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AUXILIAR DE SALA É PROFESSOR? DILEMAS DA PROFISSIONALIZAÇÃO


DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Luciana Mara Espíndola Santos


Prefeitura Municipal de Florianópolis
luciana_espin@hotmail.com

Palavras-chave: Educação Infantil. Professores. Auxiliares de sala.

A profissionalização do adulto no campo da Educação Infantil. Um tema


complexo, que, embora já tenha sido abordado em alguns estudos, tem sido pouco explorado
como elo de uma teia de interdependência entre fatores políticos, econômicos, sociais,
educacionais, culturais.
A ideia deste estudo vincula-se à minha prática profissional como professora do
campo, e de certa forma a interrogações que me fazem cotidianamente, no exercício da gestão
educacional, confrontar discursos, práticas e orientações na esfera das políticas públicas locais
e nacionais.
O cotidiano vivido numa creche pública, nos espaços de formação de professores
e dirigentes educacionais tem permitido identificar uma série de ambiguidades. Da
Modernidade à década de 2009, em tempos de novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (1999, 2009) e nova LDB (1996), que afirmam e reafirmam a Educação
Infantil como primeira etapa da educação básica e o professor como o profissional por
excelência para atuar com as crianças de pouca idade, vivemos em cenários em que a
dicotomia entre assistência científica e educação se faz sentir no ideário e nas práticas
institucionais.
Ocultando ou mascarando as diferenças, os documentos oficiais do Município
instituem que o professor e o auxiliar de sala têm as mesmas funções. No entanto, no
cotidiano, as ações se diferem. No cotidiano, o que se encontra são ainda binarismos,
dicotomias, reproduções de ações feministas, sexistas, empobrecidas.
Práticas cristalizadas na Educação Infantil, tanto no Brasil quanto em
Florianópolis, tipificaram o adulto que trabalha formalmente com a criança pequena, criando
estereótipos, modelos, personificações da profissão.
Tais produções e reproduções foram construídas em processos históricos, eivados
de forças que ora trabalham para manter a tradição, ora emaranham-se em torno da inovação,
nas contradições que fazem dos espaços educacionais arena de permanências e rupturas.
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Buscar elementos que possam ajudar a compreender o processo de


profissionalização docente na Educação Infantil de Florianópolis, com atenção especial à
movimentação ocorrida durante a década de 80, que trouxe além de expansão, significativas
mudanças de ordem administrativa e curricular se faz necessário, para que possamos hoje
entender o lugar que ocupa na educação, tanto professores quanto auxiliares de sala.
A década de 80, recorte deste estudo, foi realizada com embasamento nas
pesquisas da Professora Luciana Esmeralda Ostetto (2000), que elenca para este período, três
fatores extremamente significativos, quais sejam: 1) a elaboração do primeiro currículo para a
Educação Infantil; 2) Criação, no ano de 1985, da Secretaria Municipal de Educação e; 3)
Expansão das unidades de Educação Infantil, que de 1976 a 1979 compunha cinco creches e
NEIS (Núcleo de Atendimento Infantil)1, passou, no final da década de 80, a contar com 38
instituições, sendo nove creches e 24 NEIS.
O estudo desses eventos permitiu fazer uma leitura da atualidade, considerando os
embates travados na década referida, que não está nada longe dos dias de hoje, o que
caracteriza esta pesquisa como sendo de natureza exploratória, uma vez que se propõe a
buscar indícios que nos apontem para as relações que se estabeleceram no âmbito da
docência, e da profissão do professor, no contexto da Educação Infantil florianopolitana.
Usamos para compor este quadro, uma breve análise documental, procurando identificar
alguns princípios, objetivos e funções atribuídos aos profissionais da Educação Infantil no
município, cotejando-os com as propostas oficiais que regem a Educação Infantil em nosso
país, a saber, as Diretrizes Curriculares Nacionais para educação da criança de 0 a 5 anos, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação e as Diretrizes para Formação de Professores da
Educação Básica.

A trajetória da Educação Infantil no Brasil

Atrelada à história da infância como uma categoria social, o desenvolvimento


histórico das instituições que prolongaram esse período da vida, a saber, salas de asilo, escolas
maternais, jardins de infância, foi eivado de discursos que instituíram concepções, práticas e
imaginários sociais que circulam ainda hoje em nossa sociedade e consequentemente, nos
espaços coletivos de Educação Infantil.
Historicamente, no bojo das reorganizações estruturais da sociedade moderna, as
instituições para cuidar e educar das crianças de pouca idade surgiram com a função social
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primeira de atender meninos e meninas pobres, órfãos e abandonados. Foi nessa configuração
que a assistência científica tomou assento (KUHLMANN, 1998) nessas instituições.
Tal caráter demandou a essas instituições um apelo ao discurso dominante da
medicina higienista, sobretudo, nas últimas décadas do século XIX, haja vista que nesse
período o índice de mortalidade infantil era alto. Conforme Oliveira

Nos centros urbanos que se industrializavam rapidamente e que não


dispunham de infraestrutura urbana em termos de saneamento básico,
moradias, etc., sofrendo assim o perigo de constantes epidemias, a creche era
defendida, na década de 30, por sanitaristas preocupados com as condições
de vida da população operária, ou seja, com a preservação e reprodução da
mão de obra importada, que dispunha, em geral, apenas de moradias
insalubres (1990, p. 46).

Nesse período, a assistência caritativa, religiosa, era outro campo dominante na


organização das instituições voltadas para a criança de pouca idade. Para Kuhlmann Jr.

Os religiosos apresentavam a Igreja como um sustentáculo da sociedade


capitalista, enfatizando que a sua experiência secular na caridade, o seu
know-how não deveria ser desprezado. Em 1900, o padre Julio Maria
destacava como a Igreja no trato com a pobreza, por meio das obras
salesianas, estaria sendo útil para a segurança do capital: ‘D. Bosco
compreendeu o que é o pobre, compreendendo a grandeza sobrenatural do
pobre, o seu destino providencial, transformou o pobre em protetor do rico.
[...]’ (1998, p. 96).

Ao mesmo tempo em que tínhamos essas propostas para as crianças pobres,


tínhamos, desde 1883 no Brasil, outra perspectiva de educação infantil para as classes
abastadas – os jardins de infância. Conforme Kuhlmann Jr.

A preocupação daqueles que se vinculavam às instituições pré-escolares


privadas brasileiras era com o desenvolvimento de suas próprias escolas.
Nota-se, entre eles, a utilização do termo pedagógico como uma estratégia de
propaganda mercadológica para atrair as famílias abastadas, como uma
atribuição do jardim de infância para os ricos, que não poderia ser
confundido com os asilos e creches para os pobres. (1998, p. 83).

Para a implementação desse projeto, sabe-se que os jardins de infância e as


creches constituíram agências sociais e educacionais de destaque. No fluxo desse percurso,
pode-se observar a configuração de uma teia de propostas dirigidas às crianças com uma
finalidade civilizadora. A infância tornava-se cada vez mais foco dos especialistas, em
especial, médico sanitaristas e psicológicos.
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Não obstante, a infância e sua educação foi simultaneamente produzida,


qualificada e representada pelo discurso científico, mas também defendida como assunto
familiar, em especial como território da mulher e da mãe, contribuindo para a formação de um
habitus, ou seja, um modo de agir a partir do que está internalizado, não aplicando-se somente
a normas e valores, mas que “[...] inclui os sistemas de classificações que preexistem
(logicamente) às representações sociais.” (BOURDIEU; ORTIZ, 1994, p. 16).
Com a institucionalização crescente da educação feminina em fins do século XIX,
passa-se a ter uma compreensão cada vez maior sobre a conveniência da mulher ser bem
preparada para educar as crianças. Desde então, não só como prática social doméstica, mas
também eivada de legitimidade pelo discurso científico, a educação das crianças foi
considerada eminentemente feminina. Educar as crianças como missão da mulher deixa de ser
destaque como prática natural e toma o lugar de saber profissional, pois “[...] para bem educar
não basta amar, é preciso conhecer e compreender as necessidades infantis.” (FILHO, 2002, p.
86).
No Brasil, a educação profissional das crianças iniciou-se paralelamente à
constituição moderna da urbanização, industrialização e propagação do discurso médico-
higienista. E sob o viés do ideário positivista de ordem e progresso republicano, a política de
assistência científica à infância deu-se também em consonância com a profissionalização da
mulher nas escolas normais.
A influência froebeliana de defesa da profissionalização dos jardineiros e
jardineiras marcou o discurso pedagógico brasileiro sobre a educação da criança de pouca
idade. Segundo Barbosa (2006), na bibliografia brasileira especializada em educação infantil
são encontrados vários argumentos que estabelecem um quadro de referências que permitem
afirmar que houve no percurso histórico continuidades e descontinuidades entre discursos,
práticas e orientações políticas.
À medida que essas perspectivas se consolidam e se reconfiguram em nosso país,
o professor passa a ser defendido como o profissional apto a atuar nas instituições de
Educação Infantil. Foi por um longo esforço, debate e estudos que atualmente a Educação
Infantil é considerada primeira etapa da Educação Básica; e o professor, licenciado ou
formado em nível Normal, o profissional legitimamente designado para educar-cuidar e
ampliar repertório cultural das crianças nos espaços coletivos de Educação Infantil (BRASIL,
2000).
Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-1996) ao
passo que se alcança esse salto qualitativo, deixa-se de sustentar a dicotomia assistência –
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educação, e, passa-se a reconhecer a função educativo-pedagógica das instituições que cuidam


e educam crianças de 0 a 5 anos e 11 meses, cuja função social é promover o desenvolvimento
integral dos pequenos, reconhecidos como sujeitos de direito e cidadãos (ROCHA, 2010;
SARMENTO, 2005).
Porém, no imaginário social e pedagógico, as funções historicamente atribuídas à
Educação Infantil ainda se fazem presentes, meio que juntas e misturadas.
O que se observa é certo descompasso entre os avanços teóricos, legais e o
cotidiano vivido das políticas públicas, que muitas vezes se deixam levar por necessidades de
sustentabilidade econômica do que efetivamente por necessidades de questões pedagógicas e
do comprometimento com os direitos fundamentais das crianças.

As ambiguidades da profissionalização do adulto que trabalha com a Educação Infantil


em nosso contexto local

A polarização entre assistência científica e trabalho pedagógico foi um dos fatores


que mais contribuiu para que hoje ainda tenhamos ambiguidades entre as funções do adulto
que trabalha nas instituições de Educação Infantil.
Isso é tão verdadeiro que até hoje o discurso do Ministério da Educação reitera o
binômio cuidar-educar e consequentemente, a distinção entre o auxiliar de sala e o professor,
à medida que o auxiliar fica imbuído das ações do cuidado e o professor é o que ensina-educa.
Além dessa figura, outras ainda se fazem presentes no contexto da Educação
Infantil, tais como a crecheira, a recreadora, a berçarista, muitos, pelo território nacional
afora, sem exigência de titulação conforme prescreve a LDB. Na interpretação de Craidy:

a persistência da figura do monitor, ou auxiliar, ou pajem, crecheira, etc.


aparece como forma de burlar a exigência mínima de formação, não porque
essa não seja desejada ou possível, mas porque o profissional que a possui
custa mais caro. Pode-se, portanto, afirmar que a dificuldade não está em
formar o educador infantil, mas em pagá-lo como salário que corresponde ao
de um educador habilitado (s/d, p. 4).

O município de Florianópolis tem acompanhado essas discussões e oportunizado a


realização de um trabalho nas creches para além do que estabelecem as Diretrizes
Educacionais Pedagógicas para Educação Infantil (FLORIANÓPOLIS, 2010), legitimando
um atendimento à luz da Pedagogia da Infância, tendo “[...] como objeto de preocupação os
processos de constituição do conhecimento pelas crianças, como seres humanos concretos e
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reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais, também constitutivos de suas


infâncias.” (ROCHA, 2010, p. 13).
Para que esses preceitos se efetivem na prática é preciso pensar no trabalho do
professor que atua nas creches, na sua formação e articulação pedagógica, nos saberes que
constituem sua prática e a relação que se estabelece com o que preconiza a Pedagogia da
Infância. É preciso pensar na forma como a Educação Infantil está estruturada, sobretudo na
rotina, quando existem duas profissionais (uma professora regente e uma auxiliar de sala)
responsáveis pela educação dessa criança.
Sobre essa questão, uma problemática pontual vem gerando discussões dentro e
fora das Unidades de Educação Infantil do município de Florianópolis. Falamos mais
especificamente do trabalho realizado pelas auxiliares de sala2 durante o período que se
encontram sozinhas ou como únicas responsáveis pelo grupo de crianças. Nas instituições
públicas de Florianópolis esse período totaliza quatro horas diárias, carente de observação,
supervisão, parceria, uma vez que nas creches o atendimento feito pelas auxiliares durante os
dois turnos totaliza 12 horas. Já os professores regentes e orientadores pedagógicos fazem 8
horas diárias, o que acaba configurando para essas profissionais auxiliares, um trabalho
solitário, durante o período de quatro horas (duas por turno). Tal fato tem trazido à tona não só
uma questão política, financeira e de enquadramento funcional, mas também de relação com o
dever e papel desse profissional nas creches, uma vez que a própria nomenclatura “auxiliar de
sala” já fala por si só, ou melhor, possui uma representação que deve ser estudada, propondo
um entendimento de que de há um sentido constituído por essa classe profissional, que a
representa socialmente e historicamente. Nas palavras de Chartier:

[...] penetrando nas meadas das relações e das tensões que as constituem a
partir de um ponto de entrada particular (um acontecimento, importante ou
obscuro, um relato de vida, uma rede de práticas específicas) e considerando
não haver prática ou estrutura que não seja produzida pelas representações,
contraditórias e em confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão
sentido ao mundo que é deles. (1991, p. 177).

O que reforça a tese de que as condutas práticas levam a uma representação, e que
no caso estudado age fortemente no caráter profissional no auxiliar de sala, levando a
construção de uma imagem que tende a tornar aquele profissional, por mais que seus
conhecimentos possam provar ao contrário, um profissional de status secundário,
subordinando a outro profissional, que não raros os casos, tem semelhante formação
profissional.
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No Brasil, a figura da auxiliar de sala esteve presente nas primeiras instituições


criadas para atendimento e educação das crianças pequenas, nascidas no final do século XIX,
que, de acordo com Kuhlmann Jr. (1998), exerciam o trabalho manual, mais voltado aos
cuidados de higiene e alimentação, próximos ao trabalho realizado no ambiente familiar, o
que resultou numa desqualificação desse profissional, contribuindo ainda para a divisão entre
o trabalho de professoras e auxiliares.
Em Florianópolis, as primeiras creches públicas municipais surgiram a partir de
1976, com atendimento de crianças em idade pré-escolar (quatro a seis anos), cujo objetivo
voltava-se mais a uma educação compensatória. Na ocasião foram contratadas cinco
professoras recém-formadas no curso de magistério do Colégio Coração de Jesus, uma vez
que ainda não existia regulamentação para ingresso por meio de concurso público. Cabe
ressaltar que cada turma tinha em média 25 alunos/crianças e somente uma professora por
turma. Em 1979, com a inclusão de turmas de berçário, o atendimento foi ampliado para
crianças de zero a três anos, com um caráter mais assistencialista científico3. Documentos
oficiais que registram esse momento apontam para a figura da babá, na atuação juntamente
com a professora de sala (OSTETTO, 2000). O concurso para professor e auxiliar de sala, a
partir da década de 1980, já esboçava a diferenciação entre os dois profissionais, sendo que
cabia à professora uma formação mais específica, voltada à criança, portanto, pedagógica,
enquanto para o cargo de auxiliar de sala bastava ter o 1º grau completo.
É notório que hoje as orientações oficiais que tratam da Educação Infantil
procuram criar práticas institucionais que aproximem e articulem ambos os profissionais,
tanto é que as formações em serviço focam sem distinção essas duas categorias. A literatura
também destaca a palavra profissional, num sentido que parece abranger professores e
auxiliares de sala. Os próprios documentos que tratam do trabalho na Educação Infantil de
Florianópolis enfatizam que profissionais que atuam com as crianças, sejam professores ou
auxiliares de sala, precisam planejar, executar, registrar e avaliar os momentos com os
pequenos, sejam eles momentos de rotina, projetos de sala ou projetos coletivos
(FLORIANÓPOLIS, Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil, 2010). O
documento final da Conferência Nacional da Educação Básica (2008) também não faz
distinção de professores em relação à modalidade de ensino, disciplina, ou atuação (auxiliar
de sala e professor). Professores e funcionários são enquadrados como profissionais da
educação e para ambos existe igualdade na constituição de um plano de carreira para todos,
que respeite o piso nacional, turno único, tempo para formação, planejamento de atividades,
número de crianças por turma e formação em serviço.
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Porém, os concursos para professores ainda se realizam distintamente, pois para o


cargo de auxiliar de sala a exigência é curso de magistério, e para professor é necessário que
se tenha no mínimo o curso de licenciatura em Pedagogia (com habilitação em Educação
Infantil). Tal fato se configura numa contradição, uma vez que a própria Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB/1996) não reconhece a categoria de auxiliar, pois estabelece que
para trabalhar com crianças pequenas a titulação mínima exigida é a oferecida em nível médio
na modalidade normal, portanto, esse profissional é o professor.
Em Florianópolis, o enquadramento funcional de ambos também difere, pois os
auxiliares fazem parte do quadro civil; já os professores se enquadram na categoria do
magistério, o que traz também uma diferença salarial considerável a favor do professor.
Contudo, cabe ressaltar que o número de auxiliares de sala da rede municipal de
ensino de Florianópolis que possui graduação e especialização é bastante significativo, o que
mostra que esse profissional tem adquirido um conhecimento mais específico, o que
teoricamente qualificaria ainda mais o atendimento e a educação das crianças, pois apesar de
não haver estudos que comprovem ou analisem as práticas desses profissionais quando estão
sozinhos, os relatos de muitos diretores e profissionais que atuam nas creches sinalizam para
uma resistência posta por esses profissionais (auxiliares de sala) a atividades diretamente
relacionadas a planejamento, registro e avaliação do trabalho e da criança. Tem-se
identificado que no período em que o auxiliar de sala atua sozinho com as crianças, as
atividades propostas assumem o caráter de uma mera ocupação do tempo infantil, sem uma
preocupação ou intenção pedagógica relacionada ao currículo da creche.
Tal fato reforça a hipótese de que há uma resistência por parte de muitos desses
profissionais, que apesar de possuírem estudo, conhecimento, se “auto” enquadram na
categoria de auxiliar, muitas vezes afirmando que não planejam atividades, não fazem
registros e nem avaliação porque não são pagos para isso e essas são atividades
exclusivamente responsabilidade do professor. Curioso que no último concurso realizado pela
Prefeitura Municipal de Florianópolis, em 2010, para o provimento dos cargos de professor e
auxiliar de sala para Educação Infantil, em relação à função, sinalizou-se que ambos os
profissionais tinham de exercer as mesmas funções, sendo que o auxiliar de sala devia ainda
assistir o professor.

Ao PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL caberá ter domínio de


atividades de registro, planejamento e avaliação necessárias a organização do
trabalho na unidade educativa; viabilizar ações que garantam os direitos da
criança na unidade educativa; assumir uma postura ética e respeitosa com as
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crianças, famílias e os demais profissionais; participar das discussões


educativas/pedagógicas propostas pela unidade educativa; desenvolver
atividades que estejam de acordo com o projeto político pedagógico da
unidade educativa. Ao AUXILIAR DE SALA caberá auxiliar o professor; ter
domínio de atividades de registro, planejamento e avaliação necessárias a
organização do trabalho na unidade educativa; viabilizar ações que garantam
os direitos da criança na unidade educativa; assumir uma postura ética e
respeitosa com as crianças, famílias e os demais profissionais; participar das
discussões educativas/pedagógicas propostas pela unidade educativa;
desenvolver atividades que estejam de acordo com o projeto político
pedagógico da unidade educativa. (FLORIANÓPOLIS, EDITAL Nº
008/2010).

Entendemos que a pesquisa em educação tem como um de seus motes a


desnaturalização dos processos educacionais, sem estabelecer julgamentos, porém,
construindo e sistematizando inventários de sentido. Ou seja, dar visibilidade às condições de
legitimidade das práticas culturais e educacionais.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi refletir sobre as ambiguidades existentes na profissão


docente, no campo da Educação Infantil no município de Florianópolis, ainda pouco
discutida, sobretudo entre professores e auxiliares de sala.
A trajetória da Educação Infantil em Florianópolis, as concepções de ensino
anunciadas no momento em que as primeiras instituições passaram a existir e a organização
administrativa da época corroboraram para uma formação fragilizada e com uma perspectiva,
que ora pendia para o assistencialismo, ora pendia para a educação compensatória. Nesse
contexto, a busca por profissionais capacitados e com formação adequada para atuação no
nível de ensino em questão também foi acontecendo de modo um tanto dispare, dando
indícios de que tais fatores podem ter contribuído para a formação do cenário que temos hoje.
Cenário que vem acentuando as ambiguidades, uma vez que os concursos continuam a
contratar professores e auxiliares de sala, exigindo de ambos a mesma formação e atuação de
extrema semelhança, embora o regime de trabalho e as condições salariais sejam bastante
diferentes. Situação que tem comprometido o trabalho pedagógico e que carecem além de
pesquisa, debates e discussões, sobretudo entre gestores da administração pública,
professores, auxiliares de sala e estudiosos da educação.
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Referências bibliográficas

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OLIVEIRA, P. H. F. Os filhos da falha: assistência aos expostos e remodelação das condutas


em Desterro (1828-1887). Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São
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OSTETTO, L. E. Educação Infantil em Florianópolis. Florianópolis: Cidade Futura, 2000.

ROCHA, E. C. Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil. In: Diretrizes


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uma proposta de trabalho. Perspectiva. Florianópolis: v. 23, n. 01, p. 17 – 40, jan./jul. 2005.

Prefeitura Municipal de Florianópolis. Disponível em:


<http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/educa/index.php?cms=cargos+e+salarios&menu=7>,
Acesso em: 25 nov. 2011.

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Para Creches, entende-se atendimento integral, ou seja, das 7h às 19h, os NEIS possuíam atendimento parcial,
ou seja, as crianças frequentavam apenas um turno, ou das 7h às 13h, ou das 13h às 19h, realidade que não se
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aplica mais aos dias de hoje, em que a maioria dos NEIS atende em período integral.
2
Nas Creches da Prefeitura Municipal de Florianópolis existe o profissional “Auxiliar de sala”, pertencente ao
quadro civil, com carga horária de 6 horas diárias, que tem como atribuição: participar das atividades
desenvolvidas pelo professor, em sala de aula, ou fora dela; manter-se integrado(a) com o(a) professor(a) e as
crianças; participar das reuniões pedagógicas e de grupos de estudos, na Unidade Educativa; seguir a orientação
da supervisão da Unidade Educativa; orientar para que a criança adquira hábitos de higiene; auxiliar na
elaboração de materiais pedagógicos (jogos, materiais de sucata, e outros); promover ambiente de respeito mútuo
e cooperação entre as crianças e demais profissionais da Unidade Educativa, proporcionando o cuidado e
educação; atender às crianças respeitando a fase em que estão vivendo; interessar-se e entender a proposta da
Educação Infantil da Rede Municipal de Florianópolis; participar das formações propostas pelo Departamento de
Educação Infantil; atender às solicitações das crianças; auxiliar na adaptação das novas crianças; comunicar ao
professor e ao supervisor, dificuldades no processo de trabalho; zelar pela guarda de materiais e equipamentos de
trabalho; participar do processo de integração da unidade educativa, família e comunidade; atender às
necessidades de Medicina, Higiene e Segurança do trabalho; conhecer o processo de desenvolvimento da
criança, mantendo-se atualizado, através de leituras, encontros pedagógicos, formação continuada em serviço,
seminários e outros eventos; comunicar ao professor e ou/direção situações que requeiram atenção especial;
realizar outras atividades correlatas com a função. O atendimento nas Creches é de 12 horas e para cumprir tal
exigência, as Unidades contam com esse profissional no turno matutino e vespertino, fazendo os seguintes
horários respectivamente: 7h às 13h (matutino) e 13h às 19h (vespertino). Esse profissional trabalha em conjunto
com o Professor regente, pois nas turmas de Educação Infantil, se tem a presença desses dois profissionais,
atuando em parceria (mesmo turno) com um mesmo grupo de crianças. O professor regente tem carga horária de
8h. Trabalhando 4 horas no turno matutino (8h às 12h) e 4 horas no vespertino (13h às 17h), enquadrando-se no
quadro do magistério e possuindo as seguintes atribuições: ministrar aulas, atividades pedagógicas planejadas,
propiciando aprendizagens significativas para as crianças; elaborar programas e planos de trabalho no que for de
sua competência; seguir a proposta Político - Pedagógica da Rede Municipal de Educação de Florianópolis e da
Unidade Educativa, integrando-as na ação pedagógica, como copartícipe na elaboração e execução do mesmo;
acompanhar o desenvolvimento das crianças; participar das reuniões de pais, reuniões pedagógicas, encontros de
formação, seminários e outros, promovidos pela Secretaria Municipal de Educação; realizar os planejamentos,
registros e relatórios solicitados; participar ativamente do processo de integração da escola – família –
comunidade; observar e registrar o processo de desenvolvimento das crianças, tanto individualmente como em
grupo, com objetivo de elaborar a avaliação descritiva das crianças; realizar outras atividades correlatas com a
função. É necessário para atuação em ambos os cargos possuir no mínimo o curso de Magistério, com
habilitação em Educação Infantil. (FLORIANÓPOLIS, 2010).
3
Assistencialista numa concepção denominada por Kuhlmann Jr. como assistência científica, cuja pretensão era
uma formação voltada para a aceitação da exploração social, disciplinando os pobres e trabalhadores,
enfatizando uma condição de submissão social.

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