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IPH UFRGS

Março 2010
Versão

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Introduzindo hidrologia

WALTER COLLISCHONN – IPH UFRGS


RUTINÉIA TASSI – IPH UFRGS
Capa: Andreas Collischonn
Ilustrações: Fernando Dornelles
I N T R O D U Z I N D O H I D R O L O G I A
Capítulo

1
Introdução
O conceito de Hidrologia o estudo da Hidrologia nas Engenharias.

H
idrologia é a ciência que trata da água na Terra, sua ocorrência, circulação,
distribuição espacial, suas propriedades físicas e químicas e sua relação com
o ambiente, inclusive com os seres vivos. A Hidrologia é o estudo da água
na superfície terrestre, no solo e no sub-solo. De uma forma simplificada
pode-se dizer que hidrologia tenta responder à pergunta: O que acontece com a água
da chuva?

A Hidrologia pode ser tanto uma ciência como um ramo da engenharia e tem muitos
aspectos em comum com a meteorologia, geologia, geografia, agronomia, engenharia
ambiental e a ecologia. A Hidrologia utiliza como base os conhecimentos de hidráulica,
física e estatística.

Existem outras ciências que também estudam o comportamento da água em diferentes


fases, como a meteorologia, a climatologia, a oceanografia, e a glaciologia. A diferença
fundamental é que a Hidrologia estuda os processos do ciclo da água em contato com
os continentes.

Hidrologia nas Engenharias


A humanidade tem se ocupado com a água como uma necessidade vital e como uma
ameaça potencial pelo menos desde o tempo em que as primeiras civilizações se
desenvolveram às margens dos rios. Primitivos engenheiros construíram canais, diques,
barragens, condutos subterrâneos e poços ao longo do rio Indus, no Paquistão, dos
rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, do Hwang Ho na China e do Nilo no Egito, há
pelo menos 5000 anos.

Enquanto a Hidrologia é a ciência que estuda a água na Terra e procura responder à


pergunta sobre o que ocorre com a água da chuva uma vez que atinge a superfície, a
Engenharia Hidrológica é a aplicação dos conhecimentos da Hidrologia para resolver
problemas relacionados aos usos da água.

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Entre os principais usos humanos da água estão: o abastecimento humano; irrigação;


dessedentação animal; geração de energia elétrica; navegação; diluição de efluentes;
pesca; recreação e paisagismo.

As preocupações com o uso da água aumentam a cada dia porque a demanda por água
cresce à medida que a população cresce e as aspirações dos indivíduos aumentam.
Estima-se que no ano 2000 o mundo todo usou duas vezes mais água do que em 1960.
Enquanto as demandas sobem, o volume de água doce na superfície da terra é
relativamente fixo. Isto faz com que certas regiões do mundo já enfrentem situações de
escassez. O Brasil é um dos países mais ricos em água, embora existam problemas
diversos.

A Engenharia Hidrológica também estuda situações em que a água não é exatamente


utilizada pelo homem, mas deve ser manejada adequadamente para minimizar
prejuízos, como no caso das inundações provocadas por chuvas intensas em áreas
urbanas ou pelas cheias dos grandes rios. Relacionados a estes temas estão os estudos
de Drenagem Urbana e de Controle de Cheias e Inundações.

A água também é importante para a manutenção dos ecossistemas existentes em rios,


lagos e ambientes marginais aos corpos d’água, como banhados e planícies
sazonalmente inundáveis. Nos últimos anos a Hidrologia e a Engenharia Hidrológica
têm se aproximado de ciências ambientais como a limnologia e a ecologia, visando
responder questões como: Qual é a quantidade de água que pode ser retirada de um rio
sem que haja impactos significativos sobre os seres vivos que habitam este rio?

É possível que no futuro a água venha a ter um papel cada vez mais importante, num
mundo em que a energia renovável vai ser fundamental: no caso de produção
(hidroelétrica, energia de ondas e marés); no caso de armazenamento (para
complementar energia de vento ou solar); e no caso de produção de biocombustíveis
(irrigação).

Usos da água
Os usos da água são normalmente classificados em consuntivos e não consuntivos.
Usos consuntivos alteram substancialmente a quantidade de água disponível para
outros usuários. Usos não-consuntivos alteram pouco a quantidade de água, mas
podem alterar sua qualidade. O uso de água para a geração de energia hidrelétrica, por
exemplo, é um uso não-consuntivo, uma vez que a água é utilizada para movimentar as
turbinas de uma usina, mas sua quantidade não é alterada. Da mesma forma a
navegação é um uso não-consuntivo, porque não altera a quantidade de água
disponível no rio ou lago. Por outro lado, o uso da água para irrigação é um uso
consuntivo, porque apenas uma pequena parte da água aplicada na lavoura retorna na
forma de escoamento. A maior parte da água utilizada na irrigação volta para a

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atmosfera na forma de evapotranspiração. Esta água não está perdida para o ciclo
hidrológico global, podendo retornar na forma de precipitação em outro local do
planeta, no entanto não está mais disponível para outros usuários de água na mesma
região em que estão as lavouras irrigadas.

Os usos de água também podem ser divididos de acordo com a necessidade ou não de
retirar a água do rio ou lago para que possa ser utilizada. Alguns usos da água que
podem ser feitos sem retirar a água de um rio ou lago são a navegação, a geração de
energia hidrelétrica, a recreação e os usos paisagísticos. Alguns usos da água que exigem
a retirada de água, ainda que parte dela retorne, são o abastecimento humano e
industrial, a irrigação e a dessedentação de animais.

Os parágrafos que seguem descrevem com um pouco mais de detalhe alguns dos
principais usos de água.

Abastecimento humano
O uso da água para abastecimento humano é considerado o mais nobre, uma vez que
o homem depende da água para sua sobrevivência. A água para abastecimento humano
é utilizada diretamente como bebida, para o preparo dos alimentos, para a higiene
pessoal e para a lavagem de roupas e utensílios. No ambiente doméstico a água
também é usada para irrigar jardins, lavar veículos e para recreação.

O consumo de água em ambiente doméstico é estimado em 200 litros por habitante


por dia. Aproximadamente 80% deste consumo retorna das residências na forma de
esgoto doméstico, obviamente com uma qualidade bastante inferior. A apresenta uma
estimativa aproximada das quantidades de água em cada um dos usos domésticos.

Abastecimento industrial
O uso industrial da água está relacionado aos processos de fabricação, ao uso no
produto final, a processos de refrigeração, à produção de vapor e à limpeza. A
fabricação de diferentes produtos tem diferentes consumos de água. Assim, a indústria
de produção de papel, por exemplo, é reconhecidamente uma das que mais consomem
água.

Irrigação
A irrigação é o uso de água mais importante do mundo em termos de quantidade
utilizada. A irrigação é utilizada na agricultura para obter melhor produtividade e para
que a atividade agrícola esteja menos sujeita aos riscos climáticos. Em algumas regiões
áridas, semi-aridas, ou com uma estação seca muito longa, a irrigação é essencial para
que possa existir a agricultura. No Brasil o uso de água para irrigação vem aumentando
a cada ano.

A quantidade de água utilizada na irrigação depende das características da cultura, do


clima e dos solos de uma região, bem como das técnicas utilizadas na irrigação.

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Figura 1. 1: Proporção aproximada dos usos da água em ambiente doméstico (Clarke e King, 2005).

Navegação
A navegação é um uso não-consuntivo que pode ser bastante atrativo do ponto de
vista econômico, principalmente para cargas com baixo valor por tonelada, como
minérios e grãos. A navegação requer uma profundidade adequada do corpo d’água e
não pode ser praticada em rios com velocidade de água excessiva.

Assimilação e transporte de poluentes


Os corpos de água são utilizados para transportar e assimilar os despejos neles
lançados, como o esgoto doméstico e industrial. Mesmo em regiões em que o esgoto
doméstico e industrial é tratado, as concentrações de alguns poluentes podem ser
superiores às concentrações encontradas nos rios. Assim, utiliza-se a capacidade de
diluição dos rios e lagos para diminuir a concentração dos poluentes. Também utiliza-
se os rios para transportar os poluentes e, assim, afastá-los de onde são gerados.

A capacidade de assimilação de um corpo d’água é limitada, e quando o lançamento de


dejetos é excessivo, a qualidade de água de um rio não é mais suficiente para outros
usos, como a recreação e a preservação dos ecossistemas.

Recreação
Um uso de água não consuntivo realizado no próprio curso d’água é a recreação. Este
uso é bastante freqüente em rios com qualidade de água relativamente boa, e inclui
atividades de contato direto, como natação e esportes aquáticos como a vela e a

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canoagem. Também podem existir atividades de recreação de contato indireto, como a


pesca esportiva.

Preservação de ecossistemas
Além de todos os usos humanos mais diretos, é do interesse das sociedades que os rios
e lagos mantenham sua flora e fauna relativamente bem preservadas. A manutenção
dos ecossistemas aquáticos implica na necessidade de que uma parcela da água
permaneça no rio, e que a qualidade desta água seja suficiente para a vida aquática.

Geração de energia
A água é utilizada para a geração de energia elétrica em usinas hidrelétricas que
aproveitam a energia potencial existente quando a água passa por um desnível do
terreno. A potência de uma usina hidrelétrica é proporcional ao produto da descarga
(ou vazão) pela queda. A queda é definida pela diferença de altitude do nível da água a
montante (acima) e a jusante (abaixo) da turbina. A descarga em um rio depende das
características da bacia hidrográfica, como o clima, a geologia, os solos, a vegetação.

Em projetos de centrais hidrelétricas os estudos hidrológicos são necessários para:

• Escolha das turbinas adequadas e determinação da potência instalada.

• Análise da variação temporal da disponibilidade de energia.

• Determinação da energia garantida ou firme.

• Estimativa de vazões máximas em eventos extremos para


dimensionamento das estruturas extravasoras.

• Otimização da operação de sistemas interligados de geração elétrica


que incluem hidrelétricas e termoelétricas.

• Análise das relações entre o uso da água para geração de energia e


outros usos, como irrigação, abastecimento urbano, navegação,
preservação do meio ambiente e recreação.

No Brasil a geração de energia elétrica está fortemente ligada à hidrologia porque a


quase totalidade da energia gerada e consumida é oriunda de usinas hidrelétricas.
Considerando os dados da década de 1990, o Brasil é o terceiro maior produtor de
energia hidrelétrica do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Canadá e a frente
da China, da Rússia e da França. Entretanto, a energia hidrelétrica no Brasil
corresponde a mais de 97% do total da energia elétrica gerada, enquanto que, na maior
parte dos outros países, a energia hidrelétrica corresponde a percentuais muito menores
do total, conforme a Tabela 1. 1. Destes países apenas a Noruega apresenta uma
dependência semelhante da água no setor de energia, com 99% da energia de origem

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hidrelétrica. A dependência mundial da energia hidrelétrica é de apenas 20%, conforme


pode ser observado na última linha da tabela.

Tabela 1. 1: Os dez países maiores produtores de energia hidrelétrica do mundo e a importância relativa da hidreletricidade na energia
total produzida (Gleick, 2000).

País Capacidade Energia Hidrelétrica Percentual da energia


Instalada(MW) produzida (GW.hora/ano) total produzida (%)
Estados Unidos 74.860 296.380 10
Canadá 64.770 330.690 62
China 52.180 166.800 18
Brasil 51.100 250.000 97
Rússia 39.990 162.800 27
Noruega 26.000 112.680 99
França 23.100 65.500 15
Japão 21.170 91.300 9
Índia 20.580 72.280 25
Suécia 16.540 63.500 52
Total dos 10 países 390.290 1.611.030 22
Mundo 633.730 2.445.390 20

Mesmo em usinas termelétricas a água tem um papel fundamental e é consumida em


quantidades significativas. Neste caso a água é utilizada nos ciclos internos de
resfriamento e geração de vapor. Nos Estados Unidos as usinas termelétricas utilizam
cerca de 260 bilhões de metros cúbicos por ano, o que corresponde a 47% da
utilização total de água neste país. Deve se ressaltar, entretanto, que nem toda esta água
é consumida, e grande parte retorna aos rios. Por este motivo, também as usinas
termelétricas são construídas junto a fontes abundantes e confiáveis de água, e são
necessários estudos hidrológicos para avaliar a sua disponibilidade.

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