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uma abordagem feminista


Patriarcado
Prostituição:
1
O patriarcado é um sistema
social, político e econômico,

Prostituição: uma abordagem feminista


uma abordagem feminista no qual os homens
controlam, individual e
coletivamente, o trabalho,
o corpo e a sexualidade
das mulheres. São
Apresentação valores, regras, normas e
políticas que se baseiam
A SOF atua para construir um feminismo que apresente em sua luta uma visão na suposição de que existe
integral sobre a opressão das mulheres. As formas como debatemos questões uma superioridade natural
centrais tem sido redimensionadas, inclusive para compreender e explicitar as dos homens como seres
humanos. Este sistema
conexões entre classe, raça e patriarcado no atual momento. O tema da prostituição
consagra o poder masculino,
é exemplar nesse debate. engendra violências e
exclusões, e imprime ao
A reflexão sobre a prostituição exige compreender seu papel estruturante no capitalismo atual um viés
patriarcado, nas relações econômicas e nas hierarquias entre as mulheres, marcadas extremamente sexista.
no Brasil pela desigualdade racial. Precisamos entender como a prostituição foi se Assim, capitalismo e
patriarcado se alimentam
consolidando em nossa sociedade, o que ela representa e a quem ela serve. reciprocamente e se
fortalecem mutuamente
Por que a maior parte das pessoas que estão no mercado da prostituição são para manter a grande
mulheres? Como é possível que os homens obtenham prazer de pessoas que se maioria das mulheres
encontram em uma situação explícita de inferioridade? Essas são algumas em uma situação de
inferioridade cultural,
questões importantes para o debate, em um momento em que a indústria do
desvalorização social,
sexo movimenta bilhões de dólares em todo o mundo, combinando a desigualdade econômica,
pornografia, a prostituição e o tráfico de pessoas. No Brasil, o debate é acentuado invisibilidade
pela proximidade da Copa do Mundo e por propostas de regulamentação das de sua existência e de seu
casas de prostituição, ao mesmo tempo em que a prostituição cresce nos trabalho, mercantilização
arredores de grandes obras de desenvolvimento. de seus corpos.

Publicação da SOF Sempreviva Organização Feminista Impressão: Pigma


Redação: Nalu Faria, Sonia Coelho, Tica Moreno Apoio para esta publicação: Fundação Heinrich Böll
Projeto gráfico e diagramação: Caco Bisol www.sof.org.br
Tiragem: 1.500 mil exemplares São Paulo, dezembro de 2013
Ana de Miguel
se fala d@s trabalhador@s sexuais. Isso
“Prostitución de A visão dominante oculta, principalmente, que a demanda por
mujeres: una escuela de sobre a prostituição prostituição é masculina.
desigualdad humana”.
Atualmente a visão hegemônica sobre
Ana de Miguel, 2012.
a prostituição tem buscado reduzi-la a um A prostituição como parte
trabalho como outro qualquer. Esse é um das relações patriarcais
dos argumentos utilizados por grupos que
defendem sua regulamentação como se Nesse debate, precisamos sempre explicitar
fosse a venda de mais um serviço, realizado como ponto de partida que nossa crítica à
pela livre escolha e o consentimento das prostituição não é fruto de uma visão
mulheres prostituídas. moralista. Ao contrário, queremos resgatar
Essa posição simplifica o que é a instituição uma reflexão crítica e afirmar que não há
da prostituição e a violência cotidiana que liberdade e igualdade para as mulheres
a envolve. O principal argumento é que a enquanto estivermos presas à polaridade
regulamentação em lei passaria a proteger imposta entre santas e putas. Ao mesmo
as mulheres e as livraria da marginalização tempo, o modelo de sexualidade masculina
e estigma, mesmo que os projetos foquem transforma os homens em demandantes de
explicitamente na legalização do mercado da sexo, e a prostituição aparece como
prostituição e seus agentes. uma forma de garantir seu acesso aos corpos
Existem muitos atores envolvidos nos das mulheres.
sistemas de prostituição: clientes, empresários, A filósofa espanhola Ana de Miguel propõe
cafetões e cafetinas, e até Estados. Isso que a prostituição não seja definida apenas
significa que a prostituição não pode ser pela troca de sexo por dinheiro, mas sim como
pensada só a partir de um comportamento “uma prática através da qual é garantido aos
individual, mas como uma instituição que está homens o acesso grupal e regrado ao corpo
Prostituição: uma abordagem feminista

ancorada nas estruturas econômicas e nas das mulheres”. A prostituição é uma prática
mentalidades coletivas. Mas, neste sistema, há acessível, ainda que mediante uma quantia
um sigilo sobre o papel dos homens, e sobre de dinheiro. E é também regrada, porque não
as prostitutas recai o peso da estigmatização, é uma prática natural nem espontânea, mas
desprezo e confinamento. envolve uma série de normas conhecidas e
Cada vez mais se oculta que são as respeitadas, desde a localização das mulheres
mulheres a grande maioria das pessoas até a negociação do preço para determinado
que são prostituídas, como se a existência “serviço”. Basta perguntar em um ponto de táxi
de prostituição masculina, de travestis e ou em um hotel para saber um local na cidade
transexuais, retirasse o caráter patriarcal onde encontrar prostituição.
da prostituição. A utilização da arroba Precisamos explicitar, ainda, que considerar
2 (@) é uma forma de ocultar o gênero da a prostituição como exploração não faz com
prostituição, como por exemplo quando que consideremos as mulheres prostituídas
concepção moralista
como indignas. Ao contrário, consideramos que um comportamento individual, e está ligada
É aquela que se baseia 3
o feminismo tem que incorporar a luta pela aos estereótipos, reproduzidos por grande
na defesa e afirmação do
superação dos preconceitos, da marginalização parte da população, que culpam as prostitutas
que deve e o que não deve

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e da estigmatização das mulheres prostituídas. pela existência da prostituição, com base em
ser feito, de acordo com
Queremos questionar o discurso uma concepção moralista .
os valores dominantes
liberal sobre a prostituição, que justifica a A prostituição é uma construção histórica, na sociedade, como
banalização da sexualidade e a imposição de que foi modificada e adaptada a cada época, por exemplo os valores
novos modelos para a mesma subordinação mas podemos dizer que desde o início da família e de
das mulheres. Desde uma perspectiva combina aspectos da sexualidade, da comportamento. Ao
feminista, acreditamos que a questão da família, das relações econômicas e de poder lutar pela liberdade
prostituição não pode se resumir ao grupo em cada sociedade. e autonomia das
de mulheres envolvidas na indústria do É importante destacar dois processos mulheres, o feminismo
sexo, mas é relevante para o conjunto das fundamentais nas sociedades ocidentais sempre questionou
mulheres, por se tratar de um fenômeno que se relacionam com as visões e posições e transgrediu o
que legitima e reproduz um modelo de sobre a prostituição. O primeiro é o papel do moralismo, defendido
sexualidade que é patriarcal. cristianismo e sua influência na constituição sobretudo por setores
Por isso esta reflexão se insere na luta das relações sociais e dos valores que as conservadores e
para garantir uma vida sem qualquer tipo orientam. O segundo se refere às mudanças religiosos.
de violência para todas as mulheres, em introduzidas pelo capitalismo, sobretudo
que o exercício da nossa sexualidade esteja com a mercantilização, a urbanização, a
livre do estigma da mercantilização dos concentração da propriedade privada e da
nossos corpos e também do cerceamento e acumulação de um lado, e a pobreza de outro.
moralismo religioso. No Brasil, além das relações patriarcais,
a sociedade se estruturou a partir do
A prostituição é colonialismo, profundamente racista. Como
uma construção histórica parte da escravidão da população negra e
extermínio indígena, as mulheres negras e
Quando o assunto é a prostituição, é indígenas tiveram seus corpos com frequência
comum escutar que esta é a mais antiga das violados pelo estupro.
profissões. Essa é uma forma de naturalizar a Nossa história é contada como se as
prostituição como algo que sempre existiu indígenas se oferecessem aos brancos, e
e também de não considerar que podemos ainda hoje o imaginário das mulheres negras
viver em um mundo sem prostituição. Essa como hiper sexualizadas é muito difundido na
naturalização faz com que não seja vista como literatura e novelas. Estes são elementos que
uma forma de exploração e opressão. É tratada marcam a imagem da brasileira como símbolo
como se fosse uma boa opção para muitas de erotismo e sensualidade, e que tem a ver
mulheres, em diferentes épocas. Além disso, a com a visão que se constrói e se vende fora do
prostituição é geralmente apresentada como Brasil sobre nós.
Cristina Carrasco
as mulheres tinham que se adequar aos ideais
“Sustentabilidade da Desigualdade entre homens e interesses masculinos, e que o modelo de
vida humana: um e mulheres no capitalismo feminilidade as convertia em objetos e presas.
assunto de mulheres?”.
O capitalismo incorporou o patriarcado O principal mecanismo de justificativa
Cristina Carrasco, 2003.
como estruturante das relações sociais. para a definição do masculino e feminino é a
Para isso, aprofundou a divisão sexual do naturalização dessa construção como parte de
Simone de Beauvoir
trabalho, fortalecendo uma divisão entre uma suposta essência masculina e feminina.
O segundo sexo. Simone
uma esfera pública e outra privada. A Ao fazer parecer que é parte da natureza,
de Beauvoir, publicado
primeira considerada como o lugar onde a ideologia dominante trata as relações de
pela primeira vez em
se dá a produção e a segunda onde se desigualdade entre homens e mulheres como
1949.
dá a reprodução. Essa visão tenta reduzir diferenças que se complementam.
o conceito de trabalho ao que tem valor Na consolidação do capitalismo
monetário e oculta todo o trabalho patriarcal, a família se transformou,
doméstico e de cuidados como central para passando do modelo de família extensa
a sustentabilidade da vida humana . Essa visão para a mononuclear de pai, mãe e filhos.
sobre a separação entre esferas dicotômicas A monogamia continuou sendo uma
esconde a dependência masculina e do capital característica fundamental, seja para
do trabalho invisível e não reconhecido das a transmissão da herança, no caso da
mulheres. Na verdade são falsas dicotomias burguesia, e de reprodução da força de
que caracterizam o masculino vinculado as trabalho, no caso da classe trabalhadora.
esferas da produção, do publico, do político Um dos elementos que estruturou esse
do mercado, da cultura e da razão. O feminino modelo de família foi a imposição da
como a reprodução, o privado, o pessoal, a heterossexualidade como norma obrigatória.
família, a natureza e a emoção. São valores Ou seja, para esse ideal de família existe um
e visão de mundo impostos pelo grupo modelo de sexualidade que é considerado
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dominante, e portanto não são neutras, mas padrão, e que hierarquiza e normatiza.
hierárquicas. (Carrasco, 2003).
A hierarquia aparece quando se valoriza e O lugar da prostituição
prestigia mais os espaços e atividades no capitalismo patriarcal
consideradas masculinas. O feminino é
representado como frágil, dependente, meigo, Sabemos que o patriarcado se estrutura
fútil, vinculado à maternidade. Já o masculino a partir do controle dos homens, individual e
é representado como forte, viril, violento, coletivamente, sobre o trabalho, o corpo e a
independente, livre. Como nos mostrou sexualidade das mulheres. A prostituição se
Simone de Beauvoir, a própria noção de insere nesses três tipos de controle e há uma
feminilidade foi sendo inventada e definida ideologia que legitima sua prática.
4 pelos homens, com uma intenção de auto- A sexualidade foi um terreno a partir do
limitação das mulheres. Ela argumentava que qual se desenvolveu o controle do corpo
das mulheres vinculado a necessidade de se era constante entre as mulheres que foram
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adequar ao modelo de família centrado no incorporadas pela revolução industrial,
poder masculino, mas também ao tipo de inclusive porque houve uma disputa com os

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trabalho determinado para as mulheres. homens trabalhadores. Eles consideravam a
Um elemento central no modelo de presença das mulheres nas fábricas
sexualidade é sua construção a partir de uma uma concorrência que ameaçava seus
dupla moral. Durante muito tempo, houve a postos de trabalho.
exigência de virgindade das mulheres até o O que se oculta é que são os homens que
casamento, quando deveriam ser fiéis. controlam boa parte do que as mulheres
Já os homens eram incentivados a ter prostituídas recebem. Ou seja, além da
múltiplas experiências. demanda por sexo, um grupo de homens
Uma vez mais, a naturalização marca a organiza a prostituição e se apropria de grande
visão sobre a sexualidade, como se fosse parte do que as mulheres recebem. O mesmo
determinada biologicamente. A sexualidade se dá no casamento, onde a contribuição
masculina é viril, e os homens teriam um econômica das mulheres é invisibilizada.
desejo insaciável, enquanto as mulheres tem São mecanismos utilizados para parecer que
sua sexualidade marcada pela passividade, os homens são os provedores, no caso do
vinculada mais à reprodução que ao prazer. casamento. E um mecanismo de controle e
A hipocrisia dessa dupla moral sempre tratou exploração, no caso da prostituição. Mas o
a prostituição como algo necessário para objetivo por trás dessa lógica é sempre que as
preservar a virgindade das “moças de família” mulheres não tenham autonomia.
e garantir a satisfação dos desejos “insaciáveis” A prostituição sempre envolveu
dos homens casados. uma diversidade de situações, e mesmo
Na formação do capitalismo, as relações de hierarquias entre as mulheres. Essa
de trabalho foram assalariadas, mas também diversidade responde também às diferenças
se consolidou a noção de um ideal de família e desigualdades de classe e raça, além
baseada em um homem provedor. Por das relações de poder existentes em cada
isso, as mulheres deveriam conseguir um momento. Ao longo da história, a instituição
casamento, e a prostituição, nas mais variadas da prostituição cumpriu funções de
modalidades, era uma saída para mulheres manutenção do modelo de sexualidade, de
que não estavam casadas. família, dos papéis ideológicos.
Na família, há um controle dos homens A prostituição também faz parte da
sobre as mulheres que se dá a partir da construção de representações para controlar e
sexualidade. Ele teve como âncora as restrições julgar as mulheres a partir de sua sexualidade
que as mulheres encontram para ter como honradas ou não, para definir punições,
autonomia econômica, que antes era ainda estigmatizar e dividir as mulheres. Um dos
mais limitada que nos dias de hoje. A pressão mecanismos utilizados foi a marginalização e
para o casamento e dedicação para a família a construção de muitos estereótipos onde as
A sexualidade é uma
construção social prostitutas foram vinculadas ao imoral e ao que também há resistência e, quanto mais
Esse debate foi indecente. O estigma de puta é usado não só conhecemos a história, mais sabemos que isso
apresentado em para mulheres que exercem a prostituição, ocorre há muitos séculos de diversas maneiras.
“Sexualidade e gênero: mas também para as que se rebelam contra a Em nossa época histórica, com o feminismo,
uma abordagem moral conservadora e aquelas que cresceu essa resistência, assim como a
feminista”. Nalu Faria, estão fora do modelo de feminilidade desconstrução desses discursos e emergência
1998. considerado adequado. de novas práticas.
Mas a prostituição também cumpre um Para discutir a relação entre sexualidade
papel econômico, seja como um negócio e a prostituição precisamos resgatar que as
mundial, seja no controle cotidiano por práticas sexuais não são parte de uma natureza
cafetões e cafetinas. A ideia de que as sexual masculina e feminina. A sexualidade é
mulheres em situação de prostituição ficam uma construção social, e o que vivemos hoje é
com parte significativa do dinheiro é falsa. diferente do que as pessoas viveram em outros
O esquema da prostituição é diverso, mas momentos da história.
na maioria das vezes as mulheres precisam Ao longo das nossas vidas, a relação com
pagar aluguel de quarto, lençol, produtos, o corpo e a sexualidade é estimulada de
roupas e adereços, além de comissões e forma diferente para os meninos e as meninas.
segurança. Revelar estes fluxos é importante Enquanto os meninos desde pequenos são
para se conhecer os circuitos da prostituição. estimulados ao desejo, a falar sobre sexo e a
É importante compreender que existe uma tocar o próprio corpo, as meninas são inibidas,
institucionalidade, muitas vezes ocultada, na a descoberta do corpo é reprimida e até entre
prostituição, envolvendo hierarquia, relação as mulheres adultas a masturbação continua
com a polícia e outros agentes, e também sendo um tabu.
com o tráfico de drogas. É claro que existe uma diferença entre a
vivência da sexualidade de acordo com cada
Prostituição: uma abordagem feminista

Sexualidade geração. Muitas mulheres que nasceram na


primeira metade do século passado passaram
O fato de que vivemos em uma sociedade toda sua vida mantendo relações sexuais
patriarcal faz com que as ideias e práticas forçadas, por obrigação, para servir ao marido.
dominantes sejam definidas pelos homens Ainda hoje elas são estimuladas a agradar aos
que detêm o poder. Isso significa inclusive homens e, em geral, aparece pouco a satisfação
que os discursos sobre o que é ser mulher são de seu próprio desejo. As revistas femininas
construídos a partir da ideologia patriarcal. são exemplares nesse sentido: em todas as
As mulheres introjetam essas percepções edições vemos manuais sobre como satisfazer
que marcam sua subjetividade e identidade os desejos do parceiro. Por isso, ainda é comum
pessoal e a própria personalidade. Por outro que realizem práticas sexuais que não desejam,
6 lado, quando falamos que há uma prática para não serem consideradas inadequadas.
hegemônica estamos justamente afirmando Muitas vezes, elas têm relações sexuais sem
Carol Vance
querer, porque o seu “não” é desconsiderado. Sabemos também que por mais que
“El placer y el peligro”. 7
Isso se expressa no ditado machista: “não haja a imposição de um modelo repressor
Carol Vance, 1989.
existe mulher difícil, e sim a mal cantada”. Para sobre as mulheres, nem todas vivem a

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as adultas casadas, o sexo é visto como uma sexualidade dessa forma. Carol Vance tem uma
necessidade para se conservar o casamento, formulação que fala da experiência e vivência
para que os homens não busquem mulheres das mulheres a partir de uma tensão entre
“lá fora”. Para as jovens solteiras, ainda há a o perigo e prazer. Ela diz que a sexualidade
vergonha de admitir o desejo, de se falar das é um terreno que coloca as mulheres nessa
vontades, são cheias de dúvidas, mas também tensão entre o perigo e o prazer, por ser
de razões e certezas de que querem ter direito uma experiência que contém ao mesmo
a sentir prazer. tempo alegria e prazer, mas também tristeza
A ideologia dominante utiliza a ideia de e humilhação. Não é uma experiência
uma natureza sexual dos homens oposta marcada somente pela subordinação ao
à das mulheres para justificar o modelo de poder masculino, mas também não é uma
sexualidade e ocultar que é uma construção experiência de completa satisfação.
social. Dessa forma justifica uma construção do Os perigos que as mulheres enfrentam são
desejo das mulheres subordinado aos homens externos e internos. Como perigos externos
e coloca a heterossexualidade como a única destacamos a violência sexista (agressões,
forma de viver a sexualidade. estupros, assédio sexual), as diferentes formas
Esse modelo nega a expressão da de prepotência masculina de muitos homens,
diversidade, uma vez que ele se baseia na a exigência de práticas sexuais não desejadas
imposição de uma norma rígida. Discrimina, pelas mulheres. Entre os perigos internos
pune e estigmatiza todas e todos que destacamos a interiorizarão que as mulheres
transgridem tais normas. A intolerância fazem da feminilidade tradicional, que
com a sexualidade lésbica é maior, pois essa contribui para que vivam a sexualidade como
sociedade é ainda mais reacionária com a algo perigoso, que traz o medo de viver os
transgressão feminina e a expressão de seu próprios desejos, medo de perder os
desejo sexual. limites do corpo, medo que suas fantasias não
sejam adequadas.
Entre o perigo Essa formulação também nos permite
e o prazer analisar as ambiguidades vividas pelas
mulheres. A formação da identidade feminina
Já afirmamos que os estudos históricos a partir da polarização entre santas e putas
nos mostram que, em muitos momentos coloca as mulheres em permanente tensão.
houve uma disputa em torno do modelo Elas têm que agradar aos homens, serem
hegemônico. Em alguns períodos, prevaleceu sedutoras, mas de forma indireta, para que
um discurso mais liberal e, em outros, sejam eles quem tomem a iniciativa, pois,
mais conservador. caso contrário, elas ultrapassam a fronteira
Misoginia
das santas. E, ao mesmo tempo, permanece Atualmente, em nome de uma suposta
A misoginia é uma
essa ideia de que as mulheres precisam de um liberação das mulheres, há uma permanente
forma extrema de
homem para serem completas. Dessa forma, pressão para que estejam sempre disponíveis.
machismo. É o ódio e
é a imposição de uma subjetividade que nega Evidentemente isso tem a ver com o fato
a aversão às mulheres,
a autonomia e a legitimidade de seus desejos, de que as mulheres romperam fronteiras e
uma ideologia e prática
na medida em que eles são atrelados a ser e estão no mundo público. Pois, muitas vezes,
que deprecia as mulheres
estar para o outro e não para si. só o fato de saírem sozinhas faz com que se
como sexo e tudo o que é
considere que estão disponíveis para serem
considerado feminino.
Banalização da cantadas. E, se as mulheres questionam ou
sexualidade feminina respondem, são consideradas moralistas,
puritanas, reprimidas, lésbicas. Não por
Hoje, é visível que há uma banalização acaso, essas são as mesmas características
da sexualidade feminina, exposta atribuídas às feministas. Ou seja, existe hoje
incansavelmente pelos meios de comunicação um discurso de liberação da sexualidade,
de massa, pela publicidade, ou abordada de mas que permanece dentro das normas da
forma pouco respeitosa em diversos âmbitos sexualidade masculina.
da sociedade. Dessa forma, a sexualidade Na questão da prostituição, um dos
também passa a ser apresentada como uma elementos que nos assusta é como a
mercadoria disponível. misoginia funciona para que inclusive as
Essa banalização traz consigo uma famílias participem na venda de suas filhas.
padronização no exercício da sexualidade, São conhecidos, mesmo na história recente,
impondo um padrão aceitável de como cada casos de que os pais expulsam suas filhas
um e cada uma deve vivenciar a sua, e uma de casa porque perderam a virgindade
constante vigilância e controle sobre ela, ou que empurram as filhas para relações
demonstrando que, assim como objetos ou economicamente consideradas interessantes.
Prostituição: uma abordagem feminista

mercadorias, no plano do sexo também as Um dado permanente é o grande número


mulheres devem ser vistas como disponíveis e de mulheres que sofreram abusos sexuais ou
pertencentes aos homens. estupros e são prostituídas. Todas sabemos
Dentro desse modelo, a cultura dominante o que significa para a autoestima de uma
estimula as mulheres a alterarem seu menina ser estuprada ou abusada por um
comportamento sexual de acordo com as familiar. Mas devemos lembrar que, além
novas exigências masculinas. Nos últimos desses casos, é muito comum que a vivência
anos se construiu um discurso de que, na das meninas seja de humilhação, de maus
intimidade de um casal, toda mulher pode ser tratos, de alusões a sua sexualidade, assédios,
puta. Isso evidencia uma vez mais quais são sempre com a ameaça que poderá ser ou será
as representações da sexualidade e como ela uma puta. Ou seja, é permanente na vida das
8
está vinculada à ideologia patriarcal e não ao mulheres o julgamento a partir da classificação
erotismo segundo o desejo de cada uma. como santa ou puta.
Revolução sexual
Outro elemento fundamental a ser A revolução sexual inaugurou novas
O período entre os 9
considerado é que quase a totalidade das normas para a sexualidade, afirmando que
anos 1960 e 1970 foi
mulheres chegam a prostituição através de sexo é bom e que é bom ter relações sexuais
conhecido como uma

Prostituição: uma abordagem feminista


alguém que atua como agente, muitas vezes com muitas pessoas. Isso seria moderno,
época de “liberação
seu próprio namorado ou companheiro. A transgressor e anti-sistêmico. Daí que surgiu
sexual”, que desafiou
entrada na prostituição está marcada pelas uma ideia, que prevalece ainda hoje, de que
códigos tradicionais
relações de poder patriarcais e pelo que qualquer crítica relacionada a sexo é repressora
de comportamento
chamamos de instituição da prostituição. e conservadora. Mas havia também uma ideia
relacionados a
Em geral, são prostituídas quando ainda são de que, com a revolução sexual, a prostituição
sexualidade humana
adolescentes ou mesmo crianças. se tornaria algo residual.
e comportamentos
Em um momento que se quebrou
interpessoais. O sexo
O que mudou com uma parte dos tabus da sexualidade,
além das relações
a revolução sexual? principalmente o da virgindade, o debate
heterossexuais e
sobre a livre escolha e o consentimento na
monogâmicas passou
Um olhar sobre a prostituição em prostituição passou a ganhar espaço.
a ter mais aceitação.
diferentes períodos e sociedades mostra que, Nos anos 1970, teve início a organização
No caso das mulheres,
assim como todos os processos sociais, seu de grupos de prostitutas, inicialmente na
o advento da pílula
desenvolvimento tem uma trajetória que Inglaterra e nos Estados Unidos, reivindicando
anticoncepcional abriu
não é linear. o reconhecimento da prostituição como
possibilidades de um
Até os anos 1960, a prostituição tinha uma profissão.
maior controle sobre o
como uma de suas justificativas o modelo É importante assinalar que em alguns
número de filhos e foi
de sexualidade tradicional e a exigência de países europeus houve um declínio do
também um momento de
virgindade das mulheres. Evidentemente esse número de mulheres em situação de
grande questionamento
é apenas um discurso de legitimação que não prostituição, resultado dos avanços em relação
do tabu da virgindade.
corresponde à realidade. Também é parte dessa a luta por igualdade e das políticas de bem
história o fato de que muitos homens casados estar social. Mas a demanda masculina pela
continuassem como prostituidores fora de suas
Kate Millett
prostituição não teve o mesmo declínio.
“A política sexual”. Kate
casas, sob a visão de que o casamento era para Essa informação é muito importante
Millett, 1970
a reprodução e as esposas assexuadas. Assim para a reflexão sobre as condições de vida
como o fato comum no Brasil, e também em das mulheres e as desigualdades nos países,
tantos outros países, de que muitos homens e sua relação com a entrada de meninas
Amelia Valcarcel
“¿La prostitución es un
mantinham mais de uma família. e mulheres na prostituição. Para a filósofa
modo de vida deseable?”
A revolução sexual questionou parte espanhola Amélia Varcacel , a vulnerabilidade, a
Amelia Valcarcel, 2007.
da hipocrisia da dupla moral, mas como pobreza e a marginalização são as causas da
apontam algumas feministas, como Kate prostituição, e não as suas consequências. Ela
Millett , uma carga misógina foi mantida, assim afirma que na Espanha, especialmente antes
como não se questionou a sexualidade da crise, o negócio da prostituição só era
masculina tradicional. sustentável porque cerca de 90% das mulheres
Carole Pateman
prostituídas naquele país era imigrante. Esse Essa visão está muito associada a de que
“O contrato sexual”.
dado se relaciona ao fluxo migratório dos países a prostituição é um trabalho como outro
Carole Pateman, 1988.
do sul e do leste para os países da Europa. É qualquer. Mas apesar de ser uma fonte de
preciso considerar que parte significativa das sustentação econômica para quem está na
Tatiana Felix
migrantes se encontra em situação irregular em prostituição, há diferenças em alguns aspectos
Relatórios revelam
um contexto de xenofobia, o que aumenta a significativos do contrato de trabalho. A
números, origem e
sua vulnerabilidade. Além disso, a prostituição cientista política Carole Pateman afirma que
destino do Tráfico de
nos países da Europa também está muito “é um cliente do sexo masculino que participa
Pessoas na Europa.
relacionada com o tráfico de mulheres. do contrato de prostituição e não um patrão.
http://migre.me/cXFE0
Na Europa , existem cerca de 140 mil Os serviços de uma prostituta não podem ser
mulheres vítimas do tráfico de pessoas para prestados a não ser que ela esteja presente; a
o mercado do sexo e, a cada ano, são 70 mil propriedade na pessoa, diferentemente das
novas vítimas da indústria do sexo. A estimativa propriedades materiais, não podem ser separadas
é que estas mulheres realizem em torno de do seu dono. O capitalista não tem um interesse
50 milhões de programas sexuais ao ano, intrínseco no corpo e no ser do trabalhador ou,
representando a movimentação de cerca de pelo menos, não o mesmo tipo de interesse que o
2,5 bilhões de euros. Estimativas internacionais homem que participa do contrato da prostituição.
apontam que 40 milhões e pessoas se O patrão está interessado no lucro. Os homens
prostituem em todo o mundo, sendo que 75% que participam do contrato da prostituição tem
são mulheres na faixa etária dos 13 aos 25 anos um único interesse: a prostituta e seu corpo. Na
e, 90% ligadas a cafetões. prostituição o corpo da mulher e o acesso sexual
ao seu corpo são os objetos do contrato. Ter
Mercantilização e controle corpos à venda no mercado, enquanto corpos, é
do corpo das mulheres muito parecido com a escravidão.”
Quando os corpos das mulheres estão
Prostituição: uma abordagem feminista

O controle do corpo das mulheres é mais à venda como mercadorias no mercado


complexo hoje, quando imagens opostas do capitalista, se reafirma mais uma vez, e
corpo, coberto por uma burca ou do corpo nu, publicamente, a força do patriarcado. Isso
podem ter o mesmo sentido opressor. porque há um reconhecimento dos homens
Uma visão liberal da bandeira nosso corpo como senhores sexuais das mulheres, todos os
nos pertence é de que as mulheres podem homens sobre todas as mulheres – e é isso que
dispor de seu corpo mesmo para vendê-lo na está errado com a prostituição.
prostituição. O discurso feminista sobre a No neoliberalismo, a banalização da
autonomia das mulheres é cooptado pelo prostituição foi ampliada. A lógica consumista
sistema e convertido em “meu corpo é meu invade todas as esferas da nossa vida, e até
negócio”, em uma clara transformação do corpo o sexo mercantilizado tornou-se um dado
10 em coisa, em objeto que pode indiscutível da economia moderna. Em uma
ser comercializado. lógica individualista, as relações de dominação
Amsterdã
são negadas e excluídas das formas de desmantelamento dos direitos conquistados,
“Por que nem 11
violência contra as mulheres. Além disso, a no tema da prostituição se falava na garantia de
Amsterdã quer as
diversidade cada vez maior das pessoas em direitos, o que evidentemente era uma falácia.
casas de prostituição

Prostituição: uma abordagem feminista


prostituídas por vezes oculta este lugar da
legalizadas?”. Post no
instituição prostituição na sociedade patriarcal Experiências de blog da MMM.
que privilegia os homens. Estes, seguem sendo outros países
a maioria esmagadora dos clientes, mesmo
quando se trata da prostituição de rapazes É necessário ainda pesquisar e divulgar
ou de travestis. A indústria do sexo continua informações sobre como estão e como vivem
manipulando a sexualidade para encorajar as mulheres em situação de prostituição
a demanda, seja pela pornografia ou pelo no nosso país, nos países que legalizaram a
turismo sexual. prostituição e naqueles que adotaram políticas
abolicionistas.
Propostas de regulamentação em “Em Amsterdã, na Holanda, o argumento
um contexto de precarização do trabalho para legalização da prostituição era: para tornar
as coisas mais seguras para todos. Tornar esse
Outro marco para a reflexão, um trabalho como outro qualquer. Resultado:
principalmente a partir dos anos 1990, foi Em vez de proporcionar uma maior proteção
a epidemia da AIDS e a responsabilização para as mulheres, a legalização simplesmente
que recaiu sobre as mulheres em situação expandiu o mercado. Ao invés de terem
de prostituição. A estratégia utilizada por adquirido direitos no “local de trabalho”, as
organismos internacionais, como o Banco mulheres prostituídas descobriram que os
Mundial, foi atuar a partir das mulheres cafetões eram tão brutais quanto sempre
prostituídas para conter a epidemia, foram. O sindicato financiado pelo governo
transformando-as em agentes de saúde. e criado para protegê-las tem sido evitado
Esse dado é bastante relevante. Nos países pela grande maioria das mulheres, que
do sul, sob o neoliberalismo e redução das permanecem assustadas demais para reclamar.
políticas sociais, o Banco Mundial definiu Os abusos sofridos pelas mulheres são
que seu financiamento teria que passar pelas agora chamados de “risco ocupacional”, da
ONGs e foram criadas várias organizações mesma forma que uma pedra que cai no pé
de prostitutas que, em geral, se tornaram a de um pedreiro. O turismo sexual cresceu
base social de defesa da regulamentação das mais rápido, em Amsterdã, do que o turismo
prostituição em nossos países. regular: como a cidade se tornou o local
Em muitos países da América Latina e de prostituição da Europa, mulheres são
do Caribe, foi no processo de precarização importadas por traficantes da África, Europa
de direitos que se colocou o debate da do Leste e Ásia, de modo a suprir a demanda.
regulamentação da prostituição. Realmente Em outras palavras, os cafetões permaneceram,
soava estranho que, em pleno processo de mas tornaram-se legítimos – a violência ainda
Estado de Bem-Estar Social
é prevalecente, mas se tornou mera parte do que consomem serviços sexuais fora do país
O Estado de Bem-Estar
trabalho e o tráfico aumentou. Suporte para são penalizados, como forma de combater
Social se refere a
que as mulheres deixem a prostituição é quase também o turismo sexual.
experiência de países que
inexistente. A obscuridade inata do trabalho Outro aspecto comum nos dois países
ampliaram os direitos
não foi desmanchada pela benção legal.” é que a população demonstra um apoio
de cidadania e políticas
Na Alemanha, a prostituição foi legalizada significativo a essas medidas. Vale lembrar,
universais em um
em 2002. também, que esses países tiveram grandes
momento que o Estado
Os dados apontam que o negócio do avanços em políticas de igualdade sob o
assumiu um papel de
provedor de direitos e
sexo movimenta anualmente 14,5 bilhões Estado de Bem Estar Social.
de euros naquele país e, mesmo com a Na França, após ouvir depoimentos de
regulador da economia.
regulamentação, não há estatísticas oficiais muitas mulheres prostituídas, uma comissão
Em alguns países da
sobre a prostituição. A estimativa é de que parlamentar composta por membros da
Europa, como a Suécia,
atualmente existam entre 200 mil e 400 mil delegação em defesa dos direitos das
esse foi um momento de
mulheres vivendo da prostituição. Apesar mulheres, propôs um projeto contra a
ampliação de políticas de
de a legislação alemã reconhecer direitos exploração da prostituição, inclusive com
igualdade entre homens e
trabalhistas e previdência social para as a penalização dos clientes. O projeto foi
mulheres, que ampliaram
mulheres em situação de prostituição, apenas aprovado na Câmara e agora segue para o
o compartilhamento do
44 pessoas – incluindo quatro homens – estão senado francês.
trabalho de homens e
registradas como “prostitutas” na Agência
mulheres.
Federal de Emprego. Cenários da prostituição no Brasil:
O país se tornou um destino de turismo grandes obras
sexual. Foram construídos mega-bordéis, nos
quais mais de 90% das mulheres prostituídas Vemos no território brasileiro um
são estrangeiras (a maioria romena e búlgara). grande aumento da prostituição nas áreas
Na Suécia, a prostituição é considerada de mineração, da construção de usinas
Prostituição: uma abordagem feminista

uma violência contra as mulheres. Esse é hidrelétricas ou nas obras da Copa do Mundo.
um dos países considerados abolicionistas, Em uma lógica desenvolvimentista que reduz
onde o cliente da prostituição é penalizado. o desenvolvimento ao crescimento ilimitado, o
Lá foi desenvolvido um modelo que oferece corpo das mulheres amortece os impactos da
políticas de apoio para as mulheres que superexploração do trabalho e da destruição
desejam sair da prostituição, além de do território.
campanhas educativas sobre o tema. De A relação entre a prostituição e o
acordo com o governo sueco, desde 1999, desenvolvimento de atividades econômicas
quando se adotou a legislação atual, se vinculadas à obras de infra-estrutura e
reduziu pela metade o número de pessoas em mineração no Brasil não é novidade. Os anos
situação de prostituição. 1980 e 90 foram marcados por grandes
12 Na Noruega, a legislação também é movimentos migratórios, na região norte do
abolicionista. Lá, inclusive os noruegueses Brasil, motivadas por projetos de infra-estrutura,
de mineração e da corrida pelo ouro. O também do Acre, Maranhão e de outras
13
mercado da prostituição, nestes locais, se partes de Rondônia.
desenvolveu acompanhando os fluxos A situação não é diferente em Altamira, no

Prostituição: uma abordagem feminista


migratórios, aumentando e diminuindo de Pará, onde o número de casas de prostituição
acordo com o ritmo das obras e aumentou com o início da construção da usina
da garimpagem. de Belo Monte e a conseqüente ampliação
Por ser um negócio realizado às margens dos moradores da região. Em abril de 2012,
da lei, tanto os números quanto a dinâmica pelo menos 8 novas casas de prostituição
desta indústria são apenas aproximações. Mas foram identificadas pela Agência Brasil, e
as conexões com as grandes obras são visíveis o discurso sobre a situação das prostitutas
e aparecem constantemente em matérias e dos clientes é semelhante. A maioria das
jornalísticas, a partir das quais recolhemos mulheres é de outras regiões do estado,
elementos que contribuem para nossa reflexão. como Santarém, e tem como objetivo juntar
Na estrada interoceânica, que foi financiada dinheiro, mas também conseguir emprego
pelo BNDES para facilitar a circulação na usina. Já o perfil dos clientes é composto,
de mercadorias entre o Brasil e o Peru, a majoritariamente, pelos trabalhadores da usina
concentração de garimpeiros envolvidos na que se mostram “carentes” e em busca de
corrida se dá ao mesmo tempo em que a “prazer rápido” para aliviar o peso do trabalho
concentração de jovens que trabalham em intenso na construção.
cerca de 400 casas de prostituição clandestinas.
Em 2011, cerca de 300 mulheres (sendo pelo Turismo sexual
menos 7 menores de idade) foram resgatadas e grandes eventos
de uma situação de exploração sexual nesta
região peruana. Elas foram atraídas por ofertas A inauguração do primeiro estádio pronto
de trabalho no comércio e em serviços para a Copa do Mundo, o Castelão, em Fortaleza
domésticos, mas acabaram forçadas a se (CE), foi marcada pelas denúncias da exploração
prostituir. sexual de menores, em um contexto de extrema
Outro exemplo conhecido das reportagens pobreza. Reportagens relataram casos de
sobre o tema é a construção das hidrelétricas programas em troca de um prato de comida ou
Jirau e Santo Antonio, financiadas pelo PAC. As 10 reais e, ainda, em troca de acesso à drogas,
duas construções somam 35 mil trabalhadores como o crack. A rede da prostituição e do tráfico
empregados, em sua maioria homens. Há de drogas caminham juntas, e o poder público
alguns quilômetros, Jaci-Paraná é um pequeno que investiu bilhões para a construção do
vilarejo que tem mais casas de prostituição que estádio, não investe o suficiente no combate à
mercados, padarias e farmácias. As mulheres exploração sexual e na garantia de condições de
que atuam como prostitutas nestes locais vida dignas para a população do entorno, que
vieram, em sua maioria, de outros estados. não tem o direito a saúde, moradia, alimentação
A maioria de Sapezal, no Mato Grosso, mas e educação assegurados.
Com a proximidade da Copa do Mundo, a realidade da vida destas meninas não é
está colocado o desafio de posicionar este satisfatória e por isso querem ir para longe e,
debate não apenas a partir da constatação por outro lado, que não figura no horizonte
de que, por ser um período com muitos delas a perspectiva de construir suas vidas com
turistas homens, haverá uma demanda base na autonomia, reforçando um modelo de
maior pela prostituição. Este é um fato, mas, mulheres dependentes dos homens.
muitas vezes, é justamente o argumento
para se regulamentar a prostituição, para Tráfico
que se realize em espaços seguros. Mas essa de mulheres
segurança está voltada aos clientes.
Um dos caminhos para enfrentar o O tráfico de pessoas em geral, e de
debate da Copa do Mundo é o de visibilizar mulheres em particular, é uma das expressões
os circuitos estabelecidos da prostituição, de mais fortes da transformação de seres
modo a explicitar que o funcionamento do humanos em mercadoria. No caso do tráfico
turismo no Brasil tem a prostituição como um de mulheres para a indústria do sexo, fica
pressuposto e uma base de movimentação evidente que existe uma combinação entre a
de bilhões de reais. Legitimar esta prática, sem lógica capitalista e a lógica patriarcal. Isso
questionar o papel dos homens, do capital e porque este tráfico gera cada vez mais lucros
do Estado, é uma armadilha cuja consequência para quem o dirige, ao mesmo tempo que
é o reforço da opressão das mulheres. nos locais de destino das mulheres traficadas
Existe um imaginário social construído homens se beneficiam desta
sobre a imagem de cidades como Fortaleza, máfia, financiando-a.
mas também em outras do Nordeste, como Os dados da PESTRAF (Pesquisa sobre
locais com uma base erótica muito forte, tráfico de mulheres, crianças e adolescentes)
combinadas com um suposto apelo exótico indicam a existência 241 rotas de Trafico
Prostituição: uma abordagem feminista

das brasileiras que atrai os turistas. Interno e Internacional de crianças e


A realidade no entorno do Castelão mostra adolescentes e mulheres para fins de
um retrato distinto ao que se quer traçar para exploração sexual, sendo que os principais
a realização da Copa do Mundo, que se baseia destinos são Europa (Espanha, Holanda, Itália
na glamourização da prostituição. Somada e Portugal), passando pela America Latina
à situação de desigualdade e pobreza, as (Paraguai, Suriname, Venezuela e Republica
meninas pobres viram alvo fácil das redes de Dominicana). O Brasil também é pais de
aliciadores. Mas, não é apenas a pobreza que destino para pessoas traficadas da Nigéria,
leva a essa circunstância. Chama a atenção China, Coréia, Bolívia , Peru e Paraguai.
o fato de que muitas meninas afirmam ter A Pestraf demonstra que o tráfico de
no horizonte a expectativa de conhecer um mulheres, crianças e adolescentes para
14 homem estrangeiro que as tirem de sua a exploração sexual é um fenômeno em
realidade. Isso demonstra, por um lado, que expansão. Com a identificação das rotas do
tráfico, no Brasil, a pesquisa demonstra que um marco institucional mais amplo que
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existe uma relação concreta entre a pobreza inclui a indústria do entretenimento que,
das regiões e as rotas. O perfil dos aliciadores indiretamente, fomenta o comércio sexual.

Prostituição: uma abordagem feminista


é composto majoritariamente por homens, No caso da Costa Rica, recomendada como
ainda que também haja participação de exemplo a ser seguido pelos negócios verdes,
mulheres (41%). As brasileiras estão entre diversas florestas foram convertidas em
as maiores vítimas do tráfico de pessoas áreas de preservação e o deslocamento das
para a exploração sexual, especialmente comunidades empurrou as mulheres para a
as jovens, entre 18 e 21 anos, solteiras e prostituição e o turismo sexual.
com baixa escolaridade. Muitas têm filhos As mulheres que estão na indústria do sexo
e exercem atividades relativas a prestação se tornam um fator crucial para impulsionar
de serviços domésticos ou ao comércio. O a indústria do entretenimento e do turismo,
aliciamento dessas vítimas geralmente ocorre gerando lucros para as empresas e divisas
por meio de promessas de emprego, na área para os governos. Estas conexões são
doméstica, para ser dançarina ou modelo por estruturais e não apenas um efeito colateral
remunerações maiores.   do desenvolvimento econômico. Em
Os motivos que impedem as mulheres algumas cidades brasileiras, o turismo é um
de denunciar a situação são muitos, entre dos principais setores econômicos.
eles está o medo, já que o uso da violência
(estupro, surras) e a ameaça contra a família é A quem serve a regulamentação
comum. Além disso, a vergonha, já que muitas da prostituição?
mulheres que acabam em situações de tráfico
migram sabendo que vão se prostituir. O que Está em debate no Brasil, mais uma vez, a
não é dito é que elas terão seus passaportes regulamentação da prostituição.
confiscados, que serão obrigadas a cumprir O que estava, e continua, em jogo nas
uma “carga horária” extensa e intensa e que, propostas de regulamentação da prostituição
para suportá-la, serão induzidas ao uso de é a legalização dos cafetões e empresários
drogas, como álcool e cocaína. do sexo. Haja visto que o antigo projeto de
Há um crescimento do setor do turismo lei, proposto por Fernando Gabeira, e o atual
e da indústria do entretenimento vinculado projeto de Jean Wyllys, não visam assegurar
à indústria do sexo. Em muitos lugares, estes direitos para as mulheres nem formas de
setores são considerados uma estratégia transformar sua realidade, como analisaremos
de desenvolvimento. Instituições como o mais adiante. O projeto de lei atual contém
Banco Mundial concebem o turismo como apenas seis artigos. Entre os principais temas
meio de obter crescimento econômico em de debate, destacamos:
países pobres, concedendo empréstimos o projeto diferencia exploração
para o desenvolvimento deste setor. sexual de prostituição. O projeto considera
Assim, eles contribuem para a criação de exploração quando não houver pagamento
do “serviço sexual”, quando a prostituição for Ao ler o projeto, fica visível que ele
forçada, mediante grave ameaça ou violência, não visa melhorar a vida das mulheres em
ou quando uma terceira pessoa apreender situação de prostituição, não prevê nenhum
entre 50% e 100% do valor do programa. Na tipo de política pública específica, que
prática, essa categorização legaliza o “cafetão” contribua para que essas mulheres não
como essa terceira pessoa que apreende até sejam constantemente vítimas de insultos,
50% do valor do programa, deturpando a ideia violência e marginalização. Ao contrário
de exploração sexual. de promover os direitos e a autonomia
Ao separar a prostituição da exploração econômica das mulheres, o projeto visa suprir
sexual, o serviço sexual livre do serviço sexual uma necessidade da indústria sexual, que
forçado, há uma intenção de legitimar a juntamente com as grandes corporações,
prostituição como um serviço que pode ser buscam utilizar o corpo das mulheres para
comercializado, e o discurso da profissão faturar altos montantes em grandes eventos
do sexo passa a ser um disfarce para como a Copa do Mundo.
despenalização da cafetinagem. Assim, o As propostas de regulamentação são
projeto de lei prevê o livre funcionamento apresentadas a partir do argumento de que
das casas de prostituição. a prostituição é um trabalho como outro
o projeto dá direito a aposentadoria qualquer, que cada pessoa vende algo e,
especial, após 25 anos de serviço. Hoje a neste caso, as mulheres vendem o corpo. Por
prostituição, apesar de ser reconhecida como isso devem ser consideradas trabalhadoras
ocupação regular e ter assegurado o direito do sexo. Como já assinalamos, inclusive seus
de contribuir para o INSS, não é considerada defensores utilizam a arroba e assim parece
prejudicial à saúde ou à integridade física, que é algo de homens e mulheres, já de inicio
condição para a aposentadoria especial. O ocultando o caráter patriarcal da prostituição e
projeto continua prevendo que a contribuição as relações desiguais.
Prostituição: uma abordagem feminista

será como autônoma ou cooperativa. Essa Dessa posição decorrem outras. Uma é
previsão de aposentadoria especial em 25 anos a diferenciação entre prostituição forçada e
que parece ser positiva, na verdade legitima voluntária, por reconhecerem que há situações
que várias questões enfrentadas pelas mulheres em que mulheres são obrigadas a se prostituir.
na prostituição “são riscos da profissão”, desde Em geral essa visão está vinculada a posição
riscos a saúde, assédio, coerção. de criminalização da exploração sexual infantil
considerando que nesse caso não é voluntária.
Considerações Um primeiro fato que chama a atenção
sobre o projeto de lei nessa posição é que não se considera o fato
de que a maioria das mulheres chegam à
No Brasil, a prostituição não é crime, mas prostituição ainda crianças como é o caso
16 sim induzir à essa prática, algo que, por meio do Brasil. Então torna-se apenas um período
do projeto de lei 4.211, é descriminalizado. de espera para o dia em que fizer 18 anos.
Se ela continua na prostituição, passa a vários clientes, uso de drogas pra conseguir
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ser considerada uma decisão por vontade aguentar) das mulheres prostitutas seja
própria. Ou seja, desconsideram a experiência uma “livre escolha”?

Prostituição: uma abordagem feminista


de uma jovem de 18 anos, que viveu uma Uma coisa é a vontade de sair na rua com
situação de prostituição desde os 12 anos, a roupa que for, sem ser importunada, ou
e o significado para sua auto-estima, auto– transar com quem desejar. Outra é usar o
confiança de que pode fazer outra coisa, corpo e o sexo para sobreviver. Sobreviver,
de que será aceita. Como se a situação de porque a realidade das prostitutas é bem
exploração sexual não ficasse marcada no diferente do glamour retratado pela mídia,
corpo, na subjetividade, na forma de ver e nas novelas e revistas, e principalmente na
pensar o mundo e a si mesma. Isso tudo se visibilidade que ganham os depoimentos das
soma ao estigma que teria que enfrentar mulheres que dizem se prostituir por serem
e aos limites que as mulheres encontram libertárias e autônomas.
para se inserir no mercado de trabalho. Por A posição a favor da regulamentação só
fim, temos que lembrar que a maioria das se sustenta se for ocultada a realidade e a
mulheres nessa situação está sob o controle essência da prostituição. Uma realidade em
dos cafetões, o que é muito difícil de romper. que a grande maioria das mulheres prostituídas
Os argumentos em favor da prostituição são as mais pobres, as que são expulsas de
como outro emprego qualquer se utilizam da suas terras, as que são prostituídas junto aos
realidade extremamente desigual do mercado canteiros das grandes obras, das mineradoras,
de trabalho. Utilizam argumentos de que a das madereiras, das empresas do agronegócio.
prostituição proporciona uma remuneração Ou a realidade da prostituição nos países ricos,
maior que muitos outros empregos em que a maioria das mulheres prostituídas
majoritariamente femininos, como o emprego são dos países do sul e do leste, e migraram ou
doméstico ou o telemarketing. Escolher entre foram traficadas para a Europa.
o “menos pior” para garantir as condições de
vida não é uma referência para quem atua em A crítica à prostituição
nome da igualdade e da justiça social. Além como parte da luta feminista
disso, esse discurso encobre as desigualdades
de classe e raça que existem entre as próprias Uma visão critica à prostituição e seu papel
mulheres: parece que estamos em um mundo na estruturação da desigualdade considera que
em que todas as mulheres tem todas as devemos lutar por formas de desconstruir e
condições para “escolher” entre ser médica, superar tal prática. Logicamente isso passa por
professora universitária, empregada doméstica, ir construindo ações vinculadas a uma utopia,
prostituta, advogada... com mudanças estruturais.
Dá pra imaginar as diferentes trajetórias Não são só as mulheres prostituídas
(fuga de situações de abuso, pobreza, que estão sem seus direitos garantidos. No
violência, autoritarismo) e rotina (sexo com capitalismo a visão de direitos está muito
relacionada à relação com o mercado de organizada. O terceiro é a hipocrisia frente
trabalho e isso exclui um grande número de ao caráter androcêntrico da sexualidade,
mulheres que trabalham fora das relações de quando se fala em uma suposta liberdade
mercado. Um primeiro aspecto fundamental sexual das mulheres, mas onde as mulheres
para ampliar os direitos das mulheres, que teria não tem decisão nem caminho próprio, mas
impacto significativo para as mulheres em são pautadas pela norma masculina.
situação de prostituição, é retomar a luta pela É preciso considerar que a lei regula e
aposentadoria universal. Ou só as prostitutas educa as práticas sociais. Regulamentar a
que contribuírem por 25 anos devem ter prostituição significa, portanto, legitimar a
direito a aposentadoria? A partir de que data? prática dos prostituidores. Aqui não se trata
E as que hoje tem 40, 50, 60 ou até mais anos? apenas dos agenciadores, mas dos homens
O outro elemento é que devemos que são os consumidores da prostituição e
reivindicar políticas e programas específicos se beneficiam neste modelo. O estigma e
para as mulheres prostituídas como parte marginalização recaem sobre as mulheres,
de ações afirmativas, ao mesmo tempo em enquanto os homens prostituidores são
que é necessário um amplo trabalho de preservados. Assim, a regulamentação
conscientização e coibição da marginalização consolida para a sociedade a mensagem
e estigmatização dessas mulheres. No de que o acesso dos homens ao corpo das
Brasil, a prostituição não é crime, e a partir mulheres por meio do dinheiro é legítima e
das legislações existentes e acúmulos na aceita.
formulação de políticas para as mulheres, o Uma pergunta é por qual razão é tão fácil
Estado já tem condições de ter um papel ativo o convencimento de que a “escolha” pela
para transformar as condições de vida das prostituição tem a ver com a satisfação do
mulheres em situação de prostituição. desejo das mulheres.
Por que acreditamos que o mercado
Prostituição: uma abordagem feminista

Revelando a hipocrisia patriarcal – que não funciona para cultura, não


da regulamentação funciona para educação, não funciona para
o meio ambiente – vai funcionar para a
Neste debate, ficam nítidos três emancipação da sexualidade feminina? É
elementos cruciais para a naturalização da necessário debater sobre o modelo que
prostituição como uma profissão. O primeiro orienta a construção da nossa sexualidade,
é a aceitação da banalização da sexualidade as premissas que lhes dão sustentação, como
pelo capitalismo patriarcal com o objetivo de já consideramos anteriormente.
estender e ampliar o mercado e o controle Temos que nos perguntar se, em termos
sobre o corpo e sexualidade das mulheres. de política pública, a regulamentação é a
O segundo é tratar a prostituição como única coisa que se pode oferecer para as
18 resultado de comportamentos individuais, mulheres em situação de prostituição. O
e não como parte de uma instituição que faz com que tanta gente esteja convicta
de que o que está em jogo é a autonomia relações de liberdade que só podem se realizar,
19
das mulheres de venderem sexo, e não a para todas as mulheres, com a igualdade.
garantia e legitimidade do lucro de cafetões e Esta perspectiva é, portanto, radicalmente

Prostituição: uma abordagem feminista


cafetinas, da legalização da indústria do sexo, distinta do individualismo liberal que defende
pura e simplesmente? a liberdade de cada mulher para fazer o que
Será que a voz das mulheres que praticam quiser com seu corpo. Fazer o que quiser do
sexo por um prato de comida ou por um corpo sem uma crítica e rompimento com as
real nos cinemas pornôs de São Paulo está práticas patriarcais não é liberdade. Por isso,
sendo ouvida? As jovens, em sua maioria reforçamos a vinculação entre liberdade e
adolescentes ou crianças que se prostituem autonomia, buscando realmente decidir sobre
pelas estradas são simples prestadoras de nossa vida e sexualidade, sem a indução pela
serviços? Será que pais que prostituem vontade dos outros.
suas filhas ainda crianças, estão preparando Fazemos esse debate e nos posicionamos
profissionais autônomas? como parte de uma luta por transformações
Precisamos, ainda, questionar a imposição estruturais na sociedade, da luta para garantir
de um padrão de consumo nesta sociedade uma vida sem qualquer tipo de violência para
de mercado, em que parece que a felicidade todas as mulheres, em que o exercício da
pode ser encontrada em um celular de última nossa sexualidade esteja livre do estigma da
geração ou em uma roupa de marca, o que mercantilização dos nossos corpos e também
também é parte do que faz com que muitas do cerceamento e moralismo religioso.
meninas entrem na prostituição. A experiência histórica mostra que quando
Temos que nos desafiar a pensar um se ampliam as políticas de igualdade e a
outro mundo possível, sem começar a autonomia econômica das mulheres, diminui a
fazer concessões no caminho. O debate prostituição, tal como aconteceu em países da
é extremante difícil, mas não podemos Europa sob o Estado de Bem Estar Social. Da
escolher o caminho mais fácil, não podemos mesma maneira, em momentos de crise, de
incorporar e reproduzir o discurso que concentração de riqueza e aumento da
prevalece na mídia só porque na aparência pobreza, como por exemplo no Leste Europeu
ele se mostre libertário. após a queda do muro de Berlim, houve um
Ao afirmar que “seguiremos em marcha até aumento da prostituição através do tráfico de
que todas sejamos livres”, a Marcha Mundial mulheres para vários países da Europa, como
das Mulheres se posiciona em um campo que Itália, França e Espanha. Outro exemplo é o da
questiona profundamente as desigualdades Grécia em que, de 2008 até agora, a
do sistema capitalista, patriarcal e racista. prostituição aumentou bastante.
Propõe um horizonte no qual haja a real Por isso uma reivindicação central é a
superação da divisão sexual do trabalho, o garantia de políticas que garantam a
fim da violência contra as mulheres e em que autonomia econômica das mulheres. No que
prevaleça a autonomia das mulheres, em se refere às mulheres prostituídas é urgente a
garantia de aposentadoria como parte de ativo na transformação da vida das
uma política de seguridade social universal. mulheres prostituídas.
Assim como são necessárias políticas de ação No Brasil, frente ao turismo sexual e ao
afirmativa decididas em conjunto com as aumento dessa prática na Copa do Mundo,
mulheres prostituídas, seja no campo são necessárias campanhas de prevenção e
econômico ou de direitos sociais. São denúncia. Por fim é necessário ter políticas
necessárias ações efetivas do Estado para por que punam de fato os agenciadores,
fim à violência e discriminação das mulheres aliciadores, empresários do sexo e também
em situação de prostituição quando vão a os clientes, como é o exemplo da Suécia e da
consultas médicas, ou quando tentam lei em debate na França.
denunciar nas delegacias alguma violência
que sofreram. Ou seja, o Estado tem que ser Estamos em marcha até que
demandado e precisa assumir um papel todas as mulheres sejam livres!

Fontes consultadas:
El placer y el peligro, de Carol Vance. Editora Revolución, 1989.
“¿La prostitución es un modo de vida deseable?”, texto de Amelia Valcarcel, disponível em:
http://elpais.com/diario/2007/05/21/opinion/1179698404_850215.html.
La prostitución de mujeres, una escuela de desigualdad humana. Texto de Ana de Miguel.
Disponível em http://www.mujeresenred.net/spip.php?article2052.
O contrato sexual. Carole Pateman, publicado pela editora Anthropos, 1995.
Prostituição: uma abordagem feminista

Sexualidade e gênero: uma abordagem feminista. Nalu Faria. Publicado pela SOF no Caderno
Sempreviva “Sexualidade e gênero”, 1998.
Verbetes sobre prostituição do Dicionário Crítico do Feminismo, publicado pela UNESP, 2009.

Para saber mais:


Posts no blog da Marcha Mundial das Mulheres
www.marchamulheres.wordpress.com
A “regulamentação” da prostituição e a vida das mulheres, por Clarisse Goulart.
Apagar a luz vermelha, acender a chama do feminismo!, por Ana Karoline de Oliveira.
Colocando os homens na roda, por Tica Moreno.
Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, por Táli Pires.
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Por que nem Amsterdã quer as casas de prostituição legalizadas, tradução coletiva.
Prostituição, reconhecimento e outras coisas, por Rafaela Rodrigues.
Apoio:

uma abordagem feminista

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