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O ESTUDO DA OBRA SENHORAS TOMANDO CHÁ DA PINACOTECA

MATTEO TONIETTI, RIO GRANDE, RS.

Andréa Lacerda Bachettini- Professora Assistente do Departamento de Museologia e


Conservação e Restauro, Doutoranda do Programa de Pós Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural ICH/ UFPel, Mestre em História PUCRS;
Email: andreabachettini@gmail.com

Ângela Marina Macalossi- Conservadora-Restauradora, Mestre em Memória Social e


Patrimônio Cultural ICH/UFPel;
Email: angelamacalossi@hotmail.com

Keli Cristina Scolari- Conservadora -Restauradora da ICH/UFPel, Doutoranda do


Programa de Pós Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultura,Mestre em Memória
Social e Patrimônio Cultural ICH/UFPel;
Email: keliscolari@gmail.com

RESUMO

O presente estudo visa pesquisar e analisar uma pintura em óleo sobre tela,
possivelmente do século XIX, pertencente ao acervo da Pinacoteca Municipal Matteo
Tonietti da cidade do Rio Grande. Salvaguardar este bem se faz necessário
considerando que a obra foi doada para ficar como memória na cidade, em lembrança
de relações, de contatos entre pessoas com culturas diferentes e que num determinado
período da história, marcou,como ainda marcam, presença ao município atuando e
participando também para o seu desenvolvimento. Durante o processo de análise da
pintura algumas relações puderam ser estabelecidas, a partir da história da arte, relações
com os mestres da pintura do século XIX puderam ser firmadas, principalmente o
período atribuído a ela, sem dúvida, podemos reconhecer na pintura alguns traços
impressionistas, muito embora prevaleça o academicismo.

Palavras-chave: Pintura. História. Memória. Restauro. Salvaguardar.

INTRODUÇÃO

Neste artigo serão abordados alguns estudos que antecedem o tratamento de


restauro de uma obra arte, aspectos históricos, comparando-a com outros mestres da
pintura do séc. XIX e ainda a análise de algumas chaves iconográficas presentes na obra
―Senhoras Tomando Chá‖ (Fig. 1).

1
Figura 1:Senhoras Tomando Chá. Autor desconhecido. Óleo s/ Tela. Século XIX
Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013.

A obra foi doada ao município pelos Bancos Escandinavos, na década de


1950. Há algum tempo a obra não participa de exposições devido ao seu frágil estado de
conservação, para que ela volte a ser exibida no circuito cultural Riograndino é
necessária sua restauração. Para isso foi estabelecida uma parceria entre o Laboratório
de Conservação e Restauro de Pinturas do Bacharelado em Conservação e Restauração
de Bens Cultuais do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas
e Secretaria de Cultura do Rio Grande através do Centro Municipal de Cultura Inah
Emil Martensen onde está lotada a Pinacoteca do Município.
O processo de restauração é necessário para que seja devolvida sua
integridade física e estética deste bem iconográfico, após este processo a obra poderá ser
inserida novamente em exposições, para apreciação da comunidade Riograndina.
Não se tem registros de atribuição de autoria para a obra, mas no canto
inferior direito notam-se indícios de uma assinatura.

2
Histórico e Origem da obra “Senhoras Tomando Chá”.

De acordo com o que foi relatado pela senhora Marisa Gonçalves Beal 1 , a
documentação existente relata que a pintura foi doada pelos Bancos Escandinavos ao
município de Rio Grande. Conforme registros históricos os Escandinavos2 chegaram até
a cidade do Rio Grande por esse apresentar em sua geografia grandes vantagens ao
desenvolvimento marítimo, tendo em vista que o município teve sua primeira sede da
Capitania dos Portos do Rio Grande do Sul em 1760. Sendo assim, a cidade acabou
consolidando bons negócios com a Escandinávia e proporcionando grandes
envolvimentos comerciais e industriais através da navegação marítima em alto mar que
se destaca até os dias de hoje.
No que se refere aos relatos orais da Senhora Diva Romeu3, a pintura chegou ao
Brasil pelo Porto do Rio Grande, na década de 1950 sendo recebida pelo seu pai, Senhor
Álvaro Romeu que era Inspetor de Alfândega na época, atuando nesse cargo no período
de 1949 a 1956. Senhor Álvaro Romeu relatou para sua família que a pintura chegara ao
Porto do Rio Grande em um navio de origem Alemã, com proveniência dos países
escandinavos e cuja obra deveria ser encaminhada à prefeitura. A tela chamou muita
atenção pela sua beleza e tamanho.
Acredita-se que esta homenagem veio possivelmente da Dinamarca, tendo em
vista que a comunidade Dinamarquesa muito auxiliou para o desenvolvimento da
prática de pesca em alto mar na cidade do Rio Grande. A pintura foi recebida pelo
Intendente Municipal Frederico Ernesto Bucholz, consta que seu mandato junto à
prefeitura foi de 1952 até 1955.
Até o momento, não se tem atribuição de autoria da obra, tendo em vista que no
local onde poderia se encontrar a assinatura na pintura está muito fragilizado e com
perdas significativas da camada pictórica e suporte têxtil (Fig. 2). A única referência é

1
Marisa Gonçalves Beal, ex-coordenadora da Pinacoteca Municipal Matteo Tonietti.
2
A Escandinávia é uma região geográfica e histórica do norte da Europa e que abrange, no
sentido mais estrito, a Dinamarca, a Suécia e a Noruega; num sentido mais lato, o termo pode
também abranger a Finlândia e, mais raramente, as ilhas Feroé e a Islândia. Disponível em:
http://www.noruega.org.br/About_Norway/history/ Acesso em 28 de janeiro de 2013.
3
A Fototeca Municipal Ricardo Giovannini tem um projeto de resgate da historia através do
reconhecimento das imagens fotográficas de seu acervo, esse projeto é chamado ―Chá –
Lembranças, Memória e Saudades‖ onde é criado um banco de história oral, o depoimento é
gravado e assinado logo após pelo depoente. Dona Diva Romeu participou do chá no ano de
2003 onde deixou registros de sua memória. Dona Diva Romeu faleceu no ano de 2007.

3
de que a obra foi doada pelo Sr. Carl Gustav Lang, informação que consta na moldura,
na qual existe uma placa comemorativa com essa referência (Fig. 3).

Figura 2: Detalhe canto inferior direito onde supostamente estaria a assinatura do pintor.
Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013.

Figura 3: Detalhe da moldura – placa comemorativa.


Fonte: Laboratório de Conservação e Restauração de Pinturas, 2013.

No entanto, durante a realização dos exames organolépticos tornou-se visível a


data: 1812. Sendo assim, pode-se supor que essa seria a data de sua criação, fato esse
que poderá ser confirmado durante o processo de restauro e com exames mais precisos.
Segundo o depoimento da Senhora Diva Romeu, a pintura foi para a Escola
Municipal de Belas Artes4 ainda na década de 1950, acredita-se que foi entre os anos de

4
Lei Municipal de nº. 703, do dia 3/06/1954, onde o Conservatório é elevado à categoria de
Escola de Belas Artes Municipal, sendo um projeto do então Intendente Municipal Frederico
Ernesto Bucholz (ATALLAH, 2011, p. 56).

4
1954 ou 1955. A obra permaneceu na escola por muitos anos, mais precisamente até
início de 1980, aos cuidados da diretora Inah Emil Martensen5.
Na década de 1980, a cidade tinha como governante municipal o Senhor Emil
Corrêa, sobrinho da então diretora da Escola de Belas Artes Heitor de Lemos, Senhora
Inah Emil Martensen, o referido prefeito pediu para a Diretora da Escola o empréstimo
da pintura para decorar o Salão Nobre da Prefeitura para uma festa que iria acontecer.
Neste evento festivo ocorreu um incidente com a obra, onde ao estourarem uma garrafa
de champanhe, a rolha bateu na tela e a pressão provocou um rasgo significativo na obra
e a Diretora da Escola, Senhora Inah, não aceitou mais a obra por ela estar danificada.
Nas palavras de Marisa Gonçalves Beal, a pintura permaneceu no Salão Nobre
da Prefeitura até o ano de 2003 (Fig. 4) quando senhor Ronaldo Ferreira Morgado,
então chefe do gabinete do prefeito, encaminhou a pintura para a Pinacoteca Municipal
Matteo Tonietti. Nesta instituição a obra recebeu o número de registro 185, sua autoria
ainda esta em processo de identificação, portanto, está em processo de pesquisa.

Figura 4: Prefeitura Municipal do Rio Grande, na década de 80, onde pode ser observada a
pintura decorando a parede.
Fonte: Acervo da Fototeca Municipal Ricardo Giovannini, NR – 1795.

5
Inah Emil Martensen foi diretora do Conservatório de Música de Rio Grande, atual Escola de
Belas Artes Heitor de Lemos, atuando como professora e diretora deste estabelecimento de
ensino de 1965 até 1983 (MACALOSSI, 2012, p. 30).

5
Segundo este processo de pesquisa a obra apresenta intervenções anteriores às
quais não se tem nenhum registro concreto e nem de autoria deste processo restaurativo,
mas existem relatos de que essa pintura juntamente com outras três obras pertencentes à
Pinacoteca, também provenientes da Prefeitura Municipal do Rio Grande, sofreram
reparos, mas, no entanto, não existem documentos sobre as intervenções.

Descrição da obra: Analise formal.

A análise será iniciada com a observação da pintura que tem como tema central
uma cena de interior, onde senhoras aparecem reunidas, suas dimensões com moldura
são 164 cm x 218 cm x 6,5 cm e sem moldura são 140 cm x 195 cm, a obra foi realizada
na técnica de óleo sobre tela.
A pintura representa uma cena de interior onde aparecem cinco figuras
femininas, sendo que três estão sentadas e duas em pé. Destas figuras femininas em pé,
uma está ao centro da pintura, na posição frontal para o espectador e a outra está de
costas, ocupando boa parte da pintura.
As vestimentas apresentando rendados, babados e pregas, o uso de jóias mesmo
que sem excessos destacam refino, porém sem ser exacerbado.
No primeiro plano da obra têm-se duas figuras femininas; a primeira sentada em
uma cadeira de balanço de madeira torneada; com cabelos amarrados no alto da cabeça;
veste roupa em tom de cinza com detalhes pretos (babados nas mangas, gola) tem em
suas mãos uma xícara de chá branca com uma colher possivelmente de prata. Há
presença de anéis em ambas as mãos.
Ainda em primeiro plano localiza-se a segunda figura feminina de costas para o
espectador, a mesma parece apresentar uma vestimenta mais simples que as demais; os
cabelos estão presos no alto da cabeça e não possui nenhum acessório requintado além
de uma aliança no dedo anelar da mão esquerda e uma fivela que fecha o cinto do
vestido. Suas vestes são de cor marrom com mangas compridas e retas, sem aplicação
de rendas ou babados. Esta com a mão esquerda posta sobre a mesa e sua mão direta
esta segurando o bule onde aparentemente está servindo o chá.
No segundo plano da obra temos a terceira figura feminina que esta sentada em
uma cadeira na cor verde, apresenta cabelos presos com um chapéu com flores no alto,
veste uma casaca preta e sob ela uma camisa branca com golas bufantes e babados. Suas

6
mãos estão unidas uma a outra com dedos entrelaçados e com uma luva de pelica na cor
branca.
Ainda no segundo plano da pintura temos bem à direita a quarta figura feminina,
que não podemos detalhar com muita precisão, pois não esta retratada na sua totalidade
apenas que esta sentada à mesa e esta com a xícara de chá junto à boca, essa figura esta
bem a direita do quadro atrás da mesa, flores e frutas compõe a mesa.
No terceiro plano temos a quinta figura feminina, ela ocupa a posição central na
pintura, de pé com o corpo voltado para o lado esquerdo da cena, sua mão direita posta
sobre o encosto da cadeira verde e sua mão esquerda junto ao corpo, apresenta ainda
anéis nos dedos anelar e médio. Em suas vestes prevalecem a cor preta, na saia e na
blusa rendada, sob a blusa rendada uma camisa branca com gola alta, usa como
acessórios um broche de ouro junto ao pescoço e colar longo de ouro.
O plano de fundo da obra destaca o interior de uma sala, que no lado esquerdo
temos na parede um quadro com moldura simples sem adornos com a representação
uma paisagem, seguindo da esquerda para direita tem uma tonalidade mais clara na
parede que da ideia de profundidade. Torna-se difícil descrever com precisão o que está
representado ao fundo do ambiente, pois as cores do fundo se confundem com as
mesmas tonalidades utilizadas no restante da pintura e nas vestes das senhoras ali
representadas, possivelmente após o processo de restauro e a remoção da camada de
verniz oxidada as cores poderão ser mais bem visualizadas.

Análise Estilística.

Durante o processo de análise da pintura algumas relações puderam ser


estabelecidas a partir da história da arte. Principalmente o período atribuído a ela, sem
dúvida, podemos reconhecer na pintura alguns traços impressionistas, muito embora
prevaleça o academicismo.

Pintura de Gênero: O Estilo Conservation Piece.

As pinturas de gênero eram consideradas obras simplesmente decorativas,


realizadas para distrair e divertir. Destituídas da função de representar um mundo ideal,

7
heróico ou divino, as pinturas de gênero enfatizavam atividades cotidianas, ações,
ocupações, em vez de acentuar a particularidade de personagens conhecidos. As
pinturas de gênero ganharam tal denominação somente nas últimas décadas do século
XIX (MALTA, 2006, pág. 3).
Aos pintores holandeses do século XVII foi atribuída a popularização dessa
temática de cenas, vista como um modo de retratar múltiplos aspectos da nova
sociedade que se configurava cotidiana e de celebrar uma nova identidade nacional,
retratando camadas médias da população, ricos aristocratas ou camponeses, as pinturas
expunham os valores sociais e culturais em jogo (MALTA, 2006, pág. 3).
Na França essas pinturas foram também conhecidas como de cena de costumes
(scène de mœurs) e na Inglaterra como cena de conversação (conversation piece) e
possuíam variações, como as festas galantes (fêtes galantes), celebrizadas por Antoine
Wateau (MALTA, 2006, pág. 4).
Um exemplo que pode elucidar esse tipo de representação de gênero é visto na
obra de Luchino Visconti6 que trata da Conversation Piece (cena de conversação) foi
um gênero de pintura muito popular na Inglaterra do século XVIII. Nesse período, os
pintores holandeses tornaram populares os retratos informais de grupo de pessoas da
burguesia ascendente, em contraposição aos retratos oficiais dos nobres da corte.
Paralelamente, os pintores flamengos passaram a fazer retratos de grupo de aristocratas,
utilizando cenários os salões e os jardins dos palácios.
Nas pinturas do gênero conversation piece, eram, em sua maioria, de pequena
dimensão, e retratavam membros de uma família ou/e amigos interagindo em um
cenário informal e íntimo. Essa informalidade é o que diferencia o gênero do retrato
tradicional e membros da corte, em que a intimidade é substituída pelo tom formal e
público, e a postura do retratado é de pose, e não de interação (conversação) com o
ambiente ou as pessoas que a cercam. Pode-se destacar alguns artistas notáveis do
gênero foram Thomas Gainsborough (1727-1788), Arthur Devis (1712-1787), Johann

6
Luchino Visconti di Modrone, (Milão, 2 de novembro de 1906 — Roma, 17 de março de
1976) foi um diretor e roteirista de teatro, ópera e cinema italiano. Em toda filmografia de
Luchino Viscondi sempre dialogou com outras artes, no caso de Violência & Paixão sua
principal referência é a pintura. O tíitulo do filme original é Conversation Piece, é bastante
revelador, no sentido que indica o gênero da pintura em torno do qual o filme se estrutura.
Fonte: http://www.luchinovisconti.net/ Acesso em: 26 de fevereiro de 2013.

8
Zoffany (1734-1810), Philip Mercier (1689-1760) e William Hogarth (1694-1764)
(Fig.5), que subverteu a conversation piece, inserindo seu humor mordaz e forte crítica
social.
No século XIX, o gênero entrou em declínio, com cada vez menos artistas se
dedicando ao tema. Um dos últimos pintores a explorar essa tendência foi John Singer
Sargent (1856-1925), autor da obra ―A Família Sitwell‖ (Fig. 6).

Figura 5: William Hogarth – ―The Marriage Settlement‖.Oleo sobre tela. 1743

fonte: http://www.nationalgallery.org.uk Acesso em 16 de fevereiro de 2013.

Figura 6: John Singer Sargent - ―A Família Sitwell‖.Óleo sobre tela. 1900.

Fonte: http://www.mfa.org/ Acesso em 16 de fevereiro de 2013.

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A imagem de cenas ‗reais‘ permitia que o artista demonstrasse toda sua
minuciosa destreza técnica e fosse capaz de dar a reconhecer todos os elementos que
representava.
O detalhismo era o marco que capacitava delicadas e sucessivas pinceladas a
serem traduzidas como algo do real. Por essa minúcia de representação, a pintura de
gênero, principalmente holandesa, foi caracterizada como ‗realista‘ por Eugène
Fromentin, em 1870. Ao realismo foram somados os temas do dia-a-dia, como que
consagrando o elogio ao cotidiano, ambas as características fundamentaram uma
maneira de olhar para as pinturas de gênero e a expectativa de encontrar nessas telas a
representação do real, completa, exata, meticulosa (MALTA, 2006, pag. 4).
Em comum esses motivos representavam de forma realista o mundo na sua
dimensão trivial, de dia-a-dia, e retratavam, além da vida familiar transcorrida no
interior de suas casas, cenas de rua, pessoas em lazer, praticando esportes, bebendo nas
tavernas, divertindo-se em meio a pitorescas paisagens. Sugeriam cenas apreendidas em
um instantâneo, antes da fotografia (MALTA, 2006, pag. 4).

A relação com os mestres da pintura do século XIX.

O Século XIX foi um período marcado com diversas mudanças, com o advento
da fotografia, a velocidade da máquina a vapor e a Revolução Industrial passando pelo
Realismo de Gustave Courbet, passando por Édouard Manet e chegando ao
Impressionismo de Pierre- Auguste Renoir, Claude Monet.
Gustave Courbet, considerado grande referência dentro o Realismo na obra
Retrato de Zélie Courbet (Fig.7), apresenta o retrato de uma figura feminina onde
apresenta o contraste de luzes e sombras bem definidos tendo em vista a face da jovem
retratada como o principal ponto de luz contrapondo com o fundo e as vestes da mesma
que por sua vez apresentam tons semelhantes com o fundo da obra.
Existem semelhanças entre as soluções pictóricas escolhidas por Coubert e as
que podemos identificar na figura feminina sentada na cadeira de balanço. Devemos ter
em vista que essa figura feminina é a única que encara diretamente o espectador da obra
(Fig. 8). As cores de suas vestes se fundem com as mesmas tonalidades utilizadas ao

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fundo, no entanto a imagem permanece bem delimitada, mesmo não apresentando
linhas divisórias bem demarcadas.

Figura 7: Retrato de Zélie Courbet, 1847 Figura 8: Detalhe - Senhoras Tomando Chá.
Fonte: Arte na França: 1860 – 1960 O Fonte: Laboratório de Conservação e
Realismo. MARGS. Catalogo. 2009. Pag. 43. Restauração de Pinturas, 2013.

Vale ainda destacar a obra de Manet, O Tocador de Pífaro (Fig.9), de que o


próprio Courbet observa que as pinturas de Manet eram ―tão lisos como cartas de jogar‖
(JANSON, 2001, p. 890) o fundo cinza claro e uniforme parece tão próximo do
observador quanto à figura e tão sólido como ela. A figura parece tridimensional, pois
seu contorno apresenta as formas em escorço realístico.

Figura 9: Édouard Manet - O Tocador de Pífaro, 1866. (detalhe).Museu do Louvre, Paris.


Fonte: JANSON, 2001, pag. 890.

11
Ao analisarmos a segunda figura feminina (Fig. 11) de nosso quadro, podemos
compará-la com a pintura no detalhe da pintura A Refeição de Manet (Fig. 10),
percebemos a semelhança entre as duas figuras femininas. As luvas de pelica e as mãos
postas junto ao corpo,deixam claro o refino de ambas senhoras. Cabelos bem penteados
com detalhes de laços e flores e o olhar atento para alguma ação que está acontecendo
no ambiente onde estão.

Figura 10: Manet - A Refeição, 1868 (detalhe) Figura 11: Detalhe -Senhoras Tomando Chá.
Fonte: http://www.musee-orsay.fr/ Acesso em Fonte: Laboratório de Conservação e
18 de fevereiro de 2013. Restauração de Pinturas, 2013.

No detalhe da pintura ―Senhoras Tomando Chá‖ (Fig. 13), a gestualidade é de


aproximação para com a convidada, que possivelmente chegou recentemente para o chá.
Trata-se da figura ao centro da pintura que está de pé com uma das mãos postas junto ao
corpo e outra porta sob o encosto da cadeira onde a convidada esta sentada, gesto que
deixa claro sua aproximação. Esta gestualidade pode ser percebida em outras obras bem
como, por exemplo, na obra de Renoir, Baile no Moulin de La Galette, 1876 (Fig. 12).

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Figura 12: Renoir – Baile no Moulin de La Figura 13: Detalhe- Senhoras tomando chá.
Galette, 1876. (Detalhe). Fonte: Laboratório de Conservação e
Fonte: Gênios da Arte, 2007, pag. 48 Restauração de Pinturas, 2013.

Para tanto os critérios de analise aqui apresentados estão vinculados na


aproximação do motivo figurado, as poses e posturas ali representadas e percebidas em
outras tantas obras de artistas representativos dentro da história da arte no século XIX.

Iconologia e simbolismos da imagem

Em se tratando de um estudo de representação da obra ―Senhoras Tomando


Chá‖, de acordo com as chaves iconológicas que puderam ser reconhecidas,o que as
pessoas realizavam na cena e os objetos que as estavam circundando, constituíam um
conjunto simbólico que poderiam por ora ilustrar ditados populares, ora servia de
emblemas morais, ora oferecia uma especulação do vivido, entre outras possibilidades.
Em relação à análise iconológica e simbólica da pintura ―Senhoras Tomando
Chá‖, foram identificadose destacados alguns elementos aqui elencados:
As flores representadas puderam ser identificadas como Hortências na cor rosa,
podem dar destaque a representação feminina do momento ali capturado pelo pintor.
Podem significar pensamento puro e de vaidade.

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As frutas, de acordo com o Dicionário de Símbolos na Arte (CARR-GOMM,
2004) podem ser incluídas nas obras de artes para representar a transitoriedade da vida.
Frutas exóticas ou temporãs podem sugerir riqueza. Vale ressaltar que as frutas estão em
perfeito estado, ainda não foram degustadas. A função delas é indicar a beleza da mesa
posta e a feminilidade da representação na cena. Percebe-se também que as uvas
possuem um fruto solto do cacho.
Os utensílios de prata passam a ideia de elegância, os bules setecentistas, de
prata, passam a ter formas ligeiramente cônicas, bico e cabo retos depois assumem
formas poligonais ou de pêra. Em meados do sec. XVIII aparecem bules esféricos com
base fixada num pé (MOUTINHO et al, 2011, pag. 59). O bule de prata representado na
pintura de acordo com que se pode observar é uma forma de pêra.
Não se encontrou uma possível atribuição para isso o que dá margem para novas
pesquisas sobre o tema, no entanto podemos entender essa representação como a
passagem do tempo, apesar de jovens, irão envelhecer, como uma ampulheta.
Uma das figuras femininas deixa transparecer um pouco mais de simplicidade
em suas vestes comparadas às demais, a figura que esta retratada de costas para o
observador. As cores se relacionam diretamente com a cor predominante do plano de
fundo da obra, no entanto a figura feminina esta em primeiro plano e as vestes não
apresentam grandes bordados e babados, apresenta sim, apenas um detalhe na cintura
como o fecho do cinto do vestido. A figura deixa claro que trata de uma serviçal, pois
está com o bule nas mãos, possivelmente servindo chá para uma das senhoras, é
importante destacar que em sua mão esquerda posta sobre a mesa, apresenta um anel em
seu dedo anelar e que deixa claro que seria uma mulher casada.
O mobiliário, a cadeira de balanço, é de origem austríaca chamado de ―Estilo
Thonet‖. Esse tipo de cadeira era lavrada em madeira torneada ao vapor, e esse modelo
apresentava o assento e espaldar de palha trançada. (Fig14).
Outro exemplo de mobiliário é a cadeira estilo Regência Luis XV. Uma poltrona
do tipo tamborete geralmente em madeira natural ou com aplicação de douramentos.
Seu assento e costas são guarnecidas com brocado de ouro ou veludo. As costas
apresentam uma inclinação em forma de violino e braços levemente recuados. (Fig.15).

14
Fig.14: Cadeira Thonet Fig.15: Cadeira Regência Luis XV
Fonte: http://www.thonart.com.br/ Acesso em Fonte: A.AUSSEL, 1970, pág. 207.
21 de outubro de 2014.

O Chá

Como o tema central da pintura trata de senhoras tomando chá, é importante


abordar como se dá a introdução do Chá no continente europeu. Esta ocorreu no início
do séc. XVII, em função do comércio que então se estabelecia entre a Europa e o
Oriente. Ao que parece, foram os holandeses que levaram pela primeira vez o chá à
Europa, intensificando os seus comércios, mais tarde desenvolvido pelos ingleses.
De acordo com a obra Representações de práticas ligadas ao uso do café e chá
em algumas obras de arte de Sonia Siqueira (2009), na Inglaterra, o consumo difundiu-
se rapidamente, tornando-se uma bebida muito popular. Essa popularidade estendeu-se
aos países com forte influência inglesa, primeiramente nos Estados Unidos, depois na
Austrália e no Canadá7. Hoje, o cháé considerado uma das bebidas mais consumidas em
todo o mundo.
No decorrer do século XVIII, alguns artistas como Jean-Baptiste-Siméon
Chardin8(1699-1779) (Fig 16) e Françoise Boucher (Fig 17), produziram obras em que

7
Fonte: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/cha/cha-5.php. Acesso em 18 de fevereiro
de 2013.
8
Com as cenas doméstica, Chardin deu continuidade à tradição provinda
da pintura holandesa do século XVII. Porém, representou-as sem grande excelência. Preferia as
cenas burguesas; gostava de representar cenas da vida da burguesia francesa, que se tornava
cada vez mais influente. Nestas pinturas a tranqüilidade e a concentração de tons mais vivos
foram combinados com uma refinada técnica de concepção.

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representavam as novas práticas culturais. Estes quadros possibilitam reconhecer
xícaras, bules, açucareiros, colheres etc.

Figura 14: Jean-Baptiste-Siméon Chardin. The tea drinker, 1735.


Hunterian Art Gallery, University of Glasgow (Glasgow, Escócia).
Fonte: http://www.gla.ac.uk/hunterian/ Acesso em 17 de fevereiro de 2013.

Figura 15: Françoise Boucher: Le Dejeuner - 1739


Musée du Louvre, Paris
Fonte: http://www.louvre.fr/ Acesso em 17 de fevereiro de 2013.

Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JeanBSCh.html acesso em 18 de fevereiro de


2013.

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No séc. XIX com o crescimento do comércio mundial e o aumento da renda per
capita dos consumidores, alguns produtos considerados mais refinados puderam ser
adquiridos com valores mais acessíveis, como o caso do chá, do café, do açúcar, do
cacau e do tabaco.

CONCLUSÃO

Durante a análise dos elementos que compõem a estrutura da composição da


pintura ―Senhoras Tomando Chá‖, verificamos que muitos desses elementos têm
relação direta com os elementos vinculados nas pinturas de outros artistas importantes
no século XIX. Esse século, impulsionado por constantes mudanças e novidades. O chá
possibilitou o desenvolvimento de um ritual, uma cerimônia que garantia não apenas o
sabor do que se bebia, mas, e principalmente, o status de quem bebia e ajudava a
sublinhar a diferença entre os nobres e as demais classes.
Percebe-se ainda que a restauração é um processo interdisciplinar, para tanto
faz-se por vezes necessário ter a contribuição de outros profissionais bem como
historiadores, críticos de arte, químicos entre outros para que possam responder algumas
questões que vão surgindo no decorrer da proposta de intervenção de uma obra de arte,
bem como tratamos nesse estudo a obra ―Senhoras Tomando Chá‖ e todas as etapas
que antecedem seu restauro propriamente dito.
Para tanto a formação de um profissional nessa área exige respeito e ética para
com a obra de arte em questão, sendo assim a operação como um todo é documentada, e
cada etapa do processo passa a ser registrada.
Destaca-se a importância da documentação histórica da obra, uma vez que a obra
tenha passado por um processo de intervenção anterior, esse registro precisa
acompanhar a obra futuramente, muito embora não seja o que encontramos, pois como
neste estudo observou-se que houve intervenções anteriores, no entanto não se tem
registro algum de como foram feitas e isso prejudica o processo de restauro da obra e
acaba deixando as tarefas do conservador restaurador mais delicada, pois toda a
restauração baseia-se na escolha de um modo de como proceder e essa decisão é
norteada pela própria obra e se faz em função dela.

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REFERÊNCIAS

Acervo da Fototeca Municipal Ricardo Giovannini. Rio Grande – RS.


Arte na França: 1860 – 1960 O Realismo. MARGS. Catalogo. 2009.
ATALLAH, Gianne Zanella. Trajetórias Musicais de alunas e Professoras do
Conservatório de Música de Rio Grande. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. Instituto de Ciências Humanas.
Universidade Federal de Pelotas, 2011.
AUSSEL, A..ABC dos estilos : da arquitetura ao mobiliário..2.ed. Lisboa: Presenca,
1970.
CARR-GOMM, Sarah. Dicionário de símbolos na arte: guia ilustrado da pintura e
escultura ocidentais. Bauru-SP: EDUSC,2004.
JANSON, H.W., História Geral da Arte – O Mundo Moderno. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
KÖHLER, Carl. História do vestuário. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
MACALOSSI, Ângela Marina. Fotografia e memória: o acervo Inah Emil
Martensen nas décadas 1940 – 1950. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-
Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. Instituto de Ciências Humanas.
Universidade Federal de Pelotas, 2012.
Monet – Coleção gênios da arte. Barueri-SP: Girassol, 2007.
MOUTINHO, Stella. Dicionário de artes decorativas & decoração de interiores. Rio
de Janeiro: Lexikon, 2011.
Renoir – Coleção gênios da arte. Barueri-SP: Girassol, 2007.
Referencias eletrônicas
SIQUEIRA, Sônia. Representações de práticas ligadas ao uso do café e chá em
algumas obras de arte. Ângulo 119, out./dez., 2009. Disponível em:
http://publicacoes.fatea.br/index.php/angulo/article/viewFile/279/234 Acesso em 27 de
fevereiro de 2013.
VIOLÊNCIA E PAIXÃO, Filme de Luchino Visconti, Produzido por Giovanni
Bertolucci. Versátil Home Vídeo: 1974, 121min, DVD.

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Sites Consultados
http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/JeanBSCh.html acesso em 18 de fevereiro de
2013.
http://www.gla.ac.uk/hunterian/ Acesso em 17 de fevereiro de 2013.
http://www.nationalgallery.org.uk/ Acesso em 16 de fevereiro de 2013.
http://www.luchinovisconti.net/ Acesso em: 26 de fevereiro de 2013.
http://www.noruega.org.br/About_Norway/history/ Acesso em 28 de janeiro de 2013.
http://www.louvre.fr/ Acesso em 17 de fevereiro de 2013.
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http://www.musee-orsay.fr/ Acesso em 18 de fevereiro de 2013.
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/cha/cha-5.php/ Acesso em 18 de fevereiro de
2013.
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