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História Da Filosofia 11
História Da Filosofia 11
VOLUME XI
EDITORIAL PRESENÇA
XII
O POSITIVISMO EVOLUCIONISTA
dos mais brilhantes tratados da lógica tradicional no século XIX. Foram tão
importantes as correcções que fez à lógica tradicional, que estas viriam a
revelar-se fecundas no campo da lógica matemática; nomeadamente, o princípio
da quantificação do predicado, segundo o qual nas proposições se deve
considerar a quantidade não só do sujeito mas também do predicado. Tal
quantificação efectua-se, de facto, ou mediante o uso dos quantificadores (por
exemplo, "Pedro, João, Jaime, etc., são todos apóstolos") ou
excepção ou, de uma maneira subentendida, como quando se diz: "Todos os homens
são mortais", devendo entender-se: "Todos os homens são alguns mortais".
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dade de ser concebido". Por outro lado, "a esfera da nossa crença é muito mais
extensa do que a esfera do nosso conhecimento; e, portanto quando nego que o
Infinito possa ser conhecido por nós, estou bem longe de negar que ele possa e
deva ser crido por nós" (Ib., II, p. 530-31). Esta superioridade da crença
sobre o conhecimento vincula Hamilton à escola escocesa; mas para Hamilton, a
crença é, romanticamente, a revelação imediata e primitiva que o próprio
Infinito faz de si ao homem e que, por conseguinte, condiciona o próprio
processo do conhecer. Falando da percepção da realidade externa, Hamilton
reconhece que, propriamente falando, nós não sabemos se o
teologia negativa. Deus como absoluto e infinito é inconcebível. Ele não pode
no entanto ser concebido como causa primeira, já que a causa existe apenas em
concebido nem como consciente nem como inconsciente; nem como complexo nem
como simples; não
II
(Limits of Rel. Thought, p. 30). Do mesmo modo, o infinito que deveria ser
concebido como todo em potência e nada em acto revela precisamente nisto a sua
impossibilidade de ser concebido, já que "se pode ser o que não é, é
incompleto, e se é todas as coisas, não tem nenhum sinal característico que o
possa distinguir de uma coisa qualquer" (Ib., p. 48). Esta incognoscibilidade
do Infinito e do Absoluto é, todavia, relativa ao homem, não pertence à
natureza do próprio Absoluto. "Nós somos obrigados, diz Mansel (1b., p. 45),
pela própria constituição do nosso espírito a crer na existência de um Ser
absoluto e infinito". Esta crença funda-se na nossa consciência moral e
intelectual, na estrutura e no curso da natureza e na revelação" (Phil. of the
Conditioned. p. 245). Mas tão-pouco estes fundamentos da crença permitem
afirmar alguma coisa sobre os atributos de Deus. Subsiste uma diferença enorme
entre a mais alta moralidade humana concebível e a perfeição divina, distância
que pode ser de algum modo abolida pelo conceito escolástico de analogia.
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da sua derivação de uma "mãe comum", assim como a ideia de uma evolução
contínua da natureza da nebulosa primitiva até ao homem. Porém, tais hipóteses
eram apenas intuições genéricas, não apoiadas num sistema coordenado de
observações. O primeiro a apresentar de um modo científico a doutrina do
transformismo biológico foi o naturalista francês João Baptista Lamarck (1744-
1829). Na sua Filosofia zoológica (1809) e na História natural dos animais sem
vértebras (1815-22), Lamarck enunciava quatro leis que deviam presidir à
formação dos organismos ani-
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mais: 1.o a vida, pela sua própria força, tende continuamente a aumentar o
volume de cada corpo vivo e a estender as suas partes; 2.1> a produção de um
essa eliminação foi obra do geólogo inglês Charles Lye11 (1797-1875). Nos seus
Princípios de geologia
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(1833), Lye11 expÔs a tese de que o estado actual da terra não é devido a uma
série de cataclismos mas à acção lenta, gradual e insensível das mesmas causas
que continuam a actuar sob os nossos olhos. Tal doutrina tornava impossível
explicar a génese e a extinção das espécies vivas mediante causas
extraordinárias ou sobrenaturais e abria definitivamente a via ao
transformismo biológico.
Este fez a sua entrada triunfal na ciência com a obra de Charles Darwin (12 de
Fevereiro de 1809-19 -Abril de 1882). Sobrinho de um naturalista, chamado
Erasmo, Darwin foi o tipo do cientista inteiramente dedicado à s suas
pesquisas. Depois de uma
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lei da selecção natural, que "tende, diz Darwin (Origens das espécies, 4.O, §
18), ao aperfeiçoamento de cada criatura viva em relação com as suas condições
de vida orgânicas e inorgânicas, e, por conseguinte, na
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variações dos organismos animais que, nos seus termos extremos, é a passagem
de uma espécie à outra.
O que o homem faz com as plantas e os animais domésticos produzindo
gradualmente as variedades que são mais úteis às suas necessidades, pode fazê-
lo a natureza numa escala muito mais vasta, pois "que limites se podem pôr a
esse poder que actua durante longas eras e perscruta rigorosamente a
estrutura, a organização inteira e os hábitos de cada criatura, para favorecer
o que está bem e rejeitar o que está mal?" (1b., 14, § 2).
Desta teoria se segue que entre as várias espécies devem ter existido inúmeras
variedades intermédias que ligavam estreitamente todas as espécies de um mesmo
grupo; mas, evidentemente, a selecção natural exterminou estas formas
intermédias de que, no entanto, se podem encontrar traços nos fósseis (Ib.,
6.o, § 2). Além do estudo dos fósseis, o dos órgãos rudimentares, das espécies
chamadas aberrantes e da embriologia pode conduzir a determinar a ordem
progressiva dos seres vivos. "Se nós, escreve Darwin, não possuímos árvore
genealógica, nem livro de oiro, nem brasões hereditários, temos, no entanto, a
possibilidade de descobrir e seguir os traços das numerosas linhas divergentes
das nossas genealogias naturais, mediante a herança, desde há muito
conservada, dos caracteres de cada espécie" (Ib., 14.O, § 5). A conclusão de
Darwin é nitidamente optimista: crê ter estabelecido o inevitável progresso
biológico do mesmo modo que o romantismo idealista e socialista acreditava no
inevitável progresso espiritual. "Nós podemos concluir com alguma confiança
que nos será
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homem será no futuro uma criatura bastante mais perfeita do que é actualmente"
(1b., p. 363); e, na
A época era, pois, propícia a uma teoria do progresso que não o restringisse
ao destino do homem no mundo, mas sim o estendesse ao mundo inteiro, na
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No artigo sobre o progresso de 1857 (recolhido mais tarde nos Ensaios) que é o
primeiro esboço do seu sistema, pode-se ver claramente qual é a inspiração
fundamental do evolucionismo de Spencer: devia este servir para justificar,
mediante a sua lei e a sua causa fundamental, o progresso, entendido como
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tido que Hamilton e Mansel deram a esta tese. Mas Spencer serve-se dela para
demonstrar a possibilidade de um encontro e de uma conciliação entre a
religião e a ciência. Religião e ciência, de facto, têm ambas a sua base na
realidade do mistério e não podem ser
todas as religiões é que "a existência do mundo com tudo o que contém e com
tudo o que o rodeia é um mistério que exige sempre ser interpretado" (First
Princ., § 14). Todas as religiões falham ao dar esta interpretação, as
diversas crenças em que se exprimem não são logicamente defensáveis. Através
do desenvolvimento da religião, o mistério é cada vez mais reconhecido como
tal de modo que cumpre reconhecer a essência da religião na convicção de que a
força que se manifesta no universo é completamente imperscrutável. Por outro
lado, também a
verdades gerais noutras mais gerais ainda de maneira que se segue daqui que a
verdade mais geral, que
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SPENCER
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forma menos coerente a uma forma mais coerente. O sistema solar (que saiu de
uma nebulosa), um organismo animal, uma nação, mostrando, no seu
desenvolvimento, esta passagem de um estado de desagregação a um estado de
coerência e de harmonia crescentes. Mas a determinação fundamental do processo
evolutivo é o que o caracteriza como passagem do homogéneo ao heterogéneo.
Esta caracterização é sugerida a Spencer pelos fenómenos biológicos. Todo o
organismo, planta ou animal, se desenvolve através
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evolução ulterior. Pelo que respeita ao homem, a evolução deve determinar uma
crescente harmonia entre a sua natureza espiritual e as condições de vida. "E
esta é, diz Spencer (1b., § 176), a garantia para crer que a evolução só pode
terminar com o estabelecimento da maior perfeição e da mais completa
felicidade".
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última, incognoscíveis; e a psicologia deve limitar-se a
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que lhes é imposto pela modificação dos seres humanos. Antes que se possam
verificar nas instituições humanas transformações duradouras, que constituam
uma verdadeira herança da raça, é necessário que se repitam até ao infinito
nos indivíduos os sentimentos, os pensamentos e as acções que são o seu
fundamento. Por isso, toda a tentativa de forçar as etapas da evolução
histórica, todos os sonhos de visionários ou de utopistas têm como único
resultado retardar ou subverter o processo natural da evolução social.
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truísmo com o egoísmo. Tal possibilidade porém, não pode ser prevista pela
sociologia, mas unicamente pela ética.
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Mas esta reflexão sobre a evolução demonstra também que o sentido do dever e
da educação moral é transitório e tende a diminuir com o aumento da moral.
Ainda hoje acontece que o trabalho que deve ser imposto ao rapaz como uma
obrigação se resolve numa manifestação espontânea do homem de negócios
submerso nos seus assuntos. Assim, a manutenção e a protecção da mulher por
parte do marido, a
mais das vezes, nenhum elemento coactivo, mas são deveres que se cumprem com
perfeita espontaneidade e prazer. Spencer prevê, por isso, que "com a
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A filosofia e a ciência, segundo Bernard, devem unir-se, sem que uma pretenda
dominar a outra. "A sua separação - afirma - seria nociva aos progressos do
conhecimento humano. A filosofia que tende incessantemente a elevar-se, faz
remontar a ciência à causa ou à origem das coisas. Mostra que fora da ciência
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operar a redução (tão cara ao materialismo do seu tempo) dos fenómenos vitais
aos fenómenos físico-químicos. Os fenómenos vitais podem ter, sem dúvida,
caracteres próprios e leis próprias, irredutíveis aos da matéria bruta. Não
obstante, o método de que a biologia dispõe é o método experimental das
ciências físico-químicas. A unidade do método não implica a redução destes
fenómenos às leis que os regem Qb., 11, 1, § 6). Mais especificamente, os
organismos vivos, embora podendo ser considerados como "máquinas", manifestam
com respeito às máquinas não vivas um maior grau de independência em relação
às condições ambientais que lhes permitem o funcio-
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As ideias de Cláudio Bernard conservam ainda hoje, nas linhas gerais que aqui
lembramos, um equilíbrio que as torna apreciáveis, não apenas como fase
histórica importante no desenvolvimento da metodologia das ciências, mas
também como uma indicação ainda válida para os desenvolvimentos das ciências
biológicas. Bernard partilha com o positivismo a aversão à metafísica e a fé
nas possibilidades da ciência: não partilha, porém, as tendências
reducionistas; recusa-se a reduzir a filosofia à ciência, como se recusa a
reduzir o espírito à matéria ou a
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limite do mundo moral; daqui ao mundo físico há um abismo, um mar profundo que
nos impede de praticar as nossas sondagens ordinárias" (1b., p. 242). Mundo
físico e mundo psíquico são duas faces da mesma realidade, uma das quais é
acessível à consciência, a outra aos sentidos. Mas, ao passo que o
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TAINE
que nasceu. A História do povo de Israel, que Renan começou a compor aos
sessenta anos, devia mostrar como se formou entre os profetas uma religião sem
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existem povos que nunca conheceram qualquer forma de religião (Tempos pré-
históricos, 1865). E. B. Taylor (1832-1917) viu, ao invés, no mito o
precedente não só das religiões mas também das filosofias espiritualistas
modernas. Considera o animismo, isto é, a crença difundida em todos os povos
primitivos, de que todas as coisas estão animadas, a forma primitiva da
religião e da metafísica (Investigações sobre a história primitiva da
humanidade, 1865; A cultura primitiva, 1870; Antropologia, 1881; Ensaios,
antropológicos, 1907).
considerada clássica como estudo comparativo dos modos de vida e dos costumes
próprios de grupos sociais diversos.
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Mas desde então a sociologia cada vez mais se desligou das suas conexões
sistemáticas com o positivismo e, em geral, com todo o tipo de filosofia,
reivindicando a sua natureza de ciência autónoma e definindo de um modo cada
vez mais rigoroso os caracteres e o alcance dos seus instrumentos de
investigação. A esta orientação veio dar um contributo fundamental a obra de
Max Weber (§ 743).
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que, por isso, dá o estranho nome de peratologia (ciência do que está para
além). Mas, precisamente, a
peratologia não tem outro objecto senão as noções mais gerais das disciplinas
científicas e filosóficas, e por isso é considerada por Ardigó como a sín-
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distinto que dele procede assim como todo o distinto é, por sua vez, um
indistinto para o distinto sucessivo, porque é o que produz, impele e explica
tal distinto. Toda a formação natural, no sistema solar como no
homem é aquele pensamento que existe com a evidência que possui, pelo conjunto
de toda a vida psíquica do homem, no qual se formou; mais ainda: que existe
pela vida de todos os outros homens desde o primeiro; e, portanto, pela
participação com o todo, na actualidade e no passado" (Op., 11, p, 129). E
Ardigó defende este infinito, que é um incessante desenvolvimento progressivo,
contra todas as negações que queiram interrompê-lo com o recurso a uma causa
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seja, a variedade das suas acções, afirma Ardigó (Op., 111, p. 122), é o
efeito da pluralidade das séries psíquicas, ou dos instintos, se assim os
quisermos
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distintos que se constituem, ligando-se, num único organismo lógico. Mas são
também a nebulosa e o indistinto de que se origina o mundo exterior na
distinção dos seus objectos. Ardigó chama auto-síntese à formação do eu e
hetero-síntese à formação do mundo objectivo; mas, salvo a do nome, não existe
qualquer diferença entre os processos formativos. "Assim como no cosmo
material os elementos que lhe pertencem, o hidrogénio, o oxigénio, o carbono,
o azoto, são comuns e se convertem ou no indivíduo orgânico ou nas coisas
ambientais mediante os agrupamentos formativos que as fixam ou no indivíduo ou
nas coisas, assim no cosmo mental os elementos da sensação são de si comuns e
se convertem ou no eu ou no não-eu mediante os agrupamentos formativos que os
fixam ou na auto-síntese ou na hetero-síntese" (1b., V. p. 483-84).
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deu a Napoleão, que o interrogava sobre o lugar que reservava a Deus na sua
doutrina astronómica: "Não tenho necessidade dessa hipótese", torna-se o lema
da época. Combatem-se todas as formas de transcendência religiosa e de
"metafísica", entendendo-se por metafísica toda a explicação não mecânica do
mundo mas cai-se amiúde, e sem se dar conta de tal, na metafísica: numa
metafísica materialista.
matéria (1855).
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matéria e a força não são mais que dois atributos inseparáveis de uma única
substância (Weltrãtsel, trad. franc., 1902, P. 248). O monismo é assim
estabelecido
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sobre estas duas leis e, em nome do monismo, Haeckel combate todas as formas
de dualismo, isto é, todas as formas de separação ou de distinção do espírito
da matéria e, por conseguinte, toda a doutrina que, de qualquer modo, admita
uma divindade separada do mundo, a espiritualidade da alma e a liberdade do
querer.
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ciente e livre de má vontade, mas porque têm tendências más, tendências cuja
origem se encontra numa organização física e psíquica diversa da normal".
Deste pressuposto, a escola positivista deduzia a consequência de que o
direito da sociedade a punir o delinquente não se funda na maldade ou na sua
responsabilidade, mas apenas na sua perículosidade social. O estudo das
características físico-psíquicas que determinam a delinquência foi chamado por
Lombroso "antropologia criminal". Lombroso distinguia, com
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fenómenos empíricos; e não existe fenómeno natural que não possa, de um certo
ponto de vista, tornar-se objecto de uma investigação psicológica. Mas, dado
que todos os fenómenos são, como tais, representações, a psicologia pode ser
caracterizada como a "ciência da experiência imediata". As representações são
consideradas pela psicologia na sua imediatez, isto é, precisamente tais quais
são. Para as outras ciências, valem, pelo contrário, na sua relação mediata e
objectiva, isto é, como partes ou elementos de um mundo objectivo.
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tempo, corno imagens psíquicas, têm propriedades que não pertencem aos
elementos sensoriais de que resultam. E, em geral, "no curso de todo o
desenvolvimento individual ou social geram-se valores espirituais que não
estavam originariamente presentes nas suas qualidades especificas e isto vale
para todos os valores, lógicos, estéticos e éticos" (Logik, 111, 1921, p.
274).
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último objectivo de toda a acção moral (Ib., 11, p. 237). Também sob este
ponto Wundt permanece fiel à ética positivista, que fez da humanidade o fim
moral supremo. Mas a humanidade é definida por ele como
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instituições e nos seus produtos espirituais. Nos diversos volumes que compõem
a grande Psicologia dos povos, Wundt considera separadamente a evo-
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seu melhor representante em Filipe Masci (1884-1923) que foi durante muitos
anos professor de filosofia na Universidade de Nápoles e dedicou a sua
actividade a artigos e ensaios académicos que tiveram uma escassa difusão (As
formas da intuição, 1881; Sobre o sentido do tempo, 1890; Sobre o conceito do
movimento, 1892; O materialismo psicofísico e a doutrina do paralelismo em
psicologia, 1901; A lei da individuação progressiva, 1920). Só nos últimos
anos da sua vida Masci pensou em recolher num volume global os resultados
principais das suas investigações (Pensamento e consciência, 1922). Alguns
cursos de liçpes foram publicados postumamente (A sociedade, o direito e o
Estado, 1925; Introdução geral à psicologia, 1926). Situa-se geralmente Masei
na corrente neocrítica e consideram-no mesmo o principal expoente desta
corrente em Itália. Mas nada justifica tal asserção. Na introdução a
Pensamento e conhecimento, o próprio Masci declarava que não admitia na
doutrina kantiana, "a distinção do númeno e fenómeno", o a priori como
anterior ao conhecimento, as antinomias, a coisa em si, as formas da intuição
e das categorias como formas belas e factos da sensibilidade e do pensamento",
assim como "a negação de toda a investigação psicológica para a formação do
conhecimento". É difícil ver o que fica de Kant depois de se rejeitar isto
tudo. Na verdade, é próprio do neocriticismo contemporâneo (como se verá no §
722) a redução da filosofia a reflexão crítica sobre
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direito de sentir o que não podemos ainda exprimir e esperar o que não podemos
ainda concretizar" (Theory of Knowledge, p. 617-18). Para tal fim valer-se-á
de Lotze e de Hegel, assim como de Mill e de Spencer (1b., pref., p. IX); mas,
na realidade, os resultados a que chega são substancialmente idênticos aos de
Wundt e, em geral, aos do positivismo espiritualista. A recusa da subordinação
do espírito à matéria condu-lo também a um paralelismo psicofísico. A relação
entre o físico e o mental é a de uma concomitância provavelmente constante,
não a
da conexão causal. O corpo não actua sobre a alma, nem a alma sobre o corpo,
mas "as suas mutações entrelaçam-se como fases conexas na complexa
constituição do grande todo de que são ambos elementos" (Ib., p. 572-73). "0
facto central da experiência é o
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der que a estrutura mental saiu de uma origem humilde e que os seus métodos, a
sua lógica e a sua
própria humanidade. Hobhouse crê que é necessário admitir, como garantia deste
progresso real, um Ser divino que preserve e mantenha as condições da efectiva
realização do mesmo.
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evolução toma neste sentido, postula, segundo Morgan, um Ser divino como
garantia do progresso gradual e incessante do universo.
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NOTA BIBLIOGRÁFICA
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Sobre Mansel: J. MARTINEAU, A.L.M. in. Essays, III, Londres, 1891. Sobre a
lógica de Hamilton e Mansei: T. H. GREEN, The logic of the FormaZ 1.o~ans, in
Works, II, Londres, 1886.
§ 650. Sobre a vida de Spencer, além da Autobiografia: D. DUNCAN, The Life and
Letters of H.s., Londres, 1912.
84
§ 654. Sobre Huxley, Clifford, Romanes, etc., além da,s obras cit. no § 649:
L. HUXLEY, T. H. Huxley, Londres, 1920; F. POLLOCK, Life of Clifford, in
CLIFFORD, Lectures and Essays, Londres, 1879; G. I. ROMANES, Life and Letters,
Londres, 1896.
85
86
§ 660. Sobre Feclmer: K. LASSVITZ; G. Th. F., Estugarda, 1896, 3.a ed. 1910.
Sobre Wundt: EDm. KõNIG; W. W., seine Philosophie und Ps-ychologie, Estugarda,
1901, 3.1 ed. 1909; H. HOFFDING, Moderne Philosophen, Leipzig, 1906 - Sobre a
teoria do conhecimento e a psicologia: G. LACHELIER, La théorie de Ia
connaissance de W., in "Revue Philosophique", 1880, ID., Les lois
psychologiques dans Vécole de W., ibid., 1885. Sobre a metafisica: G.
LACHELIER, La metaphisique de W. ibid., 1890.
Sobre Guyau: "uiLLÉE, La morale, Ilart et Ia religion d'après G., Paris, 1889;
HOFFDING, Op. Cit.; J. ROYCE, in Stu4es of Good and Evil, Nova lorque, 1910;
A. PASTORE, J.M.G. e Ia genewi delllidea di tempo, Lugano, 1910.
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NIETZSCHE
XIII
NIETZSCHE
89
que Nietzsche, tal como Schopenhauer, atribui à vida; carácter que exclui todo
o comprazimento hedonístico ou estetizante; e a segundo é igualmente falsa,
uma vez que Meusche identificou o super-homem com o filósofo na acepção de
profeta de uma nova
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posição dos seus livros e pela esperança, impaciente, mas sempre desiludida,
de que suscitassem à sua
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93
sua obra inscreve-se profundamente no ciclo da sua vida e dele deve receber a
sua justa elucidação e o
deixem alcançar, não se deixam apreender pelos débeis e pelos seres de sangue
de rã". Além disso (Will zur Macht, pref.), Nietzsche declara querer ser, na
sua investigação, absolutamente pessoal, dizer as
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Dioniso é "a afirmação religiosa da vida total, não renegada nem dilacerada".
É a exaltação entusiástica do mundo tal como ele é, sem diminuição, sem
excepção e sem escolha: exaltação infinita da infinidade da vida. O espírito
dionisíaco é diametral-
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tábua dos valores morais. Nietzsche crê que todos os valores fundados na
renúncia e na diminuição da vida, todas as chamadas virtudes que tendem a
mortificar a energia vital, e a destroçar e a empobrecer a esperança e a vida,
degradam o homem e, por conseguinte, são indignas dele. Nietzsche dá à virtude
o significado amoral que ela teve no Renascimento italiano. É virtude toda a
paixão que diz sim à vida e ao mundo: "0 orgulho, a alegria, a saúde, o amor
sexual, a inimizade e a guerra, a veneração, as atitudes belas, as boas
maneiras, a vontade inquebrantável, a disciplina da intelectualidade superior,
a
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tende para uma visão trágica da vida interior e exterior. Dioniso não só se
compraz no espectáculo terrível e inquietante, senão que ama o fado terrível
em si mesmo e o luxo da destruição, da desagregação, da negação; a malvadez, a
insânia, a brutalidade, parecem-lhe, de qualquer modo, permitidas por uma
país fértil qualquer deserto (Die froeliche Wiss, § 730). Por isso, nos males
e horrores da vida, Dioniso não distingue um limite insuperável que encerre o
homem
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em confins bem definidos, mas antes o sinal de uma riqueza superior a todos os
limites, a infinidade de uma força que se expande para lá de todos os
obstáculos e que fecunda e transfigura tudo. Pelo mesmo motivo, Dioniso
rejeita e afasta a ideia da morte.
Os homens imaginam que o passado não é nada ou é pouca coisa e que o futuro é
tudo. Cada qual quer ser o primeiro no futuro e, todavia, a morte e o silêncio
da morte são as únicas certezas que todos temos em comum. "Como é estranho-
nota Nietzsche (Ib., § 278)-que esta única certeza, esta única comunhão seja
incapaz de agir sobre os homens e que estes estejam tão longe de sentir a
fraternidade da morte". E, contudo, o próprio Nietzsche rejeita e anula esta
fraternidade, rejeitando a ideia da morte. "Apraz-me verificar que os homens
se recusam absolutamente a conceber a ideia da morte e quereria contribuir
para tornar ainda mais digna de ser pensada a
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mim se tomou carne e génio. O meu destino exige que eu seja o primeiro homem
honesto, que eu me
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ideal ascético do cristianismo pela sua adoração à verdade objectiva, pelo seu
estoicismo intelectual que proíbe o sim e o não frente à realidade, pelo seu
respeito aos factos e a renúncia à interpretação deles. A crença na verdade
objectiva é a transformação última do ideal ascético. O homem verídico,
verídico no sentido extremo e temerário que a fé na ciência pressupõe, afirma
assim a fé num mundo diverso do da vida, da natureza e da história, e na
medida em que afirma este mundo diferente, deve negar o
O tipo ideal da moral corrente, o homem bom, existe apenas à custa de uma
mentira fundamental; já que fecha os olhos perante a realidade e não quer, de
forma alguma, ver como ela é feita: de facto, a realidade não é de molde a
estimular, a cada instante, os instintos de benevolência nem sequer a permitir
a
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foi assim que começou, com a renúncia à vida, a decadência do povo grego.
As subsequentes especulações de Meusche sobre a
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homem estético reage com um não" (Wille sur Macht, § 357). A beleza é a
expressão de uma vontade vitoriosa, de uma coordenação mais intensa, de uma
harmonia de todas as vontades violentas, de um equilíbrio perpendicular
infalível. "A arte -diz Nietzsche
- corresponde aos estados de vigor animal. Por um lado, é o excesso de uma
constituição florescente que se desentranha no mundo das imagens e dos
desejos; por outro, é a excitação das funções animais mediante as imagens e os
desejos de uma vida intensificada, uma sobrevalorização do sentimento da vida
e um estimulante desta". É essencial à arte a perfeição do ser, o cumprimento
e orientação do ser para a plenitude; a arte é, essencialmente, a afirmação, a
bênção, a divinização da existência. O estado apolíneo não é mais do que o
resultado extremo do inebriamento dionisíaco; uma espécie de simplificação e
Isto não implica que na arte o homem se abandone sem freio aos seus instintos.
Se o artista não quer ser inferior à sua missão, deve dominar-se e adoptar um
modo de vida sóbrio e casto. É precisamente o seu instinto dominante que exige
isto dele e não lhe permite dispersar-se de maneira a permanecer inferior às
exigências da arte (Wille zur Macht, § 367). Em geral, um certo ascetismo, uma
renúncia aceite de bom grado, dura e serena, faz parte das condições
favoráveis de uma espiritualidade superior (Genealogie der Moral, 3, § 9). "
Reconhece-se o
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as mulheres, o que não quer dizer que elas não venham ter com ele. Foge da luz
demasiado viva: foge também do seu tempo e à luz que ele irradia. Nisso
assemelha-se à sombra: quanto mais o sol baixa, mais a sombra cresce". Mas
nada parece a Nietzsche tão estéril como a fórmula da arte pela arte e o
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que deve eternamente regressar, porque é o devir que não conhece saciedade,
nem desgosto, nem fadiga" . Este mundo dionisíaco da eterna criação de si e da
eterna destruição de si, não tem outra finalidade senão a "finalidade do
círculo"; não tem outra vontade se não a do círculo que tem a boa vontade de
seguir o seu próprio caminho (Ib., § 385). A necessidade de devir cósmico não
é, portanto, mais do que a vontade de reafirmação. Desde a eternidade, o mundo
aceita-se a si mesmo, e repete-se. O eterno retomo é uma verdade terrível que
pode destruir o homem ou exaltá-lo: frente a ele mede-se a força do homem, a
107
ante esta verdade sobrehumana: o homem deve conformar a sua vida ao enigma de
Dioniso. Cumpre fazer muito mais do que suportar tal pensamento: é mister, diz
Nietzsche, entregar-se ao anel dos anéis. Cumpre fazer o voto do regresso de
si mesmo com
"A fórmula de grandeza do homem - diz Nicusche - é amor fati; não querer nada
de diverso daquilo que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a
eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo". Este amor liberta
o homem da servidão do passado, uma vez que por ele o que foi se transforma no
que eu queria que fosse. A vontade não pode fazer com que o tempo volte para
trás: por isso, o passado se lhe impõe e a faz prisioneira. Deste cativeiro é
expressão a doutrina de que tudo o que passou merecia passar e que o tempo
exerce sobre as coisas uma justiça punitiva infalível. O espírito do
ressentimento preside a estas doutrinas que sepa-
108
109
grandeza que aconteceu foi decerto possível, e por isso será também possível
no futuro. A história arqueológica nasce, ao invés, quando o homem se detém a
considerar o que foi convencionado e admirado no passado, a mediocridade
constitutiva da vida quotidiana. A história arqueológica dá às conclusões
modestas, rudes e mesmo precárias da vida de um homem ou de um povo, um
sentimento de satisfação, radicando-a no passado, mostrando-a como a herdeira
de uma tradição que a justifica. Mas para poder viver, o homem tem também
necessidade de romper com o passado, de o aniquilar, para se refazer e se
renovar. É para isso que serve a história crítica que arrasta o passado ao
tribunal, instrui severamente um juízo contra ele e, por fim, o condena. Todo
o passado é, de facto, merecedor de condenação porque, nas coisas humanas, a
debilidade e a força andam sempre unidas. Quem condena não é verdadeiramente a
justiça, mas a vida; mas, o mais das vezes, a sentença seria a mesma se a
justiça em pessoa a tivesse pronunciado. Fora destes serviços que a história
pode prestar à vida, Nietzsche julgava o excesso dos estudos históricos nocivo
à vida e sobretudo ruinoso para as personalidades fracas, ou seja, não
bastante vigorosas para valorizarem a
Ho
111
O homem deve ser superado: isto quer dizer que todos os valores da moral
corrente, que é uma moral de rebanho e tende ao nivelamento e à igualdade,
devem ser transmudados.
quer dominar e possuir todas. Daqui nasce a renúncia à certeza, que é, pelo
contrário, limitação e renúncia às diversas possibilidades do erro; daí,
também, a
112
desejo de poder" (Jenseits, § 211). As suas virtudes nada têm a ver com as dos
outros, podem suportar a verdade, a inteira e cruel verdade sobre a vida e
sobre o mundo; e assim podem aceitar verdadeiramente a vida e o mundo.
113
115
relações com o mundo e com os outros, o indivíduo, o eu, a pessoa, não são
mais do que vazias generalidades, que não podem concretizar-se numa substância
vivente.
116
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 662. A edição completa das obras de Nietszche foi publicada pela irmã E.
FOERSTER-NIETZSCHE; W@-,rke,
15 vol., Leipzig, 1895-1N1. Uma reprodução desta edição em formato mais
pequeno foi publicado em Leipzig,
1899-1912 ("Kleine Ausgabe"). Outra edição ainda mais manejável foi publicada
em Leipzig em 1906 em 10 vol. ("Taschenausgabe"), a que se seguiu o volume X1
(1913). Msta edição foi seguida por nós no texto. Outra edição "clãssica"
apareceueni Leipzig em 3 vol.,
1919. -Outra edição em .19 vol. é a "Musarion", Munique, 1923-29, e uma nova
edição está em curso ao cuidado do Nietzsehe-Archiv de Weimar, 1933 sgs. -
117
A. RMIL, F.N. der Kunster und der Dc.,rker, Estugarda, 1897 E.; ZOCCOLI, N.,
Modena, 1898; H. LiGHTENBERG, La phil. de N., Paris, 1898; P. DEuSSEN,
Erinnerugen an F.N., Leipzig, 1901; J. DE GAULTIER, N. et ta Réforme soc~
Paris, 1904; H. VAIHNGER, N. aIs Philosoph., Berlim, 1902; C. A. BERNOULILLI,
Franz Overbeck mi-d F.N., 2 volumes, lena 1908; MENCKEN, The philosophy of
F.N., Londres 1909; M. A. MUGGE, F.N. His Life and Work, Londres, 1909; M. A.
FRIEMANDER, F.N., Leipzig, 1911; R. M. 3~, N., Munique, 1912; C. BRANDES,
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N., 2 vol. Leipzig 1921; F. KõHLER, F.N., Leipzig; C. Sc~pF, N., Gottinga,
1922; A. VETTER, N., Munique,
1926; C. LESSING, N., Leipzig, 1931; G. BLANQuis, N., Paris, 1933; T. MAULMER,
N., Paris, 1933; H. LEF£BVEE, N., Paris, 1939; E. HEINTEL, N.s. System in
seinem Grundbegriffe, Leipzig, 1940; K. LIEBMANN, F.N., Munique, 1943; W. A.
KAUFMANN, N., Priweton, 1950-1956; A. GRESSON, N., Paris, 1953; R. BLUNcK,
F.N., Basel, 1953; HEIDEGGER, N., 2 vol., Pfüllingen, 1961.
118
119
SÉTIMA PARTE
O ESPIRITUALISMO
DO ESPIRITUALISMO
prescindir dos conhecimentos positivos que lhe são dados pela ciência e pelos
problemas a que tais conhecimentos dão origem. A metafísica tradicional com a
sua teologia, a sua cosmologia e a sua psicologia, fundadas em noções e
procedimentos que nada têm a ver com os objectos e os procedimentos da
ciência, parecia definitivamente fora de jogo e
123
124
125
atitude idealista e isso devido à sua própria orientação, dado que, fazendo da
consciência o seu ponto de partida, considera qualquer objecto como possível
só para a consciência e só na consciência. Deste ponto de vista, o problema
principal, o obstáculo maior que o espiritualismo encontra no seu caminho é o
da natureza ou da "exterioridade" em geral, sobretudo nos aspectos que a
ciência pôs em relevo, os mais inacessíveis à consciência ou ao espírito tais
como
126
127
(1878). Manuel Fichte foi também fundador de uma revista em que colaboraram
muitos outros filósofos e teólogos: a "Zeitchrift flir Philosophie und
Spekulative Theologie", que começou a publicar-se em
1873 e que se propunha defender os interesses da especulação cristã e
aprofundar filosoficamente os
meio que visa a tornar possível a vida espiritual do homem. E no homem actua
uma força espiritual superior à sua natureza finita, força que se manifesta,
na vida religiosa, na inspiração e no êxtase e a cuja acção Fichte atribuiu
também os fenómenos do espiritualismo, que estudou sobretudo nos últimos anos
da sua vida.
128
LOTZE
A doutrina do filho de Fichte foi muito pouco conhecida e apreciada antes que
o espiritualismo conseguisse consolidar-se e chamar as atenções sobre si. Para
tal consolidação muito contribuiu a obra de Rodolfo Hermann Lofte (Bautzen, 21
de Maio de
1817, Berlim, 1 de Julho de 1881) que foi médico e professor de filosofia em
Gotinga e em Berlim. A sua obra principal é o Microcosmo, Ideias sobre a
história natural e sobre a história da humanidade, em três volumes, 1856-58,
1864. Mas esta obra havia sido precedida por uma Metafísica (1841) e uma
Lógica (1843) como por outros escritos de medicina e de psicologia; em seguida
foi publicada uma História da estética alemã (1868) e um Sistema de filosofia,
que compreende uma Lógica (1874) e uma Metafísica (1879). Na Metafísica de
1841 (p. 329) Lotze definiu a sua doutrina como um "idealismo teleológico",
cuja tese fundamental é a de que a substância do mundo é o bem. O Microcosmo
revela as características típicas da atitude espiritualista: as necessidades
da alma, o sentimento, as aspirações do coração, as esperanças humanas, são
invocadas a cada momento como guia e objectivo da investigação. Lotze não
considera, no
realizar: o bem. O mundo é uma máquina, segundo Lotze, mas uma máquina que
visa à realização do bem. A unidade, a ordem mesma desta máquina, demonstram a
subordinação a um plano racional, a um princípio superior ao mecanismo.
acção recíproca, a sua força, alteram a lei reguladora dessa mesma força,
privando-a assim da sua imutabilidade necessária (1b., p. 59). Deste modo, a
natureza material cessa de ser algo de estranho ao espírito, espiritualiza-se
e torna-se parte de um sistema em que não existe outra realidade senão a do
espírito. Com efeito, se se admite que a ciência chega a provar que toda a
realidade se desenvolve por um contínuo processo evolutivo que culmina na vida
espiritual do homem, isso demonstrará apenas que a vida
130
milagre da criação imediata, mas tão-só fazê-la recuar para uma época mais
remota, para o acto em que a sabedoria infinita conferia ao caos a faculdade
incomensurável de toda a evolução ulterior (Ib., p. 382). O espiritualismo é,
por conseguinte, um
Por outro lado, esta convicção é necessária para a acção do homem. "0
sustentáculo da nossa esperança e a alegria da nossa existência, afirma Lotze
(Microcosmo, II), repousam sobre a fé na unidade premeditada do sistema
cósmico, que nos preparou o nosso lugar e que, já nos cegos efeitos da
natureza, infundiu o germe da evolução que a vida espiritual deve acolher e
continuar". A acção moral, tal como o conhecimento, supõe a religião entendida
como
131
mais perfeito e isto é impossível, porque não seria então o mais perfeito de
tudo quanto é pensável". Deus é personalidade porque a personalidade é a mais
alta forma da existência. A ele se reduzem as verdades eternas, que não são
arbitrariamente criadas por ele, senão que constituem os modos da sua acção.
Lotze quis assim assinalar a antítese entre o mundo dos valores espirituais e
o mundo da natureza, antítese que se
132
133
muito tempo na Alemanha e morreu em Genebra. Spir cria que a sua doutrina
representava a mais alta expressão do século XIX e que inaugurava uma nova
134
135
nado, à essência das coisas e que não podem derivar dele. Toda a coisa
singular condicionada, tem, necessariamente, a sua condição, mas o
condicionado em geral, como tal, não a tem nem a pode ter. Por outros termos,
toda a mutação singular tem a sua condição ou a sua causa; mas quando se dá em
geral uma mutação, quando as coisas do mundo mudam em
vez de permanecerem idênticas, não podem ter nenhuma condição nem nenhuma
causa.
que respeita ao domínio moral e religioso, pela sua outra obra, Moralidade e
religião, e defendidas polemicamente nos escritos menores. A vida moral é
também dominada pelo princípio de identidade, ou
136
de esperança para o egoísmo humano, não actua como causa eficiente e só pode
ser objecto de amor. Mas não pode ser invocado, de forma alguma, para explicar
o mundo da realidade empírica. Este mundo não tem fundamento, nem razão
alguma; é algo que não deveria existir, e por isso é absolutamente
inconcebível e inexplicável. É evidente que, deste ponto de
137
natureza como mera aparência, a tonalidade religiosa. Mas o lugar que nas
formas mais frequentes do espiritualismo é ocupado pelas "exigências do
coração" é aqui tomado como uma exigência puramente lógica. A consciência que
é o princípio de todo o
138
139
e podem ser reconhecidas como tais pelo facto de que o seu mecanismo de acção
não aparece nunca
como um claro saber da consciência. Mesmo a vida moral e a vida estética são,
segundo Hartmann, produtos do inconsciente, que nunca deixa de actuar no
pensamento, uma vez que parte de ideias a priori de que não é claramente
consciente. A consciência colhe apenas os resultados do funcionamento das
ideias a priori: por isso, não pode deixar de reconhecê-las a posteriori como
um a priori inconsciente (Phil. des Unbe~sten, trad. franc., 1, p. 341). Sobre
o princípio do inconsciente se funda também o que Hartman chama o seu
"realismo transcendental", que é um monismo do inconsciente e um dualismo da
consciência. Para a consciência, a ideia e o ser não se identificam porque ela
nasce precisamente da sua separação; para o inconsciente, ao invés,
identificam-se porque ele é o princípio de tudo quanto existe (System, 1, p.
124).
140
141
142
Uma figura singular que só nos últimos tempos pôde ser valorizada
adequadamente é a de Júlio Lequier (1814-62), cuja vida obscura e atormentada
se encerra com um misterioso afogamento ao largo da costa bretã. Lequier não
publicou nenhuma obra porque nunca chegou a concluir nenhum dos numerosos
escritos iniciados. Renouvier, que foi seu amigo, publicou alguns fragmentos
póstumos com o título Investigação de uma verdade primeira (1865). Em seguida
foram publicados outros textos, mas só recentemente os escritos de Lequier
foram recolhidos numa
necessidade, mas também porque só pode ser reconhecida e afirmada pela própria
liberdade. "Aperce-
143
144
EUCKEN
ponsável" (1b., p. 321). Ora, o homem é livre porque, "é senhor do possível",
e o possível é o "campo indefinido aberto à actividade do homem" (lb., p. 38).
"0 necessário é o limite do possível. O que é, na
que o homem fez e realiza mas também o que ele não fez e poderia no entanto
fazer em virtude da sua liberdade: de modo que, nesta visão, têm o seu
fundamento objectivo as possibilidades que o homem. agindo ou realizando,
afasta a cada passo, as possibilidades que não se realizaram ou não se
realizarão mas que devem, todavia, considerar-se autênticas se o homem é livre
na escolha dos possíveis. Deste modo, segundo Lequier, pode entrever-se uma
solução para o problema da relação entre presciência (ou predeterminação)
divina e liberdade humana que, de outro modo, permanece insolúvel. A chave
deste problema é a concepção de Deus como "criador e contemplador dos
possíveis" (Ib., p. 414).
145
Uma obra que contribuiu para formar o tom intimista do espiritualismo francês
foi a do genebrino Henrique Frederico Amiel (1821-81), autor de um Diário
íntimo (publicado postumamente em 1833-84, e numa edição mais completa em
1923). Até a forma literária do diário é, a este propósito, significativa da
atitude de Amiel, que ele próprio define dizendo: "A filosofia é a consciência
que se compreende a si mesma com tudo o que contém em si" (Grains de mil.,
1854, p. 194).
146
147
diversas ordens do ser são os graus da vontade. Existir significa ser querido
(por Deus); ser substância significa querer; viver significa querer-se; ser
espírito significa produzir a própria vontade, querer o próprio querem (1b.,
p. 373). O nome de pessoa designa um
ser livre que se apresenta e se reconhece como tal. Neste sentido Deus é
pessoa e é pessoa a criatura enquanto realiza a sua liberdade. Mas a
realização da liberdade é, por isso mesmo, amor de Deus, que é liberdade
absoluta. "0 bem da criatura consiste em unir-se a Deus, A penetração
recíproca das duas vontades pode fazer da vontade finita uma vontade plena e
fecunda; separada por Deus, a criatura livre abisma-se no nada da contradição.
Para ser, e para ser ela mesma, a criatura deve distinguir-se de Deus por um
acto que a une a ele; o nome deste acto é amor. A liberdade que requer a
liberdade, tal é a forma da criação: o sentido dela é o amor que espera o
amor" (Phil. de la liberté, 1, 1879, p. 5). Deste ponto de vista, a história é
a realização da liberdade mediante a unidade; e o seu termo está, para lá do
tempo, na
148
§ 677. RAVAISSON
Vincula-se directamente a Maine de Biran a obra de Félix Ravaisson Mollien
(1813-1900), notável sobretudo pelas suas obras históricas (o Ensaio sobre
* metafísica de Aristóteles, 1837-46 e o Informe sobre
* filosofia em França no século XIX, 1868), mas que também forneceu ao
espiritualismo francês alguns dos seus temas preferidos em breves ensaios e
artigos (Filosofia contemporânea, 1840; A filosofia de Pascal,
1887, Metafísica e moral, 1893; Testamento filosófico,
1901) o mais importante dos quais é a tese de doutorado O hábito (1838).
149
revela a nós mesmos, como uma existência situada fora do curso da natureza e
que nos faz compreender que toda a verdadeira existência é assim, e que o que
ocupa o espaço e o tempo é, em comparação com ele, apenas aparência" (1b., p.
15). Perante a experiência exterior a que se haviam apegado os iluministas e
os seus epígonos, Ravaisson afirma a supremacia da "experiência. de
consciência", da apercepção interior. Quando se serve dela, a filosofia é "a
ciência por excelência das causas e do espírito de todas as
150
com a repetição dos seus actos, dá lugar a movimentos nos quais o papel da
vontade e da reflexão é cada vez menor e que acabam, portanto, por se
esta presença do fim, diz Ravaisson que o hábito é uma ideia substancial, isto
é, uma ideia que se transformou em substância, em realidade, e que actua como
tal. "A compreensão obscura, que advém do hábito da reflexão imediata em que o
sujeito e o objecto se confundem, é uma intuição real, em que se confundem o
real e o ideal, o ser e o pensamento" (Do hábito, em Escritos fil., p. 39-40).
O hábito não é, portanto, um puro mecanismo, uma necessidade exterior, mas é
antes uma lei de graça, dado que indica o predomínio da causa final sobre a
causa eficiente. Permite, por isso, compreender a natureza como espírito e
actividade espiritual. Demonstra que o espírito pode volver-se natureza
(degradando a
151
Menos retórica, mas não menos rica, é a produção filosófica de Júlio Lachelier
(1834-1918), autor de dois ensaios: O fundamento da indução (1817) c
152
BOUTROUX
153
154
e divino é-nos externo e superior, ao mesmo tempo que nos é interior (p. 332).
Jaurès procura conciliar este espiritualismo com o materialismo económico de
Marx. Admite, com Marx, que os ideais são o reflexo dos fenómenos económicos
no cérebro humano, mas acrescenta que também existe o cérebro humano e,
portanto, a preformação cerebral da humanidade. Assim, a evolução da
humanidade para o socialismo será, sem dúvida, determinada pelas forças
económicas mas "com a condição de que existam já no
§ 679. BOUTROUX
155
156
motivo não é causa necessitante: a vontade dá a sua preferência a um motivo e
não a outro, e o motivo mais forte não o é independentemente da vontade, mas
precisamente em virtude dela (p. 124). São estas as considerações que
inspirarão a primeira obra de Bergson, o Ensaio sobre os dados imediatos da
consciência.
157
158
ciência utiliza, outras faculdades humanas que ela não utiliza. O significado
da existência individual e
que se move sempre no domínio do incerto, que está fora do campo da ciência.
Mas a fé gera novos objectos de pensamento, representações intelectuais
originais; e gera, outrossim, o amor e o entusiasmo por tais objectos ideais.
Na fé, a religião encontra o seu
tirar tal carácter" (1b., p. 383). Fundada nos dois dogmas fundamentais, a
existência de um Deus vivo, perfeito e omnipotente, e a comunhão entre Deus e
o homem, a religião conserva o seu antigo carácter de génio tutelar das
sociedades humanas, na medida em que pretende a união de todas as
consciências. E neste sentido, conservará precisamente os ritos exteriores
que, "transmitidos por tantos séculos e povos, são os símbolos incomparáveis
da perpetuidade e da amplitude da família humana" (1b., p. 390).
§ 680. HAMELIN
161
ordem lógica das ideias, a sua concatenação racional, não coincide com a ordem
cronológica ou histórica em que se apresentaram à consciência. "0 facto de uma
noção - diz Hamelin (1b., p. 402) - ter uma história, o facto de se
desenvolver tão tarde, em nada diminui a sua aprioridade". Esta não-
coincidência entre a ordem lógica e a ordem histórica coloca Hamelin em nítida
oposição a Hegel, que afirmava a identidade entre as duas ordens, e torna
impossível entroncar a
162
como "uma hierarquia de relações cada vez mais concretas, até atingir um termo
último em que a relação acaba por se determinar, de modo que o absoluto é
ainda o relativo. É o relativo porque é o sistema das relações e também porque
não é apenas o termo da progressão, mas também, por excelência, o ponto de
partida da regressão" (1b., p. 20).
existência para si. "0 facto de existir por si deriva do facto de que o ser
actua, e actua no sentido mais forte da palavra. E esta acção verdadeira e
originária, esta acção livre e contingente, é a que dá a consciência" (1b., p.
410). A consciência é, essencialmente,
163
tempo o objecto, o sujeito e a sua síntese: mais exactamente, uma vez que não
é preciso pôr nada por debaixo da consciência, o pensamento é este processo
bilateral mesmo, o desenvolvimento de uma realidade que é a um tempo sujeito e
objecto, ou
assim infunde vida à ordem ideal e substitui a lógica pura pela história (Ib.,
p. 443). A consciência é o
cume da realidade, o ser concreto por excelência, e fora dela nada existe. Com
ela se cerra a marcha progressiva do pensamento e termina a construção
sintética do universo (1b., p. 480-81).
Mas a conclusão da dialéctica não chega a calar a inquietação humana e,
portanto, a exigência de uma investigação ulterior. Contudo, esta, como não
pode utilizar o método sintético, alcançará resultados simplesmente prováveis.
Neste plano, Hamelin admite uma Consciência universal, centro e fundamento das
consciências inferiores: Deus. Exclui quer o materialismo, quer o panteísmo
idealista: e inclina-se para o teísmo. "A existência , de per si, quando a
tomamos em sentido absoluto, o universo, com a sua organização tão
extraordinariamente vasta e profunda, são
164
prodigiosos fardos: só Deus pode carregar com eles" (Ib., p. 494). No entanto,
o mundo não pode ter saído das mãos de Deus, que é a bondade mesma; cumpre
admitir, com Renouvier, que ele é o produto de uma
165
166
167
168
perfeição real na qual se encontra unificado tudo quanto existe no coração dos
homens e também o que é mais do que isso (The idea of God, p. 241). Mas a
experiência interior que revela ao homem a realidade de Deus, revela também a
sua transcendência. A transcendência não significa que Deus e o
homem sejam duas realidades reciprocamente independentes. Deus não tem sentido
para nós fora da relação com a nossa consciência e com os espíritos que nos
são afins na busca dele. A transcendência implica uma distinção de valor e de
qualidade, não uma separação ontológica, e exprime apenas a infinita grandeza
e riqueza da vida divina comparada com a
das criaturas finitas. Pringle-Pattison crê que Deus pode ser concebido como
"uma infinita experiência" que parcialmente se manifesta e se efectua na
experiência finita dos homens, mas não se exaure nela. A divindade não
preexiste ao mundo, mas vive só nele e para ele, como o fundo finito vive só
para a
169
filosofia da religião, 1924. Webb crê que a filosofia da religião deve tomar
como ponto de partida a experiência religiosa e que esta consiste na certeza
de uma relação pessoal com Deus. Mas como objecto da consciência religiosa,
Deus não pode ser concebido como o Absoluto impessoal de que falam os
idealistas; somente, a forma da personalidade espiritual justifica e satisfaz
as exigências do coração e a necessidade da humildade religiosa. Como pessoa,
Deus é ao mesmo
170
sim o seu valor positivo ou negativo, o seu carácter bom ou mau que deles faz
fins ou meios para a vida" (Naturalism and Agnosticism, II, p. 134). O mesmo
conceito da natureza como sistema de leis uniformes encontra o seu fundamento
naquilo que nós somos
171
MARTINETTI
172
173
174
intervém para renovar o material teorético dos seus símbolos e assim a impele
a mover-se e a renovar-se.
175
176
atomismo, acaba por atribuir aos próprios átomos (como o fizera Haeckel) uma
certa força psíquica. Mas já nesta obra, reconhecendo a fé religiosa e a
actual, mas também por uma esfera muito mais vasta: a subconsciência. Não
existe númeno ou coisa em
177
si. Cada sujeito varia segundo uma espontaneidade que lhe é própria; mas as
suas variações interferem com as de todos os outros sujeitos, e esta
interferência é um fenómeno, ou seja, um facto objectivo. O aparecimento de um
facto implica um factor alógico (mas nem por isso irracional), que é a
actividade espontânea à qual é devida a variação dos sujeitos; e um factor
lógico que é a unidade dos sujeitos, unidade pela qual eles se ligam uns aos
outros e que é constitutiva de cada um deles. Nesta unidade repousa a
178
As duas obras citadas, que são também as mais notáveis, deixam indeterminado o
carácter do ser supremo e, por isso, indecisa a escolha entre panteísmo e
teísmo. "Tais determinações, que constituem o mundo fenoménico, diz Varisco
(Conhece-te a ti mesmo, p. 323-24), são ou não são essenciais ao Ser. No
primeiro caso, é gratuito e vão supor outras determinações no Ser: estamos no
panteísmo. No segundo caso, é inevitável supor no Ser outras determinações,
que o constituam como pessoa: estamos no
179
deve pensar que, dos dois termos da consciência, um, o sujeito, seja
consciência, e o outro, o objecto, seja não consciência. Deve-se pressupor
antes o todo concreto que é a consciência racional: o sujeito consciente do
objecto, o ser em si que está presente na consciência. O ser em si, como
objecto puro da
180
181
existe. Nem existe sequer como sujeito, uma vez que em tal caso teria ainda
uma forma de existência. A afirmação de Deus é a objectividade implícita em
182
183
primeira parte de Ser e Ter); e é, além disso, evidente em todas as suas obras
que tomam frequentemente a forma de uma confissão íntima do seu autor. O tom
existencialista do Diário metafisico consiste exclusivamente no facto de que
nele Gabriel Marcel se
185
Mas para lá do ter e dos problemas que estão com ele relacionados, o ser
revela-se no mistério de que se rodeia; e a única atitude possível frente a
entre os homens. "Os seres não podem unir-se senão na verdade, mas esta é
inseparável do reconhecimento do grande mistério que nos rodeia e no qual se
amor, fazem o homem empenhar-se numa realidade que não se pode problematizar,
e que por isso o
186
atitude metafísica é a do santo que vive na adoração de Deus.
187
* nossa participação no ser e qual é o nível que ela nos permitirá adquirir no
ser, é o que permanece incerto para nós e basta para gerar o sentimento que
experimentamos perante o futuro, sentimento em que o temor e a esperança se
encontram sempre misturados". Mas o futuro, enquanto possível, existe já no
ser, a ausência que ele denuncia é já uma presença. A consciência não se pode
identificar com uma possibilidade única, que seria então determinante em
relação a ela; ela é "a unidade de possibilidade de todas as possibilidades".
E é evidente que "se toda a possibilidade se destina a ser actualizada e só
tem sentido em relação a esta actualização, existe um intervalo que a separa
da própria actualização, e este intervalo é o tempo" (1b., p. 261). O tempo
não nos faz, pois, sair da presença total, mas estabelece entre os modos desta
uma sucessão que é a
189
própria relação com a liberdade. "A própria eternidade - afirma (Du temps et
de 1'éternité, p. 411) -
deve ser escolhida por um acto livre, deve ser sempre permitida ou recusada.
Mas, além disso, é a eternidade que age no tempo e determina as
características do mesmo (lb., p. 418 sgs.). De modo que a verdade do tempo é
a eternidade: e todas as determinações do tempo devem ser directa ou
indirectamente reconduzidas à instantânea presencialidade do ser eterno.
190
nidade. Importa agora fazer a da relação do homem com Deus" (La découverte de
Dieu, p. 20-21). A este tema da relação entre o homem e Deus, que constitui a
conscienci .a mesma do homem, manteve-se Le Senne sempre fiel. Mas a
qualificação fundamental que ele sempre atribuiu a Deus é o Absoluto, o Ser, o
Acto, é a do Valor (Ib., p. 112); por isso, a obra mais importante é aquela em
que abordou mais directa e atentamente este tema: Obstáculo e Valor.
O método que Le Senne considera apropriado para atingir o ponto nodal entre o
homem e o Valor, é o da intimização (intimisation), que se manifesta
primeiramente na experiência estética que retoma ao passado e dele faz uma
fonte de gozo. Para além da experiência estética, no pólo oposto da ciência,
está "o encontro misterioso da exigência do incógnito e do retomo ao mais
íntimo de si próprio". Neste ponto de intimização, as relações entre os
elementos da experiência que de início são puramente ideais acabam por se
tornar emocionais, atravessando uma frase intermédia que Le Senne chama "ideo-
existencial". "A fim de que a relação seja existencial -afirma ele-, é
necessário que a continuidade entre as suas determinações ou as suas
relações e a totalidade da consciência não seja reduzida à pura contiguidade;
mas ela é ideo-existencial, se, inversamente, esta continuidade não é em toda
a parte tão intima que as determinações se encontrem nela perfeitamente
resolvidas" (1b., p. 51). Nesta fase, portanto, as determinações apresentam-se
à consciência como uma situação que a limita e para lá da qual ela procura
avançar. É a fase em que se produz o desvio
191
ou opor-se a Deus como a um objecto em que não vê mais do que uma natureza, ou
unir-se a ele como a um amigo".
Estes dois aspectos só existem e podem ser pensados na sua relação. Deus é,
portanto, um Deus-connosco. Deus-sem-nós é apenas uma função-limite que só tem
significado enquanto faz do valor um meio de reconciliação ou urna razão para
desesperar. No caso
193
§ 685. O PERSONALISMO
194
problema que não se encontra resolvido nas obras de Mounier. O seu interesse
pela caracteriologia, testemunhado pelo vasto tratado que dedicou a esta
disciplina e que é uma espécie de suma das suas várias orientações, poderia
fazer supor que a comunicação entre as consciências se verificaria, para ele,
no âmbito daquelas formas ou tipos comuns que são precisamente os caracteres.
Mas, na realidade não é assim, e no primeiro capítulo do tratado insiste no
"mistério da pessoa". "A pessoa - diz ele - é um foco de liberdade e por isso
permanece obscura como
196
das existências", seja como superação da pessoa mesma para as formas que devem
ser, por sua vez, pessoais. O terceiro aspecto da pessoa é o comprometimento
no mundo, mediante o qual não é espiritualidade pura ou isolada: um
compromisso que o materialismo marxista reclamou de modo brutal mas não menos
eficaz. Deste ponto de vista, os ideais ou os valores não são fins últimos
para o homem mas apenas meios para realizar uma vida pessoal mais ampla; isto
é, uma forma colectivista ou comunitária que poderia chamar-se "pessoa
colectiva" ou "pessoa pessoal" (Révolution personnaliste et communautaire,
trad. ital., p, 244). Esta forma superior de vida, para a qual a pessoa deve
livremente dirigir o seu
197
NOTA BIBLIOGRÁFICA
§ 670. A história da filosofia dos últimos cem anos é dividida, a maior parte
das vezes, por nações e sem ter em conta, a não ser ocasional e parcialmente,
a unidade ou a concordância das orientações seguidas pelos pensadores das
diversas nações. Dado que as nações não são, nem nunca foram, compartimentos
estanques, pelo menos no que respeita à circulação do pensamento filosófico, e
dado que os pensadores que seguem uma orientação determinada manifestam
maiores afinidades com os de outras nações que seguem a mesma orientação do
que com os da mesma nação que seguem orientações diferentes, não se vê onde
esteja a utilidade destes métodos de estudo; o qual, por um lado parece
autorizar uma espécie de nacionalismo filosófico e, por outro, parece sugerido
pela preguiça de pesquisar num material historiográfico ainda caótico ou pouco
ordenado os filões que permitem ordená-lo e expô-lo nas suas conexões
conceptuais. Desde a primeira edição desta obra se, pôs de parte este método e
se reagruparam os pensadores segundo as afinidades existentes nas suas
doutrinas ou nas derivações históricas das suas doutrinas. Este segundo método
permite, além disso, reconhecer e legitimar aqueles reagrupamentos nacionais
ou locais (por exemplo, o espiritualismo francês, o idealismo italiano, o
Círculo de Viena, ete.) que constituem escolas filosóficas e se fundam,
portanto, na unidade ou na continuidade das suas orientações doutrinárias.
Sobre a filosofia dos últimos cem anos: F. UEBERWEG, Grundriss der Gesch. der
Phil., vol. IV: Die deutsche Phil. des XIX Jarhunderts und des Gegenwart,
12 ed., refundida por T. K. OESTERREICH; Berlim, 1923; ID., vol. V: Die Phil.
de& Auslandes vom Beginn des XIX Jahrunderts bis auf die Gegenwart, 12 ed.,
Berlim,
1928; H. H~DING, História da filosofia moderna, vol. II, trad., M.ARTINETTI,
2.a ed., Turim, 1913;
198
France, 2 vol., Paris, 1933; Llacti vité phil. contemporaine en France et aux
États-Unis, ao cuidado de M. Farber, Paris, 1950, vol. 111; F. VALENTINi, La
filosofia francesa contemporanea, Milão, 1958.
199
§ 673. Sobre Spir: F. JEDL, in "Zeitschrift fur Phil.", 1891; Th. LESSING, A.
S.s Erkenntnislehre, Erlangen, 1899; J. SEGOND, Llidéalisme des valeurs et Ia
doctrine de S., in "Revue Phil.", 1912; MARTINETTI, A.S., pref. ao Saggi di
fil. critica di Spir, Milão, 1913; N. CLAPARÈDE-SPIR, Un précurseur, A.S.,
Lausanne-Paris,
1920 (com bibliogr.); J. LAPCIIINE, A.S., Sa vie, sa doctrine, Praga, 1938.
§ 674. Sobre Hartmann: J. VOLKELT, Das Unbewusste und der Pessimismus, Berlim,
1873; BONATELLI, La fil. dell'inconscio di Ex.H. esposta ed esaminata, Roma,
1876; OLGA PLOMACHER, Der Hampf ums Unbewusste, Berlim, 1881, 2.1 ed. 1891
(com bibl.); A. FAGGI, La filosofia delllinconsciente, Florença, 1891; Id.,
H.e Ilestetica, Florença, 1895; W. RAUNSCHEN BERGER, Ex.H., Heidelberga, 1942.
200
201
P. GONNELLE, E.B., Paris, 1908; P. ARCHAMBAULT, E.B., choix de textes avec une
étude sur lIoeuvre, Paris, 1908; P. SERINi, E.B., na rev. "Logos", Nápoles,
1922; L. S. CRAWFORD, The Philosophy of E.B., Nova lorque, 1924; M. ScHyNs, La
philosophie de E.B., Paris, 1924.
§ 681. Uma antologia dos textos filos. de, Balfour: A.J.B. as Philosopher and
Thinker, ao cuidado de W. SHORT, Londres, 1912. Sobre Balfour. W. WALLACE,
Lectures and Essays on Natural Theology and Ethics, Oxford, 1898; J. S.
MACKENZIE, in "Mind", N.S., 1916; G. GALLOWAY, in "Hibbert Journal", 1925.
Sobre Ward: A. E. TAYLOR, in "Mind", N.S., 1900; DAWES HICKS, in "Mind", N.S.,
1921 e 1925; ID., in "HibbeÉt Journal", 1926; ID., in "Journal of
Philosophical Studies", 1926; e ensaios de autores diversos em "The Monist",
1926; M. MURRAY, The Philosophy of J.W., Cambridge, 1937.
202
Sobre Berdiaev: L. LAVELLE, Le moi et son destin, Paris, 1946 (p. 2.1, cap.
III); F. TANGINI, Il personalismo di N. Derdiaev, in Filosofi contemporanei
(Instituto de estudos filosóficos de Turim), Milão, 1943, p. 57-158; O. F.
CLARCKE, Introduction to B., Londres,
1950; E. PORRET, N. B., Heidelberga, 1950.
203
Escritos de vários autores em "Esprit", 1950, p. 721 SgS.; PAOLO ROSSI, in "I1
pensiero critico", 1951, p. 175-83; A. RIGOBELLO, Il contributo filosofico di
E.M., Roma, 1955.
204
III
A FILOSOFIA DA ACÇÃO
205
rente de que ora nos ocupamos afirma o primado da acção. Por outro lado, a
acção de que ela nos
§ 687. NEWMAN
O iniciador da filosofia da acção, neste sentido que se lhe dá, foi, sem
dúvida, o inglês John Henry Newman (1801-90) que, sendo anglicano, se
converteu em 1845 ao catolicismo romano e em 1879 se tornou cardeal da Santa
Igreja. O Cardeal Newrnan foi um escritor fecundo; é autor de muitos volumes
de sermões religiosos, de tratados teológicos, de ensaios históricos, críticos
e polémicos, assim como
206
seja real ou não, é de tal natureza que fixa e possui o espírito, pode
considerar-se viva, isto é, pode-se dizer que é viva no espírito que é o seu
receptáculo. Assim, as ideias matemáticas, por muito reais que sejam, não
podem propriamente ser consideradas vivas, pelo menos no sentido habitual. Mas
quando um enundado geral, seja verdadeiro ou falso. acerca da natureza humana
ou do bem, do governo, do dever ou da religião, se difunde numa multidão de
homens e lhes reclama a atenção, não é apenas recebido passivamente, desta ou
daquela maneira, em muitos espíritos, senão que se torna neles um princípio
activo que os leva a uma contemplação sempre renovada de tal enunciado, a
aplicá-lo em
207
argumento análogo àquele pelo qual se deduz da ordem do mundo físico uma
inteligência infinita (1b., p. 63): mas se é assim, a providência teve também
de estabelecer uma autoridade imutável para regular de uma maneira infalível o
curso desses desenvolvimentos e evitar os desvios e as corrupções, e, de
facto, esta autoridade é exercida pela Igreja. Newman enumera algumas
características do desenvolvimento autêntico de uma doutrina frente aos seus
desvios e corrupções; estas características são a conservação do tipo
primitivo, a continuidade, a força de assimilação, a consequência lógica, a
antecipação do futuro, a conservação do passado e a duração que lhe garante o
vigor. Baseando-se em tais características, vê no catolicismo moderno o "
resultado legítimo e o complemento, ou seja, o desenvolvimento natural e
necessário da doutrina da igreja primitiva" (lb., p. 169).
208
209
210
211
Tudo isto demonstra que só o uso prático da razão é o seu uso completo. A
especulação fornece apenas meias verdades que só se tornam verdades completas
no domínio prático, isto é, moral. Há, indubitavelmente, uma única razão, e
entre o conhecimento e a crença, entre a ciência e a fé, não existe desacordo;
mas há uma ordem superior de verdades em que a crença se une ao conhecimento,
e a fé é uma das condições da certeza. " Esta ordem superior não se eleva
sobre as ruínas de todo o resto: domina tudo, mas supõe aquilo mesmo que ela
ultrapassa.
O homem, para chegar aí, necessita de unir todas as
212
tica - diz OIlé-Laprune (La phil. et le temps présent, p. 261) -compete situar
no centro, por assim dizer, o objectivo vivo que se trata de considerar, o
facto vivo que cumprirá experimentar e interpretar, a verdade viva cuja luz
deverá iluminar e guiar os passos do filósofo". Devido a esta função imanente
que o aspecto prático tem na filosofia, esta nunca pode dispensar a fé. Isto
não significa que a filosofia se tome num puro estado de alma subjectivo. A fé
é, de certo, um acto pessoal, mas, do mesmo modo que o acto moral, embora
sendo pessoal, consiste em
213
§ 689. BLONDEL
214
215
A acção chega assim ao seu último contraste. Não pode ficar satisfeita com o
que realizou, o homem não pode querer o que já quis, se o que quis se
identifica com as suas realizações no mundo finito. É necessário, por isso,
que de algum modo o homem
216
BLONDEL
possa querer querer ((Ib., p. 338), isto é, alcançar um termo em que a vontade
e a sua realização se
adequem perfeitamente. Para que aquele "esboço de ser" que existe no fundo da
vontade humana se complete e tome forma, é mister que o homem renuncie a si
mesmo e se transcenda. "Querer tudo o que nós queremos na sinceridade plena do
cora-
ção é colocar em nós o ser e a acção de Deus" (1b., p. 491). A acção deve
assim passar da ordem natural à ordem sobrenatural e afirmar resolutamente
esta última. A palavra que diz sim perante o sobrenatural é, ela mesma, uma
acção. Este método apologético, que consiste em atribuir à natureza finita do
homem a exigência necessária do infinito e de Deus, foi denominado por Blondel
método da imanência e
217
218
pneumático, que "introduz por toda a parte a diversidade, a singularidade, os
vínculos parciais, os centros de reacção, as perspectivas diferenciadas e
concorrentes" (Pensée, 1, p. 275). O pensamento noético, é o que constitui o
mundo físico e o mundo orgânico, ao passo que a dualidade de pensamento
noético e
pessoa humana, que, apesar da sua unidade, é mais um dever-ser do que um ser.
E esta antinomia mantém-se na comunhão dos seres espirituais que tendem à
unidade perfeita, sem a poder alcançar. De modo
219
que a única satisfação possível daquele desejo a que Blondel chama desiderium
naturale et inefficax ad infinitum é a de nos reconhecermos na unidade
transcendental de Deus. Finalmente, na nova edição de L'action (1936-37),
Blondel repassa a trama da sua primeira obra, atenuando ou negando o carácter
preeminente ou exclusivo que nela atribuía à acção. A última obra A filosofia
e o espírito cristão (1944-46), tende a justificar o plano providencial do
mundo pela liberdade que deixa aos homens e pelos riscos e recursos que lhes
proporciona. Mas o interesse filosófico desta obra é quase nulo.
§ 690. O MODERNISMO
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No campo da exegese bíblica, o modernismo encontrou o seu melhor representante
em Alfredo Loisy (1857-1940), que foi durante muitos anos professor de
História da Religião no Colégio de França. As obras mais conhecidas de Loisy
são: O Evangelho
223
não consiste na relação directa e privada que ele pode estabelecer entre a
alma individual e Deus, senão que se realiza na tradição que toma corpo e
224
dos críticos mais radicais da ciência contemporânea; faz seus e leva às suas
extremas consequências os temas fundamentais da crítica da ciência, tal como
esta se apresenta em Mach, Duhem, Poincaré e noutros. Mas a crítica da ciência
não é para ele um fim em si mesma, isto é, não tem como finalidade restringir
o saber científico àqueles limites que lhe garantem eficácia e validez, mas
sim o de desvalorizar
225
espírito humano produziu com vista às necessidades da acção, mas que é fruto
de abstracções e simplificações arbitrárias. E ainda mais arbitrárias são as
abstracções e as simplificações da ciência, que constrói, por si mesma, o
chamado "facto científico". As pretensas confirmações da experiência são, na
realidade, círculos viciosos. Um método, um aparelho, só são considerados bons
quando nos dão aqueles resultados que nós próprios arbitrariamente decretámos.
O rigor e a necessidade dos resultados científicos só existem na linguagem que
a ciência emprega e são por isso fruto de uma pura convenção. Todos os corpos
pesados cairão sempre segundo as leis de
226
não tem valor teorético, mas procura e encontra apenas constantes úteis; e
encontra-as porque a acção humana não comporta uma precisão absoluta, mas
A filosofia deve tentar explicar a evolução que fez emergir da matéria a vida,
da vida o homem, e
que designa a marcha para além do homem, para uma realidade superior. Le Roy
descreve, seguindo as pisadas de Bergson, as etapas principais desta evolução
nas suas obras principais: A exigência idealista e o fenómeno da evolução, As
origens humanas. e a
227
Terra e que tem com os indivíduos a mesma relação que o pensamento tem com as
ideias que sustenta e vivifica. Com o aparecimento do homem sobre a Terra,
começa o reino da Noosfera, o reino do progresso espiritual que o homem
realiza em todos os campos e que o cristianismo orienta para o advento de um
novo grau, que será a fase suprema da génese vital. Este novo grau deverá
realizar-se através da acção do pensamento intuitivo, a que Le Roy atribui o
poder da invenção criadora.
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231
passo que a utopia tem como efeito dirigir os espíritos para reformas
realizáveis, que fazem em pedaços o sistema. Um mito é irrefutável porque é
idêntico às convicções de um grupo, expressas em termos de devir, e não se
pode decompor em partes no plano de unia descrição histórica. A utopia, pelo
contrário, pode-se discutir como qualquer instituição social, e
a catástrofe esperada pelos primeiros cristãos) mas isto nada diz sobre o
valor do mito, que não consiste
232
233
NOTA BIBLIOGRÁFICA
234
Sobre Sorel: G. SANTONASTASO, G.S., Bari, 1932; P. ANGEL, Essais sur G.S.,
Paris, 1936; J. H. MEISEL, The Genesis of G.S., Ann Arbor, 1951; R. HuMPRHEY,
G.S., Prophet Without Honor, Harwari:@ 1951; G. GoRiELY, Le plural~ dramatique
de G.S., Paris, 1962.
235
íNDICE
237
SÉTIMA PARTE
§ 676- Amiel. Secrétan ... ... ... ... 146 § 677. Ravaisson
... ... ... ... ... 149 § 678. Lachelier. Jaurè5 ... ... ... ...
1.52 § 679. Boutroux ... ... ... ... ... ... 155 § 680. Hamelin
... ... ... ... ... ... 160 § 681, O espiritualismo oem
Inglaterra 165 § 682. O espiritualismo em Itália. Mar-
tinetti ... ... ... ... ... ... 172 § 683. Varisco. Carabellese
... ... ... 177 § 684. Espiritualismo existencialista ... 184 §
685, O personalismo ... ... ... ... 194
acção ... ... ... ... ... ... ... 205 § 687.
Newman ... ... ... ... ... ... 206 § 688. OIlé-
Laprune ... ... ... ... ... 210 § 689.
Blondel ... ... ... ... ... ... 214 § 690. O
modernismo ... ... ... ... 220 § 691. Sorel ... ... ... ...
... ... ... 230
239
Composto e impresso
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