Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RA: N6221E5
“A idéia [da casa] era simples: eles tinham um parque magnífico formado por um
campo cercado de árvores; eles desejavam viver no campo; eles estariam ligados
a Paris por um caminho de 30 quilômetros de automóvel. Vai-se portanto até a
porta da casa de carro, e é o arco mínimo de curvatura do automóvel que
fornece a dimensão mesma da casa. O automóvel entra sob o pilotis, contorna os
serviços comuns, pára no meio, na porta do vestíbulo, entra então na garagem
ou segue seu caminho de saída: eis o fundamental. Outra coisa: a vista é muito
bonita, a grama é uma coisa bela, a floresta também: se tocará neles o mínimo
possível. A casa se colocará em meio à grama como um objeto, sem molestar
nada”.
A utilização destes Cinco Pontos para uma Nova Arquitetura aparece já nas
primeiras casas projetadas pelo arquiteto, embora restrições diversas como
dimensões reduzidas de terrenos ou excessiva complexidade programática tenham
impedido sua realização integral
Trabalho Casa das Canoas. Kaio Tiago Onofre Silva Ramos. 1º Semestre. RA: N6221E5
A Villa Savoye torna manifesto um novo modo de ver e viver no mundo. Para
isso, utiliza a tecnologia de ponta da época, tornando explícitos os
operadores que permitiam a sua realização arquitetônica. É um manifesto de um
novo modo de vida que se expressa em uma nova e diferenciada articulação dos
usos que toma lugar nos espaços que o conceito da promenade
architecturale possibilitava. O edifício foi construído utilizando-se de uma
tecnologia inovadora do concreto armado que se mostrava através de um
repertório formal sintetizado pelos Cinco Pontos por uma Nova Arquitetura.
Contudo, as premissas de projeto definidas pelos Cinco Pontos, embora tenham
sido apresentadas pelo arquiteto como requisitos para uma nova arquitetura,
dita moderna, constituem-se apenas em um dos diversos repertórios formais
possíveis. O próprio arquiteto, ao mesmo tempo em que fazia a Villa Savoye,
desenvolveu o projeto da Casa Errazuriz (1930), no Chile. Ali, em virtude da
escassez de mão de obra especializada e da dificuldade da utilização das
tecnologias modernas, Le Corbusier opta pela utilização de elementos
existentes no local: pedra, madeira e telha.
Segundo Colquhoun,
“[...]cada um deles [dos cinco pontos] extrai seu princípio de uma prática
existente e promove nela uma reversão. O uso do pilotis, por exemplo, é uma
reversão do pódio clássico; aceita a separação clássica entre o pavimento
nobre e o chão, mas interpreta essa separação em termos de vazio ao invés de
massa. A fênetre en longueur é uma contradição da janela clássica. O teto-
terraço contradiz o telhado inclinado e substitui o pavimento do ático por uma
sala ao ar livre. A fachada livre substitui o arranjo regular das aberturas de
janelas por uma superfície de composição livre. A planta livre contradiz o
princípio pelo qual a distribuição era limitada pela necessidade de paredes
estruturais contínuas verticalmente e as substitui por um arranjo livre de
partições não estruturais determinadas pela conveniência funcional”
Sempre entendida como um manifesto por novas formas, como uma demonstração
eloqüente do conceito da Promenade Architecturale, a Villa Savoye cumpriu esse
papel de manifesto. Contudo, esse entendimento superficial por vezes impediu
um aprofundamento na compreensão das complexas - e igualmente inovadoras -
articulações de uso que as invenções formais e tecnológicas possibilitavam.
Tais qualidades, mais do que o repertório formal sintetizado pelos Cinco
Pontos, representam os fundamentos que permitem que a Villa Savoye – e às
demais casas projetadas por Le Corbusier – seja ‘uma casa para ser habitada’.
Sutis gradações de privacidade aparecem nas transições entre os espaços
sociais e íntimos, seja na variação da largura das circulações, seja na
criação do trecho avarandado e menor do terraço, promovendo a transição com
o boudoir, seja ainda na inversão de sentido da disposição da escada em
relação à rampa, que propicia um acesso mais privado às áreas intima e de
serviço, em contraposição à eloqüência que a rampa iluminada assegura ao
acesso principal.
Por último, mas não menos importante, a associação entre intimidade e controle
é marcante no boudoir, de onde se domina todo o terraço principal sem
comprometer a privacidade que o espaço exige. Essa associação parece ter sido
a tônica da caracterização de todo o pavimento principal da casa, garantindo
uma visibilidade panorâmica do exterior e, ao mesmo tempo, assegurando uma
separação em relação ao terreno, que é resultado da elevação da casa sobre
pilotis. Assim, verifica-se que uma propriedade relativa ao uso do espaço se
realiza devido a uma atuação inventiva do arquiteto sobre o conhecimento
técnico do concreto armado, que permitiu tal solução. Intimidade e controle se
realizam em conjunto através do equilíbrio entre abertura e fechamento,
integração visual e isolamento físico, proteção material realizada pela
separação e segurança psicológica, propiciada pela redução da vulnerabilidade
do habitante pela possibilidade de visualização panorâmica do exterior.
A resposta às demandas relativas à utilidade se fazem na Villa Savoye através
da inclusão de valores relacionados à vida cotidiana, seja através da criação
de equipamentos e suportes para os acontecimentos do dia a dia, como bancadas,
armários, mesas e bancos, seja através da incorporação das inovações
tecnológicas, como o automóvel. Tal inclusão elimina a possibilidade de
leitura da obra corbusiana como arte pura, revelando a consideração de uma
finalidade que é externa à própria forma.