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I
e Política I Partha Chatterjee
f
Partha Chatterjee (...) faz parte da geração que tem a mesma idade que a União Indiana
independente. (...) nasceu a 5 de Novembro de 1947, no seio de uma família burguesa è
brâmane de Calcutá, e foi criado na província de Bengala Ocidental, sempre em redor da
mesma cidade de Calcutá. Recebeu uma sólida educação em letras (sobretudo em literatura
bengali) e em ciências ainda antes de concluir a licenciatura em Ciências Políticas no
prestigiado Presidency College da Universidade de Calcutá em 1967.
A figura de Chatterjee ganhou força e importância na historiografia indiana nos inícios dos
anos de 1980 por duas razões. Em primeiro lugar, com os dois artigos fundamentais que
publicou nos dois primeiros volumes dos Subaltern Studies (...), destacou-se como o mais
teórico do grupo (...). Ao mesmo tempo, a recensão crítica que publicou de uma biografia de
Nehru (...) transformou-se em cause célèbre da época, dadas as tentativas oficiais para
censurar a sua publicação. (...). Ao mesmo tempo, os seus escritos acabaram por atinçjir um
público bem mais vasto graças à publicação em 1986 de sua obra Nationalist Thought and
the Colonial World, livro que desempenhou um papel central nos debates sobre o j
nacionalismo naquela época, tal como a obra Imagined Communities, de Benedict Anderson
A partir deste momento, Chatterjee pertence no olhar de alguns muito mais ao campo dos
debates internacionais do que à historiografia indiana propriamente dita. (...) Chatterjee
chegou a ser um dos nomes mais citados na historiografia sobre o nacionalismo em geral e
os seus escritos coinoçnmm a aparecer em centenas de cursos universitários nos Estâti' >h
Unido:; c cm Inglaterra.
A realidade 6 que existem vários Partha Chatterjees. Quem conhece só a obra sobre o
nacionalismo ignora por vezes totalmente o número impressionante de ensaios que ele
dedicou à política atual, tanto na sua província natal de Bengala, como sobre a India em
geral. (...) A partir dessas obras, tenta desenvolver duas ideias centrais que aparecem nos
seus escritos recentes e também nos ensaios publicados nesta coletânea. A primeira é a
noção de que a 'sociedade civil' não existe para a maior parte dos indianos, e que seria
necessário huscnr um conceito mn:s rtnronri-d'’ r]r r s 'íf ir:r'
compreender o verdadeiro funcionaniühí^ íulvo/: iní.ls
<;oi iil ovut sa. i;ui isislü \ iu ut; i usa uu ka íi. . • *. ■ ; i ,<■
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funcionamento da democracia indiana. Alg> m‘ i i n iv <'la r por este caminho,
I :h n tfo n o e t r a n s f o r m o 1i - s e n i im r t p q n f Y > - í H ' > < v , > >> ............ ■ m h : . , -, ^ ■ m , - , ! / i< - . ( ir.<
'comunidade primordial'. São problemas o c'"'-.'” ' - ^ -iberto e penso que a análiso d:
atual situação brasileira pode ajudar ac d o c 'i ' 1 ,* 1 pensamento do autor. Seria
possível afirmar, na verdade, que a dem ocracy u . uiíiiuíiu iú i iciuna tanto para a criança da
favela como para o grande senhor da fazenda? Qual é o vocabulário apropriado para abordai
pstes problemas, nn Pmsil como na InHis? F: comn /n/ítpr na análise da ‘sociedade política1
um novo tipo de romantismo, que fatia du i„ ici,, u íii iii luso da favela um herói, para não faiai
em geral da ’grande ilusão do carnaval1, glosada por Vinícius de Moraes?
EDUFBA
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Foto Capa
Margens do Ganges - Varanasi, India -1984
© Valdemir Zamparoni
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Sumário
Prefácio 7
Quinhentos anos de medo e amor 15
Nossa modernidade 43
A nação em tempo heterogênio 67
Populações e Socidades políticas 97
A política dos governados 129
V
Prefacio
Sanjay Subrahmanyam
Oxford, Natal de 2003.
Quinhentos Anos de Medo
e Amor*
* Publicado originalmente como “Five Hundred Years of Fear and Love”. Economic
and Political Weekly, 33, 22 de 30/05/1998, pp. 1330-36.
..
A chegada de Vasco da Gama em Calicute em 1498 e todos os proces
sos de vastas conseqüências nos séculos subseqüentes que este evento
teria supostamente inaugurado constituem um verdadeiro campo minado
ideológico. É claro, há algumas rotas seguras através desse campo que
foram plotadas e percorridas pelo menos desde o período da
descolonização em meados do século XX. Aqueles que desejam fazê-lo
de forma segura falam da humanidade e da fraternidade universal, da
falsidade das distinções entre oriente e ocidente, da história como pro
gresso indubitável do atraso em direção à modernidade, do acesso univer
sal aos benefícios da ciência e da tecnologia modernas e, em anos mais
recentes, da entrada desembaraçada na terra dos sonhos do consumo
universal no milênio da globalização. Não querendo ameaçar essa rota
segura, o autor dessa comunicação volta-se para alguns dos aspectos
morais e políticos colocados pela história das relações entre Europa e Ásia
meridional nos últimos quinhentos anos.
Hoje, poderia parecer que essas palavras foram escritas por al
gum fanático monge guerreiro medieval, mas o historiador Charles
Boxer nos assegura que Barros era um humanista e um destacado
membro da algo abortada Renascença portuguesa do século XVI.13
Não acho isso estranho ou contraditório. Antes, vejo nessa justifica
ção da agressiva expansão ultramarina um exemplo precoce da es
trutura argumentativa produzida pelo que chamei em outro lugar de
“regra da diferença colonial”.14 Ela ocorre quando se defende que
uma proposição normativa de suposta validade universal (e muitas
dessas proposições seriam enunciadas nos séculos que nos separam
das primeiras expedições portuguesas) não se aplica à colônia em
razão de alguma deficiência moral inerente a esta. Assim, apesar de
os direitos do homem terem sido declarados em Paris em 1789, a
revolta em São Domingos (hoje Haiti) seria reprimida porque aqueles
direitos não poderiam se aplicar a escravos negros. John Stuart Mill
exporia com grande eloqüência e precisão seus argumentos que es
tabeleciam o governo representativo como o melhor governo possível,
mas imediatamente acrescentaria que isso não se aplicava à índia. A
exceção não invalidaria a universalidade da proposição; ao contrário,
ao especificar as normas pelas quais a humanidade universal deveria
ser reconhecida, ela fortaleceria seu poder moral. No caso das expe
dições portuguesas a norma era dada pela religião. Mais tarde, seria
fornecida pelas teorias biológicas do caráter racial ou pelas teorias
históricas da realização civilizacional ou peias teorias sócio-econômicas
de desenvolvimento institucional, cada caso, a colônia seria tor
nada a fronteira do universo moral da humanidade normal; além dela,
as normas universais poderiam ser mantidas em suspensão.
Eu me referi mais cedo ao mundo ideológico dos homens das
primeiras expedições portuguesas. Há um entendimento geral que
trata esse mundo como mais marcado por uma tradição medieval
européia de fanatismo religioso que por sua ética moderna de inova
ção racional e lucratividade. Em concordância com isso, é feita uma
distinção entre a primeira fase da expansão ultramarina européia, ca
racterizada pelo banditismo, intolerância e crueldade dos portugueses
que, por causa de seu atraso, não estavam aptos a estabelecer um
império extenso e durável no Oriente, e uma fase posterior de
colonialismo holandês, inglês e francês, cujos efeitos duradouros, dis
tribuídos por mais de duzentos anos, foram supostamente a dissemi
nação do capitalismo, do progresso tecnológico e da governança mo
derna. Sanjay Subrahmanyam argumentou recentemente contra essa
proposição.16 Se o atraso cultural foi responsável pelo fracasso dos
portugueses em estabelecer colônias extensas na Ásia, como poderi
am os mesmos portugueses no mesmo período se capazes de fazê-
lo nas Américas? Se eles se viram frente a uma resistência superior
oferecida pelos poderes locais na índia, entáo, certamente, o que lhes
faltou não foi alguma ética misteriosa de organização racional e inova-
ção técnica, mas antes a capacidade de mobilizar uma força militar
suficiente. Esse ponto necessita ser mais estendido porque constitui
mais um elemento de continuidade na história da presença européia
no sul da Ásia nos últimos cinco séculos. Seja na fase inicial ou na
posterior, a força militar sempre foi um elemento constitutivo dessa
presença. Não foi o único elemento, mas foi uma parte fundamental e
necessária do colonialismo europeu na índia. Houve muitos estados
indianos anteriores fundados na conquista, mas nenhum foi mantido
como colônia. Quando aqueles impérios entraram em colapso, não
houve uma "descolonização” como ocorreu em meados do século
XX. Há dessa forma algum significado histórico no fato de que quando
a última colônia européia em solo indiano foi derrubada, em Goa em
1961, foi necessária a mobilização de uma força militar,-ainda que
fosse uma força relativamente pequena pelos padrões de nosso sé
culo crivado de guerras. Não vejo o terror e a violência das primeiras
expedições portuguesas como uma ressaca medieval que logo seria
obliterada pelo comércio civilizado e pela educação moderna. Vejo-as
como a enunciação em termos algo grosseiros e brutais de uma con
dição da hegemonia da Europa no mundo moderno.
II
Apesar das tentativas de tempos em tempos de pressionar para
obter maiores territórios, baseadas no modelo da Espanha na Améri
ca, a presença portuguesa na índia permaneceu confinada principal
mente a seu poder sobre as rotas marítimas, exercido desde uns
poucos centros fortificados nas costas do mar da Arábia e da baía de
Bengala. Já na década de 1540, nos contam os historiadores, houve
uma “crise” no empreendimento português na índia. A segunda me
tade do século XVI viu a ascensão e a consolidação de um grande
império territorial - o dos Mughal - que, embora baseado primaria
mente na economia agrária, de forma alguma se desinteressava pelo
comércio marítimo. Após a incorporação do Gujarat e ae Bengaia ao
império, os Mughal tornaram-se uma barreira intransponível para as
ambições portuguesas, que estavam agora reduzidos à esperança
imaginosa de que os jesuítas convidados à corte de Agra pudessem
conseguir converter o imperador Akbar ao cristianismo. Logo, mesmo
a hegemonia portuguesa sobre os mares foi ameaçada pela entradas
das companhias de comércio holandesas e inglesas. Na década de
1660, os holandeses conseguiram desalojar os portugueses de suas
bases no Sri Lanka, em Cochim e em Cananor, e se estabelecer
como o poder hegemônico nos mares indianos. Daí em diante, o rela
to da Europa na índia é um relato da rivalidade marítima entre as
potências européias, seu envolvimento na política local e a fundação,
em meados do século XVIII, do império britânico na índia.
Todos nós conhecemos essa história, porque ela foi contada vá
rias vezes, muito embora alguns historiadores recentes tenham levan
tado algumas novas questões sobre ela. Na versão imperialista da
história, os ingleses, inicialmente interessados em nada mais que numa
boa chance de lucros comerciais, quase acidentalmente foram enre
dados nas intrigas dos governantes indianos e suas cortes decaden
tes, e terminaram tendo de chamar a si a responsabilidade de estabe
lecer a justiça e o domínio da lei. O que eles construíram foi uma nova
ordem, caracterizada pela economia modernas e pelas instituições da
governança moderna. Na versão nacionalista de mesma história, os
ingleses se apropriaram do poder dos governantes indianos através
da força e do ardil, destruíram as velhas instituições da produção
econômica e da ordem social e, ao aprofundar os processos de ex
ploração colonial, perpetuaram a pobreza e fecharam as possibilida
des de desenvolvimento industrial. Historiadores recentes, como Burton
Stein, Muzaffar Alam, Sanjay Subrahmanyam, e Chris Bayly, entre
outros, questionaram, antes de mais nada, a suposição de um declínio
geral da economia e da política indianas no século XVIII. Eles argu
mentam que, pelo contrário, esse foi um período de considerável di
namismo econômico com novas regras, novas fontes de capital, no
vos métodus de extraçãu de tr ibutos, aumento no uso de cHnhtlfO«
intensificação do controle sobre o trabalho. Em segundo lugar, erntr-
giram nessa época diversos regimes regionais que eram militaristas,
seguindo políticas mercantilistas que dependiam grandemente do co
mércio exterior e de métodos bancários avançados. Em terceiro lu
gar, por volta do século XVII, as companhias de comércio européias
eram jogadores importantes na política que circundava essas econo
mias regionais por causa de seu controle sobre o fluxo de metais
preciosos que chegava do exterior. Em quarto lugar, a Companhia
das índias Orientais conseguiu sobrepujar esses reinos regionais no
século XVIII por causa de sua hegemonia sobre as rotas marítimas e
sua capacidade superior de financiar o esforço de guerra. Em quinto
lugar, em decorrência da tomada do poder, a companhia inglesa tam
bém herdou as instituições e práticas nas quais se baseavam os regi
mes anteriores, tornando-se, na verdade, mais um regime indígena:
nas palavras de Chris Bayly, "a companhia tornou-se um mercador
asiático, um governante asiático e um coletor de tributos asiático”..16
Para resumir, como esses historiadores argumentam, o rompimento
radical que se supunha caracterizar o advento do domínio britânico foi
superestimado; houve mais continuidade que descontinuidade na tran
sição do século XVIII.17
Não desejo entrar nos detalhes empíricos desse debate aqui. Mas
eu realmente quero argumentar que há motivos para discordar dessa
sugestão revisionista em um sentido muito importante. Entretanto,
antes que eu possa construir esse argumento, preciso trazer para o
meu relato mais um exemplo da Europa do século XVI: uma pessoa
que tinha a mesma idade que Vasco da Gama, mas que, tanto quan
to eu saiba, não teve absolutamente nada a ver com a índia.18
III
Nicolau Maquiavel, assim como Vasco da Gama, nasceu em 1469.
Em 1513, enquanto Afonso de Albuquerque estava consolidando o
império português na índia e Gama estava passando o tempo em
seus chamados “anos ermos”, em algum lugar próximo à fronteira
hispano-portuguesa, o florentino estava escrevendo um manual de
governo para seu príncipe. Ali, entre muitos outros tópicos que lhe
renderiam ovações e notoriedade por muitos séculos, Maquiavel con
siderou a questão: é melhor para o príncipe ser m§is am§do ,qiJ.eJemi-
do ou mais temido que amado? Sua resposta foi:
...deve-se ser tanto amado quando temido, mas como é difícil que as
duas coisas andem juntas, é muito mais seguro ser temido que ser ama
do, se uma das duas coisas tem de ser preferida. Pois pode ser dito dos
homens em geral que... enquanto você os beneficia, eles são inteiramen
te seus... [Mas] os homens têm menos escrúpulos em ofender a quem se
faz amado que a quem se faz temido; pois o amor é mantido por uma
cadeia de obrigações que, sendo os homens egoístas, é quebrada toda
vez que isso interessa a seus propósitos; mas o medo é mantido pelo
receio da punição que nunca falha.
Mais ainda, um príncipe deveria se fazer temido de uma forma tal que, se
não ganha amor, de toda forma evita o ódio; pois o medo e a ausência de
ódio podem bem andar juntos... Eu concluo, portanto, quanto ao fato de
ser amado ou temido, que os homens amam segundo sua própria livre
vontade, mas temem segundo a vontade do príncipe, e que um príncipe
sábio deve se sustentar sobre aquilo que está em seu próprio poder e não
naquilo que está no poder de outros...19
IV
A história do amor pode ser contada desde o fim do século XVIII
- desde William Jones e a Sociedade Asiática e a descoberta euro
péia da grandeza da civilização indiana. Para amar a índia e ser ama
do pelo Indianos, deve-se primeiro conhecer a índia. Mas eu diria que
a história realmente começa em um nível muito mais mundano com
os levantamentos de rendas da terra e de produtos econômicos, e
das características da população. “Estatística”, sabemos, significa li
teralmente “a ciência do Estado”, e, já na virada do século, o termo
estava sendo usado na índia coíoniaí para descrever a coleta sistemá
tica de dados em temas diversos que poderiam ser de interesse para
o Estado. Estranho como possa soar, poderíamos dizer que a estatís
tica era uma nova linguagem de amor entre governantes e governa
dos, e conheço poucos livros de amor mais notáveis que a gigantesca
série de levantamentos estatístico-etnográficos dos distritos da índia
oriental conduzidos no início do século XIX por Francis Buchanan-
Hamilton, filho do lluminismo escocês, médico, botânico e intrépido
viajante. Ele foi o primeiro de uma serie de estudiosos-administradores
britânicos que construíram o massivo edifício do conhecimento oficial
sobre a índia, que permanece ainda como um dos mais valiosos ar
quivos para os estudos históricos.
" Se amar era conhecer, para ser amado era preciso fazer o bem
para alguém: “enquanto você os beneficia”, dizia Maquiavel, “eles são
inteiramente seus”. Mesmo William Jones, que se apaixonou pelo ima
ginoso mundo do oriente, achava que seu trabalho profissional nas
: cortes indianas como tinha feito “um bem muito grande e extenso
; para muitos milhões de nativos indianos, que me vêem não apenas
!„como seu juiz, mas como seu legislador”.23O termo mais comumente
usado na índia britânica para descrever esse trabalho de beneficiar a
população era “melhoramento”. Ele aparece, como Rajanit Guha des
creveu em seu primeiro livro, já nos primeiros debates sobre o “esta
belecimento permanente” em Bengala;24 de fato, segundo a conta
de Guha, a palavra “melhorar” aparece dezenove vezes nas duas
breves minutas escritas por Cornwallis sobre esse tema em 1789 e
1790.25 Novamente, William Jones não tinha dúvidas quanto ao signi
ficado de seu trabalho de compilação das leis da índia; ele declarou:
“os nativos estão encantados com esse trabalho, e a idéia de tornar
sua escravidão mais leve, dando a eles suas próprias leis, é mais
lisonjeiro para mim que os agradecimentos do rei [da Inglaterra] que
me foram transmitidos’’.26 Desde a época de Jones e de Cornwallis e
durante os cento e cinqüenta anos seguintes, através de muitas mu
danças políticas, do zamindari para o ryotari, deste para o
utílitarianísmo, depois para a reforma liberal e daí para a política do
bem-estar, tornaria-se um lugar comum da retórica colonial afirmar
que os britânicos estavam na índia para melhorá-la, para civilizá-la,
para torná-la adequada ao mundo moderno, para dar a ela o Estado
de direito e as estradas de ferro, Shakespeare e a ciência moderna,
hospitais e parlamentos, até que no fim, em uma virada quase ridícula
da ironia histórica, fosse declarado que os britânicos tinham estado na
índia para tornar os indianos aptos para o auto-governo, o que signifi
ca que eles tinham primeiro de ter sua autonomia roubada de forma a
se qualificarem a recebê-la de volta dos ladrões.
E quanto aos indianos? Eles retribuíram o amor que seus novos
mestres tão generosamente despejavam sobre eles? Por amor à sim
plicidade, dividirei os indianos em dois setores, muito embora, como
também indicarei, as coisas fossem mais complicadas que isso. Um
setor consistia naqueles que colaboravam. É óbvio, mesmo que al
guns historiadores ainda achem necessário estender-se nesse fato
com uma regularidade monótona, que um punhado de oficiais e sol
dados britânicos não poderiam ter dominado a índia por quase duzen
tos anos se os indianos, de fato muitos indianos, não houvessem co
laborado. Quem eram eles? No início do período da ascensão da Com
panhia das índias Orientais ao poder, sabemos de príncipes, nobres e
mercadores indianos que se aliaram aos ingleses contra outros prínci
pes, nobres e mercadores. Devemos entender essas alianças situan
do-as num contexto diplomático-militar - eram relações estratégicas
cuja lógica Maquiavel teria reconhecido instantaneamente, pois não
estavam imbuídas de outro sentimento que o cálculo do interesse
próprio. Por volta da década de 1830, quando o poder britânico era
praticamente supremo no subcontinente, a essas classes foi deixada
pouca escolha exceto colaborar ou perecer. Isso foi demonstrado com
uma crueldade selvagem na repressão à revolta de 1857. Os senho
res de terra e mercadores que colaboravam com o império colonial
tardio, apesar de seu apego freqüentemente exagerado pelos artefatos
europeus de status, eram abjetos em sua subserviência política, e se
fariam ainda mais ridículos à medida que se tornavam cada vez mais
irrelevantes para as novas formas de poder político que emergiam no
âmbito do movimento an ti-colonial. Para esse grupo de colaborado
res, certamente, seria absurdo dizer que amavam os britânicos “por
sua livre e espontânea vontade”.
Havia um outro grupo, entretanto, daqueles que colaboravam.
Esse é um grupo sobre o qual muito foi escrito, não poucas vezes por
seus próprios membros. Estou me referindo, é claro, às novas classes
médias indianas, a nova classe letrada ou “intelligentsia”, ou qualquer
outra coisa de que se queira chamá-la. Uma longa linha de estudos
históricos identificou a introdução da educação inglesa na índia como
o processo crucial que criou essa classe, infundiu nela os valores da
modernidade européia, assegurou a tradução desses valores nas lín
guas vernaculares e dessa forma produziu os movimentos do nacio
nalismo moderno que ao final reclamariam autogoverno para os india
nos. Nem é preciso dizer que esse argumento se encaixa perfeita
mente no ponto de vista colonial segundo o qual foi o próprio domínio
■britânico que preparou o solo para a independência indiana. Mas,
Estranhamente, ou, se pensarmos cuidadosamente, talvez não tão
lestranhamente assim, esse é também o tema corrente de uma longa
ítradição da historiografia nacionalista liberal na índia. Foi apenas nas
últimas décadas que se fez uma tentativa séria, na historiografia aca
dêmica do sul da Ásia, de questionar a suposta conexão entre a edu
cação inglesa, a ascensão das classes médias e os movimentos
anticoloniais. Mas esse é um debate que ainda está sendo travado, e
no qual eu mesmo tive uma participação. Para evitar repetições, por
tanto, abordarei esse tema das classes médias indianas e de seu
papel colaboracionista, examinando um corpo relativamente menos
notado de textos - os escritos dos visitantes indianos na Europa. Isso
pode também estabelecer um contraste útil com o relato dos primei
ros visitantes portugueses à índia, com o qual comecei esse texto.
Desde a celebrada visita de Ramohan Roy à Inglaterra em 1831,
muitos membros da nova intelligentsia indiana, alguns ilustres e outros
relativamente desconhecidos, visitaram a Europa no século XIX. Mui
tos deles escreveram diários de viagem, para informar e educar seus
compatriotas sobre a Europa como eles a tinham visto. Farei algumas
poucas observações sobre Bengala, com cujos escritos tenho mais
familiaridade.2'' Mas antes disso, deixem-me me referir a um par de
diários de viagem escritos por visitantes indianos à Europa no século
XVIII - membros de uma classe letrada mais antiga, inteiramente não
instruídos nas formas do mundo intelectual europeu.
Mirza Shaikh Ihtisamuddin foi à Inglaterra com um grupo de emis
sários enviados pelo imperador mughal Xá Alam ao rei da Inglaterra
em 1765, época em que a Companhia das índias Orientais havia es
tabelecido firmemente seu controle político sobre Bengala. Ihtisamuddin
ficou na Inglaterra por três anos e, muitos anos após seu retorno a
Bengala, escreveu um relato de suas viagens.28 Na virada do século,
Mirza Abu Talib, de Lucknow, visitou a Europa entre 1799 e 1803 e
também escreveu sobre sua visita.29 Nenhum dos dois conhecia o
inglês nem qualquer outra língua européia quando partiram para a
Inglaterra; nenhum dos dois tinha um mapa mental prévio impresso
em suas mentes que os dissesse como a Inglaterra deveria ser vista.
Digo isso porque os viajantes do século XIX teriam uma orientação
completamente diferente tanto para suas visitas quanto para a forma
de descrevê-las.
O que é atordoante nas descrições de Ihtisamuddin e Abu Talib
das “maravilhas e curiosidades" que eles encontraram durante suas
viagens é sua paixão em descobrir como as coisas eram feitas e de
que forma funcionavam. Ihtisamuddin começa com uma série de des
crições detalhadas de como a direção e a velocidade de um navio são
reguladas, como a.bússola é feita e suas funções, como um diário de
bordo é mantido, como as velas são içadas e baixadas,, como se
lidam com os diferentes tipos de vento, todo o tempo tecendo com
parações com a forma como as coisas são feitas em barcos indianos.
“As pessoas da Inglaterra são extremamente hábeis na arte de nave
gar e trabalham muito duro para melhorar suas habilidades ainda
mais”.30 Em Londres ele ficou muito interessado em como os tetos de
madeira das casas eram construídos, em como a água encanada era
fornecida, em que tipo de plantas ele via nos jardins botânicos, nos
animais e peixes empalhados exibidos nos museus e na coleção de
livros árabes, persas e turcos em uma faculdade de Oxford onde,
incidentalmente, ele encontrou um certo senhor Jones que estava
interessado em ir para a índia como juiz e que pediu sua ajuda para ler
alguns difíceis manuscritos persas. (De fato, Ihtisamuddin chega a
sugerir que suas traduções foram mais tarde usadas pelo estudioso
de Oxford, que era, desnecessário dizer, nosso conhecido William
Jones, em um livro com o qual ele ganhou muito dinheiro.) Tanto
Ihtisamuddin quanto Abu Talib apreciaram as muitas coisas maravilho
sas que os ingleses eram capazes de fazer ou construir, mas em
nenhum lugar eles dão a impressão de que essas coisas maravilhosas
pudessem ser exemplos de uma cultura ou civilização que houvesse
alcançado um nível superior de perfeição. De fato, nenhum de nossos
viajantes foi muito persuadido por explicações teóricas. Quando o na
vio de Abu Talib estava se aproximando das ilhas de Car Nicobar, na
baía de Bengala, ele ficou aturdido com o fato de poder ver a vegeta
ção no horizonte, mas nenhuma terra. O capitão do navio tentou
explicar-lhe a esfericidade da superfície do mar e as propriedades de
refração da luz através da água, e chegou a demonstrá-las deixando
cair um anel em uma tina d’água, o que Abu Talib registrou fielmente.
Mas ficou convencido de que o telescópio do navio estava com defei
to ou que os tripulantes lhe haviam pregado uma peça.31
Comparem isso com um típico diário de viagem da segunda me
tade do século XIX. O cavalheiro de Bengala que pisa no convés tem
agora um conceito de Europa firmemente plantado em sua mente.
De fato, o navio é para ele o primeiro lugar em que se encontra com
a verdadeira Europa e o exercício de compará-la à sua Europa
conceituai começa de fato. A viagem adquire para ele o significado
moral de um rito de passagem:
Em 12 de março de 1886, o vapor “Nepaul” deixou Bombaim em direção
à Inglaterra. Nunca um navio de correio havia sentido a pulsação de
tantos corações hindus... Mais orgulhosa estava ela agora com o resulta
do da influência moral da Inglaterra sobre seu vasto império na índia, que
permitiu a tantos de seus filhos quebrar os grilhões de casta, elevar-se
acima dos velhos preconcietos e superstições e buscar a educação e o
esclarecimento na fonte principal da moderna civilização.32
■
pode haver outras modernidades que não a nossa, ou, para colocar
de outra forma, que há certas peculiaridades sobre a nossa
modernidade. Pode ser o caso de que aquilo que outros pensam ser
moderno seja inaceitável para nós, assim como aquilo que estimamos
como elementos valiosos da nossa modernidade não sejam em abso
luto considerados modernos por outros. Se devemos ficar orgulhosos
ou embaraçados por causa dessas diferenças é uma questão que
abordarei mais tarde. No momento, consideremos como nós conce
bemos nossa modernidade.
Em 1873, Rajnarayan Basu tentou fazer uma avaliação compa
rativa de “Se kãl ar e kãl” (Aqueles dias e hoje em dia).39 Por “aqueles
dias", ele queria dizer o período antes da completa introdução da edu
cação em inglês na índia. A palavra “adhunik”, no sentido em que nós
usamos hoje em bengali para dizer “moderno”, não era usada no
século XIX. A palavra usada então era “nabya” (novo): o “novo” erá
aquilo que estivesse inextrincavelmente relacionado à educação e ao
pensamento europeus. Outra palavra muito usada era “unnati” , um
equivalente ao conceito europeu do século XIX de “melhoramento” ou
“progresso”, uma idéia que hoje designamos pela palavra “pragati”.
Rajnarayan Basu, nem é preciso dizer, havia sido educado na
forma “nabya” ou nova; ele era um reformador social e extremamente
a favor das idéias modernas. Comparando “aqueles dias” e “hoje em
dia”, ele falou de sete áreas onde houve ou melhoramento ou declínio.
Essas sete áreas eram saúde, educação, renda, vida social, virtude,
civilidade e religião. Sua discussão desses assuntos está marcada
pela recorrência a alguns temas familiares. Assim, por exemplo, a
noção de que enquanto as pessoas “naqueles dias” eram simples,
caridosas, compassivas e genuinamente religiosas, a religião agora
havia se tornado mera festividade e pompa, e aquelas pessoas havi-
am-se tornado astutas, desonestas, egoístas e ingratas.
Ao conversar com as pessoas atualmente, é difícil perceber quais são
seus verdadeiros sentimentos... Antes, se houvesse um hóspede na casa,
as pessoas ficariam ansiosas para fazê-lo ficar por mais alguns dias.
Antes, as pessoas chegavam até a penhorar seus pertences para serem
hospitaleiras com seus convidados. Atualmente, os hóspedes aproveitam
a primeira oportunidade para partir. (Basu, p. 82)
L.
A Nação Em Tempo Heterogêneo*
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Colonialismo, Modernidade e Política
I
.Meu tema é a política popular na maior parte do mundo. Quando
digo “popular”, não presumo necessariamente uma forma institucional
ou um processo político particular. Eu sugiro, entretanto, quexQüjtoda
pplítica que descrevo é condicionada pelas funções e atividades dos
Sistemas governamentais modernos, que têm-se tornado parte do
que se espera serem as funções dos governos por todo o mundo.
FssaRexpentativas_fiatividades produziram, argumentarei, certas re-
ja çõ esentre governos e populações. A política popuiãTque deScrSvê1
rei cresce"sobre'olerreno dessas relações, e é conformada por elas.
O que quero dizer com “maior parte do mundo" vai-se tornar mais
claro, espero, ao longo desse texto. Refiro-me, em um sentido geral,
àquelas partes do mundo que não participaram diretamente da histó
ria da evolução institucional da democracia capitalista moderna, as
quais poderiam ser tomadas, de forma imprecisa, como o Ocidente
moderno. Mas, como indicarei, há uma presença significativa deste
Ocidente moderno em muitas sociedades não ocidentais, assim como
há, de fato, largos setores da sociedade ocidental contemporânea
que não são necessariamente partes da entidade histórica conhecida
como Ocidente moderno. De toda forma, se eu fizesse uma estimati
va grosseira do número de pessoas no mundo que estariam
conceitualmente incluídas em minha descrição da política popular, eu
diria que estou falando da vida política de bem mais que três quartos
da humanidade contemporânea.
Os conceitos familiares da teoria social que precisarei revisitar
nestas conferências são os de sociedade civil e de Estadp, os de
cidadania e direitos, os de afiliações universais e identidades particula-
<11. - - --- — --- ------ ---—--— .... ^ . ------- ---- ‘
res.Umavez que estarei observando a,política popular, devo também
considerar a questão da democracia. Muitos desses conceitos não
parecerão mais tão familiares depois que neles eu puser minhas len
tes e persuadir vocês a olhar através delas. A sociedade civil, por
exemplo, vai aparecer como uma associação fechada de grupos de
elite modernos, separada da mais ampla vida popular das comunida
des, encastelada em enclaves de liberdade cívica e lei racional. A
cidadania vai tomar duas formas diferenciadas - a cidadania formal e
a cidadania efetiva. E, diferentemente da forma antiga, conhecida
entre nós desde os gregos até Maquiavel e Marx, convidarei vocês a
não falar de dominantes e dominados, mas daqueles que governam e
daqueles que são governados. “Governância11, o novo chavão nos
estudos das políticas públicas, é, sugiro,^ocorpode conhecimento e o
conjuntode técnicas usados pgraguelesque gox^m araouj
rejs£££teÍQS.49 A democracia hoje, insistirei, nao é crgovemo do povo,
pelo povo e para o povo. Antes, deveria ser vista como a i
governados.
f Esclarecerei meus argumentos conceituais e elaborarei questões
/ sobre eles na segunda conferência dessa série. Para introduzir minha
f discussão da política popular, deixem-me começar propondo um con
flito situado no cerne da política moderna na maior parte do mundoÍE-T
a oposição entre a idéia de nacionalisrno~Cítfíco, baseado nas liberda
des individuais e direitos iguais independentes de distinções de reli- r
gião, raça, língua ou cultura, e as demandas particulares da identida
de cultural que reclama tratamento diferenciado de grupos particula
res, baseando-se em vulnerabilidade, atraso ou injustiça histórica, ou!
mesmo muitas outras razõesp \ oposição, a rg u m ljn ta i^
ca da"transíçaülídêocõrriu na política moderna, no decurso do sé
culo XX, de uma concepção de política democrática, baseada na idéia
de soberania popular, em direção a uma concepção segundo a qual a
política democrática é conformada pelo governamental.50 O ideal uni-
versal de nacionalismo cívico é captado de forma correta poi^BenedicT
Andersõn^juando argumenta, no seu livro já clássico, Comunidades
Imaginadas, que a Nação vive num tempo homogêneo vazio.51 Nisso
ele estava seguindo, de fato, uma corrente dominante do pensamen
to histórico moderno, que imagina o espaço social da modernidade
como se estivesse distribuído em um tempo homogêneo vazio. Um
marxista poderia denominar a esse tempo, capital. Anderson adota
explicitamente a formulação d^Waiter^enjaifíirr^ a usa com o resul
tado brilhante de demonstrar as possibilidades materiais de sociabili
dades anônimas enormes, sendo formadas pela experiência simultâ
nea da leitura de jornais diários ou pela experiência de acompanhar as
vidas privadas de personagens ficcionais populares. É essa mesma
simultaneidade experimentada no tempo homogêneo vazio que nos
permite falar da realidade de categorias da política econômica, tais
j^o m o ^ r e ç o s^^salários, mercados e assim por diante^O tempo j.
homogêneo vazio é o tem po"do'CapitarDêntro^e^eu domínio, o J
capital não leva em consideração nenhuma resistência à sua livre
movimentação. Quando encontra um impedimento, acredita que en
controu um outro tempo - algo como o pré-capital, algo que pertencei
ao pré-moderno. Tais resistências ao capital (ou à modernidade) sãp
portanto compreendidas como oriundas do passado da humanidade,
algo que as pessoas deveriam ter deixado para trás mas que de alqju-
ma forma não deixaram. Mas, ao imaginar o capital (ou a modernidade)
como um atributo do próprio tempo, essa perspectiva consegue rfeo ,
apenas rotular as resistências de arcaicas e atrasadas, como tajn- i
bém assegurar ao capital e à modernidade o seu triunfo último, inde- l
pendente das crenças e esperanças que algumas pessoas possam
ter, porque afinal de contas, como todo mundo sabe, o tempo-oão-'
para..
Em seu livro recente, The Spectre o f Comparisons. ^ fíaersom
deu prosseguimento à análise feita em Comunidades Imaginadas, dis
tinguindo o nacionalismo e a política da etnicidade. Ele o faz identifi
cando dois tipos de série produzidas pelo imaginário moderno da co
munidade. Uma é a série irrestrita dos universais cotidianos do pensa-
mento social moderno: nações, cidadãos, revolucionários, burocra
tas, trabalhadores, intelectuais, e assim por diante. A outra é a sérja,
restrita do governamental: os totais finitos de classes populacionais
efrumérávèis produzidos pelos censos e pelos sistemas eleitorais mo-
dernos.Jgéries irregjgtas são tipicamente imaginadas e narradas por
meio de instrumentos clássicos do “capitalismo impresso”, nomeada
mente os jornais e o romance. Eles permitem aos indivíduos a oportu
nidade de imaginar a si mesmos como membros de solidariedades
mais extensas que aquela exercida face a face, a oportunidade de
decidir atuar no interesse dessas solidariedades, a oportunidade de
transcender por um ato de imaginação política os limites impostos por
práticas tradicionais. Séries irrestritas são potencialmente iiberadoras.
Séries restritas, em contraposição, só podem operar com inteiros.
Isso implica em que, para cada categoria de classificação, cada indi
víduo só pode contar como um ou como zero, nunca como uma
fração, o que por sua vez significa que todas as afiliações parciais ou
mistas são excluídas. Uma pessoa pode ser negra ou não negra,
muçulmana ou não muçulmana, tribal ou não tribal, nunca apenas
parcialmente ou contextualmente uma dessas categorias. Séries res
critas. suaerefffndersõnjsão limitadoras e talvez inerentemente
conflituosas. ElasareflüzSm as ferramentas dapolítica étnica.
Anderson usa essa distinção entre séries restritas ou irrestritas
para construir seu argumento sobre o bem residual do nacionalismo e
a sordidez irremediável da política étnica. Ele é claramente sagaz em
preservar o que é genuinamente ético e nobre no pensamento crítico
universalista do lluminismo. Confrontado com os fatos indubitáveis da
mudança e do conflito histórico, a aspiração aqui é afirmar um univer
sal ético que não nega a variedade de desejos e valores humanos,
nem os põe de lado como irrelevantes ou efêmeros, mas antes os
circunscreve e integra como o terreno histórico real no qual aquele
universal ético deve ser estabelecido. Anderson, na tradição de boa
parte do pensamento historicista progressista do século XX, vê a polí
tica do universalismo como algo que^perfênc^ao próprio caráter do
tempo em que vivemos. Ele fala da “disseminação planetária notável,
não apenas do nacionalismo, mas de uma concepção de política pro
fundamente padronizada, refletida em parte nas práticas cotidianas,
enraizadas na civilização material industrial, que deslocou o cosmos
para dar passagem ao mundo”.52 Tal concepção de política requer
um entendimento do mundo como “um", de forma que uma atividade
comum chamada política possa ser vista como indo a todos os luga
res. Deve-se notar que tempo, nessa concepção, facilmente se tra
duz por espaço, dS~forrna que deveríamos aqui falar na verdadeudo.,
espaço-tempo da modernidade. Assim, a política, neste sentido, ha
bita o espaço-tempo homogeneo vazio da modernidade.
Eu discordo. Acredito que essa visão da modernidade, ou mes-
n- -\
mo do capfedTé equivocada porque é unilateral. Observa-se apenas
uma dimensão do espaço-tempo da vida moderna. As pessoas po
dem apenas imaginar-se no tempo homogêneo vazio; elas não vivem
nele. O tempo homogêneo vazio é o tempo utópico do capital. Ele
conecta linearmente passado, presente e futuro, criando a possibili
dade de todas aquelas imagens historicistas de identidade, nacionali
dade, progresso, e assim por diante, que Anderson, entre muitos ou
tros, tornou familiares a nós. Mas o tempo homogêneo vazio não está
localizado em nenhum lugar do espaço real - ele é utópico. O espaço
real da vida moderna consiste da heterotopia (meu débito para com
Michel_FQUGagl?|deveria ser óbvio, mesmo não estando sempre de
acordo com o uso que faz desse termo).53 O tempo aqui é heterogêneo!
irregular e denso. Aqui, mesmo os operários industriais não internalizaml
todos a disciplina de trabalho do capitalismo, e, mais curiosamente,!
mesmo quando o fazem, eles não o fazem da mesma maneira. AÍ
política aqui não significa a mesma coisa para todas as pessoas. Igno-,
rar isto, eu creio, é descartar o real em favor do utópico.
ijHorni Bhjabh.a( ao descrever o local da Nação na temporalidade,
apontou alguns anos atrás para a forma com que a narrativa da Na
ção tendeu a ser dividida por um tempo duplo, e por conseguinte
lançada em uma inevitável ambivalência: em um dos tempos, o povo
era objeto de uma pedagogia nacional porque estava sempre em cons
trução, em um processo de progresso histórico, ainda não desenvol
vido ao nível da reaiizaçaó do^estlno haciõnaf; mas no outro, a unida-
de do povo, sua identificação permanente com a Nação, tinha de ser
continuamente significada, repetida e colocada em cena.54 Tentarei
nesta conferência ilustrar alguns dos exemplos dessa ambivalência e
argumentar que eles são um aspecto inevitável da própria política
moderna. Desconsiderá-los implica ou em uma piedade condescen
dente ou em um endosso da estrutura de dominação existente no
âmbito da Nação.
É possível citar muitos exemplos, tirados do mundo pós-colonial,
que sugerem a presença de um tempo denso e heterogêneo. Nesses
lugares, pode-se mostrar capitalistas industriais postergando o fecha
mento de um negócio porque não consultaram ainda seus respecti
vos astrólogos, ou operários que não tocam em uma nova máquina
até que ela seja consagrada com ritos religiosos apropriados, ou elei
tores que ateiam fogo a si mesmos para lamentar a derrota de seu
líder favorito, ou ministros que abertamente se vangloriam de ter asse
gurado mais empregos para pessoas de seu clã e ter mantido os
outros de fora.^ Chamar a isso co-presença de muitos tempos - o
I tempo do moderno e os tempos do pré-moderno - é apenas endos-
I sar a utopia da modernidade ocidental. Muitos trabalhos etnográficos
| recentes estabeleceram que esses “outros" tempos não são meras
I sobrevivências de um passado pré-moderno: eles são novos produtos
1 do encontro com a própria modernidade. E para levar meu argumen-
I to polêmico um pouco mais adiante, eu acrescentarei que o mundo j
I pós-colonial fora da Europa e da América do Norte constitui |
I efetivamente a maior parte do mundo povoado modernaj ------
Deixem-me discutir, com algum detáíhé. um exemplo da tensão
contínua entre a dimensão utópica do tempo homogêneo do capital e
o espaço real constituído pelo tempo heterogêneo do g ove rn a m e n ta l,
assim como os efeitos produzidos por essa tensão nos esforços para
narrar a Nação.
II 75
É espggjaljTienteapropriado falar na Universidade de Columbia
snhrfí Rhimran RarniTAmbedkãr^l 891 -1956) porque ele foi um de
IV
O sonho de Ambedkar de uma cidadania igualitária ainda tinha
que lidar com o fato das classificações governamentais. Já em 1920.
ele colocou o problema da representação enfrentado pelos intocáveis
na índia: “O direito de representação e o direito de ocupar um cargo
I
público são dois dos mais importantes direitos que compõem a cida
dania. Mas a intocabilidade coloca esses direitos muito além do alcan
ce dos intocáveis... eles [os intocáveis] só poderão ser efetivamente
representados por intocáveis.” A representação geral de todos os ci
dadãos não atenderia às necessidades especiais dos intocáveis, por
que, dados os preconceitos e práticas entranhadas entre as castas
dominantes, não havia razão para esperar que estas usassem a lei
para emancipá-los. “um legislativo composto de homens de casta
alta não aprovará uma lei que remova a intocabilidade, sancione os
casamentos entre castas, suspenda o banimento do uso de ruas pú
blicas, templos públicos, escolas públicas. Não porque eles não pos
sam, mas principalmente porque eles não o querem”.63
f' Mas havia diversas maneiras pelas quais as necessidades espe
ciais de representação dos intocáveis poderia ser assegurada, e mui
tas delas haviam sido experimentadas na índia colonial. Uma forma
era a proteção, por parte de autoridades coloniais, dos interesses das
castas baixas contra as castas altas politicamente dominantes, ou a
nomeação pelo governo colonial de homens eminentes oriundos dos
grupos intocáveis para servir como seus representantes. Outra forma
era reservar um certo número de assentos no legislativo para candi
datos das castas baixas. Outra ainda era separar o eleitorado para
que os eleitores de casta baixa pudessem eleger seus próprios repre
sentantes. No mundo imensamente complicado da política constituci
onal colonial tardia na índia, todos esses métodos, com incontáveis
variações, foram debatidos e experimentados. Ademais, casta não
era o único contencioso da representatividade étnica; a questão ain
da mais litigiosa das religiões m inoritárias veio a atar-se
inextrincavelmente à política da cidadania na índia colonial tardia.
Ambedkar renegava claramente um desses métodos de repre
sentação especial - a proteção pelo regime colonial. Em 1930, quan
do o Congresso declarou como seu objetivo político obter a indepen
dência ou Swaraj, Ambedkar declarou na conferência das classes
rebaixadas:
(...) a forma de governo burocrática na índia deveria ser substituída por um
governo que seja um governo do povo, pelo povo e para o povo (...).
Sentimos que ninguém pode remover os nossos grilhões melhor do que
nós mesmos, e não podemos removê-los a não ser que tomemos o poder
político em nossas próprias mãos. Nenhuma fração desse poder político
pode evidentemente chegar a nós enquanto o governo britânico perma
necer da forma que é hoje. Apenas em uma constituição Swaraj teremos
alguma chance de tomar o poder político em nossas próprias mãos, sem
o qual não poderemos trazer a salvação a nosso povo. (...) Sabemos que
o poder político está sendo passado dos britânicos às mãos daqueles que
aplicam sobre nossa existência um tremendo poder econômico, social e
religioso. Nós estamos torcendo para que isso aconteça, apesar de que a
idéia da Swaraj nos traz à mente muitas das tiranias, opressões e injusti
ças praticadas contra nós no passado (...).6“
III
Em 05 de maio de 1993, nas primeiras horas da madrugada, um
homem morreu em um hospital de Calcutá. Ele tinha sido internado
alguns dias antes e estava sendo tratado de diabetes molutus. fãíh^
renal e acidente vascular cerebral. Sua condição tinha se deteriorado
rapidamente nas vinte e quatro horas anteriores e, apesar dos médi
cos que o atendiam terem lutado por toda a noite, seus esforços
foram em vão. Um médico veterano do hospital assinou o atestado de
óbito.
O nome do homem que morreu era Birendra Chakrabarti, mas
ele era mais conhecido como Balak Brahmachari, líder da Santal Dal,
uma seita religiosa com um largo contingente de seguidores nos distri
tos do sul e do centro de Bengala Ocidental. A seita propriamente não
tinha mais de cinqüenta anos, embora provavelmente tivesse seus
antecedentes em movimentos sectários anteriores entre as castas
baixas, especialmente Namasudra, camponeses de Bengala central.
Suas doutrinas religiosas são altamente ecléticas, consistindo inteira
mente nas visões do próprio Balak Brahmachari conforme expressas
em seus ditos, mas estes são caracterizados em particular por um
curioso envolvimento em questões políticas. O órgão de divulgação
da seita, Kara Chabuk (O Chicote Vigoroso) publicava regularmente
os comentários de seu líder em assuntos atuais da política, nos quais
aparecia o recorrente tema da “revolução”, uma convulsão cataclísmica
que iria limpar cirurgicamente uma ordem social corrupta e pútrida. A
seita, de fato, veio pela primeira vez a público no período entre 1967 e
1971, quando participou de manifestações políticas de apoio a parti
dos de esquerda e contra a lei do Congresso. Os ativistas da Santal
Dal, com muitas mulheres em suas fileiras, alguns em roupas açafrão,
alçando seus tridentes e gritando seu slogan “Ram Narayan Ram”,
eram um elemento incongruente nas manifestações esquerdistas na
Calcutá de então, e não conseguiram atrair a atenção.105 Mas nin
guém acusou a seita de ambições políticas oportunistas, uma vez que
ela não requisitou representação eleitoral ou seu reconhecimento en
quanto partido político. Desde então, muitos seguidores da seita têm
sido reconhecidamente simpatizantes e mesmo ativistas da esquer
da. especialmente do Partido Comunista da índia (Marxista), principal
parceiro na frente de esquerda que governa continuamente Bengala
Ocidental desde 1977.
Nessa manhã particular de maio de 1993, os seguidores de Balak
Brahmachari se recusaram a aceitar que seu líder espiritual estivesse
morto. Eles recordaram que muitos anos antes, em 1960, ele tinha
ficado em samadhi por vinte e dois dias, durante os quais, a crer em
todos os sinais exteriores, ele estava morto, mas depois disso ele
havia acordado de seu transe e voltado à vida normal. Agora mais
uma vez, diziam, seu Baba havia entrado em nirvikalpa samadhi, um
estado de suspensão das funções corporais que só poderia ser alcan
çado por aqueles com os mais altos poderes espirituais. Os membros
da Santal Dal levaram o corpo de Balak Brahmachari do hospital para
seu ashrarrwe em Sukhchar, um subúrbio no norte de Calcutá, e co
meçaram a manter o que para eles seria uma longa vigília.
Logo o problema se tornou uma cause célèbre em Calcutá.107 A
impressa se interessou pelo caso, publicando relatos de como o cor
po estava sendo mantido sobre barras de gelo e sob forte condiciona
mento de ar. Um diário bengali, Ajkal, acompanhou a história com
vigor particular, transformando-o em uma luta em prol de valores raci
onais na vida pública e contra crenças e práticas obscurantistas. O
jornal acusava as autoridades locais e o departamento de saúde de
Bengala Ocidental de falhar em implementar suas próprias regras
concernentes à disposição dos cadáveres, e de conivência com uma
séria ameaça à saúde pública. Logo as autoridades foram forçadas a
responder. No décimo terceiro dia da vigília, a municipalidade de Panihati
esclareceu que havia entregue aos líderes da Santal Dal uma notifica
ção solicitando a cremação imediata do corpo, mas que sob a lei
municipal não tinha poderes suficientes para levar a cabo uma crema
ção à força.108 Do lado da Santal Dal, Chitta Shikdar, o secretário,
manteve uma campanha regular de defesa na imprensa, sustentando
que o fenômeno espiritual nirvikalpa samadhi estava além da compre
ensão da ciência médica e que Balak Brahmachari logo retomaria
sua vida corporal normal.
O confronto continuou. O Ajkal aumentou o “tempo” de sua cam
panha, abrindo suas colunas para intelectuais proeminentes e figuras
públicas que deploravam a persistência de tais crenças supersticiosas
e não científicas entre o povo. Grupos de ativistas das organizações
culturais progressivas, o movimento científico popular e a sociedade
racionalista começaram a encampar manifestações em frente ao quar
tel general da Santal Dal em Sukhchar. OAjkal não poupou esforços
para provocar o porta-voz da Dal e para ridicularizar suas proposi
ções, recusando-se a se referir ao líder morto por seu nome sectário
Balak Brahamchari e chamando-o em vez disso de “Balak Babu” -
uma expressão nonsense traduzível por “Senhor Balak”. Houve al
guns embates acalorados no portão do ashram da Santal Dal, com os
ativistas da Dal, segundo consta, armazenando armas e se preparan
do para um confronto. Uma noite, alguns traques e bombas caseiras
explodiram do lado de fora do ashram e um grupo de ativistas da Dal
gritou por seus alto-falantes: “A revolução começou”.109
Cerca de um mês depois da morte oficial de Balak Brahmachari,
seu corpo ainda estava deitado sobre blocos de gelo em um quarto
com ar condicionado e seus seguidores esperando o romper de seu
samadhí, o Ajkal afirmou que havia um mau-cheiro insuportável em
toda a vizinhança de Sukhchar e que para os moradores da área isso
já era o bastante. Começou então a ser alegado abertamente que o
governo relutava em intervir por razões eleitorais. As eleições para os
corpos governamentais locais na zona rural de Bengala Ocidental, os
panchayats cruciais que haviam-se tornado a espinha dorsal do apoio
à frente de esquerda, estavam marcadas para a última semana de
maio. Qualquer ação contra a Dal poderia irritar muitos apoiadores da
frente de esquerda em pelo menos quatro distritos de Bengala Oci
dental. Também foi sugerido que alguns importantes líderes do CPI(M)
eram simpáticos à Santal Dal e que um ministro em particular, Subhas
Chakrabarti, ministro encarregado do turismo e dos esportes, era con
siderado por membros da Dal como um apoio fraternal.
Em 25 de junho de 1993, cinqüenta e um dias após a morte
oficial de Balak Brahmachari, o ministro da saúde de Bengala Ociden
tal anunciou que uma equipe médica constituída por especialistas de
ponta em medicina, neurologia e medicina forense examinaria o corpo 119
de Balak Brahmachari e submeteria um relatório ao governo. A Asso
ciação Médica Indiana, o mais alto corpo profissional de praticantes
11 ido jja i caiciwo uui i il/ ni-/cn icii a u noiauvci ^v^j^uícii c» au 1 11001 >m ic?i i if^w
Í
confrontadas com o persistente roubo de eletricidade e com a dificul
dade legal de reconhecer ocupantes ilegais como legítimos consumi
dores individuais, negociaram soluções de aluguel coletivo com ocu-
pações ilegais inteiras, representadas precisamente por associações
Í
do tipo que descrevemos. Há dessa forma todo um conjunto de solu
ções extra-legais que podem ser usados para oferecer serviços cívi
cos ou benefícios do bem-estar a grupos populacionais cuja própria
habitação e sustento residem no terreno oposto da legalidade. Des
cobri mais tarde que no fim da década de 1980, a colônia efetivamente
obteve uma ligação elétrica legal através de seis medidores comunitá
rios organizados por sua Associação de Bem-Estar. Não apenas isso:
desde 1996, os moradores têm acesso a ligações elétricas individuais.
A autoridade municipal também fornece água e banheiros públicos.
Tudo isso, é claro, em terreno público ocupado ilegalmente a uma
distância de meros um ou dois metros dos trilhos da ferrovia. Mas vou
adiante com meu relato.
Muito embora o movimento crucial aqui tenha sido o de nossos
ocupantes, de buscar e obter o seu reconhecimento como um grupo
populacional, o que do ponto de vista do governamental é apenas
uma categoria empírica utilizável que define os alvos das políticas pú
blicas, eles próprios tiveram de achar meios de investir sua identidade
coletiva com um caráter moral. Essa é uma parte igualmente crucial
da política dos governados: daLAJaaa^ m p ír ic a ^ j j rn
populacioa a L Q ^ trib iita s jw comunidadg. No caso de
nossa colônia ferroviária não havia uma forma comunal dada de an
temão que estivesse prontamente disponível. Alguns dos moradores
vieram do sul de Bengala, outros do Paquistão Oriental e mais tarde
de Bangladesh. A maioria pertencia a diferentes castas médias e bai
xas, embora houvesse uma presença dispersa de castas altas tam
bém. Uma pesquisa realizada na metade dos anos de 1990 descobriu
que 56% dos moradores pertenciam às “castas listadas”, a categoria
legalmente reconhecida das antigas castas intocáveis, que têm direi
to a benefícios afirmativos por parte do governo, e 4% às “tribos
listadas”; o resto eram de outras castas hindus.120A comunidade, tal
como existe hoje, foi construída a partir do zero. Quando os membros
que lideram a associação falam sobre a colônia e suas lutas, não
falam de interesses compartilhados de membros de uma associação.
^Ao contrário, eles descrevem a comunidade nos termos mais
comoventes de um parentesco compartilhado. A metáfora mais co
mum que eles utilizam é a da família. “Somos todos uma grande famí
lia”, disse Ashu Das, um membro ativo da associação. "Nós não diSr
tinguimos os refugiados do leste de Bengala daqueles que vieram de
aldeias de Bengala Ocidental. Nós não temos outro lugar para cons
truir nossas casas. Nós ocupamos coletivamente essa terra por mui
tos anos. Essa é a-base de nossa reivindicação a nossas próprias
casas.” Badal Das, outro morador, explica porque eles devêm ficam
unidos como uma família, “frjós estamos em face do tiare”. ele disse,
usando um ditado comum no sul de Bengala, onde homens e tigres
durante muito tempo viveram lado a lado como adversários, para se
referir de forma figurada à sempre presente ameaça de expulsão.
I Mas não é nenhuma prévia afinidade biológica ou mesmo cultural que
define essa família. Antes, é a ocupação coletiva de um pedaço de
terra - um território claramente definido no tempo e no espaço, e sob
^meaça. É notável o quão claramente os moradores definem os limi
tes de sua assim chamada família: eles são definidos pelos limites
territoriais da “colônia”. Ashu Das explica: “Do outro lado da ponte é
uma outra vizinhança. Aquela área deveria ser deixada para os ho
mens daquela vizinhança. Nós não cruzamos os limites”. Esses limites
são quase sempre cruciais em determinar reivindicações: quem pode
se tornar membro da associação, quem deve contribuir para as festi
vidades coletivas, ou quem pode procurar empregos como seguran-
ças nos prédios de apartamentos nas vizinhanças.
Agora, no âmbito da assim chamada família há muita variedade
interna. Poucos homens têm habilidades especializadas ou empregos
estáveis: a maioria sai procurando por trabalho temporário como ope
rários na construção civil. As mulheres em geral trabalham como em
pregadas domésticas nas casas de classe média das redondezas e
provêm, muitas vezes, a maior parte da renda em suas casas. No
começo da década de 1990, quando esse estudo foi feito, as rendas
mensais per capita dos moradores da colônia variavam de Rs. 1.000
(US$ 30,00) até menos de Rs. 100 (US$ 3,00). Uma outra pesquisa
feita alguns anos depois descobriu que mais da metade das famílias
tinha uma renda total mensal de menos de Rs. 2.000, sendo a renda
média mensal per capita da ocupação menor que Rs. 500. Alguns
eram donos de barracos alugados a outros moradores - tudo fora da
lei, é claro, porque ninguém tinha nenhum título legal - mas parecia
haver pouco conflito entre senhorios e inquilinos. A maior parte das
disputas entre vizinhos e mesmo entre cônjuges era resolvida através
da Associação de Bem-Estar. Nem todo mundo estava contente com
esse tipo de intrusão. Uma mulher que havia se mudado para a colônia
após o casamento disse que achava seus vizinhos muito bisbilhoteiros
e dados à maledicência. Mas a vida comunitária também era susten
tada por atividades esportivas, pelo costume de assistir programas de
televisão ou vídeos de forma coletiva e por festividades religiosas. A
maior festa organizada pela associação é o culto anual à deusa Sitala.
Ela tem uma história curiosa, sendo originária da zona rural do sul de
Bengala e era uma deusa popular que curava a varíola ou prevenia
sua disseminação. Em anos recentes, agora que a varíola está
erradicada, ela emergiu nas favelas de Calcutá como uma deusa que
cuida de modo geral da saúde das crianças. Ela é agora cultuada em
festas que duram uma semana, financiadas por pequenas doações
de moradores das favelas, em uma imitação desafiadora das festas
de classe média em homenagem à muito mais bem conhecida e
infinitamente mais glamourosa deusa bramânica Durga. Durante o
festival de Sitala, a associação organiza espetáculos musicais e peças
jatra, em que seu “mestre” Anadi Bera naturalmente têm um papel
principal. Um culto menor é o da deusa Kali, em que os homens
jovens da colônia são deixados à rédea solta, com espetáculos em
vídeo, consumo de carne e bebidas.
/ A Associação para o Bem-Estar do Povo, criada pelos morado-
res da Colônia Ferroviária Portão Número Um, não é uma associação
Ída sociedade civil. Ela emerge de uma violação coletiva das leis de
propriedade e das regulamentações cívicas. O Estado não pode
reconhecê-la como tendo a mesma legitimidade que outras associa
ções cívicas que perseguem objetivos mais legitimados. Os ocupan
tes, por sua parte, admitem que sua apropriação do terreno público é
tanto ilegal quanto contrária à boa vida cívica. Mas eles reivindicam
moradia e sustento em termos de direitos e utilizam sua associação
como o principal instrumento coletivo para obter suas reivindicações.
Em uma de suas petições às autoridades ferroviárias, a associação
escreveu:
Entre nós há refugiados do Paquistão Oriental e sem-terra de Bengala
meridional. Tendo perdido tudo - meios de vida, terra e mesmo nossos
lares, tivemos de vir para Calcutá continuar nossa vida e procurar por
abrigo... Nós somos na maioria trabalhadores diaristas e empregados
domésticos, vivendo abaixo da linha da pobreza. De alguma forma conse
guimos construir um abrigo para nós. Se nossos lares forem destruídos e
nós formos expulsos dos nossos barracos, nós não teremos nenhum lugar
para ir.
II
j A verdadeira história da sociedade política deve partir da zona
j rural de Bengala Ocidental. Foi ali que os partidos de esquerda con-
' verteram as funções do governamental em fontes poderosas e incri
velmente estáveis de apoio local de uma clara maioria de grupos
j populacionais. Muito tem sido escrito de como isso foi feito - de refor
mas agrárias à instituição de governos locais democráticos nas aldei
as, da manutenção de uma organização partidária fortemente discipli
nada a, como alguns críticos alegam, violência seletiva e cuidadosa
mente calibrada. Mas, para minha discussão aqui, enfocarei o proble
ma que levantei em minha conferência anterior: como as reivindica
ções particulares de grupos populacionais marginais, muitas vezes
ancoradas em violações da lei, podem ser compatibilizadas com a
meta de cidadania Igualitária e virtude cívica? Para que se produza
uma política dos governados viável e persuasiva, tem de haver uma
considerável dose de mediação. Quem pode mediar?
Vocês devem recordar a figura chave na bem-sucedida
mobilização de nossa colônia ferroviária na arena da sociedade políti
ca. É o Mestre - o entusiasta do teatro Anadi Bera. O fato de que ele
era popularmente conhecido por seu papel como professor de uma
escola primária não é insignificante. O professor era provavelmente a
mais ubíqua figura na recente expansão da sociedade política na zona
rural de Bengala Ocidental. Em 1997, Dwaipayan Bhattacharya, um
de meus colegas em Calcutá, estudou o oapel político de professores
em dois distritos de Bengala Ocidental.123
No distrito de Purulia, ete descobriu, a maior parte dos professo 145
res primários eram membros da associação de professores comunis
tas, e muitos mantinham cargos eletivos em diferentes níveis do go
Ill
A correta administração dos serviços governamentais têm sido
um tema de muito discutido recentemente nos campos do bem-estar
e do desenvolvimento. Não considerarei aqui as críticas neo-liberais
ao Estado de Bem-Estar nas democracias ocidentais, que, em mui
tos casos, têm levado a uma significativa reorganização da esfera do
governamental. Antes, voltarei nossa atenção para algumas novas
tecnologias globais do governamental que reivindicam poder assegu
rar que os benefícios do desenvolvimento serão ainda mais dissemina
dos e que os pobres e desprivilegiados não serão suas vítimas. Essa é
uma área em particular em que as agências de desenvolvimento in
ternacionais reformularam recentemente suas políticas e renovaram
seus instrumentos à luz de sua experiência dos fracassos de vários
projetos e da resistência oferecida a eles. Enfocarei, em particular, a
questão da remoção e do reassentamento de populações deslocadas
por projetos de desenvolvimento.
O Banco Mundial teve nas últimas duas décadas um papel fun
damental na formulação de uma política de reabilitação e na incorpo
ração das questões da remoção e do reassentamento. De forma pouco
surpreendente, as análises dos custos de remoção e os requisitos
para o reassentamento têm sido feitas principalmente através de
métodos econômicos da análise de custo-benefício. Ao mesmo tem
po, um conjunto de djjgitos específicos tem sido definido para pessoas
afetadas por esses projetos ou para unidades domésticas que per 149
dem suas habitações ou sustento. Ademais, certos direitos específi
cos baseados na comunidade também foram definidos para grupos
J
interesses localmente marginalizados. Além disso, não esqueçamos
que um consenso político locat é presumivelmente também social
mente conservador e poderia ser particularmente insensível, por exem
plo, a questões de gênero e de minorias. Como mencionei algumas
vezes antes, a sociedade política trará para os salões e corredores do
poder algo da baixeza, da feiúra e da violência da vida popular. Mas se
verdadeiramente se valoriza a liberdade e a igualdade que a democra
cia promete, então não se pode aprisioná-las dentro da fortaleza
higienizada da sociedade civil.
jí Vocês podem ter notado que quando descrevo a sociedade po-
' lítica como um espaço de negociação e contestação aberto pelas
1 atividades de agências governamentais direcionadas a grupos
populacionais, freqüentemente falo de processos administrativos que
são extra-legais e de reivindicações coletivas que apelam para laços
j de solidariedade moral. É importante, penso, enfatizar mais uma vez
como a sociedade política está localizada em relação às formas políti-
co-legais do próprio Estado modemo. Os ideais de soberania popular
e cidadania igualitária consagrados pelo Estado moderno são, menci
onei em minha conferência anterior, mediados e tornados reais atra
vés de dois eixos, o da propriedade e o da comunidade. Propriedade
é o nome conceituai da regulação, pela lei, das relações entre indiví
duos na sociedade civil. Mesmo quando as relações sociais não fo-
iiram, ou ainda não foram, moldadas pelas formas apropriadas da soci-
:edade civil, o Estado deve não obstante manter a ficção que na cons-
! tituição de sua soberania, todos os cidadãos pertencem à sociedade
civil, e são, em virtude desse fato legalmente constituído, sujeitos iguais
^ perante a lei. Contudo, na administração real de serviços govema-
j mentais, como temos repetidamente notado, a qualidade ficcional dessa
1construção legal tem de ser reconhecida e trabalhada. O que resulta
\ em uma dupla estratégia: por um lado, arranjos extra-legais que mo
dificam, remodelam ou suplementam no terreno contingente da soci
edade política as estruturas formeis de propriedade que precisam, por
outro lado, continuar a serem afirmadas e protegidas dentro do domí-
nio legalmente constituído da sociedade civil. Propriedade é, sabe
mos, o eixo crucial ao longo do qual o capital se sobrepõe ao Estado
moderno. É sobre a propriedade então que vemos, no terreno da soci
edade política, uma dinâmica, dentro do Estado moderno, da transfor
mação de estruturas pré-capitalistas e de culturas pré-modernas JÉ aí
que podemos observar uma luta sobre a distribuição real, não sobre a
meramente formai, distribuição de direitos entre os cidadãos.,Conse
qüentemente, é na sociedade política que somos capazes de discernir
o horizonte histórico variável da modernidade política na maior parte do
mundo, onde, tal como o ideal fictício da sociedade civil pode exercer
uma influência poderosa nas forças de mudança política, assim as
transações reais sobre a distribuição cotidiana de direitos gerais e espe
cíficos pode levar, com o passar do tempo, a redefinições substanciais
da propriedade e da lei no âmbito do Estado moderno que existe real
mente. O extra-legal, então, apesar de sua situação ambígua e suple
mentar em relação ao legal, não é alguma condição patológica da
modernidade retardada, mas, antes, parte do próprio processo de cons
tituição histórica da modernidade na maior parte do mundo,
f À^comunidade, entretanto, é conferida legitimidade dentro do
Idomínio do Estado moderno apenas na forma da Nação. Outras soli-
'dariedades que potencialmente possam entrar em conflito com a co
munidade política da Nação são submetidas a um alto grau de
^suspeição. Nós vimos, entretanto, que as atividades das funções go
vernamentais produzem numerosos tipos de populações reais, que se
aliam para atuar politicamente. Para fazer de forma efetiva suas reivin
dicações na sociedade política, um grupo populacional produzido pelo
-governamental deve ser investido do conteúdo moral de comunidade.
Essa é uma parte importante da política do governamental. Aqui há
muitas possibilidades imaginativas sobre como transformar um grupo
populacional empiricamente conformado na forma moralmente cons
tituída de comunidade. Já argumentei que é tanto irrealista quanto
irresponsável condenar todas essas transformações políticas como
divisionistas e perigosas.
No entanto, nessas conferências, não contei a vocês, de forma
alguma, muito acerca do lado obscuro da sociedade política. Não é
porque eu não esteja ciente de sua existência, mas porque eu não
posso afirmar que compreendo completamente como a criminalidade
e a violência estão ligadas às formas pelas quais vários grupos
populacionais desprovidos têm de lutar para fazer suas reivindicações
à assistência governamental. Acredito que disse o bastante sobre a
sociedade política para sugerir que, no campo da prática popular de
mocrática, crime e violência não são categorias fixas e exclusivas;
elas podem estar abertas a um alto grau de negociação política. É
fato, por exemplo, que nos últimos vinte e cinco anos, houve um
aumento sensível na irrupção pública, e política, da violência de casta
na índia, num período que sem dúvida viu a mais rápida expansão da
afirmação democrática por parte das castas até então oprimidas. Te
mos também exemplos numerosos nos quais movimentos violentos
de grupos regionais de desprovidos, tribais ou de outro tipo foram
seguidos por uma rápida e com freqüência, generosa, inclusão no
âmbito do governamental. Há então aqui um uso estratégico da ilega
lidade e da violênòia, no terreno da sociedade política, que levou um
escritor aclamado internacionalmente a descrever a democracia indi
ana, de maneira não muito simpática, como “um milhão de motins,
agora”? Não tenho uma boa resposta. Entretanto, um recente estu
do, cheio de boas intuições sobre essa questão, foi publicado por
Thomas Blom Hansen sobre o Shiv Sena em Mumbai. Aditya Nigam
também publicou alguns artigos recentes tratando do “submundo” da
sociedade civil. No momento, só posso citar esses dois trabalhos.132
Nessas conferências, usei apenas exemplos de uma pequena
região da índia. É porque é a região que conheço melhor. É também
uma região, creio, em que a sociedade política tomou uma forma
distinta dentro da cultura popular da política democrática em evolu
ção. À luz dessa experiência, tentei pensar sobre algumas das condi
ções nas quais as funções do governamental podem criar condições
não para uma contração, mas de fato para uma expansão da parti
cipação política democrática. Não é insignificante que a índia seja a
única grande democracia do mundo em que a participação eleitoral
continuou a aumentar em anos recentes, e está na verdade aumen
tando mais rápido entre os pobres, as minorias, e os grupos populacionais
desprivilegiados. Há também alguma evidência recente de queda na
participação entre os ricos e as classes médias urbanas.133 Isso sugere
uma resposta política aos fatos do governamental muito diferente da
quela encontrada na maioria das democracias ocidentais.
Também não falei nada sobre gênero. Felizmente, esse é um
tema sobre o qual há uma literatura florescente e sofisticada no con
texto da democracia indiana.134 De maneira interessante, é quase
sempre o lado mais obscuro da sociedade política que está em jogo
aqui. Houve, por exemplo, uma chuva de leis progressivas nos anos
de 1980, propostas por grupos de mulheres e rapidamente aprovada
pelo parlamento, para assegurar maiores direitos para as mulheres.
Foi levantada agora a questão de se saber se essa não foi uma vitória
tão fácil, através de uma ação legislativa de cima para baixo, porque
as vidas da maioria das mulheres ainda é vivida em famílias e comuni
dades em que as práticas cotidianas são reguladas não pela lei, mas
por outras autoridades. Foi levantada a questão de se saber se os
direitos das mulheres em comunidades minoritárias serão melhor es
tendidos por legislações estatais, que poderia inclusive violar os direi
tos das minorias, ou se a única alternativa viável é o difícil caminho de
transformar crenças e práticas no interior das próprias comunidades
minoritárias. Uma proposta de reservar um terço dos assentos no
parlamento para mulheres foi recentemente contornada pela oposi
ção vociferante dos líderes das castas rebaixadas, que alegaram que
isso reduziria sua representação arduamente conquistada e a substi
tuiria por mulheres legisladoras de castas altas. Nessa, como em muitas
outras questões envolvendo os direitos das mulheres, pode-se discernir
o conflito inescapável entre os desejos esclarecidos da sociedade civil
e as preocupações confusas, contenciosas e quase sempre não
palatáveis da sociedade política.
Devo agora concluir. Deixem-me fazê-lo recordando do momen
to fundador da teoria política da democracia na Grécia antiga. Sécu
los antes que, tanto a sociedade civil quanto o liberalismo fossem
inventados, Aristóteles concluiu que nem todas as pessoas estavam
aptas a se tornar parte da classe governante porque nem todos ti
nham a necessária sabedoria prática ou a virtude ética. Mas sua mente
empírica astuta não excluiu a possibilidade de que em algumas socie
dades, para alguns tipos de povos, sob certas condições, a democra
cia fosse uma boa forma de governo. Nossa teoria política hoje não
aceita os critérios de Aristóteles sobre a constituição ideal. Mas nos
sas práticas governamentais reais são ainda baseadas na premissa
de que nem todo mundo pode governar. O que eu tentei demonstrar
foi que, ao lado da promessa abstrata da soberania popular, as pesso
as na maior parte do mundo estão vislumbrando novas maneiras pe
las quais elas podem escolher como querem ser governadas. Muitas
das formas da sociedade política que descrevi não contariam, suspei
to, com a aprovação de Aristóteles, porque pareceria a ele que essas
formas permitem que líderes populares tenham precedência sobre a
lei. Mas poderíamos, creio eu, ser capaz de convencê-lo de que deè-
sa maneira as pessoas estão aprendendo, e forçando seus governantes
a aprender, como elas preferem ser governadas. Essa, o sábio grego
talvez concordasse, é uma boa justificativa ética para a democracia.
Notas
com preender o verdadeiro lun cio n am o u lo da índia de hoje. A segunda, talvez m ais
ooiilrovorsa, consisto na dolosa do conceito do 'co m u n id a d e 1co m o base |>ata o
fu ncionam ento da dem ocracia indiana. A lguns pensam que, ao enveredar p or este ca m i:1
G lia tte ijo o L au;íom:ou sc :m n;a cspóoio do 'corruinitaristn' qüe defenderia n ideia de um
'comunidade prim ordial'. São problem as e debates ainda em aberto e penso que a anális
atual situação brasileira p ode ajudar ao desenvolvim ento do pensam ento do autor. Seria
possível afirm ar, na verdade, que a dem ocracia brasileira funciona ta n to para a criança da
favela co m o para o grande senhor da fazenda? Qual é o vocabulário apro p ria d o para abord,
estos problem as, r.c Brasil com o na índia? E com o evitar, na análise da 'so cie da d e polítif'
um novo tip o de rom antism o, que faria d o chefe crim inoso da favela um herói, para não i;
em qeral da 'qrande ilusão d o carnaval', qlosada p or V inícius de M oraes?
Do P re fá cio d e S anjay S u b ra h m a nya m