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DIREITO

A DMINISTRA TIV O I – V A LTER SHUENQUENER

A ULA 15 - PODERES A DMINISTRA TIV OS

1. PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Nesta aula, serão trabalhados os poderes da Administração P ública, ou seja, os poderes

administrativos. Na verdade, mais do que um poder, é, como se diz tradicionalmente, um dever

do administrador, o qual não pode se eximir de sua competência, de sua responsabilidade de

exercer o poder nas hipóteses que o ordenamento jurídico lhe atribui.

Atualmente, uma visão mais contemporânea desse instituto estabelece que os poderes

administrativos são mais uma função pública do que propriamente uma prerrogativa que permite

ao administrador impor a sua vontade. O discurso coloca-se no sentido de que o administrador

precisa desempenhar funções públicas para os mais diversos propósitos e cada uma delas será

caracterizada de maneira específica.

Nesse passo, tem-se o poder regulamentar, o poder hierárquico, o poder disciplinar, o

poder de polícia (que será comentado com maior profundidade, analisando os diversos institutos

que gravitam em seu entorno).

P assa-se doravante ao exame do poder regulamentar.

1.1. PODER REGULA MENTA R

Este é um poder que, para a maioria da doutrina, é de competência privativa do chefe do

P oder Executivo. Noutras palavras, é o poder que o chefe do Executivo possuir de detalhar

previsões legais genéricas, isto é, de executar, mediante decreto, as leis genericamente

estabelecidas.

O poder regulamentar encontra seu fundamento no artigo 84, inciso IV, da C onstituição,

que assim dispõe:

Art. 84. C ompete privativamente ao Presidente da República:


[…]
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução;

Assevere-se que, de acordo com a literalidade do inciso IV do artigo 84 da C RFB, o

administrador só pode expedir decretos regulamentares com o objetivo de esmiuçar o que a lei

não detalhou, não podendo no ordenamento jurídico. Aliás, isso também decorre da leitura

conjugada do artigo 84, IV, com o artigo 5º, II (princípio da legalidade), ambos da C RFB.

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Art. 5º […]
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei;

É por isso que, no Brasil, a doutrina majoritária defende que, em regra, não se admite o

regulamento autônomo, vale dizer, o regulamento que supre lacunas legislativas, editado sem que

haja fundamentação em lei.

Existem exceções pontuais que são admitidas. O assunto é muito bem abordado por Maria

Sylvia Di P ietro, que exemplifica uma exceção de regulamento que inova no ordenamento jurídico

contida no artigo 84, inciso VI, “a”, da C RFB:

Art. 84. C ompete privativamente ao Presidente da República:


[…]
VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação dada pela Emenda C onstitucional nº
32, de 2001)
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela
Emenda C onstitucional nº 32, de 2001)

O decreto é o instrumento de exercício do poder regulamentar.

Um decreto pode cuidar da forma como a administração pública será organizada, desde

que isso não crie nem leve à extinção de um órgão público. Trata-se de ato administrativo que

poderá, excepcionalmente, ultrapassar o que uma lei previu, inovando no ordenamento jurídico.

P ortanto, é comum a lembrança de que, em relação aos regulamentos autônomos, há uma

exceção contemplada no artigo 84, VI, “a”, da C RFB.

Nesse contexto, pode-se aventar que tanto o C NJ (C onselho Nacional de Justiça) e quanto

o C NMP (C onselho Nacional do Ministério P úblico) têm competência para criar normas primárias

(tais como resoluções) sobre matérias que não foram regulamentadas por lei, cabendo citar a

Resolução nº 07/C NJ (que proíbe a contratação de parentes no âmbito da Administração P ública).

P ara o P rofessor Valter Shuenquener, os exemplos invocados não traduzem regulamentos

autônomos, na medida em que se está diante de uma norma que concretiza o texto

constitucional. Ao falar em regulamento autônomo ou independente, o que se tem é uma norma

que depende de uma lei intermediária para fazer a ponte com o texto constitucional, de modo

que, na ausência da aludida lei intermediária, o regulamento é considerado autônomo por suprir

uma lacuna, na percepção de Hely Lopes Meirelles.

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Destarte, são situações diferentes. Uma coisa é ter uma matéria cuja disciplina depende de

lei, que, por sua vez, não existe, havendo, porém, um regulamento que supre a lacuna legal.

Assim, quando sobrevier a lei, a matéria objeto do decreto não poderá subsistir, se porventura

violar essa lei.

No caso do C NJ e C NMP , o Supremo permite – como o fez na ADC nº 12 [1] – que esses

conselhos façam uma concretização direta do texto constitucional por meio de resoluções. Logo,

uma resolução que proíbe a contratação de parentes não depende de lei intermediária. Então, não

há que se falar em regulamento autônomo, pois não há autonomia em relação à lei alguma. C om

efeito, se a lei não é necessária, a Resolução nº 07/C NJ, na realidade, dá concretude aos princípios

da moralidade e da impessoalidade, estampados no texto constitucional.

Nota do monitor:

[1] “EMENTA: AÇ ÃO DEC LARATÓRIA DE C ONSTITUC IONALIDADE, AJUIZADA EM PROL

DA RESOLUÇ ÃO Nº 07, de 18.10.05, DO C ONSELHO NAC IONAL DE JUSTIÇ A. ATO NORMATIVO


QUE ‘DISC IPLINA O EXERC ÍC IO DE C ARGOS, EMPREGOS E FUNÇ ÕES POR PARENTES,
C ÔNJUGES E C OMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM
C ARGOS DE DIREÇ ÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER
JUDIC IÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNC IAS’. PROC EDÊNC IA DO PEDIDO.

1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do C NJ, não atentam contra a


liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. A s restrições
constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela
Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da
eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de
desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O C NJ
não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, C F) e não está a submeter esse Poder à
autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de
âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele.
Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria
Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos
princípios ‘estabelecidos’ por ela, C arta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3.
Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à C onstituição para deduzir a
função de chefia do substantivo ‘direção’ nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em

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foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho


Nacional de Justiça.” (STF. Ação Declaratória de C onstitucionalidade nº 12/DF. Tribunal P leno.
Rel. Min. C arlos Britto. Julgado em 20/08/2008. DJe de 18/12/2009) (grifos acrescidos).

C ontudo, o mais relevante é saber que isso é possível. Se os atos do C NJ que inovam o

ordenamento jurídico sem que haja previsão legal serão chamados de regulamento autônomo ou

não, isso não é o mais importante. Deve-se focar no fato de que atualmente se admite uma

atuação praeter legem do administrador no exercício do poder regulamentar.

Outro aspecto importante é que, embora se afirme que o poder regulamentar encontra-se

no rol de competências privativas do chefe do P oder Executivo, esse entendimento, não obstante

ser majoritário, não é unânime. A esse respeito, José dos Santos C arvalho Filho tem sustentado

que não só o chefe do Executivo pode exercer o poder regulamentar, mas também outras

autoridades podem fazê-lo.

O P rofessor Valter Shuenquener concorda com essa linha de pensamento, pois existem

atos de regulamentação de primeiro grau, como os decretos, que, de forma imediata,

regulamentam a lei; e atos de regulamentação de segundo grau. Nada impede que exista uma

portaria regulamentando um decreto, que, por seu turno, regulamenta uma lei. Dito

escalonamento é possível. Dessa forma, não há, por esta vertente, como defender que só o chefe

do P oder Executivo tem competência para exercer o poder regulamentar.

Feitas essas considerações, advirta-se que é mais prudente, em uma prova de concurso,

adotar a posição predominante, a qual advoga que o poder regulamentar é de competência

privativa do chefe do P oder Executivo, a ele cabendo expedir normas dotadas de caráter

genérico, voltadas para o detalhamento das leis.

O poder regulamentar não se confunde com o poder regulatório ou a regulação.

• Poder regulamentar: é um poder de origem jurídica, tem gênese no direito, é um dos


poderes administrativos.
• Regulação: é uma palavra que sequer tem origem no direito. Uns dizem que esse termo
tem origem na biologia, outros afirmam que provém da matemática, das ciências exatas, mas
não do direito. Regular significa ordenar, harmonizar, criar um ambiente concertado e isso não é
algo que defina regulamentação.

O poder regulamentar presta-se a detalhar previsões legais genéricas, ao passo que a

regulação é noção mais ampla. É bem verdade que, por meio da regulação, as agências

reguladoras – ou mesmo os entes que, não sendo agências reguladores, desempenham função

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regulatória – efetuam o detalhamento de previsões legais genéricas, fazendo-o por meio da

edição de portarias e resoluções. A diferença em relação ao poder regulamentar é a seguinte: o

detalhamento realizado no seio da regulação diz respeito a questões técnicas. Os órgãos

reguladores exercem uma discricionariedade técnica que encontra fundamento num ambiente de

deslegalização.

Acerca do tema, tem-se uma lei-quadro (que não adentra na matéria técnica, apenas fixa

uma moldura normativa) colmatada pelo ato da agência reguladora, que esmiúça as questões

técnicas. Noutras palavras, as escolhas técnicas são feitas através da regulação.

Quanto ao poder regulamentar, há uma lei e um decreto, mas a escolha do decreto que

esmiúça a lei é de cunho político. Na regulação, a escolha é de natureza técnica e tal cenário

remonta ao fenômeno da deslegalização porque a lei transfere competências para o âmbito

infralegal. Deveras, a deslegalização consiste na transferência de uma matéria do âmbito legal

para o infralegal ou, como dizem os franceses, a normatização sai do domínio da lei (domaine de

la loi) para o domínio do ato regulamentar (domaine del´ordonannce).

Ainda sobre o assunto, Diogo de Figueiredo cita o instituto da deslegalização, com base no

doutrinador espanhol Eduardo Garcia de Enterría.

É preciso realçar que a regulação não se limita ao detalhamento técnico de previsões legais

genéricas. Através da regulação, as agências reguladoras – ou mesmo os entes que exercem

funções regulatórias – podem desempenhar a função de fomento, cabendo destacar, no ponto, a

atuação da Ancine (Agência Nacional do C inema), que, além do fomento de atividades, exerce

poder de polícia no âmbito do poder regulatório. Em suma, as agências reguladoras fiscalizam,

aplicam sanções, expedem atos de licença e de autorização…são casos de autêntica regulação.

No ambiente de regulação, as agências reguladoras podem desempenhar, ainda, a função

adjudicatória – adjudicar é dirimir conflitos, de modo que a agência pode servir de árbitro para uma

questão entre pessoas que são por ela reguladas.

1.2. PODER HIERÁ RQUICO

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Nem todos os doutrinadores aceitam a expressão “poder hierárquico”. A título ilustrativo,

José dos Santos C arvalho Filho afirma que, em verdade, a hierarquia é uma característica inerente

à Administração P ública.

Sem embargos, quando se fala em poder hierárquico, remete-se à lembrança de que a

Administração P ública está estruturada com base numa hierarquia. Existe uma forma de controle

na Administração – chamada de controle hierárquico ou controle por subordinação – que permite

que o superior hierárquico reveja todos os atos de seu subordinado, conforme explicado no tópico

referente ao princípio da autotutela.

Em síntese, o poder hierárquico é o que autoriza o chefe a rever, sob a ótica da legalidade

ou do mérito administrativo, os atos praticados pelos seus subordinados. Ademais, referido poder

tem relação muito próxima com a avocação de competência, que se opera quando o superior

hierárquico chama para si, ainda que com caráter temporário, uma competência do seu

subordinado.

A avocação é um instituto que encontra fundamento no artigo 15 da Lei nº 9.784/1999,

que tem a seguinte redação:

Art. 15. Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes


devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão
hierarquicamente inferior.

Observa-se, portanto, que a avocação pressupõe uma relação hierárquica entre aquele

que avoca para si a competência e aquele que perde esta competência em caráter temporário.

Já no caso da delegação, por mais que normalmente haja relação direta com a hierarquia,

não há dependência quanto a esta. Isso significa que se pode ter delegação sem que se verifique

uma hierarquia entre o delegante e o delegado. C omumente, o delegante é o chefe do delegado

(aquele que recebe a competência), mas isso não é exigido.

O artigo 12 da mesma Lei 9.784/1999, não deixa dúvidas de que a delegação não depende

de hierarquia. C onfira-se:

Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento
legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que
estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for
conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica
ou territorial.

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Um último aspecto a ser destacado quanto ao poder hierárquico é que não há hierarquia

entre pessoas jurídicas distintas integrantes da Administração P ública. P or exemplo, e com o

perdão da redundância, um ministro que ocupa um determinado ministério não é superior

hierárquico frente a uma autarquia vinculada à sua pasta, até porque esse controle que se verifica

na Administração Direta (é dizer, uma pessoa jurídica própria, tal como a União) em relação a uma

entidade da Administração Indireta recebe o nome de controle finalístico ou controle por

vinculação, que é diverso do controle hierárquico.

Desse modo, para que haja hierarquia, para que o poder hierárquico possa ser exercido,

precisa-se estar no âmbito de uma mesma pessoa jurídica, possibilitando-se, assim, uma relação

de subordinação entre os órgãos públicos e as autoridades que os titularizam.

1.3. PODER DISCIPLINA R

Trata-se do poder exercido pelo administrador público com o propósito de aplicar sanções

àqueles que estão submetidos a um estado de sujeição especial. Isso significa que existem

pessoas que tem uma vinculação com a administração pública fundada em uma lei específica,

uma lei que cria um estado de sujeição propriamente dito.

C omo é sabido, o servidor público é regido por uma lei que prevê as possíveis sanções a

serem a ele aplicadas – advertência, suspensão, demissão e, no caso da magistratura,

aposentadoria compulsória. Não se pode aplicar uma sanção a quem não faz parte deste regime

jurídico. Fala-se até que o poder disciplinar é uma manifestação de um poder introverso da

Administração, pois se volta para o âmbito interno da Administração P ública.

A escolha da sanção a ser imposta não é propriamente discricionária, pois a lei, em regra,

prevê quais penalidades devem ser aplicadas em razão das condutas praticadas. Nesse passo,

diante da prática de uma conduta A, a lei normalmente define a consequência possível. O

problema é que, muitas vezes, a lei emprega conceitos jurídicos indeterminados, estabelecendo,

por exemplo, sanções para quem atentar contra os bons costumes; contra a segurança nacional;

faltar com o decoro; apresentar comportamento desidioso; faltar com o zelo etc.

A despeito das dificuldades em se trabalhar com tais conceitos, a partir do momento em

que se atinge uma zona de certeza positiva e se identifica que determinada conduta se encaixa

num dado conceito, provavelmente ter-se-á uma pena específica para a conduta em xeque.

Quando isso não acontece, o administrador terá que aplicar uma sanção pautada pela

proporcionalidade.

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Lastreado nesses argumentos, os tribunais têm assentado que não há uma autêntica

discricionariedade, uma eleição da melhor sanção pautada por conveniência e oportunidade, mas

sim uma escolha que deve atentar para o que a lei prevê e, na ausência desta subsunção

específica, atender à proporcionalidade. Tanto é assim que, quando o STJ modifica uma sanção

disciplinar, faz isso com base no princípio da proporcionalidade, alegando que a sanção foi ou

excessiva ou insignificante em razão da gravidade da conduta.

Não é novidade o ordenamento jurídico pátrio veda a dupla punição pelo mesmo fato, ou

seja, proíbe o bis in idem. Inclusive, há entendimento sumulado do STF acerca do tema:

Súmula 19/STF:
“É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo
em que se fundou a primeira”.

EXEMPLO: o sujeito respondeu a um processo disciplinar e foi punido com uma pena de

advertência. P assado algum tempo, a Administração verificou que a pena correta não era

advertência, mas sim suspensão. Ora, se a sanção de advertência já foi aplicada, essa pessoa não

poderá ser punida novamente pelo mesmo fato. C ontudo, se a penalidade ainda não foi imposta,

a autotutela autoriza a substituição da sanção errônea (advertência) pela correta (suspensão),

sem que isso implique ofensa à regra legal que proíbe a revisão para cominação de pena mais

gravosa, como mostram, por exemplo, os artigos 65 da Lei nº 9.784/1999 e 174 da Lei nº

8.112/1990 [2], abaixo transcritos:

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos,
a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou
circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da
sanção.
Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de
ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a
inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.

Nota do monitor:

[2] Disposição análoga ao artigo 65 da Lei nº 9.784/1999 encontra-se no artigo 182,

parágrafo único, da Lei 8.112/1990, cujo teor é o seguinte: “Parágrafo único. Da revisão do

processo não poderá resultar agravamento de penalidade”.

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Denota-se, portanto, que a revisão do processo disciplinar pressupõe fatos novos. O caso

tratado acima não retrata surgimento de fatos novos, mas sim anulação de um ato ilegal e que

previa uma sanção incorreta. Fundamentalmente, o que o parágrafo único do artigo 65 da Lei

9.784/1999 veda é que, sobrevindo fatos, adote-se uma nova interpretação para agravar a

situação da parte.

ATENÇÃ O! A regra de que não se admite dupla punição pelos mesmos fatos comporta

uma exceção: ao criar o C NJ e o C NMP , a Emenda C onstitucional nº 45/2004 atribuiu a ambos os

conselhos a competência de rever processos administrativos disciplinares findos a menos de 01

(um) ano. Desse modo, se o Tribunal de Justiça ou o Ministério P úblico local aplicaram uma pena de

advertência para uma conduta gravíssima que deveria supostamente ensejar suspensão de 90

(noventa) dias ou mesmo a demissão do magistrado ou membro do Ministério P úblico, o C NJ ou

C NMP podem instaurar um processo de revisão, mesmo já tendo sido aplicadas penalidades aos

respectivos membros, e substituir as sanções impostas por outras. Há, portanto, uma situação

em que não há óbice à dupla punição, pois os referidos conselhos podem aplicar nova punição

diante dos mesmos fatos. Aliás, este foi o objetivo pretendido com a criação do C NJ e C NMP :

evitar que houvesse um corporativismo de âmbito local na aplicação das sanções.

Outro ponto relevante relacionado à sanção e ao princípio da adequação punitiva e da

escolha de sanções consiste na lembrança de que o processo administrativo e o processo

disciplinar (PAD) admitem o que a doutrina denomina de reformatio in pejus. O artigo 64,

parágrafo único, da Lei nº 9.784/1999 autoriza expressamente esse instituto, o qual permite o

agravamento da situação do recorrente quando apenas ele interpõe um recurso:

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar,
anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de
sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à
situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas
alegações antes da decisão.

Assim, por exemplo, um sujeito punido em uma primeira decisão com suspensão por 10

(dez) dias, considerando a sanção muito alta, recorre solitariamente alegando desproporção da

pena aplicada. Nesse cenário, nada impede que a instância superior decida aplicar uma pena mais

gravosa. Isso se dá com fundamento nos princípios da legalidade e da verdade material, ambos

incidentes no processo administrativo.

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Oportuno lembrar, ainda, que a sanção disciplinar deve estar prevista no ordenamento, ou

seja, deve ser típica, de maneira que o administrador não pode inventar uma sanção. Além disso,

a punição depende de um processo disciplinar.

A propósito, existem nas leis diversos nomes para os procedimentos disciplinares –

sindicância, inquérito administrativo etc. O importante é conferir à parte o acesso ao contraditório

e à ampla defesa, sem os quais não há possibilidade de punição.

C ertamente, se a sanção for de maior gravidade, ter-se-á um processo desenvolvido com

maiores formalidades. Nesse sentido, a Lei 8.112/1990 estabelece a sindicância para situações de

menor gravidade e o processo administrativo disciplinar (PAD) para os casos envolvendo

suspensão por prazo superior a 30 (trinta) dias ou penalidades gravosas como a demissão.

Art. 145. Da sindicância poderá resultar:


I - arquivamento do processo;
II - aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias;
III - instauração de processo disciplinar.

P or sua vez, um PAD tem 5 fases:

• Instauração;
• Instrução;
• Defesa;
• Relatório; e
• Julgamento.

Eventualmente, pode ocorrer a inversão dessas fases, mas, de toda sorte, sempre se

deve observar o contraditório e ampla defesa. P or exemplo, se a instrução voltou a ser realizada

após a defesa, é preciso restabelecer o direito de parte novamente se defender. Em suma, a

defesa deve vir sempre após a instrução, o que, aliás, é um vício muito comum.

Eis, portanto, as principais considerações sobre o poder disciplinar.

O P rofessor Valter Shuenquener sugere que o aluno proceda à leitura dos dispositivos da

Lei nº 8.112/1990 a temática do exercício do poder disciplinar, quais sejam, artigos 127 a 182.

Adverte, por fim, que ditas regras devem ser memorizadas, porquanto frequentemente cobradas

em provas de concurso público.

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