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CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES

METROPOLITANAS UNIDAS – FMU

BACHARELADO EM DIREITO

LAURA MILITÃO DA SILVA

RA:6867706

CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO

SÃO PAULO – SP

2020
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LAURA MILITÃO DA SILVA

CONSTITUCIONALISMO ABUSIVO

Constitucionalismo abusivo, este trabalho foi realizado


com o objetivo de fazer uma análise sobre a temática do
constitucionalismo abusivo para aprovação na disciplina
de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais.

Orientador(a): Fernanda Rodrigues Feltran

SÃO PAULO – SP

2020
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RESUMO

O Constitucionalismo Abusivo é descrito pela literatura especializada como


utilização indevida de mecanismos do direito constitucional para atacar e minar as estruturas
da democracia constitucional e das bases filosóficas do constitucionalismo. Há duas formas
principais de emprego da categoria constitucionalismo abusivo para compreender práticas e
realidades constitucionais: a) frequente e reiterado uso de emendas à constituição e criação de
novos documentos constitucionais com intuito de manter um grupo social e político no poder
com destruição dos elementos centrais da democracia constitucional, designando esse
modalidade como constitucionalismo abusivo estrutural, e b) utilização de alguns institutos e
técnicas constitucionais em desacordo com as diretrizes da democracia constitucional,
consistindo esse fenômeno no constitucionalismo abusivo episódico. Esse artigo entende que,
apesar da existência de hiperpresidencialismo no Brasil, os mecanismos de accountability
horizontal como do Poder Judiciário sobre o Executivo e o Legislativo, não permitem a
classificação como constitucionalismo abusivo estrutural, mas existem fenômenos de
constitucionalismo abusivo episódico e preocupantes. Em detrimento disso, passa-se a verificar
uma espécie de hiperpresidencialismo, o qual, de forma genérica, adota medidas, como
plebiscitos e referendos, com o objetivo de controlar o Poder Executivo. Tais medidas passam
a ser utilizadas pelos governos para instituir controles autoritários disfarçados de
comportamentos democráticos como acontece, por exemplo na Venezuela, a qual rompe com
o modelo anterior de Estado e apresenta uma maior convergência de objetivos a serem
alcançados pelo novo constitucionalismo, fato que é frustrado por este ser de caráter abusivo.

Palavras-chave: Constitucionalismo abusivo, democracia, Hiperpresidencialismo,


Brasil, Venezuela
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Sumário
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1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 5
1.1. O Constitucionalismo ................................................................................................ 5
1.2. Constitucionalismo abusivo ...................................................................................... 5
2. DESENVOLVIMENTO ................................................................................................... 6
2.1. Direito comparado em outro País............................................................................. 6
2.2. Projeto de Lei ........................................................................................................... 10
3. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 13
4. REFERENCIAS .............................................................................................................. 14
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1. INTRODUÇÃO
1.1. O Constitucionalismo
A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e
rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias, e da
França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes:
organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias
fundamentais. Como ressaltado por Jorge Miranda, porém, “o Direito Constitucional norte-
americano não começa apenas nesse ano. Sem esquecer os textos da época colonial (antes de
mais, as Fundamental orders of Connecticut de 1639), integram-no, desde logo, no nível de
princípios e valores ou de símbolos a Declaração de Independência, a Declaração de Virgínia e
outras Declarações de Direitos dos primeiros Estados".

O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser


fundamental à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários
do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. Tem, pois, por objeto a
constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer sua estrutura, a organização de
suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limitação do poder, através, inclusive, da
previsão de diversos direitos e garantias fundamentais. Jorge Miranda define o Direito
Constitucional como: “a parcela da ordem jurídica que rege o próprio Estado, enquanto
comunidade e enquanto poder. É o conjunto de normas (disposições e princípios) que recordam
o contexto jurídico correspondente à comunidade política como um todo e aí situam os
indivíduos e os grupos uns em face dos outros e frente ao Estado-poder e que, ao mesmo tempo,
definem a titularidade do poder, os modos de formação e manifestação da vontade política, os
órgãos de que esta carece e os atos em que se concretiza" . Como produto legislativo máximo
do Direito Constitucional encontramos a própria Constituição, elaborada para exercer dupla
função: garantia do existente e programa ou linha de direção para o futuro.

1.2. Constitucionalismo abusivo


Fenômeno Muito semelhante ao constitucionalismo autoritário, o
constitucionalismo abusivo tem sua nomenclatura criada por David Landau, professor de
Direito constitucional norte-americano. Para ele, constitucionalismo abusivo é o uso de
mecanismos de mudança constitucional para fazer um Estado significativamente menos
democrático do que era anteriormente.
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Segundo o autor: “o constitucionalismo abusivo envolve o uso de mecanismos


de mudanças constitucional - emenda constitucional e substituição da Constituição - para minar
a democracia. Enquanto métodos tradicionais de derrubada da democracia, como golpe militar,
estão em declínio há décadas, o uso de ferramentas constitucionais para criar regimes
autoritários e semiautoritários é cada vez mais prevalente. Presidentes poderosos e partidos
poderosos podem engenhar uma mudança constitucional, para tornarem-se muito mais estáveis,
a fim de neutralizar instituições como tribunais, que teriam a função de verificar o exercício do
poder. As constituições resultantes ainda parecem democráticas a distância e contêm muitos
elementos que não são diferentes daqueles encontrados nas constituições democráticas liberais,
mas, de perto, elas foram substancialmente retrabalhadas para minar a ordem democrática”.

Dessa maneira, segundo Landau, o constitucionalismo abusivo pode ser


praticado por meio de reformas constitucionais, como emendas constitucionais (dando como
exemplo a Colômbia) ou substituindo a Constituição por outra (dando como exemplo a
Venezuela), ou uma combinação das duas estratégias (dando como exemplo a Hungria). No
primeiro caso (emendas constitucionais), é comum emendar a Constituição para permitir um
número ilimitado de reeleições.

Nas palavras do professor peruano José Miguel Rojas Bernal, “sendo o


constitucionalismo abusivo uma ameaça factível ao sistema democrático de qualquer país,
parece razoável avançar na delimitação dos mecanismos que seriam adequados e críveis para
evitar ou se opor a esse fenômeno de modo efetivo”

2. DESENVOLVIMENTO
2.1. Direito comparado em outro País
Opositores do chavismo denunciam que vivem uma ditadura na Venezuela,
enquanto o presidente Nicolás Maduro diz que o país tem uma democracia participativa, e acusa
os opositores de tentarem dar um golpe de Estado, como o que ocorreu em 2002 contra seu
antecessor, Hugo Chávez.

No dia 11 de abril de 2002, um golpe de Estado tirou o presidente Hugo Chávez do


poder e o empresário Pedro Carmona se proclamou presidente, decretando a dissolução de todos
os poderes públicos. O golpe, que foi uma ruptura por parte da oposição, durou quase 48 horas,
e Chávez foi restituído ao cargo por militares leais.
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As principais mudanças aprovadas incluíam a reeleição indefinida, o aumento de


seus poderes para decidir promoções militares e a política monetária junto ao Banco Central e
a suspensão dos direitos a um julgamento justo durante o estado de exceção. Na época, a
oposição considerou a reforma um golpe de Estado. Para o professor Alberto Pfeifer, do Grupo
de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP, a reação de Chávez após o golpe é o
ponto de inflexão em que seu endurecimento se acelera.

“É no retorno de Chávez ao poder que ele começa a endurecer, separa quem é


situação de quem é da oposição, polariza o discurso e começa a abradar a Constituição no
sentido da promoção do ideal do socialismo do século XXI”, diz Pfeifer.

Após o seu retorno, Chávez passou a endurecer seu discurso e sua defesa do
socialismo bolivariano. Em 2007, o Parlamento, de maioria chavista, aprovou uma reforma da
Constituição que o próprio presidente havia promulgado após a convocação de uma Assembleia
Constituinte, em 1999, o ano em que assumiu a presidência. A reforma ampliou seus poderes
como presidente. Chávez foi criticado pela oposição por algumas de suas marcas de governo,
como estatização da economia, programas sociais e controle de empresas e órgãos do governo.
Mas o presidente tinha o apoio da maioria chavista no Parlamento e da população, que depois
de sua eleição aprovou três reeleições e sua permanência no poder questionada em um referendo
revogatório.

Em seu governo, Chávez ainda aprovou uma lei que aumentava o número de juízes
na Suprema Corte do país e pela qual foi acusado de controlar o órgão para alinhá-lo com o
governo. O controle do governo sobre os juízes federais continuou sendo denunciado no
governo de Nicolás Maduro e se tornou mais evidente a partir de dezembro de 2015, quando
pela primeira vez o Parlamento foi formado por uma maioria de deputados opositores ao
chavismo. Desde então, as decisões significativas aprovadas pelo Legislativo foram declaradas
inconstitucionais pelo Supremo, que considera que o Parlamento atua em desacato por ter
juramentado três deputados opositores cuja eleição foi suspensa por suposta fraude eleitoral.
Em março deste ano, o tribunal decidiu assumir as funções do Parlamento, pelo mesmo motivo.
Após acusações de golpe de Estado e de instalação de uma ditadura, o tribunal voltou atrás em
sua decisão. A falta de independência entre Executivo, Legislativo e Judiciário é um dos sinais
de que a democracia é violada, segundo os especialistas. “Para classificar como democracia,
como já falaram alguns autores, não basta ter eleições. Precisa ter um ambiente competitivo e
aberto o suficiente para que tenha troca de governo”, diz Ricardo Sennes, sócio-diretor da
consultoria Prospectiva. Além do Judiciário, o governo tem o controle de órgãos e empresas
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estatais como o Banco Central, a petroleira estatal PDVSA, e o Conselho Nacional Eleitoral
(CNE). “Todos os aparelhos estatais estavam basicamente trabalhando para o presidente, longe
de qualquer função de funcionamento republicano. Isso foge do jogo democrático”, diz Sennes.
O adiamento de eleições por parte do CNE também é apontado pelos especialistas como uma
quebra do processo democrático. As eleições para governadores no país, que deveriam ocorrer
em dezembro de 2016, foram adiadas duas vezes. O órgão também suspendeu o processo do
referendo revogatório contra Maduro que a oposição levava a cabo, justificando sua decisão no
acatamento de decisões de tribunais penais de vários estados, que anularam por fraude uma
primeira coleta de assinaturas.

Outro ponto criticado pela oposição, a comunidade internacional e organizações


de defesa dos direitos humanos é a repressão contra os manifestantes que saem às ruas para
protestar contra o governo chavista. Em 2014, explodiu uma onda de manifestações contra o
governo motivada pela situação social e econômica – alto índice de inflação e escassez de
produtos básicos, entre outros problemas. Ao reprimir os protestos, as forças de segurança
entravam em confronto com os manifestantes, e deixaram um saldo de 43 mortos em 4 meses.
Opositores políticos e prefeitos de algumas cidades foram presos sob a acusação de promover
a violência durante os protestos ou de não agir para impedi-los. Neste ano, desde abril uma nova
onda de protestos voltou a provocar a repressão violenta, e os conflitos já deixaram mais de 120
mortos e 5 mil presos. Para Maduro, as manifestações opositoras culminaram em "atos
terroristas" e de "insurgência armada" que buscam derrubá-lo. Em 2017, diferente de 2014,
alguns dos civis detidos passaram a ser julgados em tribunais militares. Segundo grupos de
direitos humanos, o governo aplicou essa medida porque a procuradora-geral Luisa Ortega, que
era próxima ao chavismo, mas passou a criticar o governo, denunciou prisões arbitrárias durante
as manifestações opositoras e se negou a indiciar essas pessoas. “O julgamento de civis em
tribunais militares é uma prática das ditaduras dos anos 1970, no Brasil, na Argentina e no
Chile. Ocorre sem nenhum tipo de processo. Há casos em que pessoas, por protestar, são detidas
e acusadas por rebelião ou traição à pátria”, diz Tamara Taraciuk Broner, pesquisadora sênior
da organização Humans Rights Watch (HRW) para as Américas.

Para a pesquisadora do HRW e o sócio-diretor da Prospectiva, o ponto de ruptura


democrática mais crítico foi a Assembleia Constituinte convocada por Maduro. A oposição
questionou o fato de o presidente não ter convocado um referendo para submetê-la à aprovação
da sociedade e o modo como a eleição foi organizada. A votação foi dividia por representação
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territorial, independentemente do número de habitantes, e por setores sociais escolhidos por


Maduro, o que teria favorecido a eleição de chavistas.

Como estratégia para reverter o cenário adverso, nos planos interno e internacional,
no dia 1º de maio de 2017, o presidente Nicolas Maduro convocou uma Assembleia Nacional
Constituinte (ANC), com base nos artigos 347 e 348 da Constituição de 1999. A estratégia de
Maduro é, alegadamente, evitar novo golpe de estado, retomar a maioria parlamentar da
oposição e, consequentemente, o controle dos canais políticos institucionais. Seu discurso
justificou a convocação da ANC para reverter o quadro de crise na Venezuela e melhorar as
condições de vida da população realizando os seguintes objetivos: Convoco uma Constituinte
cidadã, não uma Constituinte de partidos nem de elites, uma constituinte cidadã, operária,
comunal, camponesa, uma constituinte feminista, da juventude, dos estudantes, uma
constituinte indígena, sobretudo, irmãos, uma constituinte profundamente operária,
decisivamente operária, profundamente comunal. Convoco aos ‘comuneros’, às ‘misiones’.

Em 30 de julho de 2017, ocorreu a votação que elegeu 545 deputados constituintes:


364 eleitos por critério territorial (um deputado para cada município venezuelano, e dois para
cada capital, observada a proporcionalidade por estados) e 181 por critério social (79
trabalhadores, 28 aposentados, 24 estudantes, 24 indicados por conselhos comunais e comunas,
8 indígenas, 8 camponeses e pescadores, 5 empresários e 4 pessoas com deficiência)

A oposição considerou as eleições inconstitucionais e, novamente, adotou a tática


de boicote, incitando a população a esvaziar a votação estatal e organizando um plebiscito
informal paralelo. Os adeptos do chavismo decidiram pela via da participação, o que lhes
posicionou como única força política concorrente (55 mil candidatos inscritos) e eleita (545
deputados) pelos 8.089.320 de votantes (41,53% dos eleitores venezuelanos) informados pelo
CNE. Após a divulgação dos resultados, o discurso da MUD ficou centrado na alegação de
fraude no procedimento e no número de votantes, e nas mortes de mais de uma dezena de
manifestantes nas ruas de Caracas. A estratégia da MUD assim permaneceu nas eleições
regionais para governadores, realizadas em 16 de outubro de 2017, quando o PSUV venceu em
19 dos 23 estados venezuelanos, e também nas eleições municipais, realizadas em 10 de
dezembro de 2017, quando o PSUV venceu em 295 das 335 alcaldías.

Após insistir em estratégias que não lhe levaram a alcançar suas pretensões de
vitória, a MUD perdeu terreno na disputa política e seu argumento de fraude se mostrou
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falacioso, pois conquistou 5 governos estaduais. Houvesse fraude, não teria vencido em nenhum
estado.

2.2. Projeto de Lei


No Brasil, há o fenômeno do hiperpresidencialismo, com um protagonismo
exacerbado do Presidente da República, em razão do desenho institucional previsto na
Constituição Federal brasileira. Por sua vez, principalmente em razão da independência
concedida ao Poder Judiciário e da autonomia prevista ao Ministério Público, os mecanismos
de accountability horizontal ganharam corpo, promovendo controles maiores sobre os chefes
dos Poderes Executivos Federal, Estaduais e Municipais. Ainda se observa no Brasil um
momento de calibragem institucional na realização dos instrumentos de accountability do Poder
Judiciário sobre os agentes políticos, pois, por exemplo, o combate à corrupção não justifica a
desconsideração do devido processo judicial, impondo-se o respeito aos direitos fundamentais
dos investigados e dos acusados, além de não ser constitucionalmente adequada a intervenção
do Poder Judiciário em atos políticos por excelência. Por sua vez, é uma tendência no
constitucionalismo atual a ampliação dos papéis atribuídos aos juízes e aos Tribunais. Apesar
da ampliação dos mecanismos de accountabilty do Poder Judiciário no Brasil e no mundo, a
questão não altera substancialmente o problema central da relação entre Executivo e Legislativo
no hiperpresidencialismo. Nos momentos de ausência de crises sociais, políticas e jurídicas de
relevo e com forte apoio popular ao Executivo, os Parlamentos, mesmo que eleitos diretamente
pelos cidadãos, não possuem de fato poder de agenda, além de politicamente figurarem como
meros coadjuvantes dos Presidentes, Governadores e Prefeitos. De outro lado, também em
razão do centralismo da Federação brasileira com a atribuição de grande parcela das receitas
públicas e das decisões políticas relevantes ao governo central, as crises afetam com enorme
intensidade a Presidência da República, sendo os momentos conturbados propícios ao
substancial enfraquecimento do Poder Executivo e dificultando a construção de medidas
conjuntas entre Presidente e Parlamento para enfrentar essas situações de instabilidade. Nesse
momento, é comum a observância de protagonismo do Parlamento, o qual muitas vezes se
utiliza dos seus poderes, como Emenda à Constituição Federal, para tomar decisões contrárias
aos interesses do Poder Executivo, mas que também minam as bases do constitucionalismo
democrático. Em outro lado, nos tempos de força do Presidente da República, os Projetos de
Emenda à Constituição elaborados pelo Executivo são aprovados rapidamente. A tese e a
hipótese defendidas neste artigo são de que o Brasil atualmente não pode ser enquadrado em
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casos patológicos (estruturais) de constitucionalismo abusivo, conforme descrito por Landau e


Schepelle, sendo um exemplo contemporâneo de democratura a Venezuela. De outro lado,
ainda que as instituições e os Poderes brasileiros estejam funcionado dentro de um horizonte de
razoável regularidade institucional, em trinta anos dois Presidentes da República Federativa do
Brasil foram objeto de impeachment, observando-se também a utilização de alguns
instrumentos constitucionais contra alguns elementos da democracia constitucional. Dessa
forma, o Poder Judiciário possui papel de garantidor do regime político democrático, mas se
frisa novamente que os magistrados não são salvadores da pátria, não devendo atuar de forma
voluntarista e inspirados em conceitos próprios e subjetivos de moralidade pública.9 De outro
lado, função importante do controle judicial de constitucionalidade reside na proteção e na
promoção de um processo legislativo constitucionalmente adequado e no controle sobre as
Emendas à Constituição. Lenio Luiz Streck e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira registram
que “O processo legislativo é o núcleo central do regime constitucional no Estado Democrático
de Direito. O processo legislativo, jurisdicional ou administrativo, enquanto conceito renovado
– ‘procedimento realizado em contraditório’[…]”, concluindo que não se trata de “mera
ritualística ou a um instrumento legitimador de decisões políticas, nem esgotado no momento
da decisão”. Landau afirma que o controle judicial de constitucionalidade e os instrumentos do
direito constitucional positivo são ineficazes para conter o fenômeno do constitucionalismo
abusivo. No caso brasileiro, é inegável que o controle judicial de constitucionalidade das
emendas constitucionais possui importantes problemas que necessitam ser enfrentados, além
de não ter sido relevante para conter situações clássicas de constitucionalismo abusivo. Cita-se
um exemplo. A Constituição Federal brasileira estabelece, no artigo 60, §2º, CF, que “§2º A
proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos
membros”. De outra banda, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4.425/ DF
entendeu que “A Constituição Federal de 1988 não fixou um intervalo temporal mínimo entre
os dois turnos de votação para fins de aprovação de Emendas à Constituição (CF, art. 62, §2º)”
(BRASIL, STF, 2013), compreendendo que não há parâmetro objetivo que justifique o controle
judicial de constitucionalidade no processo legislativo, ou seja, na atuação típica dos
legisladores. Tal visão não pode prevalecer no Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput,
Constituição Federal), o qual é guia interpretativo de destaque sobre todas as demais normas
constitucionais e especialmente acerca das práticas democráticas e do funcionamento das
tomadas de decisões políticas estruturantes. Ainda, não é possível desconsiderar a dicção literal
do texto constitucional sem uma razão forte também de matriz constitucional. Por exemplo, é
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possível desconsiderar parcialmente uma compreensão a partir da técnica gramatical se existir


argumentos teleológicos e sistemáticos constitucionais para tanto. Em primeiro lugar, uma
interpretação literal do art. 60, §2º, CF determina a realização de efetiva discussão sobre a
Proposta de Emenda à Constituição e depois realização de votação pelo Plenário de cada casa
do Congresso Nacional. Posteriormente e em outra sessão, a realização de nova discussão e
votação em segundo turno. Sendo a democracia, o pluralismo e a participação os fins tutelados
por esse dispositivo constitucional, uma interpretação teleológica aponta a necessidade de
realização de deliberação e votação em dois turnos distintos nos âmbitos formal e material,
pressupondo assim o debate e a votação em uma sessão e, depois de um interstício, outra sessão
e votação em segundo turno. Em leitura sistemática da Constituição Federal, o processo
legislativo principalmente de Emenda à Constituição deve permitir a adequada participação do
povo por meio dos seus representantes, mas com conhecimento, discussão e participação da
sociedade civil e dos cidadãos também (art. 1º, V e parágrafo único, CF), devendo os Poderes
estatais constituídos como Executivo, Legislativo e Judiciário zelarem pela efetivação e pela
concretização da democracia constitucional, não promovendo atos de constitucionalismo
abusivo. Nesse contexto normativo, não é constitucional a realização de uma única discussão
em uma das casas do Congresso Nacional ou na Assembleia Legislativa, porém ocorrendo o
registro da existência de dois turnos somente com objetivo de simular a observância do art. 60,
§2º, CF. De outro lado, registra-se que tanto o Congresso Nacional como o Supremo Tribunal
Federal estão avançando na conformação do processo legislativo nos quadrantes da democracia
constitucional, como se observa nas Medidas Provisórias. Nos termos do artigo 62, caput e §3º,
CF, as Medidas Provisórias podem ser adotadas pelo Presidente da República com força de lei
em caso de necessidade e urgência, porém devem ser submetidas imediatamente ao Congresso
Nacional. Inegável que o Estado Constitucional a partir do século XX impõe uma atuação forte
do Poder Executivo na concretização das normas e objetivos constitucionais por meio de
políticas públicas, planejamento das ações estatais e por diversas prestações estatais. Nesse
contexto, há necessidade de concessão de certo poder normativo ao Executivo.
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3. CONCLUSÃO
Em análise análoga em relação ao apresentado com o contexto constitucional da
América Latina ao longo dos anos, há uma forte presença dos instrumentos de reforma
constitucional, sobretudo, as substituições de Constituições, de modo que, no Brasil, por
exemplo, houve sete Constituições até a atual. Expondo um encadeamento histórico, a América
Latina, em determinado momento, é marcada por ditaduras militares, as quais se caracterizaram
por abusos e violações aos direitos humanos, que em seguida tendem a conquistarem regimes
não democráticos e, por fim, caminham em busca de uma mudança constitucional, ensejando a
valorização dos processos democráticos. Para tal efeito, muitos países passam a adotar as
"cláusulas da democracia", de maneira que as novas Constituições passaram a reconhecer os
direitos sociais e civis, principalmente em um contexto dos golpes presentes na década de 60,
como ocorreu na Venezuela.
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4. REFERENCIAS
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G1 Globo. Maduro convoca assembleia constituinte para tentar resolver crise, 2017. Disponivel em:
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