentimento e a nacional, mas também com Conselhos de outras áreas sociais, com outras
confiança da sociedade ou do segmento que representa. instituições da área da saúde, bem como, por exemplo, com as Câmaras de
Além dessas, que são fundamentais, outras cinco condições contribuem para Vereadores e Assembléias Legislativas, outros movimentos afins e o Ministério
um melhor desempenho dos Conselhos: a AUTONOMIA, a ORGANICIDADE, a Público. Relações que tendem a fortalecer o próprio Conselho e, também, reunir
PERMEABILIDADE, a VISIBILIDADE e a ARTICULAÇAO. forças na defesa dos interesses da sociedade.
Um Conselho autônomo é um Conselho que tem condições administrativas, O Ministério Público é um órgão da Administração Pública responsável pela
financeiras e técnicas adequadas ao seu funcionamento. E preciso, portanto, garantir defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
espaço físico para as reuniões bem como pessoal de apoio administrativo e técnico individuais. Neste sentido, pode ser considerado um importante aliado na construção
para encaminhar as decisões e, quando necessário, realizar estudos e elaborar do SUS, uma vez que tem competência júridica para garantir o pleno cumprimento da
documentos que possam servir de base para as decisões dos conselheiros. Para isso Saúde como direito de todos e dever do Estado, sendo também um importante
deve também ser garantido, no orçamento das Secretarias Municipais e Estaduais de interlocutor nas discussões sobre o controle social.
saúde, recursos financeiros que possam viabilizar os trabalhos dos Conselhos.
Mas o trabalho do Conselho não deve ser confundido com o trabalho das BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Secretarias de Saúde. Quer dizer, embora o Conselho seja formalmente vinculado às
Secretarias, seu papel deliberativo e fiscalizador se distingue do papel executivo do 1. BRASIL. Constituição [da] República Federativa do Brasil 1988. Brasília: Centro Gráfico do
gestor municipal ou estadual. O gestor é responsável pela execução da política de Senado Federal, 1988. 292p.
saúde local, enquanto ao Conselho cabe, entre outras coisas, propor os rumos desta 2. CONSELHO de Saúde: guia de referências para a sua criação e organização. Brasília:
Ministério da Saúde, [1994?].
política, fazer o acompanhamento das ações e fiscalizar a utilização dos recursos.
3. SISTEMA Único de Saúde: Constituição Federal Seção 11, Lei Orgânica da Saúde no. 8080,
O Conselho é um espaço de negociação, cujo compromisso de gestores e Lei no. 8.142, Decreto no. 99.438. 3. ed. Porto Alegre: CONASEMS, 1992. 24p. (Publicações
conselheiros, atores principais deste espaço, é buscar soluções para os problemas de Técnicas, n. 2.).
saúde da população local. 4. DESCENTRALIZAÇÃO das ações e serviços de saúde: a ousadia de cumprir e fazer cumprir a
A organicidade se caracteriza pelo grau de organização dos Conselhos. lei. Brasília: Ministério da Saúde, Coordenação Geral de Planejamento, Secretaria Executiva,
Contribuem para uma maior organização a freqüência das reuniões, a presença 1993. 67p.
regular dos conselheiros nas reuniões, uma infra-estrutura básica para realização das 5. GUIA de referências para o controle social: manual do conselheiro. [elaborado pelo Núcleo de
reuniões, etc. O Regimento Interno é o instrumento que regulamenta o funcionamento Estudos em Saúde Pública da Universidade de Brasília]. Brasília: Ministério da Saúde,
Coordenação de Informação, Educação e Comunicação, 1994. 90p. il.
dos Conselhos, inclusive orientando os processos de discussão, votação e
6. INCENTIVO à participação popular e ao controle social no SUS: (textos técnicos para
encaminhamentos próprios da atividade dos conselheiros, sendo ele, portanto, um dos Conselheiros de Saúde). [elaborado pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública da Universidade
importantes fatores que dão organicidade aos Conselhos. de Brasília]. Brasília: Ministério da Saúde, Coordenação de Informação, Educação e
O Conselho que tem permeabilidade é aquele que já conseguiu estabelecer Comunicação, 1994. 95p. il.
um canal de recepção das demandas sociais e está, portanto, atento às necessidades 7. CARVALHO, Guido Ivan de, SANTOS, Lenir. Comentários à Leí Orgânica da Saúde: (leis
de saúde emergentes nas comunidades locais. Estas necessidades deverão pautar as 8.080/90 e 8.142/90): Sistema Único de Saúde. 2. ed. atual. ampl. São Paulo: Hucitec, 1995.
discussões do Conselho que, por sua vez, irá propor ações que deverão, num 394p.
primeiro momento, ser negociadas e, finalmente, executadas pelas Secretarias de 8. CORREIA, Maria Valéria. Controle Social na área da Saúde. In: Conferência Estadual de
Saúde: 3. Textos Técnicos para Debate. Maceió, Alagoas, 1996.
Saúde.
9. AVALIAÇÃO do funcionamento dos Conselhos estaduais e municipais de saúde: resultados da
A visibilidade é uma condição que se caracteriza pela transparência da pesquisa. Brasília: MS, 1995. 35p.

84
SAÚDE BUCAL COLETIVA: quadros social, epidemiológico e político A renda é outro fator que tem influência direta no processo saúde-doença
das comunidades. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios – PNAD,
Simone Rennó Junqueira, Antônio Carlos Frias, Celso Zilbovicius. realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e divulgada em
In: Rode, SM, Nunes, SG. Atualização clínica em odontologia. 2004 mostrou que 11,8% da população brasileira não têm rendimentos e outros 27,7%
São Paulo: Artes Médicas, 2004. p. 591-604. têm rendimentos de até 1 salário mínimo. A maioria da população (38,7%) apresenta
rendimento entre 1 e 3 salários mínimos; 9,9% recebem entre 3 e 5 salários mínimos,
Introdução 7,0% entre 5 e 10 e apenas 3,9% da população possuem rendimentos superiores a
10 salários mínimos. Associado aos baixos salários, a taxa de desemprego no Brasil
Nas duas últimas décadas, ocorreram mudanças profundas nos quadros foi de 7,1% em 2002.
políticos, sociais e econômicos do país. O Brasil reconquistou a democracia e, com Os indicadores de distribuição de renda mostram uma melhora pois, em
isto, o direito de opinar sobre os rumos e diretrizes das políticas públicas, 1990, do total de rendimentos de trabalho, os 10% com os maiores rendimentos
principalmente na área da saúde. É inegável que ocorreram grandes avanços, mas, detinham 48,1% do capital e, em 2001, este mesmo segmento concentrou 46,1% das
para um país que tem raízes profundamente ancoradas em um passado de exclusão receitas decorrentes do trabalho. Embora em queda, esse valor reflete a grande
social e de desigualdade na distribuição de renda, ainda há muitos setores a serem desigualdade social na distribuição de renda no país que, segundo o Bird (Banco
desenvolvidos e consolidados para que a exclusão social diminua e para que o Mundial) é um dos países com maiores desigualdades sociais da América Latina e do
acesso aos bens e serviços essenciais seja mais equânime, o que melhora mundo.
diretamente a qualidade de vida da população e, conseqüentemente, a saúde. A falta de acesso ao saneamento básico, por alguns segmentos sociais, tem
Assim, para compreender o quadro da saúde bucal no Brasil, pretende-se, fortes influências nos problemas de saúde, expondo-os a maiores riscos de adoecer
com este capítulo, descrever sucintamente o panorama social e econômico de nossa ou morrer. Quase 20% da população mundial não têm acesso à água potável e perto
população, como também o perfil epidemiológico das principais doenças de interesse de 40% não têm saneamento adequado (WHO 2003).
público na área de saúde bucal, para resgatar os principais avanços das políticas Segundo dados do censo demográfico do IBGE, no ano 2000, 76,7% dos
públicas de saúde no país. Sabe-se que estas devem ser planejadas no contexto em domicílios estavam ligados à rede de abastecimento de água, 46,2% dos domicílios
que cada população se insere para que, de fato, busquem soluções pertinentes que estavam ligados à rede de esgoto e apenas 83,3% dos domicílios apresentam
levem ao desenvolvimento sadio das pessoas. banheiros. Os indicadores de saúde demonstram que há um aumento no número de
casos de diarréia e de contaminação por parasitas intestinais em comunidades que
Quadro social não tem acesso ao saneamento básico. As crianças são as maiores vítimas e esta
Países da América Latina, inclusive o Brasil, sofrem com a péssima condição, associada à desnutrição infantil, reflete diretamente em um coeficiente de
distribuição de renda, o analfabetismo e o baixo grau de escolaridade, assim como as mortalidade infantil maior quando comparado com comunidades abastecidas por água
condições precárias de habitação e do ambiente, fatores decisivos nas condições de e com coleta de esgoto.
vida e saúde da população. Grande esforço para reduzir a mortalidade infantil tem sido feito e, uma das
A educação é um dos pontos primordiais para a consolidação e o estratégias, é o programa de vacinação. O indicador de cobertura vacinal para
desenvolvimento de uma sociedade e influencia a saúde das pessoas pois, em nível crianças abaixo de um ano, apesar do grande território nacional e das grandes
populacional, segmentos sociais com menor grau de escolaridade ou analfabetos diferenças regionais, é um dos melhores do mundo. Em 2002, 97,1% das crianças
estão mais expostos a agravos à saúde, inclusive problemas de saúde bucal. foram vacinadas contra a poliomelite, 95,6% receberam a vacina tríplice viral (DPT) e
No Brasil, em 1920, o analfabetismo atingia 65% da população acima de 15 93,3% das crianças vacinadas contra o sarampo.
anos de idade. Em 1991, esse percentual chegou a 20% e, em 2002, a porcentagem Na busca de explicações sobre a exclusão social do Brasil, Pochmann e
de analfabetos no grupo etário acima de 15 anos foi de 11,8%, um avanço significativo Amorim (2003) relataram seus novos contornos. Para os autores, a velha exclusão
no acesso à educação para este segmento social. social era marcada pelo subdesenvolvimento econômico, político, social e pelo
Embora se tenha reduzido a taxa de analfabetismo, o Brasil enfrenta um modelo do capitalismo, este último considerado uma maquina de produzir e reproduzir
problema social relacionado ao trabalho infantil, maneira perversa de favorecer o desigualdades numa população historicamente marginalizada dos frutos do
subemprego, que afasta as crianças e os jovens precocemente da escola. crescimento econômico. Criaram-se, assim, regiões com amplas exclusões marcadas
pela pobreza, pela fome, pelos baixos níveis de renda e de escolaridade, que

85
incidiram mais freqüentemente sobre os migrantes, os analfabetos, as mulheres, as Apesar de alguns avanços sociais nos últimos anos, como redução do
famílias numerosas e a população negra. analfabetismo, aumento da escolaridade média e a ampliação do direito ao acesso
A partir de 1990, o modelo econômico neoliberal gerou uma massa de aos serviços públicos com a implantação do SUS, o Brasil se configura como uma
desempregados escolarizados que vivem na pobreza pela ausência de renda, assim, complexa combinação de uma nova exclusão social que sobrepõe seus contornos
os contornos da exclusão social estão cada vez mais complexos e profundos. A nova sobre a velha exclusão social, pois as medidas econômicas, políticas e sociais
exclusão social pode ser entendida pela ampliação de parcelas significativas da implantadas ainda não foram eficientes na resolução das antigas e das novas
população em situação de vulnerabilidade social, pois atinge segmentos sociais antes desigualdades sociais.
relativamente preservados do processo de exclusão social, tais como jovens com A importância da complexidade do processo saúde-doença é o primeiro
elevada escolaridade, pessoas com mais de 40 anos, homens não negros e famílias passo para o entendimento de que as políticas públicas, inclusive as de saúde bucal,
monoparentais, caracterizada pelo desemprego, pela informalidade no mercado de devem ser direcionados para o bem-estar da população, garantindo a qualidade de
trabalho, pela explosão da violência urbana e pela vulnerabilidade juvenil. Regiões vida das pessoas.
metropolitanas, que sempre foram pólos econômicos, políticos e culturais importantes
têm seu espaço degradado, caracterizado pelas altas taxas de violência, grandes Quadro epidemiológico
contingentes de desempregados, insuficiência e precariedade de moradias (Campos
et al. 2003). Os processos de implantação, construção e consolidação do Sistema Único
Do amplo debate mundial iniciado na década de 60, realçando a de Saúde (SUS), nos seus diferentes níveis de gestão, devem ser subsidiados pelo
determinação econômica e social da saúde em oposição à abordagem curativista e de diagnóstico de saúde coletiva, o que inclui a análise de medidas demográficas,
controle de doença, emergiu a proposta de Promoção da Saúde, cuja concepção epidemiológicas e de indicadores de serviços de saúde.
extrapola os limites do setor saúde e aponta para uma articulação com outros setores A epidemiologia, ao descrever a distribuição e a magnitude dos problemas de
e para o estímulo à participação social (Brasil 2001). saúde da população, fornece dados essenciais para o planejamento, a organização e
Os brasileiros compartilham esses ideais na medida em que reforçaram, na II a avaliação das ações em saúde. Ter um sistema de informação confiável é
Conferência Nacional de Saúde Bucal (1993), a importância dos fatores determinantes fundamental para subsidiar as decisões no estabelecimento de prioridades e para o
e condicionantes da saúde, o que foi decisivo para a elaboração da Constituição da melhor uso de recursos físicos, humanos e financeiros. A intervenção nas outras
República, em 1988. A saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do variáveis do processo saúde-doença deve ser prevista para que ocorra uma efetiva
indivíduo e está relacionada diretamente com as condições de saneamento, mudança no quadro epidemiológico dos indicadores de saúde o que refletirá, dessa
alimentação, moradia, trabalho, educação, renda, transporte, lazer, liberdade, acesso forma, na melhoria da qualidade de vida na população.
e posse da terra, aos serviços de saúde e à informação. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Federação Dentária
A introdução das ciências humanas no campo da saúde, segundo Narvai Internacional (FDI) estabeleceram, em 1981, cinco metas em saúde bucal
(2002), constitui o discurso teórico da saúde coletiva, destacando as dimensões relacionadas à cárie dentária para o ano 2000, com o intuito de definir um referencial
política, social e comunitária, de forma a relativizar o discurso biológico. comum para que os países planejassem suas ações e que estas culminassem em
Ao ampliar o conceito de saúde e entendê-la como o resultado de um melhorias no quando epidemiológico de saúde bucal.
processo que sofre interferência do meio social, econômico, cultural e ambiental, No ano 2000, o Ministério da Saúde iniciou a discussão sobre a realização do
outros indicadores devem ser incorporados para compor o cenário em que vive a terceiro levantamento epidemiológico em saúde bucal em âmbito nacional que
população. avaliasse os principais agravos em diferentes grupos etários. Após um longo trabalho
Indicadores sintéticos de qualidade de vida, como o índice de de planejamento e execução, que envolveu várias instituições e a participação de
desenvolvimento humano (IDH), têm substituído os parâmetros meramente aproximadamente 2000 pessoas em 250 municípios brasileiros, o perfil de saúde
econômicos, como o produto interno bruto (PIB), na medição do desenvolvimento bucal no país foi apresentado no Projeto SB Brasil 2003 (Brasil 2004d).
local, por retratar melhor as condições de iniqüidades. Os efeitos das desigualdades Apesar dos quatro anos de atraso em relação às metas propostas pela
sociais sobre as condições de saúde da população vêm sendo objeto de estudo há OMS/FDI, os resultados do Projeto SB Brasil foram então comparados com os valores
várias décadas e, em geral, pessoas e áreas de pior nível socioeconômico sugeridos (Quadro 1). Observa-se que o Brasil conseguiu superar a meta proposta
apresentam piores condições de saúde. para a idade de 12 anos, que considera aceitável o valor do CPO-D (número de

86
dentes cariados, perdidos e obturados) menor ou igual a 3, mas isso não ocorreu de
maneira homogênea entre as regiões do país, conforme apresentado no Gráfico 1. Gráfico 1 - Prevalência da cárie dentária medida pelo índice CPO-
D, aos 12 anos de idade, segundo regiões. Brasil, 2003.

3,5
Quadro 1 – Comparação entre as metas propostas pela Organização Mundial da 3,13 3,19 3,16

3 2,78
Saúde e Federação Dentária Internacional para o ano de 2000 com relação à cárie
2,31 2,3 BR
dentária e os resultados do Projeto SB Brasil. Brasil, 2003. 2,5
N
2
NE
CPO-D
CO
1,5

Idade/faixa etária Metas da OMS SB Brasil S


1
SE

5 anos Porcentagem de crianças livres de 50,0 % 40,6% 0,5

cárie (ceo-d = 0) 0
BR N NE CO S SE

CPO-D ≤ 3
região
12 anos Valor do índice CPO-D CPO-D = 2,78

18 anos Porcentagem de indivíduos com todos 80,0% 55,1% Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 (Brasil 2004d).
os dentes presentes (P = 0)
35 a 44 anos Porcentagem de indivíduos com 20 ou 75,0% 54,0% Embora o Brasil não tenha conseguido atingir a primeira meta (Quadro 1), as
mais dentes (P ≤12) regiões Sul e Sudeste estão muito próximas de ultrapassá-la, o que representa livrar
50% das crianças aos 5 anos de idade da cárie dentária.
65 a 74 anos Porcentagem de indivíduos com 20 ou 50,0% 10,2% Para os adolescentes, adultos e idosos a situação ainda está muito distante
mais dentes (P ≤12) de uma boa condição em saúde bucal. Isso também acontece nos países
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003, adaptado (Brasil 2004d). desenvolvidos, pois a prática de assistência odontológica adotada pela maioria dos
países privilegiava o tratamento curativo, principalmente em crianças, em detrimento
O índice CPO-D em crianças aos 12 anos de idade no Brasil em 2003 foi 2,8. às ações de caráter coletivo voltadas para a promoção da saúde. Essa prática
Pelos critérios da OMS, esse valor é considerado como de prevalência moderada mostrou-se ineficaz para a melhoria da saúde bucal, daí a situação precária dos
(entre 2,7 e 4,4). Como exemplos de países com baixa prevalência estão os Estados adultos no mundo inteiro.
Unidos, Canadá, França e Alemanha, pois possuem valores do índice entre 1,2 e 2,6. Estudos demonstraram que, a partir da década de 70, ocorreu uma
Alguns países da África, Austrália, Inglaterra e China apresentaram o CPO-D inferior a significativa redução na prevalência da cárie dentária em crianças nos países
1,2 e, portanto, são considerados como de prevalência muito baixa (Brasil 2004d; desenvolvidos e constataram que, acompanhado da redução da prevalência, ocorreu
WHO 2003). o fenômeno conhecido como polarização da doença, caracterizado pela concentração
dos mais altos índices de cárie em pequenos grupos populacionais dentro de um
mesmo país ou região.
Em pesquisas populacionais realizadas no Brasil, esta redução também é
verificada entre os anos de 1986 (CPO-D = 6,65) e 2003 (CPO-D = 2,78), ou seja,
uma redução de 58,2% na prevalência de cárie dentária nas crianças com 12 anos de
idade, conforme mostra o Gráfico 2 (Brasil 1989, 2004d). Embora tenha ocorrido a
diminuição do índice, a proporção entre seus componentes não foi alterada; o
componente cariado ainda é responsável por pouco mais de 60% da composição do
índice.

87
Gráfico 2 - Prevalência da cárie dentária, medida pelo índice CPO- Gráfico 3 - Prevalência da cárie dentária, medida pelo índice
D e seus componentes, aos 12 anos de idade. Brasil, 1986 e 2003. CPO-D e seus componentes, aos 12 anos de idade. Estado de
São Paulo, 1982, 1986, 1998, 2002.

7 8
6 2,12 7
6 2,52
5 0,44 5
2,3
obturado
0,46 0,39 obturado
4 CPO-D 4
CPO-D
3 0,91 perdido 3
4,16 2,29 perdido
4,09 0,18 2 3,78 0,11 1,66 cariado
2 cariado
1,69
1 1,33 0,05
0,81
1 0
1982 1986 1998 2002
0
1986 2003 ano

ano

Fonte: São Paulo 2003.


Fontes: Brasil. Ministério da Saúde. Levantamento epidemiológico em saúde bucal:
Brasil, zona urbana, 1986 (Brasil 1989). Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003 No entanto, a cárie dentária constitui ainda um dos principais problemas de
(Brasil 2004d). saúde bucal no mundo. Mesmo com a descoberta de métodos de prevenção, a
multifatoriedade da doença e todo o contexto social atribuído ao campo da saúde
dificultam seu controle.
O Gráfico 3 traz os valores do índice CPO-D aos 12 anos de idade em Embora os fatores responsáveis pelo desenvolvimento da cárie sejam o
diferentes estudos epidemiológicos no Estado de São Paulo (São Paulo 2003), o que acúmulo de bactérias sobre os dentes e a ingestão freqüente de açúcar, o que
confirma o declínio da experiência de cárie dentária entre as crianças. Tão importante provoca queda de pH da saliva com conseqüente perda de estrutura mineral, a
quanto à redução no índice foi a inversão na composição entre os componentes do medida de maior impacto para o controle da doença é o uso racional do flúor.
mesmo, pois, se em 1982 o valor do componente cariado correspondeu a 58,2% do O principal veículo para o flúor é a água de abastecimento público,
índice, em 2002 ele caiu para 32,1%, sendo que o peso maior foi atribuído ao considerado um método sistêmico. A fluoretação das águas de abastecimento público
componente restaurado (65,9%). é uma medida efetiva para reduzir a prevalência de cárie em âmbito populacional, tem
Essa redução pode ser explicada pela aplicação de métodos de prevenção baixo custo per capita e atinge de forma indiscriminada e de maneira universal todas
em massa, baseados na fluoretação das águas de abastecimento público, pela as pessoas abastecidas por água, além de ser seguro, pois não causa danos à saúde
ampliação do acesso às ações coletivas de saúde bucal desenvolvidas no âmbito do quando a concentração de flúor está dentro de padrões recomendados como ótimos.
SUS e pelo uso de dentifrícios fluoretados por grande parte da população (Freitas A fluoretação das águas de abastecimento público é a medida mais ampla de
2001). promoção de saúde na área de saúde bucal, pois associa ao benefício da água
tratada, o seu impacto epidemiológico na redução de prevalência de cárie dentária,
que é em média de 50 a 60% após 10 anos de uso contínuo. A prevalência de cárie é
49% maior em cidades que não se utilizam deste método sistêmico, assim como os
componentes cariados e perdidos são expressivamente maiores do que em
comunidades com este benefício (Brasil 2004d).
Por isso, foi considerada uma das dez maiores ações em saúde pública do
século XX (CDC 1999) e quase 210 milhões de pessoas no mundo recebem esse
benefício. É recomendada pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da

88
Saúde, sendo obrigatória no Brasil onde houver estação de tratamento de água desde entre os idosos, não por estarem saudáveis, mas por possuírem poucos dentes na
1975, quando foi regulamentada a Lei Federal 6.050, de 24/05/1974. boca para serem examinados (Brasil 2004d).
De acordo com o relatório sobre as condições de saúde bucal no Estado de
São Paulo, em 2002, as crianças de 12 anos de idade apresentaram, em média, 2,5 Gráfico 5 - Porcentagem de indivíduos livres de doença periodontal, segundo faixas etárias, no Brasil e
dentes atacados pela cárie. Aquelas que moravam em cidades sem flúor na água na região Sudeste em 2003 e no Estado de São Paulo em 2002.
apresentaram, em média, um dente a mais atacado pela cárie quando comparadas
com crianças que viviam em cidades com flúor na água. O mesmo ocorreu entre as 70 63,9
crianças aos 5 anos de idade (Gráfico 4). Deve-se destacar que, com essa baixa 60 54

prevalência de cárie, um dente a mais acometido pela doença tem um peso 50 46,2

importante, pois implica num custo maior para o tratamento restaurador (São Paulo BR

porcentagem
40
29,9 SE
2003). 30
21,9 23 SP

20

7,9 9,1
6,5
10

Gráfico 4 - Prevalência da cárie dentária, medida pelos índices ceo-d 0


15-19 35-44 65-74
aos 5 anos e CPO-D aos 12 anos de idade. Média no Estado e nos faixas etárias

municípios com ou sem flúor na água de abastecimento. Estado de


São Paulo, 2002.
Fontes: Brasil 2004d. São Paulo 2003.
3,5
3,5 3,1 A periodontite severa, caracterizada pela presença de bolsas periodontais
3
2,5 superiores a 6 mm – de acordo com o Índice Periodontal Comunitário (CPI), está
2,3 2,3
2,5 2,2
Estado presente em 5 a 15% da população mundial. O tabagismo foi apontado como
índice
2
responsável por mais da metade dos casos de doença periodontal em adultos de
1,5 Com flúor
países industrializados (WHO 2003).
1
Sem flúor O edentulismo, embora não considerado com um problema de saúde pública
0,5
por ser decorrente da cárie e/ou da doença periodontal, principalmente em adultos e
0
ceo-d (5 anos) CPO-D (12 anos) idosos, merece ser destacado. Em grande parte do mundo, a perda dentária é ainda
idade
considerada uma conseqüência natural do envelhecimento. Os Estados Unidos
possuem 26% de edêntulos na faixa etária de 65 a 69 anos de idade e alguns países
Fonte: São Paulo 2003. da Europa, como a Itália, Áustria e Lituânia, possuem menos de 20% de desdentados
totais entre 65 e 74 anos de idade (WHO 2003).
Em 2004, apenas 60% dos municípios brasileiros com abastecimento de Os resultados preliminares da Pesquisa Mundial em Saúde, conduzida no
água faziam a fluoretação. Garantir a fluoretação das águas é uma grande vitória, mas Brasil pelo Ministério da Saúde e pela Fiocruz (2003) apontaram um percentual de
deve-se também garantir a vigilância dos teores de flúor em níveis adequados para 37,8% de indivíduos com mais de 50 anos de idade sem nenhum dente natural
que a população não esteja exposta à superdosagem (risco de fluorose dentária) ou presente na boca.
subdosagem, o que não traria benefício para a redução da prevalência de cárie O tabagismo é apontado não só como um importante fator de risco para as
dentária. doenças periodontais, mas também para as lesões malignas em tecido mole. A taxa
Com relação à doença periodontal, os índices ainda são preocupantes de incidência do câncer bucal varia de 1 a 10 casos por 100.000 habitantes em
(Gráfico 5). Menos de 50,0% dos jovens brasileiros entre 15 e 19 anos não têm diversos países. A prevalência do câncer de boca é particularmente elevada entre os
problemas periodontais, porcentagem que diminui com o aumento da faixa etária pois, homens e está em 8o lugar, segundo a localização primária mais freqüente na
o
dentre os idosos brasileiros (65 a 74 anos de idade), apenas 7,9% estão livres da população mundial e em 6 lugar no Brasil, pelos dados do Instituto Nacional do
doença. Esta situação apresentou-se pouco mais favorável no Estado de São Paulo, Câncer (INCA) em 2003. Na Ásia está entre os três locais mais freqüentes (WHO
nas diferentes faixas etárias. Entretanto, índices periodontais apresentam-se baixos 2003).

89
A OMS, em publicação sobre as condições de saúde bucal no mundo, variáveis que permeiam as condições básicas de subsistência como acesso ao
reforçou que as doenças bucais são influenciadas por fatores sociais, ambientais e trabalho, terra, moradia, lazer, transporte etc, a sociedade brasileira assistiu a um
comportamentais, que podem agir como fatores de risco – no caso de desigualdades crescimento significativo de uma prática de saúde mercantilizada, onde a assistência
sociais, consumo de bebidas alcoólicas e cigarro, dentre outros, ou como fatores de médico-hospitalar transformou-se num instrumento de negociações entre empresas
proteção – como no caso da exposição à produtos fluoretados. São ainda prestadoras e seus clientes, o que construiu uma imagem em que as ações de saúde
consideradas como problemas de saúde pública por suas elevadas prevalências e pública, tanto as de cunho preventivo como as assistenciais, ficariam restritas às
incidências no mundo e pelos efeitos que trazem em relação à dor, sofrimento, camadas menos favorecidas da população, em oposição assim aos princípios do
deficiência funcional e deterioramento da qualidade de vida (WHO 2003). SUS.
Ainda neste relatório, a OMS enfatizou a necessidade de se priorizar as ações A saúde bucal coletiva no Brasil acompanhou este processo de construção e
de educação voltadas para as doenças que apresentam fatores de risco evitáveis implantação do Sistema Único de Saúde, com o avanço, de maneira significativa, na
ligados ao modo de vida, como má alimentação e tabagismo. Este não deve ser o elaboração de políticas públicas, delineado por um sistema de atenção que transforme
único foco, pois programas com ênfase em componentes educativos relacionados aos a prática de assistência odontológica descrita, já no relatório final da VII Conferência
riscos comportamentais passíveis de mudança atribuem a responsabilidade ao próprio Nacional de Saúde, realizada em 1980 (antes da implantação do SUS), como ineficaz,
indivíduo, distanciando-se da proposta de promoção da saúde que, por meio de ineficiente, de baixa cobertura, de caráter monopolista e mercantilista, com uma baixa
políticas públicas, busca criar condições sociais, econômicas, culturais e ambientais resolubilidade e mal distribuída geográfica e socialmente.
favoráveis ao desenvolvimento da saúde e da capacidade de decisão dos indivíduos. A necessidade de se formar cirurgiões-dentistas capazes de planejar,
A mudança de comportamento ou de hábitos é apenas um dos objetivos da executar e avaliar ações individuais e coletivas voltadas para as necessidades tanto
educação em saúde. O propósito da educação é a libertação humana, ou seja, tornar socioeconômicas como epidemiológicas da população, já fora apontada desde a I
os indivíduos sujeitos de seu próprio aprendizado e participantes de atividades para Conferência Nacional de Saúde Bucal (Brasil 1986).
que desenvolvam um pensamento crítico capaz de analisar o contexto social de seus Adotar como critério a necessidade de se aumentar a quantidade de
problemas para buscar soluções. cirurgiões-dentistas no mercado de trabalho, com a alegação de que muitos não têm
A prática educativa contribui para o fortalecimento da noção de cidadania e da acesso à serviços de saúde bucal por falta de profissionais, não foi, e não será,
participação em organizações sociais co-responsáveis pelas definições das políticas suficiente para reverter o quadro epidemiológico em saúde bucal dos brasileiros.
públicas de saúde pertinentes ao bem-estar da sociedade. Sobre o acesso aos serviços odontológicos, o relatório da Pesquisa Nacional
por Amostragem de Domicílios (PNAD), realizada em 1998, afirmou que 18,7% da
Quadro Político população brasileira nunca foram ao dentista. O relatório do Projeto SB Brasil 2003
apontou um percentual de 13,5%.
Políticas Públicas de Saúde - o Sistema Único de Saúde Sabe-se que, mais que um desequilíbrio quantitativo, o país sofre com uma
distribuição profissional irregular, cujo planejamento pressupõe que sejam adotados
O final do século XX representou, para a saúde coletiva brasileira, um critérios sociais e epidemiológicos. No Estado de São Paulo, por exemplo, o número
momento marcado por importantes avanços das políticas públicas de saúde, porém de cirurgiões-dentistas registrados no Conselho Regional de Odontologia é maior em
acompanhados de contradições caracterizadas por uma adoção de práticas municípios que apresentam melhores indicadores sociais como renda média, índice
macroeconômicas de cunho neoliberal que dificultaram a implantação destas políticas. de condições de vida e distribuição de renda, o que denota o caráter privativo
Desde a promulgação da Constituição de 1988, que determinou a saúde preferencial dos profissionais.
como direito de todos e dever do Estado, e da regulamentação do Sistema Único de A atual orientação do Conselho Nacional de Educação, por meio das
o
Saúde (SUS) pela da Lei n 8080, de 19/9/1990, a busca por uma política pública que diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em odontologia, reforça a
reflita e ponha em prática os princípios de universalidade, eqüidade e integralidade, importância de se formar cirurgiões-dentistas capazes de “atuar em todos os níveis de
em resposta às necessidades da sociedade brasileira, tornou-se o paradigma principal atenção à saúde, (...) pautados em princípios éticos, legais e na compreensão da
da saúde pública. realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a
Acompanhado deste processo de transição de uma prática excludente para transformação da realidade em benefício da sociedade” (Brasil 2002).
uma prática voltada para a promoção da saúde, dentro de uma visão onde esta não Embora a formação do profissional de saúde inclua tarefas tradicionais de
mais representa somente a ausência de doença e sim uma teia multifatorial de caráter técnico, é necessário que compreenda o que é trabalhar em saúde, adquirindo

90
conhecimentos e habilidades para a interlocução, para se dirigir a um público e, Este processo de resgate da consciência sanitária não ocorre de maneira
principalmente, para incorporar em seu exercício o universo político que o rodeia. rápida e, pode-se dizer que ainda está em franco desenvolvimento. Porém teve
A melhor qualificação dos futuros profissionais deve ser acompanhada da importantes movimentações nos últimos anos, tanto em nível municipal com inúmeros
formação e integração de outros profissionais na Equipe de Saúde Bucal como os projetos locais sendo implantados pelo país, como no nível federal com a
auxiliares de consultório dentário (ACD) e os técnicos de higiene dental (THD). reformulação da área técnica de saúde bucal do Ministério da Saúde, que permitiu o
Segundo Narvai (2003), “a equipe de saúde bucal é o novo sujeito da nova prática avanço de ações importantes em nível nacional.
odontológica que se está buscando criar e consolidar, prática que seja capaz de,
efetivamente, promover saúde bucal”. A integração destes profissionais permite, de A saúde bucal e o Programa de Saúde da Família
forma racional, o aumento da produtividade, da qualidade e do rendimento do sistema
de trabalho, desde que se respeite uma proporção adequada entre auxiliares e Como uma estratégia para estruturar o modelo assistencial na atenção
cirurgiões-dentistas. básica do SUS, o Ministério da Saúde introduziu, em 1994, o Programa de Saúde da
Como salientado por Narvai (2003), o poder público não pode se eximir do Família (PSF), inspirado no Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS)
estabelecimento de diretrizes para a formação e desenvolvimento de recursos criado em 1991. A família é a unidade de ação do programa, cujo projeto tem como
humanos odontológicos que de fato tragam benefícios à saúde da população. A eixo central as ações de vigilância à saúde vinculadas à rede de serviços do SUS,
Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde, com garantia de atenção integral aos indivíduos e suas famílias (Roncalli 2003). O
assumiu esse papel de gestor federal do SUS no que diz respeito à formulação de PSF apresenta um enfoque de trabalho multiprofissional onde a equipe mínima é
políticas para a formação, desenvolvimento, distribuição, regulação e gestão dos constituída por um médico generalista ou médico da família, um enfermeiro, um
trabalhadores da saúde no Brasil (Brasil 2004e). auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde, número
Como estratégia para a recomposição das práticas no setor saúde surge a este que varia conforme o número de pessoas sob a responsabilidade do agente
Política de Educação e Desenvolvimento para o SUS, cuja proposta de educação comunitário que é, em média de 550 pessoas.
permanente pressupõe a realização do encontro entre o mundo de formação e o A inserção da saúde bucal no PSF ocorreu de forma não organizada, ficando
mundo de trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das restrita a alguns municípios brasileiros até o ano 2000. Em 2001, o Ministério da
organizações e ao trabalho, portanto, este encontro tem como referências a Saúde, com a Portaria MS no 1444, de 28/12/2000, regulamentada pela Portaria no
necessidade de saúde das populações, a gestão local dos serviços e o controle social 267 de 06/03/2001, instituiu um incentivo financeiro para a integração de uma equipe
(Brasil 2004e). de saúde bucal para cada duas equipes do Programa de Saúde da Família, por meio
Sobre as necessidades de saúde da população, estratégias adotadas no de duas possíveis modalidades: Modalidade I - composta por CD e ACD (ambos 40
nível coletivo como a fluoretação das águas de abastecimento, a adição de flúor aos horas semanais) ou Modalidade II - composta por CD, THD e ACD (todos 40 horas
dentifrícios e a estruturação de ações coletivas no âmbito do SUS contribuíram para o semanais).
decréscimo dos índices de cárie dental em crianças. Mas, ao mesmo tempo, faz-se A Portaria no 673/03, do Ministério da Saúde, alterou a proporção de equipes
necessário um amplo processo de formulação de uma política nacional de saúde de saúde bucal no PSF para 1:1, ou seja, para cada equipe de saúde da família
bucal que responda às necessidades de todas as faixas etárias da população poderá ser integrada a respectiva equipe de saúde bucal. Para a efetivação destas
brasileira e que não mais se caracterize por uma prática exclusiva para as “gerações equipes foi criado um sistema de transferência de recursos especiais para os
do futuro” e mutiladora para as populações adultas. municípios habilitados em uma das modalidades. Segundo dados do Ministério da
Assim, é possível afirmar que a Saúde Bucal Coletiva brasileira adentrou o Saúde (de setembro de 2004), estes valores correspondiam a R$ 20.400,00 anuais
século XXI com importantes desafios como o de universalizar a atenção para alterar o por equipe na modalidade I e R$ 26.400,00 anuais na modalidade II. O Gráfico 6
perfil epidemiológico das populações adultas; implantar um sistema racional de mostra que o crescimento do número de equipes de saúde bucal, em 20 meses, foi de
trabalho, por meio da equipe de saúde bucal, para aumentar o acesso da população 96,8%. Em termos populacionais, ampliou-se de 26.170.330 habitantes em dezembro
brasileira dentro de uma perspectiva integral de saúde que respeite a eqüidade e o de 2000 para 44.402.239 habitantes em agosto de 2004, o que representa um
perfil de cada população e inserir a saúde bucal na agenda da política nacional de aumento de 69,7%.
saúde, quer seja nas decisões governamentais ou nas esferas de Conselhos de
Saúde e demais fóruns de representação da sociedade onde a saúde for discutida.

91
Gráfico 6 - Crescimento do número de Equipes de Saúde Bucal (ESB) no Programa Saúde da Família. Brasil,
o acesso a uma assistência em saúde bucal integralizada, onde as “linhas de cuidado”
2002 a 2004. (da criança, do adolescente, do adulto e do idoso) tenham fluxos centrados no
acolhimento, na informação, no atendimento e no encaminhamento (referência e
8384
contra-referência) para que resultem em ações resolutivas.
9000 Para ocorrer esta mudança na prática odontológica, segundo a PNSB, são
8000

7000
6170 necessários importantes processos que visem ampliar e qualificar a assistência –
6000

5000
4261 dez. 2002 desde a efetiva inclusão das equipes de saúde bucal no PSF como forma de garantir
núm ero de equipes
4000
dez. 2003

ago. 2004
o acesso à atenção básica, até a estruturação da atenção no nível secundário e
3000

2000
terciário, visto que estes serviços odontológicos especializados, no âmbito do SUS,
1000
correspondem a não mais do que 3,5% do total de procedimentos clínicos
0
dez. 2002 dez. 2003 ago. 2004
odontológicos (Brasil 2004b).
período
Esta política apresenta uma proposta de permanente sistema de vigilância
epidemiológica e de informações para acompanhar o impacto das ações, avaliar e
Fonte: Ministério da Saúde 2004. planejar distintas estratégias e/ou adaptações que se façam necessárias devido aos
diferentes perfis socioeconômicos da população brasileira. Neste sentido, uma agenda
É importante salientar que o PSF é uma estratégia de organização da de pesquisas científicas que envolvam tanto o estudo dos principais problemas de
atenção básica no SUS e que tem como base fundamental de sua ação a saúde bucal como o desenvolvimento de alternativas tecnológicas é fundamental para
territorialização, com um enfoque na determinação de necessidades sociais e a efetiva dinamização desta política.
epidemiológicas da população adscrita, portanto, deve ser implantado levado-se em A PNSB teve suas primeiras movimentações durante o ano de 2004 com o
conta a devida integração com os demais níveis de atenção do SUS (secundário e lançamento do Programa Brasil Sorridente que previu, até o final de 2006, um
terciário) e não pode ser analisado como um processo isolado e verticalizado de investimento da ordem de R$ 1,3 bilhão em saúde bucal no contexto do SUS. Dentre
estruturação da saúde pública brasileira. A saúde bucal, neste contexto, também deve as ações propostas estão: a implantação de Centros de Especialidades Odontológicas
ter um enfoque estruturado numa concepção de promoção da saúde, integrada às (CEO), que serão distribuídos em todos os estados brasileiros nos municípios que já
demais áreas da saúde. apresentarem um histórico de referência em atendimento especializado em outras
áreas; a distribuição de insumos para as equipes de saúde bucal realizarem
Política Nacional de Saúde Bucal procedimentos clínicos restauradores e preventivos, o que aumenta a resolubilidade
da atenção básica; o aumento dos incentivos das equipes de saúde bucal dentro do
O Ministério da Saúde lançou, no início de 2004, a Política Nacional de PSF com o fornecimento de equipamento odontológico completo para as equipes na
Saúde Bucal (PNSB), marco inicial do extenso processo de debates e construção de modalidade II; o apoio para a implantação da fluoretação das águas de abastecimento
estratégias que culminariam com a realização da III Conferência Nacional de Saúde em municípios que ainda não tenham realizado esta importante medida de prevenção
Bucal no mesmo ano. Este documento, que apresenta as linhas fundamentais desta (Brasil 2004c).
política, apresenta o “conceito de cuidado como eixo de reorientação do modelo, Para a efetiva implantação destas políticas públicas de saúde, caracterizadas
relacionado a uma concepção de saúde não mais centrada na assistência aos por ações de médio e longo prazo, é necessário o acompanhamento e uma efetiva
doentes, mas, sobretudo, na promoção de boa qualidade de vida e na intervenção nos participação da sociedade. Este processo é possível no cotidiano do SUS por meio
fatores que a colocam em risco, na incorporação das ações programáticas de uma dos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde existentes em todo o território
forma mais abrangente e no desenvolvimento das ações intersetoriais” (Brasil 2004b). nacional, bem como pela participação nas Conferências de Saúde, convocadas para o
Com uma visão integral do processo saúde-doença, a PNSB propõe uma permanente diálogo e debate dos atores envolvidos na construção de um sistema que
reorientação do modelo de atenção, apoiada numa adequação do sistema de trabalho é dinâmico e democrático.
das Equipes de Saúde Bucal para que englobem ações de promoção e proteção da
saúde. A equipe de saúde, em conjunto com os demais setores da sociedade, deve
participar da construção da consciência sanitária, numa movimentação política e
social que transcende a dimensão técnica da odontologia, para ampliar racionalmente

92
III Conferência Nacional de Saúde Bucal sistema efetivo de escuta social, onde as necessidades da população, dos servidores
e dos gestores sejam efetivamente debatidas no processo de construção de propostas
Após onze anos desde a realização da II Conferência Nacional de Saúde para a melhoria da atenção em saúde.
Bucal, foi realizada em Brasília, em 2004, a III Conferência Nacional de Saúde Bucal, Entre as várias análises e proposições do eixo de debates sobre a formação
que contou com a participação de 883 delegados eleitos (447 representantes de e trabalho em saúde bucal, destaca-se que, apesar do Brasil contar com um grande
usuários dos serviços de saúde de todos os Estados, 228 representantes dos número de cursos de graduação em odontologia (no início de 2004 eram 161 cursos),
trabalhadores da saúde e 208 representantes dos gestores e prestadores de serviços o modelo formador de profissionais em saúde bucal está dissociado da realidade
de saúde). Esta etapa concluiu um importante processo nacional de conferências brasileira, pois não orienta os egressos a uma efetiva prática comprometida com as
municipais e estaduais, onde cerca de 8 mil pessoas participaram na elaboração de reais necessidades da maioria da sociedade brasileira, o que aponta para um
propostas e documentos que resultaram na redação de um relatório fina que reflete, “diagnóstico de alienação perniciosa do ensino odontológico na formação de recursos
assim, um esforço coletivo para o amadurecimento do SUS e a consolidação da humanos em saúde bucal” (Brasil 2004a).
noção de direito à saúde, após 15 anos desde a promulgação da Constituição da O relatório propôs uma estratégica redefinição do modelo de formação de
República de 1988. recursos humanos que: estimule a discussão do projeto político-pedagógico dos
O tema central da III CNSB, “saúde bucal: acesso e qualidade, superando a cursos formadores destes profissionais na área da saúde; que efetive uma
exclusão social”, foi debatido a partir de quatro eixos temáticos: 1) educação e aproximação entre as instituições formadoras e o sistema de saúde, por exemplo, por
construção da cidadania; 2) controle social, gestão participativa e saúde bucal; 3) meio de estágios supervisionados ou pela implantação dos pólos de educação
formação e trabalho em saúde bucal e 4) financiamento e organização da atenção em permanente em saúde em todos os estados brasileiros que visem a capacitação de
saúde bucal. Deste processo de debates, um extenso conjunto de proposições foi profissionais de saúde, incluídos os da saúde bucal, de acordo com as realidades
examinado, aprovado e submetido ao Conselho Nacional de Saúde para que sirva de locais de cada região.
referência à sociedade e ao Estado brasileiro na tomada de decisões e na No que diz respeito ao financiamento em saúde bucal, a III CNSB reafirmou a
organização da atenção em saúde bucal (Brasil 2004a). necessidade de se buscar mecanismos efetivos de financiamento do sistema de
Com relação à educação e construção da cidadania, o relatório final reforçou saúde, inclusive da saúde bucal, para que não se restrinjam aos patamares mínimos
a noção de educação em saúde como um dos instrumentos “de formação para uma previstos na Emenda Constitucional 29 (EC 29), aprovada em 2000, que instituiu
nova cultura política de participação popular e de exercício da cidadania, de forma percentuais mínimos obrigatórios para a saúde em cada esfera de governo. Porém, a
individual ou coletiva, na superação das desigualdades econômicas e sociais EC 29 ainda não foi regulamentada, o que dificulta um aumento significativo de verbas
existentes, que restringem a melhoria nos padrões de saúde em nosso país, de para a implantação das políticas públicas do setor. O relatório final ainda destacou a
acordo com as diretrizes do SUS” (Brasil 2004a). necessidade de se aumentar os valores repassados pelo SUS aos municípios, por
O relatório ainda frisou que “a construção de uma política de informação e meio do Piso da Atenção Básica (PAB), o que garantiria assim o custeio das ações
comunicação para a melhoria da saúde, além de produzir informações para os em saúde bucal.
cidadãos, esferas de gestão, prática profissional, geração de conhecimento e controle A organização de um modelo de atenção em saúde bucal faz parte do último
social, contribuirá no processo de formulação, acompanhamento e avaliação da capítulo do relatório final da III CNSB. Este perfez as considerações abordadas nos
política de saúde e nela incluída a saúde bucal”. Ressaltou a necessidade de se debates sobre a atenção básica em saúde bucal no SUS, especificamente as
garantir o acesso à informação, direito do cidadão, tanto por parte da sociedade como determinadas à ampliação e incorporação definitiva das equipes de saúde bucal na
de todas as esferas de governo. É necessária uma estratégia de educação equipe mínima do PSF e reafirmou, de forma contundente, que:
permanente em saúde bucal, formal e popular, nos diversos marcos sociais, que “na odontologia, a viabilização de uma nova prática em saúde bucal
inclua projetos de integração entre a educação, a saúde e a comunicação social, para para a dignificação da vida e a conquista da cidadania, depende do
contribuir com a capacitação e a formação de profissionais que empreguem desenvolvimento de um modelo de atenção em saúde bucal
metodologias pedagógicas participativas e eficientes. orientado pelos princípios da universalidade do acesso, da
A área temática de controle social, gestão participativa e saúde bucal integralidade, da eqüidade e caracterizado pela resolubilidade das
reforçou a necessidade de discutir as questões de saúde bucal em todas as esferas ações que realiza” (Brasil 2004a).
de participação social do SUS, tanto nos Conselhos de Saúde como nas
Conferências, o que garante não apenas os mecanismos de fiscalização, mas um

93
Considerações Finais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A saúde no Brasil deve ser pensada dentro deste contexto social e
o
econômico em que vive o país, caracterizado pela desigualdade social e alto índice de Brasil. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES n
desemprego. A resposta às pressões, como a acelerada urbanização, o 3, de 19/02/2002. Brasília: DOU, 04/03/2002. Seção 1, p. 10.
envelhecimento da população, o crescimento ou a volta de doenças típicas do Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde. Divisão
Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em saúde bucal:
subdesenvolvimento, entre outras, passa pela conjugação de padrões aceitáveis de
Brasil, zona urbana, 1986. Brasília: CD-MS; 1989.
emprego, segurança, de educação básica, de alimentação adequada, de Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. II Conferência Nacional de Saúde
disponibilidade de serviços de água, esgoto e coleta de lixo e por melhores condições Bucal. Brasília, 25 a 27 de setembro de 1993. Relatório final. Brasília: CFO; 1993.
ambientais, com ênfase na prevenção e promoção da qualidade de vida. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto Promoção da Saúde. Brasília: MS; 2001.
Diante dos quadros sociais e epidemiológicos brasileiros e, reafirmada a Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisa Mundial de Saúde. Brasil 2003.
importância dos fatores determinantes do processo saúde-doença, as políticas Primeiros Resultados. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003.
públicas devem ser direcionadas para a promoção da saúde, cujas estratégias devem Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. III Conferência Nacional de Saúde
enfatizar a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da saúde e da Bucal. Brasília, 29 de julho a 01 de agosto de 2004. Relatório final. Brasília; 2004a
Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Disponível em URL:
capacidade dos indivíduos, o que demanda uma abordagem intersetorial.
http://www.saude.gov.br. Acesso em 21 de setembro de 2004b.
Para isso, é necessário primeiro a formação de profissionais socialmente Brasil. Ministério da Saúde. Programas da Saúde. Brasil Sorridente. Disponível em URL:
compromissados e capazes de produzir mudanças não apenas no padrão de doença http://saude.gov.br. Acesso em 21 de setembro de 2004c.
da população, mas, fundamentalmente, na conscientização da importância da Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.
participação popular no planejamento, execução e controle das ações e serviços Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003.
prestados à comunidade. Resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004d.
O conhecimento das necessidades em saúde bucal e das limitações (ainda) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.
do sistema por parte da sociedade civil organizada, só favorece o desenvolvimento de Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de Educação e Desenvolvimento
para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde. Pólos de Educação
políticas públicas que sejam adequadas ao perfil epidemiológico e que melhorem a
Permanente em Saúde. Série C. projetos, Programas e Relatórios. Brasília/DF; 2004e.
qualidade de saúde bucal da população. Esta deve ser objeto de permanente Campos A, Pochmann R, Amorim R, Silva R. (org). Atlas da exclusão social no Brasil: dinâmica e
discussão social, por isso a ênfase dada às CNSB, pelo seu caráter de fórum de manifestação territorial. volume 2. São Paulo: Cortez, 2003.
debate capaz de apresentar propostas e de direcionar as decisões sobre as políticas CDC. Centers for Disease Control and Prevention. Achievements in public health, 1990-1999:
públicas de saúde bucal. fluoridation of drinking water to prevent dental caries. MMWE 1999; 48: 933-40.
O amadurecimento e a consolidação da Saúde Bucal Coletiva no Brasil Freitas SFT. História social da cárie dentária. Bauru: EDUSC; 2001.
a
demonstram que a construção de um modelo, antes visto como utópico, é viável e Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva. 2 ed. São Paulo: Santos; 2002.
culminaram com esta política nacional de saúde bucal mais abrangente e com a Narvai PC. Recursos humanos para promoção da saúde bucal: um olhar no início do século XXI.
a
In: Kriger L. Promoção de saúde bucal: paradigma, ciência, humanização. 3 ed. São Paulo:
realização da III CNSB, onde se discutiu as inúmeras experiências já realizadas e
Artes Médicas; 2003. p.475-494.
apontou-se para a necessidade de se firmar uma extensa agenda com ações a
Pochmann M. Amorim R. (org). Atlas da exclusão social no Brasil. 2 ed. São Paulo: Cortez;
integradas que efetivamente contribuam para a melhoria da saúde bucal dos 2003.
brasileiros. Com isto, a prática odontológica, quer pública ou privada, tem a Roncalli AG. O desenvolvimento das políticas de saúde no Brasil e a construção do Sistema
possibilidade de ser fundamentada em novas perspectivas, visto que o resultado Único de Saúde. In: Pereira AC. Odontologia em Saúde Coletiva: planejando ações e
dessas ações pode alterar o perfil de saúde bucal da população. promovendo saúde. Porto Alegre: ArtMed; 2003. p.28-49.
São Paulo. Secretaria de Estado da Saúde. Centro Técnico de Saúde Bucal. Condições de
saúde bucal no Estado de São Paulo em 2002. Projeto SB 2000: amostra ampliada para o
Estado de São Paulo. São Paulo: SES; 2003.
Os autores agradecem a colaboração do Prof. Dr. Gilberto Alfredo Pucca Junior,
World Health Organization. The World Oral Health Report, 2003. Continuous improvement of oral
coordenador nacional de saúde bucal do Ministério da Saúde e equipe pelo st
health in the 21 century: the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Genebra:
fornecimento de dados. WHO/NMH/NPH/ORH; 2003.

94
15 ANOS DO SUS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS Necessidades de saúde "elásticas" e recursos de financiamento "finitos"
1
Luiz Roberto Barradas Barata Desde seu surgimento, há 15 anos, o SUS se tomou um dos sistemas
Oswaldo Yoshimi Tanaka2 de saúde públicos de maior cobertura do mundo. Sua efetivação implicou na
José Dínio Vaz Mendes3 organização de uma ampla rede de serviços e ações de saúde, abrangendo todos os
níveis de complexidade.
Todos aqueles que batalham pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Para aqueles que têm acompanhado este desenvolvimento, destaca-se
nosso país reconhecem os grandes avanços do sistema ocorridos na última década, a contínua necessidade de aumento de recursos financeiros para as atividades do
incluindo a ampliação do acesso da população aos serviços de saúde, tanto na sistema, fato este que, muitas vezes, incomoda as áreas econômico-financeiras de
atenção básica quanto na de maior complexidade, acompanhados de um processo de governo.
descentralização bastante aprofundado, deixando os municípios como os principais Entretanto, não poderia ter ocorrido de outra forma e continuará a ser
atores da saúde no sistema público. assim por muito tempo.
Este avanço resultou do grande impulso dado à política de saúde Até a Constituição de 1988 o Brasil não reconhecia a saúde como um
nacional, pelas propostas progressistas do movimento de reforma sanitária de direito social e só garantia serviços de assistência médica e odontológica aos
a
décadas anteriores, inicialmente consagradas pela 8 Conferência Nacional de Saúde beneficiários da previdência social, excluindo a maioria da população, impedindo seu
de 1986 e posteriormente incluídas na Constituição Federal, tomando a universalidade acesso às ações de saúde mais elementares.
do direito à saúde uma conquista social definitiva no Brasil. Este fato, associado às demais desigualdades sociais existentes e às
Entretanto, a implementação do SUS, como seria esperado em condições de pobreza de grande parte da população, geravam condições de saúde
processos sociais complexos, desencadeou novos problemas financeiros, alarmantes no país.
organizacionais e gerenciais, que desafiam e retardam a concretização de algumas O SUS modificou totalmente esta perspectiva ao adotar os princípios da
das premissas constitucionais do sistema e exigem reflexão e estratégias de universalidade do direito à saúde, da integralidade e da eqüidade no atendimento das
enfrentamento por parte dos gestores e de todos que entendem a saúde, como necessidades de saúde da população. A nova perspectiva exigiu a incorporação e o
condição imprescindível da cidadania. atendimento de parcela importante da população de excluídos, tornando necessária a
Para efeito de reflexão sobre o tema, abordaremos neste documento expansão da rede de saúde.
quatro eixos que consideramos fundamentais, sem a pretensão de apresentar Além da ampliação de cobertura, o aumento de gastos do SUS resulta
soluções definitivas em cada um deles, mas sugerindo possíveis caminhos para a do encarecimento progressivo da assistência à saúde, que está sendo observado nos
continuidade da implantação do SUS: sistemas de saúde de todo o mundo, relacionado não só à incorporação de novas
• necessidades de saúde "elásticas" e recursos de financiamento "finitos" tecnologias, mas também às mudanças do perfil epidemiológico da população (o
• garantia da eqüidade no sistema envelhecimento relativo), com o aumento proporcional de doenças e condições
• aperfeiçoamento gerencial no SUS crônicas.
• recursos humanos na saúde e humanização do atendimento No Brasil a crise econômica também tem aumentado a busca da
população pelos serviços do SUS, dado o desemprego e a impossibilidade de manter
planos e seguros suplementares de atenção à saúde. De 2000 a 2002, segundo a
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cerca de 2 milhões de pessoas
_____________________________________________________________________ deixaram de ter direito à medicina suplementar.
1
Secretário de Estado da Saúde de São Paulo Destes fatos depreendemos que as necessidades de saúde são
2
Secretário Adjunto de Estado da Saúde de São Paulo e Professor Titular do Departamento de completamente "elásticas".
Práticas de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Destaca-se, portanto, a impropriedade de se imaginar que poderemos
3
Assessor Técnico da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo ter diminuição de gastos no SUS, com o aumento da eficiência do sistema, a redução
de seus "desperdícios" ou mesmo a mudança do "modelo assistencial".
Trabalho realizado no ano de 2003.
Posicionamentos neste sentido ocorrem em função do contexto
econômico que acompanhou a implantação do SUS durante toda a década de 90: as

95
limitações nas despesas e na capacidade de investimentos do setor saúde em todas atinjam os objetivos principais do SUS.
as esferas de governo; resultado da crise econômica e das exigências de ajustes
macroeconômicos que, além disso, ocasionam o aprofundamento das desigualdades Garantia da Eqüidade no Sistema: Descentralização, Integralidade e
sociais. Como é referido por Almeida4, cria-se um dilema genuíno entre a Planejamento Regional
administração de recursos escassos (eficiência) e a superação de desigualdades
(justiça social). Outro aspecto que compõe o cenário atual do SUS é o sucesso na
Com a imensa dívida social existente, o principal objetivo de medidas implementação da descentralização e municipalização, princípios organizacionais que
racionalizadoras no SUS deve ser melhorar a eqüidade do sistema, aplicando a orientaram desde o início a conformação do sistema.
"economia" obtida pela maior eficiência na ampliação da assistência aos que mais Conforme observou Arretche7, já não se trata mais de avaliar um
necessitam. Porém, jamais teremos redução global de gastos no setor, que continuará processo de reformas, mas a gestão de uma política cujos mecanismos de operação,
a exigir mais investimentos públicos para atingir seus principais objetivos. já estão institucionalizados. Esta autora aponta para a grande extensão do papel
Afinal, aplica-se ainda muito pouco na saúde pública do país, apesar do municipal: em 1995, os municípios eram responsáveis por 65% da produção
avanço no financiamento, decorrente da Emenda Constitucional no 29/00, que ambulatorial no Brasil, em 2000 passaram para 89% daquela produção. No Estado de
vinculou recursos para a saúde, nas três esferas de governo. São Paulo, desde 1995 foi grande o avanço do processo de descentralização.
5
Segundo estimativa do Ministério da Saúde , em 2000 o gasto em Atualmente podemos afirmar que a atenção básica no Estado de São Paulo é
saúde das três esferas de governo foi de R$ 35 bilhões, ou 3,3% do PIB, totalmente gerida pela esfera municipal.
correspondendo a aproximadamente R$ 206 per capita/ano. Porém a descentralização, apesar de seus reconhecidos benefícios,
Como efeito da Emenda no 29, este valor pode subir até R$ 44 bilhões, trouxe também novos desafios, que devem ser levados em conta, para que o
ou 3,8 % do PIB, se houver crescimento de 2% ao ano no PIB e nas receitas desenvolvimento do sistema permita o acesso integral e eqüitativo à população, às
estaduais e municipais (possibilidade reduzida frente à atual crise econômica). ações e aos serviços de saúde.
8
Portanto, atingiríamos, no máximo, cerca de R$ 244 per capital/ano de gasto público A Norma Operacional Básica do SUS (NOB 96) do Ministério da
com saúde no Brasil em 2004. Saúde, já identificava, ao lado das vantagens da responsabilização dos gestores
Este valor é bastante inferior àquele que os planos privados de saúde municipais, "o elevado risco de atomização desordenada dessas partes do SUS,
gastam com seus pacientes, estimado por Bahia & Elias6 em cerca de R$ 687 per permitindo que um sistema municipal se desenvolva em detrimento de outro,
capita/ano para 2000. ameaçando, até mesmo, a unicidade do SUS."
9
Com a diferença que os recursos públicos devem atender a todas as Levcovitz et al afirmam que a descentralização per se é insuficiente
necessidades de saúde da população, enquanto os planos privados têm um conjunto para a concretização dos demais princípios do SUS, ressaltando outros aspectos
fixo e limitado de procedimentos ofertados aos seus segurados. Podemos afirmar relevantes como o adequado aporte financeiro, o fortalecimento da capacidade
assim que, mesmo com o cumprimento integral pelos governos municipal, estadual e gestora nos três níveis de governo, a permeabilidade das instituições do setor saúde
o
federal, da Emenda Constitucional n 29/00, os recursos serão ainda escassos para aos valores democráticos e apresenta como dificuldades a imprecisão do papel do
as necessidades do SUS e muito inferiores aos da iniciativa privada. gestor estadual, com riscos de fragmentação do sistema e os conflitos acentuados
Citamos como exemplo o Estado de São Paulo, que enfrenta nas relações entre os gestores nas diversas esferas (federal, estadual e municipal).
dificuldades para manter sua rede hospitalar de serviços, embora seja um dos Almeida10 relata o dilema entre a autonomia plena da gestão local como
Estados que está cumprindo totalmente as determinações da Emenda Constitucional desejável, em nome da democracia e da heterogeneidade, mas fortemente
o
n 29/00, aplicando em saúde sempre mais de sua receita de impostos que o mínimo dependente da eficiência e competência dos sistemas decisórios locais e tendente a
exigido por aquela Lei. produzir mais fragmentação e perpetuar desigualdades.
11
A única conclusão possível de todas as considerações anteriores é que a saúde Mendes aponta problemas reais ocorridos no processo de
no Brasil precisa de mais recursos. municipalização em diversas regiões do Brasil, no qual os municípios expandem a
É necessário regulamentar rapidamente a EC 29, disciplinando de uma atenção médica sem nenhuma articulação regional, com desperdício de recursos
vez por todas o que é despesa de saúde e o que poderá ser incluído nos recursos de públicos, gerados pela ineficiência na prestação da assistência, com serviços de
saúde, com vinculação constitucional. Somente o aumento de recursos para a saúde, saúde (hospitais) atendendo com baixa taxa de ocupação e aparelhos de apoio
simultaneamente ao aperfeiçoamento do gerenciamento do sistema, permitirá que se diagnóstico (como ultra-som) trabalhando com ociosidade, dentre outros problemas.

96
Em resumo, podemos observar que a municipalização isoladamente não pode garantir atenção praticado (medicalização e uso inadequado de tecnologias), bem corno no
a eqüidade e a integralidade do SUS. âmbito da qualidade e resolubilidade em muitos serviços do sistema de saúde.
O desenvolvimento do sistema descentralizado comporta o perigo de se Em um contexto no qual o uso de tecnologias modernas torna-se cada
atingir a universalidade sem a integralidade: é aquela situação que poderia ser vez mais freqüente na saúde (equipamentos e medicamentos) é importante para a
denominada de "SUS para pobres", no qual temos apenas o atendimento básico melhoria da qualidade e eficiência da atenção, o desenvolvimento e utilização de
universal, sem conseguir estruturar serviços de média e alta complexidade que dêem diretrizes ou guias de condutas clínicas baseadas em evidências científicas, corno
14
cobertura suficiente e adequada para todos. propõe Silva . Essas podem auxiliar a elaboração de padrões adequados para a
Tal fato realmente ocorre no país, obrigando a população a longas programação de recursos locais ou regionais.
peregrinações, inclusive a outros Estados em busca de tratamento, na maioria das Não se trata apenas, de impor parâmetros arbitrários aos prestadores
vezes enfrentando filas e exagerado tempo de espera para obtê-lo. Torna-se de serviços de saúde, mas desenvolver e investir em novas práticas de saúde,
fundamental o avanço na regionalização e na hierarquização da rede de serviços do passando a seguir outra lógica organizadora para a rede. Esta deve incorporar os
SUS, que no Estado de São Paulo, à semelhança do que também ocorreu no restante aspectos epidemiológicos, parâmetros assistenciais e de necessidades de saúde
do país, não acompanhou na mesma velocidade o processo de municipalização. demandadas pela população, bem como de guias de conduta clínica elaborados com
Estes problemas foram reconhecidos pelo Ministério da Saúde e metodologia explicitada e participação dos centros universitários médicos e científicos
tornaram-se o objetivo principal da Norma Operacional da Assistência a Saúde reconhecidos no país.
12
(NOAS) em 2001 e 2002 (Souza ), que propôs uma estratégia de regionalização, no Como exemplo ilustrativo, podemos citar os serviços de mamografia.
sentido de organizar efetivamente uma rede de atenção hierarquizada. Os parâmetros nacionais preconizam 1 mamógrafo para cerca de 240 mil habitantes.
Mas a efetivação do desenvolvimento da NOAS e o sucesso de suas O Estado de São Paulo dispõe de equipamentos em número suficiente para atender
premissas dependem da definição mais clara dos papéis dos gestores, bem como de toda sua população, porém sua localização não está distribuída adequadamente em
instrumentos para a pactuação, o acompanhamento e o aperfeiçoamento do novo seu território. Por este motivo surgem continuamente propostas de aquisição de novos
desenho organizacional. Sem estes instrumentos a NOAS tende a repetir, com pouca mamógrafos por municípios e hospitais (que, devido à pequena população local,
inovação, a distribuição de recursos financeiros do modelo assistencial já existente, apresentarão ociosidade do equipamento ou, pior, induzirão o sistema ao "aumento"
baseado principalmente na oferta de serviços. de exames, sem critérios técnicos). Seria mais lógico referenciar formalmente a
Crítica pertinente à NOAS é aquela de Teixeira13, que aponta a clientela, já que neste caso específico o exame é eletivo/anual e pode ser agendado
limitação da concepção de "integralidade" nesta norma, restrita à racionalização da sem maiores problemas.
oferta de serviços voltados ao atendimento à demanda espontânea. Do mesmo modo, Finalmente, o planejamento regional deve também se preocupar com a
refere-se ao viés economicista da Programação Pactuada Integrada (PPI) o novo qualidade encontrada em serviços da rede de atenção básica, por meio da avaliação
planejamento participativo proposto pelo Ministério da Saúde na NOAS, que ao contínua das ações municipais, buscando aumentar sua resolubilidade e criar
racionalizar a oferta de serviços pelas unidades de saúde, segundo a complexidade relações mais efetivas entre as unidades de atenção básica e os demais níveis do
tecnológica dos mesmos, não problematiza o conteúdo das práticas que são sistema.
realizadas, nem sua adequação às necessidades e problemas de saúde da população
dos municípios. Aperfeiçoamento gerencial no SUS
É neste cenário que colocamos o problema do aperfeiçoamento do
planejamento regional de saúde. Mesmo com o aumento de aporte financeiro para a Se a atenção básica municipal garante a universalidade de acesso ao
saúde, há que se buscar maior racionalidade e eficiência no sistema. SUS, a integralidade da assistência é garantida em São Paulo nos hospitais gerais,
Este esforço deve buscar que os recursos de saúde deixem de ser ambulatórios e hospitais especializados e de referência, a maioria dos quais sob
gastos somente de acordo com a lógica da oferta (comprar serviços onde eles já gestão estadual. Na assistência hospitalar, a participação do terceiro setor destaca-se
existem e, portanto, onde a população já tem acesso), conforme a herança histórica no SUS/SP. Os hospitais filantrópicos conveniados ao sistema (principalmente
do sistema de pagamento por procedimentos, na qual as necessidades de saúde são representados em São Paulo pelas Santas Casas) foram responsáveis, em 2002, por
ajustadas aos prestadores existentes, não o contrário. 56% das internações do SUS no Estado. No entanto, estes hospitais enfrentam
6
Além disso, como observa Levcovitz et al , ao lado da persistência de problemas financeiros para a manutenção de suas atividades.
desigualdades de acesso no SUS, temos também as distorções no modelo de O Governo do Estado tem auxiliado continuamente estas entidades,

97
mas apesar desta ajuda, notamos que os hospitais não conseguem evitar as crises nos trimestres de 2002.
financeiras, mas somente adiá-Ias durante algum tempo. • No levantamento realizado em 6 hospitais gerenciados pelas OSS, com mais
Parte considerável do desequilíbrio financeiro das entidades decorre do tempo de funcionamento (quatro anos), temos média de rotatividade de 6
valor das tabelas de procedimentos do SUS (fixadas pelo Ministério da Saúde), que pacientes/mês por leito em 2002, enquanto os dados da amostra estadual do
13
atualmente não cobre todos os gastos realizados pelos hospitais com os atendimentos PROAHSA variam de 5,2 a 5,7 nos trimestres de 2002.
prestados. Levantamento recente feito pela Federação das Santas Casas de • Em levantamento realizado com a produção de 2001, dos dez hospitais
Misericórdia do Estado revelou que o custo médio de um exame de ultrassonografia é gerenciados pelas OSS até então em funcionamento, observamos:
de R$ 45, enquanto o SUS paga R$ 11 pelo procedimento. _ nestes 10 hospitais a relação de enfermeiros/leito variava nos trimestres daquele
Mas, além do aumento de aporte de recursos, são necessárias outras ano de 0,24 a 0,25, enquanto os dados da amostra estadual do PROAHSA17
medidas relativas à modernização gerencial e administrativa destes serviços, como a apontavam a média de 0,21 enfermeiros/leito (nos 3 primeiros trimestres de 2001).
adoção dos contratos de gestão com metas préfixadas, na busca da qualidade e _ a taxa de ocupação média dos 10 hospitais era de 77,1%, e os dados da amostra
eficiência dos serviços prestados, num processo contínuo de acompanhamento"e estadual do PROAHSA apontavam a média de 65,1% (nos 3 primeiros trimestres de
negociação com o prestador de servIços. 2001).
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo tem experiência neste _ pesquisas de satisfação dos usuários realizadas durante 2001, indicaram que os
sentido com os hospitais gerenciados pelas Organizações Sociais de Saúde (OSS), serviços globais dos hospitais gerenciados pelas OSS, sempre obtiveram conceitos de
que são, obrigatoriamente, entidades filantrópicas com experiência no gerenciamento Bom e Ótimo para mais de 80% de usuários.
o
do setor saúde, (de acordo com a Lei Estadual Complementar n 846/98). _ esta qualidade tem sido reconhecida com prêmios e certificados:
15
Conforme observa Ibañez et al , as OSS do Estado de São Paulo II Prêmio Nacional Prof. Galba Araújo - 2000 (humanização do atendimento obstétrico
representam uma forma de parceria adequada para garantir os mecanismos de e neonatal) - Itapecerica da Serra
controle social e os princípios que devem reger a administração pública. Prêmio Qualidade Hospitalar 2001 - categoria estadual - Diadema
Este modelo de gestão foi utilizado para 15 novos hospitais, com o total Certificado de Qualidade da Organização Nacional de Acreditação (ONA): Hospitais
de cerca de 3.700 leitos, que foram inaugurados nos últimos 6 anos pelo Governo do de Pirajussara, de Diadema em 2003 e de Sumaré em 2002 (apenas 19 hospitais no
Estado de São Paulo. Os hospitais devem atender 100% de pacientes do SUS, país).
garantindo seu caráter público. O Hospital de Sumaré conquistou a Acreditação nível 2, em 2003, também conhecida
O processo de parceria encontra-se sedimentado no Contrato de como Acreditação Plena, sendo o primeiro hospital público do país a conseguir este
Gestão, no qual são definidas as responsabilidades das partes no que se refere aos nível de qualidade.
serviços e ao financiamento, além da garantia de avaliação periódica dos
atendimentos prestados. São pré-definidos indicadores de produção de serviços, de O gasto médio total de internações e de procedimentos realizados nos
qualidade dos serviços e de satisfação da clientela. hospitais gerenciados pelas OSS tem sido semelhante ao observado nos hospitais de
Este instrumento permitiu o cumprimento dos objetivos de incremento mesmo porte da administração direta da Secretaria de Estado da Saúde de São
de produtividade, eficiência na utilização dos recursos pÚblicos, qualidade assistencial Paulo. No entanto, a produção tem sido de aproximadamente 30% maior, resultando
e integração aos demais serviços da rede de saúde pública (como unidades básicas em um menor custo unitário por atividade realizada.
municipais e ambulatórios, entre outros). • Em levantamento realizado nos 6 hospitais gerenciados pelas OSS com mais
Alguns dados estatísticos do atendimento destes serviços podem ser tempo de funcionamento (quatro anos), temos um gasto médio por
utilizados na comparação com outros serviços públicos ou privados: internação anual (gastos totais do hospital/internações) em 2002 de R$ 2,8
mil por internação. Em 6 hospitais equivalentes da administração direta da
• Em 2002 foram realizados 45.444 partos nos hospitais das OSS (dos quais Secretaria tivemos R$ 3,1 mil reais por internação para o mesmo indicador.
33.778 partos normais), com taxa de cesáreas de 25,7%, bem abaixo dos
dados amostrais do Boletim publicado pelo Programa de Estudos Avançados Sabemos que não é possível o estabelecimento de comparações
em Administração Hospitalar e Sistemas de Saúde (PROAHSA)16 (amostra diretas entre estes hospitais e outros de grande tradição e qualidade na prestação de
de 140 a 150 hospitais de pequeno, médio e grande porte, públicos e serviços de saúde, devido à variação de tipo e complexidade de seus atendimentos.
privados do Estado de São Paulo), que teve mediana de 74,9% até 78,2%, Porém, é de interesse registrar que os valores acima apontados são bem mais baixos

98
que os encontrados em um hospital de primeira linha da iniciativa privada em São voltadas à humanização: há cerca de dois anos instituiu o Programa Humanização da
Paulo (R$ 6,4 mil reais por internação) ou de hospitais universitários públicos Assistência Hospitalar, que já envolve 36 hospitais do Estado (administração direta e
(autarquias públicas), tanto em São Paulo (R$ 6,5 mil reais por internação), como em indireta) que possuem núcleos de humanização capacitados, analisando as possíveis
Porto Alegre (R$ 8,7 mil reais por internação). intervenções nos seus respectivos serviços. Até o final do ano (2003) outros 10
Assim, devemos buscar para todos os demais prestadores de serviços hospitais da rede estadual serão incluídos no programa.
do SUS, um novo modelo de relacionamento, semelhante àquele desenvolvido para Outras atividades são: Projeto Acolhedores, atuando na detecção de
as OSS, adaptado para as diferentes situações e características dos hospitais. problemas dos pacientes, auxiliando a organização do atendimento, informando e
Cabe destacar, ainda, a necessidade de melhorar a gerência nos esclarecendo os pacientes que aguardam a prestação dos serviços; incremento nas
serviços públicos próprios de Administração Direta. Alguns avanços foram atividades do voluntariado; criação de brinquedotecas nos hospitais com atendimento
conquistados, como as atas de registro de preços, que reduzem os prazos de pediátrico, entre outras.
compras, os pregões eletrônicos, que reduzem 15 a 30%, em média, os custos de A humanização na saúde não implica necessariamente no aporte de
aquisição e a informatização das unidades, que permitem a agilização e transparência grandes recursos, entretanto seu desenvolvimento é lento e laborioso, pois envolve
da administração pública, além de facilitar a avaliação dos serviços prestados. mudanças culturais na organização e a existência de funcionários motivados,
Outras medidas serão desenvolvidas para racionalizar e melhorar o treinados e capacitados para executar suas funções, além de disposição para
atendimento, por exemplo: entrega de medicamentos pelo correio (para pacientes mudanças nas rotinas da unidade, com acolhimento ativamente interessado na
com moléstias crônicas e uso contínuo dos mesmos) e marcação de consultas por demanda.
telefone entre serviços do SUS municipais e estaduais. A necessidade de humanização faz assim relembrar uma verdade
Entretanto não se pode olvidar que o aperfeiçoamento gerencial e da muitas vezes esquecida: os recursos humanos representam o mais importante
assistência oferecida pelos serviços dependem substancialmente do desenvolvimento "insumo" da saúde.
de recursos humanos, que abordaremos a seguir. O desenvolvimento de recursos humanos na saúde tem muitos desafios
pendentes, sobre os quais deveremos atuar se quisermos ter um avanço significativo
Recursos humanos na saúde e humanização do atendimento no SUS:

Além da ampliação de cobertura do SUS e da garantia de integralidade, • No processo de descentralização/municipalização:


devemos desenvolver a humanização do atendimento no sistema. A humanização não _ o caso dos funcionários estaduais que se encontram em serviços municipalizados,
é uma questão específica da saúde, mas um conceito e uma prática que deve se que podem ter prejuízos salariais e em sua carreira pública (há aqueles que não
incorporar a atenção às pessoas em qualquer atividade que envolva usuários e recebem os prêmios, assegurados aos demais profissionais da Secretaria de Estado
profissionais da área social. da Saúde);
A importância da humanização na saúde é ainda maior, tendo em vista _ a existência em um mesmo serviço ou função, de profissionais com diferentes
a fragilidade da condição do ser humano doente, que o toma muito mais inseguro e remunerações e regimes de trabalho, que dificultam sobremaneira a administração do
angustiado, frente aos serviços médicos. serviço;
A busca do atendimento de boa qualidade nas unidades de saúde, num _ ainda não há soluções adequadas para a contratação de agentes de saúde para o
ambiente humano, que procure entender e priorizar verdadeiramente a resolução dos Programa de Saúde da Família (PSF), bem como para os demais profissionais da
problemas dos pacientes, é fator imprescindível para que o SUS atinja seus equipe, na legislação existente no setor público.
verdadeiros objetivos na redução do sofrimento dos pacientes. • A Lei da Responsabilidade Fiscal, que com seus limites no gasto de pessoal,
Exemplos de humanização são iniciativas como o Hospital Amigo da dificulta a implementação das ações de saúde, na medida em que a maior
Criança, uma estratégia de atendimento das mães e recém-nascidos, privilegiando o parte das despesas do setor saúde são com recursos humanos.
contato precoce e a permanência do bebê ao lado da mãe durante sua estada na • As normas que envolvem a questão de RH no setor público, como a
maternidade, promovendo a amamentação e também o Método Mãe Canguru, que remuneração fixa e desestimulante que ocasiona inibição da criatividade e
humaniza a assistência a recém-nascidos de baixo peso, possibilitando melhores produtividade, a morosidade dos processos de contratação ou de
resultados quanto à sobrevivência, intercorrências e tempo de permanência. dispensação por falhas de desempenho, entre outras.
A Secretaria de Estado da Saúde tem desenvolvido uma série de ações

99
Um grande desafio é a criação de corpos estáveis de gerência no setor 8 - Mendes EV. Os Grandes Dilemas do SUS. 1 a ed. Bahia: Casa da Qualidade Editora; 2001.
público, como foi o caso da carreira de sanitarista da década de 70 do século 9 - Souza RR. A regionalização no contexto atual das políticas de saúde. Ciência & Saúde
passado. A profissionalização da gerência na saúde é um dos pontos fundamentais Coletiva, 2001; vol.6, n.O 2, p.451-455.
10 - Teixeira CF. Promoção e vigilância da saúde no contexto da regionalização da assistência à
para o efetivo progresso na prestação de serviços públicos de qualidade.
saúde no SUS. Cad. Saúde Pública, 2002; voU8 supl, p.153-162.
11 - Silva LK. Avaliação tecnológica e análise custo-efetividade em saúde: a incorporação de
Conclusão tecnologias e a produção de diretrizes clínicas para o SUS. Ciência & Saúde Coletiva, 2003;
vol.8, no.2, p.501-520.
Não temos respostas para todas as questões aqui levantadas. Podemos, 12 - Ibañez N, Bittar OJNV, Sá ENC, Yamamoto EK, Almeida MF, Castro CGl Organizações
contudo afirmar com segurança que já conseguimos muito na construção do SUS, sociais de saúde: o modelo do Estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, 2001; vol.6,
apesar das dificuldades e obstáculos encontrados na gestão do sistema, alguns dos no.2, p.391-404.
quais comentamos aqui. 13 - Boletim de Indicadores do PROAHSA - Programa de Estudos Avançados em Administração
Hospitalar e de Sistemas de Saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Sabemos onde queremos chegar! Aperfeiçoar a universalidade, garantir
Universidade de São Paulo e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
a integralidade, obter a eqüidade, humanizar o atendimento são os desafios do Fundação Getúlio Vargas. 2002, n. 26, Ano V, Abr/ Jun; n.o 27, Ano VI - Jul/Set; n.o 28, Out/Dez.
momento. 2003, n.o 29, Ano VII, Jan/Mar.
Para conseguir superá-Ios, temos que mudar algumas práticas do Disponível em <http://www.hcnet.usp.br/proahsa/>
sistema e otimizar outras, buscando ganhos de escala e de qualidade. Refazer e 14 - Boletim de Indicadores do PROAHSA - Programa de Estudos Avançados em Administração
continuamente aperfeiçoar o planejamento regional, visando implementar a Hospitalar e de Sistemas de Saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
regionalização e a hierarquização que, pactuada entre todos os gestores públicos, Universidade de São Paulo e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
mude a conformação do SUS para melhor. Fundação Getúlio Vargas. 2001, n. 24, Ano V, Out/ Dez. Disponível em
<http://www.hcnet.usp.br/proahsa/>
Nada se faz sem vontade política e aperfeiçoamento gerencial, porém o
avanço do SUS também depende de recursos financeiros regulares e crescentes.
Somente assim o sistema pode resgatar a enorme dívida social
acumulada e garantir plenamente a cidadania na área de saúde.

Bibliografia

1 - Almeida C. Eqüidade e reforma setorial na América Latina: um debate necessário. Cad.


Saúde Pública, 2002, vol.18 supl., p.23-3 6.
2 - Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde do Ministério da Saúde. Cadernos de
Economia da Saúde - Estimativas de Impacto da Vinculação Constitucional de Recursos para a
Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. Série J, Cadernos, n. 4; 2001.
3 - Bahia L, Elias PE. Interfaces Público-Privadas do Mercado de Planos e Seguros de Saúde no
Brasil. In Simpósio Regulamentação dos Planos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2001; P
11-21.
4 - Arretche M. Financiamento federal e gestão local de políticas sociais: o difícil equilíbrio entre
regulação, responsabilidade social e autonomia. Ciência & Saúde Coletiva, 2003; vol. 8, n.o 2, p.
331-345.
5 - BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria n.O 2.203, de 5 de novembro de
1996. Aprova a Norma Operacional Básica-NOB/96. Diário Oficial da União, 6 nov.1996; seção I.
6 - Levcovitz E, Lima LD, Machado CV. Política de Saúde nos anos 90: relações
intergovemamentais e o papel das Normas Operacionais Básicas. Ciência & Saúde Coletiva.
2001; Volume 6, número 2, p 269-291.
7 - DISCUSSANTS. Ciência & Saúde Coletiva, 2003; voL8, no. 2, p.346-369.

100
UM OLHO NO PEIXE, O OUTRO NO GATO : PLANEJANDO A PROMOÇÃO DA
SAÚDE NA ATENÇÃO BÁSICA 12.000
10.000
Marco Antonio Manfredini*
8.000
1 - Introdução 6.000
Pontos
A expansão das ações de Saúde Bucal no âmbito da estratégia de Saúde da 4.000
Família no Brasil tem motivado diversas reflexões sobre como organizar uma prática 2.000
odontológica que resgate a dívida histórica com os “excluídos” de saúde bucal. 0
No presente texto, serão analisados alguns elementos constituintes destas PSF BUC MUL IDS ADD
práticas, recuperando-se observações realizadas pelo autor no acompanhamento do
trabalho das equipes de saúde bucal, em atividades de consultoria, assessoria e de Figura 1- Total de pontos relativos à implantação de serviços/especialidades no
acompanhamento de reflexões e debates em eventos científicos. Orçamento Participativo da PMSP de 2002. (Fonte : Secretaria do Governo Municipal-
Assume-se a opção metodológica pelo ensaio, na forma de uma revisão crítica. 2001)
Desta forma, o debate com as experiências em curso e os autores de referência,
torna-se mais fluido. As posições estabelecidas pelo autor são na maior parte das Como esta necessidade sentida pela população não tem confluído para a
vezes elaboradas com a colaboração de vários parceiros que têm se dedicado à organização dos usuários pela defesa dos seus interesses, no que diz respeito à
construção das práticas de Saúde Bucal Coletiva no âmbito dos serviços públicos saúde bucal? Em um texto de análise sobre a construção das políticas públicas de
odontológicos. saúde em Santos no período de 1989 a 1996, registramos:
Não se pretende neste curto ensaio, realizar um debate de natureza “Não há registro da existência de movimentos de cariados ou portadores de
acadêmica ou uma revisão sistemática. Sem menosprezar a importância deste tipo doenças periodontais ou de câncer bucal na sociedade brasileira. Das patologias que
de reflexão, optou-se por um outrorumo : o de debater o que vem sendo realizado acometem a cavidade bucal ou a face, só se observam organizações de usuários
como promoção de saúde bucal no Programa de Saúde da Família (PSF). referentes a pais e mães de crianças portadoras de fissuras e fendas lábio-palatais.
Nem a luta por uma dentadura leva a que se constitua um movimento de
2 - Saúde bucal : necessidade sentida? desdentados. Portanto, a pressão por saúde bucal na sociedade brasileira é difusa e
Há tempos, temos discutido se a saúde bucal é realmente uma necessidade quase sempre se restringe à reivindicação de acesso ao dentista” (Manfredini, 1997).
sentida pela população. Dados consolidados do processo de Orçamento Participativo A superação do paradoxo entre a necessidade sentida e a precária
da Prefeitura Municipal de São Paulo para o ano de 2002 apontam que a saúde bucal organização pela defesa dos direitos de cidadania da maior parte da população
foi a segunda especialidade mais demandada, só sendo superada pelo Programa de brasileira éum dos principais desafios colocados para aqueles que se ocupam da luta
Saúde da Família (ver Figura 1). Destaque-se que era um período de plena expansão cotidiana de defesa da vida e do SUS no país.
do PSF no município e que a saúde bucal superou todas as outras especialidades
médicas, como as demandas por saúde da mulher (11ª), do idoso (12ª), de álcool, 3 - Quem faz saúde bucal no PSF? E para quem se faz?
drogas e dependência (15ª), da criança e do adolescente (19ª), da saúde mental (20ª), Uma das principais dificuldades enfrentadas na construção das políticas de
de portadores de necessidades especiais (21ª), de assistência farmacêutica (23ª), de saúde bucal no âmbito da saúde da família tem sido a de ampliar o espectro de
saúde do trabalhador (41ª) e de prevenção e combate às DSTs/AIDS (44ª) (SGM- profissionais que se ocupam da saúde bucal e de se repensar o alcance desta prática.
SP,2001). A equipe de saúde bucal não pode ser um apêndice ao PSF, ou no linguajar comum
_____________________________ da recepção e das outras clínicas das unidades e serviços de saúde, “se este
*Cirurgião-dentista com especialização em Saúde Pública, Mestrando em Saúde Coletiva.
problema é de dente ou de boca, mande para o dentista”. Por outro lado, a definição
Coordenador Municipal de Saúde Bucal de São Paulo (1989-91) e de Santos (1993-96). Membro
da Comissão de Assessoramento da Coordenação Nacional de Saúde Bucal do Ministério da do “objeto de trabalho” desta prática também tem sido conflituoso.
Saúde (2004). Uma reflexão importante sobre este tema tem sido feita em Campinas-SP, a
partir de 2001. Uma das diretrizes do Projeto Paidéia de Saúde da Família, implantado

101
na cidade, é a da clínica ampliada e a da ampliação das ações de saúde coletiva no Esta ampliação nunca poderá ser levada a cabo por um profissional isolado; é
nível local. um desafio concreto para a equipe interdisciplinar e será uma tarefa da Equipe Local
Em texto para debate junto às equipes, propõe-se que : “para aumentar a de Referência e das Equipes de Apoio.
capacidade da rede básica resolver problemas de saúde (individuais ou coletivos) há Ampliação das ações de saúde coletiva no nível local : Sem dúvida, a própria
que se proceder a uma reformulação do processo de trabalho nestas unidades em ampliação da clínica é um recurso poderoso para tornar realidade essa diretriz.
dois sentidos : Entretanto, com objetivo de ampliar as ações de promoção e de prevenção
Clínica ampliada : Considera-se que todo profissional de saúde que atende ou sugere-se a organização de Núcleos de Saúde Coletiva em todas as UBS.
cuida de pessoas estará realizando clínica, havendo, portanto, várias modalidades de Funcionarão em apoio às Equipes Locais de Referência. Serão compostos por
clínica: a do enfermeiro, do psicólogo, do médico, etc. profissionais com formação em Saúde Pública, com tempo reservado para este tipo
Clínica ampliada é a redefinição (ampliada) do “objeto, do objetivo e dos meios de trabalho, e pelos Agentes de Saúde Pública.
de trabalho da assistência individual, familiar ou a grupos”. Considerar que o “objeto Os Agentes de Saúde Pública serão preparados e contratados como
de trabalho” da assistência à saúde é uma pessoa, ou um grupo, ou uma família, ou profissionais técnicos em Saúde Pública (não como auxiliares de enfermagem),
um coletivo institucional, com doença ou risco de adoecer. Superar a clínica ampliando a capacidade das UBS agirem na comunidade e nos domicílios. Eles
tradicional que toma como objetivo somente a doença. Objeto ampliado da clínica : trabalharão ligados às Equipes de Referência e ao Núcleo.
um sujeito enfermo ou com possibilidade de adoecer. E ainda outra ampliação A função destes Núcleos será dupla : tanto apoio as Equipes de Referência,
considerar não somente um paciente, mas também o grupo de sujeitos (a família e quanto desenvolver ações diretas sobre grupos, instituições, ambiente, etc. Faz-se
outros coletivos, uma classe, um agrupamento institucional) como objeto da clínica necessário uma definição mais precisa de suas atribuições, tanto levando em conta
ampliada. De qualquer forma, no horizonte, não há como fugir da evidência de que o problemas específicos da região, quanto o projeto de descentralização da Vigilância à
objeto de trabalho inclui a doença, ainda quando como uma possibilidade remota; a Saúde em curso” (SMS-Campinas, 2001).
saúde é o objetivo, o resultado almejado. A reprodução integral do texto foi realizada com o firme propósito de tornar
Assim, tanto no diagnóstico quanto na terapêutica, tomar elementos orgânicos mais claros os princípios que orientam a “clínica ampliada”. Muito embora haja a
(biológicos), subjetivos e sociais do processo saúde e doença. Isto implica em ampliar “clínica do dentista ou da equipe de saúde bucal”, o processo de trabalho numa UBS
os meios de trabalho : modificar a escuta, a entrevista, a intervenção terapêutica, permite a capacitação de outros profissionais de saúde.
descentrando-a do uso quase que exclusivo de medicamentos ou de procedimentos Se, por exemplo, a equipe de saúde bucal detectou uma lesão suspeita de
cirúrgicos. Valer-se com maior freqüência de técnicas de prevenção, de educação em câncer bucal num atendimento a um usuário, ela pode, respeitando os critérios éticos
saúde e de reconstrução da subjetividade. Tudo isto sem negar o espaço singular dos e bioéticos, acionar os outros profissionais da equipe e demonstrar a importância de
vários tipos de clínica. Sem, portanto, fundi-las todas em um tipo comum. A estarem atentos para tal tipo de sinal clínico ou queixa.
combinação destes elementos deverá ser variável conforme o problema em foco e a Da mesma forma, ao se atender um bebê com cáries rampantes em dentes
área de atenção envolvida. anteriores ou uma criança ou adolescente com cáries em incisivos inferiores, explicar
Este tipo de clínica depende da existência de vínculo continuado (relação aos outros profissionais da equipe de que se trata de um possível “evento-sentinela”,
horizontal no tempo) entre profissionais e pacientes, famílias ou comunidades. demarcador de um risco elevado para cárie dental neste(s) usuário(s).
Interação e personalização das relações entre equipe e usuário. Não há como realizar Típico exemplo da “clínica ampliada” foi o relato registrado por uma equipe de
clínica ampliada em um PS (no PS há que se fazer clínica de urgência) ou em um PA. saúde bucal que trabalha na periferia do município de São Paulo. Ao atender cinco
Neste sentido, o importante não é completar o diagnóstico em um primeiro irmãos de uma mesma “família”, a dentista observou que todos tinham índices de
atendimento, quilométrico, mas ir construindo uma avaliação processual dos casos. cárie dental superiores aos da média daquela região. A dentista solicitou à agente
Ampliação do objetivo : a finalidade da assistência individual é a produção de comunitária de saúde (ACS) que, na próxima visita a este domicílio, ficasse atenta à
saúde por meio da cura ou da reabilitação, ou até mesmo de alívio do sofrimento. No condição e à rotina desta “família”. A agente identificou o seguinte, em relação à
entanto, a ampliação inclui também o esforço simultâneo para aumentar o coeficiente dinâmica familiar : tratava-se de uma mãe desacompanhada que era responsável pela
de autonomia e de autocuidado dos pacientes, famílias e comunidades. Uma linha de criação e pelo sustento de cinco filhos de 13, 11, 8, 5 e 3 anos. Como a mãe
combate à medicalização, à institucionalização e a dependência excessiva das trabalhava fora, as crianças ficavam sob a responsabilidade e os cuidados da irmã
pessoas dos profissionais ou serviços de saúde. mais velha (de 13 anos). Como choravam muito durante o dia, esta irmã descobriu um
potente e barato calmante : colocava jarros de água com açúcar para que os irmãos

102
bebessem quando chorassem ou reclamassem. Segundo informações da agente, a Manuais de planejamento em saúde bucal publicados nos últimos anos
irmã mais velha estimava que por dia se consumissem mais de cinco litros de água exemplificam como se aplicam os referidos conceitos da assistência odontológica e da
com açúcar. Por mais que a dentista continuasse a tratar os dentes destas crianças e atenção à saúde bucal no cotidiano dos serviços públicos odontológicos (Rede
por melhor que fosse o seu plano “preventivo” na clínica, a cárie continuaria a CEDROS, 1992; FIO, 2002). Se formos analisar estes dois conceitos sob o prisma da
acontecer nesta “família”, se não ocorresse a observação do cotidiano de seus universalidade, também constatamos que persiste um grande entrave : a conquista do
integrantes. direito à assistência odontológica pelo conjunto da população brasileira. Em textos
Em reflexão sobre o tema, Werneck et al afirmam que a inserção da saúde anteriores, abordamos este problema:
bucal na estratégia de Saúde da Família a partir do final de 2.000 “não se deu com “O crescimento dos serviços especializados em Santos nos últimos anos
base nas experiências já existentes ou, a partir de uma ampla discussão acerca de guarda relação com o ingresso do adulto na rede de assistência. Suspeito que uma
seus significados, com a participação dos profissionais da saúde bucal, entre si ou das principais razões para que a prática odontológica seja tão secundarizada no
junto aos demais profissionais de setor de saúde. Não houve um processo de reflexão campo da saúde pública decorra de sua aversão à incorporação do adulto como seu
que permitisse a compreensão, tanto do alcance das ações de saúde bucal no âmbito objeto de práxis. Ao tratar só de crianças e gestantes, o setor público não incorpora
da atenção básica, quanto das dificuldades inerentes à mudança do processo de segmentos populacionais com maior capacidade de pressão; aos adultos, abrem-se
trabalho requerida por este movimento de formação de uma equipe multiprofissional” apenas as portas da mutilação, geralmente realizadas por serviços próprios em
(Werneck et al, 2003). “prontos-socorros” ou, mais freqüentemente, por serviços privados ou conveniados.
Os autores recomendam que “passe a existir um processo de trabalho onde as Lembro-me do inconformismo de diversos sanitaristas, entre os quais destaco David
equipes de saúde bucal deixem de ser “referência odontológica” para as ESF e Capistrano, na discussão do termo “geração perdida”. Tal denominação, reproduzida
iniciem um processo integrado de planejar, implementar e avaliar suas ações. Onde acriticamente por vários dentistas e coordenadores de saúde bucal por esse país
os profissionais de saúde bucal façam parte efetiva das equipes de saúde da família” afora e“adentro” serve como desculpa para o fato de se priorizar e muito mais se
(Werneck et al, 2003). “exclusivizar” na faixa etária infantil a preocupação com os cuidados em assistência
odontológica. Por essa lógica perversa, como são enormes as necessidades,
4 - Assistência odontológica e atenção à saúde bucal no PSF restringe-se o acesso só às crianças, de tal forma que essa “geração presente” tenha
Para desenvolver ações visando a melhoria da saúde bucal da população, uma boa saúde bucal quando for uma “geração futuro”. As outras faixas etárias, ao
devem-se organizar ações de assistência odontológica e atenção à saúde bucal. serem excluídas, são rotuladas como “gerações perdidas” ” (Manfredini, 1997).
Estes dois conceitos, formulados por Narvai há mais de uma década, ainda mantêm a Em participação apresentada no V Encontro Paulista de Administradores e
sua atualidade. Segundo o autor, “a assistência odontológica refere-se ao conjunto de Técnicos dos Serviços Públicos Odontológicos (EPATESPO) , realizado em Cubatão-
procedimentos clínico-cirúrgicos dirigidos a consumidores individuais, doentes ou SP, ao discutirmos a universalidade e a integralidade em saúde bucal, afirmamos que
não”. Segundo Narvai (1992), “a atenção à saúde bucal é constituída, por outro lado, “o cotidiano mostra a incapacidade de acesso aos serviços, a multiplicação das filas e
pelo conjunto de ações que, incluindo a assistência odontológica individual, não se a interminável espera por um exame laboratorial, uma cirurgia hospitalar ou até para
esgota nela, buscando atingir grupos populacionais através de ações de alcance uma simples dentadura. No caso da saúde bucal, a viabilização do direito à
coletivo, com o objetivo de manter a saúde bucal. Tais ações podem ser universalidade e à integralidade das ações, é ainda mais precária. A maior parte dos
desencadeadas e coordenadas externamente ao próprio setor saúde (geração de serviços públicos odontológicos ainda atende exclusivamente crianças em idade
empregos, renda, habitação, saneamento, lazer, etc.) e mesmo internamente à área escolar matriculadas em escolas públicas e nas faixas etárias próximas ao ano de
odontológica (difusão em massa de informações, ações educativas, controle de dieta, ingresso na 1ª série. Na Saúde Pública, ainda praticamos uma Odontologia baseada
controle de placa, etc.). Vale enfatizar que, com os sentidos aqui propostos, a em sistemas de atendimento de 40 anos atrás” (Manfredini, 2000).
assistência limita-se ao campo odontológico. A atenção à saúde bucal implica, por Dados apresentados no V Congresso Cearense de Odontologia, por Martildes
outro lado, atuar concomitantemente sobre todos os determinantes do processo (2003), apontam para a necessidade de reflexão sobre os rumos da assistência
saúde-doença bucal. Isso exige da atenção uma abrangência que transcende não odontológica e da atenção à saúde bucal no PSF. Em 2002, de um total de 184
apenas o âmbito da odontologia, mas do próprio setor saúde, uma vez que requer a municípios cearenses, 173 dispunham de equipes de saúde bucal no PSF, uma das
articulação e a coordenação de ações multissetoriais, isto é, ações desenvolvidas no maiores coberturas por município no país. A cobertura populacional das 496 equipes
conjunto da sociedade (saneamento, educação, emprego etc.)” (Narvai, 1992). de saúde bucal , implantadas em 2001 e 2002, era de 23 % da população do Estado.
Ao se comparar o acréscimo decorrente da implantação destas equipes nos

103
procedimentos odontológicos básicos , observa-se que o total de procedimentos priorizados pelo critério de territorialização, estarão sendo atendidos por seu serviço
coletivos subiu de 2,341 milhões em 2.000 para 6,954 milhões em 2.002 , enquanto de referência” ( Ramos e Lima, 2003).
que os procedimentos individuais tiveram um incremento de 4,715 milhões para 5,144 Em pesquisa realizada pela União de Movimentos Populares de Saúde de São
milhões em igual período(ver Figura 2). No período de dois anos, enquanto os Paulo nos meses de dezembro de 2002 e janeiro de 2003, sobre atendimentos
procedimentos coletivos subiram 197,04 %, os procedimentos individuais só conseguidos e não conseguidos em 221 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o
cresceram 9,10 %. Numa situação marcada pela contínua dificuldade no acesso à acesso ao “tratamento de dentes” foi a principal demanda apontada nas 1.921
assistência, deve ser objeto de reflexão e de mudanças na organização dos serviços o pesquisas feitas com usuários. 50,5 % dos entrevistados relataram não ter conseguido
fato de que a incorporação de 496 novas equipes de saúde bucal só resulte em um acesso a serviços de assistência odontológica nas UBSs da capital. Para se ter uma
aumento de menos de 10% no total de procedimentos dirigidos à população com idéia da dificuldade do acesso à assistência odontológica, em relação às outras
acesso à clínica odontológica. demandas, 56,5 % dos entrevistados conseguiram consultas com psicólogos, 82 %
tiveram acesso a vacinas e 88% receberam controle de pressão (Jornal da UMPS,
2003).

8000000 TrDt 49,5 50,5


6000000 Figura 2- Distribuição dos
CoPs 56,5 43,5
procedimentos odontológicos
4000000
básicos (individuais e
Vac 82 18
2000000 coletivos) realizados pela
rede pública municipal no
0 CdP 88 12
Estado do Ceará, entre 2000
2000 2001 2002
e 2002 (Fonte : Martildes, M.
L. R. , 2003) 0 50 100 150
Procedimentos Individuais
Procedimentos Coletivos Conseguidos Não-conseguidos

Figura 3- Porcentagem de atendimentos conseguidos e não conseguidos em


Outro exemplo de dificuldade no acesso à assistência pode ser resgatado em unidades básicas de saúde no município de São Paulo, em dezembro de 2002 e
outro estudo, sobre acesso e acolhimento aos usuários em unidade de saúde de Porto janeiro de 2003 . (Fonte : União de Movimentos Populares de Saúde, 2003)
Alegre-RS. Ramos e Lima afirmam que após realizarem entrevistas com estes
usuários que “a dificuldade de acesso à consulta odontológica foi um dos problemas Ao se analisar os dados do Estado do Ceará, de Porto Alegre e de São Paulo,
levantados ... há um aumento da procura em virtude do alto custo de tratamento, pelo ressurge o velho dilema de quem se responsabiliza pela organização dos serviços
empobrecimento da população, pela qualificação do serviço prestado na rede pública, públicos odontológicos : como dar conta e “organizar” minimamente a assistência
pela política de saúde bucal da cidade que garante o tratamento completado, odontológica, sem prejuízo das necessárias ações preventivas e de promoção de
permitindo inclusive acesso à periodontia e endodontia. Na unidade de saúde, que saúde ?
conta com um serviço de raio-X odontológico, aumentando-lhe portanto a
resolutividade, há uma alta demanda reprimida e uma grande disputa, como em toda 5- A intersetorialidade na promoção da saúde
a cidade. Em função desses fatores, os usuários precisam permanecer em filas desde Em documento técnico institucional, o Departamento de Atenção Básica da
a madrugada para ingressar no atendimento, exceção feita aos escolares da região Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde afirma que “ao priorizar a
que têm prioridade de consulta. A forma adotada pelo serviço quanto à sistemática de atenção básica, o PSF não faz uma opção econômica pelo mais barato, nem técnica
agendamento de consultas odontológicas, tem muitos aspectos positivos, no entanto, pela simplificação, nem política por qualquer forma de exclusão”. Em outra parte do
pode-se questionar se os moradores da área de atuação, que deveriam estar sendo texto, discute-se que “o Programa Saúde da Família apresenta tanto uma estratégia

104
para reverter a forma atual de prestação de assistência à saúde como uma proposta Este tipo de atividade pode ser articulada pela equipe de saúde bucal de uma
de reorganização da atenção básica como eixo de reorientação do modelo unidade de saúde em todos os equipamentos escolares de sua área de adscrição
assistencial, respondendo a uma nova concepção de saúde não mais centrada (creches, escolas de educação infantil, de ensino fundamental e médio), sem ficar na
somente na assistência à doença mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida dependência de outras instâncias de poder (por exemplo de um entendimento entre
e intervenção nos fatores que a colocam em risco- pela incorporação das ações os Secretários de Educação e Saúde).
programáticas de uma forma mais abrangente e do desenvolvimento de ações Outra abordagem interessante vem sendo feita pelas equipes de Saúde da
intersetoriais. Caracteriza-se pela sintonia com os princípios da universalidade, Família na periferia do município de São Paulo. Para enfrentar o problema da
eqüidade da atenção e integralidade das ações. Estrutura-se, assim, na lógica básica violência, são desenvolvidas parcerias entre estas equipes e os Conselhos Tutelares
de atenção à saúde, gerando novas práticas e afirmando a indissociabilidade entre os de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, trabalhadores da saúde mental e
trabalhos clínicos e a promoção da saúde.” entidades da comunidade, estruturando oficinas de panificação voltadas para a
No mesmo texto, afirma-se que “uma das principais estratégias do Saúde da profissionalização de adolescentes; oficinas sobre drogas e sexo seguro nas escolas
Família é sua capacidade de propor alianças, seja no interior do próprio sistema de e centros de juventude e o apoio aos adolescentes infratores, propiciando orientação
saúde, seja nas ações desenvolvidas com as áreas de saneamento, educação, psicológica e reinserção social a esses jovens que estão retornando para o convívio
cultura, transporte, entre outras” (Ministério da Saúde, 2000). com suas famílias após reclusão na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
Em nossas observações sobre trabalhos intersetoriais no campo da promoção (FEBEM).
da saúde bucal no país, vemos que estes ainda são muito tímidos. As políticas É interessante se registrar como o problema da violência urbana também
acabam não sendo intersetoriais e sim “ações de saúde realizadas em outros impacta os serviços odontológicos. Em análise sobre a emergência odontológica e
equipamentos sociais”. Para exemplificar, no ambiente das escolas, que é o local traumatologia buco-maxilo-facial nas unidades de internação e de emergência dos
quase que exclusivo deste tipo de ação, vemos que as equipes de saúde bucal não hospitais do município de São Paulo, Silva e Lebrão concluem este estudo de
tem explorado o potencial aberto através da Lei Federal nº 9.394/96 , que estabelece morbidade afirmando que ”esta análise mostra que a sociedade observada ainda
as diretrizes e bases para a educação. apresenta problemas odontológicos básicos, como a cárie e a doença periodontal,
Em seu artigo 26, a Lei estabelece que os currículos do ensino fundamental e mas já indica o impacto das lesões com origem nas causas externas. No grupo
médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema Lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas evidencia-se a superioridade numérica dos casos para o sexo masculino e jovens.
características regionais e locais, da sociedade, da cultura, da economia e da clientela Verifica-se concentração maior de casos para diagnósticos mais graves, como as
(Lei Federal nº 9.394/96). fraturas e ferimentos, do que para os traumatismos superficiais. Os ferimentos da
Um dos principais avanços desta legislação é o de permitir que cada escola cabeça e os traumatismos superficiais mostram uma distribuição, segundo sexo, mais
elabore o seu projeto pedagógico. Dessa forma, um espaço importante que é o da eqüitativa do que no grupo de fraturas da face, que tendem a acometer mais o sexo
abordagem dos temas estruturantes do conhecimento acaba não tendo o aporte dos masculino. A distribuição proporcional segundo as causas é semelhante em ambos os
profissionais de saúde. As ações educativas em saúde bucal continuam a se restringir sexos, mas a mulher se expõe menos às lesões por causas externas” (Silva e Lebrão,
às “palestras” ou aos “vídeos educativos”. A abordagem de temas de saúde bucal nos 2003).
diversos campos do conhecimento, por parte dos professores, não é explorada. Outro aspecto detalhado pelas autoras é o de que, ”quanto à causa externa da
Experiências como as de Araucária- PR, onde já nas décadas de 80 e 90 do lesão, 25% dos casos (185 casos) não apresentavam a causa externa da lesão
século passado, explorava-se o conteúdo da saúde bucal no contexto dos descrita em nenhum campo da ficha ou do prontuário. Nos 549 casos cuja anotação
conhecimentos específicos das então “disciplinas” devem ser recuperadas. No ensino foi feita, pode-se ver que os diferentes tipos de quedas, com 37,9% dos casos, foram
da adição, subtração, multiplicação e divisão, ao invés de se utilizar os clássicos a principal causa externa dos traumatismos. Acidentes de transportes (25,7%) e
exemplos com balas,chicletes e chocolates, utilizavam-se exemplos com escovas, agressões (19,9%) aparecem na seqüência”. Prosseguem as autoras ”das 100
cremes dentais e fio dental. No estudo da História, pesquisava-se como as diferentes pessoas que tiveram como causa externa a agressão, 67% são homens e, destes,
civilizações faziam a sua higiene oral e como surgiram a escova e o creme dental. O 58,2% tiveram fraturas, enquanto que das mulheres agredidas 39,4% sofreram
flúor era objeto de estudo da Geografia e da Biologia : como surgia na natureza e fraturas… as agressões geram , para ambos os sexos, 18,2% dos casos. Para o sexo
como poderia beneficiar a saúde bucal. feminino, nota-se uma concentração na faixa etária entre 15 e 29 anos. Para o sexo

105
masculino, a concentração é maior na faixa entre 20 e 39 anos” (Silva e Lebrão, normalidade” pelo Agente Comunitário de Saúde, e da instituição de mecanismos de
2003). referência.
Vemos, através destes dados, a necessidade de que o trabalho da equipe de Na rotina de acesso preventivo promocional, Zanetti sugere que cada família
saúde bucal seja parte componente e “estruturante” do projeto de intervenção da receba regularmente a visita do Agente Comunitário de Saúde, enquanto que a visita
equipe de saúde da família. O trabalho da equipe não deve se restringir ao campo do CD, THD ou ACD se faça durante os esforços de (re) cadastramentos ou quando
odontológico, mas intervir em todas as possibilidades de enfrentar os problemas na necessária, seja por razões assistenciais, seja por razões sociais, ou ainda por razões
sociedade. E, em especial, desenvolver ações intersetoriais e participar das atividades humanitárias. O ACS deve realizar visitas bimestrais junto a todas as famílias, sejam
políticas de defesa da vida e da cidadania. saudáveis ou em situação de doença bucal. Em cada visita, o autor sugere que se
dispenda 20 minutos de atenção em saúde bucal e os demais 40 minutos para as
6- Ações de promoção de saúde outras atividades assistenciais programadas. Como extensão da atenção preventivo
Diversos autores têm debatido a organização de ações de prevenção e promocional aos “coletivos restritos”, Zanetti propõe que essa atenção se estenda aos
promoção de saúde bucal no PSF. Entretanto, esse processo tem poucos registros outros espaços sociais, como internos às unidades de saúde na forma de grupos de
bibliográficos. A maior parte das experiências em curso no Brasil não têm sido gestantes, diabéticos, hipertensos, idosos, crianças, adolescentes, internos em
sistematizadas e analisadas. Sem desmerecer a criatividade das equipes que vêm enfermarias, filas de espera, entre outros e externos ao SUS, mas pertencentes a
trabalhando nessas propostas, torna-se necessário que comecemos a avaliar o outros sistemas de proteção social : escolas, creches, associações, agremiações,
impacto social e epidemiológico dessas ações. igrejas, espaços de trabalho, grupos de auto-ajuda, entre outros.
Silveira Filho ao debater as ações de prevenção e promoção à saúde, define- Na visita domiciliar, o autor sugere que sejam realizados os seguintes
as como “atenção voltada a todos os moradores da área adstrita, através da demanda procedimentos assistenciais rotineiros bimestrais : realização da inspeção da
organizada por busca ativa da ESB, com programação de agenda. São ações que normalidade dos tecidos bucais e promoção de auto-exame para detecção precoce de
podem ser executadas na própria Clínica Odontológica da Unidade Básica de Saúde câncer bucal e outras lesões; escovação supervisionada; provimento de informações
da Família, nos Domicílios ou nas Sedes Comunitárias (escolas, creches, associações para o aprimoramento e correção permanente da técnica de higiene bucal utilizada;
de moradores, clubes, fábricas, empresas e outros)”. O autor aponta as seguintes identificação pós-escovação do Índice de Higiene Oral Simplificado; aplicação tópica
ações : educação em saúde, escovação orientada e/ou supervisionada, controle da de flúor gel acidulado com escova de dente em todas as pessoas da família que
placa bacteriana com evidenciador, aplicação terapêutica intensiva com possuam a habilidade do controle de deglutição; instruções para evitar lavar a boca ou
flúor,aplicação de cariostático, aplicação de selante, orientação dietética, detecção ingerirágua e alimentos pós-aplicação; educação em saúde bucal de forma gradual e
precoce de lesões de mucosa e tecidos moles e minimização de riscos ao trauma progressiva e educação para saúde em geral (Zanetti, 2000).
bucal nos domicílios e demais espaços comunitários (escolas, creches, empresas, As propostas de Silveira Filho e Zanetti englobam uma elevada gama de
etc) (Silveira Filho, 2002). ações. Em minha análise, a proposta de Zanetti trabalha com um tempo de ação
Em artigo sobre proposição e programação para a saúde bucal no PSF, Zanetti muito elevado para a saúde bucal. Em nosso trabalho de acompanhamento dos
propõe como objetivos promocionais o estímulo à manutenção e melhoria das trabalhos de ACSs em alguns serviços, temos visto que é muito difícil o ACS
condições de saúde bucal da população assistida; a promoção da desmonopolização dispender um terço de sua visita bimestral apenas para a saúde bucal. Por outro lado,
do saber técnico para a população assistida e o estímulo à incorporação da noção de a distribuição de tempos similares por famílias “saudáveis” e “que se encontram em
autocuidado em saúde bucal. Como objetivos preventivos, a redução da incidência situação de doença bucal”, pode conduzir a um gasto excessivo com as primeiras e
das doenças bucais mais prevalentes (cárie dentária, doença periodontal e suas insuficiente para as segundas.
seqüelas); a diminuição do risco biológico de cárie dentária e doença periodontal (e Como exemplo de ação de promoção de saúde que deve ser incentivada nas
suas seqüelas) entre os familiares com redução da quantidade e freqüência do ações preventivas é o estímulo ao consumo da água de abastecimento público, onde
consumo de alimentos cariogênicos, remoção freqüente da placa dental, melhoria das houver a fluoretação desta. Estudo conduzido por Ramires, I. et al constatou que
condições de higiene bucal e aplicação tópica de flúor; o trabalho da idéia de cárie 29,7% da população de Bauru (SP) consumiria água mineral, sendo que 15,5% da
como doença infecto-contagiosa passível de ser prevenida e controlada e a redução população começou a consumir este produto de 1998 a 2003 (Ramires, I. et al, 2003).
da incidência de câncer bucal e das demais lesões de tecido mole com o aumento dos Ora, isto significa que quase 30% da população desta cidade não se beneficiaria do
casos de diagnóstico precoce, mediante a identificação domiciliar da “perda da consumo de água fluoretada.

106
Sabendo-se que a fluoretação das águas é a medida de eleição para a Uma competência profissional que o CD deve realizar é o de estabelecer
prevenção da cárie dental, ainda hoje no Brasil, pode-se verificar a importância de que critérios de risco para identificação dos indivíduos com maior risco às doenças bucais.
nas ações coletivas se enfatize que a água de abastecimento público é a mais Em texto sobre planejamento em saúde bucal, destacamos que “a redução dos níveis
indicada para o consumo, desde que corretamente fluoretada. Este benefício não se de cárie dentária em crianças e a identificação mais precisa dos grupos que
restringiria apenas para as crianças, mas para os adultos também. Ao analisar a concentram o maior ataque da cárie proporcionam novas abordagens na estruturação
perda dentária precoce em adultos de 35 a 44 anos de idade no estado de São Paulo, dos programas preventivo-coletivos. A partir de estudos não-exaustivos desenvolvidos
Frazão et al identificaram que a experiência de cárie em adultos que residiam em em Santos e Diadema (SP), no período entre 1993 e 1996, numa época anterior à
cidades com águas fluoretadas foi menor em comparação com adultos de localidades implantação do Programa de Saúde da Família, recomenda-se que as
sem esse recurso. Em média, os adultos que habitavam cidades com água fluoretada criançasintegrantes de um determinado coletivo sejam classificadas individualmente e
tinham um dente atacado por cárie a menos do que os moradores de municípios sem que tenham um conjunto de ações específicas, de acordo com seu risco individual.
fluoretação (Frazão et al, 2003). Desta forma, as crianças com menor risco devem receber um contingente menor de
A busca da autonomia dos cidadãos é outro requisito das ações de promoção ações, e as de maior risco, um conjunto mais abrangente. É interessante se destacar
de saúde. Como afirmam Moysés e Silveira Filho em estudo sobre o PSF de Curitiba que em estudos feitos em unidades básicas de saúde em Diadema, identificou-se que
(PR), “a inclusão de equipes multiprofissionais no processo de assistência ou do os pais que compareciam majoritariamente às atividades de educação em saúde
cuidado, incluindo médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, assistentes sociais, bucal desenvolvidas nestes serviços eram os pais das crianças de baixo risco, que
auxiliares de enfermagem, auxiliares de saúde bucal, agentes comunitários de saúde, tinham os seus filhos com a doença cárie “sob controle”, e não os pais das crianças
dentre outros, possibilita organizar o trabalho com níveis de complementaridade, e ao de alto risco, que deveriam ser o público priorizado para tal atividade. Ao trabalhar
mesmo tempo, de especificidade, que melhor atendem as distintas necessidades de com critérios de risco para classificação de escolares em Santos em 1996, as equipes
atenção apresentadas pela população. Isto, sem contar o próprio autocuidado, de saúde bucal que realizavam estas atividades notaram indícios de uma correlação
internalizado na família e no sujeito, pois uma das metas do PSF deve apoiar a sugestiva entre alto risco de cárie e famílias desestruturadas (pais desempregados,
autonomia progressiva das pessoas” (Moysés e Silveira Filho, 2002). pais separados recentemente, etc.), que entretanto não pôde ser cientificamente
comprovada, em razão da descontinuidade político-administrativa na Prefeitura
7- A equipe de saúde bucal na promoção da saúde daquela cidade” (Manfredini, 2003).
As atribuições para os profissionais de saúde bucal que atuam no PSF foram Desta forma, o CD deve realizar a classificação dos indivíduos e grupos mais
definidas pela Portaria MS n º 267/01. Como atribuições comuns a todos os necessitados, na área de abrangência de sua atuação. Em Campinas (SP), as
profissionais da equipe, constam, dentre outras, o estímulo e a execução de medidas equipes de saúde bucal vêm trabalhando com três critérios para a classificação de
de promoção da saúde, atividades educativas e preventivas em saúde bucal; a risco : o risco em saúde bucal, o individual e o familiar/social. Para a avaliação do
execução de ações básicas de vigilância epidemiológica em sua área de abrangência; risco em saúde bucal, utilizam-se critérios para cárie dentária, doença periodontal e
a sensibilização das famílias para a importância da saúde bucal na manutenção da câncer bucal. Para o risco individual, verifica-se se o paciente tem problemas
saúde; a programação e a realização de visitas domiciliares de acordo com as sistêmicos, como diabetes, se está em gestação, se é portador de necessidades
necessidades identificadas e o desenvolvimento de ações intersetoriais para a especiais ou se foi encaminhado para atendimento a partir das outras clínicas
promoção da saúde bucal (Portaria MS nº 267/01). médicas. E nos critérios familiares e sociais, sobressaem-se os grupos populacionais
Muito embora a Portaria preconize que o cirurgião-dentista coordene as ações que se encontram em situação de maior exclusão social, identificados pelos agentes
coletivas voltadas para a promoção e prevenção em saúde bucal e supervisione o comunitários de saúde e outros profissionais que trabalham no Projeto Paidéia de
trabalho desenvolvido pelo THD e o ACD, vê-se em várias experiências municipais Saúde da Família (SMS Campinas, 2001).
que dentistas estão sendo deslocados para executar ações preventivas em escolas, Para capacitar os profissionais, foram realizados seminários sobre critérios de
creches e outros equipamentos sociais. risco e planejamento em saúde bucal. A educação continuada faz-se necessária pois
Sem desmerecer a importância de que o trabalho do CD não se restrinja a maioria dos profissionais não está capacitada para desempenhar tais atividades.
apenas a sua atuação no âmbito da assistência odontológica, limitando-se Como observou Hansen ao estudar as interações entre formação, prática e condições
exclusivamente à clínica, não podemos incorrer no erro de deslocar este profissional de trabalho de ACDs em unidades básicas de saúde de Natal (RN), “o
sucessivamente para a execução das ações coletivas. Estas devem ser feitas pelo desenvolvimento das ações preventivas/educativas, administrativas e clínicas está
THD, pelo ACD e pelo ACS. Compete ao CD organizá-las e supervisioná-las.

107
mais condicionada à forma de organização dos serviços do que à formação”(Hansen, A modalidade de contratação dos profissionais para a saúde bucal no PSF é
2002). outro problema detectado. Pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e pelo
NESCON/UFMG, no final de 2001, confirmou a precarização das relações de trabalho.
8- A equipe de saúde bucal na estratégia de saúde da família Dos dentistas pesquisados, 70,9 % eram contratados sob o tipo de vínculo de
Ao analisarmos o total de equipes de saúde bucal implantadas nas duas temporário ou prestação de serviços. O salário médio dos dentistas era de R$
modalidades definidas pelo Ministério da Saúde até junho de 2003, que são a 1.755,77 (hum mil e setecentos e cinqüenta e cinco reais e setenta e sete centavos),
modalidade 1, que compreende um CD e um ACD, e a modalidade 2, que sendo o mínimo de 600 reais e o máximo, 4.580 reais (MS/NESCON-UFMG, 2002).
compreende um CD, um ACD e um THD, vê-se que de um total de 4.820 equipes,
4.333 eram da modalidade 1 (89,9% do total) e apenas 487 da modalidade 2, o que 9- O PSF nos grandes centros urbanos
correspondia a apenas 10,1 % do total (ver Figura 4). Desta forma, verifica-se que a Um dos principais entraves à expansão do PSF tem sido sua pequena inserção
incorporação das equipes de modalidade 2 tem sido pouco adotada, o que configura nos grandes centros urbanos. Jorge e Sousa afirmam que “a cobertura atual do PSF
que a prática exercida na saúde bucal no PSF ainda é realizada sob uma concepção no país é de 35 % da população atendida, ainda com sérias dúvidas quanto aos seus
mais tradicional, incorporando muito pouco o THD. objetivos de qualidade. E, nos grandes centros urbanos, além da baixa cobertura,
convive-se com alta rotatividade e descontinuidade das ESF, sobretudo nas capitais.
Essas deveriam servir de espaços “vitrines” aos demais municípios dos seus referidos
estados, ampliando assim a possibilidade de garantir os objetivos de qualidade do
487 PSF. No entanto, nossa situação atual indica que dos 224 municípios com 100.000
Modalidade 1
habitantes, a média de cobertura é 13 %, cuidando de 11.000.000 de pessoas.
Destes, 53 municípios- no total de 14 milhões de pessoas, a cobertura é zero e outros
54- população total de 35 milhões- somente 10 % dos indivíduos são atendidos,
Modalidade 2 pairando a dúvida da resolubilidade, da continuidade e da qualidade dessa atenção”
(Jorge e Sousa, 2002).
4.333
Entendemos que ao se referir a municípios “com 100.000 habitantes”, na
realidade os autores falam sobre os com mais de 100 mil moradores. Estes dados se
confirmam em São Paulo. Documento oficial da Secretaria Municipal de Saúde
reconhecia que em abril de 2003, a cidade dispunha de 586 equipes de saúde da
Figura 4- Total de equipes de saúde bucal implantadas no Programa de Saúde da
família, completas e cadastradas. Dessas, 360 foram implantadas pela própria
Família, nas modalidades 1 e 2, no Brasil, em junho de 2.003 (fonte:
Secretaria e 226 foram municipalizadas (Projeto Qualis/PSF da Secretaria de Estado
CNSB/DAB/SAS/MS)
da Saúde de São Paulo). A estimativa de cobertura populacional era de 19,38 % da
população, o que beneficiava 2 milhões e 21 mil moradores. Além das equipes PSF,
Outro aspecto que deve ser considerado é o do perfil do(s) profissional(is) que
havia 144 equipes do tipo PACS. É importante se registrar que o processo de
vem compondo as referidas equipes. O agravamento do mercado de trabalho
implantação do SUS na maior cidade do país sofreu um grave retrocesso no período
odontológico, fenômeno observado com maior intensidade nas duas últimas décadas,
entre 1993 e 2000, nas gestões dos prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta. A implantação
tem levado a que vários profissionais busquem ocupações junto ao setor público,
do Plano de Atendimento à Saúde (PAS), conduzida à revelia do Conselho Municipal
notadamente no PSF.
de Saúde e da opinião das entidades representativas dos trabalhadores da rede
Em estudo sobre o perfil dos profissionais de saúde bucal dos serviços de
municipal, resultou no desmonte dos serviços e em desvios estimados pelo Ministério
saúde pública do Rio Grande do Norte, Rodrigues aponta que a partir de informações
Público Estadual da ordem de mais de um bilhão de reais.
obtidas junto à coordenação do PACS/PSF neste estado, os profissionais de saúde
Ao se verificar a situação da implantação das equipes de saúde bucal, o
bucal dos municípios estariam sendo incorporados automaticamente ao PSF, sem a
quadro era bem mais dramático. A instituição reconhecia que em abril de 2003, havia
existência de seleção e supervisão sistematizada do processo de incorporação destes
apenas 84 equipes de saúde bucal, ligadas diretamente às equipes de saúde da
trabalhadores. A autora observa ser necessário que o perfil destes profissionais
família. Dessas, 76 eram da modalidade II (CD, THD e ACD) e 8 da modalidade I (CD
fossem adequados para atender aos princípios do SUS e do PSF, visto que a maioria,
e ACD). Entretanto, reconhecia-se que apenas 9 ESB Modalidade I e 4 ESB
formada por especialistas, não exerce tais habilidades (Rodrigues, 2002).

108
Modalidade II estavam cadastradas no SIAB, em virtude das outras não preencherem Governo Federal e se gasta indevidamente por uso incorreto ou mau uso. Erros
o requisito de 40 horas semanais (Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, esses, no mínimo, culposos, por desvios de finalidade e de processo no uso de
2003). recursos” (Carvalho, 2002).
O abandono e o descaso para com a saúde bucal na Prefeitura de São Paulo Em estudo sobre o financiamento do PSF, Marques e Mendes registram que “
podem ser evidenciados em publicação de avaliação sobre a gestão 2001 e 2002 da do ponto de vista dos recursos próprios municipais, pode-se dizer que o financiamento
Secretaria Municipal de Saúde (governo Marta Suplicy). A saúde bucal é citada no do PSF é problemático e instável, sobretudo sob dois aspectos. Em primeiro lugar,
interior de um anexo de uma página, ao final de um livro de 450 páginas. Dos quatro sabe-se que os anos, notadamente a partir da segunda metade da década de 90,
parágrafos escritos, dois se referiam aos trabalhos realizados na gestão da Prefeita foram marcados pela crise das finanças públicas atingindo todos os níveis de governo,
Luisa Erundina, que comandou a primeira gestão do Partido dos Trabalhadores na incluídos os municípios. Ainda, nesse contexto, nem sempre lembrado, é que os anos
Capital, entre 1989 e 1992. Como realizações da equipe do Secretário Eduardo de instalação do PSF correspondem justamente àqueles em que a contenção do
Jorge à frente da Secretaria Municipal de Saúde no período de 2001 e 2002, constava gasto público foi buscada como principal diretriz política na determinação e/ou
o seguinte texto : “após oito anos sem investimentos em Recursos Humanos e diminuição do déficit público, uma das metas prioritárias do governo federal …com
manutenção e ampliação de equipamentos, a realidade da rede é bem diferente. relação ao segundo aspecto- instabilidade do financiamento municipal, vale lembrar
Déficit nas equipes de saúde bucal, principalmente pessoal auxiliar. Apesar desta que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em maio de 2000, procura
grande dificuldade, a Vigilância Sanitária da Água de Abastecimento não foi privilegiar situações em que os municípios não gastem mais do que arrecadem.
interrompida, acontecendo regularmente com a colaboração dos servidores dos Segundo a lei, vários limites são determinados ao poder executivo, especificamente,
pontos de coleta. Hoje, o projeto da Área Temática de Saúde Bucal da COGest tem às despesas de pessoal que não podem ultrapassar 54 % da receita corrente líquida
como objetivo geral reorganizar os serviços de Saúde Bucal, ampliando as ações de do município. Caso isso venha a ocorrer, as penalidades são significativas. Tal
promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal em todos os ciclos da vida- exigência legal vem afetando o comprometimento da instância municipal com o
criança, adolescente/jovem, adulto e idoso. Além disso, apóia os gestores distritais no Programa de Saúde da Família. Isso porque os tribunais de contas têm considerado a
planejamento local, segundo critérios de universalidade de acesso, integralidade de despesa com este programa como gasto com pessoal” (Marques e Mendes, 2002).
ações e hierarquização dos serviços” (Anexo Geral 6 in Souza e Mendes, 2003). Ao analisarmos as políticas públicas de incentivos financeiros para a
O texto é auto-explicativo. Realça a inexistência de propostas e realizações na implantação das equipes de saúde bucal no PSF, vê-se que a primeira iniciativa
“área temática” de saúde bucal nos anos iniciais da gestão Marta Suplicy, mantendo e remonta à Portaria nº 1.444/2000, publicada em dezembro de 2000, e que
aprofundando o quadro de omissão e de inexistência de orientações programáticas estabelecia incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal
implementados nos governos Maluf e Pitta e confirma que o projeto de implantação prestada nos municípios. Esta portaria criou o Incentivo de Saúde Bucal para o
do PSF em São Paulo nos anos de 2001 e 2002 desconsiderou a implantação da financiamento de ações e da inserção de profissionais de saúde bucal no PSF. Os
saúde bucal. municípios que se qualificassem para as ações de saúde bucal, receberiam incentivo
Entretanto, este não é um fenômeno apenas paulistano. Na maior parte dos financeiro anual variável, de R$ 13.000,00 (treze mil reais) para a modalidade I (CD +
grandes centros urbanos e notadamente nas capitais, a implantação das ESB tem ACD) a R$ 15.600,00 (quinze mil e seiscentos reais) para a modalidade II (CD + ACD
sido realizada num ritmo mais lento que no caso dos pequenos municípios. Como + THD). Além destes valores, era estabelecido o pagamento de um incentivo adicional
exceção a esta regra, pode-se citar Belo Horizonte e Curitiba. Alguns argumentos no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por equipe implantada para aquisição de
podem explicar esta situação. Talvez o fato dos maiores municípios já disporem de instrumental e equipamentos odontológicos, em parcela única (Portaria MS nº
algum tipo de rede assistencial, mesmo que de baixa cobertura populacional, tenha 1.444/2.000).
sido um fator que não tenha estimulado a adoção da estratégia da saúde bucal no Ao se cotejar estes valores, com os que constavam da proposta elaborada pelo
PSF nestas cidades. Ou então a dificuldade de expansão de serviços públicos no Comitê Técnico de Saúde Bucal por solicitação da Área Técnica de Saúde Bucal do
período posterior à sanção da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000. MS, observa-se uma importante diferença. O Comitê propunha três modalidades de
inclusão : básica, intermediária e avançada. Para a modalidade de inclusão
10- Financiamento do PSF intermediária, equivalente à Modalidade I, previa-se o repasse de R$ 12.038,00 (doze
Uma das principais dificuldades para a estruturação do SUS no país tem sido a mil e trinta e oito reais) e para a modalidade de inclusão avançada, equivalente à
de se ter fontes permanentes estáveis de financiamento. Carvalho afirma que “pode- Modalidade II, o repasse seria de R$ 20.464,00 (vinte mil e quatrocentos e sessenta e
se dizer que no Brasil pós Constitucional gasta-se pouco com saúde no âmbito do quatro reais). Para a aquisição de equipamentos odontológicos, era previsto um

109
repasse de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para as duas modalidades de inclusão (Souza menos de 6.900 habitantes, era permitida a implantação de uma equipe de saúde
et al, 2001). bucal com uma ou duas equipes de saúde da família implantadas.
Enquanto a proposta do Comitê Técnico de Saúde Bucal do MS definia uma A relação 1 ESB para 2 ESF foi extinta pelo Governo Luís Inácio Lula da Silva.
diferença da ordem de 70 % entre a modalidade de inclusão avançada em relação à A Portaria MS nº 673/03 estabelece que poderão ser implantadas, nos municípios,
intermediária, a Portaria 1.444/2.000 reduzia a diferença entre a Modalidade II e a quantas equipes de saúde bucal forem necessárias, a critério do gestor municipal,
Modalidade I a apenas 20 %. Como se sabe que as políticas de incentivo financeiro desde que não ultrapassem o número existente de equipes de saúde da família e
acabam tendo um papel indutor na definição das políticas assistenciais, não seria esta considerem a lógica da atenção básica.
uma das possíveis justificativas para a pequena participação da Modalidade II no total Outro aspecto que deve ser observado é o de que quanto maior o porte do
de equipes de saúde bucal ? município e quanto mais concorrido for o mercado de trabalho, a participação do
Em junho de 2003, através da Portaria nº 673/03, o Ministério da Saúde repasse federal no custeio da saúde bucal no PSF é menor.
atualizou e reviu os incentivos para as modalidades. Para a equipe composta por um Muito embora o Ministério da Saúde tenha planejado a implantação de 10.704
cirurgião-dentista e um atendente de consultório dentário (modalidade 1), o valor foi equipes até o final de 2002, com uma cobertura populacional de 96,3 milhões de
reajustado para R$ 15.600,00 (quinze mil e seiscentos reais). A equipe composta por habitantes (ATSB/MS- 2000), o ritmo de implantação na gestão do ex-presidente
um cirurgião-dentista, um atendente de consultório dentário e um técnico em higiene Fernando Henrique Cardoso ficou bem abaixo do previsto. Em dezembro de 2002,
dental (modalidade 2) também teve seu incentivo reajustado em 20 %, atingindo R$ havia apenas 4.261 equipes cadastradas, o que correspondia a 39,8 % do total
19.200,00 (dezenove mil e duzentos reais) (Portaria MS nº 673/GM/2003). planejado.
Segundo dados do Ministério da Saúde, no período de janeiro de 2001 a Ao se observar a figura abaixo, deve-se recuperar que já havia equipes de
setembro de 2004, os incentivos à saúde bucal da família foram da ordem de 280,1 saúde bucal trabalhando no país em dezembro de 2000, mas o Ministério da Saúde
milhões de reais. Em 2001, o total de gastos com custeio e investimento foi da ordem não as registrava, por falta de portaria específica. Outro aspecto a ser destacado é o
de 29,68 milhões de reais; em 2002, de 56,54 milhões de reais; em 2003 de 84,5 crescimento de 106,8 % no número de equipes de saúde bucal nos dois primeiros
milhões de reais e de janeiro a setembro de 2004, de 109,4 milhões de reais (ver anos da gestão Luis Inácio Lula da Silva, com um incremento de 4.551 equipes em 21
Figura 5). meses (ver Figura 6).

120 109,4 10000 8.812


100 8000
84,5 6.170
80
6000 4.261
60 56,5 ESBs
Milhões de reais 4000 2.248
40 29,7
20 2000
0
0 0
2001 2002 2003 Jan-Set dez. dez. dez. dez. dez.
2004 2000 2001 2002 2003 2004

Figura 5- Total de recursos federais provenientes do SUS para o incentivo financeiro Figura 6- Evolução da implantação de equipes de saúde bucal no Programa de
à saúde bucal da família, entre janeiro de 2001 e setembro de 2004 (Fonte : Saúde da Família no Brasil, no período entre dezembro de 2000 e setembro de
CNSB/DAB/SAS/MS) 2004 (Fonte : CNSB/DAB/SAS/MS)

A Portaria MS nº 1.444/00 definia que cada equipe de saúde bucal deveria Outra questão que deve ser apontada é a de que o Ministério da Saúde não
atender em média 6.900 habitantes. Para cada equipe de saúde bucal implantada, remunera de forma específica as ações de saúde bucal na Atenção Básica, que não
deveriam estar implantadas duas equipes de saúde da família. Nos municípios com se enquadram no Programa de Saúde da Família. Desta forma, municípios que

110
desenvolvem a atenção básica em saúde bucal só são contemplados com os recursos
provenientes do Piso da Atenção Básica (PAB). ENSINO FUNDAMENTAL
ENSINO MÉDIO
( ) Sim
( ) Sim
11-Uma proposta para a avaliação das ações ( ) Não
( ) Não
A área de saúde bucal tem sido um dos setores que mais desenvolveu ( ) Não existe
( ) Não existe
instrumentos de avaliação de seus serviços. Isto pode decorrer do fato de que os número : ___
número : ___
procedimentos são facilmente mensuráveis (uma restauração de resina composta,
uma exodontia, uma escovação supervisionada, etc.). Ou como propõe Narvai, ONGs
“decorreria da facilidade de se estabelecer consenso sobre o que seria uma doença ( ) Sim ASILOS
bucal. Ao contrário de outras especialidades, como a saúde mental, onde a definição ( ) Não ( ) Sim
das doenças pode levar a diferentes diagnósticos, não há dúvidas sobre o que seja ( ) Não existe ( ) Não
uma cárie dental ou um abscesso” (Narvai, 1995). número : ___ ( ) Não exise
Estes instrumentos de avaliação, entretanto, têm na maior parte das vezes se número : ___
restringindo à coleta de informações quantitativas. No trabalho de consultoria às CENTROS DE CONVIVÊNCIA
equipes de saúde bucal do Distrito de Saúde Sudoeste da Secretaria Municipal de ( ) Sim ASSOCIAÇÃO DE MORADORES
Saúde de Campinas, desenvolvemos um Roteiro de Avaliação para as Equipes de ( ) Não ( ) Sim
Saúde do Projeto Paidéia (ver Quadro 1). ( ) Não existe ( ) Não
A proposta é que este instrumento seja aplicado com periodicidade trimestral número : ___ ( ) Não existe
ou semestral a todas as equipes. A cada aplicação, os dados ficam disponibilizados número : ___
tanto para a equipe de referência como para a equipe de apoio dos distritos. Desta SINDICATOS
forma, estimula-se que a própria equipe possa fazer o acompanhamento de suas ( ) Sim
atividades, identificando os pontos que avançou e/ou retrocedeu. ( ) Não
( ) Não existe
número : ___
Quadro 1- Roteiro de avaliação das equipes do Projeto Paidéia-Campinas
Fonte : Manfredini e Clemente- Secretaria Municipal de Saúde de Campinas- 2002 Em relação a esses equipamentos, informe se já foram cadastrados e se a equipe de
referência já fez visita e identificou o total de usuários : ( ) Sim ( ) Não
ROTEIRO DE AVALIAÇÃO DAS EQUIPES DO PAIDÉIA Foram planejadas ações coletivas para estes equipamentos para o ano de___?
Unidade de saúde : ______________________________________________________ ( ) Sim ( ) Não
Nome dos profissionais : _________________________________________________ Foi planejada a necessidade de insumos de higiene oral para estas atividades ?
Nome da equipe de referência : ____________________________________________ ( ) Sim ( ) Não
Data de preenchimento : __________________________________________________ Os agentes comunitários de saúde (ACSs) foram capacitados para as ações coletivas em
saúde bucal ? ( ) Sim ( ) Não
1- DAS POLÍTICAS DE ATENÇÃO À SAÚDE BUCAL Os agentes comunitários de saúde estão realizando ações educativas e preventivas em
A equipe identificou os equipamentos sociais da sua área de abrangência ? saúde bucal na rotina das visitas domiciliares ? ( ) Sim ( ) Não
( ) Sim ( ) Não Aponte as atividades vêm sendo desenvolvidas pelos agentes nestas visitas:
Em relação a esses equipamentos sociais, a identificação foi feita? ______________________________________________________________________
ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL CRECHE /CEMEI Em caso negativo, aponte as causas para a não-realização destas ações pelos ACSs:
( ) Sim ( ) Sim ______________________________________________________________________
( ) Não ( ) Não ( ) Não existe A equipe está trabalhando com indicadores para a cobertura populacional das ações
( ) Não existe número : ___ coletivas em saúde bucal ? ( )Sim ( ) Não
número : ___

111
Os profissionais de saúde bucal participam rotineiramente das reuniões do Núcleo de 2.3- PAPEL DA EQUIPE DE SAÚDE BUCAL
Saúde Coletiva da unidade ? ( ) Sim ( ) Não Aponte os profissionais de saúde bucal da equipe de referência, identificando jornadas e
horários de trabalho : ____________________________________________________
2- ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA As atribuições do pessoal auxiliar (THD/ACD) vêm sendo integralmente utilizadas ?
2.1- ACOLHIMENTO ( ) Sim ( ) Não
A equipe de referência faz acolhimento em saúde bucal ? ( ) Sim ( ) Não Relate as atividades que vêm sendo realizadas pelo THD e pelo ACD:
Se sim, descreva como : ______________________________________________________________________
______________________________________________________________________ Relate as atividades educativas e preventivas que o THD e o ACD vem realizando na
______________________________________________________________________ unidade : ______________________________________________________________
Quais profissionais têm participado do acolhimento em saúde bucal, além do cirurgião- Detalhe se há horários sem atendimento em saúde bucal nesta unidade : ___________
dentista: _____________________________________________________________________
______________________________________________________________________
A equipe de referência tem protocolo para o acolhimento em saúde bucal ? 2.4- ACESSO
( ) Sim ( ) Não a) Como a equipe vem organizando o atendimento das urgências na rotina de
A equipe de referência tem protocolo para o atendimento em saúde bucal ? trabalho?_______________________________________________________________
( ) Sim ( ) Não Qual é a participação percentual das urgências no total de atendimentos da unidade ?
São realizados atendimentos conjuntos em saúde bucal, articulando a equipe de saúde ______________________________________________________________________
bucal (CD, THD e ACD) e outros profissionais da equipe de referência ? Como o usuário agenda a sua consulta para tratamento junto à equipe:
( ) Sim ( ) Não ( ) ordem de chegada
Os profissionais de saúde bucal (CD, THD e ACD) estão realizando capacitações para ( ) listagem prévia, caderno de espera
os outros profissionais da equipe ? ( ) Sim ( ) Não ( ) abertura de vagas, em dias previamente estimulados
Qual é a avaliação atual da equipe sobre o processo de acolhimento em saúde bucal da ( )outros : ________________________________________________________
unidade?______________________________________________________________ Estão sendo realizados agendamentos de usuários provenientes de encaminhamentos da
equipe de referência ? ( ) Sim ( ) Não
2.2- PROJETOS TERAPÊUTICOS SINGULARES Em caso afirmativo, identifique as causas dos encaminhamentos : _________________
A equipe tem trabalhado com critério (s) de risco (s) para a identificação dos ______________________________________________________________________
indivíduos/famílias mais vulneráveis ? ( ) Sim ( ) Não A equipe tem proposta para a organização do agendamento? ( ) Sim ( ) Não
Quais desses critérios de risco vêm sendo adotados pela equipe : Em caso afirmativo, detalhe: _______________________________________________
Risco em saúde bucal : ( ) Sim ( ) Não _____________________________________________________________________
Risco individual : ( ) Sim ( ) Não
Risco familiar : ( ) Sim ( ) Não 2.5- PARTICIPAÇÃO NA UNIDADE E CONTROLE SOCIAL
Descreva os critérios de risco em saúde bucal adotados pela equipe: ________________ A equipe de saúde bucal participa das reuniões do Conselho Gestor Local de Saúde ?
______________________________________________________________________ ( ) Sim ( ) Não
Descreva os critérios de risco individual adotados pela equipe : ___________________ Em caso afirmativo, detalhe a forma de participação : ___________________________
______________________________________________________________________ A saúde bucal foi tema de discussão no conselho gestor local de saúde? ( ) Sim
Descreva os critérios de risco familiar/social adotados pela equipe: ( ) Não
______________________________________________________________________ Em caso afirmativo, informe os temas debatidos : ______________________________
A classificação de risco tem sido levada em consideração para efeito da organização do No processo de trabalho da equipe, identifique os três principais problemas na
agendamento ? atualidade
( ) Sim ( ) Não 1-_________________________________________________________________
Em caso afirmativo, explique como: _________________________________________ 2-_________________________________________________________________
______________________________________________________________________ 3- _________________________________________________________________

112
12- Controle Social Como define Moysés, “o controle social e participação comunitária nos vários
Identifica-se constantemente que as equipes de saúde bucal no seu trabalho aspectos que compõem a atenção à saúde- geral e bucal- implicam em uma
cotidiano não participam dos espaços institucionalizados de controle social. No democratização e desmonopolização de uma das áreas mais fechadas e
acompanhamento dos trabalhos da implantação do Projeto Paidéia em Campinas, corporativamente protegidas no âmbito das profissões de saúde. Já não é sem tempo,
observamos que são poucos os dentistas, THDs e ACDs que integram os Conselhos portanto, que a odontologia se torne “de família”, “comunitária” e orgânica aos
Gestores Locais das unidades. interesses da população” (Moysés, 2002).
Por outro lado, a saúde bucal acaba não fazendo parte da pauta de debates Sem renegar a importância da participação nos espaços institucionais, também
destes espaços com freqüência. As inserções são pontuais, geralmente voltadas para não devemos negligenciar na necessidade da construção de nossas proposições no
o debate do problema do acesso à assistência odontológica. Em que medida temos âmbito da sociedade, interagindo com outros trabalhadores, forças sociais e
priorizado o debate da agenda da saúdebucal coletiva com outros atores, em especial movimentos populares de saúde.
os representantes dos movimentos populares ?
Em estudo sobre os movimentos populares de saúde no município de São 13- Conclusão
Paulo, Neder afirma que: ”as experiências de administrações progressistas, que Este texto se propôs a balizar alguns temas para o debate e a reflexão dos que
promovem engenharias institucionais e ampliam o conceito de espaço público, vêm têm se ocupado da construção da saúde bucal no âmbito da atenção básica em
criando novos mecanismos de participação e incentivando o exercício da cidadania no saúde e mais recentemente na estratégia de Saúde da Família. Reconhecendo ser
contexto da reforma democrática do Estado brasileiro. Exemplo disso são a adoção do este um processo em construção, em um estágio incipiente na maior parte do país,
Orçamento Participativo e a eleição de conselhos de gestão setoriais, que podem ser coloca-se, portanto, como uma contribuição para estas equipes, esperando estimulá-
incluídos na modalidade de participação social, uma vez que associam à ação las a também registrar e avaliar os seus processos. Cumpre reiterar a pouca
institucional as ações-diretas, características dos movimentos de reivindicação urbana publicação de textos sobre este temário no país, num momento de intensa expansão
e dos novos movimentos sociais. Estas experiências têm levado a um repensar dos destas ações.
limites historicamente estabelecidos entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Concordo com Roncalli, quando ele afirma que ”em linhas gerais, portanto, a
sociedade, quando se discutem suas responsabilidades e atribuições. Assimé que, na incorporação da estratégia/programa de saúde da família ao modelo assistencial
discussão dos temas Saúde e Política, percebe-se cada vez mais a necessária inter- brasileiro parece ser um caminho sem volta. Que forma será dada a essa
relação existente entre ambos, pois parecem evidentes os limites do pensar propostas incorporação e qual tendência seguirá ainda não há como saber. Contudo, não há
de gestão democrática circunscritas ao enfoque institucional e à dinâmica interna da como ignorar esse processo que, certamente, definirá os rumos da política de
reforma de Estado. Com freqüência, propostas de engenharia institucional e técnicas assistência à saúde no Brasil nos próximos anos” (Roncalli, 2003). As políticas do
de planejamento e participação inovadoras se inviabilizam porque se prendem aos governo Luis Inácio Lula da Silva no Ministério da Saúde até novembro de 2004
limites impostos pela dinâmica estatal e não conseguem se impor a partir de um apontam neste sentido.
reconhecimento público de sua importância social” (Neder, 2001). É importante se destacar as preocupações de Narvai de que “...para que o PSF
Muito embora o referido autor debata os limites da participação institucional seja, efetivamente, uma estratégia de construção do SUS e não um“programa”, na
em seus estudos, podemos estabelecer um paralelo com a área de saúde bucal. Ao pior acepção do termo, é crucial que, em cada município, sua implantação e
avaliar os limites da experiência desenvolvida em Santos, no período 1989-1996, desenvolvimento ocorra sob acompanhamento e controle do respectivo conselho de
reconheço que o projeto de construção das políticas sanitárias, principalmente as de saúde e a partir de práticas democráticas de gestão. Caso contrário não passará de
saúde bucal, foi marcadamente institucional. Mesmo a realização de Conferências de engodo, simulacro de intervenção pública na saúde, tornando-se impotente para de
Saúde anuais, com várias demandas de saúde bucal, não possibilitou a construção de fato contribuir para a “reorganização do modelo de atenção”. Nesses casos, prestar-
um movimento que resistisse ao desmonte posterior, protagonizado por duas gestões se-á unicamente à manipulação político-eleitoral da saúde- como tristemente tem
conservadoras. Fosse outro o processo, com a população se apropriando do projeto, acontecido em outras estratégias governamentais, caso do PAS em São Paulo, para
não teríamos graves retrocessos como o fechamento de diversos serviços ficar no exemplo mais recente e notório. Neste aspecto, cabe reiterar que a “inserção
especializados, em especial o Serviço de Prótese Dental Professor Sérgio Pereira, e de profissionais de saúde bucal” no PSF deve contribuir para que o SUS seja,
absurdo maior, a aquisição de ônibus adaptado para prestar serviços odontológicos efetivamente, o que a Constituição da República determina e o que as leis federais
assistenciais, a partir de 1997. 8.080 e 8.142 regulamentam. Afinal, os brasileiros precisam- e muito !- do SUS e não
de um restrito SUSF (Sistema Único de Saúde... da Família)” (Narvai, 2001).

113
Por fim, o por quê do título. A defesa da promoção da saúde não pode ser CAMPINAS, (Município). Secretaria Municipal de Saúde. Relatório do Seminário
desvinculada da luta pelo acesso universal à assistência odontológica. Portanto, um de Risco em Saúde Bucal. Campinas, mimeo, 2001
olho no peixe e o outro no gato. E sempre trabalhando na perspectiva sugerida por CAPISTRANO, D. in Modalidade de residência multiprofissional. I Curso de
Capistrano, de que “para o êxito da construção do SUS, para que os brasileiros Especialização em Saúde da Família-UFSC. Florianópolis, mimeo, 2000
tenham mais saúde e vivam mais, a PAIXÃO, a capacidade de indignar-se e de se CARVALHO, G.C. M. Financiamento Público Federal do Sistema Único de
emocionar, de ter rompantes de cólera contra os agravos à vida, é indispensável. …é Saúde- 1998-2001. São Paulo, 2002. 312 p. Dissertação (Doutorado)- Faculdade de
mesmo preciso uma férrea vontade, pertinácia, persistência, insistência, para vencer Saúde Pública da Universidade de São Paulo
os inúmeros obstáculos postos à nossa frente. É preciso, além disso, CORAGEM FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DOS ODONTOGISTAS; FEDERAÇÃO
pessoal, política e intelectual para rever conceitos, pré-conceitos, enfim, idéias que NACIONAL DOS ODONTOLOGISTAS; CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA;
não têm mais suporte na realidade. Não podemos ser escravos de nada, nem mesmo ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ODONTOLOGIA. Implantando a Saúde Bucal nos
de nossas próprias idéias” (Capistrano, 2000). Municípios. Brasília, 2002
FRAZÃO, P. et al Perda dentária precoce em adultos de 35 a 44 anos de idade.
14- Bibliografia Selecionada Estado de São Paulo, Brasil, 1998. Revista Brasileira de Epidemiologia. V.6, nº 1, p. 49-
57, 2003
ANEXO GERAL 6 in SOUSA, M.F.; MENDES, A. Tempos radicais da saúde em HANSEN, L. M. M. Atendentes de consultório dentário : interações entre
São Paulo : a construção do SUS na maior cidade brasileira. São Paulo : Hucitec, 2003 formação, prática e condições de trabalho. Natal, 2002. 107 p. Dissertação (Mestrado)-
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Brasília, 26.12.1996 JORGE, E.; Sousa, M. F. A tarefa : apagar os sinais vermelhos do PSF. In :
______ . Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes SOUSA, M. F. (org.) Os sinais vermelhos do PSF. São Paulo : Hucitec, 2002
da Política de Saúde Bucal do Ministério da Saúde. Brasília, mimeo, 2003 MANFREDINI, M.A. Abrindo a boca : reflexões sobre bocas, corações e mentes.
______ . Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Programa In : CAMPOS, F.C.B.;HENRIQUES, C.M.P. (org.) Contra a maré à beira-mar- A
de Saúde da família- implantação ESB junho/2003. Disponível em experiência do SUS em Santos. São Paulo: Hucitec, 1997
www.saude.gov.br/bucal. Acesso em 3 de agosto de 2003 _______________ . Universalidade e integralidade em saúde bucal. São Paulo,
______ . Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica- Secretaria de mimeo, 2000
Políticas de Saúde. Programa Saúde da Família. Revista de Saúde Pública , v. 34, nº 3, _______________ . Planejamento em saúde bucal. In : PEREIRA, A . C. (org.)
p. 316-19, 2000 Odontologia em saúde coletiva : planejando ações e promovendo saúde. Porto Alegre :
______ . Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Secretaria de Artmed, 2003
Políticas de Saúde. Área Técnica de Saúde Bucal. A reorganização da saúde bucal na _______________ ; CLEMENTE, C. Roteiro de Avaliação das equipes do
atenção básica. Divulgação em Saúde Para Debate, nº 21, p. 68-73, 2000 Paidéia. Campinas, mimeo, 2002
______ . Ministério da Saúde. Portaria nº 1.444/2.000, de 28 de dezembro de MARQUES, R. M.; MENDES, A. A dimensão do financiamento da atenção básica
2000. Diário Oficial da União. Brasília, 29/12/2000 e do PSF no contexto da saúde-SUS in SOUSA, M.F. (org.) Os sinais vermelhos do
______ . Ministério da Saúde. Portaria nº 267/01, de 6 de março de 2001. Diário PSF. São Paulo : Hucitec, 2002
Oficial da União. Brasília, 7/3/2001 MARTILDES, M. L. R. “PSF- Odontologia a serviço da comunidade”
______ . Ministério da Saúde. Portaria nº 673/GM/2003, de 3 de junho de 2003. (Conferência). XV Congresso Cearense de Odontologia. Fortaleza, 16 de
Diário Oficial da União. Brasília, 4/6/2003 maio de 2003
BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Geral da Política de Recursos MOYSÉS, S. J. A odontologia no Programa de Saúde da Família. 10 Anos do
Humanos; UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. Núcleo de Pesquisa em PSF em Curitiba: A história contada por quem faz a história. Curitiba, 2002
Saúde Coletiva-NESCON/FM e Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado- ESPM ____________ e SILVEIRA FILHO, A. D. Saúde Bucal da Família : quando o
Agentes institucionais e modalidades de contratação de pessoal no Programa de Saúde corpo ganha uma boca in SILVEIRA FILHO, A D.; DUCCI, L.; SIMÃO, M. G.;
da Família no Brasil- Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte, mimeo, 2002 GEVAERD, S.P. (org.) Os dizeres da boca em Curitiba : boca maldita, boqueirão, bocas
CAMPINAS, (Município). Secretaria Municipal de Saúde. Projeto Paidéia de saudáveis. Rio de Janeiro : CEBES, 2002
Saúde da Família- SUS- Campinas. Campinas, mimeo, 2001 NARVAI, P.C. Saúde bucal : assistência ou atenção ? São Paulo, mimeo, 1992

114
NARVAI, P. C. “Levantamento epidemiológico de saúde bucal em Santos-SP”
(Conferência). Secretaria Municipal de Saúde de Santos. Santos, 1995
___________ Saúde bucal no PSF : SUS ou SUSF ? Jornal do Site Odonto, ano
3, número 37, edição da primeira quinzena de maio de 2001. Disponível em
www.jornaldosite.com.br . Acesso em 19/07/2003
NEDER, C. A. P. Participação e gestão pública : a experiência dos movimentos
populares de saúde no município de São Paulo. Campinas, 2001. 276 p. Dissertação
(Mestrado)- Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
RAMIRES, I. et al. Avaliação da concentração de flúor e do consumo de água
mineral. Bauru, mimeo, 2003
RAMOS, D. D.; LIMA, M. A. D. S. Acesso e acolhimento aos usuários em uma
unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde
Pública. v. 19, nº 1, p. 27-34, 2003
REDE CEDROS. GT Saúde Bucal em SILOS. O que fazer nos municípios ?
Cadernos de Saúde Bucal, I. Rio de Janeiro : Cedros, 1992.
RODRIGUES, M. P. O perfil dos Profissionais de Saúde Bucal dos Serviços de
Saúde Pública do Rio Grande do Norte. Disponível em : www.observatorio.nesc.ufrn.br.
Acesso em 11 de junho de 2003
RONCALLI, A . G. O desenvolvimento das políticas públicas de saúde no Brasil e
a construção do Sistema Único de Saúde. In : PEREIRA, A. C. (org.) Odontologia em
saúde coletiva : planejando ações e promovendo saúde. Porto Alegre : Artmed, 2003
SÃO PAULO, (Município). Secretaria de Governo Municipal. Coordenação do
Orçamento Participativo. Propostas da área de saúde para o OP-2002. São Paulo,
mimeo, 2001
SÃO PAULO, (Município). Secretaria Municipal de Saúde. PROESF/São Paulo.
São Paulo, mimeo, 2003
SILVA, O.M.P.; LEBRÃO, M.L. Estudo da emergência odontológica e
traumatologia buco-maxilo-facial nas unidades de internação e de emergência dos
hospitais do Município de São Paulo. Revista Brasileira de Epidemiologia. v. 6, nº 1, p.
58-67, 2003
SILVEIRA FILHO, A D. A Saúde Bucal no PSF : o desafio de mudar a prática.
Disponível em : http:www.saúde.gov.br Acesso em 9 de julho de 2003.
SOUZA, D. et al. A inserção da saúde bucal no Programa Saúde da Família.
Revista Brasileira de Odontologia em Saúde Coletiva. v. 2, nº 2, p. 7-29, 2001
“Usuários estão insatisfeitos com a demora, falta de profissionais e
medicamentos”. Jornal da UMPS.p.2-3, ago 2003.
WERNECK, M. A F. et al Algumas reflexões sobre o cuidado em saúde bucal nos
serviços de saúde no Brasil (versão preliminar). Belo Horizonte, mimeo, 2003
ZANETTI, C. H. G. Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família (PSF)-
proposição e programação. Brasília, fevereiro de 2000. Disponível em :
www.saudebucalcoletiva.unb.br. Acesso em 9 de julho de 2003.

115
RECURSOS HUMANOS PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE saúde bucal. Tal prática constitui uma exigência social no Brasil, pois:
BUCAL: UM OLHAR NO INÍCIO DO SÉCULO XXI a) não obstante os indicadores epidemiológicos disponíveis revelarem
um quadro melhor do que o observado no século XX, quanto à
prevalência e severidade da cárie dentária entre crianças, indicam
PAULO CAPEL NARVAI também níveis inaceitáveis em muitas comunidades e, ainda, proporção
INTRODUÇÃO significativa de dentes não tratados, com o qual a sociedade e os
O que a prática odontológica foi, é, e pode vir a ser, resulta de uma complexa profissionais da odontologia não aceitam mais conviver;
articulação de fatores externos e internos ao processo de trabalho, destacando-se o b) a legislação nacional sobre saúde e a própria Constituição da
conhecimento científico disponível em cada momento, as tecnologias, os ambientes, República reconhecem que “a saúde é um direito de todos e um dever
os instrumentos e materiais utilizados, e os recursos humanos. Embora se admita a do Estado” e que as ações e serviços para garantir o exercício desse
importância de todos esses aspectos no processo de trabalho, o papel central dos direito devem ser de “acesso universal e igualitário” e orientadas à
recursos humanos é reconhecido universalmente. Com efeito, o recurso humano é “promoção, proteção e recuperação”.
decisivo em função de sua condição de sujeito do processo, constituído pela força
(energia) e pela capacidade (qualificação) de trabalho, as quais conferem diferentes
características a cada serviço odontológico produzido (produto do trabalho). Reconhecer a saúde como direito de todos, ou seja, como um bem público que
não pode ser negado nem ficar condicionado a regras de mercado, implica admitir a
À semelhança de qualquer trabalho humano, o trabalho odontológico surgiu e se saúde “bucal” como parte integrante e inseparável da saúde, compreendida
desenvolveu para satisfazer necessidades humanas. Tais necessidades são a razão amplamente, tanto em sua dimensão biológica quanto social. Tal como, aliás,
de ser e dão sentido ao esforço cotidiano de milhares de profissionais em todo o entenderam os participantes da II Conferência Nacional de Saúde Bucal (1993) ao
mundo. Ao longo dos séculos o processo de trabalho foi se tornando mais e mais afirmar que “a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do
complexo até atingir o estágio atual que se caracteriza pela acentuada divisão técnica, indivíduo e está relacionada diretamente com as condições de saneamento,
produto histórico do desenvolvimento científico-técnico. Mudanças nos processos de alimentação, moradia, trabalho, educação, renda, transporte, lazer, liberdade, acesso
trabalho vêm determinando mudanças nos sujeitos desses processos, conforme e posse da terra, aos serviços de saúde e à informação”.
assinalam vários autores entre os quais Pinto (2000) e Moysés & Watt (2000). Durante
séculos, o ambiente, as técnicas e o sujeito do trabalho odontológico preservaram Cabe, porém, distinguir “saúde bucal” de “incapacidade bucal”.
algumas características essenciais: em linguagem contemporânea, pode-se dizer que Quando nos referimos à “saúde bucal” estamos falando, segundo Narvai (2001) de
o operador, ao lado da cadeira, realizava isoladamente procedimentos profissionais
“um conjunto de condições, objetivas (biológicas) e subjetivas
num ambiente clínico de aproximadamente 10 m2. (psicológicas), que possibilita ao ser humano exercer funções como
A revolução industrial criou, também no campo odontológico, as condições para a mastigação, deglutição e fonação e, também, pela dimensão estética
rápida transformação do processo de trabalho e do seu sujeito. Logo apareceram inerente à região anatômica, exercitar a auto-estima e relacionar-se
diferentes especialistas, dividindo tecnicamente o trabalho em sentido horizontal e socialmente sem inibição ou constrangimento. Essas condições devem
também os auxiliares, direcionando verticalmente essa divisão. Dentre os auxiliares, o corresponder à ausência de doença ativa em níveis tais que permitam
“protético” e o “auxiliar de consultório” foram e são ainda hoje unanimemente aceitos. ao indivíduo exercer as mencionadas funções de modo que lhe
Nos dias atuais, contudo, novos tipos de pessoal odontológico vêm sendo utilizados pareçam adequadas e lhe permitam sentir-se bem, contribuindo desta
em diferentes países e também no Brasil. O fato de a prática odontológica poder se forma para sua saúde geral.”
realizar para além dos limites do consultório (Kriger 2002), através por exemplo das Observa-se assim que as determinações da saúde bucal ultrapassam em muito os
ações coletivas em saúde bucal, tem implicado mudanças no sujeito do trabalho limites e possibilidades da prática odontológica stricto sensu. Mas o trabalho
odontológico: o cirurgião-dentista (CD) trabalhando isoladamente vem cedendo lugar odontológico tem importante significado e pode ter profundo impacto ao lidar com a
à equipe de saúde bucal (Botazzo et al. 1989). “incapacidade bucal”, esta entendida, conforme Narvai (2001), como
A equipe de saúde bucal é o novo sujeito da nova prática odontológica que se está “a impossibilidade, transitória ou permanente, de exercer uma ou mais
buscando criar e consolidar. A prática odontológica capaz de, efetivamente, promover

116
das funções de mastigação, deglutição ou fonação e, também, pelo TRABALHO ODONTOLÓGICO NO BRASIL: ORIGEM E EVOLUÇÃO
comprometimento estético. O grau da incapacidade, sua abrangência e Entre os mestres de ofícios vindos de Portugal para exercer atividades de saúde
evolução variam de indivíduo para indivíduo, segundo o tempo, as no Brasil estavam os primeiros dentistas. Eram os mestres cirurgiões e barbeiros que
características clínicas, as possibilidades terapêuticas e a inserção “curavam de cirurgia, sangravam e tiravam os dentes”. Para exercerem suas funções,
social de cada um”. os mestres tinham que ter, obrigatoriamente, a Carta de Ofício, uma licença especial
As características epidemiológicas, a magnitude e a qualidade das necessidades dada pelo Cirurgião-Mor da Corte Portuguesa. Esta Carta de Ofício, que
da população no que se refere às ações de atenção à saúde bucal — aí incluídas as regulamentava o ofício de barbeiro (“tiradentes”), surgiu em 1521 através de ato real
atividades assistenciais individuais, tanto as orientadas ao controle da incapacidade do Regimento do Físico Mor de Portugal, sendo modificada cerca de um século
bucal quanto as de natureza preventiva —, se constituem no referencial básico para depois quando, em 1631, a expedição da “Carta” passou a ser precedida da
tratar das questões relacionadas aos recursos humanos odontológicos no país. Nesse “comprovação” de experiência de dois anos na atividade de barbeiro (Rosenthal
sentido, é indispensável explicitar que se entende que, tanto as instituições 2001).
formadoras quanto as empregadoras de recursos humanos, devem orientar suas A institucionalização da formação e a organização das atividades profissionais na
respectivas missões institucionais à efetiva implantação e desenvolvimento do área da saúde só tiveram início no país após a chegada da Família Real ao Brasil, em
Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, imprescindível para a alteração, em janeiro de 1808. Após a instalação do Reino no Brasil, a primeira Carta de Dentista foi
abrangência e profundidade, do nosso perfil epidemiológico. Isto implica, certamente, expedida em 1811, para Pedro Martins de Moura, um português. Esta Carta o
profundas transformações, entre outras, também no sistema brasileiro de formação de autorizava expressamente a tirar dentes, não mencionando cirurgias, próteses,
recursos humanos odontológicos, o qual se encontra, pelo menos desde os anos 70 curativos ou medicações. O primeiro brasileiro a receber tal Carta, também em 1811,
do século passado, sem qualquer definição substantiva de diretrizes às quais os cinco meses após, foi Sebastião Fernandes de Oliveira, natural do Espírito Santo. Em
formadores tenham de se submeter e que possibilite ao poder público efetivamente 1856 foi instituído, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, exame para dentistas
avaliá-los. A generalidade das principais orientações do poder público e, também, a se habilitarem ao exercício da profissão (Rosenthal 2001).
tibieza com que o Estado brasileiro atua no setor, conduzem à frouxidão das regras e
exigências resultando, na prática, em sua inocuidade, prevalecendo critérios Primeiros Cursos - Em 25 de outubro (o dia do cirurgião-dentista, atualmente)
ostensivamente mercantis. Essa leniência, de matriz liberal, tem significado a de 1884 foram criados, através do Decreto 9311, cursos de odontologia nas
ausência de controle efetivo por parte do Estado, o qual tem pautado sua atuação por Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Salles Cunha (1963) registra
um formalismo e burocratização que, muitas vezes, beira à irresponsabilidade. Cabe que o artigo 8° do Decreto 9311 estabelecia que
alertar, ainda, que este descontrole não decorre de um quadro “anárquico”, resultante “o curso de odontologia constará das seguintes matérias: (...) Physica
de uma suposta “incompetência” dos órgãos governamentais. Esta aparente elementar; Chimica mineral elementar; Anatomia descriptiva e
“anarquia”, ou ainda a “dificuldade para coibir os abusos evidenciados pelo Exame topographica da cabeça; Histologia dentaria; Physiologia dentaria;
Nacional de Cursos (Provão)”, esconde uma bem articulada ação dos empresários do Pathologia dentaria e hygiene da bocca; Therapeutica dentaria; Cirurgia
ensino, mais preocupados com a acumulação e reprodução do capital neste setor do e prothese dentaria (...)”.
que propriamente com Educação e Saúde. Por isso, dotar a sociedade de recursos
Ao término do curso, “sem colar grau ou outras formalidades” os alunos recebiam
humanos odontológicos adequados às suas necessidades, e atender às exigências da
o título de “Dentista”. A denominação de “Cirurgião-Dentista” ao título dos egressos
Constituição, permanecem como o grande desafio colocado neste início de século,
dos cursos brasileiros viria 9 anos mais tarde, já no período republicano, com a
nesse campo, a todos os que se ocupam das tarefas de transformar a prática
reforma Alvarenga, que introduziu modificações no ensino para compatibilizar tais
odontológica, direcionando-a para a promoção da saúde, sem perder de vista seu
cursos às determinações de 1892 do Ministério da Justiça e Negócios Interiores
papel no lidar com as incapacidades bucais.
(Salles Cunha 1963). Esta denominação permanece até os dias atuais.
Para enfrentar com êxito esse desafio é preciso compreender a história e a
Prática Odontológica no Século XX - A prática odontológica hegemônica no país
situação atual dos recursos humanos odontológicos no Brasil. Pretendemos, neste
no século XX, caracterizada por Narvai (1994) como Odontologia de Mercado,
capítulo, contribuir para essa compreensão, ainda que tratando apenas em linhas
apresentou características que expressam as profundas transformações
gerais dos aspectos anteriormente assinalados.
experimentadas pela sociedade brasileira ao longo de todo o século, com acentuado
crescimento econômico, industrialização e urbanização. Tais mudanças vêm

117
repercutindo intensamente na prática odontológica que vem se tornando complexa e Constata-se que, no início dos anos 90, o Brasil concentrava cerca de 11 (onze)
concentrando sofisticada tecnologia. Em conseqüência dessas transformações e em por cento dos cirurgiões-dentistas em atividade em todo o mundo (Pinto 1992).
coerência com as características gerais do capitalismo dependente que se consolidou Embora no início do século XXI tal proporção não tenha diminuído, isto não tem
no país, tem sido observada grande expansão no número de cursos de odontologia, significado melhores condições de saúde bucal para o conjunto dos brasileiros. Ao
sobretudo nas duas últimas décadas do século. Articulada a essa expansão, se fez contrário: apesar de a cárie dentária ter diminuído entre escolares urbanos brasileiros
aprovar uma legislação restritiva do exercício das atividades odontológicas. Já em na segunda metade do século XX, nosso país continua sendo conhecido como o
1933 o Decreto no 23.540, de 4/12/33, limitava esse exercício aos praticantes não “campeão mundial dos desdentados”. Entre nós a cárie dentária associa-se,
portadores de diploma “até 30 de junho de 1934” (Rosenthal 2001). precocemente, às doenças periodontais para produzir uma verdadeira mutilação em
massa: embora dados oficiais sobre extrações dentárias no país não estejam
A segunda metade do século XX registrou notável expansão do número de disponíveis, a análise dos componentes do índice CPOD nos levantamentos
cirurgiões-dentistas em atividade no país, conforme pode ser observado na Figura epidemiológicos, tanto os de abrangência nacional quanto os mais restritos, revelam
19.1. Verifica-se também que nos primeiros anos deste século XXI o fenômeno segue um quadro sombrio. Constata-se que o trabalho odontológico não tem servido para
inalterado. O ano de 2001 se encerrou com 142 cursos de graduação em odontologia manter dentes nas bocas. A magnitude dessas necessidades e as estimativas dos
em atividade nas várias regiões do país, segundo o censo escolar do Ministério da custos relacionados com a recuperação através da assistência aos doentes permitem
Educação (ABO 2002). dimensionar, mesmo que precariamente, o problema a ser enfrentado. Entre os
O vertiginoso aumento do número de CD em atividade no Brasil produziu, ao longo especialistas há concordância num ponto: a prática precisa mudar e isso exige
do século passado, o surgimento de uma categoria profissional de estrutura complexa mudanças, quantitativas e qualitativas, também no sujeito do trabalho odontológico.
e com razoável poder corporativo. Assim é que, em 1964, foram criados o Conselho Tais fatos têm gerado uma profusão de críticas à prática da odontologia no Brasil,
Federal de Odontologia (CFO) e vários Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), tida de modo geral como inadequada às nossas diferentes realidades e condições
originalmente autarquias do poder público federal, vinculadas ao Ministério do sócio-epidemiológicas por ser: ineficaz, ineficiente, de alto custo, de alta
Trabalho, incumbidos de fiscalizar o exercício profissional. Em 1966 a Lei 5.081 complexidade, de baixa cobertura, essencialmente mercantilista e monopolizada pelas
regulamentou o exercício da odontologia no território brasileiro. elites, mal distribuída geográfica e socialmente, predominantemente dirigida às
atividades curativas, e ainda, por utilizar recursos humanos inadequados (CNS 1980).
Tal prática, afirma-se, está centrada nas ações clínico-cirúrgicas individuais e em
enfoques biologicistas em detrimento da compreensão e enfrentamento dos
Figura 19.1
determinantes sociais do processo saúde-doença (Narvai 1994). Essas características
Evolução da proporção CD:10.000 da prática odontológica hegemônica no Brasil têm feito com que diferentes analistas
habitantes no Brasil dos recursos humanos odontológicos apontem a necessidade de imediato abandono
do enfoque meramente quantitativo que o país estaria utilizando no planejamento
CD : desses recursos e a adoção de critérios qualitativos para tipificá-los e dimensioná-los.
10.000 10,43
9,51
7,85
CIRURGIÕES-DENTISTAS
5,13
3,28 3,65 A proporção cirurgião-dentista por habitantes chegou a 1 CD para
aproximadamente 1.008 habitantes em 2002, segundo o Conselho Federal de
Odontologia (CFO 2002). A proporção 1 CD para 2.000 habitantes, parece ser
adequada aos países, de modo geral. Chaves (1977) refere como “bastante boa” esta
1960 1970 1980 1990 2000 2010
proporção, considerando-a “razoável” quando situada na faixa de 1 CD para 10.000
Fonte: CFO 2000, Pellegrino 1999 ou menos habitantes. Assim, a situação brasileira pode ser considerada, basicamente,
de relativo desequilíbrio quantitativo e inadequação qualitativa.
Vale registrar, entretanto, para destacar os limites de qualquer análise que leve em

118
conta apenas proporções consideradas genericamente, as gravíssimas distorções de conforme se pode observar na Figura 19.3, que esse desequilíbrio vem se mantendo
distribuição observadas entre cirurgiões-dentistas. A partir de dados do IBGE e do nas últimas décadas. Entre 1975 e 2002 foram mínimas as alterações na distribuição
Conselho Federal de Odontologia, para 2002, pode-se estimar, entre outras, as de CD segundo as macrorregiões brasileiras, com exceção da região Centro-Oeste,
seguintes proporções CD:habitantes: 1 : 2.974 no Amapá, 1 : 789 em Minas Gerais, 1 que dobrou sua participação (de 4% para 8%). As regiões Norte e Sul mantiveram sua
: 680 no Rio de Janeiro e 1 : 615 no Estado de São Paulo. Tais distorções, cabe participação com, respectivamente, 3% e 15% dos CD brasileiros. Nordeste e
assinalar, não se verificam apenas entre CD mas igualmente no conjunto dos Sudeste, por sua vez, viram diminuir em 2% sua participação percentual no conjunto:
profissionais de saúde. E mais: não têm dimensão apenas geográfica mas sócio- o Nordeste de 15% para 13% e o Sudeste de 63% para 61%. A rigor, portanto, não se
econômica: Morumbi e Guaianases, em São Paulo, e Copacabana e Madureira, no pode falar em tendência de aumento da concentração de CD no Sudeste uma vez
Rio de Janeiro, por exemplo, apresentam significativas diferenças na proporção que, os dados assim indicam, tal concentração é estrutural.
CD:habitantes não por razões geográficas mas em virtude, sobretudo, do poder Estima-se que cerca de 70 (setenta) por cento dos serviços odontológicos
aquisitivo da maior parte de suas respectivas populações. produzidos no Brasil continuam sendo financiados em âmbito privado. Investimentos
A propósito, Narvai (2000) considera que “não basta para o enfrentamento da nessa área não vêm sendo suficientemente priorizados nas políticas públicas de
atual política de formação de recursos humanos em saúde — aí incluídos os recursos saúde e as ações, quando existem, são dirigidas quase que exclusivamente ao
humanos odontológicos —, a enfadonha citação de que ‘a Organização Mundial da controle de dores e infecções. Apenas às crianças, com ênfase aos escolares, tem
Saúde recomenda 1 dentista para 1.500 habitantes’.” O autor lembra que “há sido possível ampliar e diversificar os tipos de serviços odontológicos oferecidos no
variantes, como 1:1.000 ou 1:2.000” mas afirma que âmbito do SUS. A expansão das ações financiadas com recursos do orçamento da
“a OMS não recomenda coisa alguma. Em algum momento alguém saúde continua sendo, em todos os níveis de governo, muito lenta e estão muitíssimo
deve ter lido mal em algum lugar, citou erroneamente a OMS e, a partir aquém das necessidades da população, sobretudo adultos. A omissão do Estado
daí, tem havido uma repetição mecânica e acrítica dessa proporção. brasileiro e a negação na prática da saúde bucal como um “direito do cidadão e um
Jamais encontrei a referência bibliográfica nos artigos que mencionam a dever do Estado” vem abrindo espaço à ampliação dos denominados “planos
tal proporção. Nos documentos da OMS, aos quais tive acesso, nunca li odontológicos”. Segundo a Associação Brasileira de Odontologia eles estariam
nada sobre o assunto. Até que algum pesquisador desvende esse cobrindo cerca de 4,5 milhões de brasileiros em 2002, por meio de 413 operadoras e
mistério, pode-se concluir que se trata de pura lenda. Como, aliás, cooperativas, com a expectativa de ampliar esse número para 20 milhões até 2005
tantas outras atribuídas à "OMS". Felizmente é lenda. Seria mesmo um (ABO 2002). Ainda que se possa considerar essa expectativa muito otimista o
absurdo supor que uma eventual proporção dentista por habitantes Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog) informa que 68%
pudesse ser estabelecida como ‘ideal’ sem levar em consideração dos CD brasileiros “já têm algum tipo de vínculo” com essas empresas. Na Figura 19.4
aspectos elementares envolvidos no planejamento de recursos pode-se observar a expansão, de acordo com o Sinog, do número de beneficiários de
humanos odontológicos necessários em cada comunidade como, por planos odontológicos a partir da última década do século passado. Segundo o IBGE
exemplo, o seu perfil epidemiológico.” (2000), os dados da PNAD-1998 indicam que os planos de saúde atingem 38,7
milhões de pessoas. A porcentagem chega a 76% dentre os cerca de 10 milhões com
Ainda que reconhecendo os limites da proporção CD:habitantes como um rendimentos familiares superiores a 20 salários mínimos, mas não ultrapassa 3%
indicador para a análise de recursos humanos odontológicos, pode-se admiti-la como dentre os aproximadamente 15 milhões cujo rendimento familiar não chega a 1 salário
um instrumento útil, desde que se leve em conta um amplo conjunto de variáveis mínimo.
(Pellegrino 1999, Pinto 2000). É possível perceber, por exemplo, que o Brasil
apresenta um indesejável desequilíbrio estrutural na distribuição dos CD pelas
macrorregiões, em relação às suas respectivas populações. Na Figura 19.2, observa-
se que em 2002 o Sudeste concentrava 61% da população de CD e 42% da
população total. O Sul, com 15%, e o Centro-Oeste, com 8% dos CD brasileiros,
apresentam relativo equilíbrio entre a população de CD e a população total: 15% da
população brasileira está no Sul e 7% no Centro-Oeste. Norte e Nordeste apresentam
pronunciado desequilíbrio. No Norte estão 3% dos CD brasileiros e 8% da população
total, e no Nordeste 13% dos CD e 28% da população. Constata-se, por outro lado,

119
Figura 19.2 Figura 19.3

Número de CD e população por macrorregião. Número e porcentagem de cirurgiões-dentistas por


Brasil, 2002 macrorregião no Brasil em 1975 e em 2002
CO
CO CO CO
13.316
NE 12.101.540 NE NE 1.515 13.316
8%
48.845.112 7% 22.473 5.680 4% NE 8%
28% 13% 15% 22.473
N N 13%
5.027 5.027 N
N 3% 3% 5.027
13.504.599 3%
S S
8% SE
SE 25.733 25.733 S
107.088 SE SE
74.447.456 15% 15% 25.733
S 61% 23.854 107.088
42% 15%
25.734.253 63% 61%
15%

População CD 1975 2002

Fonte: IBGE 2002, CFO 2002 Fonte: IBGE 1975, 2002

120
nunca foram ao dentista (3,4% na macrorregião Sul). Mas essa porcentagem alcança
36,5% entre aqueles cujo rendimento familiar não chega a 1 SM — atingindo
Figura 19.4 dramáticos 43,4% entre os sem rendimentos da macrorregião Nordeste. Tais dados,
que deixaram "abismado" o então ministro da Saúde, José Serra, revelam que sentar
Vendas de planos odontológicos na cadeira do dentista continua sendo, no Brasil, um insuportável monopólio de classe
no Brasil no período 1996-2005 social. Um privilégio e não um “direito de todos” — mais uma cruel expressão das
iniqüidades que nos assolam.

Milhões
20,0
Figura 19.5
Acesso a serviços odontológicos no Brasil, em 1998
(em milhões)

4,0 4,5
1,0 2,0

29,6
1996 1997 1998 2002 2005 130,4 NUNCA
Ano (estimativa)
COM 18,7%
Fonte: SINOG 1999, ABO 2002 ACESSO
81,3%

Embora recorrente no discurso odontológico oficial (Lapa 1986), e muito


reproduzida entre leigos (Biancarelli 2002), não se dispõem de dados que permitam
afirmar que serviços odontológicos sejam acessíveis para “apenas cerca de 5 (cinco)
por cento da população” (Biancarelli menciona um inusual “6%”). Aliás, constata-se Fonte: IBGE 2000
grande variabilidade nos números relativos a acesso a serviços odontológicos no
Brasil. César et al. (1999) observaram, por meio de inquérito domiciliar (n=10.199),
que 32% das pessoas declararam ter “consultado dentista” no período de 12 meses
anteriores à entrevista, na região metropolitana de São Paulo, no início dos anos 90.
Dados mais abrangentes foram divulgados pelo IBGE em agosto de 2000 e constam
do relatório da PNAD-1998 — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE
2000). Constatou-se que 29,6 milhões (18,7% da população) nunca foram ao dentista
(Figura 19.5). A porcentagem sobe para 32% na área rural, onde o acesso ao CD é
inédito para 10,3 milhões de brasileiros (Figura 19.6). Entre os brasileiros cujo
rendimento familiar mensal é superior a 20 salários mínimos (SM), apenas 4,1%

121
gerais pois é isso que o Brasil precisa” é inaceitável. O argumento que pretende
justificá-la é perverso: utiliza antigas e conhecidas debilidades do ensino quanto a
aspectos sócio-epidemiológicos, econômicos, culturais e políticos, e manipula a
Figura 19.6 inadequação dos serviços odontológicos, sobretudo os públicos, para justificar a
Acesso a serviços odontológicos no Brasil, em 1998, degradação do ensino, sobretudo o ensino de algumas especialidades mais
demandadas e valorizadas no setor privado. Trata-se, ao contrário, para alterar o
segundo alguns grupos etários e a zona de residência quadro de má utilização dos CD disponíveis no país, de melhorar a qualidade do
ensino e, no plano da organização e funcionamento dos serviços odontológicos,
(em milhões) imprimir-lhes padrões de qualidade utilizando o potencial de trabalho dos CD
brasileiros que vem sendo flagrantemente subutilizado, com evidentes prejuízos à
população que deles necessita.
Æ
Æ Sem
Sem Acesso
Acesso (milhões):
(milhões): Até os primeiros anos do século XXI vigorou no Brasil, no campo da formação e
19,3
19,3(zona
(zonaurbana)
urbana) utilização de recursos humanos odontológicos, o pensamento neoliberal. As
10,3
10,3(zona
(zona rural)
rural) conseqüências são bastante conhecidas: os aspectos quantitativos impuseram-se aos
29,6
qualitativos, sob a égide do mercado e ao abrigo da liberdade de iniciativa, tanto no
130,4 Æ
Æ Menores
Menores de
de 20
20 anos
anos:: setor educacional quanto no setor da saúde. Em ambos os setores o mercado não
25,2
25,2 milhões
milhões vem funcionando como regulador eficaz e constitui erro gravíssimo aguardar que
funcione. O setor saúde, pela sua natureza, não pode prescindir da atuação
Æ
Æ Menores
Menores de
de 44 anos
anos:: reguladora do poder público, com base no planejamento estratégico e nos princípios
12,8
12,8 milhões
milhões da democracia. A propósito, são elucidativos os exemplos da Inglaterra, Canadá e
Japão, dentre outros. A ausência dessas condições tem produzido desequilíbrio
quantitativo que se expressa num descompasso inconveniente: enquanto o conjunto
da população cresce aproximadamente 2% ao ano, a população de cirurgiões-
Fonte: IBGE 2000 dentistas vem crescendo anualmente cerca de 7%. (IBGE 2002, CFO 2002).
A tal desequilíbrio quantitativo devem ser acrescidas as considerações
Com um setor estatal que vem expandindo muito timidamente a oferta de constantemente assinaladas quanto aos aspectos qualitativos da formação e das
serviços e um setor privado com dificuldades para reduzir custos e aumentar sua condições de trabalho. Afirma-se, por exemplo, a necessidade de ruptura com a visão
produtividade, de modo a tornar os serviços acessíveis a um número maior de extremamente tecnificada e redutora, predominante nos processos de formação, e a
brasileiros, e com dificuldade crescentes para incorporar novos contingentes de CD à incorporação de conhecimentos e práticas sociais nesses processos, por meio da
força de trabalho odontológica, o Brasil necessita urgentemente rever sua política de articulação entre as instituições prestadoras de serviços e as formadoras de recursos
formação e, principalmente, de utilização de cirurgiões-dentistas, uma vez que, humanos. Tão importante para a sociedade quanto dispor de adequada força de
conforme mencionado, é boa a proporção CD:habitantes. O que se verifica, trabalho odontológica é contar com recursos humanos qualificados, em condições de
analisando o conjunto da força de trabalho, é que profissionais formados segundo um produzir ações e serviços de alta qualidade científico-técnica e, sobretudo, capazes de
elevado padrão de qualificação científico-técnica, vêm realizando no dia-a-dia, como atuar de acordo com os preceitos da humanização das práticas de saúde.
estratégia de sobrevivência no setor privado e porque não têm outra possibilidade no Assim, reivindicar a ação reguladora do poder público sobre a formação, tanto no
setor público, procedimentos básicos cujos requerimentos de qualificação ficam aspecto quantitativo quanto no qualitativo, é um imperativo que conta com apoio
muitíssimo aquém da formação recebida. Não se trata, por certo, para alterar esse unânime dos CD. É preciso considerar, entretanto, que essa ação é necessária mas
quadro, de banalizar a formação, diminuindo ainda mais a qualidade do ensino. A não suficiente, por si mesma, para o desenvolvimento de uma prática de promoção da
prática, infelizmente bastante difundida, de ensinar mal na graduação, reduzindo saúde bucal. Dadas as extremas desigualdades sociais que vêm se perpetuando na
conteúdos e deixando conhecimentos essenciais “para o curso de especialização” e sociedade brasileira e, sobretudo, em função da iníqua distribuição da renda (ver
justificando tal redução com o argumento de que “vocês precisam ser bons clínicos Figura 19.7), além de regular a formação de recursos humanos odontológicos, o poder

122
público deve investir mais recursos na assistência odontológica (para a qual, estima- orientar-se no sentido da prevenção e da humanização e para o reconhecimento de
se que o gasto público médio per capita/ano tenha sido de aproximadamente 4 que as ações (inclusive muitas ações clínicas) requeridas para esta prática sejam
dólares nos anos 90) e viabilizar a expansão da cobertura dos serviços públicos, ações realizadas por pessoal auxiliar de nível médio. Esta constatação é de
tornando-os hegemônicos no sistema de prestação de serviços e tornando-os importância fundamental para nós brasileiros. Orientar a prática profissional no sentido
acessíveis a todos os grupos populacionais. Isso deve ser viabilizado através dos da prevenção e incorporar ao sujeito do trabalho odontológico outros profissionais
sistemas locais de saúde, sob comando dos poderes locais (municípios e consórcios além do cirurgião-dentista implica, além da transformação do tipo de CD que estamos
intermunicipais). Esta parece ser a melhor estratégia para, efetivamente, promover a formando, formar outros tipos de recursos humanos.
saúde bucal em bases populacionais e romper o citado monopólio do cuidado Qual CD? - Quanto ao tipo de CD ao instituir, em 2002, o que se denominou
odontológico, exercido pelos setores de maior renda e segmentos a eles vinculados “diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em odontologia”, o
ou dependentes. Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu o seguinte perfil de egresso para
os cursos brasileiros (Brasil 2002):
“profissional com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva,
Figura 19.7 para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor
Distribuição de renda no Brasil nos técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à
saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na
anos 90 do século XX compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio,
dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício
% da sociedade.”
48,1 49,0 47,1 46,7 45,7 No mesmo documento legal o CNE estabeleceu (art. 12) a necessidade de o aluno
elaborar, sob orientação docente, um trabalho “para conclusão do Curso de
Graduação em Odontologia”. Afirmou ainda (art. 4º) que a formação do CD tem por
objetivo “dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das
12,0 12,9 13,4 13,6 14,5 seguintes competências e habilidades gerais:

I — Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito


1990 1993 1995 1997 1999 profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,
promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual
50% + POBRES 10% + RICOS
quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja
realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do
Fonte: PNAD 2000
sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os
problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os
Apesar da grande expansão do número de cursos de odontologia no Brasil e de profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos
cirurgiões-dentistas em atividade, o percentual de brasileiros com acesso a cuidados padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta
odontológicos regulares é pequeno. Aliás, há consenso entre pesquisadores em que que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato
não há associação entre o número de CD e melhores condições de saúde bucal. Mas, técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em
dado o papel de CD na diminuição da incapacidade bucal, não resta dúvida quanto à nível individual como coletivo;
importância da ampliação do acesso até torná-lo universal. II — Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve
Em todo o mundo, entretanto, nos dias atuais, as discussões sobre recursos estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso
humanos odontológicos convergem para a necessidade de a prática odontológica apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de
medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para

123
este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para As diretrizes foram definidas a partir de proposições apresentadas ao CNE pelo
avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas Grupo de Estudos sobre Ensino de Odontologia, do Núcleo de Pesquisas sobre
em evidências científicas; Ensino Superior da Universidade de São Paulo (Nupes), pela Comissão de Ensino da
III — Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e Associação Brasileira de Ensino Odontológico (Abeno), pela Comissão de
devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na Especialistas de Ensino de Odontologia da SESu/MEC e pela Comissão de
interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A Odontologia do Exame Nacional de Cursos (DAES/INEP/MEC).
comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de Assim, bem mais do que competência nos domínios de aspectos biológicos
escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de envolvidos na prática profissional, deve-se preparar o CD para que desenvolva
tecnologias de comunicação e informação; competência também quanto às dimensões ética e social do seu trabalho. No plano
IV — Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os das proposições tal entendimento não encontra, atualmente, opositores declarados. A
profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de imagem-objetivo é boa. Mas muitas vezes, um oceano — para não dizer um planeta
liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade. A inteiro — separa a intenção do gesto, o discurso da prática. As diretrizes são
liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade abrangentes o suficiente para, ao seu abrigo, se desenvolverem experiências
para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma educacionais muito distintas orientadas à formação de CD no Brasil. Assim, é
efetiva e eficaz; necessário, imprescindível mesmo, examinar permanentemente a experiência
concreta e os rumos de cada instituição.
V — Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar
aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto
da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, PESSOAL AUXILIAR
da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, Ao logo do tempo, o cotidiano do trabalho dos responsáveis pelas “ações
gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e, odontológicas” (os praticantes da arte dentária — Botazzo 2000) esteve marcado, de
VI — Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de algum modo, pela presença de tipos variados de “auxiliares”, que vão do ajudante no
aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. transporte de equipamentos e instrumentos — muitas vezes também encarregado de
Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e “chamar a atenção” em feiras e mercados — à realização de tarefas sob delegação
ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o (Carvalho 1999). Se a existência de algum tipo de assistente “é tão antiga quanto a
treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas própria prática profissional odontológica” (Carvalho 1999), nos dias atuais, não cabe a
proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os menor dúvida sobre a importância, desde o ponto de vista das necessidades da
futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, população, de se incorporar recursos humanos de nível médio ao cotidiano dessas
estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a práticas. As bem-sucedidas experiências desenvolvidas originariamente nos Estados
formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.” Unidos (Dunning 1958) e na Nova Zelândia (Logan 1978), com a Higienista Dental e a
Nos artigos 9º e 10, as diretrizes mencionam também a necessidade da definição Enfermeira Dentária Escolar, respectivamente, não deixam margem a dúvidas: não
de um “projeto pedagógico” para cada curso, destacando que tal projeto deve ser utilizar pessoal auxiliar significa “um luxo” que, hoje, nenhuma sociedade pode se
permitir. Um luxo que, vale enfatizar, penaliza a população, sobretudo os pobres. Leite
“construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da & Pinto (1983) ponderam que
aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do
processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar “é um erro colocar um indivíduo com um elevado padrão científico,
a formação integral e adequada do estudante através de uma adquirido em sofisticadas universidades, a efetuar ações elementares e
articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência de baixos requerimentos tecnológicos, apenas porque não se quer abrir
[contribuindo também] para a compreensão, interpretação, preservação, espaço para o trabalho de ‘estranhos’ à profissão. Esta atitude tem dois
reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, resultados principais: o encarecimento da ação, tornando-a proibitiva
internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade financeiramente a um grande número de pessoas necessitadas; e a
cultural.” desilusão e desinteresse do profissional que obviamente nutre

124
aspirações por um trabalho mais elaborado que lhe permita aplicar o
universo de conhecimentos que adquiriu na Universidade.”
O Brasil vem, há vários anos, formando e utilizando outros tipos de recursos Figura 19.8
humanos odontológicos, que não exclusivamente o profissional de nível universitário. Porcentagem de crescimento do PIB
As pressões da população para conseguir acesso aos serviços odontológicos fizeram
com que, sobretudo a partir dos anos 70, o Estado brasileiro, em diferentes níveis de brasileiro no século XX
governo, ampliasse a oferta de serviços odontológicos públicos. Esta ampliação, ainda
que pequena face às necessidades da população, combinando-se com o enorme %
8,8
contingente de trabalhadores odontológicos que já vinham exercendo funções
auxiliares em consultórios e clínicas privadas, criou as condições favoráveis à 7,1
aprovação, em 6/2/1975, do Parecer 460/75, do Conselho Federal de Educação 6,0 6,1
(CFE), autorizando e estabelecendo as exigências para a formação de dois tipos de 5,1
4,2 4,3
pessoal auxiliar odontológico: o atendente de consultório dentário (ACD) e o técnico 3,3
em higiene dental (THD). Apesar de o então CFE ter autorizado a formação de ACD e 3,0
THD em 1975, apenas nove anos depois, em 1984, o CFO aprovou a Decisão 26/84, 1,7
disciplinando o exercício dessas profissões no Brasil. A histórica Decisão 26/84 foi
posteriormente incorporada e complementada pelas Resoluções 155/84, 157/87 e
153/93 do Conselho Federal de Odontologia (CFO 1984, 1987, 1993).
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
A partir de 1984, foi desencadeado um amplo processo de regularização da
situação profissional de um grande contingente de trabalhadores no exercício dessas Fonte: BC e IBGE 2001
funções em todo o país e, também, de sua formação. Segundo Pezzato (1999), a
Secretaria de Estado da Saúde do Paraná deu início, em 1984, ao “primeiro curso
autorizado pelos órgãos de educação do país” para formar THD. Tratava-se, com
A despeito desses números, persistem muitas dúvidas sobre a “regulamentação”
efeito, de uma proposta pedagógica inovadora e bastante audaciosa, utilizando a via
das profissões de ACD e THD sendo freqüentes os questionamentos da competência
do então denominado ensino supletivo e explorando as possibilidades de uma de suas
do CFO para registrar esses trabalhadores na medida em que não há documento
modalidades, a Qualificação Profissional. O plano de curso previa a integração
legal que trate do exercício de suas respectivas profissões — fato que os tornariam
ensino-serviço e teoria-prática, durante a jornada e no próprio local de trabalho. O
“inalcançáveis” pelo órgão autárquico.
êxito da proposta, desenvolvida no âmbito de um programa nacional de formação em
saúde conhecido como Projeto Larga Escala — resultante de um acordo
interministerial com apoio da Organização Pan-americana da Saúde (Moysés et al. Polêmica - Pessoal auxiliar não foi sempre uma questão tranqüila no meio
2002) — teve grande repercussão em todo o país e serviu de motivação para odontológico brasileiro. Muitas discussões acaloradas têm acompanhado a história
iniciativas semelhantes em outros estados. desses trabalhadores. E não apenas no Brasil. Também nos Estados Unidos (Dunning
Com a criação do SUS pela Constituição da República (1988), e a atribuição ao 1958, Woodall 1987, Pimenta 1994) e Canadá (Stewart et al. 1987), entre outros
SUS de “ordenar a formação de recursos humanos” para a saúde, foram países. Mas entre nós a polêmica está acesa desde que, no início dos anos 50, o
impulsionados fortemente os programas de formação de pessoal auxiliar odontológico, então Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), atual Fundação Nacional de Saúde,
pelas próprias Secretarias de Saúde. Cursos particulares de ACD e THD foram introduziu o auxiliar de higiene dentária (AHD) nos serviços odontológicos das suas
também aprovados pelos respectivos Conselhos Estaduais de Educação, em vários unidades básicas de saúde (Loures & Freire 1964, Pires-Filho 1974). A aprovação do
Estados. A partir de então, os números indicam um lento mas firme e progressivo Parecer 460/75, pelo Conselho Federal de Educação, manteve aceso o debate,
aumento no número de trabalhadores de nível médio na odontologia brasileira, com a principalmente sobre THD, suas funções e implicações no mercado de trabalho do CD
incorporação de mais de 30 mil novos trabalhadores num período de 20 anos (Figura (Leite & Pinto 1983). Nove anos depois, a Decisão 26/84 do Conselho Federal de
19.8). Odontologia (CFO), disciplinando o exercício profissional do ACD e do THD acirrou,

125
notavelmente, os ânimos em amplos segmentos da categoria odontológica. Posições Cirurgiões-Dentistas (APCD), em abaixo-assinado que circulou em janeiro de 1986
contrárias ou favoráveis ao pessoal auxiliar, particularmente o THD, vêm durante o XII Congresso Paulista de Odontologia (APCD 1986), dirigido ao Ministro da
confrontando-se desde então e, ainda no final dos anos 80, os ânimos continuavam Educação. Cabe esclarecer que, em 1994, a APCD adotou outra posição e, por
exaltados. A linguagem dura, expressão do combate travado, beirou o chulo em várias intermédio de sua Escola de Aperfeiçoamento Profissional, vem mantendo um curso
ocasiões. Apenas para ilustrar, recorde-se a significativa opinião sobre pessoal para formação de THD, devidamente reconhecido pelo Conselho Estadual de
auxiliar publicada pela Associação Odontológica da Prefeitura de São Paulo (AOPSP Educação. A primeira turma desse curso concluiu suas atividades em 25 de julho de
1988): 1995 (APCD 1995).
“... além de prostituírem a odontologia, daria ensejo ao serviço público Sobre os principais argumentos contra o THD pode-se afirmar, pelo menos, que:
diminuir cada vez mais o mercado de trabalho do Cirurgião-Dentista (...) 1. No contexto do modo de produção capitalista, de tipo monopolista dependente,
e à formação de falsos profissionais (THD) colidindo frontalmente com a como o vigente no Brasil, a questão do mercado de trabalho e do pleno emprego para
dignidade de nossa profissão...” cirurgiões-dentistas e demais trabalhadores odontológicos só pode ser enfrentada
A posição da AOPSP não foi isolada. Não foi “coisa de radicais”. Ela teve o mérito com seriedade se não se ignorar o modelo de desenvolvimento imposto ao país pelo
de tornar público o pensamento de setores ponderáveis da categoria profissional dos regime militar após o golpe de Estado de 1964 — e até hoje não alterado em seus
cirurgiões-dentistas, naquele contexto histórico. Inúmeras outras manifestações neste fundamentos. Uma das características marcantes desse modelo, com notável impacto
sentido poderiam ser lembradas mas fazê-lo seria enfadonho e desnecessário. Basta sobre a possibilidade de consumo de serviços odontológicos, é a brutal concentração
uma: a do ex-presidente do CRO-SP, Osmar Soares de Freitas: da renda. Em nosso país, os 10% mais ricos da população abocanham praticamente a
“... os THDs em breve se constituirão numa multidão de ‘práticos’ no metade da renda (ver Figura 19.7). Esta perversa distribuição da renda, alterada
país das 80 Faculdades de Odontologia...” (Freitas 1987). minimamente nas últimas décadas, fica agravada nas conjunturas recessivas,
penalizando ainda mais os que vivem de salários. Quando se observa a evolução do
No outro lado da trincheira têm estado, dentre outros, muitos coordenadores de Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ao longo do século passado constata-se que as
saúde bucal de instituições vinculadas ao SUS, professores da área de odontologia duas últimas décadas foram, nesse aspecto, um período especialmente difícil, não
preventiva e social, entidades como a ABOPREV e a Federação Interestadual dos contribuindo, de modo algum, para alterar para melhorar essas características
Odontologistas (FIO), movimentos como o de Renovação Odontológica e, mais estruturais da economia brasileira. Verifica-se que o crescimento econômico registrou
recentemente, a Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva. média de 8,8% nos anos 70, 3,0% nos anos 80 e, caindo mais, ficou em 1,7% nos
A despeito de os THD não terem sido fator de inibição à abertura de novos cursos anos 90 (Figura 19.8). Sabe-se por outro lado que, no Brasil, o trabalho humano está
de odontologia (142 em 2001, muitos dos quais sob direção de dirigentes e ex- entre os de pior remuneração em todo o planeta. Enquanto aqui o salário mínimo tem
dirigentes de entidades odontológicas), parece relevante assinalar que, não raro, o oscilado historicamente entre 60 e 80 dólares, na Europa Ocidental está em torno de
tom do debate chegou ao puro e duro bate-boca. 600 dólares e nos Estados Unidos e Japão aproximadamente 800 dólares. Mesmo no
âmbito da América Latina, a maioria dos países remunera melhor que o Brasil. Para
Objeções ao THD - Contra o THD, sua existência e seu trabalho, têm sido
agravar ainda mais esse quadro, observa-se que nos 90 a participação dos salários
apresentados argumentos de todo tipo — alguns respeitáveis, outros evidentemente
no PIB brasileiro piorou: foi de 44% em 1993 para apenas 33% em 1999. Com
mal intencionados. Narvai et al. (1989) assinalam que, entre esses argumentos,
semelhante aviltamento da remuneração da força de trabalho, com o padrão de
afirmam-se, por exemplo, que o THD:
distribuição de renda, e com o desemprego estrutural atingindo todos os setores
1. “rouba o mercado de trabalho que é por direito do CD” (AOPSP 1988a, 1988b); econômicos, somente ingênuos (ou mal intencionados) não compreendem o impacto
2. Vai se transformar em falso dentista (“prático”); significativo dessas condições sobre a assistência odontológica (possibilidades e
impossibilidades), os níveis de emprego e os padrões de remuneração dos
3. Não é capaz de realizar trabalhos com a mesma qualidade que o CD; trabalhadores da área, incluindo evidentemente os CD. Como esperar de uma
4. Põe o CD em risco perante a justiça, pois este é responsável pelo trabalho que economia com tais características que viabilize trabalho para todos os CD e, mais
aquele realiza. ainda, com um padrão de remuneração “europeu” ou “norte-americano” ao trabalho
odontológico, como desejam alguns? Sobre tais relações, oportuna projeção foi feita,
Estas são, entre tantas outras, as objeções mais freqüentes à existência do THD,
ainda nos anos 80, por Cauduro-Neto (1987) a partir de dados do IBGE. Segundo
cuja extinção pura e simples chegou a ser pedida, pela Associação Paulista de

126
essa projeção, 112 milhões de brasileiros, que auferiam renda média mensal inferior a imensos problemas, com profundas desigualdades na distribuição da
3 salários mínimos (SM), participavam de apenas 1% da renda obtida por CD em riqueza, está na origem desse distanciamento. Superar tais iniqüidades
consultórios particulares. Desses 112 milhões, apenas 2,5 milhões iam todos os anos é imprescindível para resolver esse paradoxo. O campo de trabalho é
ao CD particular. Por outro lado, 88% dos rendimentos dos CD provinham de 6 amplo. O mercado, exíguo. O desafio, enorme.”
milhões de pessoas que apresentavam renda mensal superior a 10 SM — das quais Outro aspecto da maior relevância na questão do mercado de trabalho do CD é a
4,6 milhões iam todos os anos ao CD. Não há qualquer indício nos indicadores relativa baixa empregabilidade do setor privado. Embora não estejam disponíveis
econômicos e sociais disponíveis que permitam admitir que, no início do século XXI, dados confiáveis, analistas estimam que cerca de três quartos dos postos de trabalho
tal padrão tenha se alterado significativamente. assalariado para CD sejam ofertados no setor público, mesmo com o relativo baixo
investimento nessa modalidade assistencial. Segundo Nobre (2001) “em Roraima
92% trabalham pelo SUS. No Rio Grande do Sul, 46%. Na média, 51% dos dentistas
Figura 19.9 brasileiros já trabalham de alguma maneira no governo, para as pessoas mais
Proporção ACD-THD:CD no Brasil em 1992 e 2002 carentes” (sic). No setor privado o segmento não lucrativo (sindicatos de
trabalhadores, serviços sociais e outros) responderia por mais da metade dos postos
de trabalho assalariado em todo o país, superando o setor empresarial tradicional —
excluindo-se, portanto, as modalidades mais recentes dos denominados “planos”
1992 2002 odontológicos.
CD ACD-THD
Assim, numa estrutura e dinâmica complexas de produção-consumo de serviços
113.509 odontológicos é muito simplista atribuir ao pessoal auxiliar odontológico, em especial
173.637 ao THD, “roubo de mercado de trabalho”. Ao contrário, há evidências de que o THD
tem contribuído intensamente para aumentar, no setor público, os postos de trabalho
privativos de CD. Com efeito, para Barros (1994) “os THD não estão tirando emprego
6.785 36.883 de nenhum CD. Ao contrário, estão abrindo perspectivas de novos e melhores
empregos para os profissionais, pois com sua atuação, aumenta-se a produtividade”.
0,21 : 1 Santos (1995) refere, também, que o emprego de THD contribui para a necessária
0,06 : 1
mudança do modelo de atenção em saúde bucal. Analisando o emprego de ACD e
THD no Estado de São Paulo, Frazão (1998) destaca que na maioria dos municípios
pesquisados a participação na promoção da saúde bucal é mais significativa quando
Fonte: CFO 1992, 2002 se trata da realização de ações coletivas em escolas ou outros espaços sociais e que
isso contribui “para a transformação das práticas da odontologia em saúde coletiva e
para a mudança do modelo de atenção conforme as diretrizes de saúde bucal e os
As conseqüências desse quadro são bem conhecidas. Manfredini & Narvai (2001) princípios do Sistema Único de Saúde em construção no Brasil.” A propósito, pela
mencionam que “milhares de jovens cirurgiões-dentistas chegam anualmente ao oportunidade, convém registrar que o papel da autoridade sanitária (a instituição e a
mercado de trabalho em todas as regiões do país [trazendo] expectativas de pessoa física que age em seu nome) é prover saúde bucal e assistência odontológica
desenvolver atividades profissionais para resolver, ou pelo menos diminuir, os a todos os cidadãos e não se render aos interesses particulares de corporações,
problemas de saúde bucal de milhões de brasileiros (...)” mas que há uma situação sejam quais forem.
paradoxal: o mercado de trabalho é exíguo mas o campo de trabalho é de “grande 2. O temor de que o THD vai se transformar em “prático” ronda permanentemente
magnitude no Brasil pois são expressivas as necessidades odontológicas da os CD. É compreensível que seja assim. Afinal, a categoria profissional dos CD
população, exigindo ações nas diversas especialidades.” Os autores assinalam que brasileiros atravessou várias décadas lutando para afirmar a profissão, estruturando-a,
“persiste, portanto, o desafio de diminuir a distância que hoje vem desenvolvendo-a no plano técnico-científico, e angariando prestígio e reconhecimento
separando campo e mercado de trabalho odontológico. O modo como a social pela qualidade dos serviços prestados. E tudo foi e vem sendo feito com a
sociedade brasileira vem produzindo bens e serviços e os nossos necessidade de combater o exercício ilegal da profissão.

127
Vale destacar que a luta por prover à população serviços de qualidade, produzidos 3. A questão da qualidade do trabalho do pessoal auxiliar é complexa e remete à
por profissionais capazes de incorporar às suas práticas os avanços e conquistas do própria qualidade dos serviços produzidos por CD; à sua eficácia do ponto de vista
conhecimento científico, tem apoio unânime dos CD. Não há unanimidade, porém, epidemiológico e até mesmo à iatrogenia. O certo é que, no Brasil, não se fazem
quanto aos métodos de combate aos “falsos dentistas”. Alguns analistas, entre os muitas pesquisas analisando qualidade de serviços. Uma dessas poucas pesquisas,
quais Garrafa (1981), acreditam que a sobrevivência dos “práticos” decorre realizada por Cordón (1986) em programa que vinha utilizando THD ainda em
fundamentalmente da exigüidade da cobertura. Tal exigüidade deriva do caráter formação (o Programa de Itu, SP), merece ser conhecida, e é esclarecedora. O autor
mercantilista da prática e da histórica ausência do poder público nesse tipo de analisou 269 restaurações de amálgama de prata realizadas em 94 escolares, por
atividade, situando-se muito aquém da presença observada em outras modalidades equipes de saúde bucal (CD-THD-ACD). Desse total, 218 restaurações foram
assistenciais. O tratamento policial do problema, ainda que bem-sucedido consideradas adequadas e 51 inadequadas. Destas, 14 foram realizadas
temporariamente, tenderia ao fracasso a médio e longo prazos, se a questão da exclusivamente por CD e 37 por CD+THD+ACD. Destas 37, 29 apresentaram
cobertura não for equacionada. pequenas alterações, como ponto de contato prematuro, sobremargens ou deficiência
A proposta de formar e utilizar pessoal auxiliar odontológico de nível médio, para mínima de contorno. Tais alterações não implicaram danos estéticos ou funcionais
desenvolvimento de ações no ambiente do consultório e fora dele (entenda-se: utilizar significativos. Entretanto, dos 94 escolares examinados, 14 (15%) apresentaram
THD) emergiu e ganhou importância no Brasil num contexto histórico de indiscutível transtornos de ATM. Em nenhum caso, contudo, esses transtornos estavam
fracasso por um lado, das políticas repressivas ao “prático” — segundo Pinto (1982) associados às restaurações realizadas. As alterações de ATM decorriam, em todos os
no início dos anos 80 seu número ainda estaria em torno de 25.000 — e, por outro casos, de perdas precoces de primeiros molares permanentes em conseqüência de
lado, de desenvolvimento de sistemas de trabalho inovadores, decorrentes da cáries não tratadas. Por certo, dada a natureza da questão, uma única pesquisa não
aplicação de princípios ergonômicos ao processo de trabalho odontológico. Sob o basta. Mas seus resultados esclarecem sobre o que é, efetivamente, relevante na
título “Práticos: mais uma mazela brasileira” o Jornal da APCD informou, em sua questão da qualidade, e fazem indicações que devem ser levadas em consideração.
edição de junho de 1996, que em Imperatriz, Maranhão, com cerca de 350 mil De qualquer modo, o intenso desenvolvimento da odontologia preventiva, em
habitantes, havia 53 CD e aproximadamente 200 “práticos” e que, no estado do especial da cariologia, nas últimas décadas, vem alterando em profundidade as bases
Espírito Santo, cerca de 1.000 “práticos” disputavam o mercado de trabalho com os científicas sobre as quais se apóiam as ações programáticas em saúde bucal. Assim,
2.098 CD inscritos no CRO-ES (APCD 1996). Naquele ano o estado capixaba embora ainda importantes nas condições sócio-epidemiológicas atuais no Brasil —
contabilizava 2 (dois) THD inscritos no CRO-ES. Leite et al. (1996) ressaltaram a sobretudo em localidades e comunidades onde são escassos ou inexistem
importância dos recursos humanos “na definição do novo modelo assistencial” e profissionais de nível universitário —, as funções tipicamente curativas do pessoal
enfatizaram “a desqualificação do pessoal de nível médio [que na Odontologia ainda auxiliar (THD em especial) não vêm aparecendo como as funções mais “nobres” do
se encontra em altas proporções, tanto no setor público como no privado], como um perfil do pessoal auxiliar. As funções de promoção e de proteção específica parecem
dos principais problemas que afetam o Sistema Único de Saúde” propondo a estar ganhando esse status, conforme assinalam Sheiham & Moysés (2000). Mais do
ampliação dos “programas de formação (...) visando uma profissionalização dessa que com a assistência odontológica, o pessoal auxiliar (THD em especial) vem
categoria”. Para Calvielli (1996), “a odontologia deve ir ao encontro das necessidades participando crescentemente de atividades de atenção à saúde bucal (aqui entendida
da população, com o CD adequando-se a estas necessidades.” como “o conjunto de atividades intra e extra setor saúde que, incluindo a assistência
Nesse contexto, de mudanças no sujeito do processo de trabalho odontológico e individual, não se esgota nela, atingindo grupos populacionais com o objetivo de
da criação de alternativas para ampliar o acesso aos serviços e reduzir a presença de manter a saúde, e requerendo ações concomitantes sobre todos os determinantes da
pessoal não habilitado na prestação dos serviços, o THD não se confunde com o saúde-doença” – Narvai 1994). É esta pelo menos a tendência que se observa nos
“prático”. Ao contrário, deve ser compreendido como componente estratégico de serviços odontológicos, públicos ou privados, que se desenvolvem com base em
qualquer proposta que tenha entre seus objetivos evoluir para um contexto onde tais programas, conforme assinalam Frazão & Castellanos (1999).
praticantes não sejam necessários, desaparecendo ou permanecendo residuais e, Biazevic et al. (2001) analisaram a percepção que THD (n=177) do estado de São
portanto, sem maior importância do ponto de vista da saúde pública. Assim, não há Paulo têm da qualidade do trabalho preventivo que realizam, em comparação com a
razões para tratar o THD como um falso dentista, um “prático”. Ele não é isto. E não qualidade do mesmo trabalhado feito por CD. Para 82% seu trabalho tem a mesma
atende aos interesses da população, nem dos CD, vê-los assim — nem, muito menos, qualidade; 1% a considerou inferior; e 17% acharam que a qualidade do seu trabalho
levá-los a serem isto, a serem “práticos”. é superior ao do CD. Segundo os autores, essa opinião não pareceu estar

128
influenciada por fatores sócio-demográficos (sexo, idade, estado civil e escolaridade) aos ACD, segundo a Resolução CFO-185/93 (art. 20) “sempre sob a supervisão do
ou profissionais (se trabalha ou não como THD, tipo de serviço – público ou privado –, CD ou do THD:
extensão da jornada, número de empregos, registro profissional e participação em a) orientar os pacientes sobre higiene bucal;
alguma associação), com exceção da remuneração pelo trabalho, uma vez que houve
associação significativa entre maiores salários e qualidade do trabalho melhor que o b) marcar consultas;
do CD. Os autores acreditam que c) preencher e anotar fichas clínicas;
“este achado sugere que o salário influencia diretamente a percepção d) manter em ordem arquivo e fichário;
do profissional sobre seu trabalho. Ao receber salário maior, o
e) controlar o movimento financeiro;
profissional tende a se sentir mais valorizado, e subjetivamente, isto
pode resultar num profissional capaz de realizar tarefas de melhor f) revelar e montar radiografias intra-orais;
qualidade.” g) preparar o paciente para o atendimento;
Analisando dados da segunda metade dos anos 90 provenientes dos estados de h) auxiliar no atendimento ao paciente;
São Paulo e Minas Gerais, Carvalho (1999) assinala que, “em geral, o ganho médio
mensal do ACD e do THD figurava em torno de 1 a 4 salários mínimos”. i) instrumentar o cirurgião-dentista e o técnico em higiene dental junto à cadeira
operatória;
Por tudo isso, também a questão da qualidade dos serviços exige tratamento que
deve ir além da simples troca de insultos e acusações... j) promover isolamento do campo operatório;
4. Quanto a pôr em risco o CD perante a Justiça, cabe reafirmar que o CFO l) manipular materiais de uso odontológico;
estabelece claramente a exigência de “supervisão do CD” ao trabalho de ACD e THD. m) selecionar moldeiras;
Esta supervisão (direta) refere-se ao desempenho de atividades clínico-cirúrgicas, não
n) confeccionar modelos em gesso;
se aplicando, salvo melhor juízo, ao desenvolvimento de atividades educativas, onde
a supervisão indireta é suficiente e, obviamente, mais adequada. A supervisão direta o) aplicar métodos preventivos para controle da cárie dental;
implica trabalho no mesmo ambiente clínico. Assim, o THD integra, necessariamente, p) proceder à conservação e à manutenção do equipamento odontológico.”
uma equipe de saúde bucal, comandada técnico-cientificamente por CD. As
competências de diagnóstico e alta entre outras de natureza irreversível, são
exclusivamente do CD, e intransferíveis. Isto significa, sem qualquer margem à Em relação a tais competências caberiam, dentre outros, os seguintes
dúvida, que cabe ao CD a responsabilidade final pelo trabalho da equipe de saúde comentários:
bucal (nela incluído o THD). O argumento de que “uma pessoa não pode - na letra “a”, não se trata simplesmente de “orientar” “pacientes” sobre “higiene”
responsabilizar-se pelo trabalho de outra” é inconsistente e não se aplica, uma vez bucal. Trata-se de participar da educação de pessoas (não necessariamente
que não se trata de trabalho “de outra”, mas de trabalho coletivo tecnicamente “pacientes”) sobre saúde-doença na boca;
dividido, onde a responsabilidade parcial é de cada indivíduo segundo o que lhe
compete, e a responsabilidade pelo produto final é de quem dirige o processo de - na letra “e” trata-se, evidentemente, de participar do controle do movimento
trabalho, ou seja, o CD. financeiro. Ou alguém acredita que a algum auxiliar se lhe permita “controlar” o
movimento financeiro? Ou mesmo se deve ter tal atribuição?
Aspectos Legais - Boa parte das críticas ao pessoal auxiliar odontológico resulta
de desconhecimento dos dispositivos normativos existentes e que, a rigor, deveriam Uma omissão relevante nas atribuições do ACD diz respeito aos procedimentos de
bastar para disciplinar o trabalho de equipes de saúde bucal sob comando, limpeza, desinfecção e esterilização. Tais atividades ocupam boa parte do cotidiano
coordenação e controle do CD. Outra parte das críticas resulta, ao contrário, das de trabalho de ACD em todo o país e são, efetivamente, de enorme importância.
notáveis imperfeições do Parecer 460/75, reproduzidas mecanicamente pelo CFO na Entretanto não são, a rigor, da sua competência...
Decisão 26/84 e nas Resoluções 155/84, 157/87 e 185/93 (CFO 1975, 1984, 1987, Compete aos THD, segundo a Resolução CFO-185/93 (art. 12) “sempre sob a
1993). Tais imperfeições vão das denominações à descrição das competências. supervisão com a presença física do CD, na proporção máxima de 1 CD para 5 THD,
Cabe registrar, antes de prosseguir, as competências de ACD e THD. Compete além das de ACD, as seguintes atividades:

129
a) participar do treinamento de atendentes de consultório dentário; clínica” só pode ter sido obra de quem, com perdão do trocadilho, não responde pelo
b) colaborar nos programas educativos de saúde bucal; que faz. Ora, se o THD integra uma Equipe e trabalha “sempre sob supervisão” de
CD, como pode ele “responder” pela administração (!) da clínica? Pode e deve auxiliar
c) colaborar nos levantamentos e estudos epidemiológicos como coordenador, em procedimentos administrativos, não responder por eles...
monitor e anotador;
- a letra “i” deveria ser simplesmente suprimida, pois quem faz algum teste clínico
d) educar e orientar os pacientes ou grupos de pacientes sobre prevenção e faz com finalidade de diagnóstico e este não é uma atribuição do técnico;
tratamento das doenças bucais;
- na letra “p” a prudência recomenda explicitar o que está implícito, ou seja:
e) fazer a demonstração de técnicas de escovação; “remover suturas, após avaliação profissional”;
f) responder pela administração de clínica; Quanto às denominações, o Conselho Federal de Odontologia, ao estabelecer as
g) supervisionar, sob delegação, o trabalho dos atendentes de consultórios dentários; competências de ACD e de THD, utilizou as mesmas denominações do Parecer CFE
460/75: atendente de consultório dentário e técnico em higiene dental. Foi um erro
h) fazer a tomada e revelação de radiografias intra-orais;
(mais um entre tantos que o CFO vem cometendo ao lidar com questões de interesse
i) realizar teste de vitalidade pulpar; do pessoal auxiliar odontológico), uma vez que estas denominações, por inadequadas
j) realizar a remoção de indutos, placas e cálculos supragengivais; às atribuições e ao seu nível de habilitação, deveriam ter sido abandonadas. Aliás,
devem ser abandonadas, pois estão causando prejuízos, inclusive salariais, tanto para
l) executar a aplicação de substâncias para a prevenção da cárie dental; ACD quanto para THD. Em muitas instituições, “atendentes” (e ACD é “atendente”...)
m) inserir e condensar substâncias restauradoras; não podem ser registrados como “auxiliares” e, assim, recebem salário menor. O CFO
deveria tratar de redefinir essas denominações, exercendo sua autonomia, nesse
n) polir restaurações, vedando-se escultura;
âmbito, frente ao Ministério da Educação. Vejamos:
o) proceder à limpeza e à antissepsia do campo operatório, antes e após os atos
Atendente de Consultório Dentário - A expressão atendente é utilizada
cirúrgicos;
informalmente para designar pessoal de enfermagem sem qualquer qualificação
p) remover suturas; específica, empregado para realizar atividades ou tarefas de baixíssima complexidade
q) confeccionar modelos; em serviços de saúde. Na própria área de enfermagem, embora a expressão
atendente continue sendo utilizada informalmente, o Conselho Federal de
r) preparar moldeiras.” Enfermagem não a preconiza mais. Não há razão, portanto, para que se continue
utilizando esta expressão na área odontológica. “Consultório Dentário”, por outro lado,
Sobre estas atribuições cabem muitos comentários. É relevante destacar que: é igualmente inadequado no presente, seja porque o tradicional consultório não é
mais o único ambiente de trabalho onde a atividade odontológica pode ser exercida,
- na letra “b” não deveria se tratar de apenas “colaborar”, mas de participar. Aos seja porque há muito o exercício desta atividade no Brasil não está limitado aos
que, inadvertidamente, consideram estas expressões “a mesma coisa”, vale lembrar dentes mas abrange todo o campo da odontoestomatologia. Tratando-se de
que são conceitos profundamente diferentes... habilitação em nível de segundo grau e constituindo-se em habilitação parcial do
- na letra “c”, a competência para “coordenar” levantamentos e estudos técnico, parece-nos que, em atendimento à legislação, a denominação mais precisa
epidemiológicos é evidente exagero e deveria ser suprimida; para esse tipo de pessoal é a de “Auxiliar...”, expressão aliás, ainda que informal,
consagrada pelo uso na área odontológica.
- na letra “d” quem educa, orienta. Assim, “e orientar” poderia ser suprimido.
Considerando também que nem sempre o educando é um “paciente”, esta expressão Técnico em Higiene Dental - Se o vocábulo “técnico” está perfeitamente ajustado
deveria ser substituída: ao que se pretende denominar, tanto em relação ao nível da habilitação quanto em
relação às atribuições desse tipo de recurso humano odontológico, a expressão
- na letra “e”, além da “demonstração” o técnico deveria poder supervisionar a “higiene dental” é um equívoco. Tem origem, provavelmente, na denominação dental
prática da escovação; hygienist, empregada nos Estados Unidos, Japão, Europa Ocidental e outros países,
- na letra “f” a atribuição de que ao THD cabe “responder pela administração da para designar um tipo de pessoal odontológico cuja formação data de 1913 quando

130
Fones propôs sua utilização para realizar “profilaxia oral” e ensinar técnicas “corretas” esta proposta é equivocada e ilegal. Seria um erro crasso, de relevante custo social,
de escovação dental (Dunning 1958, Pires-Filho 1974). As competências impedir que CD pudessem contar com THD (assim como podem contar com ACD),
estabelecidas pelo CFO ao técnico habilitado em nível de segundo grau caracterizam para modernizar suas técnicas de trabalho, aumentar sua produtividade e atender um
um tipo de pessoal odontológico que não deveria ser confundido com o dental maior número de pessoas, simplesmente por pretenderem fazer isto “fora da saúde
hygienist. Embora Pinto (2000) se refira ao THD como o equivalente brasileiro do pública”... E seria ilegal por uma razão muito simples: o exercício de qualquer trabalho
“higienista dentário”, as atribuições do THD caracterizam-no com um perfil bem mais é garantido pela Constituição da República, promulgada em 5/l0/88. Em seu Título II,
abrangente e, sobretudo, não restrito à “higiene”. Tais atribuições, se nos permitimos Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), Artigo 5o, a Carta Magna
uma referência à mitologia grega, situam-se tanto no campo próprio de Hygéia (a não dá margem à dúvida:
protetora da saúde; a conselheira) quanto no de Panacéia (a recuperadora da saúde;
a manipuladora das ervas), pela simples razão de que a odontologia contemporânea “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
não pode se permitir o erro de separar a prevenção da cura, como se entre elas fosse garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a
possível erguer uma Muralha da China. Prevenção e cura são duas dimensões inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à igualdade, à segurança
inseparáveis e indispensáveis quando se pensa a saúde-doença como processo que e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII - É livre o exercício de
exige ações integrais. Ou seja: as pessoas necessitam, ao mesmo tempo, tanto de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas às qualificações
ações preventivas quanto curativas. Assim, se o termo “higiene”, além de se vincular profissionais que a lei estabelecer” (Brasil 1988).
fortemente em sua origem no Brasil a práticas individualistas e autoritárias (padrões, Não há dúvida, portanto: pessoal auxiliar odontológico devidamente habilitado ao
regras, advertências) é limitado em relação às competências, “dental” também o é exercício de suas funções pode trabalhar onde conseguir trabalho. A lei garante.
pela razão já exposta.
A propósito, um aspecto que vem ganhando relevância é o amparo legal ao
Está patente, portanto, que atendente de consultório dentário e técnico em higiene trabalho de ACD e THD, para além das garantias constitucionais. A partir da I
dental são denominações inadequadas. Assim, tendo em vista o nível das Conferência Nacional de Saúde Bucal, quando foi aprovada “a formação urgente e a
habilitações, e as denominações tecnicamente corretas de auxiliar (habilitação parcial) incorporação imediata de (...) ACD e THD como forma de viabilizar a extensão de
e técnico (habilitação plena) e considerando ainda que o campo de trabalho do cobertura e o aumento da produtividade [devendo] o Poder Público buscar formas
pessoal auxiliar é o da saúde bucal, mais amplo que o da assistência odontológica adequadas de enquadramento (...), objetivando a regulamentação de sua situação
individual e cujos níveis de saúde nas populações não decorrem exclusivamente da profissional, sem prejuízo dos programas comunitários odontológicos onde se
assistência mas são determinados por variáveis não biológicas sobre as quais se encontram inseridos” (CNSB 1986), os setores da odontologia e da saúde pública que
deve agir, acreditamos que as denominações tecnicamente mais adequadas para o defendem o SUS vêm lutando arduamente para obter a regulamentação do exercício
ACD e o THD seriam, respectivamente, “Auxiliar de Saúde Bucal” e “Técnico em profissional desses trabalhadores. Lamentavelmente, sem êxito até o presente. Cabe
Saúde Bucal”. registrar que logo após a I CNSB um projeto de lei tratando da regulamentação das
Para-odontológicos? - Às vezes nos deparamos, em textos ou em falas, com a profissões de ACD e THD começou a tramitar no Congresso Nacional (PL nº 53).
expressão “para-odontológico” para designar o pessoal auxiliar odontológico. Depois de tramitar durante cerca de cinco anos o Projeto de Lei nº 53 foi finalmente
Entendemos que tal expressão deve ser abandonada; como aliás os médicos de há aprovado e encaminhado à sanção presidencial. Após tantas idas e vindas,
muito abandonaram a expressão “para-médicos”, na qual ela evidentemente se substitutivos e emendas, acreditava-se que a sanção presidencial não passaria de ato
inspirou. E deve ser abandonada não porque os médicos o tenham feito mas porque, protocolar. Mas no penúltimo dia de 1993 o Presidente da República (Itamar Franco)
efetivamente, é incorreta e discriminatória. É incorreta porque o prefixo para significa vetou a lei aprovada no Congresso sob o frágil argumento de que a regulamentação
“ao lado de...”, “fora de...”, tendo conotação de algo paralelo. Ora, o pessoal auxiliar “desmotiva o aperfeiçoamento profissional". De tão frágil, é de se admitir que a razão
não está “fora” mas sim dentro de..., junto de... E é discriminatória porque traz em si a substantiva do veto não veio a público — por razões que ainda precisam ser
idéia de que odontologia é sinônimo, exclusivamente, de cirurgião-dentista. O que, esclarecidas. Assim, não se sabe o que o teria levado ao veto. Mas o passar dos anos
nos dias atuais, no Brasil, é simplesmente irreal. tem mostrado que erraram os que agiram nas sombras para que essa fosse a decisão
tomada pelo Presidente. Sua desastrada estratégia produziu um vazio normativo que,
Só no Serviço Público? - Outra discriminação freqüente ao pessoal auxiliar diz além de prejudicar trabalhadores qualificados, tem ensejado questionamentos sobre a
respeito às suas oportunidades de trabalho. É muito comum que se recomende a própria competência do CFO quanto a registros, fiscalização do exercício profissional
participação do trabalho do THD apenas na saúde pública ou no serviço público. Ora, e outros procedimentos relativos a ACD e THD. Permitir que as posições das

131
entidades odontológicas sobre esses assuntos continuem a serem definidas a partir importância. O mesmo não ocorre, porém, com relação a quem deve ser o
das proposições de setores obscurantistas constitui grave erro. O exemplo mais beneficiário fundamental dessa mudança. As várias propostas que se vêm
relevante até o presente, gerado por esse vazio, foi a proposição ministerial de criação apresentando revelam, umas mais claramente que outras, diferentes enfoques sobre
de cursos de tecnólogo em saúde, incluindo o “tecnólogo em saúde bucal”. para quem deve ser orientada a nova prática que se pretende desenvolver no país.
Tivéssemos o THD regulamentado e tal iniciativa provavelmente nem seria cogitada. Em nosso entendimento, não basta a essa nova prática ser preventiva ou
Cabe assinalar contudo que, a persistir o quadro que a gerou, outras certamente promotora da saúde bucal... É indispensável que assuma um compromisso inequívoco
virão. com a universalidade da atenção. Não é uma questão menor saber se a prática
Monopólio – Apesar dos avanços obtidos nos anos 90, persiste no Brasil, no início “preventiva” ou “promotora da saúde bucal” que estamos defendendo está dirigida a
do século XXI, uma evidente monopolização do processo de trabalho pelo CD, todos os brasileiros ou apenas àqueles que hoje conseguem acesso aos serviços
conforme se pode observar na Figura 19.9: em 1992 a proporção ACD+THD:CD era públicos e privados. O fato de o cuidado odontológico ser monopólio das elites no
de 0,06:1; em 2002 a mesma proporção registrava 0,21:1. Melhorou, sem dúvida, mas Brasil constitui um divisor de águas, no campo odontológico: há os que não aceitam
se encontra ainda muito distante de uma proporção razoável (2:1, por exemplo). conviver com essa situação e há aqueles para os quais isso não faz a menor
Já no início dos anos 80, esse “caráter monopolista do atual modelo de prática e diferença. E esta é uma questão relevante.
assistência odontológicas” era apontado na VII Conferência Nacional de Saúde Nos situamos entre aqueles que não aceitam que os recursos humanos
(Brasília, 24-28 de março de 1980): odontológicos estejam direcionados apenas à satisfação das necessidades
“CARÁTER MONOPOLISTA - Que se traduz na resistência à odontológicas das elites. Por essa razão, vale registrar que, tão importante quanto ser
transferência de conhecimentos e à sua utilização por parte de outros preventiva ou promotora da saúde bucal, a nova prática odontológica deve ser
tipos de recursos humanos, que não o profissional de nível superior, desenvolvida por recursos humanos quantitativa e qualitativamente adequados às
numa opção que fere o princípio de divisão do trabalho já reconhecido e necessidades de todos os brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação. Assim, as
utilizado largamente por outros setores das ciências médicas.” (CNS propostas de práticas “inovadoras”, “renovadoras”, “progressistas” ou tenham
1980). qualquer outra denominação, cumprirão melhor sua função social quanto mais
radicalmente assumirem o compromisso de tornar tais práticas acessíveis a todos os
Ainda que se tenham realizado importantes avanços para alterar esse quadro, a brasileiros, uma vez que não nos parece aceitável continuar convivendo com a
monopolização do processo de trabalho continua sendo um dos principais desafios a aberração de cuidados odontológicos serem negociados no mercado, como uma
serem enfrentados nas próximas décadas no Brasil quanto aos recursos humanos mercadoria qualquer, e sendo acessíveis apenas aos que podem pagar por isso —
odontológicos, uma vez que, segundo o Conselho Federal de Odontologia, em excluindo, portanto, milhões de pessoas dos benefícios proporcionados por
Estados como Tocantins e Espírito Santo praticamente não há THD: eles eram 1 e 10, conquistas científico-técnicas da humanidade que parece ético e justo sejam
respectivamente, em outubro de 2002. Na mesma época, a proporção ACD+THD:CD compartilhadas por todos. Ademais de esse acesso ser, no caso brasileiro, um
era 0,41:1 na macrorregião Norte (a melhor proporção do país) e 0,17:1 na imperativo legal. Se isso constrange e deixa indignados os que trabalham na área de
macrorregião Sul (a pior proporção). Como muitos ACD e THD não têm registro no saúde bucal no Brasil, não pode nos paralisar e tornar conformistas. Esse
CFO, pode-se admitir que essas proporções estejam subestimadas. Ainda assim, constrangimento e indignação deve resultar em ações capazes de levar à superação
esses números conformavam uma proporção muito baixa, muito aquém do que seria desse quadro, fazendo os enfrentamentos inevitáveis em situações de quebra de
necessário para assegurar acesso universal num país com as características do monopólios.
Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
RECURSOS HUMANOS PARA QUEM?
A análise que se apresenta neste capítulo sintetiza discussões que se vêm
As lideranças mais representativas no Brasil parecem concordar quanto à fazendo no país há várias décadas, e resulta de um amplo processo coletivo de
necessidade de introduzir mudanças na prática odontológica. Há reconhecimento da abordagem e crítica das inúmeras questões relativas à problemática dos recursos
importância da prevenção e não seria exagero falar em unanimidade. Pelo menos no humanos no Brasil. Por ser uma síntese, está certamente incompleta, tendo a
plano discursivo, não se observa nenhuma liderança expressiva recusando essa finalidade precípua de introduzir, sem esmiuçar, as questões e posições que ao autor

132
pareceram as mais relevantes sobre o assunto, no contexto brasileiro e de modo 10. Biancarelli A. Cirurgiã diz que a prevenção de saúde bucal deve ser feita em casa. Folha de
genérico. S.Paulo 27 out 2002, p. C6.

Assim, à guisa de conclusão, vale reafirmar que o poder público não deve se 11. Biazevic MGH, Loureiro CA, Araújo ME. Perfil do técnico em higiene dental do estado de
São Paulo: qualidade da prestação dos serviços. Revista Brasileira de Odontologia em Saúde
eximir do estabelecimento de diretrizes para a formação e desenvolvimento dos
Coletiva, 2 (1): 47-54, 2001.
recursos humanos odontológicos no país e não pode deixar de exercer o papel
regulador que lhe cabe nesse campo, sob risco de causar prejuízos à população. Tais 12. Botazzo C, Manfredini MA, Narvai PC. Força de trabalho em saúde bucal. Saúde em
diretrizes devem se centrar na ênfase à formação e utilização de pessoal auxiliar Debate, 24: 74-7, 1989.
como elemento estratégico de uma política de transformação da prática odontológica 13. Botazzo C. Da arte dentária. São Paulo: Hucitec-Fapesp; 2000.
hegemônica no país, com vistas a adequá-la às necessidades do conjunto da 14. Brasil. Conselho Federal de Educação. Parecer no 460/75: Habilitação em nível de
população; ou seja, uma prática orientada à promoção da saúde bucal. Isto pressupõe Segundo Grau - técnico em higiene dental e atendente de consultório dentário. Documenta, 171:
ajustar o número e alterar as características científico-técnicas dos cirurgiões- 20-6, 1975.
dentistas graduados anualmente no Brasil. Quanto ao número deve, ao contrário do
15. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Centro Gráfico do
que se verifica hoje, estar adequado à dinâmica populacional e não a fatores de outra Senado Federal, 1988.
ordem (a mercantilização do ensino, por exemplo). Já as características científico-
técnicas devem ter como referência as demandas do conjunto do nosso sistema de 16. Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional de Educação. Câmara de
Educação Superior. Resolução CNE-CES 3, de 19/02/2002. Disponível em:
saúde. Assume enorme importância, nesse sentido, o papel desempenhado pela http://www.mec.gov.br/cne/. Capturado em 25 out. 2002.
Universidade. Mais do que com a simples quantidade de profissionais que forma, tem
a Universidade que se capacitar para vencer o desafio da qualidade dos profissionais 17. Calvielli ITP. In: APCD. Práticos: mais uma mazela brasileira. APCD Jornal, Jun. 1996,
p.20.
que prepara para a sociedade. Desvendar o que significa qualidade para cada
comunidade, para cada classe social, para cada brasileiro, é tarefa da Universidade 18. Carvalho CL. Trabalho e profissionalização das categorias auxiliares em odontologia. Ação
livre, pluralista e democrática. Coletiva 2 (1): 25-33, 1999.
19. Cauduro-Neto R. Empregos para o CD estão aumentando. Odontonotícias, 47, set/nov.,
1989.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 20. Cauduro-Neto R. O cliente particular. Odontonotícias, 43/87, p.6.
1. [ABO] Associação Brasileira de Odontologia. Um novo perfil marca a profissão. Jornal ABO
21. César CLG, Narvai PC, Gattás VL, Figueiredo GM. ‘Medo de dentista’ e demanda aos
Nacional, 14 (79): 5-A, 2002.
serviços odontológicos em municípios da zona Oeste da Região Metropolitana de São Paulo.
2. [ABO] Associação Brasileira de Odontologia. Mudando o perfil. Revista da ABO Nacional, Odontologia e Sociedade, 1 (1/2): 39-44; 1999.
10 (4): 193, 2002 [editorial].
22. [CFO] Conselho Federal de Odontologia. Decisão 26/84, de 25/10/1984. Resolução 157/87,
3. [AOPSP] Associação Odontológica da Prefeitura de São Paulo. Boletim nº 01/88. São Paulo, de 31/07/1987. Resolução 185/93, de 26/04/1993.
mimeo, 1988a. 23. [CFO] Dados sobre profissionais de odontologia inscritos no CFO. Disponível em:
4. [AOPSP] Boletim no 05/89. São Paulo, mimeo, 1989. http://www.cfo.org.br/. Capturado em 25 set. 2002.
24. Chaves MM. Odontologia social. 2a. ed. Rio de Janeiro: Labor, 1977. p.173-85.
5. [AOPSP] Ofício no 03/88 (02/02/88), ao Prefeito Municipal de São Paulo. 1988b
6. [APCD] Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas. Comissão para Assuntos Especiais. 25. [CNS] Conferência Nacional de Saúde, 7a, Brasília, 1980. Anais. Subtema no 7:
Prosseguem campanhas. APCD Jornal, Fev. 1986, p.2. “Odontologia e serviços básicos de saúde.” Brasília, MS/CD, 1980.
7. [APCD] Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas. Formada a primeira turma de higienistas 26. [CNSB] Conferência Nacional de Saúde Bucal, 1a, Brasília, 1986. Relatório final. Brasília,
da APCD-Central. APCD Jornal, 347, Set. 1995, p.14. MS-UnB, 1986.
8. [APCD] Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas. Práticos: mais uma mazela brasileira. 27. Cordón JA. Relatório da experiência de saúde bucal em Itu. Saúde em Debate, 18: 11-4,
APCD Jornal, Jun. 1996, p.20. 1986.
9. Barros OB. In: Pimenta A. Dentista versus THD. Revista da APCD, 48 (6): 1512-22, 1994. 28. Dunning JM. Extending the field for dental auxiliary personnel in the United States.
American Journal of Public Health, 48 (8): 1059-64, 1958.

133
29. Frazão P. A participação do pessoal auxiliar odontológico na promoção da saúde bucal. Universidade Estadual Paulista ‘Julio de Mesquita Filho’).
Revista de Odontologia da USP, 12 (4): 329-36, 1998.
49. [OMS] Organización Mundial de la Salud. Comité de Expertos en Personal Auxiliar de
30. Frazão P, Castellanos. La participación Del personal auxiliar de odontología en los sistemas Odontología. Informe. Ginebra: OMS; 1959 (Serie de Informes Tecnicos n° 163).
locales de salud. Revista Panamericana de Salud Pública, 5 (2): 106-15, 1999. 50. Pellegrino CJS. Distribuição da força de trabalho em saúde bucal no Brasil, 1988-1997.
31. Freitas OS. Odontoparadoxismos. CROSP Informa, 27, jun. 1987, p.2. São Paulo, 1999 (Tese de Doutorado — Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São
32. Garrafa V. Simplificação e desmonopolização em odontologia. Revista do II ECEO. Paulo).
Florianópolis (SC): 9-18, jul. 1981. 51. Pezzato LM. A formação para o pessoal auxiliar em odontologia, no Brasil: contribuição ao
tema. Ação Coletiva 2 (1): 35-40, 1999.
33. [IBGE] Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa nacional por amostra de
domicílio – 1998. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Capturado em 10 ago 2000. 52. Pimenta A. Dentista versus THD. Revista da APCD, 48 (6): 1512-22, 1994.
34. Kriger L. Prefácio. In: Moysés SJ (coord.). Os dizeres da boca em Curitiba: boca maldita, 53. Pinto VG. Saúde bucal no Brasil. Reunião do Grupo Conjunto OMS-FDI no 5: Padrões de
Boqueirão, bocas saudáveis. Rio de Janeiro: CEBES-SMS Curitiba; 2002. mudança em saúde bucal (Síntese de Informe). Viena (Áustria), out. 1982.
35. Lapa FS. Conferência Nacional de Saúde Bucal, 1a, Brasília, 1986. Painel: “Diagnóstico de 54. Pinto VG. A questão epidemiológica e a capacidade de resposta dos serviços de saúde bucal
saúde bucal no Brasil”. no Brasil. São Paulo, 1992 (Tese de Doutorado — Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São
36. Leite IN, Pinto VG. Odontologia: um mercado cativo? RGO, 31 (1): 41-46, 1983. Paulo).
55. Pinto VG. Saúde bucal coletiva. São Paulo: Santos; 2000.
37. Leite MJVF, Souza ECF, Oliveira MAF. Pessoal de nível médio nos serviços de saúde:
discutindo a situação do pessoal auxiliar de odontologia. Revista Saúde, 10 (1/2): 83-90, 1996. 56. Pires-Filho FM. O emprego de pessoal auxiliar com funções mais amplas em odontologia.
38. Logan RK. Dental care delivery in New Zealand. In: Ingle JI, Blair P. International dental In: Porto Alegre. Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social. Divisão de Saúde Pública.
care delivery systems. Cambridge: Ballinger; 1978. (Chapter 5). Setor de Odontologia Sanitária. 3º Encontro de Saúde Pública em Odontologia. Porto Alegre:
PMPA; 1974.
39. Loures OF, Freire PS. Utilização efetiva de pessoal auxiliar de odontologia sanitária.
57. Rosenthal E. A odontologia no Brasil no século XX: história ilustrada. São Paulo: Santos;
Rio de Janeiro: FSESP; 1964.
2001.
40. Manfredini MA, Narvai PC. Odontologia em saúde coletiva. In: Rosenthal E. A odontologia
58. Salles Cunha E. História da odontologia no Brasil. Rio de Janeiro: Científica; 1963.
no Brasil no século XX: história ilustrada. São Paulo: Santos; 2001. p. 139-43.
59. Santos CRI. Sobre o técnico em higiene dental. A Gazeta do Acre, 25/05/1995.
41. Moysés ST, Watt R. Promoção de saúde bucal: definições. In: Buischi YP. Promoção de
saúde bucal na clínica odontológica. São Paulo: Artes Médicas-APCD; 2000. 60. Sheiham A, Moysés SJ. O papel dos profissionais de saúde bucal na promoção de saúde.
In: Buischi YP. Promoção de saúde bucal na clínica odontológica. São Paulo: Artes Médicas-
42. Moysés ST, Sizenando KMC, Menezes SM, Rodrigues I. A formação e desenvolvimento da
equipe de saúde bucal. In: Moysés SJ (coord.). Os dizeres da boca em Curitiba: boca maldita, APCD; 2000.
Boqueirão, bocas saudáveis. Rio de Janeiro: CEBES-SMS Curitiba; 2002. 61. Stewart J, Robertson J, Forgary MGE, Romcke RG, Brownstone E, Campbell C. The role of
the dental hygienist, past, present and future. The Canadian Dental Hygienists’ Association,
43. Narvai PC, Manfredini MA, Botazzo C, Raineri N, Schneider-Filho DA, Frazão P. Contra o
técnico em higiene dental. Saúde em Debate, 28: 59-65, 1989. 21 (2): 63-6, 1987.
62. Woodall IR. Dental hygiene issues in United States. The Canadian Dental Hygienists’
44. Narvai PC. Odontologia e saúde bucal coletiva. São Paulo: Hucitec; 1994.
Association, 21 (4): 146-8, 1987.
45. Narvai PC. Mais dentistas? Jornal do Site Odonto 2000. Disponível em:
http://www.jornaldosite.com.br/. Capturado em 25 out 2002.
46. Narvai PC. Saúde bucal e incapacidade bucal. Jornal do Site Odonto 2001. Disponível
em: http://www.jornaldosite.com.br/. Capturado em 25 out 2002.
47. Nobre M. Entrevista. Disponível em: http://www.odontologia.com.br/. Capturado em 6 jun
2001.
48. Oliveira AGRC. A organização da demanda em serviços públicos de saúde bucal: uma
contribuição ao estudo da universalidade, da equidade e da integralidade em saúde bucal
coletiva. Araçatuba, 2000 (Tese de Doutorado — Faculdade de Odontologia de Araçatuba,

134
DECISÃO CFO-47/2003
Altera a denominação de atendente de consultório dentário e dá outras
providências.

O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, cumprindo deliberação da Assembléia


Conjunta, realizada no dia 28 de novembro de 2003, no uso de suas atribuições legais,
DECIDE:
Art. 1º. A denominação de atendente de consultório dentário passa a ser designada Auxiliar
de Consultório Dentário.
Art. 2º. A carga horária mínima para a qualificação profissional de Auxiliar de Consultório
Dentário será de 600 horas; e máxima de 800 horas.
Art. 3º. O requisito de escolaridade para habilitar-se à qualificação profissional de Auxiliar
de Consultório Dentário é a conclusão do ensino fundamental (antigo primeiro grau).
Art. 4º. A partir de 1º de janeiro de 2004, a inscrição profissional de Auxiliar de Consultório
Dentário, obtida mediante declaração de cirurgião-dentista, será provisória, com duração de
um ano, podendo ser prorrogada por igual período.
Art. 5º. A inscrição provisória somente tornar-se-á definitiva mediante a apresentação de
certificado de qualificação profissional básica de Auxiliar de Consultório Dentário, emitido
por estabelecimentos de ensino autorizados pelo Ministério da Educação, ou pela
Secretaria Estadual de Educação, ou pelo Conselho Estadual de Educação, ou órgão
similar.
Art. 6º. A partir de 1º de janeiro de 2006, o registro e inscrição de Auxiliar de Consultório
Dentário somente serão obtidos mediante apresentação de certificado de qualificação
profissional básica de Auxiliar de Consultório Dentário, emitido por estabelecimentos de
ensino autorizados pelo Ministério da Educação, ou pela Secretaria Estadual de Educação,
ou pelo Conselho Estadual de Educação, ou órgão similar.
Art. 7º. Esta Decisão entra em vigor nesta data, independentemente de publicação na
Imprensa Oficial.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2003.

MARCOS LUIS MACEDO DE SANTANA, CD


MIGUEL ÁLVARO SANTIAGO NOBRE, CD
SECRETÁRIO-GERAL
PRESIDENTE

DECISÃO CFO-61 /2004


Altera o disposto no artigo 2º, da Decisão CFO-47/2003.

O Presidente do Conselho Federal de Odontologia, cumprindo deliberação da Diretoria, em


reunião realizada no dia 04 de novembro de 2004,
DECIDE:
Art. 1º. O artigo 2º, da Decisão CFO-47, de 16 de dezembro de 2003, publicada no Diário
Oficial da União de 29 de janeiro de 2004, na Seção I, página 101, assa a viger com a
seguinte redação:
“Art. 2º. A carga horária mínima para a qualificação profissional de Auxiliar de Consultório
Dentário será de 300 horas, e máxima de 600 horas.”
Art. 3º. Esta Decisão entra em vigor nesta data, independentemente de sua publicação na
Imprensa Oficial.

Rio de Janeiro, 16 de novembro de 2004.

MARCOS LUIS MACEDO DE SANTANA, CD


MIGUEL ÁLVARO SANTIAGO NOBRE, CD
SECRETÁRIO-GERAL
PRESIDENTE
RELAÇÃO DE HABITANTES POR CIRURGIÃO-DENTISTA INSCRITO NOS CONSELHOS
REGIONAIS DE ODONTOLOGIA E CADASTRADO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - 1998

CD Inscritos Relação CD Cadastrados Relação


UF População
nos Conselhos Hab/CD no SUS Hab/CD
AC 500.185 153 3.269 130 3.848
AP 401.916 141 2.850 71 5.661

AM 2.460.602 884 2.783 667 3.689


PA 5.650.681 1.820 3.105 696 8.119
RO 1.255.522 325 3.863 208 6.036
RR 254.499 106 2.401 98 2.597

TO 1.080.753 419 2.579 352 3.070


NORTE 11.604.158 3.848 3.016 2.222 5.222
AL 2.663.071 1.325 2.010 896 2.972
BA 12.709.744 4.189 3.034 1.723 7.377

CE 6.920.292 2.624 2.637 2.329 2.971


MA 5.295.452 1.019 5.197 896 5.910
PB 3.331.673 2.161 1.542 1.938 1.719
PE 7.466.773 4.147 1.801 3.236 2.307

PI 2.695.876 1.089 2.476 1.036 2.602


RN 2.594.340 1.538 1.687 1.396 1.858
SE 1.657.164 808 2.051 528 3.139
NORDESTE 45.334.385 18.900 2.399 13.978 3.243

DF 1.877.015 3.135 599 223 8.417


GO 4.639.785 3.626 1.280 2.182 2.126
MT 2.287.846 1.336 1.712 596 3.839
MS 1.964.603 1.864 1.054 821 2.393
CENTRO-
10.769.249 9.961 1.081 3.822 2.818
OESTE
ES 2.853.098 2.317 1.231 1.007 2.833

MG 16.904.977 19.040 888 9.390 1.800


RJ 13.555.657 18.367 738 4.966 2.730
SP 34.752.225 52.466 662 26.852 1.294
SUDESTE 68.065.957 92.190 738 42.215 1.612

PR 9.142.215 8.586 1.065 5.515 1.658


RS 9.762.110 8.802 1.109 4.121 2.369
SC 4.958.339 4.092 1.212 2.806 1.767
SUL 23.862.664 21.480 1.111 12.442 1.918

BRASIL 159.636.413 146.379 1.091 74.679 2.138


Fonte: Conselho Federal de Odontologia (CFO)
Área Técnica de Saúde Bucal - Ministério da Saúde
SISTEMAS DE TRABALHO DE ALTA COBERTURA NA ASSISTÊNCIA − os níveis elevados de prevalência da cárie dentária e das doenças periodontais,
ODONTOLÓGICA NA PERSPECTIVA DO conferindo a estas o estatuto de problemas de saúde pública;
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE*
− o desequilíbrio entre a demanda e a oferta de serviços de assistência
PAULO FRAZÃO** odontológica;
− o desenvolvimento científico-tecnológico no campo da ergonomia, da cariologia e
1 – INTRODUÇÃO da epidemiologia, criando diferentes sistemas, métodos e técnicas de trabalho;
Inovações tecnológicas envolvendo equipamentos e processos vêm − a divisão técnica horizontal e vertical do trabalho odontológico (especialistas e
introduzindo, em todo o mundo, mudanças históricas no cotidiano de trabalho nas três pessoal auxiliar), incorporando diferentes sujeitos e alcançando maiores níveis de
últimas décadas do Século XX. Em todos os setores econômicos, a produção de bens qualidade e produtividade;
e serviços vem sendo profundamente alterada por novas tecnologias tendentes, no
plano mais geral, à redução dos custos e dos postos de trabalho, ao aumento da − as proposições de racionalização e extensão da cobertura através da estruturação
produção e à elevação da qualidade, dentre outros fenômenos. de redes básicas de saúde implementadas no campo das políticas públicas de
saúde; e
Na saúde, desde a revolução industrial, assiste-se a um intenso
desenvolvimento científico-tecnológico que, combinado a um conjunto complexo de − a multiplicação de movimentos por direitos sociais, dentre eles o direito à saúde,
determinações políticas, econômicas e sociais de cada país, e atualmente de cada ampliando-se a participação dos poderes locais nas decisões sobre saúde.
bloco econômico, tem criado condições para a transformação do processo de trabalho Em relação à organização das ações de assistência odontológica individual,
e do seu sujeito. Também o modo de estruturar serviços e ações de atenção à saúde tem-se observado a implementação de sistemas de trabalho de alta cobertura com
bucal vem sendo atingido pelas novas tecnologias. No Brasil, essas tecnologias têm clínicas modulares fixas e transportáveis que incorporam uma série de inovações
repercutido, no nível primário de atenção, tanto na organização das ações coletivas tecnológicas oriundas dos estudos de ergonomia e de simplificação e racionalização
quanto nas de assistência odontológica individual. do trabalho odontológico. Na América Latina e no Brasil, a partir da década dos 70,
Admite-se que muitos fatores têm contribuído para a incorporação dessas muitos trabalhos foram divulgados relatando essas experiências. Tais publicações
modificações em serviços odontológicos no Brasil. Dentre eles, podem-se destacar: discutem aspectos teórico-metodológicos das proposições de simplificação e
11,12,35,47,55,57
racionalização do trabalho na assistência odontológica individual e
projetos postos em prática2,15,33,34,36,37,46,48,56,58, demonstrando sua viabilidade e
factibilidade. Além disso, relacionam conceitos derivados como, por exemplo,
diminuição de passos; elevação da qualidade, da eficácia e eficiência; padronização, e
__________________________________________________ o desenvolvimento tecnológico, os quais devem orientar as investigações, a fim de se
produzirem as modificações necessárias nos diferentes aspectos da prática
* Texto produzido em parceria com o Prof. Paulo Capel Narvai, a pedido do Projeto odontológica, abrangendo os sistemas de atenção, os recursos humanos, os espaços
Inovações do Ensino Básico (IEB) – componente saúde, da Secretaria de Estado físicos, os equipamentos, os materiais, instrumentos e medicamentos, e as técnicas
da Saúde, através da Fundação do Desenvolvimento Administrativo – FUNDAP. de trabalho.
Trata-se de versão atualizada do material de mesmo título elaborado em julho de
1993 pelos docentes Paulo Frazão e Paulo Capel Narvai. O objetivo desse texto, portanto, é apresentar aspectos reconhecidamente
importantes, relativos ao planejamento de ambientes, às características dos
** Docente comissionado do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade equipamentos, à organização do processo de trabalho, e à equipe de saúde bucal, a
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Professor do Curso de fim de subsidiar os profissionais que trabalham em ações de assistência individual em
Odontologia do Instituto Metodista de Ensino Superior, São Bernardo do Campo, serviços odontológicos.
SP.

135
2 – O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E A ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA resposta aos 77% da população que têm os serviços públicos como única
9
INDIVIDUAL possibilidade de acesso .
A assistência odontológica refere-se ao conjunto de procedimentos clínico- Os sistemas de trabalho de alta cobertura na assistência odontológica
cirúrgicos dirigidos a indivíduos, doentes ou não. Objetiva, portanto, responder às individual podem ser do tipo clínica modular fixa ou clínica modular transportável.
necessidades individuais identificadas pelos instrumentos da clínica odontológica. Consistem em ambientes coletivos ergonomicamente orientados com três, quatro,
seis, ou mais cadeiras odontológicas próximas a uma bancada central de apoio,
Estudos relativos à cobertura da assistência odontológica no Brasil como operados por CD, técnicos em higiene dental (THD) e atendentes de consultório
um todo, ou em regiões específicas, têm mostrado sua extrema exigüidade. dentário (ACD) que utilizam técnicas de trabalho instrumentado, adequados sistemas
Pesquisadores admitem que menos de 5% da população brasileira tem acesso regular de sucção, de preparação de materiais e de proteção e biossegurança.
aos serviços10,59,73.
3 – SISTEMAS DE TRABALHO DE ALTA COBERTURA NA ASSISTÊNCIA
Em 1986, Viegas73 ,analisando as necessidades assistenciais no Estado de ODONTOLÓGICA
São Paulo e os recursos humanos odontológicos existentes, referiu que seriam
necessários três vezes mais dentistas para que se pudesse tratar apenas os As investigações científicas que forneceram as bases para o
problemas básicos da população de seis a setenta anos. Isso implicaria baixar a desenvolvimento dos sistemas de trabalho de alta cobertura na assistência
38
proporção cirurgião-dentista/habitante para níveis socialmente insuportáveis (algo em odontológica vêm sendo produzidas em todo o mundo desde os anos 40. Klein ,em
torno de 1:250). Em conclusão, afirmava que os esforços para melhorar os níveis de 1943, demonstrou que um CD utilizando uma cadeira odontológica e um auxiliar
saúde bucal deveriam perseguir dois objetivos estratégicos: incrementar, de um lado, transferindo instrumentos e materiais poderia oferecer serviços a 33% mais pacientes
74
as medidas preventivas coletivas e, de outro, incorporar pessoal auxiliar odontológico que um CD trabalhando sozinho. Waterman , em 1946, observou que o CD, com um
(especialmente o técnico em higiene dental) nas equipes de trabalho, de modo a auxiliar bem-preparado ao lado da cadeira, podia prestar atendimento a
utilizar com racionalidade os profissionais de nível universitário, atribuindo-lhes aproximadamente 50% mais pacientes e, com dois auxiliares, o CD podia
funções compatíveis com a sua qualificação. Segundo ele, somente o trabalho proporcionar tratamento a cerca de 75% mais pacientes.
tecnicamente dividido poderia viabilizar o potencial de cobertura de cada profissional:
dos atuais 250 tratamentos completados (TCs), em média por ano (quatro horas Duas pesquisas merecem destaque pela profundidade e influência que
diárias), para cerca de 1000 TCs, dependendo do tipo de serviço requerido. exerceram nos anos seguintes às suas realizações: o Estudo da Universidade de
30 43,67
Alabama com início em 1963, e o Experimento de Louisville , em 1966. Elas
Essas considerações são corroboradas por outros analistas, quando podem ser consideradas exemplos bem-acabados de uma série de investigações que
afirmam que, para aumentar a cobertura das ações coletivas preventivas e das ações se iniciaram em 1943 e vêm tendo continuidade, sob várias formas, por diferentes
de assistência odontológica individual, torna-se imprescindível a preparação e autores1,3,5,14,29,39,40,41,42,44,66,70.
53,60,62,63
incorporação do pessoal auxiliar odontológico .
Se, de um lado, essas investigações tinham por finalidade o
Ao se relacionarem os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde desenvolvimento de métodos e técnicas mais simples e racionais que pudessem
(SUS) com a assistência odontológica individual de nível primário, pode-se admitir que aumentar a cobertura dos serviços a menores custos, de outro, elas buscavam
o sistema de trabalho em consultório tradicional, isto é, aquele realizado por um prevenir o stress e a fadiga provocados, dentre outros aspectos, por posturas de
cirurgião-dentista (CD) trabalhando sozinho em um ambiente de aproximadamente trabalho inadequadas13, 16,18,25,28, as quais foram reconhecidas posteriormente como
2 54
10m , tem-se mostrado, de vários pontos de vista, insuficiente e incapaz em dar as agentes mecânicos de doença profissional .
respostas requeridas pelo SUS.
Na última década, podem-se destacar os seguintes centros de
Seja o princípio de assegurar a extensão da cobertura e a universalidade investigação: Human Performance Institute, de Atami no Japão e o Center for the
de acesso, seja o de garantir a integralidade de assistência e a capacidade de Study of Human Performance in Dentistry (University of Maryland, USA) dirigidos,
resolução dos serviços (Art. 7º da Lei nº 8.080, de 19/9/90), não há como deixar de respectivamente, pelo doutores Daryl Beach e Michael Belenky. Ambos têm
admitir que somente com sistemas de trabalho de alta cobertura obtêm-se maiores contribuído com pesquisas e projetos de treinamento e formação de CDs em
oportunidades de viabilizar, em níveis orçamentários suportáveis, padrões mínimos de

136
posições, técnicas, métodos e sistemas de trabalho ergonomicamente orientados e na − tipo de equipamento empregado: com ou sem turbina de alta-rotação, com ou sem
4,6,32,69,72
utilização de termos numéricos para a comunicação e intercâmbio científico . sugador de alta-potência etc.;
Dentre os vários resultados derivados desses estudos de ergonomia, e de − posição do equipamento: à direita ou atrás da cadeira odontológica, ou ainda,
simplificação e racionalização do trabalho odontológico, cabe ressaltar, nos limites sobre o braço esquerdo ou no encosto da cadeira, conforme os quatro conceitos
deste artigo, que: básicos reconhecidos pela Fédération Dentaire International (FDI) e International
45
Standard Organization (ISO) ;
− a utilização de pessoal auxiliar odontológico permite, desde que sob certas
condições de trabalho, tanto do ponto de vista da eficiência quanto da eficácia, a − posição do paciente: deitado ou reclinado ou sentado;
elevação da qualidade, da produtividade e do rendimento dos serviços prestados
pelo CD
1,3,5,14,30,38,43,44,74
; − característica do operador: destro ou não;

− estas condições de trabalho referem-se a diversos aspectos da prática − região da arcada dentária: superior, inferior, direita, esquerda;
odontológica. Neste artigo interessa sublinhar, contudo, os aspectos relacionados − superfície dentária a ser operada: vestibular, oclusal e lingual;
ao planejamento dos ambientes, às características dos equipamentos, à
organização do processo de trabalho e à equipe de saúde bucal. − o tipo de visão adotado pelo operador: direta ou indireta (com espelho).
3.1 – POSIÇÕES DE TRABALHO Diante de tantos fatores, alguma opção deverá ser feita. O que considerar
para fazer a melhor opção? Parece razoável admitir que dois pontos de vista devem
Os critérios relativos às posições de trabalho dos integrantes da equipe de
ser compatibilizados: o do paciente e o dos trabalhadores, isto é, do operador e do
saúde bucal são o ponto de partida para o planejamento de ambientes e
auxiliar. Admitir esse pressuposto significa subordinar os fatores descritos
equipamentos odontológicos. Os itens que se seguem destacam os critérios
anteriormente e outros, não abordados pela literatura, à posição que se apresentar
observados para o posicionamento do paciente, dos membros da equipe de saúde
mais confortável e segura para o paciente e para o operador e o auxiliar. Nesse
bucal e dos equipamentos.
sentido, o tipo de equipamento empregado e sua posição no ambiente devem sempre
3.1.1 – Posição do Paciente ser adaptados à posição do paciente e à posição de trabalho da equipe. Resulta,
portanto, que a posição de trabalho da equipe, considerando o paciente na posição
A maioria dos estudos preconizam que, de modo geral, o paciente deve supina, é função:
estar deitado para todos os procedimentos cruentos ou que impliquem exame
minucioso ou operações de alta precisão. Em geral, esses critérios aplicam-se à maior − da característica do operador;
parte dos procedimentos, podendo sofrer restrições para alguns como, por exemplo:
moldagens com hidrocolóides (alginato), tomadas radiográficas e consultas − da superfície dentária e região da arcada a ser operada; e
ortodônticas. Mesmo para esses procedimentos, alguns autores32,33,75 preconizam que − do tipo de visão adotado pelo operador.
podem ser realizados com o paciente deitado. Recomenda-se, entretanto, durante a 6 66
anamnese, principalmente para idosos e gestantes, perguntar ao paciente se costuma Barros , ao pesquisar o tema, preconiza, citando Schön , que a posição ideal
dormir deitado (ou seja, completamente na horizontal); em caso negativo, anotar na do CD é a posição sentado, “em 9 horas”, com as pernas abertas e a articulação dos
ficha para que o operador, durante os procedimentos cirúrgico-restauradores, joelhos em 90°. Para ele, “(...) a grande vantagem da posição em 9 horas, além da visão
acomode-o levemente inclinado. direta de todas as faces dos dentes do cliente, é a de que a inclinação da coluna, quando
for necessária, será sempre para a frente e não para o lado como nas outras posições, o
3.1.2 – Posição do Operador que é mais natural e normal em relação às vértebras.” E conclui: “Ao terminar as
Ao analisar a literatura científica sobre o tema, verifica-se que existem considerações a respeito da posição do odontólogo durante o seu trabalho, sabe-se então
muitas orientações quanto às posições de trabalho do CD ou operador. Essas a razão pela qual a técnica de trabalho a três mãos do Professor Fritz Schön é hoje
orientações variam de autor para autor conforme os conhecimentos científicos universalmente aceita como a mais correta, recomendando a posição sentado do CD em 9
acumulados ao longo do tempo, destacando-se os seguintes fatores: horas com o paciente na posição supina e o auxílio da assistente. É que ao mesmo tempo
que a assistente assume a tarefa de acomodar a cabeça do paciente e abrir a sua boca,

137
61 32,33
afastando a língua e bochechas, suctando sangue e saliva, colocando o quadrante Em uma perspectiva distinta, Robinson , Herrera e Beach, citado em
7
desejado, qualquer que seja ele, sempre em visão direta para o CD, este executa o seu Boyd & Donaldson , consideram que o operador deve posicionar-se sentado, atrás do
trabalho, confortavelmente sentado, com visão direta, com uma única mão, com o mínimo paciente, em "12 horas", utilizando uma faixa de movimentação entre "10 horas e
de desgaste de energia e o máximo de produtividade.” (Figura 1). 12h30m", buscando a manutenção de ombros relaxados e cotovelos próximos ao
corpo. Durante a maioria dos procedimentos o operador, destro ou não, realiza
somente movimentos de dedos e punho e quase nenhum movimento de cotovelos,
66 6 ombros e coluna vertebral. Utiliza-se da mobilidade da cabeça do paciente (para trás,
Figura 1: Posição de trabalho conforme Schön , In: Barros
frente, direita e esquerda) para alcançar, com visão direta, quase todas as superfícies
dentárias e gengivais. Na "posição de 12 horas", apenas dezoito superfícies exigem
visão indireta com espelho bucal plano: lingual de 13-23, distal e oclusal de 16-18 e
72 4
26-28. Essa posição, descrita também em Vianna & Arita e Arita et al. , tem por base
o conceito de desempenho lógico: um modelo científico de aprimoramento do
desempenho humano através da ênfase na posição mais natural para realizar uma
tarefa finita numa postura balanceada. Estudando as relações de equilíbrio do corpo e
as relações de espaço entre o operador e o seu plano de trabalho, concluiu-se que
esse trabalho finito é mais bem realizado no plano sagital mediano ao nível do tórax
ou coração em harmonia miocêntrica (Figura 2).
Assim, verifica-se que a posição de trabalho da equipe, considerando o
paciente na posição supina, depende fundamentalmente da característica do
operador, da superfície dentária e da região da arcada a ser operada, e do tipo de
visão adotado pelo operador. São esses fatores que provocam intensa discussão na
literatura e terminam por orientar (ou desorientar...) a posição de trabalho adotada
pelos operadores. Os conhecimentos científicos hoje disponíveis, que se traduzem
nos conceitos desenvolvidos mais recentemente nos centros de referência mundial de
ergonomia aplicada à prática odontológica, não autorizam a falar em uma técnica
universalmente válida em virtude das diferenças que no passado, e ainda no presente,
caracterizam a formação e a experiência profissional de cada operador e da
discordância de muitos especialistas com a adoção da visão indireta para certos
preparos dentários com turbina de alta-rotação. Mas constata-se claramente a
consolidação, entre os pesquisadores, de algumas características dentre as quais a
posição supina para o paciente e a posição sentado “em 9 horas” para aqueles que
não adotam a visão indireta e entre “10h e 12h30m” para aqueles que trabalham
também com a visão indireta. Lamentavelmente, contudo, observa-se que são poucos
Figlioli & Porto21, após revisão da literatura no período 1955-87 e os profissionais e os serviços que lograram criar as condições necessárias para sua
observações relativas à postura de trabalho para o CD destro durante a realização de plena adoção seja ao nível do ensino seja no dia-a-dia da prática clínica.
preparos cavitários com visão direta do campo operatório, concluem que, “quando se
emprega a turbina de alta velocidade, o dentista deve atuar com visão direta do
campo operatório, sendo que as posições ideais para ele são as de 9 e 11 horas”.

138
da equipe, conforme expresso anteriormente, conclui-se que o equipamento deve
apresentar os comandos e as pontas operatórias abaixo da mesa clínica do
instrumentador. Isso evita o deslocamento das mãos do operador do campo
operatório.
A Figura 3 apresenta um esquema ilustrativo da posição dos elementos
durante os procedimentos operatórios recomendada por alguns dos especialistas
relacionados ao final deste trabalho.

3.1.3 – Posição do Instrumentador


De forma semelhante ao verificado para a posição do paciente, a maioria dos
estudos preconizam que, de modo geral, o instrumentador deve estar sentado na "posição
de 15h", 5cm a 10cm mais elevado que o operador, com o corpo e a visão voltados tanto
para o campo operatório quanto para a bandeja ou mesa clínica onde se encontram os
6
comandos e as pontas operatórias do equipamento. Barros afirma, entretanto, que o
instrumentador necessita de uma faixa de movimentação “entre 13h e 15h”.
No caso de existir mais um auxiliar, este pode, durante os procedimentos
operatórios, desempenhar, dentre outras, a função de preparador. Para isso, deve
estar atento, atrás da bancada de apoio, em condições ótimas de comunicação e
transferência de materiais.
3.1.4 – Posição do Equipamento
Considerando que o tipo de equipamento empregado e sua posição no
ambiente devem sempre ser adaptados à posição do paciente e à posição de trabalho

139
No Brasil, tais sistemas de trabalho começaram a se desenvolver a partir privativas e, ao mesmo tempo, realize a coordenação e supervisão do pessoal auxiliar
17
de 1977, no Programa Integrado de Saúde Escolar , dirigido pelo Doutor Sérgio odontológico.
Pereira, no Governo do Distrito Federal e apoiado pelo então Instituto Nacional de
Previdência Social do Ministério da Previdência e Assistência Social. Na organização Como parâmetro geral, cada unidade de assistência (cadeira + equipo)
das ações de assistência odontológica individual daquele programa, observava-se a utiliza cerca de 10m2 de área física. Portanto, um ambiente para duas cadeiras e um
aplicação do "wheel concept" (conceito de roda) das posições ergônomicas para três cadeiras devem ter, respectivamente, cerca de 20m2 e 30m2.
sintetizadas em parágrafo anterior e de princípios de simplificação e racionalização do Nos últimos anos, com o desenvolvimento dos métodos de prevenção e
trabalho em clínicas modulares transportáveis. educação em saúde bucal aplicados em grupos de pacientes, têm-se planejado áreas
Desde então, e até os dias atuais, em diferentes serviços públicos físicas específicas para treinamento de auto-exame e autocuidado (bancadas de
odontológicos, em distintas regiões do Brasil, vêm sendo projetados e implementados higiene bucal) com pias, espelhos, iluminação adequada etc.
ambientes de trabalho com três, quatro ou mais cadeiras O desenvolvimento de técnicas de trabalho instrumentado, de sistemas de
19,20,22,26,27,49,50,51,58,64,71
odontológicas sucção, de preparação de materiais e de proteção e biossegurança requerem o
(Figuras 4 e 5). planejamento de bancadas de trabalho e de apoio com estrita observância de
medidas e relações que assegurem economia de tempo e energia da equipe de saúde
bucal.
4 – PLANEJAMENTO DE AMBIENTES DE TRABALHO
A partir de 1960, estudos interdisciplinares sobre melhor aproveitamento de
áreas físicas e multiplicação de unidades de assistência foram incentivados por
diversos organismos internacionais, especialmente a Organização Mundial de Saúde
(OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Foi com esse objetivo que
se realizou em Washington, em dezembro de 1979, um seminário com a participação
de arquitetos, engenheiros, desenhistas, fabricantes e cirurgiões-dentistas, em que
ficou evidenciada a necessidade de utilizar ambientes coletivos destinados à
20
assistência odontológica .
Os ambientes coletivos devem ser planejados a fim de atender aos
requisitos quanto ao nível de ruído, iluminação, ventilação, circulação e fluxo da
equipe de saúde bucal e dos pacientes. Além disso, devem atender a critérios para
posicionamento do paciente, da equipe de saúde bucal e dos equipamentos, conforme
os princípios de ergonomia, e de simplificação e racionalização do trabalho
24
odontológico .
Especial atenção deve ser dedicada ao planejamento dos sistemas de ar
comprimido, hidráulico e elétrico, de modo a assegurar facilmente a sua inspeção e
manutenção preventiva e corretiva. Nesse sentido, melhores resultados podem ser
obtidos quando os componentes de infra-estrutura são planejados para percorrer
24
áreas sob pisos falsos ou interior de tubos de grande diâmetro embutidos no piso .
31,32,43,67
Segundo alguns autores , para orientar a disposição das unidades
operatórias, o "wheel concept" constitui-se o modo mais eficiente de economizar
tempo e energia da equipe de saúde bucal. Além disso, é o que apresenta melhores
condições para aliviar o trabalho do CD, permitindo que ele desenvolva suas tarefas

140
Figura 4: Representação de um módulo com 3 cadeiras: Figura 5:Planta baixa do módulo de odontologia comunitária da Faculdade
de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

141
8,39,40,61,66,75
5 – CARACTERÍSTICAS DOS EQUIPAMENTOS necessidade e o tempo gasto para o paciente cuspir . Desse modo, evita-se
bastante o uso da cuspideira. Nas situações em que o paciente sentir necessidade de
Os conceitos de simplificação e racionalização do trabalho aplicados aos cuspir, pode-se acoplar um funil na ponta suctora, recurso considerado mais higiênico
equipamentos têm importante conseqüência para as clínicas modulares e confortável para ser utilizado em circunstâncias eventuais em função de sua
transportáveis. A alta durabilidade, o baixo peso, a fácil mobilidade são características mobilidade e da facilidade de manuseio pelo paciente. Recentemente, tem-se
requeridas para os equipamentos de uma clínica transportável. Todos os fabricantes observado a introdução da bomba de sucção a vácuo em clínicas modulares fixas,
deveriam ter uma linha especial de equipamentos para este fim. propiciando melhores condições de trabalho para a execução dos procedimentos
Em relação às clínicas modulares fixas, os equipamentos convencionais clínico-cirúrgicos.
existentes, através de adaptações e ajustes realizados durante sua instalação, 6 – ORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO
permitem ampla opção de soluções para atender a diferentes situações e problemas.
Em relação ao processo de trabalho, abordam-se os seguintes aspectos:
Um aspecto que cabe ressaltar refere-se às especificações de fluxo de atendimento, instrumentação, preparação de instrumentos e materiais,
compressores de ar. Como parâmetro geral, cada unidade de assistência com equipo sistema de informação, suprimento e manutenção.
de pontas operatórias necessita, no mínimo, de 2,5 pés cúbicos por minuto (pcm) de
deslocamento de ar. Assim, uma clínica modular com três equipos necessita de um 6.1 – FLUXO DE ATENDIMENTO
compressor de ar de deslocamento maior ou igual a 7,5 pcm, de reservatório de 120
litros, de motor de 2 HP e de pressão máxima de 120 libras/polegada2. O equipo de Da recepção ("entrada") à dispensa (“alta”) de pacientes, vários pontos têm
pontas operatórias deve ser acrescido da ponta suctora e adaptado abaixo da sido objeto de interesse, visando à padronização de aspectos operacionais de
bancada de apoio ou numa mesa auxiliar móvel (tipo “kart”). Em relação à bancada de sistemas de trabalho de alta cobertura. Serão discutidos aqui alguns desses aspectos
apoio, deve-se prever, para atender às situações em que não é requerida a técnica de considerados mais relevantes.
trabalho a quatro mãos ou ocorra ausência eventual de pessoal auxiliar, a instalação O atendimento do usuário de um serviço odontológico pode ser analisado
de um requadro tipo guia em alumínio/aço inox preso à parte inferior da mesa clínica, como um processo em que se identificam momentos distintos relativos a acesso,
onde ficará acoplado o chassis do equipo, permitindo assim, sem maior esforço, o recepção e preparo do usuário para recebimento dos cuidados; realização dos
trabalho a duas mãos. procedimentos indicados ou atendimento propriamente dito; e dispensa do usuário65.
Outro aspecto refere-se à importância do encosto da cabeça. Nesse ponto A questão do acesso aos serviços é das mais complexas e tem estimulado
pode-se lançar mão do encosto para ombros e nuca – “shoulder-neck-roll” – descrito muitos debates no setor saúde. Não é propósito deste texto entrar nesse debate
6
por Barros ou de cadeiras odontológicas com cabeçote ajustável. A presença de um embora reconhecendo sua grande importância prática e suas implicações no dia-a-dia
desses dispositivos propicia conforto à cabeça do paciente nas manobras para trás, dos serviços. Vale lembrar, apenas, algumas dimensões da problemática do acesso,
frente, direita e esquerda, em que o operador busca obter visão direta do ponto a ser quais sejam: econômica, cultural, religiosa, geográfica, dentre outras.
operado.
O aspecto econômico do acesso aos serviços odontológicos no Brasil é, de
O refletor deve estar acoplado na lateral esquerda da cadeira, possuir de modo geral, bastante conhecido: estima-se que aproximadamente 20% da população
10.000 a 20.000 lux e foco luminoso circular. brasileira consegue financiar diretamente serviços de assistência odontológica. Os
A introdução da turbina de alta-rotação na assistência odontológica demais 80% dependem da disponibilidade de serviços públicos, uma vez que os
diminuiu o tempo operatório39, mas aumentou a umidade da cavidade bucal, custos dos serviços privados lhes são proibitivos. Sabe-se, por outro lado, que os
dificultando a visibilidade do campo e consolidando o uso da cuspideira. Estima-se serviços públicos participam apenas com cerca de 18% dos gastos com esse tipo de
que 15% do tempo de trabalho do dentista é consumido pela necessidade de o assistência. Esses valores expressam claramente a insuficiência dos recursos
paciente cuspir8,21. Dados como esses, levaram Thompson68 a desenvolver a técnica odontológicos oferecidos à população. Esta é, sem dúvida, a principal barreira das
com suctor de alta- potência “washed-field-technic”, através da qual são removidos pessoas ao acesso a serviços odontológicos.
rapidamente a água, a saliva e os resíduos acumulados na boca, permitindo a
execução dos procedimentos operatórios com o campo limpo, visível e eliminando a

142
Outra barreira importante é a geográfica. Nem sempre as pessoas dispõem Há casos, também, em que é feito o agendamento diário. Nessa
de serviços na sua proximidade, ainda que eventualmente pudessem até mesmo sistemática, um grupo de pacientes é agendado para todos os dias de uma semana,
custear diretamente os cuidados. Regiões como a Amazônia ilustram essas programando-se as atividades a serem desenvolvidas em todo o grupo durante a
dificuldades. semana.
Quanto aos aspectos culturais, sabe-se que é muito importante a "Em qualquer serviço de saúde, a recepção do paciente é muito importante
identificação cultural entre um serviço de saúde (vale dizer, o pessoal desse serviço) e para que ocorra uma maior cooperação durante o tratamento (...) a habilidade na
a população da região onde está localizado. Barreiras culturais podem adquirir comunicação e o respeito mútuo são indispensáveis (...) A postura, comportamento e
importância e devem ser levadas em conta para viabilizar o acesso, gerar confiança sobretudo a atenção dedicada ao usuário contribuem, entre outros fatores, para o bom
mútua e tornar eficazes as ações desenvolvidas. desenvolvimento do trabalho e desempenho satisfatório. A recepção é o primeiro
contato entre a equipe de saúde bucal e o paciente, que na maioria das vezes busca o
É na recepção do usuário que o acesso se efetiva. Essa recepção ocorre, consultório ou a unidade de saúde para alívio de dor. Ao receber o paciente, deve-se
na verdade, em dois momentos: quando o usuário é recebido pela área administrativa, conquistar sua confiança através de breve diálogo. Um cumprimento cordial, um
a qual providencia o prontuário e outros documentos, e quando o paciente é recebido sorriso, o tom de voz, informações prestadas com clareza geram uma ligação positiva.
na sala odontológica. É muito importante considerar que, do ponto de vista do A recepção à criança exige cuidados com as palavras e gestos que possam assustá-
paciente, esses dois momentos não estão separados: para ele o atendimento começa la. As informações e orientações sempre serão fornecidas aos pais ou responsáveis,
quando adentra o serviço de saúde. Por isso, quanto menor o tempo entre esses dois ou ainda, à própria criança, quando estiver desacompanhada. A natureza do serviço,
momentos, melhor. seja ele público ou privado, não deve condicionar comportamentos da equipe de
Esse acesso pode ser para atendimento de urgência (caracterizado por saúde. O diálogo, o encontro e o respeito ao próximo devem estruturar todo e
situação que exige pronto-atendimento mas que não envolve risco de óbito) ou para qualquer tipo de relação social."65.
atendimento eletivo, com agendamento de consulta. Quanto ao preparo, é recomendável que o paciente saiba o que vai
O agendamento de consulta é um procedimento que depende das acontecer naquele dia, durante o atendimento. Não se trata, evidentemente, de entrar
necessidades de tratamento do paciente e da quantidade de horas-trabalho da equipe em detalhes. Isso pode ser, além de muito chato, um complicador das coisas: o
de saúde bucal. No serviço público, de acordo com a programação, um certo tempo é paciente pode interpretar o "excesso de conversa", e um monte de detalhes que ele
diariamente dedicado às urgências, às quais se recomenda considerar “prioridade 1”, não compreende, como sendo insegurança do operador (CD ou THD). As explicaçðes
jamais recusando atendimento. Ainda que, eventualmente, esse atendimento imediato mais gerais sobre o plano de tratamento devem ser dadas na primeira consulta. O
não seja resolutivo, o problema que motivou a procura do serviço de saúde deve ser objetivo de esclarecer o que vai ocorrer naquele dia é apenas situar o usuário em
considerado, a partir daí, um problema do serviço, o qual passa a ser responsável relação ao andamento do tratamento em seu conjunto. Assim, trata-se apenas de,
pela sua resolução – na própria unidade ou em outra de referência. Esse antes de qualquer procedimento, esclarecê-lo breve e sucintamente e, na medida em
compromisso constitui exigência legal e ética elementar. Embora pareça óbvio, esse que as ações forem se sucedendo, precedê-las de brevíssimas explicações para que
princípio requer permanente reafirmação, sobretudo em face da emergência de o paciente não seja surpreendido e reaja negativamente a alguma ação inesperada. A
racionalidades baseadas em produtividade a qualquer custo e uma certa obsessão instalação do paciente na cadeira; a colocação do guardanapo ou toalha de proteção;
por indicadores e modelos matemáticos que, às vezes, levam os serviços de saúde a a colocação do avental de chumbo antes de tomadas radiográficas; a tomada de
perderem o referencial humano de suas finalidades. Em geral, o agendamento para as impressão para confecção de modelo são alguns, dentre outros procedimentos, que
consultas destinadas aos demais procedimentos deve ter intervalos curtos, de dois a podem e devem ser precedidos de esclarecimentos. Em resumo, é extremamente
três dias ou, no máximo, uma semana ou até dias consecutivos. Discutir com a desagradável ser objeto de ações cuja finalidade e sentido não compreendemos. Se
clientela-alvo pode facilitar a definição. Com base no plano de tratamento, prevê-se o nos colocarmos no lugar das pessoas a quem atendemos, não é difícil compreender a
número de consultas necessárias para as atividades. Quando o perfil epidemiológico importância do preparo no conjunto do atendimento odontológico.
da demanda é conhecido, pode-se definir o número médio de consultas por paciente O atendimento propriamente dito está intimamente vinculado ao próprio
(concentração), estendendo ou encurtando o tempo de cada consulta segundo a desenvolvimento técnico-científico da odontologia. O surgimento de novas técnicas
necessidade individual.

143
em diferentes especialidades implica, muitas vezes, alterar posições, passos, doença e modos de viver, entre cidadania e saúde etc. Num sistema com tal
instrumentos e materiais utilizados no trabalho. característica, a primeira consulta, eletiva ou programada, é, antes de tudo, um
momento de acolha, de socialização e de criação de vínculo entre o paciente e a
Há muitas técnicas para atender às pessoas. Cada especialidade equipe (através do auxiliar); um momento em que se ressalta tanto o caráter humano
odontológica tem o seu jeito e pode-se até exagerar e dizer que, em certo sentido, do trabalho em saúde, quanto a importância de uma maior humanização das relações
cada profissional tem a sua própria tecnologia. Pelas características próprias do sociais de saúde. Pode-se utilizar um roteiro de perguntas (de relevância para a
trabalho de um endodontista ou de um ortodontista, pode-se compreender que anamnese), cujas respostas cada paciente vai assinalando com a ajuda do auxiliar. As
adotem tecnologias de atendimento diferentes. perguntas funcionam também como temas de discussão e de troca de conhecimentos.
Quando se trata de clínica geral, contudo, alguns profissionais preferem Levantam-se expectativas, descreve-se a rotina de atendimento, o número de
destinar cada atendimento a um único dente, sobretudo se o procedimento terapêutico consultas programadas e de consultas de urgência, os tempos de duração e demais
for complexo. Outros, agrupam vários dentes para uma mesma sessão. Muitos temas de interesse da clientela, fazendo emergir a esperada dimensão educativa da
adotam as técnicas do "sextante" ou do "quadrante". Há ainda situações em que todos atividade. Aspectos complexos para o auxiliar devem ser remetidos para a consulta
os dentes são tratados num único atendimento, após anestesia das regiões onde ela é com o CD.
necessária (técnica "toda boca"). Evidentemente, esta técnica não é exeqüível em Após este trabalho, cada dupla ou cada trio de pacientes segue para a
pacientes com muitas necessidades acumuladas ou que exijam procedimentos evidenciação de placa seguida da escovação supervisionada. Em seguida, cada
terapêuticos complexos. paciente é chamado para a primeira atividade clínica com o THD ou com o CD. Muitos
Em sistemas de trabalho de alta cobertura na assistência odontológica, casos exigem que se faça, previamente ao exame clínico, remoção com instrumentos
uma técnica que vem sendo muito utilizada é a do tratamento por quadrantes, também periodontais de indutos moles e duros de superfícies coronárias. Nesses casos, os
denominada técnica do hemiarco. Nessa técnica objetiva-se aproveitar certas pacientes são atendidos pelo THD. Nos demais, ou quando completada a remoção de
características anatômicas, especialmente no arco mandibular, para evitar a repetição indutos, o paciente está apto para a primeira atividade clínica com o CD, a qual
de anestesias em sucessivos tratamentos de um dente por sessão. A técnica do consiste em interpretação da anamnese e realização do exame bucal.
hemiarco pode ser utilizada em diferentes esquemas de agendamento. Vale reafirmar, uma vez mais, que um adequado exame clínico exige a
Numa clínica modular fixa de três cadeiras operada por um CD, dois THD e definição e utilização de critérios objetivos de diagnóstico das condições dos tecidos
três ACD, num período de quatro horas, pode-se oferecer, depois de cerca de três dentários e periodontais. Esse exame, muitas vezes, tem-se restringido a uma
meses de experiência de trabalho em equipe, aproximadamente doze consultas de observação sumária de dentes. É necessário nos "desprogramarmos" deste
duração de 30 a 40 minutos cada, e atender a doze pacientes. "costume" e realizarmos exame completo de tecidos moles e duros da boca, com
registros clínicos para cada superfície de esmalte e para cada superfície/segmento de
Na assistência odontológica individual, a possibilidade de atender a um gengiva. É, também, o momento de avaliar a pertinência de solicitação de exames
maior número de pacientes está associada à divisão técnica (horizontal e vertical) das complementares e de prescrição de enxaguatórios e medicamentos.
atividades clínicas e administrativas, e com o uso racional dos recursos científicos e
tecnológicos disponíveis. Isso implica, de um lado, que as atividades previstas devem Esses dados, combinados com as informações da anamnese, vão permitir
ser decompostas, devendo o mais simples ser atribuição do pessoal auxiliar a avaliação de risco do paciente tanto do ponto de vista da cárie dentária, como da
adequadamente preparado, e de outro, que uma unidade de assistência com equipo doença periodontal.
de pontas operatórias deve ser utilizada para a execução de atividades clínicas que Em seguida, completa-se o plano de tratamento "preventivo" (a ser
requeiram esta composição tecnológica. Resulta que, parte da anamnese e a maioria realizado antes das consultas) e "curativo", dando prosseguimento nas próximas
das atividades educativas e preventivas devem ser realizadas fora da cadeira consultas às atividades clínico-cirúrgicas necessárias. Para tanto, utilizam-se as
odontológica ou da unidade com equipo. mencionadas técnicas de trabalho por hemiarco ou por sextante articulando, em cada
Diferentes serviços adotam distintas condutas. Um sistema de prestação de consulta, atividades clínicas básicas da periodontia, da cirurgia e da dentística. Desse
assistência odontológica individual de nível primário voltado para a promoção da modo, pode-se concluir o atendimento em pacientes de alta prevalência de doenças
saúde bucal pode, por exemplo, enfatizar na primeira consulta a relação entre saúde- bucais com aproximadamente quatro a cinco consultas. Durante ou após essa etapa,

144
preparam-se os encaminhamentos aos serviços de referência (endodontia, prótese, apresentar restrições quanto a esta posição. Recomendam, conforme assinalado
cirurgia oral maior, ortodontia etc.). anteriormente, que durante a anamnese sejam levantadas informações sobre como o
paciente dorme. Se o paciente dorme deitado, então nada impede que seja atendido
Antes das consultas de "tratamento" (após a primeira consulta de exame nesta posição, com a adoção de cuidados durante a sucção do campo operatório.
bucal com o CD), devem-se realizar as atividades preventivas prescritas pelo CD, as
quais podem ser desde o treinamento de auto-exame e autocuidado com atividades 6.2.2 – Posições do Operador e do Instrumentador
de evidenciação de placa seguida da escovação supervisionada até aplicação
intensiva de gel fluorado com escova, enxaguatórios etc. Tais ações devem ser A distância entre os olhos e o ponto de trabalho deve ser tal que:
avaliadas, requerendo registros. Pode-se, por exemplo, utilizar o índice de higiene oral − evite inclinação da coluna vertebral levando a fadiga, desvios de coluna ou
ou índice de placa para aferir a assimilação do paciente. obstrução do foco luminoso perpendicular à cadeira odontológica;
Na "alta" devem ser aplicados os critérios de risco estabelecidos − propicie adequada visualização do campo operatório, sem promover fadiga visual;
previamente segundo características sociais e epidemiológicas da realidade local,
definindo-se o retorno, cujo intervalo pode ser de três, seis, nove ou doze meses, ou − evite a inalação de gotículas do "spray" da turbina de alta rotação;
ainda, outro prazo definido pelo CD.
− dificulte a projeção de corpos estranhos oriundos do ato operatório aos olhos,
Após a realização dos procedimentos clínico-cirúrgicos, a dispensa do mesmo que protegidos por óculos;
usuário requer tanta atenção quanto qualquer outra etapa do atendimento. É preciso
estar atento para perceber as reações e expressões do paciente. Há casos em que a − propicie manobras com precisão e segurança;
dispensa pode não ocorrer imediatamente após a prestação dos cuidados, exigindo − evite manobras amplas de mãos e braços, que dificultem o trabalho ou que
alguns minutos de acompanhamento das reações. Nenhum paciente deve ser possam causar danos a articulações e músculos.
dispensado sem receber orientações claras e seguras sobre quais cuidados
domésticos devem ser adotados no dia do atendimento e nos posteriores. Tais A harmonia entre a altura da cabeça do paciente e a posição do operador
4,7,32,61
esclarecimentos devem ser feitos pelo CD e demais membros da equipe de saúde deve ser tal que exista uma distância focal em torno de 27 a 30cm .
bucal (ACD e THD). Detalhes sobre o(s) retorno(s) para continuidade do tratamento Para que tanto o CD ou THD quanto o ACD não levantem os braços, a
(dia, hora, onde se apresentar e outros) devem ser claramente explicados ao usuário, cabeça do paciente deve estar posicionada numa altura supra-umbilical e nunca num
o qual deve ser sempre estimulado a "fazer a sua parte". plano acima do coração do operador. Assim, tanto o plano de trabalho do operador
6.2 – INSTRUMENTAÇÃO (boca do paciente) como o da auxiliar (mesa auxiliar, equipo e bancada) devem estar
próximos da altura dos seus respectivos cotovelos. Para permitir adequada circulação
No trabalho em equipe são adotadas técnicas de trabalho a quatro mãos sangüínea das pernas, é necessário sentar-se com flexão dos joelhos
(CD/THD + ACD) e técnicas de trabalho a seis mãos (CD/THD + ACD instrumentador
aproximadamente em 90o. Portanto, joelhos e cotovelos devem estar flexionados em
+ ACD preparador). Aspectos relacionados às posições do paciente, do operador e da
instrumentadora, bem como a apreensão e transferência dos instrumentos, isolamento cerca de 90o.
do campo operatório e comunicação profissional61 devem ser, pela sua importância, O ACD, para poder desempenhar adequadamente suas funções durante a
devidamente levados em conta. Vejamos, nos itens que se seguem, alguns desses instrumentação e ter completa visualização do campo operatório, deve sentar-se de 5
aspectos. a 10cm mais elevado que o operador, fazendo o apoio para os pés em plataforma ou
6.2.1 – Posição do Paciente aro do mocho.

Além do maior conforto para o paciente, a posição decúbito dorsal A iluminação deve ser perpendicular ao campo operatório. Se o operador
("deitada") permite a acomodação de sua língua para trás fechando a faringe. Ao posicionar-se de forma errada, haverá sombra sobre o campo operatório. O foco
fechar a entrada da faringe, dificulta-se a deglutição da água e de outros corpos luminoso perpendicular permite o uso da reflexão luminosa do espelho.
estranhos. Alguns autores referem que certos tipos de pacientes, como os
hipertensos, respiradores bucais, e mulheres na fase final da gestação podem

145
6.2.3 – Apreensão e Transferência de Instrumentos − de posse do instrumento recebido do operador, passa-o para a mão direita, com
esta, deposita-o na bandeja, no mesmo lugar de onde ele havia sido retirado.
O operador deverá apreender os diferentes instrumentos basicamente
através da apreensão digital em que são utilizados os dedos polegar, indicador e Assim, todas as trocas de instrumentos e oferecimento de materiais devem
médio ou através da apreensão dígito-palmar em que além dos dedos é utilizada a seguir passos estabelecidos de comum acordo entre operador e instrumentador.
palma da mão.
6.2.4 – Isolamento do Campo Operatório
Geralmente o operador utiliza a apreensão dígito-palmar para instrumentos
mais pesados e que requerem movimentos menos suaves como, por exemplo, os As técnicas de trabalho a quatro mãos permitem a utilização tanto do
instrumentos cirúrgicos: fórceps, elevadores etc. No restante dos instrumentos, a isolamento relativo com a aspiração e rolo de algodão, quanto do isolamento absoluto
apreensão é digital. com dique de borracha. A manutenção do campo operatório seco é atribuição do
ACD. Algumas recomendações devem ser seguidas:
O auxiliar utiliza a apreensão digital segurando o instrumento com os dedos
polegar, indicador e médio num ponto distinto daquele que vai ser tocado pelo − a ponta aspiradora deve ser empunhada com a mão direita como se fosse uma
operador. Por exemplo: lapiseira;

− sonda ou espelho: o auxiliar segura na extremidade oposta à parte ativa; − a saliva ou água acumulada na região retromolar deve ser retirada com
regularidade;
− pinça ou seringa tríplice: o auxiliar segura próximo à parte ativa;
− a aspiração deve ser feita de maneira descontínua para não sobrecarregar o
− fórceps ou tesoura: o instrumentador segura na parte média, sobre o parafuso. equipamento (compressor, bomba a vácuo, sugador portátil elétrico) e permitir que
a mão direita do auxiliar esteja livre para passagem de instrumentos;
A troca de instrumentos é um processo que deve ser coordenado e livre de
improvisações. O operador recebe o instrumento nos dedos de sua mão direita. O − a aspiração não deve interferir no ponto de trabalho do operador.
auxiliar entrega-o e recebe-o com os dedos de sua mão esquerda. Vejamos, por
23
exemplo, os passos a serem seguidos pelo instrumentador numa situação em que o 6.2.5 – Comunicação Profissional
operador está dispensando uma sonda e solicitando uma cureta clínica: Outro aspecto importante refere-se à comunicação entre operador e
− retira da bandeja com a mão direita o instrumento solicitado (a cureta); instrumentador, e entre o auxiliar-instrumentador e o auxiliar-preparador. Observa-se,
muitas vezes, a utilização de expressões inadequadas como por exemplo "brunidor
− transfere-o para a mão esquerda e fixa-o, entre os dedos polegar, indicador e ovo", "brunidor martelinho"... Ou ainda, expressões que podem causar fobias ou
médio, na extremidade oposta à que vai ser usada pelo operador; fantasias no paciente como, por exemplo, "ataque ácido", "explorador", "alavanca",
"injeção" etc. Outras vezes, a porção de cimento solicitada pelo instrumentador não é
− aproxima-o do campo operatório e paraleliza o instrumento que será entregue com suficiente ou o preparador não consegue identificar qual instrumento ou material foi
o instrumento que o operador está dispensando (a sonda); pedido.
− estende o dedo mínimo ou anular para receber o instrumento que o operador está Uma equipe de saúde bucal qualificada não deve permitir que tais
dispensando; situações ocorram, sem qualquer advertência, uma vez que certos pacientes podem-
− o operador sinaliza que está pronto para receber o instrumento do auxiliar, se impressionar e deterem-se a estes aspectos para avaliar todo o trabalho de uma
afastando do campo operatório a parte ativa do instrumento que está dispensando equipe.
fazendo apenas movimento dos dedos; A fim de evitar tais problemas, preconiza-se a utilização de nomenclatura
− o auxiliar toma este instrumento (a sonda), fixando-o fortemente com o dedo correta e única para cada instrumento ou material. Isso, além de demonstrar o grau de
anular e mínimo e entrega o instrumento pedido pelo operador (a cureta); qualificação da equipe, permite uma comunicação precisa entre os seus membros e
destes com fornecedores e almoxarifes para o suprimento da clínica odontológica.

146
6.3 – PREPARAÇÃO DE INSTRUMENTOS E MATERIAIS Outro aspecto importante para reduzir o tempo operatório é a afiação de
instrumentos periodontais: curetas e enxadas; e de instrumentos de dentística como,
As atividades de preparação de materiais e instrumentos na clínica são por exemplo, curetas de dentina e Hollenback.
atividades de apoio, exercidas por pessoal auxiliar antes, durante e depois do
atendimento de pacientes. Dentre elas podem-se destacar as seguintes: Alguns itens de uso na clínica odontológica necessitam ser previamente
preparados para facilitar a instrumentação e os procedimentos clínicos. Esses itens
− limpeza, desinfecção, acondicionamento e esterilização dos materiais e são confeccionados a partir de materiais fornecidos pela indústria de produtos para
instrumentos odontológicos; serviços de saúde. Dentre eles, pode-se destacar a preparação de:
− preparo de bandejas e mesas clínicas; − matrizes individuais para dentes decíduos e permanentes;
− manipulação de materiais forradores, restauradores e de moldagem; − lixas de acabamento de restaurações;
− afiação de instrumentos e preparação de materiais; − rolos de algodão;
− desinfecção de superfícies, canetas de alta e baixa-rotação, seringa tríplice, troca − bolinhas de algodão;
de pontas suctoras, limpeza da cadeira odontológica, descarte adequado de
materiais utilizados, acomodação e posicionamento do paciente na cadeira etc. − cunhas de madeira;
Essas atividades de preparação, quando bem-padronizadas, facilitam muito − fios de sutura;
o desempenho da equipe em sistemas de trabalho de alta cobertura, contribuindo
para a elevação da qualidade, eficácia e eficiência das ações, com conseqüente − tubetes com líquido de Dakin e/ou Tergentol-Furacin.
redução dos custos operacionais. 6.4 – SISTEMAS DE INFORMAÇÃO
A preparação de bandejas e mesas clínicas é tarefa de extrema importância. A ausência de registro de dados impede a geração de informações com
Cada procedimento odontológico exige instrumentos e materiais específicos. Além disso, conseqüentes dificuldades para a avaliação e a tomada de decisão. Em qualquer
alguns materiais e instrumentos são utilizados em praticamente todas as consultas atividade humana é fundamental o desenvolvimento de organização e métodos de
odontológicas. Por exemplo: instrumentos de exame clínico, materiais de isolamento trabalho. Do mesmo modo, em sistemas de trabalho de alta cobertura, o registro e
relativo, porta-algodão, porta-resíduo etc. São, portanto, de uso mais freqüente, enquanto análise das atividades clínicas e administrativas constituem aspecto indispensável e
outros são de uso eventual. Esse aspecto é particularmente importante para a definição do da maior importância.
acondicionamento e da localização no ambiente de trabalho.
Nesse sentido, devem-se desenvolver formas simples e precisas de
A racionalização e a padronização dos instrumentos e dos materiais é registro, que possam ser inclusive processadas com o uso da informática e da
aspecto básico de organização de um sistema de trabalho. É estabelecida em função computação, identificando adequadamente as variáveis clínicas e administrativas
da natureza das tarefas e seus passos, dos meios de esterilização, do tamanho da presentes na prestação de serviços odontológicos. Não basta, todavia, apenas coletar
equipe e do nível de atenção46. e agrupar dados. Para produzir informações úteis, é necessário aplicar métodos de
O auxiliar, tanto na função de preparador quanto na função de análise com o uso dos indicadores de avaliação existentes e de outros que venham a
instrumentador, deve dispor os materiais de forma ordenada, facilitando sua ser desenvolvidos.
visualização e localização para a seqüência de passos de cada procedimento. Do 6.5 – SUPRIMENTO E MANUTENÇÃO
mesmo modo, deve-se padronizar com critérios objetivos a manipulação dos materiais
forradores, restauradores e de moldagem tanto nos aspectos qualitativos, quanto nos Em sistemas de trabalho de alta-cobertura também é importante definir um
aspectos quantitativos. adequado sistema de suprimento e manutenção de materiais. A equipe de trabalho
deve estabelecer quando e como será verificada a quantidade de material permanente
e de consumo disponível no ambiente, como será providenciada sua reposição, a
conferência da validade e da qualidade do material, de modo a criar uma rotina fora

147
dos períodos de atendimento de pacientes, evitando atropelos, interrupções e No planejamento e organização das ações de assistência odontológica nos
reduzindo as improvisações apenas às circunstâncias em que isso, eventualmente, se múltiplos e variados sistemas locais de saúde que vêm constituindo-se no âmbito do
justifique. O mesmo deve acontecer em relação ao armazenamento e SUS, têm importante significado e relevância social a pesquisa e o desenvolvimento
acondicionamento dos materiais. Na administração pública deve-se ter especial de sistemas de trabalho que possam oferecer, como resultados, a extensão da
cuidado com o tempo de ressuprimento que varia de acordo com as características da cobertura, a elevação da qualidade, e a eficácia e eficiência das ações, com
estrutura organizacional e de descentralização administrativa. conseqüente redução dos custos operacionais.
Cabe destacar, também, a importância de criar uma rotina para as 9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
atividades de manutenção preventiva de equipamentos, o que facilita a identificação
1. ABRAMOWITZ, J. A four-year study of the utilization of dental assistants with expanded
de possíveis defeitos e a solicitação de um técnico em equipamentos odontológicos. functions. J. Am. Dent. Assoc. 87(9):623-35, 1973.
Em geral, são atividades de lubrificação, limpeza, desobstrução, observação quanto a 2. ALEX BUSTOS, L. et al. Evaluación de un modelo de atención odontologica simplificada.
aspectos do funcionamento etc.; organizadas com uma determinada periodicidade Valle Nonguen, Concepción, 1993. Rev. Fac. Odont. U. de Chile, 2(3):37-40, 1994.
(diária, semanal ou mensal), conforme indicação dos fabricantes. 3. ARNOLD, G.T.E.R. Extended duties of dental auxiliaries increase efficiency. Quintess. Int.,
1:65-72, 1970.
7 – A EQUIPE DE SAÚDE BUCAL 4. ARITA, E.S. et al. Um novo conceito de ensino e trabalho em odontologia: Desempenho
lógico. Rev. Assoc. Paul. Cirurg. Dent., 47(4):1105-10, 1993.
Dentre todos os aspectos tratados neste texto, o mais importante é, sem
5. BAIRD, K. M. et al. Employment of auxiliary clinical personnel in the Royal Canadian Dental
dúvida, o relativo à equipe de saúde bucal em que se destaca a preparação e o Corps. J. Canad. Dent. Assoc., 33: 184, 1967.
comportamento da equipe, tanto do ponto de vista da competência nos aspectos 6. BARROS, O. B. Ergonomia I: a eficiência ou rendimento e a filosofia correta de trabalho
científico-técnicos, quanto nos aspectos éticos do trabalho em saúde. em odontologia. São Paulo, Pancast, 1991.
7. BOYD, M.A. & DONALDSON, D. First experience with a performance simulation system. J.
No setor saúde, assim como nos demais setores de serviços da economia, Dent. Educ., 47(10): 666-70, 1983.
considera-se que condições de trabalho favoráveis nem sempre são suficientes para 8. CHASTEEN, J. E. Four-handed dentistry in clinical practice. Saint Louis, C. V. Mosby
assegurar os resultados esperados. Muitas vezes, observam-se equipes de saúde Company, 1978.
a
bucal produzindo melhores resultados do que outras e trabalhando em condições 9. CONFERÊNCIA ESTADUAL DE SAÚDE, 1 , São Paulo, 1991. Relatório-síntese: I –
inferiores. Financiamento do sistema de saúde. São Paulo, SES, 1991.
a
10. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL, 1 , Brasília, 1986. Relatório final. Brasília,
Ocorre que, sendo o fator humano componente essencial do setor de CD-MS, 1986.
serviços, a qualidade e a quantidade das ações desenvolvidas resultam da 11. CORDON, J. Consideraciones sobre simplificación en odontologia. Rev. Ceron 2(2):8, 1977.
participação e do comportamento tanto dos produtores diretos, quanto de 12. CORDON, J. & OLIVARES, H. S. Simplificación em odontologia. In: HERRERA, B. G.;
supervisores, de gestores e dos consumidores desses serviços. Dependem, portanto, ESCOBAR, A.; MENENDEZ, O. R. (org.). Prevención integral em odontologia:
Transcriciones del segundo curso internacional de CERON. Caracas, Ceron, 1981.
da combinação de diferentes aspectos relacionados ao processo de trabalho. Neste
13. CLOUTMAN, G.W. The problem of fatigue in dentistry. Brit. Dent. J. 114: 317-21, 1963.
aspecto, deve-se considerar que é necessário, de um lado, assegurar aos 14. CURRY,R.D. & CANNAVALE,L.F. Expanded functions training for dental assistants in the
trabalhadores remuneração e condições de trabalho adequadas e, de outro, qualificar Indian Health Service. J. Am. Dent. Assoc. 85(12): 1343-8, Dec, 1972.
a supervisão e democratizar a gestão. 15. DIAZ LOMBARDO, G.B. Dental care delivery in the State of Mexico. In: INGLE, J.I.; BLAIR,
P. Internation dental care delivery systems. Cambridge, Mass Balinger, 1978. p. 61-68.
8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 16. DEVILLEE et al. Essai d’approche sur les principaus facteurs de fadigue liés au peste de
Os sistemas de trabalho de alta cobertura, à semelhança de qualquer travail en chirurgie dentaire. Arch. Mal. Prof., 30:423-4, 1969.
17. DISTRITO FEDERAL (Brasil). Secretaria de Educação e Cultura. Fundação Educacional.
produção humana, permitem múltiplas formas de utilização e transferência de suas
Programa Integrado de Saúde Escolar – PISE. Brasília, GDF/SEC,1983.
tecnologias, com diferentes finalidades e em distintos contextos. Nesse sentido, não 18. ECCLES, J.D. & POWELL, M. The health of dentists. Brit. Dent. J., 123:379-87, 1967.
devem ser tomados como panacéia ou um fim em si mesmo, mas como mais uma
19. ENCONTRO CIENTÍFICO DOS ESTUDANTES DE ODONTOLOGIA, 5o, Curitiba, 1984.
tecnologia disponível, viável e adequada aos requerimentos do SUS. Por suas Clínicas modulares nas cidades de Araucária e Curitiba – Paraná. Curitiba, julho de
características podem, a depender do uso que delas se faça, contribuir efetivamente 1984.
para tornar a saúde bucal um bem público em nosso país.

148
20. FERREIRA, R. C. Sistemas simplificados de espaço físico. Belo Horizonte, PUC- 45. MARQUART, E. Os conceitos ergonômicos básicos do trabalho e equipamento
MG/FINEP, 1985. odontológicos: vantagens e desvantagens de cada um. Rev. Quintessência, 2(2): 47-67,
21. FIGLIOLI, M. D. & PORTO, F. A. Posições de trabalho para o cirurgião-dentista e auxiliar. 1977.
Odont. Moderno, 19(3):14-20, 1992. 46. MEIRA, A.J. Modelo de atenção odontológica simplificada a escolares. Belo Horizonte,
22. FIGUEIREDO, W. Módulo odontológico. São Paulo, SHS, 1984. SES/FINEP/PUC-MG, 1985.
23. FRAZÃO, P. Manual de normas técnicas da equipe de saúde bucal. Embu, 1987. 47. MENDES, E.V. & MARCOS, B. Odontologia integral: bases teóricas e suas implicações
24. FRAZÃO, P. et al. Ambientes de trabalho odontológico na perspectiva do Sistema Único de no ensino e na pesquisa odontológicas. Belo Horizonte, PUC-MG/FINEP, 1984.
Saúde. Divulgação em Saúde para Debate, 10: 21-28, 1995. 48. MÉXICO (Estado). Secretaria de Salubridade e asistencia. Programa de atención
25. FOX, J.G. & JONES, J.M. Occupational stress in dental practice. Brit. Dent. J., 123:465-73, odontopediátrica urbano y rural para el Estado del México. Rev. Alafo 11(2):99-108, 1976.
1967. 49. MINAS GERAIS, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA. Departamento de Odontologia.
26. GONZALEZ, C. C. Projeto do ambiente odontológico do PAM Joaquim Antonio Eirado. São Plantas baixas de módulos odontológicos. Belo Horizonte, 1981.
Paulo, 1992. 50. NARVAI, P. C. Clínica odontológica modular do Centro de Saúde-Escola "Geraldo de Paula
27. GONZALEZ, C. C. Projeto do ambiente odontológico do PAM Parque Novo Mundo I. São Souza": Projeto. São Paulo, SES, 1985.
Paulo, 1992. 51. NARVAI, P.C. Características físicas de ambientes de trabalho odontológico para
28. GREEN, E.J. & BRAUN, M.E. Body mechanics applied to the practice of dentistry. J. Amer. equipe de saúde bucal: clínicas modulares. (Apresentado em seminário da Coordenação
Dent. Assoc., 67:679-97, 1963. do Programa Metropolitano de Saúde e Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da
29. GREEN, E.S. & LYNAM, W.A. Work simplification: an application to dentistry. J. Amer. Dent. Saúde. São Paulo, 29/01/1986).
Assoc., 57:242-52, 1958. 52. NARVAI, P.C. Assistência odontológica e clínicas modulares. (Apresentado no curso de
30. HAMMONS, P.E. & JAMISON, H.C. Expanded functions for dental auxiliares. J. Am. Dent. atualização para cirurgiões-dentistas sanitaristas inspetores na Coordenadoria de Saúde da
Assoc., 75(9):658-72, 1967. Comunidade da Secretaria de Estado da Saúde. São Paulo, 12/O5/1986).
31. HAMULA, W. Orthodontic office design. Operatory central islands. J. Clin. Orthod., 53. NARVAI, P.C. et al. Contra o técnico em higiene dental. Rev Saúde em Debate, 28:59-65,
23(6):415-9, 1989. 1990.
32. HERRERA, B. G. Comunicação pessoal. Março de 1986. 54. NOGUEIRA, D.P. Riscos ocupacionais de dentistas e sua prevenção. Rev. Bras. Saúde
33. HERRERA, B.G. et alii. Un nuevo sistema de atención odontológica. Rev. Ven. Odont., Ocup., 11:16-24, 1983.
38(2):30, 1974. 55. OLIVARES,H.S. Transformación en la produción del servicios odontologicos en la America
34. HERRERA, B.G. et alii. Un nuevo sistema de atención odontológica, continuación. Rev. Ven. Latina. Rev. Ceron, 6(1):17-21, 1981.
Odont., 38(3):12, 1974. 56. OLIVARES, H.S. Sistemas modulares simplificados para la atención estomatologica. Rev.
35. HERRERA, B.G. Sistema de atención odontológica integral del niño. El concepto de Ceron 7(2):29-37, 1982.
sistema seis y de simplificación en odontologia. Washington, OMS-OPS:Doc 14, 1984. 57. PEREIRA, S. Tecnologia apropriada em odontologia: problemas e soluções. Rev. Ceron
36. HUESCA, V. R. et alii. Hospital estomatologico – UNITEC. Rev. Ceron 6(1):37-41, 1981. 6(1):23-31, 1981.
37. JACKSON, G. et alii. El concepto de la "simplificacion" aplicado a un modelo de practica 58. PEREIRA, S. Ampliação da assistência odontológica no Serviço Social do Comércio: ante-
privada de odontopediatria. Rev. Ceron, 6(2):07-12, 1981. projeto. Brasília, 1982.
38. KLEIN, H. Civilian dentistry in war-time. J. Am. Dent. Assoc. 31(9):648-61, 1944. 59. PINTO, V.G. Saúde bucal no Brasil. Rev. Saúde Pública, 17(4):316-27, 1983.
39. KILPATRICK, H.C. Work simplification in dental practice. Philadelphia, W.B.Saunders, 60. PINTO, V.G. Saúde bucal: Odontologia social e preventiva. São Paulo, Ed. Santos, 1989.
1974. p.33-59. Applied time and motion studies. 61. ROBINSON, G. E. Manual de odontologia a cuatro manos. Alabama, Documento HP/DH
40. KIMMEL, K.E. Trends in dental working methods. Training and equipment in the limelight. 36-OPS, 1974.
Quintes. Int. 1(12):69-76, 1970. 62. ROSA, A.G.F. et al. Programa de reorientação do atendimento odontológico com ênfase na
41. KIMMEL, K. & WALKER, R.O. Practising dentistry ergonomic guidelines for the future. prevenção. RGO, 40(2):110-4, 1992.
Chicago, Quintessence Books, 1972. 63. REDE CEDROS, GT-SAÚDE BUCAL EM SILOS. O que fazer nos municípios ? Rio de
42. LAW, F. E. et al. Studies on dental care services for school children; third and fourth Janeiro, Cadernos de Saúde Bucal, 1992.
treatment series. Public Health Rep., 70(4):402-8, Apr, 1955. 64. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Habitação. Companhia de Desenvolvimento
43. LOTZKAR, S. et al. Experimental program in expanded functions for dental assistants: phase Habitacional. Módulo odontológico de unidade básica de saúde do programa metropolitano
3 experiment with dental team. J. Am. Dent. Assoc., 82:1067-81, 1971. de saúde. São Paulo, SES, 1985.
44. LUDWICK,W.E. et al. Greater utilization of dental technicians. 1-Report of training 2- 65. SÃO PAULO, (Município). Secretaria da Saúde. Tecnologia de atendimento na assistência
Report of clinical tests. Great Lakes, US Naval Training Center, 1963-64. odontológica. In: SÃO PAULO (Município). Secretaria da Saúde. Manual de formação de
Técnico em Higiene Dental. São Paulo, CEFOR, 1992.
66. SCHON, F. Teamwork in the dental practice. Chicago, Quintessence Books, 1972.

149
67. SIMON, W.J. The Lousiville experiment. Dental Survey, 55(7):21-33, 1979.
68. THOMPSON, E.O. Clinical application of the washed technic in dentistry. J. Am. Dent.
Assoc., 51:703-13, 1955.
69. Um paciente muito paciente. Rev. Odonto 1(2):50-2, 1991.
70. UNITED KINGDOM. GENERAL DENTAL COUNCIL. Final report on the experimental
scheme for the training and employment of dental auxiliares. London, Ballantyne and Co
Ltd., 1966.
71. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Faculdade de Odontologia. Planta
baixa do módulo de odontologia comunitária. Porto Alegre, DOSP, 1986.
72. VIANNA, R.B.C. & ARITA, E.S. Desempenho lógico. Rev. Bras. Odont. 46(4):27-31, 1989.
73. VIEGAS, A.R. Situação de saúde bucal no Estado de São Paulo. (Apresentado na 1ª
Conferência Estadual de Saúde Bucal. São Paulo, setembro de 1986).
74. WATERMAN, G. E. & KNUTSON, J.W. Studies on dental care services for school children;
third and fourth treatment series. Public Health Rep. 69(3):247-54, 1954.
75. WOLFSON, E. Four-handed dentistry for dentists and assistants. Saint Louis, C.V. Mosby,
1974.

150
(a)
VIGILÂNCIA SANITÁRIA E SAÚDE BUCAL 2. VIGILÂNCIA SANITÁRIA

Paulo Capel Narvai


(b) Vigilância Sanitária pode ser conceituada como um sistema permanente de
ações articuladas, instituído e mantido pelo Poder Público, orientado à redução,
e se possível eliminação, dos riscos à saúde produzidos no meio-ambiente e
nos ambientes de trabalho, decorrentes dos processos de produção,
distribuição e consumo de bens e serviços de qualquer natureza. Evidentemente,
1. INTRODUÇÃO esta é apenas uma das muitas maneiras de conceituar esta expressão. Observa-se
Vários produtos relacionados à saúde bucal e ao trabalho odontológico entretanto que, seja qual for o conceito de Vigilância Sanitária, os formuladores
mobilizam diariamente milhares de trabalhadores. Produzir, distribuir, divulgar, concordam sempre quanto ao papel nuclear que cabe ao Estado nessa área. Com
comprar, vender compõem uma complexa rede de relações envolvendo, entre outros efeito, na própria Constituição da República (Brasil, 1988) encontra-se no parágrafo II
aspectos, a qualidade de diferentes bens e serviços e os riscos a que se submetem do artigo 200 que compete ao Sistema Único de Saúde “executar as ações de
seus produtores e consumidores. Melhorar a qualidade desses bens e serviços vigilância sanitária (...)”. Em decorrência, ao se referir às ações de Vigilância Sanitária,
constitui um permanente desafio aos produtores. Assegurar qualidade aos produtos as normas legais brasileiras o fazem reafirmando esse papel central do Estado.
diminuindo ao máximo ou, se possível, eliminando os riscos à saúde de produtores e Além do parágrafo II, em outros parágrafos do mesmo artigo 200 da
consumidores deve ser um objetivo comum dos produtores e dos órgãos de Estado. Constituição aparecem outras competências do SUS relacionadas diretamente às
Proteger a saúde de todos os envolvidos nesses processos é um dever da sociedade; ações de vigilância sanitária: “controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e
portanto, uma obrigação do poder público, vale dizer do Estado, através de ações de substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos,
vigilância sanitária. equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos” (§ I); “participar da
Nascimento (1998) considera, entretanto, que hoje no Brasil o sistema de formulação da política e da execução das ações de saneamento básico” (§ IV);
vigilância sanitária “se caracteriza por uma ação meramente cartorial (centrada “fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional,
fundamentalmente no registro de produtos), que demonstra um poder fiscalizatório bem como bebidas e águas para consumo humano” (§ VI); “participar do controle e
frágil, marcado pela incapacidade de coerção do Estado [resultado] de uma política fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos
implementada de forma consciente e planejada nos últimos anos, caracterizada por psicoativos, tóxicos e radioativos” (§ VII); “colaborar na proteção do meio ambiente,
sucessivos cortes de investimento na vigilância, na falta de estímulo aos profissionais nele compreendido o do trabalho” (§ VIII).
do setor e no desaparelhamento dos órgãos públicos .” A Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal 8.080, de 19/09/1990) define Vigilância
Sanitária (artigo 6º, XI, 1º) como “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio
ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse
da saúde”.
__________________ Em São Paulo, a Constituição do Estado de São Paulo afirma, no artigo 223
(a) Texto de Apoio ao desenvolvimento de atividades didáticas do Curso de que “compete ao Sistema Único de Saúde, nos termos da lei, (...) a identificação e o
Especialização em Vigilância Sanitária da Faculdade de Saúde Pública da controle dos fatores determinantes e condicionantes da saúde individual e coletiva,
Universidade de São Paulo. Versão preliminar de setembro de 1998. mediante, especialmente ações referentes à: a) vigilância sanitária (...)”. A Lei
Complementar nº 791/95, de 09/03/1995, estabelece o Código de Saúde no Estado e
(b) Cirurgião-Dentista Sanitarista, Professor Doutor do Departamento de Prática de expressa (artigo 56) que “pela interdependência do seu conteúdo e do
Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. desenvolvimento de suas ações, a vigilância sanitária (...) [implica] compromisso
Av. Dr. Arnaldo, 715 - CEP 01246-904 - São Paulo, SP. solidário do Poder Público, do setor privado e da sociedade em geral na proteção e
Tel: 011-3066-7782 - Fax: 011-883-3501 – E-mail: pcnarvai@usp.br defesa da qualidade de vida” e ainda que (artigo 15 e outros) compete “à direção
estadual do SUS (...) colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de

151
portos, aeroportos e fronteiras (...); acompanhar, avaliar e divulgar os indicadores de 3.1. Estabelecimentos Odontológicos
morbidade, mortalidade e condições de risco ou agravo à saúde (...); estabelecer
normas para o controle e a avaliação das ações e dos serviços de saúde, incluindo Os ambientes (clínicas, consultórios e laboratórios) e os processos de
normas técnicas especiais de vigilância sanitária e vigilância epidemiológica [e] trabalho odontológico apresentam riscos, de natureza física, química e biológica, aos
coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços de (...) vigilância que freqüentam tais ambientes e aos que nele trabalham. Não se trata, aqui, de
sanitária (...) em articulação e integração com outros setores, dentre os quais os de abordar detalhadamente esses aspectos bem como as medidas de proteção mas,
saneamento básico, energia, planejamento urbano, obras públicas, agricultura e meio apenas, destacar a título de exemplo alguns desses aspectos, sobretudo aqueles
ambiente (...)”. mais diretamente relacionados à prática de vigilância sanitária. Mais e melhores
informações podem ser encontrados facilmente na literatura técnico-científica
pertinente.
3. VIGILÂNCIA SANITÁRIA E SAÚDE BUCAL
Segundo Narvai (1996) na área de saúde bucal “predominava no Brasil, até RISCOS FÍSICOS
recentemente, um enfoque bastante limitado para as ações de vigilância sanitária. As
atividades nessa área estiveram restritas, basicamente, à tradicional “fiscalização do Os ruídos no ambiente de trabalho podem causar danos ao aparelho
exercício profissional” com a ênfase colocada nos estabelecimentos de prestação de auditivo, comprometendo a saúde. Isso acontece quando os sons ultrapassam,
serviços odontológicos e, mais especificamente, nos aspectos relacionados à contínua ou intermitentemente, durante 8 horas seguidas, o limite de 85 (oitenta e
utilização de radiações ionizantes. A partir do início dos anos 80, coincidindo com a cinco) decibéis (dB). As peças-de-mão de alta rotação (“canetas de alta-rotação”)
ampliação dos espaços democráticos no país e com a realização de eventos técnico- operam, de modo geral, emitindo sons abaixo mas próximos desse limite. Ainda que
científicos reunindo profissionais da área com atuação nos serviços públicos, observa- os fabricantes assegurem que seus produtos são “seguros” e os ruídos estejam
se a inclusão de novos temas nas pautas de debates. A própria consolidação da aquém dos 70 dB, é necessário testá-los periodicamente (pelo menos a cada 6
estratégia de fluoretação das águas de abastecimento público para prevenção da meses). Elisabetsky (1991) alerta que o som da turbina de alta-rotação está “entre os
cárie dentária passou a estimular discussões acerca dos aspectos de vigilância 22 tipos de trauma sonoro que podem provocar zumbido (um ruído intermitente, como
sanitária requeridos por essa medida. Por outro lado, aspectos relacionados à o de uma cigarra) ou hipoacusia (surdez).” Testes de audiometria “devem ser feitos
qualidade de produtos, tanto os de uso profissional quanto os de uso doméstico, uma vez por ano” e, para prevenir complicações, dentistas devem usar protetor
começaram a ser objeto de maior preocupação por parte dos profissionais de saúde auricular, principalmente no ouvido direito, o lado onde as lesões são mais
pública. As ações de vigilância sanitária em saúde bucal começavam a ter seu foco de prevalentes. Num estudo realizado com 1.088 cirurgiões-dentistas do município de
atenção deslocado do consultório odontológico para o ambiente, considerado em São Paulo (Cerri, 1991), observou que 10,6% dos homens e 9,8% das mulheres
sentido amplo. Ainda que a atuação continuasse restrita, pelo menos o debate teórico referiram “distúrbios auditivos” constatados por “diagnóstico médico”. Lubrificar
se abria às novas questões e as discussões passaram a contemplar também aspectos adequadamente esses instrumentos contribui para diminuir a emissão sonora.
relativos ao ambiente (água), produtos de uso profissional (mercúrio e outros) e Compressores devem ser instalados preferentemente fora da sala de atendimento.
produtos de uso doméstico (pastas de dentes e escovas dentárias, por exemplo). Mas Quando não há alternativa, o isolamento acústico é indispensável.
a prática da vigilância sanitária continuava centrada no consultório odontológico. Essa Mas o principal risco físico nos ambientes de trabalho odontológico são os
situação seria alterada no final dos anos 80 com a organização do sistema de raios X, energia radiante que se propaga no espaço na forma eletromagnética. A
vigilância sanitária da fluoretação das águas de abastecimento público no Município radiação X é ionizante, ou seja, é capaz de ionizar o meio propagador. A ionização,
de São Paulo (início formal de operações a partir de janeiro de 1990) e com o processo pelo qual o átomo ou molécula eletricamente neutro transforma-se em íon
aparecimento, em nível federal, de normas relativas à produção e comercialização de carregado, é motivo de permanente preocupação entre os trabalhadores da saúde –
dentifrícios e colutórios (1989).” seja a prevenção por parte dos clínicos conscientes, seja a educação dos clínicos por
No âmbito da saúde bucal coletiva e da área de atuação odontológica, as parte dos profissionais de vigilância sanitária.
ações de Vigilância Sanitária abrangem três dimensões: os estabelecimentos de Estima-se que em 1996 havia cerca de 20 mil aparelhos de raios X, de uso
prestação de serviços odontológicos, os produtos para higiene bucal, e os alimentos e médico e odontológico, em operação na cidade de São Paulo. Segundo o Centro de
bebidas. Vigilância Sanitária do Estado, um levantamento por amostragem realizado na época

152
revelou que 22% dos ambientes apresentavam irregularidades e que 25% desses mercúrio, inodoro e incolor, é absorvido principalmente pela via pulmonar. Parte do
equipamentos mostravam diferentes tipos de problemas. Em São Paulo a Resolução mercúrio absorvido é eliminado pela urina em até 58 dias; parte se acumula no
nº 625/94, da Secretaria de Estado da Saúde, estabelece as normas relativas ao uso organismo. Pequenos derramamentos, às vezes imperceptíveis ao manipulador,
de equipamento radiológicos, abrangendo basicamente aspectos de instalação, fazem com que o produto se infiltre em frestas, reentrâncias do piso e nas roupas.
operação e proteção de pacientes e operadores. São bastante conhecidos os efeitos Assim, sua presença no ar nos ambientes de trabalho odontológico significa ameaça
danosos ao organismo humano produzidos por raios X. Dose e tempo de exposição permanente. Daí a recomendação de monitorização ambiental. O limite tolerável de
3
são decisivos, podendo destruir e alterar geneticamente as células. mercúrio nos ambientes de trabalho é 0,05 mg/m . Proporcionar adequada ventilação
aos ambientes é fundamental: aparelhos de ar condicionado, ou pelo menos um
Paredes e portas devem ser revestidas com placas de chumbo com circulador, devem ser empregados sempre que necessário.
espessura variável em conformidade com a potência e a freqüência de uso diário do
aparelho. Em ambientes convencionais de trabalho odontológico, dada a baixa Os riscos para os portadores de restaurações dentárias com amálgama de
potência do aparelho de raios X geralmente empregado, não é necessária a prata, cuja presença de mercúrio permitiria a lenta liberação desse metal ao longo do
blindagem das paredes e portas, excetuando-se paredes divisórias de madeira. A tempo, não têm sido cientificamente comprovados. Há registro de casos clínicos onde
radiação de fuga é uma das principais preocupações quanto à segurança no uso alterações neurológicas e complicações psicológicas foram atribuídas à presença de
desses aparelhos: a abertura do diafragma deve estar adequada à função de modo a restaurações de amálgama. Entretanto, os argumentos apresentados nos estudos que
evitar possíveis vazamentos. Pacientes, sobretudo gestantes, devem utilizar avental estabelecem tais associações não foram suficientes para a aceitação dessa tese, em
especial (0,5 mm de chumbo, sem dobrar) cuja área de proteção inclui, tanto para termos científicos, nos meios odontológico e de vigilância sanitária. A Food and Drug
mulheres quanto para os homens, a região das gônadas. Essa proteção deve Administration (FDA), ligada ao governo dos Estados Unidos e o Council on Dental
abranger também a região cervical, onde se localiza a tireóide. Em termos práticos, o Materials, Instruments and Equipament, da ADA – American Dental Association,
avental deve ter 75 cm X 60 cm, e ir da mandíbula ao terço médio das coxas. Garcez sustentam que o amálgama não provoca danos aos pacientes. Segundo a Federação
Filho et al (1990) relatam que 49% dos dentistas de Aracaju-SE declararam utilizar Dentária Internacional, entidade que congrega em nível mundial as associações
esse tipo de protetor, contra 56% na cidade de São Paulo-SP e 15% em João Pessoa- odontológicas nacionais e desde 1963 ligada à ISO – Organização Internacional de
PB (Felix, 1981). Quando se tratava de utilizar o avental em gestantes, 30% Normas e Padrões, pode-se afirmar, com base na experiência clínica de
declararam não fazê-lo em Aracaju, 25% na cidade de São Paulo e 85% em João aproximadamente 150 anos, que o amálgama é inócuo para o paciente, excetuando-
Pessoa. se raríssimos casos de sensibilidade individual a um ou mais de seus componentes.
Para os profissionais de odontologia que não operam sistematicamente Para os manipuladores de mercúrio, entretanto, os riscos são muito bem
aparelhos de raios X o dosímetro individual não é obrigatório; mesmo assim seu uso definidos e as conseqüências razoavelmente conhecidas, suficientes para consolidar
vem sendo recomendado. uma série de recomendações e controles. O comprometimento do sistema nervoso
central é grave, irreversível e, algumas vezes, fatal. O limite de tolerância biológica é
RISCOS QUÍMICOS 50 microgramas de mercúrio por litro de urina.

Amálgama de prata é o material mais conhecido e utilizado na prática Com relação ao meio-ambiente, argumenta-se basicamente que a remoção
odontológica para restaurar dentes. Esse material é obtido triturando-se limalha de de restaurações de amálgama faz com que o mercúrio seja liberado no ambiente.
prata com mercúrio metálico – cuja presença é objeto de inúmeras controvérsias. O Também a cremação de corpos de portadores desse tipo de restauração dentária
mercúrio é um metal não essencial e potencialmente tóxico, representando liberaria no ambiente quantidades indesejáveis de mercúrio. Cabe registrar,
comprovado risco aos que o manipulam e ao meio-ambiente. Embora não entretanto, que segundo a ADA e a FDA, o consumo de mercúrio no âmbito
comprovado, admite-se alguma possibilidade de risco também aos indivíduos que o odontológico corresponde a apenas 3% do seu uso geral. Isso não diminui a
têm fixado a tecidos de suporte (esmalte dentário, dentina e cemento). necessidade de se utilizar o mercúrio de modo responsável na prática odontológica,
levando em conta seu impacto ambiental. Mas dimensiona adequadamente o que
Uma das características do mercúrio metálico é sua volatilidade à esse uso representa num contexto mais geral.
o
temperatura ambiente (a partir de 20 C). A volatilidade aumenta com o aumento da
o
temperatura: aos 50 C chega a aumentar em até 8 vezes (Warfvinge, 1995). Vapor de

153
RISCOS BIOLÓGICOS São Paulo (n = 1.088 cirurgiões-dentistas) e que, em média, a sorologia é positiva
para hepatite em 14% dos cirurgiões-dentistas (38% entre os especialistas em
Os equipamentos, instrumentos e materiais utilizados na prática clínica cirurgia). A probabilidade de dentistas contraírem hepatite é de 3 a 5 vezes maior que
oferecem riscos, sobretudo os perfuro-cortantes (agulhas, lâminas de bisturi, brocas, a da população em geral. As picadas acidentais com agulhas contaminadas são a
pontas diamantadas, curetas, fórceps, limas endodônticas, dentre outros). Após o uso, principal via de contaminação. A taxa de mortalidade para a hepatite A situa-se em
recomenda-se: a) equipamentos – friccionar com álcool a 70%, por 30 segundos, as torno de 0,2%; para a hepatite B é de cerca de 1,0%
superfícies metálicas e aplicar hipoclorito de sódio a 0,5%, ou glutaraldeído, em
superfícies não metálicas; b) instrumentos – devem ser colocados em recipiente com O risco de infecção pelo HIV decorrente de acidentes de trabalho envolvendo
desincrostante ou em glutaraldeído a 2% por 30 minutos. Os perfuro-cortantes devem a exposição a sangue e fluidos orgânicos está estimado em menos de 0,3%, variando
ser sempre recolhidos em recipientes rígidos (latas ou garrafas plásticas, p.ex.), segundo o tipo de exposição (é maior nos acidentes com exposição percutânea
contendo solução desinfetante (hipoclorito de sódio a 0,5%, p.ex.); c) materiais – envolvendo instrumentos perfuro-cortantes). Após acidentes, recomenda-se promover
gaze, algodão e outros contendo sangue e secreções devem ser desprezados em ordenha do local ferido provocando sangramento prolongado e lavar com substância
invólucro próprio ou em cuba-rim até o descarte. É usual classificar os materiais e desinfetante (água oxigenada, álcool ou hipoclorito de sódio). É imprescindível o
instrumentos de uso clínico em 3 categorias: materiais críticos (penetram nos tecidos acompanhamento clínico e sorológico, com testes na 6ª e na 12ª semanas, e aos 6
– agulhas, curetas, cinzéis, lâminas de bisturi etc.); materiais semicríticos (não meses da ocorrência. Para Jitomirski & Lins (1994), “o contágio profissional não é
penetram nos tecidos mas tocam na saliva e, eventualmente, no sangue – porta- freqüente, pois os índices de soropositividade entre os cirurgiões-dentistas são
amálgama, brocas, espátulas, matrizes, discos, moldeiras, instrumentos de menores do que na população em geral.” Há farta literatura, de fácil acesso, sobre
restauração, seringas, peças-de-mão de alta e baixa rotação etc.); e, materiais não procedimentos de biossegurança.
críticos (não penetram nos tecidos e não tocam na saliva ou sangue podendo,
entretanto, ser contaminados por eles através das mãos do operador ou instrumentos A endocardite infecciosa, decorrente de bacteremia proveniente da microflora
e materiais – componentes dos equipamentos como cuspideira, bandeja e refletor, bucal, tem sido objeto de crescente interesse e numerosos estudos nas últimas
aparelhos de raios X, armários, torneiras etc.). décadas. Trata-se de patologia relativamente rara mas de evolução algumas vezes
fatal, acometendo principalmente pacientes com alterações cardíacas (congênitas,
Em inquérito realizado junto a cirurgiões-dentistas em atividade na cidade de reumáticas, cirúrgicas, valvulares e sopro). O principal microorganismo envolvido é o
Belo Horizonte-MG, CAMPOS (1988-89) observou que “5,17% dos entrevistados Streptococco do grupo viridans (S.sanguis, S.mitior e S.mutans). Estima-se (Smith &
[informaram que] apenas lavam o instrumental clínico” antes de tornar a utilizá-lo. Adams, 1993) que 1 em cada 8 casos de endocardite infecciosa seja conseqüência de
tratamento odontológico em pacientes de risco. Cirurgias e curetagens periodontais e
Golegã e Tellini (1992) afirmam que “o cirurgião-dentista trabalha na boca do periapicais e exodontias são procedimentos associados à endocardite infecciosa.
paciente e muito próximo deste, expondo-se assim aos microorganismos presentes na Além de antissépticos e antibióticos, a manutenção de dentes e gengivas saudáveis
flora bucal e às gotículas de respiração. Por outro lado, muitos instrumentos, materiais se combina aos cuidados profissionais com as normas de biossegurança na
e mesmo os dedos do profissional são colocados e retirados constantemente da área prevenção do problema.
de trabalho.” Citando Calmes e Lillich, aqueles autores abordam o problema da
infecção cruzada, destacando as 4 vias em que pode ocorrer nos ambientes de Quanto aos equipamentos de proteção individual, como luvas, óculos de
trabalho odontológico: 1) de paciente para o pessoal odontológico; 2) do pessoal proteção e máscaras é notável a mudança de comportamento dos profissionais de
odontológico para o paciente; 3) de paciente para paciente, através do pessoal odontologia nos últimos anos. Mas persistem ainda grandes dificuldades para
odontológico; e, 4) de paciente para paciente, através de instrumental, material e generalizar práticas de biossegurança. Hellgren (1994) relata que na Suécia 76% dos
equipamentos. cirurgiões-dentistas do serviço público utilizavam luvas para todos os pacientes contra
29% do setor privado. Chenoweth et al (1990) referem que nos Estados Unidos 86%
As hepatites B e C e a síndrome da imunodeficiência humana adquirida são dos dentistas usavam luvas; 46% usavam máscaras; e 78% utilizavam óculos de
a principal preocupação, dentre tantas outras. Segundo o Ministério da Saúde, o risco proteção. Em Ribeirão Preto-SP (Saquy et al, 1990) consultaram cirurgiões-dentistas
de infecção pelo vírus da hepatite B, após exposição acidental a sangue ou a fluidos (n = 100) sobre uso rotineiro de luvas: apenas 14% declararam utilizá-la. Cerri (1991)
orgânicos contaminados, é estimado entre 5 e 43%. Para o vírus da hepatite C não é refere que, entre dentistas em atividade na cidade de São Paulo (n = 1.088), 49%
possível, ainda, determinar a magnitude do risco. Cerri (1991) refere que 7,9% dos
homens e 2,9% das mulheres informaram ter recebido diagnóstico de hepatite, em

154
declararam usar luvas; 80% máscaras; 19% óculos protetores. O conjunto 3.2. Produtos para Higiene Bucal
gorro+máscara+óculos+luvas correspondeu a apenas 11% dos profissionais.
Os produtos básicos para higiene bucal são a escova dental, o dentifrício e o
Ainda no plano dos riscos biológicos, merece destaque o comprometimento fio ou a fita dental. Colutórios e escovas especiais para próteses dentárias também
de certas áreas e funções, decorrentes de posições e movimentos de trabalho podem estar incluídos nesse conjunto, dependendo de condições individuais.
odontológico. A repetição de movimentos, o uso da força muscular sob controle fino
no emprego de instrumentos, e a manutenção de posturas inadequadas na realização ESCOVAS DENTAIS
dos procedimentos têm conseqüências extremamente danosas. A tendinite, a
periartrite escápulo-umeral, a bursite, a escoliose, as hérnias de disco, as conjuntivites Estima-se que em 1996 o consumo de escovas dentais atingiu, no Brasil, a
e as varizes são apenas algumas dessas alterações patológicas de importante proporção de 0,8 escova por habitante/ano. A tendência é de aumento no consumo se
significado. Cerri (1991) registrou “lombalgia” como o principal problema ocupacional considerarmos que em meados dos anos 80 essa proporção era de 0,5
entre dentistas paulistanos, em termos proporcionais (mulheres = 35%; homens = escova/habitante/ano. Um aumento expressivo no período de uma década. Em 1987
24%; n = 1.088). Há consenso quanto ao significativo papel desempenhado pelas foram vendidas 75 milhões de unidades, correspondendo a um faturamento de cerca
LER-DORT (lesões por esforços repetitivos – doenças osteo-musculares relacionadas de 50 milhões de dólares.
ao trabalho) no desgaste do profissional. A norma brasileira sobre escovas dentais é a Portaria 89/96. Os principais
As questões relacionadas ao ambiente e aos processos de trabalho aspectos de interesse à Vigilância Sanitária se relacionam com as cerdas, que não
odontológico vem adquirindo importância crescente a ponto de o Conselho Federal de devem apresentar dilacerações nem achatamentos e cujas extremidades devem ser
Odontologia aprovar normas sobre o assunto. Em 1993, a Resolução CFO-186 arredondadas e estar no mesmo plano.
estabeleceu exigências quanto ao ambiente e aos recursos materiais, humanos e Além dessas características, segundo Bass (1948), as escovas devem ter
tecnológicos, a serem cumpridos pelas “entidades prestadoras de serviços cerdas macias (nylon, com 0,18 mm de diâmetro e 10,3 mm de altura), cabo reto e
odontológico”. As condições mínimas para as instalações são: i) paredes revestidas plano com 152,4 mm de comprimento e 11,1 mm de largura, e 3 fileiras transversais e
ou pintadas até o mínimo de 2 (dois) metros de altura, com material liso e 6 longitudinais de cerdas contidas em tufos regularmente espaçados contendo, cada
impermeável; ii) piso liso e impermeável; iii) ter lavabo com água corrente nas salas um, de 80 a 86 filamentos de cerdas. Lesões gengivais e desgastes nas regiões
operatórias; iv) quando o serviço se utilizar de aparelhos de radio-diagnóstico, as cervicais das coroas dentárias são as conseqüências do uso de produtos
dependências onde os mesmos estiverem instalados deverão obedecer as normas inadequados.
municipais, estaduais e federais de vigilância sanitária; vi) iluminação e ventilação
adequadas. Sobre materiais a Resolução do CFO exige: i) materiais de proteção para Avaliação feita em 1996 pelo IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do
a equipe de saúde, compatíveis com a proposta da especialidade a que se propuser, Consumidor reprovou 5 de 22 escovas de dentes comercializadas em São Paulo,
capazes de assegurar total proteção, tanto aos profissionais da equipe de saúde cujas cerdas foram consideradas “inaceitáveis”. Em outra pesquisa, baseada nos
quanto aos pacientes, como: avental, gorro, máscara, luvas e outros; ii) material de critérios de Bass (1948), todas as escovas analisadas foram reprovadas (Clinics,
consumo adequado ao bom desempenho da proposta do serviço a ser executado, e 1996).
que esteja dentro das normas e padrões atualmente aceitos. Os recursos humanos
devem ser “adequados e compatíveis com sua proposta de atividade e que satisfaçam
as exigências das resoluções próprias do Conselho Federal de Odontologia.” Quanto DENTIFRÍCIOS
aos recursos tecnológicos, é preciso “apresentar, no mínimo: i) equipamentos e
instrumentos capazes de propiciar à equipe de saúde e aos pacientes, adequadas Mais de 5 bilhões de tubos de dentifrícios (dens – dentes; fricare - friccionar)
condições de proteção, segurança, ergonomia e o satisfatório desempenho das são consumidos anualmente em todo o mundo (Reynolds, 1994). No Brasil a
atividades propostas; ii) equipamento de esterilização que ofereça total segurança à tendência é de aumento no consumo: segundo Bastos & Lopes (1984), em 1981 os
equipe de saúde e aos pacientes, com no mínimo uma estufa esterilizadora ou brasileiros consumiram em média 212 gramas per capita (cerca de 12% fluoretado).
autoclave; iii) fichário e arquivo para o registro e guarda das fichas individuais, com o Em 1997, segundo a Associação Brasileira de Odontologia citando dados do IBGE,
registro dos atendimentos de cada paciente.” esse número havia aumentado para 508 gramas per capita – um dos melhores índices
em nível mundial (EUA, por exemplo, registram média de 571 gramas per capita/ano).

155
Entre setembro de 1996 e abril de 1998 o Brasil registrou um aumento de 10% nas peso corporal (Whitford, 1987). Para uma criança de 10 kg, isso corresponde a
vendas. O consumo total passou de 77,4 mil toneladas para 81,3 mil toneladas. aproximadamente metade do conteúdo de um tubo com 90 gramas de pasta. Por essa
Produtos importados corresponderam (1997) a 1,2% do mercado. No final do século, razão, os pais ou responsáveis devem supervisionar as escovações dentárias até os 7
praticamente todos os dentifrícios comercializados no Brasil, e com relevância no anos de idade para reduzir ao mínimo essa ingestão. Os fabricantes deveriam ser
mercado, contêm fluoretos. obrigados a informar isso aos consumidores, nos rótulos das embalagens e nas peças
publicitárias – em conformidade, aliás, com o que determina o Código de Defesa do
Dentifrícios (“pastas de dentes”; “cremes dentais”) são apresentados sob Consumidor. Narvai (1996) considera que “os aromatizantes utilizados em dentifrícios
várias formas: pós, pastas e géis. As formas mais populares são as pastas e os géis. infantis lhes conferem sabores semelhantes aos de balas e gomas de mascar e
As pastas de dentes contêm, geralmente, agentes abrasivo, umectante, aglutinante, exercem poderosa influência à deglutição, induzindo-a.” Também os corantes
detergente, aromatizante, estabilizante e terapêutico, sendo consideradas seguras utilizados deveriam servir para distinguir tais produtos de outros destinados à
para consumo humano. Os umectantes, aglutinantes, aromatizantes, estabilizantes e alimentação infantil.
corantes são utilizados rotineiramente em alimentos e na indústria farmacêutica e
apresentam risco mínimo quando presentes em dentifrícios. Aromatizantes, corantes Os fabricantes deveriam também orientar o uso da técnica transversal (0,35
ou estabilizantes podem, raramente, desencadear reações alérgicas. Tanto o grama/escovação) para colocar o creme na escova (o longo eixo da escova
detergente quanto a essência aromatizante podem, também raramente, produzir posicionado perpendicularmente ao longo eixo do tubo). Ao contrário, a propaganda
irritação localizada da mucosa bucal (Machackova et al, 1991). invariavelmente mostra o produto sendo dispensado segundo a técnica longitudinal
(0,65 grama/escovação). Maior o consumo do produto, maior o risco de fluorose em
A composição exata de cada dentifrício varia de acordo com o fabricante, crianças.
mas a formulação padrão contém de 10 a 40% de abrasivos, 20 a 70% de
umectantes, 5 a 30% de água, 1 a 2% de aglutinantes, 1 a 3% de detergentes, 1 a 2% Outro aspecto de interesse sanitário nos dentifrícios diz respeito ao
de aromatizantes, 0,05 a 0,5% de estabilizantes e 0,1 a 0,5% de agentes terapêuticos. recipiente. Algumas embalagens podem conter chumbo além do limite tolerado (7 ppm
por kg). Chumbo é cumulativo no organismo humano. No início dos anos 80 uma
O principal agente no dentifrício de interesse em termos de vigilância avaliação da segurança dos produtos brasileiros, conduzida na Fiocruz, revelou que
sanitária é o flúor, comprovadamente associado à menor incidência de cárie dentária “em cinco cremes dentais dos mais vendidos no mercado brasileiro” havia
quando contém cerca de 0,1 % (1.000 ppm) de flúor – geralmente na forma de aproximadamente 50 ppm em embalagens de 65 gramas. No final dos anos 90 novas
monofluorfosfato. Na norma brasileira (Portaria SNVS nº 22, de 20/12/1989) não há embalagens com materiais mais seguros (plásticos) vêm sendo utilizadas no Brasil.
obrigatoriedade de os dentifrícios conterem flúor. Mas se o fabricante o faz, o produto
deve conter “flúor solúvel, iônico ou ionizável” na quantidade de pelo menos 600 ppm Produzidos e usados adequadamente dentifrícios são seguros e não
após 12 meses da data de fabricação e pelo menos 450 ppm “no restante do seu oferecem riscos significativos.
prazo de validade”. A concentração mínima inicial é 1.000 ppm; o teor máximo
permitido é 1.500 ppm. A Portaria exige também que “o composto de flúor, contido no FIOS E FITAS DENTAIS
dentifrício, seja reativo com o esmalte dentário e/ou a dentina” (mas não identifica
como essa avaliação deve ser feita – esta é uma falha da norma) e que “os rótulos Em 1988 foram comercializados no Brasil perto de 1 bilhão de metros de fio
dos produtos estampem a fórmula química do composto de flúor utilizado, sua dental. Aproximadamente 7 milhões de brasileiros compraram esse tipo de produto
concentração em ppm, as respectivas indicações, o modo de usar, a data de que, naquele ano, movimentou cerca de 10 milhões de dólares. Os fabricantes
fabricação e o prazo de validade. O mesmo documento estabelece ainda os informam que tem havido um expressivo aumento no consumo de fios e fitas dentais.
compostos de flúor aceitos “pelo Ministério da Saúde” na formulação dos dentifrícios: Não há norma sobre esses produtos no Brasil. É uma falha. Fabricantes de
“monofluorfosfato de sódio; fluoreto de sódio; fluoreto estanhoso, e fluoretos fios e fitas dentais deveriam estar obrigados a oferecer produtos que atendessem pelo
aminados.” menos algumas exigências de durabilidade, resistência e proteção do produto. Há
Crianças ingerem pastas de dentes (menores de 5 anos ingerem cerca de péssimos produtos no mercado. Indicar visualmente quando o fio/fita está acabando
30% da quantidade utilizada em cada escovação) e a ingestão de quantidade não deve ser obrigatório mas fazê-lo significa respeito ao consumidor.
excessiva de dentifrício fluorado tem sido relacionada ao aparecimento de fluorose
dentária em graus leves. A dose provavelmente tóxica de íon flúor é 5 mg por kg de

156
COLUTÓRIOS 60%, em média, na prevalência da doença chegando a 100% nos caninos
permanentes inferiores e variando entre 30 a 40% nos molares. Uma vastíssima
Estima-se que no início dos anos 90, os colutórios bucais (enxaguatórios, literatura científica mundial demonstra que flúor na água é eficaz, custa relativamente
enxaguantes bucais ou rinses) foram utilizados em aproximadamente 5% dos muito pouco (cerca de US$ 0,40 per capita/ano) e, na concentração preconizada, é
domicílios brasileiros. Esse segmento do mercado de produtos de higiene bucal absolutamente seguro em termos de saúde pública (WHO, 1984). A concentração
movimentava cerca de 15 milhões dólares no início dos anos 90. Segundo o Instituto ótima do íon na água varia principalmente em conformidade com a média das
Nielsen, em 1995 o consumo per capita foi de 1,4 ml/mês, movimentando temperaturas máximas anuais em cada local (Gallagan & Vermillion, 1957). De modo
aproximadamente 40 milhões de dólares. geral, dentro de certos limites, quanto maior essa média, menor a quantidade de flúor;
Vários são os agentes químicos presentes nos colutórios destacando-se, quanto menor a média, maior a quantidade do íon. Na maior parte do território do
além dos compostos de flúor, o cloreto de cetilpiridínio e o digluconato de clorexidina. estado de São Paulo o teor adequado é 0,7 mg de flúor por litro d’água (ou 0,7 ppm).
Mas também tem sido observada a presença de vários outros compostos como o Mas flúor em excesso (acima de 0,8 ppm no estado de São Paulo) pode – se
sulfato de cobre e, mais recentemente, o triclosan (2, 4, 4, tricloro 2-hidroxidifenileter). o excesso perdurar por vários dias, semanas ou meses – produzir alterações na
A Portaria SNVS nº 22, de 20/12/1989, estabelece as condições para registro mineralização do esmalte dentário, levando a um quadro clínico conhecido como
“na Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Cosméticos - DICOP”. Para tal fluorose dentária. Ainda que numa importante revisão de pesquisas sobre eficácia e
registro, “a empresa fabricante interessada” deve apresentar “documentação segurança da fluoretação o respeitado National Health and Medical Research Council,
comprobatória de que: a) a concentração de flúor solúvel, iônico ou ionizável, no da Austrália, tenha concluído (1991) que o flúor proveniente de dentifrícios
produto, esteja compreendida entre o mínimo de 202,5 ppm (...) e o máximo de 247,5 corresponde a mais de 53% do total de flúor ingerido por crianças de até 2 anos, parte
ppm; b) o composto de flúor, contido no produto, seja reativo com o esmalte dentário importante da quantidade total de flúor é ingerida através da água. Assim, é
e/ou a dentina; c) os rótulos dos produtos estampem: a fórmula química do composto imprescindível o desenvolvimento de ações de vigilância sanitária sobre a quantidade
de flúor, presente no enxaguatório; sua concentração, expressa em ppm; as de flúor existente nas águas para consumo humano, mantendo-a dentro dos limites
respectivas indicações, modo de uso, data de fabricação e a ressalva de que o estabelecidos. Analisando o processo de fluoretação das águas de Porto Alegre (RS)
produto não deve ser usado por crianças de idade inferior a 6 anos.” O mesmo durante um período de 13 anos, Barros et al (1990) verificaram, entre outros
documento estabelece ainda os compostos de flúor aceitos “pelo Ministério da Saúde” problemas, descontinuidades periódicas e teores variando de 0,39 a 3,10 ppm.
na formulação dos “enxaguatórios bucais de uso diário: fluoreto de sódio e No Brasil, a Lei Federal nº 6.050, de 24/05/1974, torna obrigatória a
monofluorfosfato de sódio.” fluoretação das águas de abastecimento público onde houver estação de tratamento
de água. O Decreto Federal 76.872, de 21/12/1975, regulamentou a lei e a Portaria
ESCOVAS PARA PRÓTESES DENTÁRIAS 635/Bsb, de 26/12/1975, estabeleceu os padrões para operacionalização da medida.
São instrumentos específicos e sua produção e venda não têm, no Brasil, Em outubro de 1985 teve início a fluoretação das águas na cidade de São
até o momento, qualquer exigência de interesse para a Vigilância Sanitária. Paulo. Em 1990 foi montado, pelo Município de São Paulo, o primeiro Sistema
Municipal de Vigilância Sanitária de Fluoretação das Águas no Brasil. Foram definidos
3.3. Alimentos, Bebidas e Medicamentos pontos de coleta periódica (mensal) de água, em dias previamente definidos ao acaso.
Desde então têm sido colhidas amostras da água fornecida à população e medido o
O flúor é o principal elemento químico de interesse para a Vigilância
teor de flúor. Os valores obtidos são a base para a classificação da amostra segundo
Sanitária. Pode estar presente na água de abastecimento público, em águas minerais
o quadro abaixo.
e outras bebidas como chá preto e refrigerantes, e em alimentos. E também em
alguns medicamentos.

ÁGUAS DE ABASTECIMENTO PÚBLICO


A presença de certos teores de flúor na água de abastecimento público é
eficaz na prevenção da cárie dentária. A “força do método” é significativa: redução de

157
Classificação das Amostras de Água segundo o Teor de Flúor. avaliados [epidemiologicamente] após alguns anos de implementação da medida.”
Município de São Paulo. Analisando os resultados do primeiro ano do sistema de vigilância da cidade de São
Paulo, Manfredini (1991) concluiu que o heterocontrole “mostrou-se correto” e
TEOR DE FLÚOR CONCENTRAÇÃO esclareceu dúvidas sobre as características da fluoretação das águas no município.
No Estado de São Paulo, a Resolução SS-250/95, de 15/08/95 estabelece
Até 0,59 ppm inaceitável que para os municípios do estado de São Paulo as águas devem conter 0,7 mg de
flúor por litro (0,7 ppm). Segundo esse documento, é aceitável variação no teor de
0,60 ppm mínima aceitável flúor desde que oscile entre 0,6 a 0,8 mg/l (onde a média das temperaturas máximas
diárias do ar, observadas durante um período mínimo de 1 ano, encontrar-se abaixo
0,61 a 0,69 ppm sub-ótima de 14,7 graus Celsius, o limite superior da variação é 1,0 mg/l). Teor de flúor abaixo
ou acima desse intervalo caracteriza a água como “fora do Padrão de Potabilidade”,
portanto, inaceitável para consumo humano do ponto de vista da prevenção da cárie e
0,70 ppm ótima
da fluorose dentária.
0,71 a 0,79 ppm supra-ótima ÁGUAS MINERAIS

0,80 ppm máxima aceitável Encontrar algum teor de flúor em águas é o mais freqüente. Muitas vezes as
águas são pobres em flúor, são hipofluoradas em relação ao teor ótimo para prevenir
cárie dentária; em outras oportunidades são hiperfluoradas. E em algumas situações o
0,81 a 1,19 ppm inadequada
teor é ótimo. Esta é a situação em vários municípios brasileiros (Buendia, 1983),
muitos dos quais no estado de São Paulo (Lins, Presidente Prudente, entre outros).
1,20 ppm limite Entretanto, algumas pessoas acreditam que águas minerais são isentas de flúor. Isto,
de modo geral, não acontece. Freqüentemente há algum residual de flúor também nas
1,21 ppm ou mais inaceitável águas minerais. Quando hipofluoradas, as águas minerais não protegem contra as
cáries; assim como qualquer outra água. Da mesma forma, assim como qualquer
outra água, quando uma água mineral é hiperfluorada coloca em risco a saúde de
A Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo vem divulgando o Relatório crianças com os dentes em formação, causando fluorose dentária. Por isso, águas
do Sistema, conforme deliberação da I Conferência Municipal de Saúde Bucal de São minerais hiperfluoradas não devem ser consumidas por bebês e crianças. Analisando
Paulo (07/08/1993) cujo Relatório Final afirma que “a água tratada de boa qualidade é 79 tipos de águas minerais comercializadas no Brasil, Villena & Cury (1997)
direito dos cidadãos [e que] para a garantia da eficácia do método é necessária a observaram que 81% das marcas apresentaram teor de flúor inferior a 0,3 ppm F e
continuidade do sistema (...) e que haja controle e fiscalização por órgão competente 14% entre 0,63 e 4,44 ppm F. Todas as águas minerais provenientes do estado do
(...) com a publicação trimestral [dos relatórios] no Diário Oficial do Município, grande Rio Grande do Sul apresentaram alta concentração de flúor (entre 0,87 e 4,44 ppm).
imprensa e outros órgãos de divulgação de fácil acesso à população, garantindo-se Não há (1998), em nível nacional, norma proibindo a venda de águas
recursos para tanto e sob supervisão da SMS.” minerais hiperfluoradas. A exceção é o município de São Paulo, onde a Lei Municipal
A partir da experiência de São Paulo vários municípios vêm construindo seus nº 12.623, de 06/05/1998 (Lei Neder) “proíbe a comercialização de água mineral com
próprios sistemas de vigilância (Santos, Penápolis, Curitiba, dentre outros), teor de flúor acima de 0,8 mg/l no município” e define sanções aos infratores: “a)
fundamentados no princípio do heterocontrole (Narvai, 1982) segundo o qual “o multa de 2.383 UFIR’s - Unidade Fiscal de Referência ; b) multa de 4.766 UFIR’s e
controle da fluoretação por instituições não envolvidas diretamente em sua fechamento do estabelecimento por 30 (trinta) dias, na reincidência; c) multa de 9.532
operacionalização é condição sine qua non para que as informações tenham UFIR’s e cassação da licença de funcionamento, quando persistir o problema.”
credibilidade e para que haja confiança no alcance dos objetivos, uma vez que os
resultados da fluoretação, pelas características desse método, só podem ser

158
OUTRAS BEBIDAS Também as formulações contendo flúor (polivitamínicos, p. ex.) representam
riscos à saúde bucal. Ingeridos por crianças em locais com teor adequado de flúor nas
Alguns autores consideram a possibilidade de refrigerantes produzidos com águas de abastecimento público podem produzir fluorose dentária. A comercialização
água fluoretada representarem um aporte significativo de flúor para seus desses produtos em tais localidades deve ser proibida.
consumidores. Analisando bebidas comercializadas no Brasil, Heintze et al (1996)
concluíram que “como o teor de flúor nos refrigerantes, sucos, águas minerais,
cervejas e leites apresentou-se, em média, abaixo de 0,4 ppm, podemos afirmar que 4. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
essas bebidas não podem substituir a água encanada fluoretada quando se pensa em
1. ASSOCIAÇÃO Paulista de Cirurgiões-Dentistas, 1992. O amálgama pode ser usado com
obter suficientes efeitos preventivos. Assim, a contribuição das bebidas para o
segurança. Editorial. Jornal da APCD, junho, p. 2.
desenvolvimento de fluorose parece ser pequena.” A Cammelia sinensis (“chá preto”) 2. AVALIAÇÃO reprova 5 escovas de dentes. Folha de S.Paulo, 1996; 13 mai, p. 3-11.
tem a propriedade de concentrar fluoretos (mais de 100 ppm) em suas folhas, onde se 3. BARROS, E.R.C.; TOVO, M.F.; SCAPINI, C., 1990. Análise crítica da fluoretação de águas.
encontra solúvel na proporção de 80% ou mais (Hodge; Smith, 1970). Santoro (1997) RGO, 38 (4): 247-54.
estudou a presença de flúor em chás produzidos no Brasil. Reconhecendo que o 4. BASS, C.C., 1948. The optimum characteristics of toothbrushes for personal oral hygiene.
produto “não está entre as bebidas mais consumidas pela nossa população” concluiu Dental Itens Interest, 70: 696-718.
que “entre os produtos disponíveis no mercado brasileiro com a denominação de chá 5. BASTOS, J.R.M.; LOPES, E.S., 1984. Dentifrícios: cosméticos e terapêuticos. Bauru, FOB-
apenas uma parcela reduzida é chá de fato (...) os teores médios de flúor encontrados USP. Série Publicações Científicas nº 001/84.
6. BOCHECHOS em profusão. Exame, 7 mar. 1990.
diferem estatisticamente e são: 1,60 (± 0,43) ppm para os chás pretos; 0,95 (± 0,49) 7. BOCHECHOS crescem 49,6%. Odontonotícias, 59: 9, dez/jan 1996.
ppm para os chás verdes e 0,61 (± 0,18) ppm para os chás preparados”. 8. BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 6.050, de 24/05/1974.
9. BRASIL. Congresso Nacional. Lei Federal nº 8.080, de 19/09/1990.
Assim, pode-se admitir que a presença de flúor em outras bebidas que não a 10. BRASIL. Constituição da República. Brasília, Senado Federal, 1988.
água de abastecimento ou a água mineral não requer, no Brasil, maiores cuidados na 11. BRASIL. Decreto nº 76.872, de 22/12/1975.
prática cotidiana da vigilância sanitária. 12. BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 36, de 19/01/1990. Diário
Oficial da União, 23/01/1990, p. 1651-4.
MEDICAMENTOS 13. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde.
Divisão Nacional de Saúde Bucal. Levantamento epidemiológico em saúde bucal: Brasil,
Certos medicamentos contêm sacarose, produto comprovadamente zona urbana, 1986. Brasília, CDMS, 1988.
envolvido na etiologia da cárie dentária. Segundo Silva & Santos (1994), “a maioria 14. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº 89/96. Diário
dos medicamentos pediátricos é prescrita numa forma líquida que inclui a sacarose na Oficial da União, seção I, 13/06/1996.
sua formulação. Evidências acumuladas, com base clínica e experimental, 15. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria nº 22, de
20/12/1989. Diário Oficial da União, seção I, 22/12/1989.
16. BUENDIA, O.C., 1983. Situação atual da fluoretação de águas de abastecimento público no
mostram uma significante associação entre a ingestão de medicamentos à base de estado de São Paulo. Revista de Saúde Pública, 17: 226-32.
sacarose e uma incidência aumentada de cárie dentária. Muitas das crianças sob 17. CAMPOS, H., 1988/1989. Procedimentos utilizados no controle de infecção em consultórios
medicação por longos períodos de tempo devido a problemas médicos crônicos estão odontológicos de Belo Horizonte. Arquivos do Centro de Estudos do Curso de Odontologia
particularmente sob o risco das conseqüências do desenvolvimento da cárie dentária da UFMG, 25-26 (1/2): 46-52.
(...) o uso da sacarose em medicamentos deve ser reavaliado e os medicamentos 18. CERRI, A., 1991. Estudo da prevalência de prováveis doenças profissionais em cirurgiões-
contendo açúcar deveriam ser rotulados adequadamente. Os dentistas, médicos e dentistas do município de São Paulo. São Paulo [Tese de Doutorado – Faculdade de
outros profissionais da saúde, bem como a população, deveriam estar conscientes Odontologia, Universidade de São Paulo].
dos problemas potenciais relacionados com os medicamentos que contêm sacarose”. 19. CHAVES, M.M., 1986. Odontologia social. 3a ed. Rio de Janeiro, Artes Médicas.
Para os autores é necessário “criar grupos de pressão sobre as indústrias e 20. CHUMBO nas pastas. Odontonotícias, 7 (28): 8, 1983.
laboratórios farmacêuticos para que estes produzam medicamentos pediátricos com 21. CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE BUCAL DE SÃO PAULO, 1a. São Paulo, 1993.
formulações alternativas livres de sacarose.” Relatório Final. Diário Oficial do Município de São Paulo, 38 (172): 21-2, 1993.
22. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL, 1a. Brasília, 1986. Relatório Final.
Brasília: UnB; 1986.

159
23. CRESCE consumo de creme dental. Jornal ABO Nacional, 10 (52): 8-B, 1998. 49. SÃO PAULO (Município). Secretaria da Saúde. Centro de Epidemiologia, Pesquisa e
24. CURY, J.A.,1996. Dentifrícios fluoretados no Brasil. Jornal da ABOPREV, 7: mai/jun. Informação. Sistema Municipal de Vigilância Sanitária da Fluoretação de Águas de
25. ELISABETSKY, M., 1991. Como o dentista pode prevenir-se contra a surdez. Jornal da Abastecimento Público. Diário Oficial do Município de São Paulo, 35 (201): 15, 27 out. 1990.
APCD, abr, p. 9. 50. SÃO PAULO (Município). Secretaria da Saúde. Conferência Municipal de Saúde Bucal, 1ª.
26. EXAMES radiológicos: não corra riscos desnecessários. Consumidor S.A., nº 13, out. 1996, São Paulo, 1993. Relatório Final. Diário Oficial do Município de São Paulo, 38 (172): 21-2,
p. 17-8. 14 set. 1993.
27. FÉLIX, L.F.C., 1981. Verificação dos meios de proteção radiológica em consultórios 51. SAQUY, P.C.; PECORA, J.D.; SAVIOLI, R.N., 1990. Formas de prevenção contra doenças
dentários, na cidade de João Pessoa-PB. São Paulo [Dissertação de Mestrado – Faculdade contagiosas adotadas pelos cirurgiões-dentistas de Ribeirão Preto em seus consultórios.
de Odontologia, Universidade de São Paulo]. Odontólogo Moderno, 17 (7): 10-2.
28. FIO dental. Odontonotícias, 12 (44): 4, 1988. 52. SILVA, S.M.B.; SANTOS, C.F., 1994. Medicamentos pediátricos e risco de cárie: uma
29. GALLAGAN, D.J.; VERMILLION, J.R., 1957. Determining optimum fluorides concentrations. revisão. Revista da Faculdade de Odontologia de Bauru, 2 (4): 15-21.
Public Health Reports, 72 (6): 491-3. 53. SMITH, A.J.; ADAMS, D., 1993. The dental status and attitudes of patients at risk from
30. GARCEZ FILHO, J.A.; ROCHA, A.P.B.; OLIVEIRA, M.L.B., 1990. Meios de proteção dos infective endocarditis. British Dental Journal, 174: 59-64.
raios-X. RGO, 38 (3): 177-80. 54. VILLENA, R.S.; CURY, J.A., 1997. Concentração de flúor em águas minerais
31. GOLEGÃ, A.A.C.; TELLINI, R.M.C. Manual de biossegurança na prática odontológica. comercializadas no Brasil. Jornal da ABOPREV, 8, jan/fev. p. 3.
Santos, SEHIG, 1992. 55. WARFVINGE, K., 1995. Mercury exposure of a female dentist before pregnancy. British
32. HELLGREN, K., 1994. Use of gloves among dentists in Sweden – a 3 year follow-up study. Dental Journal, 176 (4): 149-52.
Swedish Dental Journal, 18 (1/2): 9-14. 56. WHITFORD, G.M., 1987. Fluoride in dental products: safety considerations. Journal of
33. HODGE, H.C.; SMITH, F.A., 1970. Minerals: fluoride and dental caries. In: Dietary chemicals Dental Research, 66 (5): 1056-60.
vs dental caries. Washington, American Chemical Society, p. 93-115. 37. WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1984. Fluorine and fluorides. Geneva: WHO.
34. JITOMIRSKI, F.; LINS, V.B., 1994. AIDS em odontologia. RGO, 42 (6): 316-8.
35. MACHACKOVA, J.; SMID, P., 1991. Allergic contact cheilitis from toothpastes. Contact
Dermatitis, 24: 311-2.
36. MANFREDINI, M.A., 1991. Por que controlar o flúor na água. Diário Popular, 20 jan, p. 6.
37. NARVAI, P.C., 1982. Odontologia preventiva. In: Congresso Universitário Brasileiro de
Odontologia, 7º. São Paulo, 10/09/1982. Anais. São Paulo, CUBO.
38. NARVAI, P.C., 1994. Odontologia e saúde bucal coletiva. São Paulo: Hucitec.
39. NARVAI, P.C., 1996. Dentifrícios: vigilância sanitária no Brasil. Boletim SOBRAVIME, 22:
12, jul./set.
40. NASCIMENTO, A., 1998. Vigilância é tarefa primordial do Estado. Súmula, nº 68, jul., p. 1.
41. NATIONAL HEALTH AND MEDICAL RESEARCH COUNCIL, 1991. The effectiveness of
water fluoridation. Canberra, Australian Government Publishinng Service.
42. ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1972. Fluoruros y salud. Ginebra: OMS.
43. PESQUISA reprova todas as escovas brasileiras. Clinics, 4 (16): 3, 1996.
44. REYNOLDS, E.C., 1994. Contents of toothpaste: safety implications. Australian Prescriber,
17, (2): 25-7. [Versão em português: Conteúdo de pastas de dentes: importância para o uso
seguro. Boletim SOBRAVIME, 22: 9-11, jul./set. 1996.
45. SANTORO, A.M.C.V., 1997. Teor de flúor nos chás industrializados no Brasil e seu
significado para a saúde bucal. São Paulo, 1997. [Dissertação de Mestrado – Faculdade de
Saúde Pública, Universidade de São Paulo].
46. SÃO PAULO (Estado). Assembléia Legislativa. Lei Complementar nº 791/95, de
09/03/1995, estabelece o Código de Saúde no Estado. Diário Oficial do Estado de São
Paulo.
47. SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Saúde. Resolução SS-250, de 15/08/1995. Diário
Oficial do Estado de São Paulo, 16/08/1995, seção I, pág. 11.
48. SÃO PAULO (Município). Câmara Municipal. Lei Municipal nº 12.623, de 06/05/1998. Diário
Oficial do Município de São Paulo, 13/05/1998, pág. 63.

160
O QUE FAZER NOS MUNICÍPIOS A Rede CEDROS agradece especialmente a todos os profissionais
envolvidos na elaboração deste trabalho, à Coordenação de Programas Integrados de
Pesquisa e Desenvolvimento da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal
Texto: do Rio de Janeiro, por proporcionar a infra-estrutura para o funcionamento do
Antônio G.F. Rosa secretariado executivo da Rede, e à Fundação Kellogg, pelo apoio financeiro.
Djalmo S. Souza
Douglas A.S. Filho Roberto B. C. Vianna Mário M. Chaves Thomaz K. Chianca
Eymar S. Lopes Coordenador Consultor Secretário Executivo
Hélio W. Uchoa Rede CEDROS Rede CEDROS Rede CEDROS
José Paulo G. Toledo
Paulo C. Narvai
Roberto A. C. Fernandes
Sylvio Gevaerd Prefácio
Thomaz K. Chianca Este texto foi produzido pelo Grupo de Trabalho “Saúde Bucal em Sistemas
Locais de Saúde”, da Rede CEDROS, com o objetivo de oferecer subsídios aos
responsáveis pela condução das ações de saúde bucal no âmbito dos municípios.
O estágio atual de implantação do Sistema Único de Saúde tem revelado
Coordenação Geral: Thomaz K. Chianca grandes disparidades entre as diferentes regiões do país. Neste contexto, observa-se
Assistente de coordenação: Cláudia Tavares que sem a camisa-de-força representada pelas decisões tomadas em poucos centros,
Ilustrações, capa: Claudius Ceccon o talento, a criatividade e os conhecimentos dos profissionais de saúde, envolvidos no
Diagramação: Cristiana Lacerda e Cláudia Ceccon planejamento e execução de atividades no campo da saúde bucal, vêm conseguindo
Editoração Eletrônica: Cristiana Lacerda avanços significativos em muitos municípios.
Revisão: Regina Protásio
Há casos, porém, em que os responsáveis por ações neste campo
Digitação: Marília Areal Nogueira e Roberto Brejão
Patrocínio: Fundação W.K. KELLOGG defrontam-se com enormes dificuldades até mesmo para compreender a natureza e
Copyright Rede CEDROS magnitude dos problemas a enfrentar.
Caixa postal 68026 - CEP 21941-590 Este texto, dirigido aos que sentem essas dificuldades, pretende contribuir
Rio de Janeiro - RJ - Brasil para o esclarecimento de questões que julgamos relevantes. Seu conteúdo está
Tel: (021) 290-1498 - Fax: (021) 290-8148 dividido em duas partes. Inicialmente é feita uma caracterização do Sistema Único de
Saúde, destacando o papel dos sistemas locais de saúde –SILOS - neste processo.
Apresentação A segunda parte trata dos aspectos relativos à organização da atenção à
É com imensa satisfação que a Rede CEDROS dá início a sua série de saúde bucal nos municípios. Reiterando que a intenção deste trabalho é subsidiar a
publicações sobre importantes aspectos da área de saúde bucal em nosso país. Estas discussão para o encaminhamento das questões referentes à saúde bucal nos SILOS,
publicações são produto dos diferentes Grupos de Trabalho (GTs) da Rede, julgamos fundamental a consulta de bibliografia pertinente, bem como buscar
estruturados à partir de linhas específicas de ação. Os GTs preocupam-se em assessoria e apoio junto aos diversos níveis de gerência do SUS (Secretarias
contribuir com o desenvolvimento de modelos de soluções para os principais Estaduais de Saúde e Ministério da Saúde) e outras instituições de ensino e/ou
problemas ligados à saúde bucal da população. pesquisas.
Este primeiro trabalho, realizado pelo GT Saúde Bucal em Sistemas Locais Esperamos que nosso propósito seja atingido, para que possamos, todos os
de Saúde, aborda questões fundamentais para a organização e implementação das brasileiros, superar o paradoxo de sermos, ao mesmo tempo, conhecidos tristemente
ações de saúde bucal nos diversos municípios brasileiros. como “o país dos desdentados” e como o alegre “país do carnaval”, com um povo
sorridente.
São Pedro (SP), 23 de outubro de 1992.

161
1. Introdução serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
O sistema de saúde brasileiro vem sofrendo rápidas e profundas regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente
transformações. O início da década de 80, marcada pela busca de redemocratização ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
do país, registra, na área de saúde, a consolidação do entendimento de que saúde é a No Art. 198, a Constituição estabelece que as “ações e serviços de saúde
expressão da qualidade de vida de uma população geográfica e historicamente integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um Sistema Único,
referenciada. A última década viu surgirem o Plano CONASP, o Programa de Ações organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
Integradas de Saúde (AIS), e os convênios para estruturação dos Sistemas Unificados I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
e Descentralizados de Saúde nos Estados (SUDS), tendo assistido, ainda, a II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
realização da Oitava Conferência Nacional de Saúde (1986), da Nona CNS (1992) e a dos serviços assistenciais;
conquista, na Constituição de 1988, do Sistema Único de Saúde (SUS), pela III - participação da comunidade”
sociedade civil organizada e pelos constituintes. As competências do SUS estão definidas no Art. 200 da Constituição.
A possibilidade de maior participação dos poderes locais nas decisões sobre A promoção, proteção e recuperação da saúde, referida no Art. 196 da
saúde é, provavelmente, a característica mais marcante desse período. Constituição, foram regulamentadas pelo Congresso Nacional, em 19 de setembro de
Descentralização é o termo que traduz essa característica. As contradições, disputas 1990, através da Lei Federal no 8.080. conhecida como “Lei Orgânica da Saúde”.
e conflitos que vêm marcando o processo de descentralização das decisões no setor A Lei 8.080 reconhece (Art. 3) que “a saúde tem como fatores determinantes
de saúde não diminuem as implicações e a importância que esse processo tem na e condicionantes, entre outros, a a1imentação, a moradia, o saneamento básico, o
área de saúde bucal. meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos
Não se trata mais, agora, de esperar que Brasília ou a respectiva capital bens e serviços essenciais” e define o SUS como “o conjunto de ações e serviços de
estadual decidam o que cada município deve ou não deve fazer. Pensar com o próprio saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais,
cérebro sua própria realidade, identificando e organizando forças políticas capazes de da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.
dar sustentação às propostas de políticas públicas que incluam, entre seus objetivos, A construção do SUS, que se traduz no processo de municipalização
alterar a situação de saúde bucal de cada comunidade: eis o desafio posto pela consoante aos princípios da Reforma Sanitária em curso no Brasil, deve avançar até a
política àqueles que têm de tomar decisões em âmbito municipal/local. efetiva unificação dos serviços e suas instâncias gestoras, na superação do caráter
Essa possibilidade exige certamente, além de alguma capacidade de assistencialista das ações curativas, na regularidade do repasse de recursos e,
articulação, razoáveis conhecimentos científicos e tecnológicos, sob pena de perda principalmente, no fortalecimento do setor público.
crescente de espaço político no interior do setor saúde ou, no limite, de fracasso O controle social do SUS através dos Conselhos de Saúde nos vários níveis
retumbante. Na construção da democracia brasileira, a política tem contribuído - e de governo, exigidos pela Lei Federal n 0 8.142/90, constitui, ao lado da ampliação
muito! - para melhorar a saúde bucal dos brasileiros: descentralizando e, portanto, das redes de serviços de saúde e da municipalização, importantes avanços que
dividindo poderes e criando espaços para a divergência e para o questionamento ou precisam ser aprofundados. Neste sentido, os municípios devem rever suas
consolidação de decisões. responsabilidades, garantindo a unidade da rede sob sua gestão.
Neste sentido, a criação do SUS, resultante de um processo político, teve Para isto, alguns deverão estruturar as suas Secretarias ou Distritos de
enorme significado para a saúde bucal dos brasileiros e para a organização social da Saúde; outros aperfeiçoar as estruturas organizacionais já existentes, contemplando o
prática odontológica no país. setor responsável pela saúde bucal. Fundamental neste processo é o
desenvolvimento do Distrito Sanitário, com algum grau de autonomia decisória, onde
2. O SUS se desenvolva o conjunto de ações básicas de saúde, e cujas características
A Constituição da República, promulgada cm outubro de 1988, reconhece, no principais sejam: área geográfica e populacional definida, emprego de tecnologia
Art. 196, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante adequada à sua realidade epidemiológica com unidades de saúde que sejam,
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros efetivamente, porta de entrada do SUS.
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.” 2.1. A Unidade Básica de Saúde e os níveis de atenção
Por entender que a saúde é direito de todos e dever do Estado a Falar em sistema significa identificar e compreender o papel de cada unidade
Constituição caracterizou (Art. 197) como sendo “de relevância pública as ações e diferenciada no interior deste sistema. Então é sempre oportuno lembrar que a

162
Unidade Básica de Saúde (UBS), quase sempre vinculada ao setor público, é a porém, que esse encaminhamento se dê no mesmo nível de atenção. Uma vez
unidade fundamental do SUS. O conjunto das UBS forma, como se sabe, o que se realizado o atendimento, o usuário é encaminhado de volta (contra-referência) para a
convencionou chamar rede básica de saúde, encarregada da chamada atenção unidade de origem.
primária à saúde. Em sistemas locais de saúde bem organizados e dirigidos, a rede básica é
Atenção primária ou básica significa atenção primeira. É esse o sentido do responsável pela resolução de mais de 70 (setenta) por cento dos problemas de
termo e não, como muitas vezes ouvimos, atenção de baixa qualidade para problemas saúde-doença das pessoas que procuram o SUS, desenvolvendo ainda uma série de
simples. A própria noção de básico ou primário, com o sentido de primeiro, supõe a ações com o objetivo de evitar o aparecimento de doenças na comunidade.
existência de unidades de saúde encarregadas do que é secundário ou terciário; O trabalho na rede básica é dos mais complexos, na medida em que, para
encarregadas, portanto, do que não é básico. Por isso, o conjunto das Unidades que seu bom planejamento, execução e obtenção de resultados satisfatórios, faz-se
compõem o SUS pode ser subdividido segundo o que se denomina níveis de atenção. necessário o domínio e a aplicação de conhecimentos de várias áreas do campo das
O SUS se organiza em cada região ou município, segundo as características Ciências Sociais, combinando-os com os conhecimentos biológicos. O mais
da realidade de cada um destes locais. De modo geral os Distritos Sanitários (DS) ou experiente cardiologista pode simplesmente não saber o que fazer numa UBS...
Sistemas Locais de Saúde (SILOS) são estruturados segundo três diferentes níveis de A rigor, essa exigência de aproximação com diversas áreas de conhecimento
atenção: primário, secundário e terciário. Há, porém, unidades de saúde que, pelas envolvidas na produção da saúde-doença, não apenas aos seus aspectos biológicos,
suas características (tipos de equipamentos e tecnologia envolvida na assistência; alta é feita ao conjunto dos trabalhadores de saúde que dão vida ao SUS, seja qual for
especialização e qualificação dos recursos humanos), desempenham um papel nível de atenção onde atuem.
estratégico para o conjunto do SUS, recebendo pacientes de todo país e até mesmo
do exterior. São os chamados centros de excelência e podem ser classificados como 3. A Organização do Sistema Local de Saúde Bucal
situando-se num quarto nível de atenção. Historicamente, os serviços odontológicos públicos no Brasil construíram as
Pode-se resumir a caracterização dos diferentes níveis de atenção da suas estruturas organizacionais e práticas operacionais reproduzindo, acriticamente,
seguinte forma: os elementos da prática odontológica hegemônica, marcadamente individualizada e
curativa.
Atenção primária - ações básicas nos campos da promoção, prevenção e assistência Entretanto, frente ao momento político vivido pelo setor, com a implantação
individual, e a prestação de serviços necessários à resolução dos problemas de maior do a SUS no país e os recentes avanços científicos, é importante entender que a sua
prevalência e significado social em cada comunidade. Diz-se que as unidades que atuação para superar os problemas de saúde bucal da população não se esgota aí. O
realizam atenção primária são a porta de entrada do SUS. ponto de partida para sua reorganização deverá, obrigatoriamente, contemplar um
Atenção secundária - conjunto de ações com diferenciação tecnológica quanto a conjunto de elementos para análise, que permita transpor as dificuldades auto-
recursos humanos (mais especializados) e equipamentos (mais sofisticados), limitantes da ação odontológica, tanto qualitativa, quanto quantitativamente, até hoje
orientadas à resolução de problemas de saúde de maior complexidade, mas ainda em desenvolvidas.
nível ambulatorial. A partir daí, o coordenador municipal das ações de saúde bucal poderá
Atenção terciária - produção de serviços de alta complexidade, por especialistas em desencadear, junto às representações da sociedade civil e o Conselho Municipal de
diferentes áreas e que, cm geral, requerem internação hospitalar. Saúde, um processo de definição da política de saúde bucal local, com identidade
própria, alicerçada em alianças sólidas e, obviamente, inserida no Plano Municipal de
A existência de diferentes níveis de atenção no interior do SUS decorre da Saúde, a ser aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde, e referendado pelo Poder
racionalização do trabalho com vistas a potencializar os recursos disponíveis. De fato, Executivo municipal.
não são necessários certos equipamentos ou certos especialistas em todos os
lugares. Mas todas as pessoas de todos os lugares devem ter acesso a certos 3.1. Diagnóstico
equipamentos e a certos especialistas sempre que precisarem deles. O diagnóstico da situação de saúde bucal, da área geográfica para a qual se
Assim, para que se possa assegurar acesso das pessoas aos recursos que está planejando o sistema de saúde, é essencial para a definição da política de saúde
necessitam, é imprescindível que sejam estabelecidos mecanismos de referência e bucal, e constitui-se no momento desencadeador do processo que visa o
contra-referência, através das quais usuários são encaminhados (referência) de uma estabelecimento das estratégias e das ações a serem complementadas.
unidade de saúde para outra, em geral de níveis de atenção diferentes. Nada impede,

163
Constitui-se de elementos gerais e específicos, que deverão ser 3.2. O Plano Municipal de Saúde e a saúde bucal
pesquisados, junto ao setor saúde, bem como nas outras diversas instituições A partir da análise desses elementos será possível a compreensão dos
existentes no município. Interpretá-los e avaliá-los de forma contínua, para que principais determinantes dos problemas de saúde bucal da população. Um amplo
permaneçam adequados à realidade local, constitui tarefa fundamental do processo de discussão dessa análise, com as representações da sociedade, garantirá
coordenador municipal de saúde bucal e sua equipe. o apoio político necessário para a inclusão, no Plano Municipal de Saúde, das
necessárias ações e atividades de saúde bucal, com vistas ao adequado
3.1.1. Elementos gerais equacionamento de suas questões, uma vez que, além da assistência às
Os documentos acumulados nas instituições nos permitirão analisar dados e necessidades odontológicas da população, é fundamental que se desenvolvam ações
recuperar informações referentes aos aspectos históricos, políticos e culturais da coletivas para a reversão do quadro epidemiológico.
população, indicadores econômicos e demográficos, e à situação de saneamento do Assim, o diagnóstico de saúde bucal deverá incorporar, além das questões
município. É importante levantar os serviços existentes, o acesso que a população técnicas, a dimensão política, representada pela valoração do papel dos diversos
tem a eles (quer pela capacidade econômica, quer pela localização geográfica), bem atores sociais envolvidos, e suas relações institucionais, e com o Conselho Municipal
como o que os serviços representam para a comunidade. de Saúde, de forma a aproximar-se o mais possível da realidade a ser transformada.
Ao definir a política de saúde bucal, O Plano Municipal de Saúde deverá
3.1.2. Elementos específicos explicitar:
Ainda analisando os dados e informações disponíveis, é fundamental a) A concepção sobre a saúde e a doença (exclusivamente biológica, sócio-
identificar os seguintes aspectos: epidemiológica, etc.) adotada pelo programa e que deve ser levada em conta para o
a) Existência de rede pública de abastecimento de água tratada à população, desenvolvimento de qualquer ação, sob risco de incoerência;
e qual a sua cobertura; b) O sistema de trabalho a ser utilizado identificando a tecnologia para a realização da
b) Se a água tratada é também fluoretada artificialmente, ou se já existe assistência odontológica, e definindo as ações coletivas em saúde bucal a serem
presença natural da flúor; desenvolvidas;
c) Qual o teor ótimo de flúor, para a região, e se existe sistema de controle c) O sistema de atendimento;
que garanta esses níveis de flúor, inclusive nos pontos afastados da rede; d) O desenvolvimento dos recursos humanos;
d) Se existe acesso da população a outros métodos sistêmicos coletivos de e) O sistema de informações.
uso do flúor, e qual o seu controle; A seguir, estão elencadas algumas das ações e atividades a serem
e) Existência de indicadores epidemiológicos de agravos à saúde bucal e de discutidas para inclusão no Plano Municipal de Saúde.
quando datam. Não existindo dados recentes, torna-se necessária a realização de
levantamento epidemiológico para que se possa dimensionar esses agravos e 3.2.1. Ações coletivas
possibilitar o planejamento das ações necessárias para reduzí-los e controlá-los. Esse • Garantir acesso, a toda a população do município, a um método sistêmico de
levantamento poderá contar com a assessoria de Universidades, instâncias regionais administração de flúor, como base do sistema de prevenção de saúde bucal.
de saúde, Secretarias Estaduais e Ministério da Saúde; No Brasil, o método utilizado tem sido a fluoretação das águas de
f) Levantamento da capacidade instalada dos serviços odontológicos abastecimento público existindo, inclusive, Legislação Federal a respeito, e que tem
disponíveis à população, tanto públicos, filantrópicos, universitários e privados, aqui alcançado os resultados positivos esperados na prevenção da cárie dentária, nas
incluídos os recursos humanos disponíveis (CD, THD, ACD, TPD, TME, etc.) e os cidades onde sua continuidade e monitoramento regular têm sido garantidos.
recursos físicos instalados, caracterizando o seu sistema de atendimento; Com a intenção de apoiar os municípios que utilizam esta medida, no sentido
g) Serviços de atenção secundária e terciária existentes na região em de assegurar o pleno benefício à população, a Rede CEDROS, através do Grupo de
sistema de referência e contra-referência para a rede básica; Trabalho de Métodos de Massa para a Prevenção da Cárie (GT Fluoretação da Água),
h) Quais grupos populacionais são atendidos e qual a capacidade de produziu um manual de vigilância sanitária, que encontra-se disponível aos
cobertura dos mesmos. interessados.
Urna alternativa eficaz, comprovada em trabalhos desenvolvidos em
diferentes países, corno método de massa de prevenção de cárie, refere-se à
fluoretação do sal de consumo humano. A Rede CEDROS, por intermédio do GT

164
Métodos de Massa - Fluoretação do Sal, vem desenvolvendo estudos técnico- - aplicação de selantes oclusais;
científicos a uma “área-índice” no país. - aplicação de cariostáticos;
Tendo em vista ser recente a introdução deste método em nosso país, e - remoção de raízes residuais;
considerando nossas peculiares condições de país continente, é importante que os - selamento temporário de cavidades1
municípios interessados pelo mesmo, observem alguns aspectos fundamentais para Esse conjunto de atividades deve ser sempre acompanhado de seus conteúdos
correta elaboração e implementação de seus projetos: educativos, sendo seus objetivos:
a) A existência ou não de flúor natural ou agregado às águas de abastecimento - controle da placa bacteriana
público, uma vez que não pode haver superposição de métodos sistêmicos, não - aumento da resistência do esmalte dentário
devendo, portanto ocorrer a comercialização do sal fluoretado nas regiões ou - orientação da dieta
municípios com esta característica; - selamento de fóssulas e cicatrículas
b) Observância das Legislações Federal e Estaduais vigentes, referentes ao assunto - remoção de fatores retentivos da placa bacteriana.
e, se necessário, discutir a elaboração de Legislação Municipal, buscando a Sempre que possível, esses procedimentos coletivos deverão ser realizados
regulamentação do método; também em grupos não institucionalizados (associações comunitárias, favelas, etc.),
c) A necessidade de implementar um sistema eficiente de monitoramento da medida, de modo a permitir o acesso desses grupos, freqüentemente excluídos, aos métodos
que possibilite o acompanhamento com a freqüência adequada, levando em conta os preventivos. Programações de saúde, definidas segundo modalidade assistencial
seguintes aspectos: (saúde mental, por exemplo) ou por grupos populacionais (saúde da mulher, por
- Eficácia do método, através de levantamentos epidemiológicos básicos; exemplo), devem, sempre que possível, incluir conteúdos e procedimentos de saúde
- Teor ótimo de flúor agregado ao produto, avaliando a taxa de excreção urinária de bucal.
flúor pela população beneficiada;
- Controle de qualidade do produto comercializado, à partir de análises de amostras 3.2.2. Ações individuais
colhidas na indústria salineira e nos pontos de venda. A assistência individual deve ser oferecida à população, preferencialmente
através de clínicas modulares fixas, instaladas nas unidades de saúde e/ou através de
• Garantir a grupos populacionais definidos por espaços sociais (crianças de clínicas modulares transportáveis, para atendimento em instituições (creches, escolas,
uma creche, alunos de uma escola, operários de uma fábrica, etc.), fábricas, etc.) em sua área de abrangência.
priorizados segundo a realidade local, acesso a procedimentos que Neste texto, assistência odontológica refere-se ao conjunto de procedimentos
integralizem o sistema de prevenção (associação de métodos preventivos e clínico-cirúrgicos produzidos pelo setor saúde, dirigidos a consumidores doentes. A
educativos). atenção à saúde bucal é constituída, por outro lado, pelo conjunto de ações que,
Tais procedimentos são chamados genericamente de “procedimentos incluindo a assistência odontológica, não se esgota nela, buscando manter a saúde
coletivos”, envolvendo uma série de atividades a serem desenvolvidas com todos os bucal no conjunto da população. Tais ações podem ser desencadeadas e
participantes de cada grupo, a partir de levantamento epidemiológico inicial: coordenadas externamente ao próprio setor saúde (geração de empregos, renda,
a) Aplicação tópica de flúor, através de bochechos semanais com solução de fluoreto habitação, saneamento, lazer, etc.) e mesmo internamente à área odontológica
de sódio a 0,2%, com cada participante recebendo um mínimo de 25 aplicações/ano. (difusão em massa de informações, ações educativas, orientação de dieta, controle de
b) Escovação supervisionada, incluindo evidenciação de placa bacteriana, escovação placa, etc.).
com pasta dental com flúor, uso de fio dental, com cada participante recebendo
trimestralmente, escova/pasta dental com flúor. ________________________________________
e) Exame clínico realizado em todos os participantes do grupo, para conhecer suas 1: tendo em vista a crescente utilização desse procedimento em programas de saúde bucal
condições individuais e coletivas, e com base nisso, identificar aqueles cujas inovadores, julgamos oportuno considerar que a inclusão desse procedimento exige a estrita
condições e necessidades identifiquem maior vulnerabilidade à cárie e gengivite. observância de alguns pré-requisitos, entre os quais incluem-se: (1) a opção pelo selamento de
uma cavidade deve ter indicação clínica, portanto, com prognóstico favorável e evidência de
Os participantes receberão as seguintes atividades, de acordo com suas cárie crônica; (2) as pessoas que receberem selamento, ou seus responsáveis, devem ter pleno
necessidades: conhecimento do caráter temporário do procedimento, entender o seu significado e concordar
- terapêutica intensiva com flúor, com a técnica; (3) em presença de cárie aguda e prognóstico desfavorável, a restauração
- remoção de cálculos e polimento dentário: dentária deve ser feita.

165
Com os sentidos aqui propostos, a assistência limita-se ao campo b) Treinamento dos profissionais da área no sentido de atualizá-los e aproximá-los
odontológico. A atenção à saúde bucal implica, por outro lado, atuar das práticas de saúde no campo da saúde coletiva, assim como prepará-los para o
concomitantemente sobre todos os determinantes do processo saúde-doença bucal. trabalho em equipe;
Isto exige da atenção uma abrangência que transcende não apenas o âmbito da c) Formação de pessoal auxiliar (atendente de consultório dentário - ACD, técnico em
odontologia, mas do próprio setor saúde, uma vez que requer a articulação e a higiene dental - THD), observando-se os requisitos estabelecidos pelo Conselho
coordenação de ações multisetoriais; isto é, ações desenvolvidas pelo conjunto da Federal de Educação (Parecer 460/75). Essa formação deverá se dar,
sociedade (saneamento, educação, emprego, etc.). preferencialmente, no próprio serviço, envolvendo os cirurgiões-dentistas, de modo a
As clínicas modulares, acima referidas, poderão prestar assistência possibilitar o desenvolvimento de toda a equipe;
odontológica básica, garantindo, no mínimo, o atendimento de urgências (dor e d) O município deverá criar planos de cargos, carreiras e salários, que contemplem os
infecção). Os casos que necessitem de assistência mais complexa, deverão ser componentes da equipe de saúde bucal, de modo a permitir sua evolução funcional e
encaminhados para ambulatórios de especialidades (atenção secundária) ou hospitais adequação ao mercado de trabalho.
(atenção terciária), em sistemas de referência e contra-referência.
3.5. Sistemas de Informação
3.3. A organização do processo de trabalho O município deverá utilizar, em todos os níveis do Sistema Local de Saúde,
A forma como os recursos humanos e os insumos são organizados em um um sistema de informações que contemple a coleta, análise e armazenamento de
ambiente de trabalho é fundamental para a produção e produtividade dos serviços. dados sobre as ações desenvolvidas e os atendimentos realizados, com a maior
O sistema tradicional onde em uma sala de aproximadamente 10m 2 encontra-se uma riqueza possível, no sentido de possibilitar um eficiente processo de planejamento,
cadeira odontológica e um cirurgião dentista que atua sozinho é muito pouco acompanhamento, avaliação e controle.
produtivo. É necessário que este sistema de informação do SILOS esteja capacitado a
Atualmente, o sistema de clínica modular, com vários equipamentos consolidar, periodicamente, um mínimo de informações compatíveis com os sistemas
agrupados num ambiente de trabalho, onde as atividades são produzidas a quatro, centrais do SUS (SIA-SUS, SIH-SUS etc.), necessárias ao processo de repasse
seis ou oito mãos, dependendo da composição da equipe, vem sendo utilizado por financeiro, bem como de controle e avaliação dos níveis Estadual e Federal.
várias instituições. Esse sistema de informações municipal deverá estar sintonizado com o papel
É importante que os serviços municipais disponham de espaços para o que as Unidades Básicas de Saúde assumem no atual modelo de atenção à saúde,
trabalho clínico, dotados de maior racionalidade e que propiciem melhor responsabilizando-se pelo desenvolvimento de todas as ações de saúde junto à
aproveitamento da área física, com instalação dos equipamentos feita segundo comunidade. Incluem-se aí as atividades de vigilância epidemiológica e vigilância
princípios ergonômicos. sanitária, bem como seu papel de “porta de entrada”, inclusive coordenando a atenção
Assim, é fundamental rever a divisão técnica do trabalho, incorporando à saúde bucal nos espaços sociais da área de sua abrangência (creches, pré-escolas,
amplamente pessoal auxiliar para atuar nas ações desenvolvidas, tanto no ambiente escolas, etc.). As informações relativas ao conjunto dessas ações deverão estar
clínico como fora dele. Desta forma, compor a equipe de saúde bucal é uma incluídas nos seus boletins.
necessidade básica.
4. Bibliografia Sugerida
3.4. Desenvolvimento de recursos humanos 4.1. BELLINI, H.T. Ensaio sobre programas de saúde bucal. Biblioteca Científica da ABOPREV -
A consolidação da proposta de atenção à saúde bucal nos Sistemas Locais Fascículo 3, Maio, 1991.
de Saúde, implica mudanças na prática odontológica e na prática administrativa. 4.2. BOTAZZO, C. Saúde Bucal Coletiva: Um Conceito em Permanente Construção. Rev. Saúde
Atual, ano I, n o 1, São Paulo, Julho/1992. pp 14-23.
Assim, os recursos humanos passam a ter importância estratégica no planejamento e
4.3. BRASIL - Ministérios da Educação & da Saúde/Fundação de Assistência ao Estudante &
implementação das ações programáticas em saúde bucal, sendo fundamental seu Divisão Nacional de Saúde Bucal. Sistema Incremental de Atenção Odontológica para Escolares.
desenvolvimento em três níveis: Brasília, FAE-DNSB, sdp. (Série: Educação em Saúde, Odontologia II).
a) Capacitação gerencial dos profissionais envolvidos nessas funções desenvolvida 4.4. BRASIL, Constituição/1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
pelo próprio município, em articulações ou em convênios com instituições de ensino Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
e/ou pesquisa; 4.5. BRASIL, Ministério da Saúde. Levantamento Epidemiológico de Saúde Bucal: Brasil, Zona
Urbana, 1986. Centro de Documentação do Ministério da Saúde. Brasília. 1988.

166
4.6. CHAVES, M. M. Odontologia Social. 2 a ed. Labor do Brasil. Rio de Janeiro. 1977. A Rede CEDROS - Rede para Cooperação em Estudos e Desenvolvimento de
4.7. CONIVRÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL (Primeira). Brasília. DF, 10 a 12 out. 1986. Recursos Odontológicos para o Setor Saúde - é uma rede formada por indivíduos em
Ministério da Saúde - Universidade de Brasília. Relatório Final. Centro de Documentação do instituições, ou no exercício privado da Odontologia, com o objetivo comum de
Ministério da Saúde. Brasília. 1986.
contribuir para a solução de problemas ligados à saúde bucal da população.
4.8. CORREA, A. P. Análise Comparativa dos Efeitos de um Programa Incremental sobre a
Saúde Oral de seus Beneficiários. Dissertação de Mestrado em Odontologia Social, apresentada Neste sentido a Rede procura tornar-se um elo entre a profissão organizada -
à Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 1986. representada por seus conselhos, associações e sociedades -, os serviços e
4.9. DINIZ, Jairo. Contribuição ao Estudo do Sistema Incremental de Atendimento Odontológico. instituições acadêmicas dedicadas ao ensino e à pesquisa.
(Tese de doutorado apresentada a Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da A Rede tem como núcleo básico para seu funcionamento, Grupos de Trabalho (GTs),
Bahia). Salvador. 1983. que estão organizados à partir de Linhas de Trabalho (LTs) específicas, relacionadas
4.10. DISTRITO FEDERAL (BRASIL). Secretaria de Educação e Cultura. Fundação Educacional. a cinco grandes áreas da Saúde Bucal: Epidemiologia; Prevenção; Tecnologias
Programa Integrado de Saúde Escolar - PISE. GDF/SEC. Brasília. 1983. Curativo-restauradoras; Desenvolvimento de Recursos Humanos; e Desenvolvimento
4.11. INSTITUTO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA MÉDICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL.
de Tecnologias de Planejamento e Gerência para os Sistemas Locais de Saúde e
Programa de Reorientação da Assistência Odontológica. MPAS/CCS. Rio de Janeiro. 1983.
4.12. MARTILDES, M.L.R.; ROSA. A.G.F. & SILVA, N.N. Avaliação do impacto de Programas para o Sistema Único de Saúde.
Incrementais sobre a Prevalência de Cárie Dental em Escolares. Rev. Bras. de Saúde Esc. 2 (2) Estas cinco áreas maiores compõem o ideário da Rede, que parte das necessidades
73- 8.1992. da população com base epidemiológica para, através de etapas sucessivas de
4.13. MENDES, E.V. A Evolução Histórica da Prática Médica; suas implicações no Ensino, na desenvolvimento de métodos preventivos, curativo-restauradores e de formação de
Pesquisa e na Tecnologia Médica. PUC-MG/FINEP. Belo Horizonte. 1984. recursos humanos, chegar ao componente odontológico do sistema de saúde,
4.14. MURRAY. J.J. Bases para a Prevenção de Doenças Bucais. OMS. Liv. Ed. Santos. São contribuindo na formulação de políticas para a saúde bucal.
Paulo. 1992. Os GTs, em sua organização e desenvolvimento, recebem suporte das Coordenações
4.15. MURRAY, J.J. O Uso Correto de Fluoretos em Saúde Pública. OMS. Liv. Ed. Santos. São
Estaduais ou Regionais - Nodos de Desenvolvimento da Rede - e dos Sistemas de
Paulo. 1992.
4.16. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL. DA SAÚDE. Levantamento Epidemiológico Básico de Saúde Apoio formado por pessoas ou grupos, que trabalham em áreas de interesse comum
Bucal - Manual de instruções - Terceira Edição. OMS. Liv. Ed. Santos. São Paulo. 1991. a todos os GTs, como Epidemiologia, Avaliação, Informação Bibliográfica e outras.
4.17. NARVAI, P.C. Saúde Bucal: Assistência ou Atenção. (Documento elaborado para subsidiar Como uma Rede holística e aberta, os mecanismos de entrada só demandam a
a Oficina de Trabalho do Grupo de Trabalho Saúde Bucal no SILOS da Rede CEDROS). Mimeo. apresentação, por parte do interessado, de um trabalho efetivo de pesquisa e
São Paulo. Set. 1992. desenvolvimento em uma das LTs da Rede.
4.18. PINTO. V.G. Saúde Bucal: Odontologia Social e Preventiva. São Paulo. Ed. Santos. 1989. O trabalho da Rede teve início no ano de 1990, a partir de apoio financeiro recebido
4.19. ___________. Saúde Bucal: Panorama Internacional. Ministério da Saúde. Brasília. 1990. da Fundação Kellogg.
4.20. PIRES, O.M.D.A. & CORVELLO, L. Comparação do Sistema Incremental com o Sistema
de Ações de Natureza Coletiva no Programa de Saúde Bucal no Município de Embu. Divulgação,
6 (Rev. do 8 o ENATESPO) : 44-53. 1991. Maiores informações sobre a Rede CEDROS podem ser obtidas através de seu
4.21. PLAMPLING, D. & SHEIHAM, A. Bases Cientificas para la Prevención y el Tratamiento Secretariado Executivo que está situado no Centro Colaborador da Organização
Precoz de las Enfermidades Dentales Comunes. Departamiento Conjunto de Salud Dental Mundial de Saúde para Pesquisa e Promoção de Saúde Bucal, da Faculdade de
Comunitaria y Pratica Dental, Faculdad de Medicina del University College y Instituto de Odontologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Caixa Postal 68026, CEP:
Odontologia del Hospital de Londres. Monograph Series. N o 2. 1990. 21941-590, Rio de Janeiro. Tel:(021)290-1498 Fax:(021) 290-8148
4.22. ROSA, AG.F. Análise da Prevalência de Cárie Dental em Escolares de 7 a 14 anos,
matriculados nas Escolas Municipais de São José dos Campos, SP, em 1979, 1985 e 1991.
RGO. 40 (2): 110-14. 1992.

167

Você também pode gostar