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Maçonaria e

Simbologia
Uma análise do preconceito
através da História e da Psicologia
MARCEL HENRIQUE RODRIGUES

Maçonaria e
Simbologia
Uma análise do preconceito
através da História e da Psicologia

2° e d i ç ão

G RU PO M U LT I F OC O
Rio de Janeiro, 2020
Copyright © 2020 Marcel Henrique Rodrigues.

direção editorial Grupo Multifoco


edição Dayana Xavier
revisão Victor Veríssimo
projeto gráfico Caroline da Silva

capa Leonardo G. Filho


impressão Gráfica Multifoco

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meios existentes sem autorização por escrito dos editores e autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).

R696m Rodrigues, Marcel Henrique .


Maçonaria e simbologia: uma análise do preconceito através da História
e da Psicologia/ Marcel Henrique Rodrigues. – 2. ed. – Rio de Janeiro :
Multifoco, 2020.
172 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-8273-874-0

1. Maçonaria. 2. Simbologia.
I. Título.

CDD: 366
“Os pesquisadores de todos os tempos conheciam verdades
que chegavam ao homem por meio do símbolo. Os rituais
iniciáticos de todas as culturas o têm utilizado em suas
cerimônias. Desde o princípio, chegou-se a diferenciar
aquilo que o símbolo manifesta em sua parte visível
e acessível ao profano, qualificando-o de exotérico.
No entanto, essa outra dimensão, a esotérica (interna),
que vai além das aparências, é a que permite entrar em
contato com as forças que realmente movem o mundo,
situando no âmbito do sagrado.”
Musquera, 2010

“Os signos e símbolos governam o mundo,


não as palavras e as leis.”
Confúcio, 551 a.C – 479 a.C

“O símbolo não reflete a realidade objetiva, mas busca


revelar o profundo, escondido misterioso, ausente.
Preocupa-se em desvelar as raízes ocultas da realidade,
os pilares do universo.”
Mardones, 2006
Agradecimentos

Os agradecimentos passam a ser uma dificuldade adicional, de-


vido à quantidade de pessoas que, direta ou indiretamente, estão
interligadas a esta pesquisa.
Primeiramente, agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (FAPESP) por proporcionar a oportu-
nidade de realizar este projeto de pesquisa, juntamente com um
intercâmbio realizado no exterior. Agradeço aos pareceristas e
assessores da Fundação, pela presteza em analisar minha pesquisa
e apontar as necessidades de melhorias.
Mais gratidão ao CEHR – Centro de Estudos de História
Religiosa – integrado à Universidade Católica Portuguesa, que
aceitou com boa acolhida o meu projeto de pesquisa. Sou pro-
fundamente grato aos professores Alfredo Teixeira e Matos Fer-
reira, que me orientaram nos quatro meses de investigação em
Lisboa, juntamente com o secretário José António por sua gran-
de disponibilidade e profissionalismo acadêmico.
Mais agradecimentos aos meus orientadores e amigos Luis
Antonio Groppo, e Sueli Caro (in memoriam), por me acompa-
nharem durante a pesquisa. Também não posso me esquecer dos
profissionais portugueses que me auxiliaram, como os funcioná-
rios do Arquivo Nacional Português, Torre do Tombo, que me
disponibilizaram antigos e raros documentos históricos. Agra-
deço a todos os especialistas que se dispuseram a discutir sobre
minha investigação.

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Deixo os meus mais apaixonados agradecimentos a minha es-
timada família, sobretudo minha mãe e meu pai, Márcia e Tony,
que além de me proporcionarem a vida, sempre me apoiaram em
todos os momentos. Esse livro é dedicado aos meus amigos e cole-
gas. E por fim, um especial agradecimento a Deus, que me propor-
cionou todos esses momentos de muita reflexão e aprendizagem.
Sumário

Prefácio da primeira edição.................................................. 11


Prefácio da segunda edição .................................................. 14
Introdução ........................................................................... 19

1. Algumas considerações sobre a Antropologia dos símbolos


religiosos .............................................................................. 24
⒈1 Os primeiros vestígios de sociedades secretas ................ 30
⒈2 Rituais de “morte-renascimento” e a formação de socieda-
des secretas da Antiguidade pagã........................................ 40

2. Investigação sobre o misticismo ocidental. Percursos para a


formação de sociedades secretas e a Maçonaria ................... 49
⒉1 O advento do Cristianismo e a mudança no paradigma cul-
tural, social e religioso no mundo ocidental ........................ 54
⒉2 A Idade Média: os Cavaleiros Templários e os antigos
construtores de catedrais .................................................... 61
⒉3 A Era Moderna: o surgimento da Maçonaria Especulativa
e seus embates com as igrejas ............................................. 80
⒉4 A Era Contemporânea: o golpe de Léo Taxil, sua contri-
buição para a “queda do simbólico” e o preconceito contra a
Maçonaria ......................................................................... 99

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3. A “queda do simbólico”: um estudo histórico e psicológico
para a compreensão do preconceito contra símbolos religiosos
e a Maçonaria .................................................................... 105
⒊1 A “queda do simbólico” da visão histórica para uma visão
psicológica ....................................................................... 112
⒊2 A interpretação dos símbolos: uma hermenêutica de alguns
símbolos maçônicos ......................................................... 125

Considerações finais .......................................................... 150


Referências ........................................................................ 164
Prefácio da primeira edição

Convido o leitor a conhecer este livro, que é fruto de instigantes


investigações do psicólogo, então em formação, Marcel Henri-
que Rodrigues. A respeito do livro, penso que esse, mais do que
uma obra acadêmica sobre a Maçonaria, é uma pesquisa e refle-
xão muito bem fundamentada sobre a importância do simbólico
para o ser humano.
Assim argumenta Marcel: é o ser humano um ser simbólico.
Mas em seus processos históricos, quando o humano se realiza,
por vezes o humano também se nega. E a história do “mundo
ocidental” pode ser lida como a queda e a negação do simbólico.
Este é o grande mote das pesquisas de Marcel, as quais tive a
honra de orientar, inclusive o início da que deu origem a este li-
vro – orientação que foi completada pela minha estimada colega
Profa. Dra. Sueli Caro (in memoriam). Marcel foi discente, e a
profa. Sueli é docente, do curso de Psicologia do UNISAL (Cen-
tro Universitário Salesiano de São Paulo), Unidade Americana,
instituição onde tive a alegria de trabalhar por 15 anos.
Em parte destes anos, ensinei e aprendi com futuros psicó-
logos. Entre eles, Marcel, que logo demonstrou grande interesse
em seguir a carreira de pesquisador. Procurou-me, pedindo
ajuda para definir caminhos e temas de pesquisa. Justo a mim,
apenas sociólogo, simpatizante da Psicanálise de Freud e das pro-
vocativas ideias de Reich… Fico feliz que Marcel tenha insistido,
consigo e comigo, e encontrado seus temas e caminhos. Fico feliz

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

porque, creio eu, ainda que um pouco, ajudei-o a se encontrar


como pesquisador de Psicologia, ainda que eu mesmo não seja
um psicólogo. Este livro é fruto do amadurecimento de Marcel
como investigador, de seus mergulhos no simbólico do humano,
de suas trilhas por entre o humano simbólico.
Neste livro, seu autor demonstra grande competência na bus-
ca de fontes bibliográficas para fundamentar sua reconstituição
histórica e, principalmente, analisar símbolos relacionados à Ma-
çonaria. A obra, em sua maior parte, desenvolve com qualidade
a interpretação de material colhido em pesquisa bibliográfica,
trazendo interessante discussão histórica sobre os símbolos reli-
giosos e a formação de sociedades secretas. Na referência teórica,
destaca-se a Antropologia de Campbell, bem como a perspectiva
psicológica inspirada em Jung.
O livro apresenta três capítulos. O primeiro capítulo discu-
te a dimensão simbólica do ser humano, destacando rituais da
Pré-História, em especial os rituais de “morte e renascimento”,
e as primeiras sociedades secretas. No segundo, o misticismo no
mundo antigo e o embate do Cristianismo com esse. Em segui-
da, sobre sociedades iniciáticas, em destaque os Templários, e a
origem da Maçonaria.
No terceiro capítulo ainda são discutidos temas históricos,
já na modernidade, como a origem da Maçonaria Filosófica e o
agravamento dos embates entre Maçonaria e as igrejas cristãs,
sobretudo a Católica. Também é narrada a oposição à Maçonaria
por alguns Estados europeus na modernidade.
O terceiro capítulo, entretanto, destaca-se pelo esforço de
análise, na busca da resposta ao que foi proposto como objetivo
da obra: as causas da rejeição e da desconfiança da cultura Con-
temporânea em relação à Maçonaria. A explicação reside, so-
bretudo, no que Marcel discutiu em suas primeiras pesquisas,
divulgadas em artigos acadêmicos, a saber, a queda do simbólico
na contemporaneidade.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Para o seu coroamento, o autor traz ainda no capítulo três


uma fundamentada interpretação de símbolos usados pela Maço-
naria (como o pentagrama, o compasso e o esquadro), ou de um
símbolo erradamente atribuído a essa (o bode). Faz isto com base
na Antropologia e na psicologia de Jung, cotejando esta interpre-
tação científica com a da própria Maçonaria e a de alguns textos
ditos antimaçônicos.
Convido o leitor a ler, conhecer e debater este importante
livro sobre a nossa própria dificuldade em compreender a dimen-
são simbólica da existência humana, dificuldade que está na ori-
gem de incompreensões, preconceitos e desvarios, e não apenas
contra a Maçonaria, tema desta obra. Diante do vislumbre desta
importante dimensão cultural, a simbólica, pode o leitor se por-
tar com o mesmo deslumbramento com que o autor, por vezes,
incorre diante de algo tão grandioso. O texto se empenha em de-
finir e transmitir ao leitor o magnífico do mundo dos símbolos,
ainda que seja preciso reconhecer os limites da palavra diante de
algo muito portentoso que precisa se expressar.
Ao mesmo tempo, Marcel pouco esconde a decepção com os
homens e mulheres reais de nosso tempo, tão pequenos ao negar
valor ao que nos é tão valioso. Ao negar o simbólico, o huma-
no se apequena, acende fogueiras, institui inquisições, fomenta
perseguições, mutila a si próprio, negando o caminho de sua
própria individuação, da sua autenticidade. Que o livro nos ajude
a reencontrarmo-nos e a dissipar estes e outros preconceitos.

Luís Antonio Groppo


Professor da Unifal-MG (Universidade Federal de Alfenas).
Pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimen-
to Científico e Tecnológico). Doutor em Ciências Sociais pela
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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Prefácio da segunda edição

Faz pouco mais de cinco anos que ousei em lançar esse peque-
no estudo que realizei durante minha graduação em Psicologia
(2010-2014). Digo que “ousei” pois só uma pequena quantidade
de estudantes decide publicar um trabalho de iniciação científica,
justamente por tratar-se de uma “iniciação” à escrita e à pesquisa
acadêmica. Desse modo, o trabalho de iniciação científica per-
manece suscetível a vários “enganos” sendo que, de fato, esses
“enganos” ocorreram comigo também. Por isso, e por um bom
tempo, pensei em deixar esse estudo de lado e produzir artigos
que seriam publicados em revistas acadêmicas, de modo que eu
pudesse realocar e reconsiderar alguns apontamentos um tan-
to “obscuros” desse texto. Mas minha opinião mudou depois de
constatar que, passados esses anos, tendo mantido meus estudos
em torna da temática dos símbolos – mas não propriamente dito
a Maçonaria – entendi que uma segunda edição deste trabalho
poderia surgir.
Fiquei entusiasmado quando li o prefácio do livro “Estu-
dos de Iconologia: temas humanísticos na arte do Renascimen-
to” de Erwin Panofsky em que o autor revela que passou pelos
mesmos dilemas que hoje tenho passado. No prefácio para uma
nova edição do referido livro, Panofsky comenta que era muito
di�ícil a tarefa de voltar para sua obra que já havia sido publicada
há vários anos – para ele sua vontade era a de reescrever todo o
livro, intento este que seria impossível. Algo muito semelhante

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

ocorre comigo nesse momento. Tenho me desenvolvido na es-


crita acadêmica e em novas leituras, e como todo ser em evo-
lução, tenho tentado me aprimorar na pesquisa científica. Por
isso, voltar a um texto, fruto de uma iniciação científica, é uma
tarefa e tanto. Mas longe de desprezar esse trabalho meu desejo
é de valorizá-lo, já que se trata de uma pesquisa honesta fruto de
muita aprendizagem. Tendo esse desejo em vista, resolvi lançar
essa segunda edição1.
O leitor não encontrará modificações estruturais e nem con-
ceituais no livro. Essa nova edição foca apenas no acerto de al-
guns erros tipográficos e ortográficos. No entanto, acredito que
me seja permitido nesse novo prefácio indicar algumas falhas do
meu texto. Primeiro, percebo no meu trabalho que não me apro-
fundei – confesso que por falta de tempo – na análise de muitos
termos utilizados como, por exemplo, “misticismo” e “esote-
rismo”. No caso, o termo “esoterismo” seria o mais apropriado
para ser utilizado em todo o texto, em contraposição ao termo
“misticismo”. Isso é justificável pois o misticismo é muito mais
difundido entre as “religiões tradicionais” como no Cristianismo,
em que encontramos a chamada “mística cristã”, do que o “eso-
terismo”, propriamente dito, que se enquadraria melhor para se
referir, por exemplo, aos símbolos maçônicos – embora não seja
errado dizer que exista o “misticismo maçônico”.
Outro ponto consiste em um erro interpretativo que fiz no
capítulo três com a ideia de Mircea Eliade, em que argumentei
que este estudioso postulou a não existência de relação entre os
símbolos e o homem contemporâneo‥ Isso de fato é um en-
gano, o que iria na contramão do meu próprio estudo. O que
este estudioso das religiões propõe é justamente a existência da
relação entre o indivíduo contemporâneo e os símbolos, porém,
⒈ Devo agradecer profundamente ao prof. Victor Veríssimo pela leitura pacienciosa deste
trabalho, bem como suas preciosas dicas e o incentivo que me deu para publicar essa
segunda edição.

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o que há é um “afastamento” ou não compreensão dos símbolos


pelo homem da atualidade. O argumento de Eliade é justamente
o que desejei demonstrar no que denominei como a “queda do
simbólico”, ou seja, a não compreensão da “linguagem” dos sím-
bolos, o que gera, no meu ponto de vista, a intolerância religiosa,
por exemplo. Ou mesmo questões de cunho psíquico que Carl
Gustav Jung tanto enfatizou ao apontar, entre outras coisas, que
o homem mergulhado na cultura tecnológica, nas informações
instantâneas, ou mesmo na própria sociedade de consumo, deixa
de lado, ou reprime para o inconsciente, questões subjetivas de
sua existência, muitas vezes expressas em formas de símbolos; o
resultado dessa “repressão”, ou falta de expressividade simbóli-
coafetiva, é facilmente percebido pelos inúmeros distúrbios psi-
cológicos que crescem na população mundial.
É claro que esse trabalho visou mostrar o preconceito em
torno da Maçonaria e, consequentemente, em torno dos símbo-
los e sua linguagem, isso não indica que aqueles que combatem
a Ordem maçônica possuam desordens de cunho psicológico.
Nossa tese utilizou-se da teoria junguiana justamente porque
seus estudos não abrangem somente questões de psicopatolo-
gia, mas, também, se abrem para a análise de outras temáticas,
como da religião. Embora, é claro, que a religião, a intolerância
e o fanatismo religiosos e os distúrbios psicológicos podem estar
intrinsecamente interligados, e que o que denominei – ou ao
menos tentei denominar – de “queda do simbólico” pode ser uma
explicação para essa temática que não foi demasiadamente apro-
fundada nessa pesquisa. O próprio termo “queda do simbólico
ou do símbolo” apresenta suas falhas e ao fazer essa revisão, acre-
dito que tal termo poderia ser substituído por “esvaziamento do
símbolo ou do simbólico” que, para mim, soa melhor do que o
termo anterior, ao entender que o homem contemporâneo – ape-
sar de nunca ter deixado de utilizar-se de símbolos – mostra-se

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cada vez mais distante – cada vez mais “vazio” – dessa antiquíssi-
ma “linguagem” conhecida como “símbolos”.
Do mesmo modo deve o leitor também se atentar para o uso
do termo “cristão-protestante” ou simplesmente “protestantes”.
Esse termo foi utilizado sobretudo para abordar as “novas” de-
nominações cristãs que surgiram após a Reforma Protestante.
Grosso modo, em nosso cenário brasileiro o termo “protestante”
passou a ser substituído por “evangélico”. Na época da escrita
deste trabalho decidi por evitar usar esse último termo por seus
diversos significados, o que foge bastante do “senso comum”
que utiliza o termo simplesmente para designar os cristãos que
não são católicos. Preferi utilizar o termo “protestantes” para de-
signar os não católicos, embora isso possa causar uma espécie
de confusão entre os estudiosos dos movimentos pentecostais
e neopentecostais.
Mencionei a existência de uma espécie de “iconoclastia” –
embora não use o termo – dentro das denominações “cristãs-
protestantes”. Fui influenciado, confesso, pela leitura de Jung e
sua crítica a essas denominações que, para ele, se “despojaram”
dos símbolos em seus templos. Isso não é totalmente correto se
pensarmos nas “Escrituras Sagradas” como um livro carregado de
material simbólico; deste modo os ditos “protestantes” não estão
desprovidos de símbolos. O que importa seria a maneira pela
qual esses símbolos bíblicos foram ou são interpretados: se de
maneira realmente simbólica ou literal.
Por fim considero que diversos “pontos” questionáveis po-
dem ter ficado para trás. Isso ocorreu, justamente, por não haver
tempo hábil para reformular todo o texto, sendo que essa ideia
também não foi a pretensão inicial para essa segunda edição.
Espero que os assuntos abordados nesse pequeno trabalho pos-
sam ser frutos de inspiração para outras investigações científi-
cas no meio acadêmico ou fora dele, e que tenham por regra o

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

afastamento dos ditos “achismos” e que possam trazer à luz a


fascinante temática do estudo dos símbolos contribuindo para
quebrar “tabus” e estigmas religiosos e culturais.

Marcel Henrique Rodrigues


Novembro de 2019

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Introdução

A presente obra tem como objetivo investigar o preconceito social


e religioso existente na história, sobretudo na contemporaneida-
de, contra a Fraternidade maçônica, mediante pesquisa bibliográ-
fica e documental, descartando qualquer tipo de apologia religiosa
ou filosófica. O texto é originalmente um relatório científico, fru-
to de uma bolsa de Iniciação Científica concedida pela Funda-
ção de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Por milhares de anos, a religião, com seus símbolos, ligada
à filosofia, foi a única forma de pensamento que levou à reflexão
acerca do ser humano e sua existência, buscando compreender a
essência da humanidade.
Na atualidade, a religiosidade permanece, mas os símbolos
religiosos passaram a ser, em geral, meros ornamentos sem ne-
nhum significado. As religiões, de certa forma, tendem a me-
nosprezar os símbolos, não reconhecendo neles nenhum valor
histórico e/ou filosófico.
A Maçonaria, segundo Benimeli (2010), mostrou-se, assim
como as religiões, detentora de uma infinidade de símbolos que, de
modo geral, expressam uma linguagem arcaica e de raiz universal.
Essa sociedade filosófica, que congrega homens de todas as clas-
ses sociais, que se reúnem em templos denominados “Lojas”, en-
frenta o preconceito social e religioso de modo geral. São poucos,
entre esses grupos preconceituosos, os que definem de maneira
correta a Maçonaria.

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Algumas perguntas surgem a priori, tais como: o que é a


Maçonaria? Por que existe preconceito em relação a essa? Por que
é tão importante o uso de símbolos em seus rituais? Quais são as
críticas ou preconceitos existentes em torno dela?
Mansur Neto (2009) admite que, por definição, a Maçona-
ria é uma Fraternidade filosófica discreta que congrega homens,
de diversas camadas sociais, que buscam um melhor desenvolvi-
mento de sua personalidade, bem como da sociedade em geral.
A Maçonaria se utiliza de símbolos religiosos para o desenvolvi-
mento, aprendizado e identificação entre seus membros.
O seu caráter discreto – ou, para muitos, secreto – e o uso
de símbolos místicos como linguagem e ritualísticas, já trazem
para a Fraternidade questões polêmicas e distorções por parte
dos não membros e, principalmente, por grupos religiosos que
denominam a Maçonaria como “uma sociedade secreta satânica”.
Porém, de certa forma, esse preconceito é justificável frente à
incapacidade de entendimento e familiarização com os símbolos
que a humanidade vem enfrentando. É a partir desse pressupos-
to, e com a ajuda da Psicologia e de uma revisão histórica, que
este trabalho procurará investigar de maneira científica a pro-
blemática da denominada “queda do simbólico” na contempo-
raneidade, bem como o preconceito religioso e social em torno
da Maçonaria.
Como introdução, apresentaremos sucintamente do que se
trata cada parte desta pesquisa. No primeiro capítulo será discu-
tida a dimensão simbólica do ser humano, mediante a construção
e perpetuação de símbolos, sobretudo nas religiões. A elaboração
de ritos sagrados fez com que, ainda na Pré-História, surgissem
as primeiras “sociedades secretas”, como atestado pelas pesqui-
sas de Campbell (2008b). No mesmo capítulo serão apresen-
tadas algumas sociedades secretas da Antiguidade Clássica que
influenciaram a cultura de seu tempo e as culturas posteriores.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

É verificado que muitos rituais dessas sociedades secretas e de


muitas religiões pautam-se na simbólica da “morte e renasci-
mento” dos indivíduos, o que não deixa de conferir um caráter
psicológico a tais ritos. Esta simbólica “morte e renascimento”
servia, e ainda serve, para produzir no indivíduo a sensação de
nascimento para uma vida nova, sendo que esse estilo de rito,
juntamente com os ritos de passagem, ainda é marca expressiva
na simbólica das atuais religiões e de sociedades filosóficas como
a Maçonaria.
O segundo capítulo, por sua vez, trataremos dos percursos
do misticismo no Ocidente. Nesta etapa, estudaremos um pouco
da Antiguidade e o advento do Cristianismo que, como posterior
religião dominadora, oprimiu todo tipo de religiosidade e mis-
ticismo que não era compatível com a teologia cristã. A menção
deste fato histórico torna-se importante para compreender a re-
pressão e o preconceito contra doutrinas, ritos e símbolos que
destoam da religião hegemônica. Os antigos conhecimentos e
ritos da religiosidade dita “pagã” por pouco não se perderam com
a ascensão do Cristianismo.
Em continuidade, analisaremos algumas sociedades iniciá-
ticas como a dos Templários, que, mesmo no seio da religião
cristã, sofreram perseguições por parte da Inquisição. Esta Or-
dem, como analisam especialistas, tornou-se fonte de inspiração
para a formação de futuras sociedades secretas nas eras Moderna
e Contemporânea. E, por fim, entraremos na história maçôni-
ca, que se inicia com os construtores de catedrais medievais.
Embora essa origem seja um campo controvertido e digno de
poucas certezas, podemos supor que esses construtores tenham
permeado antigos conhecimentos místicos nas próprias catedrais
que erigiram.
A análise da Idade Moderna e Contemporânea é outro pon-
to histórico importante que se somará às divergências ocorridas

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

entre Maçonaria e religião/Estado. Pudemos verificar que este


momento é muito importante como ponto chave na história do
preconceito contra a Maçonaria e outras sociedades filosóficas.
Estes pontos históricos também são importantes para compre-
endermos o caráter psicológico da questão, visto que todos os
acontecimentos históricos formaram uma maneira de pensar e
agir dos sujeitos em sua coletividade.
É na contemporaneidade que encontramos a figura de Léo
Taxil, responsável por disseminar ideias e teorias que apontavam
que, de fato, a Maçonaria seria uma seita diabólica. A figura de
Taxil foi primordial para a formação da concepção atual do ima-
ginário coletivo ocidental, que apontou a Maçonaria como luci-
feriana e adoradora do “famoso” bode maçônico. Embora Taxil
tenha se retratado e admitido a falsidade de suas histórias, essas
mesmas são ainda muito utilizadas para a “comprovação” de que
tal Ordem é herdeira de um antigo culto ao mal.
O terceiro capítulo envolve a temática central deste projeto,
reportando-se à “queda do simbólico na contemporaneidade”.
Esse capítulo traça os motivos que levaram o homem contempo-
râneo a estranhar os motivos simbólicos, sobretudo aqueles que
estão relacionados à Maçonaria, uma instituição não religiosa,
mas que se utiliza de símbolos religiosos em seus rituais, e que
está permeada de segredos e mistérios. Esse capítulo faz, a todo
momento, menção à parte histórica investigada anteriormente
nesta obra.
É muito válido lembrar que a presente obra, em momento
algum, fez ou fará apologias ou críticas a qualquer segmento re-
ligioso ou filosófico, e também não se interessa pela investigação
da existência de divindades ou forças ocultas.
Neste capítulo voltamos a explanar sobre a natureza do sim-
bólico, e que as religiões, do ponto de vista histórico, se forma-
ram mediante rituais e sacralização de diversos símbolos.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Também serão explanados conceitos como Inconsciente Cole-


tivo e arquétipos, que ajudarão a compreender o caráter inato dos
símbolos na cultura humana.
O objetivo dessa conceitualização é explanar, através de meios
científicos, os motivos pelos quais os símbolos têm sido conside-
rados por algumas denominações religiosas, como fonte de atos
de blas�êmia, idolatria e de poderes oculto-satânicos. Por isso,
utilizaremos argumentos de cientistas como Campbell (2002)
e Eliade (2011), buscando compreender por que termos como
“simbologia”, “rituais”, “ocultismo”, “paganismo” são considera-
dos sinônimos de Satanismo.
A pesquisa contou ainda com uma Bolsa de Estágio em Pes-
quisa no Exterior, BEPE, que teve vigência de 01/03 de 2013 a
30/06 de 2013, o que possibilitou uma maior abertura acadêmica
para a pesquisa que se desenvolveu no Brasil. Tal bolsa nos per-
mitiu entrar em contato com documentos históricos originais e
antigos que comprovam, no decorrer do tempo, a condenação
maçônica por diversos meios sociais, como a política e a religião.
Em suma, o trabalho não deseja fazer qualquer tipo de apologia
religiosa, doutrinária ou esotérica. Pelo contrário, utilizamo-nos de
aparato científico para compreender que a “queda do simbólico
na vida contemporânea” é fruto de um longo processo históri-
co, que abarca as noções da própria psique coletiva do homem.
E, por fim, desejamos explorar que toda a distorção em torno
da Maçonaria versa sobre uma “questão simbólica”, questão essa
que vem permeando a cultura e a história da civilização por todo
o sempre.

23
1. Algumas considerações sobre a
Antropologia dos símbolos religiosos

Antes de iniciarmos o tema da investigação, devemos fazer uma


análise, mesmo que não tão detalhada, sobre a utilização de sím-
bolos pelas grandes civilizações e religiões mundiais.
A Antropologia atual, impulsionada pelas investigações da
Arqueologia e da História, tem se voltado e dado cada vez mais
ênfase ao estudo e à análise da chamada “linguagem dos símbo-
los”. Esses estudos foram impulsionados sobretudo por Cam-
pbell (2008a), Eliade (2002), Frazer (1978), entre outros teóricos,
que dedicaram suas vidas à exploração da temática do simbólico,
que, de certo modo, tornou-se a primeira forma de manifestação
linguística, cultural e mesmo religiosa de nossos ancestrais.
Sabiamente dissertaram Santos (1959) e Campbell (2008b)
em seus numerosos trabalhos sobre a dimensão simbólica do ho-
mem. Esses pesquisadores não estudaram apenas os símbolos
religiosos em imagens concretas, como, por exemplo, o símbolo
da cruz, mas estenderam suas investigações ao simbolismo dos
mitos, das metáforas e parábolas de diversas religiões e cultu-
ras. Assim, buscaram comprovar, pelo viés da Antropologia, que
o homem é, em sua essência, simbólico, e que desde tempos
imemoriais construiu e adaptou símbolos para fins de comuni-
cação e, como atesta Campbell (2010b), para rituais religiosos e
expressão de temas subjetivos como deuses, morte e alma.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Esses citados autores vão longe e analisam possíveis símbo-


los dos primórdios da humanidade, como as imagens rupestres
do sudoeste francês, na caverna de Lascaux, onde pinturas que
foram datadas de mais de quinze mil anos atrás, poderiam ser
símbolos religiosos, como defende Campbell (2010b), que deno-
minou o lugar como “Capela Sistina da Pré-História”. Por esses
fatores, é defendido que o homem, por si só, e desde tempos
muito remotos, utilizava a linguagem dos símbolos para se co-
municar e para prestar cultos religiosos.
Defensores da tese de que o homem é, antropologicamente
motivado por ideias religiosas e por crenças na possibilidade de
intervir no ambiente em que vive utilizando-se da magia, por
exemplo, vem ao encontro da necessidade do uso da simbologia.
Entre os partidários destas teorias estão estudiosos como Eliade
(2002), Frazer (1978) e Bettencourt (1997), que defendem que o
homem é, por si só, religioso. Nunca se encontrou uma civiliza-
ção ateia, ou sem a utilização de símbolos ou ornamentos que co-
notassem alguma espécie de culto ao sagrado. Bettencourt (1997)
é categórico ao ressaltar que a Antropologia e a Arqueologia
nos levam a afirmar que o homem é intrinsecamente religioso.
Fazendo-se uma analogia ou uma metáfora, o homem seria, en-
tão, segundo estes especialistas, “geneticamente” moldado para
criar culturas em que persistissem valores religiosos e motivos
simbólicos, sobretudo por meio de imagens.
A compreensão dessa valorização dos antigos pelos símbolos
religiosos é de extrema importância para o assunto a respeito do
qual se discorrerá nesta obra. Frazer (1978), importante antropó-
logo inglês no início do século XX, escreveu sobre os costumes
dos antigos povos. Seu livro, “O ramo de ouro”, versa sobre a
importância da simbologia entre os antigos, e é nessa obra que
o autor enfatiza que os rituais, sobretudo os de magia2, foram as

⒉ O autor cita a magia como forma de interagir e manipular a natureza. Os primitivos

25
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

primeiras maneiras de o homem interagir com a natureza, o que,


segundo o autor, foi uma forma de ciência primordial, em que o
homem sentia-se capaz de manipular a natureza e até mesmo o
seu próprio destino.
Se persistíssemos na ideia da Antropologia dos símbolos,
sem dúvida, teríamos também uma dissertação da “psicologia
das crenças religiosas” ou Psicologia da religião, que igualmente
tem como postulado que o homem é, desde suas raízes, um ser
simbólico e religioso. No caso em questão, falamos da antiga
utilização de simbologia com caráter religioso, que trazia a neces-
sidade dos nossos ancestrais de se “ligarem” com o transcendente.
Assim, havia a crença de que, por meio dos símbolos, fosse possí-
vel expressar aquilo que era inexpressável, revelando desse modo
os primeiros sinais de subjetividade. Este inexpressável é bem
postulado por Jung (2008a), que muito pesquisou sobre a “psi-
cologia das crenças religiosas”. Esse autor afirma que o simbólico
é resultado expressivo da mais pura subjetividade humana, sendo
que a arte de criar símbolos foi amplamente difundida e cultuada
nos quatro cantos do mundo. Mas o que seria essa subjetividade
que levou o homem a criar símbolos religiosos?
Na concepção de Jung (2008b), essa subjetividade tem cará-
ter religioso e é universal. Com efeito, para este teórico, a noção
de pertencer ao universo, ou de encontrar explicações básicas so-
bre os motivos da existência da vida e da morte, levou o homem
primitivo a criar símbolos como forma de expressão de conceitos
mais abstratos, como “vida”, “morte” e “divindade”. Jung, em
seu livro “O homem e seus símbolos”, trata dessa necessidade
simbólica e religiosa do homem primitivo:

utilizavam-se da magia ora para fins benéficos, ora para fins maléficos. Todos esses rituais
eram envolvidos por símbolos. Frazer (1978) também acredita que a evolução da humani-
dade se dera por três fases de conhecimento: a magia, a religião e a ciência.

26
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

O papel dos símbolos religiosos é dar significação à vida


do homem. Os índios pueblos acreditam que são filhos
do Pai Sol, e essa crença dá a suas vidas uma perspectiva
(e um objetivo) que ultrapassa a sua limitada existência;
abre-lhes espaço para um maior desdobramento das suas
personalidades e permite-lhes uma vida plena como se-
res humanos. Esses índios encontram-se em condições
bem mais favoráveis do que o homem da nossa civilização
atual, que sabe que é, e permanecerá sendo, nada mais
que um pobre diabo, cuja vida não tem nenhum sentido
interior (JUNG, 2008a, p. 111).

Como temos dito, o que Jung (2008a) deseja apontar é que o


homem é essencialmente simbólico. Ou seja, desde tempos mais
remotos o homem primitivo cria símbolos, ora para comunica-
ção, ora para externalizar conceitos subjetivos, como o motivo da
vida e as angústias provocadas pela morte, o que levou à criação
de símbolos culturais, formando-se assim um conceito, mesmo
que rudimentar, de religiosidade.
Não é possível estabelecer uma data para o surgimento dos
primeiros vestígios de religiosidade, e nem para o surgimento de
símbolos religiosos, porém, Bettencourt (1997) defende a ideia
de que desde todo o sempre o homem apresentou características
de religiosidade, mesmo nos tempos mais remotos da Pré-Histó-
ria, quando estava no início de sua evolução corporal e intelectu-
al. Nesse tempo, o homem já possuía indícios de cultos religiosos
e possíveis rituais, que o integrava a uma espécie de ligação com
a natureza que o cercava. A própria Antropologia é cautelosa em
relação aos possíveis aspectos simbólicos de religiosidade e de
ritualística do homem primitivo, porém, esse ramo da ciência é
categórico ao afirmar que a religiosidade, como um fenômeno, é
uma das mais antigas manifestações da cultura do homem.

27
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

É necessário fazer um adendo a essa temática sobre religião


e Antropologia, pois, como Jung (2008a), que esteve longe de
inferir afirmações meta�ísicas em seus estudos, o que conotaria
corroborar a existência da divindade, essa obra seguirá semelhan-
te linha. Não se postulará, em momento algum, a existência ou
inexistência divina, pois tal assunto não é da alçada desta investi-
gação. Pelo contrário, esta pesquisa tem como objetivo, ao menos
em sua parte introdutória, demonstrar que a criação de símbolos
e cultos religiosos é muito antiga, e é por parte de Jung (2008b),
que foi feita a afirmação de que, na Antiguidade, o surgimento
de símbolos religiosos, e seus respectivos cultos, aponta para os
vestígios de integração psíquica do homem para com seu meio.
A própria palavra religião, em uma de suas etimologias,
como explica Paiva (2000), reporta a necessidade da humanidade
de orientar-se em sentidos sagrados. Com efeito, o termo religião
vem do latim religare, que simboliza o ato de “ligar” o homem
a um plano transcendente. O autor ressalta que o termo religião
só apareceu milhares de anos depois de sua prática, e que, nos
primórdios, os rituais ou os conceitos religiosos eram tidos como
habituais ou da natureza da horda.
Portanto, para os autores, a natureza da religião caracteriza
a humanidade por milhares de anos, chegando-se a supor que
não tenham existido civilizações ou hordas primitivas sem algum
conjunto de símbolos ou rituais que conotassem sua religiosidade.
Campbell (2008b) ressalta que a religare está intimamente liga-
da à psique humana. Os mitos (religiosos) têm a função de integrar
o homem a uma verdade psicológica muito arcaica e inconsciente.
Por base geral, temos as considerações de que os símbolos
religiosos têm, além da função religiosa, uma base psicológica,
afirmação essa relacionada ao fato de que o simbólico, de certa
forma, permite ao homem a sensação de pertencimento ao uni-
verso, ao cosmos, ou à ordem que a sociedade exige.

28
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Santos (1959) chega à conclusão de que é impossível, em


termos antropológicos, postular a não conexão entre símbolo e
religião. Campbell (2010b) amplia o conceito de Santos (1959),
relatando que uma das primeiras formas de manifestação linguís-
tica também ocorreu por meio de imagens simbólicas e que po-
dem ser encontradas, por exemplo, nas cavernas com inscrições
humanas pré-históricas. Todo esse sistema simbólico foi sendo
substituído por sinais mais objetivos, conforme atesta a evolução
da escrita, e os símbolos passaram a ter exclusivamente uma co-
notação religiosa e mística. O valor de sacralidade dos símbolos
esteve presente desde o período pré-histórico.
Lurker (2003) explicita uma outra função do simbólico, ad-
mitindo que os símbolos religiosos existem para expressar em
imagens aquilo que é inexpressável, ou seja, a própria “figura”
da divindade. Portanto, necessariamente, todas as religiões usam
símbolos, linguísticos ou imagéticos, em seus preceitos.
Campbell (2008a) e, sobretudo, Jung (2008b) revelam que o
ponto máximo ao qual a ciência pode chegar, do ponto de vista
empírico, sobre a religiosidade da humanidade, está no campo
da Psicologia e de seus símbolos. Todos os autores até aqui ci-
tados não se preocuparam em provar a existência de Deus ou a
concretude dos fenômenos da ordem do sagrado, pois isto é algo
que não compete à ciência, mas preocuparam-se em estudar a
religião como uma manifestação social, universal e psicológica.
Eliade (2002), em seus numerosos escritos sobre religiões
e símbolos, aceita a ideia de que os símbolos religiosos vêm a
ser uma das maneiras de estudar a psique na Antiguidade, pois
congregam uma forte carga de significados e crenças, expres-
sam uma linguagem que se apresenta como universal e possuem
uma forte dimensão histórica. Portanto, Eliade (2002), como os
autores já citados, concorda que estudar o fenômeno religioso
com um olhar científico é voltar-se para a Antropologia, para a
História e, sobretudo, para a Psicologia.

29
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

1.1 Os primeiros vestígios de sociedades secretas

Vários estudiosos, entre eles Campbell (2010b), apontaram pos-


síveis vestígios de sociedades secretas, existentes mesmo na pró-
pria Pré-História. Entretanto, devemos ser muito cautelosos ao
julgar ou mesmo afirmar acontecimentos e costumes que ocorre-
ram há milhares de anos. Como sabemos, apesar de numerosos,
os estudos sobre a Pré-História trazem ainda dúvidas e incertezas
acerca de como viviam nossos ancestrais. Os melhores indícios
para apontar alguns dos principais costumes daquela época ad-
vêm dos materiais arqueológicos encontrados em diversos sítios
espalhados pelo mundo todo.
Campbell (2010b) analisa, por meio do senso lógico, que
o homem primitivo, dotado de consciência, percebeu o sentido
cronológico das etapas ou fases da vida. Sendo assim, nossos an-
cestrais observaram que a vida segue um fluxo e, por entre esse
fluxo, existem diversas passagens de um estágio para o outro,
principalmente quando se analisa as etapas da existência: nasci-
mento, in�ância, juventude, maturidade, velhice e morte. Dessa
maneira, os primitivos percebiam que a vida era dotada de perío-
dos passageiros. Campbell (2010b) supõe que nossos ancestrais,
ao se depararem com estas naturais passagens de um período de
existência para outro, deveriam ritualizá-las por meio de cerimô-
nias que conclamariam a passagem daquele indivíduo para um
estágio seguinte. Por exemplo: muitas tribos de sociedades africa-
nas realizavam, e ainda realizam, os ritos de passagem de meninos
adolescentes que ingressam na vida adulta. Para Campbell
(2010a), todos estes ritos ganharam conotação mística e religiosa
e, a partir da evolução do homem, os mitos que os originaram
foram ganhando mais abrangência, a ritualização parecia marcar
uma espécie de união entre o sujeito e o divino.
Cada um desses ritos primitivos de passagem tinha como sig-
nificado o renascimento do indivíduo para uma nova etapa de sua

30
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

vida até que ele atingisse a etapa final, que é a morte. Para tanto,
segundo alguns estudiosos, como Frazer (1978), as cavernas pré-
históricas, famosas por suas pinturas rupestres, serviam como
“santuários” para esses ritos de passagem, também conhecidos
como ritos de iniciação. É o que atesta Campbell, que enfatiza
que tais ritos se fundamentavam na simbólica do retorno ao útero
materno, de nascer novamente, para uma nova etapa da vida:

É também um sinal notório nas entradas silenciosas e cor-


redores escuros do antigo túmulo real irlandês de New
Grange. Esses fatos sugerem que uma constelação de ima-
gens simbolizando a imersão e dissolução da consciência
nas trevas do não-ser deve ter sido empregada intencio-
nalmente, desde os tempos remotos, a fim de representar a
analogia dos ritos de passagem com o mistério da entrada
da criança no útero para nascer. Essa sugestão é reforçada
por mais um fato: as cavernas paleolíticas do sul da França
e no norte da Espanha – datadas pela maioria dos espe-
cialistas em 30.000-⒑000 anos a.C – foram certamente
santuários, não apenas da magia de caça, mas também dos
ritos da puberdade masculina. Uma terrível sensação de
claustrofobia e, simultaneamente, de libertação de qual-
quer contexto do mundo lá fora, assalta a mente encerrada
naqueles escuros abismos onde a escuridão não é mais uma
ausência de luz, mas uma força experimentada. E quando,
naquelas cavernas, é lançada uma luz para revelar as belas
pinturas de touros e mamutes, rebanhos de renas, cava-
los em corrida, rinocerontes lanosos e xamãs dançando, as
imagens assaltam a mente com marcas indeléveis. É óbvio
que a idéia de morte-e-renascimento – renascimento atra-
vés do ritual e com uma reorganização dos estímulos sinais
profundamente estampados – é antiqüíssima na história da
cultura (CAMPBELL, 2010b, p. 65).

31
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

O que o autor explanou é exatamente a existência da ne-


cessidade de iniciação, de contemplar certas passagens da vida
por meio de rituais sagrados que, com uma função simbólica,
produzem no indivíduo a sensação de morte e renascimento para
uma nova etapa da vida. O mesmo conceito é atestado por Eliade
(2010) que, com um amplo estudo embasado na Arqueologia,
trouxe à luz diversos ritos de iniciação que ocorriam em várias
localidades da Ásia e partes da Europa.
Eliade (2010) chegou ao mesmo resultado de Campbell
(2010b), no que se refere às grutas rupestres como santuários de
iniciação mística, e argumenta que essas iniciações eram, sobre-
tudo, voltadas para os adolescentes do sexo masculino, ou seja,
existe uma hipótese de que as mulheres estavam excluídas destes
rituais. Tal hipótese é verificada pela Arqueologia, que encontrou
diversos artefatos de uso masculino nestas cavernas, além de os
desenhos rupestres representarem simbolicamente uma espécie
de culto masculino.
Este chamado “culto masculino” da Pré-História tem uma
fundamentação clássica, que foi amplamente estudada por ar-
queólogos e historiadores. Campbell (2010b) estudou o período
das cavernas paleolíticas e chegou à conclusão de que o siste-
ma patriarcal, ou seja, aquele em que o homem era o detentor
dos poderes religiosos e da sociedade, não era universalmente
conhecido e muito menos universalmente praticado. Esse autor
avalia que em algumas sociedades primitivas da América do Sul e
da África ocidental, entre outras regiões, predominou por muito
tempo o estilo social e religioso com o poder no matriarcado.
Campbell (2008a) observa que esse sistema pode ser comprovado
em diferentes períodos históricos, por resquícios arqueológicos
em que são encontrados somente vestígios de culto feminino e
da divindade da Mãe Terra.
Campbell (2008a), assim como Frazer (1978), afirma que, em
diversas culturas pré-históricas da África, Oriente e Américas,

32
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

houve uma época em que predominou o sistema matriarcal, ou


seja, a mulher possuía o maior poder decisório na sociedade.
A Arqueologia nos mostra evidências de que o culto feminino,
por volta de 4500 a.C., se sobrepunha ao culto masculino. Histo-
riadores acreditam que o homem, ao se relacionar com a terra e
com o desenvolvimento da agricultura, percebeu a analogia entre a
capacidade de gerar a vida, que uma mulher possui, com a fertili-
dade da terra, que produzia alimento para toda a horda. Portanto,
as mulheres ganharam maior notoriedade, assumindo um sistema
matriarcal, no qual a posição do homem era secundária. Grande
parte destas afirmações se encontra em Campbell (2008a), que
analisou que as grandes construções religiosas do antigo Iraque
possuíam formas vaginais, criando uma similaridade com o culto
da fertilidade da terra. Esse simbolismo demonstra uma posição
social mais destacada das mulheres, visto que grande parte das
relíquias religiosas destes períodos é, por sua vez, em parte muito
mais relevante no que se refere ao culto do feminino. Eis como
Campbell observa o papel do homem nestas sociedades:

Os homens, em sociedades desse terceiro tipo eram quase


supérfluos e se, como afirmam algumas autoridades, eles
não tinham nenhum conhecimento da relação entre o ato
sexual e a gravidez e parto, podemos muito bem imaginar
a dimensão de seu complexo de inferioridade. Não é de
surpreender, portanto, que, como reação, sua imagina-
ção vingativa tenha criado asas e desenvolvido confrarias e
sociedades secretas, cujos mistérios e terrores foram fun-
damentalmente voltados contra as mulheres! Segundo a
visão do Padre Schmidt, os cerimoniais dessas confrarias
secretas devem ser radicalmente distinguidos das inicia-
ções nas tribos de caçadores, sendo sua função psicoló-
gica diferente, como também sua história. A admissão
dá-se através de seleção e é geralmente limitada: elas não

33
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

são para todos. “Além do mais, tendem a ser proselitis-


tas, ultrapassando os limites da tribo local, procurando
aliados e membros entre tribos estranhas e, com isso,
ocorreu, por exemplo, que tanto na África Ocidental
quanto na Melanésia, sedes de certas “confrarias” possam
ser encontradas entre tribos grandemente diferenciadas.
Como já notamos, nessas sociedades secretas masculi-
nas dá-se uma ênfase especial ao culto da caveira, que
é frequentemente associado com a caça à cabeça. Cani-
balismo ritual e pederastia são praticados comumente
e há um uso muito sofisticado de tambores e máscaras
simbólicos. Ironicamente (mas nem por isso ilógico), as
divindades mais importantes dessas confrarias são com
freqüência femininas: até o próprio Ser Supremo é ima-
ginado como a Grande Mãe, e na mitologia e na tradição
ritual dessa deusa, é desenvolvida uma imagética lunar
(CAMPBELL, 2010b, p. 263).

Essas pesquisas, desenvolvidas por diversos historiadores e


arqueólogos, vêm ao encontro da temática que esta investigação
propõe. É di�ícil propor datas exatas para esses acontecimentos
pré-históricos, assim como estabelecer a certeza de que essas “so-
ciedades secretas” de fato tenham existido, já que há limitação de
informações e comprovações históricas e arqueológicas. De toda
forma, o que se sabe é que o mundo se tornou patriarcal, ou seja,
o masculino tornou-se o polo dominador das relações sociais.
A figura feminina assumiu uma posição de subordinação perante
à masculina, algo que, ao menos em parte, permanece até os
dias atuais. Outro enigma é se essas ditas “confrarias” masculinas
tiveram alguma influência na suposta transição do matriarcado
para o patriarcado. Porém, como esclarece Campbell (2010b),
observa-se, em determinado período pré-histórico, um grande

34
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

movimento iconoclasta, em que estátuas ou ornamentos de culto


ao feminino foram totalmente destruídos, e o culto ao feminino
foi amenizado em contraposição ao novo culto, o culto à força e
à virilidade masculina.
Não nos devemos ater a essa temática. Entretanto, o que é
preciso observar é a possibilidade da existência de “sociedades
secretas” desde tempos imemoriais, além dos ritos de passagem
promovidos em praticamente todos os períodos históricos, nos
mais diversos povos.
Eliade (2010) também explorou a temática dos ritos de ini-
ciação e de possíveis sociedades secretas na Pré-História. Esse
autor investigou, sobretudo, assim como Campbell (2010b), as
cavernas pré-históricas do continente europeu, com foco nas ca-
vernas do sudoeste francês, e chegou à conclusão de que essas
cavernas funcionavam para a prática de rituais de cunho religio-
so, pois as interpretações das imagens que se encontram, dentro
delas, fornecem margem para deduzir que aqueles locais ser-
viam para ritos de iniciação. Frazer (1978), em seu célebre livro,
“O ramo de ouro”, nos diz que os ritos de iniciação na Pré-Histó-
ria, análogos aos ritos de passagem, faziam parte do cotidiano do
homem arcaico, podendo-se verificar nos mais diversos continen-
tes, ou seja, esses ritos eram mundialmente difundidos.
Cremos que seja necessário nos aprofundarmos na temática
sobre esses ritos de iniciação e de passagem. Para isso recorre-
mos a Carvalho, que expõe o conceito de iniciação dentro da
esfera religiosa:

Iniciação – Esta palavra, que vem do latim initiatio, de


initiare, designava, entre os romanos, a admissão nos mis-
térios de seus ritos secretos…. A Iniciação é a ação ou
efeito de iniciar ou de iniciar-se, ação ou efeito de dar ou
receber a noção ou conhecimento de coisas desconhecidas.

35
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Numa passagem de Tertuliano, o termo é sinônimo de


batismo. Muitas religiões antigas, sobretudo no Orien-
te, tiveram os seus Mistérios e, conseqüentemente, a sua
Iniciação. Os ritos iniciáticos não são, todavia, peculiares
à antiguidade. Durante muito tempo, a Igreja cristã dos
primeiros séculos deu ao batismo o caráter de uma ver-
dadeira iniciação e, entre os judeus, a iniciação religiosa
corresponde à primeira comunhão. Muitas seitas e socie-
dades secretas conservaram, até os nossos dias, o costu-
me da Iniciação, inclusive a Maçonaria (CARVALHO,
2000, p. 15).

Como observamos, já nas sociedades arcaicas, o homem per-


cebeu que a vida ocorria em ciclos, tanto para as plantas e ani-
mais, como para a própria comunidade, ou seja, chegou à cons-
ciência do homem que ele, como tudo a sua volta, passa por
diferentes etapas de existência. Para exemplificar e resumir, essas
passagens consistem nas etapas de nascimento, amadurecimento,
envelhecimento e morte. Sendo assim, tudo é um processo que
se inicia com o nascimento e termina com a morte.
Lurker (2003), baseado neste conceito de ciclos existenciais,
observou que o homem da Pré-História já tinha a necessidade
psicológica de se adaptar a estas etapas da existência, bem como
de sentir-se parte deste sistema cíclico. Para tanto foram criadas
as chamadas “iniciações” e as festas dos ritos de passagem que
estavam intrinsecamente relacionadas à religiosidade daquele
determinado povo. Geralmente os ritos de iniciação antecediam
os ritos de passagem. Entretanto, isso não é uma generalização,
ainda que fosse o sistema mais difundido. Também é válido
lembrar que, como afirmam Frazer (1978), Lurker (2003) e
Eliade (2010), esses ritos, sobretudo os ritos iniciáticos, que
continham caráter religioso, eram exclusivos para os homens,

36
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

pois faziam parte de sociedades de culto à caça, das quais as


mulheres não faziam parte. As solenidades de iniciação das mu-
lheres davam-se pelos ritos de passagem, cerimônias mais raras,
porém de caráter público.
A elevação do patriarcado, em detrimento do matriarcado,
fez com que as sociedades arcaicas modificassem seus ritos e cul-
tos, de acordo com a nova sociedade “falocêntrica”. Eliade nos
mostra que a diferenciação sexual e a consequente divisão de pa-
péis e posições que passariam a ser exercidos pelo homem e pela
mulher, culminou na intensificação da criação de sociedades e
ritos secretos dos quais as mulheres eram totalmente excluídas:

Para evocar outro exemplo, a separação dos sexos permi-


te-nos supor a existência de ritos secretos reservados aos
homens e celebrados antes das expiações de caça. Ritos
semelhantes constituem o apanágio dos grupos de adul-
tos, análogos às “sociedades de homens”; os “segredos”
são revelados aos adolescentes por intermédio dos ritos
iniciatórios. Certos autores acreditam ter encontrado a
prova desse tipo de iniciação na gruta de Montespan, mas
a interpretação foi contestada. Entretanto, o arcaísmo dos
ritos iniciatórios é indubitável. As analogias entre várias
cerimônias atestadas nas extremidades do ecúmeno (Aus-
trália, América do Sul e do Norte) testemunham uma
tradição comum desenvolvida já no paleolítico (ELIADE,
2010, p. 36).

É explícito o desejo do homem de criar sociedades perme-


adas por certos segredos, reservados apenas aos iniciados. Tam-
bém, desde tempos remotos, como a Arqueologia e a Etnologia
nos apontam, tais sociedades secretas praticaram a discriminação
feminina. Quanto aos ritos de passagem, que também estavam

37
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

incutidos dentro destas confrarias reservadas aos homens, os


mesmos ritos eram celebrados em ambiente público, momento
único em que a mulher poderia e deveria participar deles.
Tais ritos de passagem universalmente difundidos3 são, em
sua maioria, comemorações de entrada no novo ciclo existencial.
Como relata Lurker (2003), os ritos de passagem são comemo-
rados desde o nascimento dos indivíduos, passando por sua ado-
lescência, casamento, velhice e morte. Para finalizar o presen-
te subtítulo, é interessante mencionar a apresentação que Jung
nos fornece sobre a temática do segredo, que foi inculcada nas
sociedades secretas, como analisamos, desde tempos em que os
homens viviam nas cavernas. Para tanto, o psiquiatra suíço sa-
lienta que a temática do segredo vem a ser uma necessidade vital,
favorável ao desenvolvimento psicológico do ser humano. Assim,
resume a temática dentro de uma perspectiva psicológica, mar-
geando por um viés histórico, pois, se tal necessidade é natural
da psique humana, essa necessidade passa a ser então justificada
pela criação de “sociedades secretas”, permeadas por “segredos”,
no decorrer da história da humanidade:

A melhor maneira do indivíduo se proteger do risco de


confundir-se com os outros é a posse de um segredo
que queira ou deva guardar. Todo o início da formação
de sociedades implica na necessidade de uma organiza-
ção secreta. Quando não há motivos suficientemente
imperiosos para a manutenção do segredo, inventam-se
ou “arranjam-se” segredos que só são “conhecidos” ou
“compreendidos” pelos que têm o privilégio da iniciação
(JUNG, 2006, p. 393).

⒊ Este termo “universalmente difundido” é peculiar a Jung (2008) que será explanado
mais à frente.

38
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Desejamos incutir aqui as bases antropológicas das “socieda-


des secretas”, para, assim, nos certificarmos de que o que tratare-
mos à frente no decorrer desta investigação, não é algo moderno
ou criação da sociedade Contemporânea, mas, do contrário, estes
ritos de passagem e iniciações, em certas sociedades ditas secretas,
sempre existiram e, provavelmente, sempre continuarão a existir.
A imagem I remete ao complexo da “Quinta da Regaleira”
em Lisboa, Portugal, que é um local bastante simbólico. Seu
autor tinha o intuito de construir um local para reflexão perme-
ada de espiritualidade. Toda a Quinta é decorada com símbolos,
das mais diversas religiões e filosofias. Assim, como nas antigas
cavernas do Paleolítico, o autor da Quinta desejou expressar a
necessidade de renascimento do homem, uma forma de inicia-
ção, pela escuridão das grutas e cavernas, até chegarmos ao ca-
minho da luz, após uma caminhada pela escuridão das grutas.
(Rodrigues, 2014).

Imagem I: uma das simbólicas grutas da “Quinta da Regaleira”, em


Lisboa. Fonte: acervo do autor.

39
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

1.2 Rituais de “morte-renascimento” e a formação


de sociedades secretas da Antiguidade pagã

Discorremos até o momento sobre algumas considerações pri-


mordiais acerca da simbologia na Antiguidade relatando, sobre-
tudo, as características antropológicas da criação e experienciação
do simbólico, destacando os ritos de passagem e as iniciações
nas supostas sociedades secretas da Pré-História. Ademais, será
interessante uma investigação a respeito de dois dos rituais mais
difundidos na cultura antiga, os rituais simbólicos de morte e
renascimento, cujos símbolos, de certo modo, foram preservados
pelas tradições religiosas, chegando até nós de forma praticamen-
te intacta. Estas análises são de máxima importância para a inves-
tigação, certificando-nos de que os símbolos, ritos e sociedades
secretas não são criações recentes da sociedade, pelo contrário,
possuem um longo passado histórico e estão intimamente arrai-
gados na cultura e nos costumes dos mais variados povos.
A evolução do pensamento religioso, como aponta Campbell
(1994), ocorreu de modo gradual e, conforme o ser humano ex-
plorava a natureza, seus conceitos religiosos também mudavam.
Não abordaremos a evolução do pensamento religioso-filosófico
da humanidade, mas devemos ter consciência de que, com a pas-
sagem do tempo e o surgimento de grandes civilizações como os
babilônios, gregos e romanos, foram fomentadas algumas das
principais bases religiosas da humanidade e que perduram até
os dias de hoje. Uma característica que permaneceu nas culturas
religiosas, sobretudo entre os gregos e romanos, foi o sentimento
psicológico de pertença ao universo religioso e do domínio das
forças da natureza. Para tanto, as religiões organizaram rituais
em que o indivíduo era simbolicamente morto e ressuscitado,
ou seja, o sujeito morria simbolicamente para renascer para uma
nova jornada.

40
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Ao entender o contexto religioso das antigas civilizações, pas-


samos a compreender o que significa essa morte simbólica. Dolto
(2011) utilizou-se da Psicanálise para explicar que, continuamen-
te, nossa vida é perpetuada por mortes e nascimentos, de forma
inconsciente. A autora destaca que, por exemplo, as etapas da
existência, como a passagem da adolescência para a vida adulta,
são marcadas inconscientemente por uma morte psicológica, o
que quer dizer que estamos constantemente “morrendo e renas-
cendo”. Esse processo inconsciente deve permear a vida do sujeito
não somente em etapas de mudança cronológica, como a já citada
passagem da adolescência para a vida adulta, mas também em
nosso dia a dia, pois é visível atualmente a luta do homem contra
as adversidades da vida, como a violência, o falecimento de um
ente querido ou o desentendimento familiar, ou seja, centenas
de acontecimentos desgastantes que, de certa forma, “convidam”
a pessoa a recomeçar sua vida de uma outra maneira, que lhe
possibilite ultrapassar as barreiras di�íceis. Esse recomeço exige
sua morte simbólica, a morte do antigo estilo de vida, para que
seja possível o renascimento para um novo caminho da existên-
cia, na tentativa de construir uma vivência mais saudável.
É possível fazer um cotejo entre as palavras da mencionada
psicanalista e os antigos rituais de iniciação citados anteriormen-
te. O presente trabalho segue uma linha psicológica das religiões
e dos rituais que são tidos como fenômenos da cultura. O obje-
tivo é analisar essas crenças por um viés psicológico e histórico,
algo já tentado no item anterior, quando explanamos alguns con-
ceitos referentes aos rituais de passagem e de iniciação entre os
povos pré-históricos e citamos há pouco, com Dolto (2011), uma
possível explicação psicológica para tais rituais.
Ao voltarmos a lente para o estudo dos rituais simbólicos
de morte e renascimento, encontramos essa temática em diver-
sos povos antigos, sejam eles uma pequena tribo da América do

41
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Norte ou da Grécia e da Roma antigas, como atestaram Campbell


(2010a), Eliade (2010) e Frazer (1978), entre muitos outros que
comprovaram a existência destes rituais nas mais distintas civi-
lizações. Veremos que grande parte destes rituais era reservada
a poucas pessoas, ou seja, temos mais uma vez o surgimento de
sociedades secretas, pois o acesso a esses grupos só se dava por
meio de uma iniciação destinada a poucos.
É interessante a observação de que, o conceito simbólico de
morte e renascimento também evoluiu de acordo com a mudança
da mentalidade do homem. Até chegarmos a esse conceito, mui-
tos povos da Antiguidade, em seus rituais, promoviam a morte de
centenas de seres humanos em nome de diversos deuses e na espe-
rança de que, sacrificando-os, renascessem para uma vida melhor.
Encontramos em Campbell (2009) e Eliade (2011) excelentes
exemplos disso. Campbell verificou que a crença na morte e no
renascimento da alma, em uma vida melhor, é mundialmente
difundida. Os primitivos, entretanto, tomavam essa crença em
um sentido literal e de necessidade imediata. Para tanto, muitos
homens e mulheres se ofereciam em sacri�ício aos deuses para
renascer em uma vida muito melhor e renovada, em um rito de
passagem extremamente literal e “cruel”. Quanto aos Maias, em
seus jogos de bola, o capitão do time vencedor era literalmente
“agraciado” com a morte ritual, ou seja, era morto em honra aos
deuses, porém recebia a certeza de um renascimento para uma
vida melhor.
Campbell (2010 a/b) estudou profundamente o ritual do
sacri�ício voluntário e o encontrou centenas de vezes nas mais
distintas culturas, sobretudo na forma do regicídio, ou seja, a
morte de um rei. Campbell conta que, em certas regiões da Su-
méria, o rei reinava por sete anos e, transcorrido esse período,
era literalmente morto durante um ritual para que, assim, o reino
como um todo pudesse renascer sob a regência de um novo líder.

42
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Eliade (2011) nos mostra que esses sangrentos rituais eram prati-
cados em quase todas as culturas religiosas, pois, psicologicamen-
te, os sujeitos desejavam manter uma harmonia com os deuses,
mesmo que isso custasse a vida de centenas de pessoas que, em
sua grande maioria, ofereciam-se para serem sacrificadas. Outro
considerável estudioso do assunto é Frazer (1978), que analisa
rituais de sacri�ícios humanos em diversos povos.
Para não prolongarmos esse assunto, ainda que seja um tema
muito importante como fundamento antropológico dessa inves-
tigação, faremos um rápido estudo de como os literais rituais de
sacri�ício humano passaram aos simbólicos ritos de morte e renas-
cimento, o que impulsionou a formação de antigas sociedades se-
cretas que floresceram, por exemplo, na Roma e na Grécia antigas.
Campbell (2008 a/b) estudou um dos rituais simbólicos mais
antigos já registrados. Tal ritual ocorria no Egito Antigo, sendo
um exemplo perfeito de como os rituais de sacri�ícios humanos
passaram a ser simbolicamente representados. O faraó, após trin-
ta anos de seu governo, deveria morrer para renovar o império e,
com sua morte, agraciar os deuses, que abençoariam o Egito com
prosperidade e riquezas, em um ritual conhecido como festival
Sed. Entretanto, depois de serem realizados muitos rituais em
que o rei egípcio era literalmente morto, e com o processo de
evolução religiosa, os sacerdotes perceberam que tal morte não
necessariamente precisava ser literal, mas sim simbólica. Em ou-
tras palavras, o rei morria, porém, sua morte era simbólica, para,
assim, renascer juntamente com o seu império, em um ritual em
que não se derramava sequer uma gota de sangue. Dessa forma, o
faraó ressurgia perante a plateia, que assistia a todo o ritual, com
uma nova vestimenta, representando a pura renovação ou um
renascimento, tanto de sua pessoa, como de seu governo.
O ritual de Sed egípcio é somente um exemplo, como outros
rituais similares que ocorriam em diversos povos. É interessante

43
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

observar a evolução do pensamento e da dimensão simbólica do


homem, pois esse percebeu que a morte, para a renovação das
forças da vida, não tinha a necessidade de ser literalmente con-
sumada, mas sim deveria ser substituída por um ritual de caráter
psicológico-simbólico, pois o sujeito que renascia sentiria em
vida a sensação psicológica e mística deste renascimento espiritu-
al. É válido lembrar que esse ritual é também uma iniciação, pois
o sujeito renasce e, portanto, inicia uma nova e simbólica etapa
de sua existência.
Como mencionado, esses rituais são milenares, iniciaram-se
com literalidade e, aos poucos, passaram a ser simbólicos, embora
muitas culturas, como a hindu, tenham mantido alguns ritu-
ais com sacri�ícios humanos por longos séculos, conforme atesta
Campbell (2008a).
É amplamente conhecida e difundida também a temática
da morte e renascimento (ressurreição) de divindades, dos mais
variados e distintos panteões da civilização. Como observa
Lurker (2003), é di�ícil estabelecer uma cronologia exata, para
que se saiba se foram os rituais de morte e renascimento que
deram origem à mitologia dos deuses que nascem, morrem e
renascem, ou se o processo ocorreu de forma contrária, sendo o
ritual influenciado pela mitologia. Porém, como os especialistas,
sobretudo Campbell (1994) e Eliade (2011), não propõem dis-
tinções cronológicas para tal, trabalharemos com a suposição de
que a mitologia dos deuses que morrem e renascem e os rituais
que celebram este feito tenham se influenciado reciprocamente
e, finalmente, conduzido as sociedades em que se inseriram à
criação, nas antigas civilizações, de associações religiosas secretas.
Jung (2011) e Campbell (2007) estabeleceram que, em di-
versas culturas, houve a crença em uma divindade que morre
e renasce. Tal característica de mito foi tão difundida nas mais
distintas culturas, que Jung (2011) a caracterizou como um mito

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

arquetípico4, ou seja, um mito que, de certa forma, é verificado


em praticamente todas as culturas. É interessante notar que mitos
como os de Osíris, Mitra, Átis, Adônis, Dionísio, entre outros,
enquadram-se perfeitamente no mesmo mitologema do deus que
nasce, morre e renasce. É muito provável que, sob inspiração
nesses deuses, tenham sido criadas certas sociedades secretas em
que o candidato, assim como esses deuses, morria e renascia sim-
bolicamente. Os citados autores admitem que certas sociedades
secretas da Antiguidade, sobretudo na Roma e na Grécia Antiga,
traziam em seus rituais a temática da morte e do renascimento do
neófito, baseada na mitologia dos deuses.
Carpenter (2008) articula que é muito di�ícil catalogar a
quantidade de deuses, entre as mais distintas culturas, que
morrem e renascem. Mas o autor é propenso a acreditar que, na
Antiguidade, nas mais famosas civilizações, o mito de morte e
renascimento divino foi o fator mais importante para a formação
de sociedades secretas.
Não é nosso intuito explicar a mitologia das dezenas de
deuses que participam deste processo de nascimento-morte-re-
nascimento, porém, podemos citar alguns, mesmo que de uma
forma rápida.
É bem difundido, por exemplo, o mito egípcio de Osíris
que, morto e esquartejado por Seth, tem seu corpo reconsti-
tuído e ressuscitado. O famoso Dionísio grego, após ser morto
pelos Titãs, acaba ressuscitado para uma nova vida. Encontra-
mos outros exemplos, nas mais diversas culturas, como Mitra,
Adônis e Tammuz, que também se enquadram dentro da citada
temática mitológica. Campbell (2007), em seu livro “O herói de
mil faces”, explica que a jornada desses deuses que morrem e
renascem contribui para sua personificação em grandes heróis
⒋ Lurker (2003, p. 448) explica que o termo arquétipo é comum principalmente na
psicologia de Jung. Arquétipo refere-se a comportamentos psíquicos típicos, inatos ao
ser humano. Os arquétipos se manifestam principalmente em sonhos, símbolos e mitos.

45
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

mitológicos. Com efeito, o autor relata que, na mitologia, esses


deuses se sacrificaram pelo bem do homem ou prestaram algum
tipo de bene�ício ao ser humano, como no caso de Prometeu,
que, após roubar o fogo sagrado, foi condenado pelos deuses a
ser acorrentado para sempre. Assim, o homem teve a necessidade
de “imitar” os deuses, ou ao menos de representá-los em rituais
simbólicos que fizessem menção a sua morte, portanto, foram
sendo criadas sociedades religiosas que, em memória desses deu-
ses, promoviam a iniciação de homens nos segredos ou mistérios
daquela determinada comunidade.
Eliade (2010) analisou diversas sociedades religiosas que, per-
meadas por segredos, faziam menção, em especial, a um ou mais
deuses que, de certa forma, completavam a jornada de morte e
renascimento. Entre estas mencionadas sociedades encontramos
os chamados mistérios gregos de Elêusis. São “mistérios”, pois
os segredos da sociedade só eram passados àqueles que fossem
iniciados. O mito de Elêusis se dá em torno de duas divindades
femininas: Deméter e sua filha Perséfone, que representavam o
culto da natureza, do sagrado feminino da terra e da fertilidade.
O mito tinha seu ápice quando a bela e jovem Perséfone era
raptada pelo deus Hades, o dominador e guardião dos infernos.

Segundo o mito, Hades raptou a filha de Deméter, Per-


séfone, levando-a ao mundo ctônio; Deméter recolheu-se
em luto e impediu o crescimento de qualquer semeadu-
ra; finalmente, chegou-se a um acordo por intermediação
do pai dos deuses, segundo o qual Perséfone permane-
ceria um terço do ano com Hades e o resto do tempo no
Olimpo. A mudança anual do local de residência da filha
de Deméter simboliza a periodicidade do florescimento
e morte da natureza; na qualidade de Core, ela é a me-
nina dos grãos, como Perséfone (romano: Prosérpina),

46
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

a deusa do mundo ctônio. Os mistérios celebrados em


homenagem a Deméter em Elêusis ocorriam em local de
culto acessível somente aos iniciados. O arcanum, severa-
mente resguardado, somente permite conhecer algumas
particularidades. Sabe-se com certeza, apenas, que os ritos
e símbolos (não se sabe o que havia no santuário de De-
méter: espiga, falo ou colo materno) se referiam à descida e
ao retorno do mundo ctônio, e que os iniciados esperavam,
com a ajuda de Deméter, renascer para uma nova vida atra-
vés da passagem pela morte (LURKER, 2003, p. 189-190).

O mito e a ritualística do culto de Elêusis acabam por ser


uma compilação de tudo o que foi discutido até aqui. É visí-
vel que os símbolos dos arcaicos ritos de morte e renascimento
permaneceram intactos na mentalidade da Antiguidade Clássica.
Eliade (2010) atesta que, apesar de tais ritos de Elêusis terem
sido celebrados por cerca de dois mil anos, pouco sabemos sobre
sua ritualística e segredos. No entanto, o que mais importa em
termos de investigação é contemplar que, desde a mais remota
época e também no desenvolvimento das clássicas civilizações,
o homem possuía a necessidade da religiosidade, porém, havia
a necessidade adicional de enquadrar-se em sociedades secretas
para compartilhar de um segredo inviolável, segredo esse que, se-
guindo a linha da simbólica do nascimento-morte-renascimento,
tinha como função inculcar nele a necessidade de, na vida, mor-
rer e renascer diversas vezes de uma forma simbólica.
Plutarco (apud Eliade, 2010) revela a função psicológica
dos segredos que essas sociedades secretas só forneciam a seus
adeptos. Para esse filósofo, a detenção de um “segredo”, por si
só, aumenta o valor daquilo que se aprende, pois o sujeito tende
a tornar-se portador de algo que nem todos possuem, garantin-
do-lhe, subjetivamente, uma sensação de “superioridade”.

47
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Para finalizar, é importante salientar que citamos os mistérios


de Elêusis por essa ser uma das sociedades da Antiguidade que
mais persistiu no transcurso da história, em quase dois mil anos
de existência. Tal sociedade pode servir de alicerce histórico e an-
tropológico para o que será investigado no decorrer deste traba-
lho. Entretanto, embora não mencionadas aqui, a Grécia Antiga
foi palco da formação de diversas sociedades secretas, como as
dos neoplatônicos, dos pitagóricos e dos orfistas, dentre muitas
outras, todas com a mesma igualdade de iniciação e garantia de
um segredo inviolável para aqueles que se tornassem seus adeptos
ou neófitos, que, em tradução literal, significa “o mais novo pro-
sélito”, ou “aquele que nasce pela segunda vez”. (Lurker, 2003).

48
2. Investigação sobre o misticismo
ocidental. Percursos para a formação
de sociedades secretas e a Maçonaria

O primeiro capítulo tratou, antropologicamente, de questões re-


lativas às sociedades secretas, rituais de iniciação e de passagem
na Antiguidade pré-histórica e Clássica. É interessante apontar
que, embora verse sobre os alicerces antropológicos da temática
proposta, tal capítulo será essencial para que se compreenda, por
meio do viés histórico, porque na atualidade os símbolos reli-
giosos e sociedades como a Maçonaria têm causado desconforto,
medo e incompreensão. Veremos, também, como a Maçonaria
possivelmente herdou dessas antigas tradições os moldes de so-
ciedade secreta.
Antes de iniciar um rápido panorama sobre a história da
Maçonaria, é importante uma análise do cenário histórico que
precedeu o surgimento do Cristianismo e a ascensão dessa reli-
gião que, de certa maneira, se sobrepôs aos antigos mistérios, aos
antigos símbolos pagãos e às antigas sociedades secretas.
Edinger (1999) aponta para os costumes religiosos dos povos
pré-cristãos, principalmente na Roma e na Grécia antigas, que
possuíam diversas divindades, diversas sociedades de mistérios e
segredos, como a de Elêusis na Grécia, mencionada no capítulo
anterior. Estes serão elementos fundamentais que perfazem o
pano de fundo religioso da época em que surgiu o Cristianismo.

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Kinney (2006), especialista no esoterismo ocidental, argu-


menta que os povos pré-cristãos, intitulados de “pagãos”, pos-
suíam uma rica bagagem cultural, religiosa e histórica que, por
pouco, não se perdeu com o surgimento e o estabelecimento do
Cristianismo. É bem sabido que a religiosidade pagã ocidental
era caracterizada por um forte enlace entre o culto ao ser huma-
no e à natureza, ou seja, havia uma difundida crença de que a
natureza e o humano faziam parte da divindade5. Também havia
a crença de que o destino do ser humano e da humanidade, de
modo geral, pudesse ser conhecido antecipadamente com a uti-
lização do Horóscopo e da Astrologia6, que tiveram sua difusão
entre os imperadores romanos e com o Helenismo.
Esses ditos elementos místicos perfaziam grande parte das
religiões mundiais, espalhadas pelas mais diversas civilizações
e, como lembra Lurker (2003), eram classificadas em mistérios
exotéricos e mistérios esotéricos. Os mistérios exotéricos se re-
feriam ao conhecimento básico divulgado ao público leigo. Já os
mistérios esotéricos se referiam ao conhecimento aprofundado,
enigmático, e que somente era transmitido aos membros de de-
terminada religião ou escola filosófica; para tanto, era preciso
submeter-se a uma iniciação na qual o iniciado recebia todas as
orientações sobre os segredos esotéricos que lhe seriam revela-
dos, sendo que, a partir daquele momento, o iniciado renasceria
para uma nova vida, pois possuiria segredos que nenhum outro
sujeito que não fosse iniciado teria acesso.
Carpenter (2008) fornece uma extensa lista de fraternidades
iniciáticas nascidas na religiosidade pagã. Dentre elas, as mais

⒌ Tal doutrina que identifica o homem e a natureza como parte da divindade é chamada
de panteísmo.
⒍ A Astrologia, como atesta Carvalho (2000), é tão antiga quanto a história da civili-
zação. Os sumérios e babilônios foram os primeiros a observar os astros e a incluí-los
no campo da religiosidade. Podemos considerar que a Astrologia foi uma das primeiras
formas de religiosidade moldadas pela humanidade.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

famosas são: os mistérios de Mitra, os de Osíris, Hórus e Ísis, os


mistérios de Elêusis, os pitagóricos etc.
E não podemos pensar que somente os politeístas possuíam
seus mistérios e ritos iniciáticos. Pelo contrário, o Judaísmo tam-
bém estava envolvido esporadicamente em rituais de iniciação e
esoterismo, tal como a Cabala que, apesar de ter se difundido
com maior profundidade na Idade Média, tem sua origem no Ju-
daísmo da Antiguidade, segundo alguns especialistas como Grad
(1978). Essa pode ser uma boa explicação, visto que, atualmente,
têm sido feitas importantes descobertas a respeito da comunidade
de Qumran.
Em termos gerais, segundo Bettencourt (s/d b), a comuni-
dade de Qumran, ou comunidade dos Essênios, localizada no
noroeste do Mar Morto, era uma comunidade de judeus que se
retiravam para viver uma vida completamente ascética, mas, para
isso, passavam por rituais de iniciação semelhantes aos desenvol-
vidos nas grandes civilizações da época.
Esta análise torna-se importante, pois traça todo o pano-
rama de como a Antiguidade estava permeada por sociedades
iniciáticas que tencionavam a promoção do conhecimento se-
creto, ou uma vida supostamente mais plena e feliz, a partir de
um segredo conquistado e guardado. Portanto, a rápida análise
destas antigas fraternidades, que têm suas origens nos tempos
mais remotos, indica-nos que a humanidade sempre conviveu
ou teve a necessidade de experimentar aquilo que, seja o que
for, tem caráter secreto, a que poucas pessoas têm acesso ou de
que têm conhecimento, algo que não é revelado à grande parte
da comunidade. Como expõe Keightley, as sociedades secretas,
com seus segredos transmitidos a poucos, tiveram, e ainda têm,
um caráter fortemente social e psicológico; o primeiro porque o
sujeito, geralmente, ganha destaque social por fazer parte de algo
que normalmente é desconhecido pelos demais, criando-se um
ambiente de curiosidade por parte dos não iniciados:

51
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Não é, portanto, de se admirar, que esses cultivadores


tentassem guardar e preservar o conhecimento por meio
de associações secretas, as quais, além de excluir a parti-
cipação das massas em algo que considerava necessário
esconder, também serviram a outros propósitos conve-
nientes. Essas associações ofereciam oportunidades de
conferência livre, que não poderiam ser obtidas de ou-
tra forma. Boa parte do mistério e do segredo adotados
era calculada para impressionar a imaginação popular e
estimular sua reverência e admiração (KEIGHTLEY,
2006, p. 12).

Assim, é perceptível a grande variedade de sociedades inici-


áticas presente na Antiguidade. Uma curiosidade pode ser apli-
cada aos próprios pitagóricos, como menciona Rougier (1990).
Os pitagóricos, seguidores de Pitágoras, eram uma sociedade se-
creta com fins místicos e científicos. Pitágoras, além de um exí-
mio matemático, era também um homem místico, considerado
por alguns como um verdadeiro líder religioso. Sendo assim, os
pitagóricos utilizavam-se da Matemática e do “jogo” com núme-
ros, como maneiras de descobrir um conhecimento mais elevado
por meio de sua manipulação. Tais membros também se emba-
savam na Astrologia e no Horóscopo, assim como outras deze-
nas de fraternidades, para fundamentar e difundir suas doutrinas
àqueles que nelas fossem iniciados.
Na Antiguidade antes de Cristo temos, então, esse citado
fundo histórico-religioso, civilizações marcadas pelo politeísmo,
e sociedades secretas em que aconteciam as iniciações em um
determinado sistema religioso-filosófico. Como observamos,
essas sociedades, até onde se sabe, eram marcadas pelo ensino
esotérico da Astrologia e das “ciências ocultas”, como as artes
de adivinhação e Numerologia, dentre outras. Entretanto, este

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

panorama sofreu uma transformação radical com o advento


do Cristianismo.
A imagem II é um exemplo de como símbolos pagãos e
cristãos ainda permanecem fortemente unidos. A imagem revela
símbolos que estão espalhados por todo o Mosteiro dos Jerôni-
mos, em Portugal.

Imagem II: símbolos místicos e esotéricos espalhados por todo o edifício


do Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa. Interessante como os símbolos
místicos e pagãos integram-se com os símbolos cristãos. Fonte: acervo
do autor.

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

2.1 O advento do Cristianismo e a mudança no


paradigma cultural, social e religioso no mundo
ocidental

O presente tópico analisa o advento do Cristianismo e a conse-


quente mudança radical do panorama religioso do mundo ociden-
tal. Esta etapa é de grande importância, pois é um dos alicerces
históricos pelos quais podemos expor a maneira pela qual a antiga
religiosidade fora tratada pela nova religião, como antigos sím-
bolos pagãos se “transformaram” em símbolos cristãos e como
as antigas crenças, rituais, costumes e símbolos, de modo geral,
passaram a ser tidos como obras demoníacas e que necessitavam
ser extirpadas do novo panorama religioso que assim florescia.
Acreditamos que não será necessário fazer grandes conside-
rações sobre a maneira como se deu a conversão do Ocidente
ao Cristianismo. Os episódios mais importantes dessa conversão
são relatados por Campbell (2008a), que expõe duas importantes
etapas do “choque” cultural com que o Cristianismo se defrontou
frente ao paganismo. No primeiro momento, ou seja, nos primei-
ros séculos do nascimento e difusão da nova religião, verificamos
uma violenta intolerância por parte dos pagãos contra os cristãos,
tendo em vista as perseguições dos imperadores romanos e os
martírios dos primeiros santos. Rodrigues (2012) avalia que as
violentas perseguições contra os primeiros cristãos eram tão se-
veras que seus cultos passaram a ser “secretos”, para não atrair a
atenção dos perseguidores. Para tanto, utilizavam o símbolo do
peixe para indicar o local das celebrações.
Entretanto, como avalia Marques (2005), após longos sécu-
los de perseguições contra os cristãos, o Império Romano, que
já estava próximo de sua queda, encontrava-se rendido à nova
religião. Assim, sob o imperador Constantino, o Grande, no sé-
culo IV, o culto cristão passa a ser legítimo, tendo cessado todas

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

as perseguições contra seus adeptos. Há uma grande mudança


histórica, pois o Cristianismo passa a ser a religião hegemônica,
tendo então lugar as perseguições contra os cultos pagãos, ou
seja, de perseguidos, os cristãos passaram a ser perseguidores.
Existe um vasto material para relatar esse fato histórico, mas,
para esta investigação, o fato mais importante é a maneira como a
nova religião se estabeleceu. Hillgarth (2004) relata que o mundo
sofreu uma di�ícil e sangrenta transição quando houve a mudança
do politeísmo pagão para o monoteísmo cristão. A Igreja, que
aos poucos ganhava terreno e a confiança de reis e imperadores,
era totalmente intolerante a qualquer outro culto que não fosse
cristão. Templos pagãos foram transformados em igrejas, sím-
bolos, ícones e rituais foram destruídos. A crença e prática da
Astrologia, Numerologia, o misticismo antigo e todas as crenças
e concepções das antigas religiões, de modo geral, foram tidas
pelo catolicismo como doutrinas “ocultas”, portanto, “indubita-
velmente”, obras do demônio.
Podemos chamar este período de “dessacralização religiosa”,
pois, como aponta Campbell (2008a), a cultura pagã fora substi-
tuída pelo advento do Cristianismo, sociedades iniciáticas foram
proibidas e qualquer tentativa de culto às antigas divindades so-
fria sérias punições. Uma observação muito valiosa deve-se aqui
destacar: os primeiros cristãos encontraram uma cultura pagã
fortemente arraigada nos povos ocidentais. Edificar uma religião
totalmente nova seria algo impossível e, por esse motivo, adota-
ram diversos símbolos e datas festivas pagãs, somente cristiani-
zando-as. Por exemplo, a data vinte e cinco de dezembro, uma
das datas comemorativas mais importantes para os pagãos, que
cultuavam o Sol Invictus, foi adaptada para a comemoração do
nascimento de Cristo. Esse é apenas um exemplo, entre muitos
outros, de como o mito de um deus que morre e renasce era
bem conhecido na Antiguidade pagã. Desta forma, os pagãos não

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encontravam estranheza no relato da morte e da ressurreição de


Cristo. Campbell acrescenta:

Nenhum bom católico ajoelha-se diante de uma imagem


de Ísis. Mas todos os motivos míticos atribuídos dogmati-
camente a Maria, como ser humano histórico, pertencem
também – e pertenceram na época e local do desenvolvi-
mento de seu culto – àquela deusa-mãe de todas as coisas,
de quem tanto Maria quanto Ísis foram manifestações
locais: a mãe-esposa do deus morto e ressuscitado, cujas
primeiras representações conhecidas têm que ser atribuí-
das a uma data no mínimo tão antiga quanto, por volta de
5500 a.C. (CAMPBELL, 2008b, p. 45).

Para a presente investigação, que trata exatamente da chama-


da “queda do simbólico”, esse período histórico é essencialmente
importante para o entendimento atual do relacionamento entre a
humanidade e os símbolos, bem como do preconceito existente
em torno de fraternidades “diferenciadas” como a Maçonaria.
Apesar de o Cristianismo ter firmado suas raízes no Ociden-
te, extirpando todas as práticas pagãs, nem tudo estava perdi-
do. Como afirma Campbell (2008a), apesar de o catolicismo ter
abraçado diversas práticas pagãs para facilitar a conversão, muitos
indivíduos não se adaptaram à nova religião e migraram para os
países orientais, como a Índia, por exemplo, onde poderiam pra-
ticar suas crenças longe de qualquer perseguição7.

⒎ Este evento, apesar de não haver grandes estudos acerca da temática, foi apontado por
Campbell (2008a) e Eliade (2010). Os pagãos se fundiram com as crenças que floresciam
no Oriente, como a Gnose, o Neoplatonismo e o Neopitagorismo, que voltariam ao
Ocidente, com grande força, durante e após a Idade Média. As práticas dessas escolas
filosóficas eram de conhecimento do catolicismo, que as taxou de heréticas e diabólicas,
pois não seguiam os ditames do Bispo de Roma, ou seja, do papa. Como essas escolas
filosóficas se desenvolveram por meio de ritos de iniciações, em que nem todos eram
convidados e iniciados para partilhar dos segredos e mistérios dessas seitas, essas e outras

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Outro ponto importante é referente às iniciações, tão comuns


nas práticas pagãs. Ora, o Cristianismo também se adaptou a esse
aspecto cultural. Sendo assim, para que alguém se convertesse ao
Cristianismo, também havia a necessidade de passar por um rito
de iniciação, que, assim como as antigas práticas, conotava um
rito de morte e renascimento. Tal iniciação é o famoso batismo.
Assim, Jung (2011) expressa que o Cristianismo tomou a mesma
simbólica de morte e renascimento, tão comum às sociedades
iniciáticas, e a aplicou ao batismo.
Como explica Lurker (2003), o batismo cristão consiste na
iniciação do sujeito na vida cristã, ou seja, a partir do batismo o
homem morre simbolicamente para renascer em uma nova vida,
uma vida voltada para Cristo. É interessante como essa prática
assume quase que completamente as antigas práticas iniciáticas
pagãs, que possuíam a mesma simbólica – a morte e o renasci-
mento do indivíduo para uma vida melhor.
Apesar de a nova religião ter suprimido e proibido em gran-
de parte a cultura pagã, não devemos esquecer que muitos cos-
tumes pagãos foram incorporados ao Cristianismo, como dito
anteriormente. Porém, uma das grandes dificuldades dos pagãos
convertidos era assimilar a teologia cristã. Como aponta Car-
penter (2008), entre os princípios básicos do paganismo estava o
contato direto do ser humano com a divindade, pois a comuni-
dade religiosa tendia a crer que a natureza fazia parte da divin-
dade, portanto, o contato com o transcendental era mais “fácil”;
o próprio ser humano fazia parte da natureza e assim poderia
conquistar poderes e bene�ícios da divindade natural.
O mesmo autor cita que a teologia cristã se tornou radical pe-
rante à “teologia” pagã. O Cristianismo prega a não identificação
do homem com a natureza, muito menos com a divindade. Deus,

escolas esotéricas foram taxadas pejorativamente de ocultistas, o que soava no Ocidente


como sinônimo de práticas diabólicas.

57
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

antropomorficamente falando, está no céu, distante dos homens,


é Ele quem “anota” tudo de bom e de ruim que fizemos para que,
no juízo final, tenhamos a nossa justa “prestação de contas”. Por
mais distante que essa teologia estivesse dos pagãos, aos poucos
esses últimos cederam ao novo sistema de pensamento teológico.
Como já mencionado, a mudança paradigmática religiosa do
Ocidente se dera de forma bastante agressiva, tendo como fim a
vitória do Cristianismo que se tornou uma religião intolerante
a qualquer pensamento ou estudo que não seguisse a chamada
“reta fé”8. Qualquer resquício ou suspeita de práticas pagãs era
tratado pela Igreja de maneira firme e impiedosa, punindo os
acusados com sérias sanções.
Carpenter (2008) lembra que a melhor forma de o Cristia-
nismo afastar as práticas pagãs de uma vez por todas, seria por
meio da promulgação de que todas elas eram frutos do demônio,
que desejava confundir a cabeça dos homens para levá-los ao
caminho da “perdição”. A melhor maneira de incutir os novos
dogmas seria por meio desta “demonização” de toda a cultura
pré-cristã. Assim, a Igreja mostrava que, antes de seu advento,
o mundo pairava sobre a religiosidade da “mentira”, e que os
diversos deuses pagãos, na realidade, eram demônios. Não houve
muita coisa que a Igreja não tenha considerado como “obras de
Satanás”, inclusive o ato sexual. Abordada por Carpenter (2008) e
Campbell (2008b), esta temática é bastante polêmica. Entretan-
to, é amplamente conhecido que alguns cultos pagãos se realiza-
vam por meio do ato sexual, ou seja, os participantes alcançavam
o êxtase divino por meio dos orgasmos e orgias sexuais9. Com o
⒏ Bettencourt (1997) explica que a reta fé é aquela que todo bom cristão deve seguir.
Essa fé está baseada em preceitos preestabelecidos pelos concílios da Igreja, e que deveria
ser universalmente acatada pelos fiéis.
⒐ Entre os cultos em que o sexo era explícito destacam-se o culto dionisíaco e as Sa-
turnálias em Roma. No antigo Oriente, a deusa Astarte era a deusa da fecundidade e da
prostituição sagrada e, para alguns povos, o ato da prostituição era uma forma de cultuar
a deusa. (Lurker, 2003).

58
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

advento do Cristianismo, essas referidas práticas sexuais foram as


primeiras a serem abolidas, sendo que o ato sexual passou a ser
considerado tabu, pois só poderia acontecer após o casamento e
para fins de reprodução. Interessante é que esse tabu sexual per-
dura, de certa forma, até hoje na cultura ocidental.
Retomando o assunto do misticismo pré-cristão, é de conhe-
cimento de estudiosos como Campbell que os diversos escritos de
antigos filósofos da Antiguidade, como Platão e Aristóteles, fo-
ram conservados nos mosteiros medievais. Juntamente com esse
conhecimento filosófico, diversos escritos sobreviveram nessas
bibliotecas e milhares deles continham a cultura, ensinamentos,
ciência e religiosidade pagã, enfim, tudo o que era considerado
condenável pela Igreja. Estes escritos eram mantidos em bibliote-
cas secretas e com restrições de acesso para os próprios membros
do mosteiro. Um exemplo de religioso e estudioso destes impor-
tantes conhecimentos da Antiguidade Clássica foi Roger Bacon
(1214-1294), que recebeu o título de “Doutor Admirável”, por
seus exímios estudos.

Outro “experimentador” inglês altamente significativo da


época – aliás, ainda do mesmo tempo de Aquino – foi
“O Doutor Admirável”, o frade franciscano Roger Bacon
(1214?-1294), que escreveu sobre experimentos com ímãs
e, a convite de seu patrono, Papa Clemente IV (reinou
de 1265 a 1268), enviou a Roma três obras substanciais
revisando todo o campo do que ele considerava próprio
à ciência experimental. Línguas, matemáticas, ótica e a
“mais nobre” das ciências, “senhora de todas elas”, a fi-
losofia moral, são discutidas nela lado a lado com a ma-
gia, a astrologia, a potência de palavras bem pensadas e
os vôos dos bons e maus dragões etíopes (CAMPBELL,
2010a, p. 501).

59
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

O intuito de apontarmos esses estudiosos cristãos que en-


traram em contato com o conhecimento místico pré-cristão é
ilustrar que a Igreja, mesmo “monopolizando” a fé e impondo
uma única crença, não deixou que todos os antigos conhecimen-
tos se perdessem. Porém, para estudá-los, era necessário ser um
membro do clero. Os leigos, de modo geral, não poderiam entrar
em contato com esses antigos escritos, pois, na concepção oficial,
certamente cairiam em heresia ao praticar, por exemplo, práticas
de cunho “ocultista”.
Heath (2010) afirma que a Ordem dos Beneditinos também
possuía bibliotecas secretas que eram reservadas somente ao es-
tudo do alto clero. Havia discussões acaloradas entre os membros
do clero sobre a influência de conhecimentos ocultos na Bíblia
como, por exemplo, o número doze de Apóstolos, coincidente
com o número do zodíaco, e sobre a aparição de magos no nas-
cimento de Cristo, bem como a constelação que os guiou até
Belém. (Daniélou, 1993).
Estes autores lembram que, apesar de esses antigos conhe-
cimentos, ou antigas “ciências”, serem discutidos e estudados
em mosteiros, a Igreja, que até então havia monopolizado a fé,
controlava com “mãos de ferro” todo tipo de conhecimento exis-
tente entre os fiéis leigos, para que nenhum desses estudos e
práticas pagãs atravessasse para além dos muros dos mosteiros.
No entanto, isso não fora sempre possível e existiam entre o povo
resquícios desses antigos conhecimentos que envolviam magia,
Astrologia, artes de adivinhação e, para não serem descobertos
pela Igreja, formavam conventículos secretos.
Marques (2005) lembra que o medo da Igreja de perder o
poder, ou de que antigas doutrinas fizessem parte da mentalida-
de dos leigos, fizera com que essa tomasse medidas drásticas e
violentas. Sabendo da existência de sociedades secretas e de res-
quícios de doutrinas heréticas e pagãs, a Igreja criou, em meados

60
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

do século XII, os tribunais da Inquisição10. Apesar da criação dos


tribunais inquisitoriais e das inúmeras barbáries por esses co-
metidas, muitos conventículos permaneciam em funcionamento,
os antigos ensinamentos não cristãos eram estudados nas bi-
bliotecas dos mosteiros, em círculos eruditos dentro da própria
realeza medieval e, em menor medida, pelo povo simples, que se
esquivava ao máximo dos tribunais inquisitoriais que aplicavam
terríveis castigos àqueles que eram acusados de práticas ocultis-
tas, feitiçaria, Bruxaria e magia.
Matthew (2006) argumenta que, apesar de toda a opressão
cristã, o mundo ocidental já estava mudando seu paradigma. O
avanço de outras religiões, como o Islamismo, que resultou na
queda de Constantinopla no século XV, prenunciava o futuro
declínio da soberania da cristandade.

2.2 A Idade Média: os Cavaleiros Templários e os


antigos construtores de catedrais

Não podemos deixar de mencionar que a Idade Média é consi-


derada a época dos corajosos cavaleiros que, montados em seus
cavalos e trajando suas armaduras, lutavam bravamente em nome
de seus ideais. Levando em consideração a existência de cavalei-
ros no referido tempo histórico, encontramos a famosa história
dos Cavaleiros Templários, ou Ordem dos Pobres Cavaleiros de
⒑ Matthew (2006) afirma que a Inquisição Medieval havia sido criada no século XII
para combater inicialmente grupos heréticos no sul da França. Esses grupos, conhecidos
como Cátaros e Albigenses, eram cristãos, porém, estudavam sobre o misticismo pagão
e denominavam-se gnósticos. A Gnose fora uma das primeiras heresias a ser combatida
pelo catolicismo. Os gnósticos eram sincréticos e abraçavam conhecimentos do Judaísmo,
Cristianismo e paganismo. Uma de suas principais doutrinas versava sobre a oposição
entre matéria (corpo) e alma, que se chocava com as doutrinas do Cristianismo. Após
a criação do tribunal da Inquisição, posteriormente denominado de Santo O�ício, os
Cátaros e Albigenses, entre outros grupos, foram caçados e exterminados nas fogueiras
inquisitoriais.

61
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Cristo, que muito contribuiu para o panorama religioso da Idade


Média no Ocidente, e a consequente formação de sociedades se-
cretas, sobretudo no período posterior à Idade Média.
Bettencourt (s/d b) evidencia que os chamados “Cavaleiros
Templários” foram instituídos pela Igreja Romana do século XII,
com o intuito de reconquistar a Terra Santa que, até então, en-
contrava-se em poder dos árabes. Tal parte da história é bastante
famosa, sendo que esses Cavaleiros empreenderam as Cruzadas,
que se constituíam de inúmeras viagens ao Oriente, sobretudo
direcionadas à Terra Santa, a fim de tomar dos muçulmanos os
lugares considerados sagrados para o Cristianismo. A outra fun-
ção dos Templários consistia em escoltar os cristãos para peregri-
nações ao Oriente.
Devemos frisar que ao narrar, mesmo que de modo sucinto,
a historiografia da Idade Média, estamos construindo, por meio
do viés histórico, os grandes acontecimentos precedentes que le-
varam, sobretudo o Ocidente, a condenar os conhecimentos e
práticas místicas tidos como não cristãos, e, sendo assim, a his-
tória dos Cavaleiros Templários vem ao encontro dessa temática,
pois o mencionado grupo cavaleiresco tornou-se uma sociedade
de cunho secreto. Este caráter secreto terá relação direta com sua
extinção, a perseguição de seus membros e o fato de ter se torna-
do “modelo” para outras sociedades secretas, como a Maçonaria.
Como já mencionado, o grande objetivo da Igreja Católica
era a reconquista de territórios no Oriente que estavam sob o
controle dos muçulmanos. É visível, como nos mostra Marques
(2005), que havia um objetivo muito mais político do que reli-
gioso em torno dessas conquistas. Apesar dos inúmeros insuces-
sos na tentativa da tomada da Terra Santa e do completo fracasso
das Cruzadas, os Cavaleiros Templários muito se beneficiaram
com essas longas viagens pelo Oriente. O primeiro bene�ício foi
o grande ganho econômico que os Cavaleiros conseguiram com

62
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

as inúmeras pilhagens em cidades conquistadas onde, posterior-


mente, formaram uma espécie de sociedade bancária, pois, ao
retornarem para a Europa, muitos Templários passaram a prote-
ger os bens econômicos de muitos nobres.
Outro bene�ício que os Templários puderam conquistar,
como menciona Silva (2006), foi a aquisição e o estudo de mui-
tos costumes e conhecimentos que prevaleciam entre os orien-
tais, mas que não eram permitidos no Ocidente em virtude
da forte vigilância do catolicismo, que era hostil a qualquer
conhecimento não cristão ou bíblico. Assim, é certo que os
Templários entraram em contato com culturas de povos não
cristãos e seus conhecimentos esotéricos como, por exemplo, a
Alquimia, a Astrologia, a Gnose e a Cabala que, como vimos,
no Ocidente cristão eram tidos como “ciências ocultas”, portan-
to, como obras do demônio.
Após os insucessos em reconquistar a Terra Santa, os Tem-
plários regressam à Europa, principalmente à França, trazendo
consigo uma forte riqueza intelectual, advinda do contato com
outras culturas, e uma riqueza material incalculável, em ouro,
terras e outros bens.
Keightley (2006) recorda que os Templários se tornaram a
mais rica e poderosa Ordem da Igreja, superando mesmo o pró-
prio poder papal. Com esse poderio e essa riqueza em mãos, os
Cavaleiros despertavam cada vez mais a curiosidade de nobres e,
de modo geral, do povo simples. Eram frequentes os pedidos dos
mais distintos nobres para ingressarem na Ordem.
O que atraía a atenção do povo e a curiosidade dos nobres
era o famoso segredo que permeava os Pobres Cavaleiros de
Cristo. Como mencionado, os Templários, após sua derrocada
nas Cruzadas, tornaram-se uma Ordem de cunho puramente
espiritual, cabendo a eles a administração de seus bens e o zelo
da fé. Para ingressar na Ordem dos Templários, era necessária

63
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

uma iniciação, com a mesma simbólica das iniciações citadas


anteriormente, ou seja, morria-se simbolicamente para renascer
para uma nova vida.
As cerimônias de iniciação eram secretas. Como afirma Sta-
vish (2011), os iniciados se comprometiam com um juramento,
em nome de Deus, de não revelar os segredos da Ordem. Esse
ritual secreto com seu juramento vem a ser uma provável evidên-
cia de que os segredos se baseavam no conhecimento místico e
esotérico que seria transmitido aos novos iniciados. O segredo
havia se tornado a “alma do negócio” para esses nobres Cavalei-
ros, como afirma Keightley (2006).
Leadbeater (1978) explana que, após décadas de florescimen-
to, glória e riqueza, a Ordem dos Templários estava chegando
ao seu fim. Como mencionado anteriormente, os Templários se
estabeleceram na França e sua riqueza gerava a cobiça de muitos
governantes, como o rei francês Felipe IV, o Belo, que, no século
XIV, moveu um terrível processo que custou a vida de centenas
de Templários.
Como lembra Bettencourt (s/d b), a história eclesiástica fora
marcada por séculos de envolvimento entre espiritualidade e po-
lítica. Com efeito, o papa, além de um líder espiritual, era uma
das figuras políticas mais influentes da Europa Medieval. A Igre-
ja era detentora de grandes estados italianos, conhecidos como
Estados Ponti�ícios e de uma fortuna incalculável. Esse poder
temporal da Igreja foi o suficiente para atrair a atenção e a cobiça
de nobres europeus.
A cobiça surtiu efeito sobre Felipe IV, o Belo, que se en-
contrava em uma situação economicamente di�ícil e necessitava
de muito dinheiro para se restabelecer. Para tanto, voltou suas
forças contra os Templários, pois sabia que se tivesse a Ordem em
suas mãos, teria toda a sua fortuna e riqueza. O grande poder de
Felipe fez com que fosse eleito um novo papa, sendo este francês

64
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

e conhecido como Clemente V11, que se tornou um “fantoche”


nas mãos do rei.
Após a subida de Clemente à cátedra papal, Felipe pôde
iniciar uma série de acusações contra os Templários, apontados
como autores de diversos crimes, delitos e heresias. Foram acu-
sados de práticas ocultistas, de serem obrigados, durante a ini-
ciação, a cuspir na cruz de Cristo, de práticas homossexuais, de
negar a imortalidade da alma e, por fim, de adorar ao demônio;
em resumo, foram acusados pelo rei de Satanismo.

Em 1307, Clemente V, instado por Felipe, prometeu a


este fazer um inquérito a respeito dos pretensos crimes
dos Templários. O rei, porém, não esperou o procedi-
mento papal, e mandou prender aos 13/10/1307 todos
os Templários da França, inclusive o seu Grão-Mestre
Jaime ou Tiago de Molay (cerca de 2000 homens), con-
fiscando todos os seus bens (fora da França ficavam uns
1000 ou 2000 Templários ainda). Felipe exortou outros
reis a seguir o seu exemplo, e mandou aplicar a tortura
aos irmãos para extorquir deles todas as confissões de
interesse do rei. O próprio Grão-Mestre, alquebrado, e
talvez sob a pressão da tortura, exortava por carta os seus
súditos a confessar logo. Felipe dava a crer que essas me-
didas eram tomadas de acordo com o Papa, quando na
verdade eram todas de iniciativa e responsabilidade do
rei. A princípio, Clemente V protestou e exigiu a liberta-
ção dos encarcerados. Deixou-se, porém, convencer pelas
confissões extorquidas e, em fins de 1307, mandou aos
outros soberanos que prendessem os Templários e con-
fiscassem os seus bens em favor da Igreja. O próprio Papa
⒒ Keightley (2006) menciona que o antecessor de Clemente V, o papa Bento XI, morreu
de forma repentina, e muito se especula que o mencionado papa tenha sido envenenado
por ordem do rei francês.

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

em Portiers (1308) ouviu o depoimento de 72 Templá-


rios, que Felipe lhe mandara. Cada vez mais convencido
da culpabilidade da Ordem, ordenou nova perseguição;
em 1310 foram de uma só vez queimados como hereges
54 Templários em Paris; outros morriam no cárcere ou
sob a tortura (BETTENCOURT, S/D b, p. 98-99).

O processo contra os Templários tornou-se uma marca tris-


te na história da Igreja. A morte de dezenas de membros na
fogueira da Inquisição, que ocorreu em uma sexta-feira treze,
está no Inconsciente Coletivo dos ocidentais até os dias de hoje,
por considerarem tal data um dia de mau agouro. Atualmente
historiadores como Silva (2006) e teólogos como Bettencourt
ressaltam a inocência dos Cavaleiros, caracterizando o fato como
tragédia histórica:

A tragédia dos Templários é mais um testemunho do pre-


domínio do poder régio sobre a Igreja; de modo especial
evidencia que a Inquisição (a qual funcionou no caso) se
foi tornando mais e mais um instrumento nas mãos do
poder político para eliminar todos os adversários dos reis e
príncipes. Os Templários podiam apresentar suas falhas –
o que é humano; mas certamente estas não eram tão gra-
ves nem universais quanto diziam os adversários; as con-
fissões extorquidas nada significam. Nos países que não
dependiam do rei da França, as acusações colhidas contra
os Templários foram insignificantes; na Espanha (Aragão,
Barcelona) e em Chipre o processo demonstrou claramen-
te a sua inocência (BETTENCOURT, S/D b, p. 99).

As referências históricas muitas vezes apontam para a inocên-


cia dos Templários. Entretanto, mesmo que tenhamos indicado

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

a neutralidade sobre julgamentos históricos, os dados acerca do


processo contra os Templários tornaram visivelmente explícito
que o elemento que se sobressaiu foi a ganância de imperadores
e eclesiásticos.
Explorar a história dos Templários e, principalmente, a sua
condenação, é investigar os percursos históricos de como socie-
dades secretas, ou sociedades de cunho místico-religioso, foram,
no decorrer da história, perseguidas e muitas vezes aniquiladas.
É certo, como aponta Leadbeater (1978), que os Templários
entraram em contato com outras doutrinas e filosofias diferentes
daquelas pregadas pela Igreja, porém, é inexistente documenta-
ção atestando quais tipos de conhecimento esotérico essa Ordem
assim possuiu.
Stevenson (2005) admite que, após a extinção da Ordem
dos Templários, a história de seus antigos membros se torna
um tanto quanto obscura. É admitido que muitos Cavaleiros
sobreviveram, mas para onde foram e como mantiveram os seus
ideais é incerto. Portanto, entraremos em uma fase histórica em
que se trabalha com muitas suposições, devido à falta de docu-
mentação histórica.
Outro ponto importante a ressaltar é o fato de estarmos ca-
minhando para a formação histórica da Maçonaria, com seus an-
tigos pedreiros medievais, que se tornaram uma nova sociedade
secreta e que permanece até os nossos dias. Mas, como aponta
novamente Stevenson (2005), existe a necessidade de se ter mui-
to cuidado ao estudar cientificamente os percursos históricos da
formação da Maçonaria, pois é grande a existência de documen-
tos especulativos e que extrapolam o senso da realidade. Este
material dificulta a retirada do véu que recobre a verdadeira his-
tória da formação da Maçonaria. Muitos autores preferem nem
se arriscar em aventurar-se por estes caminhos, mas, nesta inves-
tigação, trabalharemos com a hipótese mais bem fundamentada,

67
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

que é aquela que liga a atual Maçonaria aos canteiros de obras


dos pedreiros medievais.
Quanto aos Templários, como já mencionado, muitos de seus
membros sobreviveram à terrível caça imposta pela Igreja e pelo
rei da França. O resultado foi uma diáspora da Ordem; muitos
se refugiaram em países como Inglaterra, Portugal e Escócia, o
que deu margem à possibilidade de que os Templários tenham
se fundido com os antigos construtores das catedrais medie-
vais. Além desta diáspora, é verificável, como aponta Leadbeater
(1978), que a Ordem Templária foi, e ainda continua a ser, a
fonte inspiradora para a formação de sociedades secretas, ou de
comunidades filosóficas e religiosas que se inspiram na ajuda mú-
tua, na preservação de segredos e de estudos esotéricos.
Agora partiremos para a história de outra sociedade que teve
grande atividade na Europa Medieval e que contava com inú-
meros segredos de o�ício. Esta sociedade era constituída pelos
trabalhadores (pedreiros) das grandes construções medievais, so-
bretudo das catedrais do estilo Gótico12. Karg e Young (2008)
lembram que é neste período Medieval que surgem as associa-
ções de maçons, porém, não como a Maçonaria que temos hoje,
mas sim uma Maçonaria dita “Operativa”.
Eis a explicação da etimologia da palavra maçom:

O nome origina-se dos ritos simbólicos secretos atribu-


ídos aos costumes dos canteiros de obra medievais; de
acordo com uma outra interpretação, a palavra inglesa
freemason designa o pedreiro mais qualificado, que tra-
balha a free-stone, a pedra destinada a ornamentar a obra.

⒓ Battistoni Filho (2007) aponta que o estilo Gótico foi a forma artística que imperou
na segunda fase da Idade Média. Tal arte está ligada ao pensamento medieval na Europa,
sobretudo à filosofia cristã da Igreja Católica e aos místicos pensadores. É a procura
do infinito, do universal, acompanhada por grandes progressos técnicos, que renovou a
estrutura das igrejas.

68
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

O manuscrito de Cooke (séc. XV) denomina a masonry


de o�ício mais antigo e mais nobre, derivado da geo-
metria, a mais prestigiosa das sete artes liberais. Uma
ou outra raiz da maçonaria também pode estar nas
corporações de o�ícios francesas (Les compagnonnages) e
em fraternidades de construtores alemãs da Idade Média;
as relações históricas são discutíveis, mas a base espiritual
e a transmissão de antigos símbolos estão fora de dúvida
(LURKER, 2003, p. 406).

Como mencionado, os primeiros maçons aparecem histori-


camente por meio das associações de pedreiros medievais que tra-
balhavam nas chamadas “guildas” e eram contratados, sobretudo,
para a construção das catedrais em estilo Gótico. Karg e Young
(2008) revelam que a sociedade dos pedreiros medievais era for-
mada por trabalhadores simples, em sua maioria analfabetos, mas
que dominavam a arte da construção, da Geometria e de outros
métodos de construção e decoração. Outro ponto relevante a ser
considerado condiz com a religiosidade destes construtores, que
devotavam suas obras a Jesus Cristo e à Virgem Maria. Portanto,
os construtores eram católicos fervorosos.
Existem uma série de documentos, como atestam Karg e
Young (2008) e Silva (2006), que comprovam a historicidade
das sociedades de construtores, os chamados maçons operativos.
Tal termo é utilizado para explorar a época em que os pedreiros
(maçons) atuavam como construtores das mencionadas catedrais
da Idade Média. Tais documentos são datados a partir do século
XIV, e possuem menções aos chamados “mistérios maçônicos”.
Estes mistérios eram relativos à arte da construção, permane-
ciam secretos e somente eram transmitidos aos construtores per-
tencentes a determinadas guildas espalhadas pela Europa. Tais
segredos, como Stevenson (2005) prescreve, eram necessários

69
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

para preservar a arte da construção somente entre os círculos


de pedreiros. Tal preservação era necessária, visto que a Euro-
pa contava com uma população de milhares de analfabetos que,
não possuindo nenhum tipo de instrução, acabavam trabalhando
como simples homens da agricultura. A participação nas cons-
truções das igrejas Góticas passou a ser, de certa forma, lucrativa,
porém, não havia emprego nestas guildas para todos que assim
desejassem. Esse é um dos motivos da criação do segredo em
torno da construção e da Arquitetura, que tinha como objetivo
a conservação dos mistérios da arte da Geometria, Arquitetura e
Aritmética, que eram os principais ensinamentos expostos du-
rante a construção de um monumento.
Leadbeater (1978) comenta que esse “segredo arquitetônico”
tinha como principal objetivo a preservação da arte sagrada de
construir. Os maçons construtores, assim como antigos povos,
viam nessa arte uma maneira de glorificar a Deus mediante o uso
de instrumentos e ciências “sagradas”, como a própria Matemá-
tica. Campbell (2008a) aponta que, desde a Antiguidade, princi-
palmente entre os antigos egípcios, babilônios e mesopotâmicos,
a Matemática era tida como a mais pura ciência entre todas as
ciências, pois, com ela, era possível medir, verificar e estudar a
natureza que, para os antigos, fazia parte da própria divindade.
Assim, a arte de construir, desde a Antiguidade, ganhou uma
sacralidade especial. Campbell (2008a) investigou que, desde
tempos remotos, a arte da construção era considerada a imitação,
ou a representação do macrocósmico no microcósmico13, ou seja,

⒔ Campbell (2008s) utiliza-se destes termos para se referir a tudo aquilo que é externo
ao sujeito, ou seja, o mundo, as constelações, a natureza, a divindade, que é tido como
macrocósmico, pois abrange tudo, inclusive os mistérios da natureza que ainda não foram
conhecidos e explorados pelo homem. Já o termo microcósmico é tudo o que é relativo ao
ser humano, como sujeito que participa do macrocósmico, mas que se rende aos mistérios
da natureza, assim, toda a representação que o homem produz, seja uma obra de arte ou
a construção de um templo, é uma representação simbólica do macrocósmico, por isso, a
arte de construir, desde os antigos, era a mais pura arte, pois era a maneira de representar

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

o que o homem reproduzia na terra, por meio da construção de


templos e santuários, era tido como uma obra sacra, pois pela
Geometria se poderia alcançar a estética perfeita, em que, misti-
camente, o divino se encontrava com o humano.
A “sacralização” da Geometria já era amplamente conheci-
da na Roma Antiga, sobretudo com o arquiteto Vitrúvio, como
menciona Mann (2006). Tal arquiteto escreveu e explorou em
seus tratados assuntos relacionados à Arquitetura e à proporção,
o que influenciou todo o mundo ocidental por milênios.
É di�ícil ter certeza de que as obras de Vitrúvio influenciaram
nas construções das catedrais na Idade Média, visto que, como
já mencionado, grande parte das obras do período pagão ficou
enclausurada nas bibliotecas dos mosteiros. Porém, muitas das
ideias e conceitos similares aos de Vitrúvio foram incorporados
nessas construções proporcionadas pelos pedreiros medievais.
Centralizando nossos estudos, devemos voltar aos grêmios
de pedreiros medievais. Stavish (2011) argumenta que esses pe-
dreiros utilizavam-se de técnicas de construção similares às dos
antigos povos em que os elementos religiosos e cosmológicos
misturavam-se aos elementos da Arquitetura e da Geometria.
O mesmo autor mostra que esse conhecimento de construção
passou a ser secreto, pois tinha caráter sagrado, portanto, não
eram todos os indivíduos da sociedade que entrariam para esses
grêmios ou corporações de pedreiros, ou passariam a conhecer
as técnicas de construção. Esse secretismo que começou a en-
volver os pedreiros medievais, ou os chamados maçons, tinha
dois grandes motivos. O primeiro concerne à valorização de seus
trabalhos e conhecimentos, tornando-se esta uma sociedade

o macrocósmico e, ao mesmo tempo, glorificar a Deus. Para exemplificar, verificamos


incríveis construções como as Pirâmides do Egito, os Zigurates da Babilônia, os templos
da América pré-colombiana, Stonehenge, que, quando estudadas, possuem medições que
se assemelham aos conhecimentos astronômicos da época, sendo que esses monumentos
eram utilizados para fins religiosos.

71
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

respeitada e requisitada em todos os lugares em que uma igreja


ou monumento seria construído. Já o outro motivo, que acabou
de ser explanado, versa sobre a maneira como esses pedreiros en-
tendiam a construção de uma igreja, conferindo-lhe um caráter
sagrado, em que elementos místicos misturavam-se aos elemen-
tos da arquitetura.14
Após a concessão e a devida realização da bolsa BEPE (Bolsa
de Estágio em Pesquisa no Exterior), ocorrida em Lisboa entre
os meses de março a junho de 2013, houve a oportunidade de
explorar um pouco mais sobre a questão das construções me-
dievais e a formação desses canteiros de trabalhadores em pe-
dras que, segundo estudiosos, formavam sociedades secretas que
operavam por toda a Europa, na construção de castelos e igrejas
no período Medieval.
Um dos principais monumentos portugueses cuja estrutura
remonta ao final da Era Medieval é o Mosteiro dos Jerônimos.
Como se tem discutido, existe a hipótese de que esses pe-
dreiros, além de trabalharem na pedra, formavam um clube filo-
sófico que se aprofundava no estudo dos símbolos e do esoteris-
mo. Os frutos desses estudos eram difundidos com a simbologia
cristã, mesclando assim, de forma sutil, a arquitetura do local
com símbolos cristãos e o esotérico-pagão.
⒕ Não podemos deixar de mencionar a temática denominada “Geometria Sagrada”.
Heath (2010) estudou esse tipo de Geometria e chegou à conclusão de que, desde os
povos antigos, a Geometria tinha um caráter sagrado. A Matemática estava a serviço dos
construtores que desejavam encontrar a “proporção divina”, ou o número perfeito que
forneceria os moldes para as mais belas construções. Os antigos que desejavam buscar essa
harmonia divina encontraram-na em muitos aspectos da natureza, como na própria pro-
porção humana, ou seja, a perfeição do corpo humano, em motivos geométricos como os
pentagramas, hexagramas, hexágonos, combinados com elementos numéricos calculados
por meio do calendário e da Astrologia. Um número estabelecido como Proporção Áurea
é o de 1:1,6⒙‥, que fora encontrado nos templos construídos no Egito e na Grécia. Esse
número é encontrado em diversas construções medievais erigidas pelos antigos pedreiros
(maçons), o que vem a comprovar a tese de que tinham como divina a arte de construir,
e que tal arte não poderia cair nas mãos dos não pedreiros, ou dos não iniciados na arte
da construção.

72
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Um dos especialistas que muito se aprofundou na história


deste Mosteiro foi Alves (1989), que data a fundação do lugar no
dia 6 de janeiro de 150⒉ O autor aborda que todo o monumento
foi sendo construído aos poucos, ou seja, a ornamentação ocorreu
de modo gradual. Sendo assim, não é possível afirmar com clareza
científica que um determinado grupo de pedreiros tenha influen-
ciado com simbologia pagã a decoração do Mosteiro, se bem que
é evidente a utilização de símbolos não cristãos na estrutura.
Entretanto, o autor chama a atenção para o magnífico plano
arquitetônico do local, sobretudo pela impressionante projeção
que o sol faz sobre o Sacrário:

Mas comprazem-se, particularmente, no que acontece em


duas épocas do ano, ou seja de 13 de fevereiro até 20 dias
antes do equinócio da Primavera, durante quase um mês; e
de 28 de Outubro até ao 30º dia após o equinócio do Ou-
tono, durante mais de um mês. Então, desde a hora de vés-
pera até ao pôr-do-sol, “seus raios de ouro, entrando pela
parte ocidental, na distância de 450 passos, por linha direta
de todo o côncavo do dormitório, coro e igreja, até ao sa-
crário, fazem mais vistoso todo o pavimento, do que se um
ourives o dourasse a fogo. Parece pedir licença o Sol a seu
Criador para ausentar-se nas breves horas nocturnas, de tão
insigne convento, prometendo que logo ao nascer o tornará
a ilustrar…” (Frei Diogo, apud ALVES, 1989, p. 45).

Todo este relato é facilmente percebido durante uma visita


ao Mosteiro. A maneira como a luz penetra pelos vitrais dá uma
sensação de grande luminosidade ao local. Não há dúvidas de que
os construtores deste Mosteiro tinham conhecimento astronô-
mico para confeccionar tal estrutura, que faria com que os raios
solares iluminassem o Sacrário em determinado período do ano.

73
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Por outro lado, notamos que toda a simbologia que adorna o


local está muito próxima de um culto à natureza. É possível ob-
servar diversas figuras de animais, figuras antropomorfas em meio
à vegetação, figuras em que o animalesco se mescla às formas do
corpo humano. Enfim, existe dentro e fora do Mosteiro toda uma
simbologia atípica à simbologia cristã. É evidente, e sem sombra
de dúvidas, que existem muitos elementos pagãos fundidos aos
símbolos do Cristianismo no Mosteiro dos Jerônimos.
Há bastante dificuldade para afirmar que a simbologia do
Mosteiro advém de um grupo específico de pedreiros que dese-
jou incutir antigos conhecimentos ocultos. Essa dificuldade se
dá pelas inúmeras alterações pelas quais a estrutura do edi�ício
passou ao longo dos séculos. Principalmente os abalos sísmicos
fizeram com que o edi�ício fosse reformado, ou parcialmente re-
construído, mais de uma vez.
Alves (1989) confirma a dificuldade em conhecer com exa-
tidão o que cada símbolo do Mosteiro realmente significa. Es-
tranhas figuras antropomórficas e teriomórficas estão espalhadas
por todo o local. Muito provavelmente, seu real significado tenha
se perdido, porém, dentro de um contexto antropológico e da
“psicologia das crenças religiosas”, as imagens nos levam a crer
que se trata de um culto à natureza.
Devido a essa dificuldade e a não exatidão do que realmen-
te significam os símbolos expostos no Mosteiro dos Jerônimos,
partimos para outro curioso jogo simbólico que de maneira bem
mais singela o adorna.
Para expormos sobre estes símbolos ou sinais, é interessante
lembrar o que seria a “Maçonaria da Marca”. Os estudiosos Pres-
cott et al. (2011) relatam que, durante o período das construções
das antigas igrejas medievais, os pedreiros ou maçons operativos
adotavam certos sinais, ou signos próprios, para registrarem seu
trabalho em pedra. Ou seja, cada pedreiro tinha um sinal que lhe

74
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

era próprio. O objetivo desse sinal era identificar o trabalho que


um determinado pedreiro realizava. Sendo assim, se um pedreiro
talhasse uma pedra, ele a assinava com seu sinal. Isso servia para
identificar o trabalho daquele determinado trabalhador e, assim,
conferir-lhe o pagamento pelo serviço prestado.
Perante essa explicação, encontramos no Mosteiro dos Jerô-
nimos as ditas marcas em muitas pedras. Essas marcas são sinais,
nem sempre identificáveis, como cruzes, números romanos e até
mesmo o próprio esquadro e o compasso.
Um dos sinais que conseguimos identificar é o símbolo as-
trológico de Saturno, o que pode indicar que estes pedreiros
tinham, de fato, algum conhecimento esotérico, como atestam as
fontes bibliográficas atuais.
É impressionante a quantidade de símbolos que se encon-
tram espalhados pelo Mosteiro. Ante essa grande quantidade de
símbolos, as interpretações para os mesmos são inúmeras. Entre-
tanto, parece-nos evidente que a simbologia do local deseja evo-
car algo além da típica tradição cristã. É muito comum encon-
trarmos figuras de demônios, seres em transformação alquímica,
entre outras imagens atípicas para uma igreja cristã.
É importante mencionar que a arte renascentista que, segun-
do Alves (1991), influenciou a decoração do Mosteiro, tencionava
uma retomada do antigo conceito de religiosidade que remonta
ao período pré-cristão. Essa antiga concepção tende a valorizar os
aspectos da natureza e os traços do corpo humano, reintegrando
o homem a ela.
Esta concepção de religiosidade é encontrada na simbologia
do local. Podemos fazer um paralelo com o desenvolvimento dos
estudos das antigas tradições esotéricas, que permearam todo o
período renascentista, principalmente com a redescoberta de tex-
tos gnósticos e platônicos, como afirma Fulcanelli (2007).
Esses autores, que sustentam que a arte Gótica e do Renas-
cimento foram influenciadas pela retomada de antigos conceitos

75
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

religiosos, podem estar imbuídos de total razão após uma vi-


sita a um sítio como o dito Mosteiro. Os símbolos que lá se
encontram, além de apresentarem uma nítida ligação do homem
com a natureza, apresentam-se também com uma atmosfera de
mistério, pois é possível encontrar, com muita facilidade, seres
com formas demoníacas e outros símbolos que evocam a trans-
formação espiritual do homem. Segundo Fulcanelli (2007), estes
símbolos, conhecidos como símbolos herméticos, possuem ideias
e conceitos extremamente complexos, que levam o homem a uma
verdadeira busca espiritual, por meio da reflexão e contemplação
silenciosa do simbólico.
Em conclusão, é possível verificar muitos símbolos místicos
em todo o local. Esses símbolos não são comuns no seio da sim-
bólica cristã, pois apresentam, por exemplo, demônios em muta-
ção, ou seres femininos com corpo de animal. Isso nos leva a crer
que conhecimentos ou tradições não cristãs tenham influenciado
os decoradores do Mosteiro dos Jerônimos.
Embora a atual história da Maçonaria evoque para si a pro-
priedade da construção e disseminação da simbologia esotérica,
principalmente na construção de igrejas medievais, não podemos,
com evidências históricas, implantar esse conceito na simbólica
do Mosteiro dos Jerônimos, pois esse é datado de um período
posterior à Idade Média. Entretanto, como menciona Gandra et
al. (2001), as marcas ou sinais inseridos nas pedras que susten-
tam o edi�ício nos indicam que os antigos pedreiros medievais,
de fato, faziam uso de sinais para marcar sua obra, levando-nos
a crer, assim, que existia uma classe de trabalhadores operando
mutuamente na construção de igrejas e que se denominavam ma-
çons, ou pedreiros operativos.
É importante apontarmos para essa simbólica esotérica
que adorna um dos mais destacados monumentos religiosos de
Portugal, essa simbólica que, para muitos, é julgada como pagã

76
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

e, por isso, satânica. No entanto, tal simbólica não é utilizada


somente por atuais sociedades filosóficas como a Maçonaria, mas
também para adornar templos cristãos, criando-se uma mistura
simbólica entre o “sagrado e o profano”, mas somente um estu-
do aprofundado da temática pode nos revelar algum significado
oculto dessas imagens que tiveram suas origens em um período
denominado renascentista, em que se proliferou o estudo das
antigas e místicas religiosidades pagãs.
Apesar da simbologia que orna este monumento, não po-
demos afirmar, como já mencionado, que se trata de símbolos
postulados pelas sociedades secretas de pedreiros medievais.
Entretanto, as singelas marcas encontradas nos alicerces deste
monumento, e de outros espalhados pela Europa (Inglaterra15,
França, Itália), comprovam a existência dos construtores que,
muito provavelmente, formavam um corpo forte dentro da socie-
dade e que, segundo fontes bibliográficas, podem ter influenciado
a formação de clubes filosóficos e iniciáticos, com estudos pau-
tados no esoterismo. A imagem III também remete ao Mosteiro
dos Jerônimos, em Lisboa, que reproduz uma série de sinais em
suas fundações. Na imagem encontramos um peculiar sinal, se-
melhante ao esquadro e o compasso. Tais sinais podem ser uma
prova histórica da existência da chamada “Maçonaria Operativa”,
ou seja, daquela associação de pedreiros que formavam um forte
grupo de construtores medievais. (Rodrigues, 2014).
A imagem IV revela a Capela Rosslyn, nos arredores de
Edimburgo, Escócia, que talvez seja a Capela mais fascinante
para estudar a existência dos maçons operativos ou pedreiros
⒖ Tem-se em vista sobretudo a Capela Rosslyn, na Escócia. Essa pequena Capela, loca-
lizada nos arredores de Edimburgo, tem sido estudada e analisada por muitos especialistas
nos últimos séculos. É o que exploram Butler e Ritchie (2006), relatando que a Capela,
cuja construção remonta à Idade Média, é uma comprovação da existência de uma socie-
dade de construtores que compartilhavam ideias e concepções místicas que foram enta-
lhadas no edi�ício, além de apresentarem os sinais em pedra, similares aos encontrados no
Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa.

77
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

medievais. Sua simbólica e sua história já foram temas de filmes


e de dezenas de livros. Da mesma maneira em que encontramos
os sinais nos alicerces do Mosteiro dos Jerônimos, encontramos
na referida Capela.
Já a imagem V, revela o interior da Rosslyn, onde encontra-
mos os mais diversos e enigmáticos símbolos esotéricos. A diver-
sidade e a quantidade de tais símbolos levantaram diversas teses
sobre a construção da Capela. As mais diversas pesquisas revela-
ram muitas curiosidades do local, inclusive, uma espécie de “par-
titura” musical que fora encontrada em meio a toda a simbólica.
Tais enigmas, presentes nessa construção, como em dezenas de
outras espalhadas pela Europa, concretizam a tese de que os an-
tigos construtores medievais formavam, além de uma equipe de
construção, uma espécie de clube filosófico e místico.

Imagem III: sinais como este se espalham pelas fundações do Mosteiro.


Fonte: acervo do autor.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Imagem IV: a simbólica e enigmática Capela Rosslyn, nos arredores de


Edimburgo, Escócia. Fonte: acervo do autor.

Imagem V: no interior da Rosslyn, encontramos os mais diversos e enig-


máticos símbolos esotéricos. Fonte: acervo do autor.

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M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

2.3 A Era Moderna: o surgimento da Maçonaria


Especulativa e seus embates com as igrejas

Chegamos a uma importante parte da investigação. Este é o mo-


mento em que a Maçonaria deixa de ser Operativa e passa a ser
filosófica. Esse momento histórico, como menciona Benimeli
(2010), foi marcado pela queda do estilo arquitetônico Gótico,
estilo em que os pedreiros medievais, ou maçons, operavam. Esta
transição do operativo para o filosófico, no século XVI, é bastante
discutida entre os acadêmicos, por existirem muitos documentos
divergentes. Entretanto, como afirma Benimeli (2010), há provas
de que estas corporações de pedreiros medievais, imbuídas de
todo o misticismo e de possíveis conexões com os Templários,
não se permitiram desaparecer da história e, para manter suas
tradições, passaram a iniciar indivíduos que não eram pedrei-
ros propriamente ditos, mas sim membros da sociedade que se
interessavam pela nobre arte dos antigos construtores.
Stavish (2011) concorda com as ponderações de Benimeli
(2010) e demonstra que a sociedade europeia do século XVI pas-
sava por profundas mudanças que englobavam questões sociais,
políticas, científicas e religiosas. O mesmo acontecia dentro do seio
da Maçonaria Operativa que, enfraquecida pela queda do estilo ar-
quitetônico Gótico e pelas próprias divisões na Igreja, como ilustra
a Reforma Protestante, foi levada a iniciar membros da sociedade,
que não estavam familiarizados com a arte da construção. O caso
mais conhecido é o de Elias Ashmole (1617-1692), considerado
o “primeiro maçom” não operativo. Este personagem fora um
antiquário inglês e um apaixonado por Astrologia, ocultismo e
Alquimia, e iniciado dentro dos círculos dos pedreiros medievais,
passando a integrar o que viria a ser chamado de maçom Aceito16.
⒗ Este termo, como menciona Stavish (2011), é utilizado até os dias de hoje. O ter-
mo designava os indivíduos que não eram familiarizados com o o�ício de pedreiro pro-
priamente dito, mas que eram aceitos nas antigas corporações operativas, motivados por

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

A iniciação de Ashmole é apenas um exemplo das demais inicia-


ções, que ocorreram durante os séculos XVI e XVII. Grande parte
dos maçons Aceitos era composta por membros da alta sociedade
que estavam instigados a descobrir o “segredo” tão velado, dos fa-
mosos construtores de catedrais.
Em suma, podemos complementar salientando que, a partir
do século XVI, as transformações da sociedade obrigaram os
antigos construtores a modificarem muitos aspectos de sua cor-
poração, ou seja, para não serem extintos, decidiram por bem
criar um clube filosófico, a partir de iniciações de membros da
sociedade. Toda a simbologia empregada na arte da constru-
ção começou a ganhar um formato filosófico e especulativo.
A demanda naquele momento não era mais a da construção de
igrejas e palácios, mas sim a construção simbólica de um indiví-
duo “perfeito”, por meio do chamado “segredo maçônico” e da
utilização da simbologia esotérica17. Por meio destas iniciações,
da utilização do conceito de segredo inviolável e do uso de anti-
gos símbolos esotéricos, desencadeou-se a condenação religiosa
e até mesmo política desta sociedade que se tornava, aos poucos,
uma Fraternidade Filosófica e com membros em todas as partes
da Europa.
Benimeli trata, com muita propriedade, deste período his-
tórico conhecido como a transição da Maçonaria Operativa para
a Especulativa:

questões filosóficas. É assim que a Maçonaria deixa de ser Operativa e passa a ser somente
Filosófica ou Especulativa.
⒘ Este momento é muito importante para a contextualização do surgimento da atual
Maçonaria, e seus embates com a religião cristã. O corpo maçônico filosófico foi se for-
mando por meio de muitos segredos e conceitos esotéricos que, até séculos atrás, haviam
sido condenados pela Igreja. A junção de homens que guardavam um segredo passa a ser
vista como perniciosa e perigosa para a religião.

81
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

A passagem da Maçonaria medieval dos construtores


de catedrais (Maçonaria Operativa), cujos membros se
comprometiam em ser bons cristãos, freqüentar a igreja
e promover o amor de Deus e do próximo, para a Maço-
naria moderna (Maçonaria Especulativa), pode ser segui-
da por meio de uma série de documentos que permitem
apreciar a transição. Nós os encontramos, principalmente,
na famosa Grande Loja de Edimburgo, que realizava suas
reuniões dentro da St. Mary’s Chapel (Capela de Santa
Maria). Pois, precisamente, a St Mary’s Chapel Lodge
(Loja da Capela de Santa Maria), em Edimburgo, con-
servou seus arquivos completos desde 159⒐ E ainda exis-
tem os da Loja Mãe de Kilwinning. Esses arquivos nos
permitem constatar que, pouco a pouco, ao longo de todo
o século XVIII, apareciam nos processos verbais, ao lado
dos verdadeiros obreiros que trabalhavam a pedra, outros
personagens dos quais fica evidente que exerciam alguma
profissão de fato diferente. Assim, por exemplo, sabemos
que Elias Ashmole, um homem culto, e que provavel-
mente jamais tocou em um cinzel ou em um malho, foi
recebido na confraria dos obreiros maçons em 1646 em
Warrington, junto com o coronel Mainwarraing. Sabe-
mos igualmente que, em 1670, na Loja de Aberdeen, três
quartos de seus 40 afiliados eram advogados, médicos e
comerciantes. Exatamente nessa Loja já existia a distinção
entre os construtores de edi�ício e aqueles que se dedica-
vam às especulações sobre a geometria.
Com o tempo, os especulativos se impuseram aos ope-
rativos. Daí, essa organização profissional dos construto-
res de catedrais deu nascimento a essa outra Maçonaria,
não mais operativa, mas especulativa, que tomou corpo
a partir de 1717, e especialmente nas constituições de

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Anderson em 172⒊ O próprio Anderson supôs que era


um título de glória para a Maçonaria a presença, em suas
fileiras, de personalidades notáveis e de funcionários pú-
blicos. Nessa época, assistiam às reuniões maçônicas os
amadores da arte da construção, com o título de accepted-
masons (maçons aceitos) ou membros honorários, que nas
corporações de maçons operativos recebiam o nome de
“maçons aceitos”. Tratava-se dessas personalidades da alta
sociedade que patrocinavam e ajudavam as corporações.
Como regra geral, eles saíam dos doadores das catedrais.
No século XVI, as construções de catedrais chegavam ao
seu final e os maçons ocuparam-se de preferência à cons-
trução de edi�ícios profanos. Quando cessou a construção
das catedrais as fraternidades e Lojas maçônicas passaram
pouco a pouco para as mãos dos membros adotivos, ou
os franco-maçons aceitos (BENIMELI, 2010, p. 40-41).

Como demonstrado por Benimeli, a Maçonaria passou len-


tamente de Operativa para Especulativa ou Filosófica. Os mem-
bros, que agora eram admitidos à Confraria, já não mais ne-
cessitavam ser pedreiros de profissão, bastava ter o interesse em
explorar os segredos da Geometria, ou dos costumes e ensina-
mentos esotéricos que eram transmitidos dentro da Ordem.
Beck (2005) aponta para uma verdadeira transformação nas
ferramentas de o�ício dos pedreiros operativos, que se tornam
símbolos propriamente especulativos. Por exemplo, o martelo e
o cinzel, que até então serviam para talhar a pedra, na Maçonaria
Especulativa tornaram-se um símbolo, que remetia ao iniciado
maçom o dever de polir sua pedra interior, ou seja, sua alma,
caráter e conduta. Isso se aplicou a todos os outros símbolos,
incluindo os símbolos esotéricos tradicionais das religiões, como
o sol, a lua e outros elementos da natureza.

83
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Logo as iniciações de membros especulativos já se estavam


sobrepondo às dos antigos maçons operativos, ou seja, a Maço-
naria tornava-se puramente filosófica, necessitava ser reorganiza-
da e requeria estatutos que normatizassem as Lojas que estavam
em formação. Tais estatutos seriam criados com êxito em 1723,
quando quatro Lojas de Londres se uniram para normatizar os
estatutos maçônicos e desse modo, definitivamente, nasceu a Ma-
çonaria Especulativa ou Filosófica. Essa formação, como apontam
Karg e Young (2008), logo chamou a atenção de setores da socie-
dade, como os poderosos em matéria de política e religião.
Mesmo antes de sua efetiva organização em 1717, na In-
glaterra, o tema Maçonaria já era, frequentemente, debatido na
sociedade do final do século XVII. Por exemplo, seus símbolos,
seus rituais e o segredo que envolvia tal Ordem, instigaram a
curiosidade e o medo em torno desta Fraternidade. Como men-
ciona Roberts, já em 1698 surgiram panfletos contra essas asso-
ciações de caráter secreto e amparadas em juramentos:

A “Palavra Maçônica” secreta com certeza incitou co-


mentários no século XVII, embora apenas exemplos
isolados sobre eles tenham sobrevivido; era natural que
sinais secretos e métodos de reconhecimento fossem
considerados suspeitos. Uma das primeiras expressões
de uma nova preocupação registrada apareceu, pelo que
sabemos, em um panfleto de Londres de 1698, dirigido
“a todas as pessoas de Deus”. Ele avisava aos fiéis que se
tornar membro da Maçonaria poderia colocar sua sal-
vação em risco: “Pois essa seita demoníaca é dos que
se encontram em segredo e juram contra tudo, mesmo
contra seus seguidores. Eles são o Anticristo, que veio
para liderá-los para longe do temor a Deus; esses não
são os modos do reino do Demônio?”. É interessante

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

encontrar nesse primeiro exemplo que sobreviveu de


texto antimaçônico a carga que mais tarde se agigantaria
tanto – a de a Maçonaria ser anticristã –, mas não parece
ter sido plausível o suficiente para despertar resposta.
A transformação da Maçonaria Operativa em Especu-
lativa prosseguiu sem ser objeto de hostilidade pública
(ROBERTS, 2012, p. 74).

Como afirma a explanação acima, a metamorfose da Maço-


naria Operativa em Especulativa ocorreu sem grandes hostilida-
des públicas, embora já houvesse certos círculos antimaçônicos
no século XVII que hostilizavam a Maçonaria como seita satâni-
ca, contrária aos valores do Cristianismo. No entanto, essas acu-
sações ganharam mais força e propulsão quando ocorreu o de-
senvolvimento efetivo da Maçonaria, e quando foram publicadas
as Bulas papais e o�ícios políticos que a condenavam e proibiam.
As perseguições que se iniciaram contra a Maçonaria, histo-
ricamente, são similares às perseguições sofridas pelos pagãos no
início do Cristianismo, como analisamos no início da pesquisa.
Pelo que se sabe não aconteceram martírios e assassinatos, como
ocorreu naquele período histórico mais remoto, porém, as acusa-
ções de heresia e práticas de cultos satânicos, entre outras, foram
similares aos ataques contra os cultos pagãos, nos primórdios
do Cristianismo.
Como analisa Roberts (2012), a reunião de quatro Lo-
jas maçônicas em Londres, em 1717, marcou historicamente
a fundação da Maçonaria Especulativa. Em 1723 surge a pri-
meira “Constituição Maçônica”, formulada pelo anglicano Ja-
mes Anderson (1679-1739). Esta Constituição chocou-se com
a sociedade política e religiosa da Europa do século XVIII. Tal
choque é oriundo, também, de algumas das características da
própria Constituição, que previa a reunião e a fraternidade, entre

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homens, de diversas crenças religiosas, não obrigando o indiví-


duo a professar o catolicismo ou o anglicanismo, ou seja, cada
sujeito teria sua religião própria e conviveria com indivíduos de
outras religiões, sem que isso gerasse conflitos. Outro ponto não
menos importante se refere ao segredo e ao sigilo imposto aos
maçons, que levantaram suspeitas de conspiração política. No
que tange à religião, a Maçonaria tocou em “pontos delicados”,
como a liberdade de consciência do sujeito, ou seja, a Maçonaria
propunha o livre pensamento humano, não enquadrava o indiví-
duo sob nenhum dogma religioso e/ou político.
Tal atitude, como lembra Benimeli (2010), chocou-se princi-
palmente com os valores cristãos. O catolicismo, já “enfraqueci-
do” pela Reforma Protestante, considerou a Maçonaria uma nova
ameaça contra seus fiéis e sua doutrina. Não somente o catolicis-
mo tomou tal atitude, mas o fizeram praticamente todas as outras
religiões do Cristianismo Protestante. A Maçonaria representava
agora um risco às monarquias europeias, que viram nessa Fraterni-
dade um ideal de liberdade “perigoso”, e suas reuniões e iniciações
só podiam maquinar contra a monarquia. Por outro lado, a religião
cristã europeia, sobretudo o catolicismo, considerou a Maçonaria
como uma seita perigosa que, por reunir pessoas de diversas cren-
ças, somente poderia ser perniciosa à “verdadeira” fé católica.
A crescente onda de preocupação com a Maçonaria se espa-
lhou por toda a Europa. As monarquias viam-na como uma ame-
aça aos poderes políticos; já a religião, considerava-a perniciosa à
fé pois abria o diálogo entre pessoas de diversas crenças, visto que
o maçom poderia professar a fé que desejasse. Lacordaire (1999)
lembra que uma fraternidade permeada por símbolos místicos,
velada por supostos segredos, somente poderia ser considerada
perigosa para a hegemonia religiosa e política da época. O mesmo
autor recorda que o que mais chocou a sociedade conservadora e
religiosa daquele tempo foram os ideais iluministas, ou seja, de

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livre pensamento promulgados pela Maçonaria. Não foram pou-


cos os governos que se preocuparam com as reuniões maçônicas.
Não tardou para que fosse emitida a primeira Bula papal,
em 1738, condenando a Maçonaria. Essa foi a resposta eclesiás-
tica perante preocupações com supostas maquinações maçônicas
contra o Estado e a Igreja. Eis o pano de fundo da época:

A fim de poder melhor compreender a maneira de agir de


Roma contra a Maçonaria, em 1738, seguirei cronologi-
camente as diversas reações suscitadas pelo aparecimen-
to da Maçonaria na Europa, as notícias divulgadas pela
imprensa e as decisões tomadas por diversos governos.
Assim, poderemos fazer uma análise daquilo que se sabia
na Europa sobre a Maçonaria antes de 1738 e do conjunto
de motivos que a levaram a um confronto praticamente
generalizado, tanto no terreno da política, como no pla-
no social e religioso. Então, será mais fácil estabelecer
o paralelismo com aquilo que a cúria romano-papalina
sabia da Maçonaria em 1738, e o porquê da condenação
(BENIMELI, 2010, p. 75).

A cronologia apontada por Benimeli também é comentada


por Lacordaire (1999). Tratam-se de vários eventos políticos e
religiosos ocorridos em diversos países, como na Holanda, que
foi um dos primeiros países a condenar e proibir a Maçonaria.
O argumento utilizado girou em torno do “secretismo” maçô-
nico e que seus membros, com certeza, não se reuniam a portas
fechadas para discutir sobre Arquitetura, muito pelo contrário,
segundo suspeitas de diversas monarquias, os maçons se reuniam
para tramar contra o Estado e contra a Igreja.
É interessante apontar que as primeiras proibições foram
promulgadas por parte da política de países europeus. Em 1738,

87
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

o papa Clemente XII condena a Maçonaria com a famosa Bula In


Eminenti, apresentando que a Igreja apoiava os reinos que proi-
biam essa Fraternidade, a qual estaria causando pânico e muitas
controvérsias na sociedade. O papa foi enfático ao afirmar que a
Maçonaria era detentora de uma forte heresia contra a fé reli-
giosa. Argumentava que a reunião de diversos homens, das mais
diferentes religiões, só poderia ser perniciosa à reta fé católica.
Sendo assim, causaria danos à salvação das almas, pelo fato da
união de católicos com outras profissões de fé. Outro ponto sig-
nificativo para a condenação papal está no quesito do “segredo
maçônico”, considerado inviolável pela Ordem, e digno de “terrí-
veis” penas àqueles que transgredissem tal segredo.

A diabolização da Franco-maçonaria será doravante um


tema recorrente e dominante das condenações romanas e
atingirá o seu auge com Pio IX e Leão XIII, tanto mais
que o movimento da unidade italiana, grandemente ani-
mado por maçons, contestará o poder do Vaticano no seu
próprio terreno, até ao momento em que a anexação de
Roma ao reino da Itália, marcada por uma série de medi-
das anticlericais, o papa se considerará como prisioneiro
no Vaticano.
Durante este período, o antimaçonismo romano radica-
liza-se. A acusação de heresia e de satanismo reforça-se
(LACORDAIRE, 1999, p. 40).

Benimeli (1981) argumenta que a atitude dos governos de


condenar a Maçonaria fora sempre seguida e apoiada pela Igreja
Católica. O mesmo autor comenta que, mesmo anos após a pro-
mulgação da condenação política e religiosa da Ordem, muitas
autoridades não sabiam o que de fato era a Maçonaria. Tudo
permanecia muito obscuro e oculto, o que fornecia crédito para

88
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

que tais proibições fossem mantidas. Entretanto, um pouco de


luz será colocado na Ordem maçônica quando, após a condena-
ção papal, foram iniciadas as perseguições aos maçons em diver-
sos países europeus. Tanto a polícia dos Estados quanto a Santa
Inquisição prenderam diversos maçons, e os levaram para tortu-
rantes interrogatórios.
Logo surgiram os primeiros relatos de maçons presos, final-
mente o “segredo” maçônico era revelado. Eis como um inquisi-
dor relata sobre um depoimento de um maçom, preso em 1738:

Em sua declaração preliminar, ele disse “que nas assem-


bléias que aconteciam na primeira quarta-feira de cada
mês existia apenas bom entendimento e diversão”. Eles
“comiam e bebiam, mas sem exagero, pois todo excesso
era proibido. Conversavam sobre as matemáticas ou sobre
algum outro tema de arte e de ciência, como a medicina,
a arquitetura ou outra coisa. Cantavam ou faziam música
instrumental, segundo as capacidades de cada um. Era
proibido falar de religião, pois havia católicos romanos
e hereges. Evitava-se toda discussão que pudesse alterar
o bom entendimento. Era proibido também maldizer e
julgar. Na admissão, assumia-se, pelo juramento sobre a
Bíblia, a obrigação de guardar segredo inviolável acerca
de tudo o que se passava na sociedade, não ficavam sob
a chancela do segredo, as coisas que fossem contra a Fé
ou contra as Leis divinas e humanas, ou contra a honra,
mas somente aquilo que se relacionava aos sinais que eles
tinham para se reconhecerem um aos outros em todas as
partes do mundo”.
O restante da declaração é ocupado pela descrição dos
símbolos, da decoração, dos emblemas e dos sinais, e
também da cerimônia da iniciação de novos candidatos.

89
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

E ele concluía com estas palavras: “Nada se fazia nessas


assembléias que ofendesse, mesmo muito levemente a re-
ligião católica romana ou os bons costumes” (BENIME-
LI, 2010, p. 159).

Centenas de depoimentos como esse citado por Benimeli


foram colhidos em diversas partes da Europa. Todos os depoi-
mentos versavam sobre a mesma temática exposta acima, de
que nas reuniões maçônicas nada havia de pernicioso contra a
religião e nem contra o Estado. Entretanto, estes depoimentos
não foram suficientes para que cessassem as perseguições contra
os maçons; bem ao contrário, suas reuniões ainda eram motivo
de grandes suspeitas.
É interessante notar que, após a proibição papal e por parte
dos monarcas, muitas Lojas maçônicas se dissolveram e deixaram
de existir. Era argumentado por alguns maçons que, se o Estado
e a Igreja proibissem a Ordem, eles nada poderiam fazer além de
cumprir com o que foi determinado.
A Maçonaria continuava a ser suspeita de tudo. Qualquer
revolução social era motivo para condená-la por estar, suposta-
mente, por trás das manifestações sociais. Isso não foi diferente
com a Revolução Francesa, que, por muitas gerações, inclusive
ainda hoje, fora considerada como engendrada pela Maçonaria.
Historiadores como Roberts (2012) relatam que o poder da
Revolução Francesa que, de fato, mudou o cenário histórico do
Ocidente, causou muito espanto e medo às demais monarquias
europeias. A Maçonaria foi acusada de forjar toda a Revolução,
a qual realmente confrontou muitos aspectos religiosos e monár-
quicos. Esses aspectos, como sabemos, não eram discutidos nas
reuniões maçônicas. Entretanto, a mencionada Revolução teve
êxito em derrubar a monarquia francesa e balançar os pilares do
clero francês.

90
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Diversos estudos atuais mostram que a Maçonaria teve sua


participação na famosa Revolução. Entretanto, essa participação
foi altamente acentuada, na época, quando a Maçonaria passou,
de fato, a ser o “bode expiatório” que maquinava contra a Igreja
e o Estado. Tal Revolução passou a ser exemplo para que outros
reinos e governos proibissem a Ordem em seus Estados.
Roberts (2012) lembra que a participação da Maçonaria na
Revolução fora mínima. Devemos recordar que, após a queda da
monarquia francesa e a instauração de um novo governo, a Maço-
naria passou a ser perseguida pelos novos governantes, ou seja, se
a Ordem participou ativamente da Revolução, suas consequências
não foram favoráveis à Fraternidade.
Cabe aqui uma menção à Bolsa de Estágio em Pesquisa no
Exterior (BEPE), realizada entre março e junho de 20⒔ A bolsa
ofereceu a oportunidade de pesquisar, em Portugal, a persegui-
ção que a Maçonaria sofreu durante este período histórico (pré e
pós Revolução Francesa). É na Inquisição portuguesa que encon-
tramos diversos registros de proibição e acusação contra os ma-
çons. Tal investigação, de cunho histórico-documental, ocorreu
na Torre do Tombo, em Lisboa.
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo tem mais de seis-
centos anos. É neste local que estão os mais antigos e importan-
tes documentos referentes à história de Portugal e do mundo.
É nos arquivos da Inquisição que encontramos uma parte his-
tórica da perseguição contra as confrarias secretas, sobretudo a
Maçonaria, no percurso do tempo. O objetivo do contato com
estes antigos escritos é fornecer bases históricas ao entendimento
da crença ainda existente de que determinadas seitas ou correntes
filosóficas estão interligadas a práticas satânicas.

91
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Bulla do Santíssimo Padre Leão XII

Contra os Pedreiros Livres: mandada publicar pela piedade, e de-


cidido amor à Religião e ao Throno da Muito Alta, e Augusta Im-
peratriz e Raynha A Senhora Dona Carlota Joaquina de Bourbon.
Lisboa: Na Regia Typografia Silviana. Anno 1828.

A Bula inicia-se com exaltação do papa que convida os ver-


dadeiros servos de Deus a lutarem contra as novas doutrinas he-
réticas que pretendem destruir a Igreja de Pedro.

O que se tem praticado, em nossos tempos, e de nossos


Pays, pelos Pontifices Romanos, para se opporem às Sei-
tas secretas desses homens, que maquinão contra JESUS
CHRISTO, prova-se com toda evidencia; porque, tanto
que Clemente XII. Nosso Pedrecessor, vio que a Seita
dos Pedreiros Livres, ou Franc-Maçons, ou de qualquer
modo que se chame, cada vez engrossava mais, e tomava
novas �ôrças, e a qual por muitas razões sabîa, mas decla-
radamente inimiga da Igreja Catholica, houve por bem
condemnalla por huma sábia, larga Bula, que principia =
In Eminenti = publicada a 27 de Abril de 1738 (Pg. 6).

A Bula papal continua por fazer alusão à Bula In Eminenti que


condenou, já no século XVIII, as associações secretas e principal-
mente a Maçonaria que, por seu caráter oculto, só poderia estar
maquinando o mal ao invés do bem. O teor da Bula In Eminenti,
como é possível observar, é tipicamente apelativo ao poder secular
que, com medo de conspirações contra a monarquia, proibia, com
a bênção papal, qualquer tipo de organização secreta.
É evidente que, após uma atenta leitura deste manuscrito,
podemos concluir que se a Igreja, a qual possuía grande poder

92
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

naquela época, juntamente com os monarcas, como no caso os


monarcas de Portugal, proibissem a Maçonaria ou qualquer as-
sociação secreta de caráter religioso/filosófico, a população, de
modo geral, sentiria repulsa e medo dessas agremiações que, na
linguagem popular, por serem obscuras, só poderiam ter pacto
com algo muito maligno.
A Bula é explícita ao anunciar que qualquer cidadão que se
inscrevesse na Maçonaria seria considerado um perverso e dotado
de grande maldade.
É interessante apontar que a Bula trata muito mais do ca-
ráter temporal do que de caráter religioso. É amplamente rela-
tada e conhecida a grande influência que a Igreja possuía sobre
as monarquias europeias. É plausível argumentarmos que esta
Bula é mais uma preocupação com a perda temporal, ou en-
fraquecimento da Igreja em um determinado local, no caso em
Portugal, do que uma Bula que verse sobre problemas teológicos
e religiosos. É evidente que a Bula tem uma aparência de adver-
tência espiritual. Entretanto, se bem esmiuçada e compreendida,
se mostra mais política do que religiosa. Há também menções
aos “sangrentos juramentos” que os maçons prestam assim que
admitidos. A declaração da Igreja revela a crença de que aqueles
que traíssem o segredo maçônico seriam literalmente mortos.

93
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

“O Segredo Revelado ou Manifestação do Systema dos Pedreiros


Livres e Illuminados, e a sua influencia na fatal Revolução Fran-
ceza” de 1810”. Obra extrahida das memorias para a História do
Jacobinismo em Portuguez para confusão dos Impios e cautela dos
verdadeiros amigos da Religião, e da Patria. Por José Agostinho de
Macedo-Presbytero secular.

1.1 Parte I

O autor da obra cita a Revolução Francesa como um desastre para


a humanidade, sobretudo para a Igreja. Menciona que os “Pe-
dreiros Livres”, maçons, estavam por trás de toda a maquinação
de tal Revolução. Sendo assim, convida os governantes, dos di-
versos reinos europeus, a lutarem contra essas sociedades secretas
que tramam contra a religião e o Estado.
Há a indicação de que os Jacobinos seriam uma ramificação
dos Pedreiros Livres, juntamente com os Iluminados que, em
nome de uma falsa justiça e liberdade lutam contra o Estado e a
Igreja. A obra é enfática ao informar que, se o jacobinismo triun-
far, ou seja, as seitas dos Pedreiros Livres, isto seria um sinal do
fim da religião e das monarquias.

Pela demonstração de como esta associação das três Seitas,


com o nome de Jacobinos, continua a propaga, e perpetua
as três Conspirações, mostraremos aos nossos Leitores,
e ao mundo todo, que o único fim, a que nos propomos
com a publicação desta Obra, He bradar aos Póvos: Se o
Jacobinismo triunfa, acabou-se a vossa Religião, as vossas
Leis, as vossas Propriedades, todo o Governo, toda a So-
ciedade. (Sem página-Prefácio).

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Existe uma indicação dos inimigos da religião, como os livres


pensadores Voltaire e Diderot, que, segundo o autor, eram here-
ges, pois não se submetiam ao Deus do Evangelho.

1.2 Parte II

Continuação do mesmo discurso sobre a maneira com a qual os


filósofos maquinavam contra a Igreja e o Estado, fomentando
a Revolução Francesa. O autor é enfático em afirmar que esses
filósofos pertenciam às agremiações secretas conhecidas como
agremiações de Pedreiros Livres, e que tinham como principal
objetivo a derrocada do Estado e da Igreja.
O autor fala sobre o lema “Igualdade, Liberdade e Fraterni-
dade” como um segredo que colocaria em perigo as hierarquias
dos governos, isso, segundo o autor seria puro libertinismo. As
associações dos Pedreiros Livres eram por si só, diabólicas:

Muito antes da sua confissão pública, havia hum meio


muito fácil de conhecer, que a Liberdade, e Igualdade
erão o grande objecto destas pestiferas associações, e
diabólicos conventiculos. Mil vezes se lhes ouvia dizer,
que ellas erão todos iguaes, e irmãos, que em seus covis
não havia nobres, nem ricos, nem Vassallos, nem Reis.
A maior parte de suas cantigas celebrava sem descançar
esta Igualdade, e esta Liberdade. A palavra Irmão na sua
boca não queria dizer outra coisa mais que homens per-
feitamente livres, e perfeitamente iguaes entre si. A socie-
dade não queria dizer outra coisa mais que Liberdade, e
Igualdade (Parte II, pg. 184).

95
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

1.3 Parte III

Aqui o maçom é chamado de “Irmão do Diabo”, alusão às suas


práticas que, segundo o autor, são todas contra a Igreja e a mo-
narquia. Também é relatado um pouco sobre a história dos
Illuminati, seita surgida na Alemanha com ideais maçônicos. In-
teressante é que o autor declara o fundador dos Illuminati como
“um demônio”. Como nosso trabalho não pretende se estender
até a seita dos Illuminati, faremos uma ampla visualização do que
tratam as partes III, IV, V e VI.
Com uma ligação histórica com os maçons, os Illumina-
ti surgiram na Alemanha e tiveram como seu fundador Adam
Weishaupt, um intelectual pertencente à Maçonaria alemã. Ao
fundar a Ordem dos Illuminati, Adam tinha em mente uma vi-
são um tanto quanto utópica, pois acreditava que sua sociedade
influenciaria governos e a própria religião a se unirem em busca
de um bem comum.
Sua racionalização de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, que
colocava o homem como um ser livre e que necessariamente esta-
ria livre de qualquer dogma religioso, rendeu-lhe o título de anti-
cristão e, como transcrito na documentação, um “irmão do diabo”.
Todos os três livros versam sobre a história dos Illumina-
ti, sua formação, infiltração nos sistemas políticos da época e,
é claro, a condenação por parte da Igreja que, de certa maneira,
alertava as monarquias para que fizessem o mesmo, pois, além de
estarem cumprindo uma ordem eclesiástica, estariam mantendo
a ordem dentro de seus respectivos reinos, para que não houvesse
qualquer tentativa de derrubada de poder, como havia acontecido
com a Revolução Francesa.
A Revolução Francesa é tida pelo autor como o maior pacto
entre os Illuminati e os maçons, que sangrou a França numa ba-
talha contra a e Igreja e a monarquia, que valeu a vida de um dos
“mais doces reis da França”, Luís XVI.

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

GR.’. OR.’. Da Maç.’. Eclectica Lusitana de 1853.

O livro tem como objetivo contar a história da Maçonaria, sobre-


tudo em Portugal.
No início, o autor por explanar a história da Maçonaria em
geral, prende-se até mesmo à mítica história, de que os maçons
teriam advindo da Ordem dos Cavaleiros Templários. Com a ex-
tinção da Ordem Templária, muitos destes perseguidos cavalei-
ros se refugiaram em diferentes países europeus, sendo um deles
Portugal, sobretudo na cidade de Tomar, sendo designados, por
ordem do rei, e aprovação papal, como Ordem de Cristo.
O mesmo acontece com os construtores medievais. O autor
data em 1227, na Inglaterra, o início das corporações de o�ício, e
que cada membro que ali fosse iniciado entraria em contato com
a sagrada arte da construção, e o correto manuseio das formas
geométricas e simbólicas. Sobretudo, como a história nos con-
ta, e este livro vem a confirmar, houve uma grande diminuição
das construções em estilo Gótico, estilo utilizado pelos maçons
operativos, mas que começou a se extinguir com o início do Re-
nascimento. Para que a arte da construção e do conhecimento
simbólico não se perdesse, teve início, por volta de 1641, a ad-
missão de membros que não eram pedreiros. Ou seja, começa o
processo de iniciação de membros externos, formando a chamada
Maçonaria Simbólica ou Especulativa, tal qual temos hoje.
É mencionada a perseguição por parte do Tribunal da Inqui-
sição e pelos Jesuítas:

Em 1742 a Maç.’. tinha obtido alguns sucessos em Portu-


gal: mas logo que os Inquisidores e Jesuitas persuadiram
a El-rei D. João V, que os Maç.’. eram hereges e inimigos
do Estado, mandou fulminar muitos dos seus membros,
e as reuniões Maç.’. cessaram quase geralmente (pg. 23).

97
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

As pesquisas na Torre do Tombo forneceram um rico suporte


para compreender o que de fato ocorreu na Europa na época da
condenação maçônica.
Antes de prosseguir para o item ⒉4, faz-se necessária uma
observação crítica a respeito do que fora relatado nesta etapa da
pesquisa. Não é nosso objetivo demonstrar que a Maçonaria e os
maçons foram um grupo fraco, de injustiçados pelo governo e
pela religião. Muito pelo contrário, sabemos que durante o Ilu-
minismo os maçons, sobretudo franceses, formavam uma elite
intelectualmente forte e que estavam, de certa forma, inseridos
nos mais diversos ramos da sociedade.
A força dos Iluministas abalou os pilares da sociedade civil e
religiosa. Seus ideais de “Igualdade, Liberdade e Fraternidade” se
chocaram com o Antigo Regime francês, e contra os costumes da
religião cristã. Dentro de uma visão histórica, podemos admitir
a “naturalidade” dos ataques entre poder monárquico e eclesiás-
tico, contra o movimento Iluminista e os maçons, e vice-versa.
Os fortes ideais Iluministas foram um duro “golpe” contra os
poderes do Estado e da religião. Sabemos que a Era Iluminista
modificou os pilares da sociedade ocidental.
É natural o surgimento de todos os tipos de argumentos
contra movimentos revolucionários que pretendem moldar as
diretrizes da sociedade. Da luta frenética entre ambos os lados
surgiram as mais diversas suspeitas, entre elas a suposição de que
por trás do movimento Iluminista estariam os franco-maçons,
um grupo ligado por segredos e símbolos esotéricos que fora
taxado como “hereges”, “inimigos do Estado e da religião” e “ir-
mãos do diabo”.
Importa-nos a apreciação dos comentários e notas históricas
que consideram os maçons como representação do mal, de um
grupo místico e oculto ligado aos poderes demoníacos. Estas su-
posições são muito importantes para compreender a historicidade

98
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

da “queda do simbólico”, referente à Maçonaria e seus símbolos,


que se apresenta na contemporaneidade.

Imagem VI: o edifício do Freemasons Hall, no centro de Londres, marca


a passagem definitiva da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Es-
peculativa em 1717. Fonte: acervo do autor.

2.4 A Era Contemporânea: o golpe de Léo Taxil,


sua contribuição para a “queda do simbólico” e o
preconceito contra a Maçonaria

Esta é mais uma etapa fundamental, pautada na historicidade,


para compreender os ataques contra a Maçonaria e seus sím-
bolos. Historiadores como Benimeli (1995) e Lacordaire (1999)
consideram o caso de Léo Taxil como o mais recente ataque à
Maçonaria e que, de fato, ficou registrado na cultura popular
de modo geral, espalhando na contemporaneidade a sensação de
conspiração, envolvendo a Ordem, bem como o possível culto

99
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

satânico representado pelos símbolos místicos envoltos na Ma-


çonaria, como fora retratado por Léo Taxil.
A farsa de Taxil tinha a finalidade de atingir a imagem da
Maçonaria, e assim conquistar, além de fama internacional, o
apoio político de países e do próprio papa. Entretanto, vamos
concentrar esta etapa da investigação em um viés que permitirá
a compreensão mais atual dos ataques antimaçônicos, que ainda
contribuem para a hodierna concepção popular de uma Fraterni-
dade diabólica e que visa conspirar contra a religião.
Portanto, é necessária uma breve consideração sobre a figura
de Taxil.

Gabriel Jogand Pagès, mais conhecido como Léo Taxil.


Após ter sido um prolífico autor anticlerical, de estilo fre-
quentemente pornográfico e blasfemo, e membro e�êmero
do Grande Oriente de França, Léo Taxil, converteu-se, de
1886 a 1897, ao antimaçonismo. Subitamente converti-
do, em 1885, ao catolicismo que tinha ridicularizado com
tanto entusiasmo, Taxil apressa-se, a partir de 1887, em
confissões ainda não totalmente dedicadas à Maçonaria, a
denunciar os franco-maçons como adoradores de Satanás,
aliados dos judeus e protestantes (…) A Franco-maçonaria
(…) – escreve – é essencialmente demonólatra. Em 1891,
Taxil revela o Paládio Novo, cujos membros são adoradores
de Lúcifer, a quem identificam, segundo um modelo du-
alista, como princípio do Bem, igual ao princípio do Mal
que é o Deus dos cristãos (LACORDAIRE, 1999, p. 42).

As palavras de Lacordaire revelam que Taxil foi um grande


falsificador, sedento de poder. Ora lutou contra o catolicismo,
quando esteve na Maçonaria, até ser expulso, pois, segundo o
autor, suas falsificações e falta de caráter fizeram com que fosse

100
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

expulso da Ordem. Desde então, esteve ao lado do catolicismo


e se voltou contra a Maçonaria, utilizando-se de falsos relatos,
falsos documentos que, de certa forma, alcançaram o grande
público e deram abertura ao mais recente preconceito contra
a Maçonaria.
Como confirma Benimeli (1995), as histórias de Taxil cha-
maram a atenção de todo o público, sobretudo os europeus. Seus
escritos concernentes às conspirações maçônicas e ao fato de que
a dita Fraternidade seria herdeira de um antigo culto luciferiano,
em que seus membros evocavam espíritos demoníacos durante
as sessões em Loja, contribuíram fortemente para a aceitação do
povo, que até então não compreendia ao certo o que era a Maço-
naria. Taxil logrou sucesso e ganhou a adesão de chefes de estado,
sobretudo do papa Leão XIII.
Taxil lançou diversos livros, de circulação mundial, em que
contava sobre as sinistras reuniões maçônicas.

Em “Os Irmãos Três Pontos” lançou a idéia de que os


Maçons praticavam o culto ao diabo, não significando
todo seu Ritual outra coisa se não uma glorificação de
Lúcifer. Ali diz que especialmente o “Areópago” e o “Ca-
pítulo” estão sob influência do Mal, de Lúcifer e Eblis, o
suposto anjo de luz, com quem o cavaleiro Kadosh (Fran-
co-Maçom do Grau 30) está em direta amizade.
O tema Luciferiano já estava em marcha. O verdadeiro
segredo maçônico era a ação oculta do diabo nas Lojas.
A Maçonaria era a “sinagoga de Satã”, onde este era ado-
rado pelos altos Graus, sob a figura de Lúcifer, o anjo da
luz (BENIMELI, 1995, p. 41-42).

As ideias de Taxil duraram por muitos anos. Ele alcançou


fama internacional e teve contato direto com o papa Leão XIII

101
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(1810-1903), que lhe ofereceu grande apoio e crédito. Benimeli


e Alberton (1991) lembram que diversos encontros e congressos
foram realizados no período para discutir a questão maçônica.
Em cada encontro Taxil reafirmava suas histórias e acrescentava
novas, como o culto maçônico conhecido como Paladismo, que
era conduzido por uma mulher, Miss Vaughan, que tinha contato
direto com o Lúcifer. Segundo Taxil, ela se havia convertido ao
catolicismo e estava enclausurada em um convento, por isso, não
podia aparecer em público.
Toda esta questão, que havia ganhado atenção de todo o Oci-
dente, começou a declinar quando Taxil foi convocado para com-
provar tudo o que contava. Encurralado, viu-se forçado a fazer
um pronunciamento público, em 1897, declarando que tudo não
havia passado de uma farsa; que todas as suas acusações contra a
Maçonaria eram apenas calúnias; e que a senhora Miss Vaughan
nunca havia existido, bem como o culto Paladiano. Entretanto,
Taxil se compraz em ter conseguido enganar o clero e muitos
governos por cerca de doze anos.
O inventor de todas estas difamações se retirou do meio pú-
blico. Os governantes e o clero pouco se pronunciaram sobre o
assunto. Muitos membros da Igreja Católica se surpreenderam
pelo fato de Taxil os ter enganado por tantos anos.
Benimeli (1995) relata que o caso ficou conhecido como “a
fraude de Taxil”. Embora tudo tenha sido esclarecido pela própria
confissão pública de Taxil, suas teorias foram fortíssimas para que
o público, denominações religiosas e governos continuassem a
acreditar na ameaça satânica dos maçons.
O caso de Taxil é um dos mais recentes acontecimentos his-
tóricos que levaram à condenação da Maçonaria e de seus símbo-
los, caracterizando parte do que temos estudado como a “queda
do simbólico”. Uma crença coletivista, herança de Taxil, paira
ainda, de certa forma, em torno do público: a crença de que os

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

símbolos maçônicos são frutos de um culto satânico. Lacordaire


(1999) expressa que a atual suspeita de “satanismo maçônico”
permanece, sobretudo, em meios protestantes.
É válido lembrar que as farsas de Taxil contribuíram para o
antissemitismo europeu. Não é intuito da presente pesquisa o
aprofundamento desta temática. Entretanto, todas estas mentiras
tiveram impacto, de certa forma, em um dos mais tristes aconte-
cimentos históricos, a Segunda Guerra Mundial.
Com efeito, Taxil levantou a crença de que maçons e judeus
estavam aliados, tanto que chamou as Lojas maçônicas de “Sina-
gogas de Satã”. No início do século XX veio a público um livro
apócrifo conhecido como os “Protocolos dos Sábios de Sião”. Tal
livro, como explica Barroso (1991), continha o “programa” plane-
jado e em desenvolvimento, entre judeus e maçons, da tomada de
poder econômico de todo o planeta. Ou seja, todos os governos
mundiais passariam, em breve, por uma dominação judaico-ma-
çônica. Este livro, embora comprovadamente fosse uma nova far-
sa, foi extensivamente utilizado pelos nazistas, durante a Segunda
Guerra Mundial, em argumentos contra judeus e também maçons.
Hoyos e Morris consideram que o “efeito” Taxil prolonga-se
aos dias atuais. A farsa criada por Taxil facilmente foi absorvida
pela sociedade, que já estava, havia bastante tempo, desconfiada
das práticas ocultas dos maçons. Estes dois autores chegam à
conclusão de que, o efeito provocado por Taxil pode ser hoje
considerado como “lenda urbana”.

The originator of the hoax confessed to his calculated de-


ception. The publisher of the “Luciferian Doctrine” dis-
avowed its authenticity… Yet the urban legend persists.
It can be found today in scores of pages on the Internet,
breathlessly repeated with same urgency of someone re-
peating the cautionary tale about someone who to dry a
wet dog in a microwave (HOYOS e MORRIS, 1994, p. 41).

103
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Os autores também acreditam que o “caso Taxil” foi uma


das farsas mais extraordinárias de todos os tempos. A eloquência
de seus escritos e palestras foi fator definitivo para que a farsa
fosse bem montada. A rapidez da imprensa e de outros meios
de comunicação, que já se apresentavam no final do século XIX,
contribuiu para a exploração e disseminação deste caso. O uso de
terminologias como ocultismo, secretismo e o silêncio dos ma-
çons, frente a essas acusações, foram e ainda permanecem como
fonte de sustentação para tais teorias.
Fica registrada aqui uma das mais recentes contribuições his-
tóricas, com efeitos verificáveis nos dias atuais, sobre o preconcei-
to contra a Maçonaria e seus símbolos, e que produz ainda fortes
argumentos para a questão da “queda do simbólico”.

Imagem VII: nesta imagem vemos uma suposta sessão maçônica, rela-
tada por Taxil. Aqui os maçons adoram o ídolo Baphomet, um símbolo
animalesco com cabeça de bode. Fonte: acervo do autor.

104
3. A “queda do simbólico”: um
estudo histórico e psicológico para a
compreensão do preconceito contra
símbolos religiosos e a Maçonaria

Adentramos numa área muito importante desta investigação. Até


o momento foi preciso e muito necessário fazer toda uma delon-
gada investigação histórica e antropológica para delimitarmos,
em linhas gerais, o que são os símbolos religiosos, seus usos em
meios religiosos e ritualísticos, além de dissertarmos sobre a ne-
cessidade de o ser humano cultivar ritos sacros como, por exem-
plo, os ritos iniciáticos e simbólicos de morte e renascimento.
Após esta explanação, buscamos compreender a essência das
sociedades secretas e da Maçonaria em específico, delimitamos o
seu surgimento, seu caráter secreto e seus embates com a socie-
dade e, sobretudo, com a religião Católica. Estes apontamentos,
que de certa forma tomaram grande espaço durante a investiga-
ção, são de máxima importância na formação da argumentação
teórica para a composição deste capítulo.
Musquera (2010) posiciona-se sobre a argumentação histó-
rica acima explanada destacando que o estudo da História é fator
primordial para compreendermos questões recorrentes da atuali-
dade como, no caso, a temática de nossa pesquisa, envolvendo o
preconceito contra os símbolos religiosos e a Maçonaria.
Existe um estudo anterior similar à presente temática de

105
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

investigação. Por meio de uma análise empírica baseada em sím-


bolos de uma Igreja Católica, postulamos sobre a hipótese intitu-
lada “A queda do simbólico na contemporaneidade” (Rodrigues,
2013). Como lá se discute, a atualidade está marcada por certo
“desprezo” ou desentendimento com a linguagem dos símbolos,
sobretudo os religiosos. É sabido que a religiosidade atual, so-
bretudo no Ocidente, com o catolicismo romano, está permeada
por símbolos em toda sua ritualística e nos ícones que ornam as
igrejas e templos. Muitas religiões e filosofias são detentoras de
símbolos instituídos e acumulados durante toda a história da hu-
manidade. Porém, é evidente que cada símbolo toma um signifi-
cado diferente dentro do contexto em que é inserido. Por exem-
plo, a cruz, que é um símbolo anterior ao Cristianismo, tem uma
interpretação e um significado diferente quando apresentado em
uma Igreja Católica e outro significado quando introduzido na
cultura Asteca.
Eliade (2002) complementa sobre a tradição simbólica exis-
tente na humanidade. Esse autor concluiu que, apesar de não haver
uma profunda ligação entre símbolos e o homem contemporâneo,
a linguagem simbólica, expressa pelas imagens e ícones, não desa-
pareceu da cultura. Grande parte da simbólica foi introduzida nos
contextos religiosos e filosóficos, como no caso da Maçonaria.
Saber como o ser humano contemporâneo lida com os sím-
bolos religiosos, em caráter de imagens, espalhados por uma
determinada igreja, foi o questionamento levantado em estudo
anterior (Rodrigues, 2013). O mencionado estudo chegou à con-
clusão de que o homem contemporâneo, embora caracterizado
por uma religiosidade fortemente simbólica, desconhece, em
grande parte, a interpretação e a organização simbólico-religiosa.
A incompreensão dos símbolos pode ser estendida para o con-
texto maçônico, sobretudo com o seu véu de mistério e segredo,
difundido em um grande leque simbólico, trazendo à tona, aos

106
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

indivíduos contemporâneos, a desconfiança e o medo de que essa


Fraternidade venha a maquinar para fins maléficos.
Estas ordens iniciáticas, incluindo a Maçonaria, despertam
curiosidade e suspeitas por parte do público leigo. McIntosh
(2001) traz essa premissa aliada à investigação sobre o desinteres-
se do homem contemporâneo pela linguagem dos símbolos, tão
valorizada pelos antigos. O grau de mistério com que a Maço-
naria e outras ordens esotéricas envolvem seus símbolos e ritos,
por si só, catalisa suspeitas e condenações por parte do público.
Entretanto, podemos supor que, mesmo que as ordens iniciáticas
não sejam uma novidade para a cultura ocidental, pois existiram
durante todo o período histórico, essas apresentam-se para o su-
jeito contemporâneo como esdrúxulas, sem sentido e dignas de
todas as suspeitas possíveis, pois, ao se valerem de um “segredo
inviolável”, esse somente poderia ser algo maléfico, por não poder
ser compartilhado por todos.
A necessidade de recorrer aos acontecimentos históricos para
compreender a questão é de extrema importância. A pesquisa,
até então, tem nos apresentado uma sequência de fatos históri-
cos que apontaram a condenação da Maçonaria como suspeita de
conspiração, de um clube de livres pensadores que condenam a
religião, de culto pagão e demoníaco, demonstrado pelos inúme-
ros símbolos e pelo caráter oculto existente na Ordem.
Roberts (2012) é categórico ao afirmar que as premissas
históricas, sobretudo as mais atuais, são elementos ativos para
o preconceito contra sociedades “secretas” como a Maçonaria,
por exemplo. A psique coletiva humana se forma a partir da
cultura estabelecida, ou seja, o homem, como ser histórico, está
sujeito às interpretações e ao senso comum estabelecido pela
sociedade em determinados assuntos. O mesmo autor admite
a existência de uma difundida crença popular, sobretudo no
Ocidente, de que estaríamos sendo governados e manipulados

107
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

por sociedades secretas, portanto, todo o mundo estaria sob o


controle de sujeitos, muitas vezes envoltos por este simbolismo
esotérico, que decidiriam os rumos da humanidade pleiteando
seus próprios interesses.
Apesar de essas serem teorias absurdas segundo o autor, pois
fornecem margem para os “teóricos da conspiração”, muitas ins-
tituições, sobretudo as religiosas, aderiram e aderem a tais teorias
como verdadeiras e propagam o preconceito e o medo irracional
daquilo que é diferente ou desconhecido. Estas afirmações têm
encontrado solo fértil em meio à religiosidade cristã-protestante.
Entretanto, foi no catolicismo romano dos séculos XIX e XX
que tais teorias ganharam êxito e fama, sobretudo ao afirmar que
a Maçonaria seria um culto satânico e uma Ordem que prevê o
controle do governo mundial. Uma das provas “cabais” relativas
à ligação com o Satanismo estaria nos inúmeros símbolos pagãos
utilizados pela Ordem.
Beck (2005) argumenta que a Maçonaria, com todo o seu
processo simbólico, utiliza-se de antiquíssimos símbolos que, de
fato, podem remontar à época pré-cristã, mas isso não prova,
de nenhuma forma, que se trata de um culto pagão ou satânico.
A margem para uma confusão na acusação de que a Maçonaria
estabelece um culto pagão, ou satânico, encontra-se arraigada em
sua própria história. Como já analisado, o surgimento da Maço-
naria propôs uma novidade. Tal novidade era a da liberdade de o
sujeito poder optar por suas crenças, ser um livre pensador que
não se deixaria enquadrar por nenhum dogma religioso.
Essa filosofia foi considerada perniciosa pela religião e até mes-
mo pelos Estados monárquicos da época18. Fora tida como uma
instituição que desprovia o homem das rédeas do pensamento
dogmático religioso, e que poderia planejar contra as monarquias.
⒙ Como já discutido, o surgimento da Maçonaria colocou temor na religião cristã e nos
Estados monárquicos que viam a Fraternidade como uma escola de livre pensamento, que
poderia colocar em risco a pura crença cristã e as monarquias absolutistas.

108
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Como é apontado por Benimeli (1995), foi nesse contexto que


a questão simbólica colocou a Maçonaria não só como possível
instituição perigosa à religião e aos governos, mas como um pos-
sível culto pagão e satânico.
O demasiado uso de símbolos esotéricos, de uma linguagem
rebuscada, de templos amplamente simbólicos, de juramentos e
segredos, chamou e ainda chama a atenção do público para uma
espécie de suspeita de culto pagão e maléfico.
Beck faz uma importante consideração:

Sendo homens livres, os irmãos têm o poder de esco-


lha sobre suas crenças. Cada um acredita em Deus a seu
modo, ou não acredita, ou é agnóstico.
São absolutamente falsas as imputações feitas à Maçona-
ria sobre adoração ao demônio ou a entidades malignas.
E quando se fala do fato de que há alguns séculos os
maçons se encontraram excomungados pela Igreja Cató-
lica Apostólica Romana apenas por terem se iniciado na
ordem, é devido a essa condição sene qua non exigida para
se transformar em irmão – a de se converter em homem
livre (BECK, 2005, p. 21).

As palavras de Beck ressoam exatamente no aspecto histórico


da condenação maçônica, que reflete até os tempos atuais na pró-
pria psique do público de modo geral. Essa concepção de Maço-
naria, como suposta seita satânica, característica da mentalidade
do ser humano contemporâneo, é um dos pilares da chamada
“queda do simbólico”. A perspectiva desta investigação foi alicer-
çar, sobre fortes bases históricas, o motivo pelo qual se dá a “que-
da do simbólico” dentro do contexto maçônico. Em termos de
construção histórica e de construção da mentalidade psíquica do
homem, podemos recorrer ao que analisamos sobre a “transição”

109
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

da mentalidade das religiões pagãs para a mentalidade cristã. Esse


momento histórico, como demonstra Hillgarth (2004), foi de
grande impacto cultural, social, histórico e psicológico para todo
o mundo ocidental e caracterizou-se, de fato, como momento
que podemos destacar como sendo primordial para a “queda
do símbolo”.
O Cristianismo, religião que ganhou aos poucos uma grande
força sobre as antigas tradições religiosas, não descartou a utiliza-
ção de símbolos em sua ritualística. Esses símbolos foram, muitas
vezes, “importados” do mundo pagão e traduzidos para o contex-
to cristão. O Cristianismo logrou para si o título de detentor de
todo o simbolismo sacro da época, porém, todos os símbolos que
surgissem em contexto não cristão, ou que permanecessem nos
antigos e quase esquecidos cultos pagãos deveriam ser conside-
rados como satânicos, demoníacos. É fato que, após conquistar
sua hegemonia, o catolicismo agiu de forma dura ao considerar
qualquer outra prática religiosa como obra satânica, isso serviu
principalmente para os antigos resquícios de mentalidade pagã.
Em outros termos, principalmente durante a Idade Média,
foi estabelecida a crença de que símbolos que se apresentassem
fora do estabelecido contexto cristão, deveriam ser considerados
como maléficos. Podemos apontar esse período histórico como
um dos maiores marcos precursores para a “queda do simbólico”
e para a condenação de todo o movimento que esteja afastado do
que é socialmente estabelecido.
Rodrigues (2013) legitima que as religiões se tornaram,
como já mencionado, herdeiras de todas as tradições simbóli-
co-culturais que a humanidade produziu. Entretanto, não foram
somente as religiões que possuíam hegemonia que tomaram para
si esse arcabouço simbólico, outras religiões e filosofias também
arcaram com essa herança, e cabe dizer aqui que a Maçonaria é
um exemplo delas.

1 10
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Uma hipótese a ser levantada, para a “discriminação do sím-


bolo”, pode se referir à utilização de simbolismo sacro por outras
ordens, filosofias ou religiões que não sejam aquelas que estejam
“socialmente estabelecidas”.
O Cristianismo, tendo uma forte tradição simbólica, depa-
rou-se com os maçons e sua sociedade, de cunho secreto e inici-
ático, que também faz uso de muitos símbolos, inclusive alguns
retirados de outras tradições, como a pagã. Este impacto é de
grande relevância para o estudo da “queda dos símbolos”. Como
analisado, a condenação Católica, frente à Maçonaria, pode ter
sido um catalisador coletivo para desencadear crenças irracionais
sobre possíveis cultos satânicos e diabólicos.
A crença errônea que atingiu, de certa forma, a psique co-
letiva do Ocidente, está intimamente interligada à questão dos
símbolos. Isso pode ser explicado pelo fato de que os símbolos,
historicamente, passaram para o campo estritamente religioso e
devocional. Jung (2008a), por exemplo, traz muitas destas teorias
em suas obras.
Em uma esquematização, observamos o fato de que se os
símbolos de cunho sagrado ao passarem para o âmbito de uma
ordem iniciática, filosófica e de caráter oculto, podem facilmente
trazer à mente a “temática” de conspiração e de um culto ao mal.
Isso foi validado por todos os apontamentos históricos levanta-
dos anteriormente.
Lurker (2003) argumenta que na longa transição das an-
tigas religiosidades pagãs para o culto monoteísta cristão, uma
importante quantidade dos símbolos, ritos e festivais do mundo
pagão foi adaptada para o universo cristão. Toda a linguagem
simbólica pagã recebeu um significado cristão. Esta tática, se-
gundo especialistas, permitiu a conversão dos pagãos de uma
forma menos “chocante”. Os próprios deuses pagãos, como
menciona Hillgarth (2004), tiveram seus atributos transferidos
aos santos cristãos.

111
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

O envolvimento exercido pelo Cristianismo, por centenas de


anos, influenciou a psique coletiva dos ocidentais. A imposição
e a delimitação da crença no monoteísmo cristão impossibilitou
a utilização da simbólica em outros contextos, que não contives-
sem o véu do catolicismo. Por isso, esse período histórico pode
ser caracterizado como um evento significativo para a “queda
do símbolo”.

3.1 A “queda do simbólico” da visão histórica para


uma visão psicológica

Já iniciamos a construção de argumentos que comprovam a cha-


mada “queda do simbólico” por meio do viés psicológico. Es-
ses argumentos se encontram, sobretudo, em Jung (2008b), que
postulou a respeito da construção da vivência humana, basean-
do-se em questões arquetípicas e simbólicas. As explicações a
seguir, bem como o levantamento teórico de alguns pontos do
pensamento junguiano, coincidirão com a perspectiva histórica
que até então movimentou esta pesquisa, principalmente no que
tange às referências ao Inconsciente Coletivo que, grosso modo,
transmite “hereditariamente”, através da psique coletiva, símbo-
los e concepções simbólicas que se permearam durante a história
e a evolução da humanidade.
No caso em especial da Maçonaria, que reteve todo um com-
plicado processo histórico em sua formação, passando por crí-
ticas e suspeitas sobre seus rituais, atualmente conta com uma
crença, relativamente bem difundida, de que esta Ordem seja de
cunho satânico e que prega contra a religião, sobretudo a cristã.
Embora utilizemos as concepções de Jung (2008a) para for-
mar uma teoria especificamente para esta pesquisa, os argumentos
psicológicos desse especialista, somados à construção histórica da

112
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Maçonaria que, de certa forma, envolveu ocultismo, secretismo


e perseguições político-clericais, encaixam-se perfeitamente na
compreensão do medo ou falsas interpretações feitas, geralmente
por membros religiosos, contra a filosofia e a prática maçônicas.
É de interesse psicológico explanar, nas palavras de Jung, o
que se define por Inconsciente Coletivo:

O inconsciente coletivo é uma parte da psique que pode


distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que
não deve sua existência à existência pessoal, não sendo
portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente
pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já
foram conscientes e no entanto desapareceram da consciên-
cia por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos
do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência
e portanto não foram adquiridos individualmente, mas de-
vem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o
inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de com-
plexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído
essencialmente de arquétipos (JUNG, 2008b, p. 53).

Meslin (apud Revilla, 2007), expressa muito bem esta “rela-


ção tríplice” existente entre História, Psicologia e símbolos:

Todo símbolo es un signo visible y activo que se revela


portador de fuerzas psicológicas y sociales. Originaria-
mente, como se sabe, el término griego designaba un
fragmento de tableta que las partes contratantes de un
pacto conservaban celosamente. La unión de los fragmen-
tos les permitía reconocer su amistad y atestiguaba que la
unión concluida había permanecido intacta durante la se-
paración. Era una bonita imagen que ponía de manifiesto

1 13
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

la unidad conservada en la diversidad. En principio, el


símbolo es un signo de relación por el cual se reconocen
los aliados y se sienten unidos los iniciados. La función
del símbolo consiste, pues, en establecer un vínculo, una
relación entre hombres.
El hombre es un ser que simboliza al mismo tiempo que
conceptualiza, es decir, que busca el sentido de las cosas.
La función del símbolo no consiste, pues, sólo en estable-
cer un vínculo entre ciertos grupos de hombres, sino, más
ampliamente, en expresar unas relaciones entre el hombre
y el cosmos. Sin embargo, estas relaciones no son de tipo
conceptual. El símbolo despierta determinadas intuicio-
nes; libera unas significaciones analógicas formadas más
o menos espontáneamente en el espíritu humano, que
son portadoras de un sentido inmediato. Se trata, pues,
de un lenguaje, que actúa a la vez en y sobre la materia
psíquica, y por el cual el hombre siente, mucho antes de
comprenderla y explicársela racionalmente, su experiencia
inmediata (MESLIN, apud Revilla, 2007, p. 18-19).

A teoria do coletivismo do inconsciente, proposta por Jung


(2008b), vem corroborar nossos estudos. O estudioso defende
que os símbolos são produtos do Inconsciente Coletivo, sobre-
tudo os símbolos religiosos. Para Jung (2008b), o passado e o
presente se encontram no Inconsciente Coletivo. Ele próprio
faz uma crítica ao homem contemporâneo, acusando-o de estar
afastado dos temas simbólicos e, portanto, afastado da lingua-
gem do Inconsciente. O autor faz uma crítica especial às religiões
protestantes, que se afastaram por completo dos símbolos em
seus cultos. Kinney (2010) destaca que os principais preconceitos
existentes em torno da Maçonaria são provenientes, atualmen-
te, de círculos religiosos do Cristianismo protestante que, como

1 14
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

admitido por Jung (2008a), estão afastados dos temas simbólicos


e tendem a julgar a utilização do simbólico como idolatria e culto
às imagens.
Longe de querer fazer qualquer crítica ou condenação às re-
ligiões protestantes, este trabalho tem como um dos objetivos
demonstrar a chamada “queda do simbólico” na atualidade e,
portanto, abarca qualquer suposição ou hipótese para levantar as
causas deste “esvaziamento do simbólico”. De acordo com Jung:

A iconoclastia da Reforma abriu literalmente uma fenda


na muralha protetora das imagens sagradas e desde então
elas vêm desmoronando uma após as outras. Tornaram-
se precárias por colidirem com a razão desperta. (…)
A história da evolução do protestantismo é uma icono-
clastia crônica. Um muro após outro desabava. E nem
foi tão di�ícil esta destruição, uma vez que a autoridade
da Igreja já estava abalada. Sabemos como as coisas en-
traram em colapso, uma a uma, tanto as grandes como
as pequenas, no coletivo e no individual, e como surgiu
a alarmante pobreza dos símbolos atualmente reinantes
(JUNG, 2008b, p. 24).

Embora a presente etapa da investigação abarque os aspectos


psicológicos da “queda do simbólico”, o que levará a uma má
interpretação dos símbolos maçônicos, é impossível desvincu-
larmo-nos dos eventos históricos. Como citado acima, o próprio
Jung (2008b), um dos maiores nomes da Psicologia, não deixa de
lado os acontecimentos históricos relativos à evolução das crenças
religiosas, que o levaram, além de formular a tese sobre o Incons-
ciente Coletivo, a postular, também, acerca do esvaziamento do
simbólico na vida contemporânea. O autor é categórico em suas
críticas ao protestantismo, por seu atual esvaziamento simbólico.

1 15
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Jung (2008b) complementa que o simbólico fora substituído


por dogmas eclesiais, ou seja, o símbolo, que por sua vez pos-
sui várias interpretações, passou a ser substituído pelo dogma,
que veio para “fechar” as diversas significações que um símbolo
carrega, e postular somente uma interpretação como verdadeira.
O dogma se impõe como certo, verdadeiro e indiscutível, ao con-
trário do símbolo, que propõe discussões e diversos sentidos.
Eliade (2011) demonstra que o uso de conceitos dogmáticos
é uma poderosa ferramenta contra as diversas interpretações que
um símbolo propõe. Esta ideia conduz a postular que grupos
religiosos que deixaram de utilizar os símbolos, substituindo-
os por dogmas, tendem a menosprezar e atacar outros grupos,
religiosos ou não, que continuam a servir-se dos símbolos em
seus grupos. Muitas vezes as acusações recaem sobre a ideia de
idolatria e culto às imagens.
O argumento utilizado por estes dois estudiosos acrescenta à
temática deste trabalho, tanto a nível histórico como psicológico.
O nível psicológico parte do pressuposto, a partir da psicologia
junguiana e da psicologia transpessoal, de que os símbolos são
naturais à cultura humana, incluindo sua religiosidade. Portan-
to, para esses ramos da Psicologia, as religiões e seus símbolos
são expressões do espírito humano, são expressões oriundas dos
arquétipos do inconsciente. Não se postula aqui qualquer indí-
cio da existência divina. Pelo contrário, argumentamos que as
religiões, sobretudo seus símbolos, são de natureza psicocultural.
A questão simbólica está inserida na Maçonaria que, como
já observado, apesar de não ser uma religião, admite em seus
preceitos dezenas de símbolos religiosos para a observância de
seus ensinamentos. Schüler Sobrinho (2005) propõe que o pre-
conceito existente em torno da Maçonaria é resultado histórico e
psicológico de séculos de “iconoclastia” simbólica, promovida pe-
las próprias religiões que, ao invés de exaltarem o símbolo como

1 16
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

o mais autêntico nível de expressão cultural, artística e espiritual


do homem, reelaboram uma redução do simbólico como uma
ameaça aos dogmas e uma forma de adoração a ícones o que é,
para algumas crenças, grave heresia.
É importante salientar que esta não é uma situação generali-
zada, visto que os símbolos continuam permeando nossa socieda-
de, na cultura, nas religiões e filosofias, como, no caso, a Maço-
naria. Mas devemos admitir a existência da “queda do simbólico”,
processo de cunho histórico e psicológico, que desaprova e dis-
crimina a utilização de símbolos por cultos, religiosos ou não.
Eliade (2011) revela que a cultura e, sobretudo, as crenças
religiosas tendem a postular acerca do que é sagrado e do que
é profano. A humanidade, no decurso de sua história, tornou
sacros ou profanos diversos meios de manifestações simbólicas
e religiosas. Um exemplo da teoria eliadiana é o já estudado pe-
ríodo do choque entre crenças pagãs e cristãs, nos primórdios
do Cristianismo. Tal momento histórico foi marcado pela pro-
fanação e/ou (re)sacralização de símbolos, mitos e ritos. Aqui o
histórico se aproxima do psicológico, pois, para Eliade, o profano
e o sagrado são modalidades de ser no mundo, que atingem dire-
tamente o comportamento humano:

O sagrado e o profano constituem duas modalidades de


ser no Mundo, duas situações existenciais assumidas pelo
homem ao longo da sua história. Esses modos de ser no
Mundo não interessam unicamente à história das religi-
ões ou à sociologia, não constituem apenas o objeto de
estudos históricos, sociológicos, etnológicos. Em última
instância, os modos de ser sagrado e profano dependem
das diferentes posições que o homem conquistou no Cos-
mos e, consequentemente, interessam não só ao filósofo,
mas também a todo investigador desejoso de conhecer

1 17
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

as dimensões possíveis da existência humana. O homem


das sociedades tradicionais é, por assim dizer, um homo
religiosus, mas seu comportamento enquadra-se no com-
portamento geral do homem e, por conseguinte, interessa
à antropologia filosófica, à fenomenologia, à psicologia
(ELIADE, 2011, p. 20).

O estudo de Eliade comunga do pensamento de Jung (2011).


Assim, podemos propor que a sacralidade dos símbolos religio-
sos está passando por uma profanação, como descrito por Eliade
(2011). O que fora por milhares de anos considerado sagrado,
passa agora por um processo de “esvaziamento”.
É também por essa ótica que podemos analisar a “queda do
simbólico” dentro do contexto maçônico.
Eliade (2011) e Jung (2008a), ao destacarem a religião como
detentora dos símbolos produzidos pela cultura, promovem que
o senso de sagrado e profano passa a ser determinado, portan-
to, a partir da realidade histórica em questão. Assim, podemos
compreender a não receptividade de diversos símbolos místico-
maçônicos, em alguns casos, por parte do público ou grupos an-
timaçônicos, pois, de certa forma, transformaram esses símbolos
em profanos.
Schüler Sobrinho (2005) destaca a essencialidade do estudo
dos aspectos religiosos atuais da sociedade para compreender a
presente temática. Jung (1988) julga o protestantismo como pro-
pulsor do esvaziamento simbólico atual. Embora, como já estu-
damos, o catolicismo tenha preservado a utilização dos símbolos
em seus rituais, essa mesma religião promulgou a perseguição de
quem ostentasse símbolos fora de seus ritos. No momento, os
estudiosos têm apontado o Cristianismo Protestante como forte
propulsor da condenação da utilização de símbolos, seja em âm-
bito religioso ou não, como no caso da Maçonaria.

1 18
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Para Jung (1988), essa degradação do símbolo é uma ques-


tão que está além da história ou da teologia, mas é um ponto
que abarca o psiquismo do homem ocidental. Para o autor, a
sociedade que despreza o simbólico, seja nos seus ritos, mitos ou
crenças, estaria se desvinculando da linguagem do Inconsciente
Coletivo, fruto de grande fonte de expressão psíquica.
Em termos gerais, Jung (1988) propõe que os símbolos são
uma espécie de anima mundi, em que a linguagem psíquica
(psiquismo/símbolo) não estaria desvinculada da realidade �ísica
(no caso, a religiosidade). Para comprovar a semelhança entre
diversos símbolos em diversas culturas diferentes foi que Jung
(2008b) propôs a teoria do Inconsciente Coletivo.
No entanto, é di�ícil supor uma hipótese de que o precon-
ceito contra símbolos místico-religiosos seja de caráter do In-
consciente Coletivo, fruto de seus arquétipos. Claro, segundo
a teoria junguiana, todos os símbolos são arquetípicos, porém,
não podemos julgar que o preconceito contra a Maçonaria seja
de caráter do Inconsciente Coletivo. É fato que existe uma certa
crença difundida de que a Ordem maçônica estaria envolvida com
cultos satânicos, e complôs para a tomada do governo mundial,
mas essa crença irracional é fruto de acontecimentos históricos,
como bem explanado neste trabalho.
A interpretação dos símbolos, oriundos do Inconsciente Co-
letivo, está sujeita ao ambiente cultural em que são inseridos.
Como expressado por Eliade (2011), os símbolos podem tornar-se
sagrados ou profanos de acordo com as concepções históricas e
culturais vigentes. Foi o que ocorreu com a Maçonaria que, após
todo um complexo processo histórico, passou a ser nomeada, na
contemporaneidade e por alguns grupos religiosos ou não, como
ocultista, sendo este termo erroneamente considerado “análogo”
a cultos herético-satânicos.
Em suma, o homem é fruto de sua própria construção histó-

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rica. As concepções atuais relativas aos símbolos são resultantes


dessa longa construção que, de certa forma, abarca as concepções
da mentalidade e da psique humana.
Ao embasarmos este trabalho nas concepções antropológicas
e históricas das sociedades secretas e na utilização da simbologia,
fizemos muito uso do material trazido e analisado por Campbell.
A partir deste mitólogo é que encontramos novas referências so-
bre a concepção do entrelaçamento entre psique e história. O
autor se dedica, sobretudo, ao estudo das mitologias de um modo
geral. Entretanto, leva em conta a natureza simbólica e religiosa
do homem, bem como as concepções de arquétipo e Incons-
ciente Coletivo:

A questão aponta para o problema da relação entre histó-


ria e psicologia. A psique é uma função da história ou será
o contrário? Será que descobriremos, seguindo nossos te-
mas mitológicos até seus pontos de origem, que estes po-
dem ser identificados em estratos decifráveis do poço da
história? Ou, em vez disso, quando o fundo do profundo
poço for alcançado, ou mesmo aprofundado, será que a
origem ou solo do mito terá sido alcançado? Se for este
o caso, então temos uma justificativa para afirmar que ao
menos alguns dos arquétipos sobre os quais se basearam
os contos de fadas e as religiões da humanidade se origi-
naram não de algum depósito da experiência humana no
tempo, mas de algum princípio estruturador que antecede
a história ou que pode até ser sua causa; ou seja, a própria
forma da psique como uma função da biologia do corpo
humano (CAMPBELL, 2002, p. 26).

O intuito no momento é explanar que a utilização de sím-


bolos, seja por meio de imagens ou da linguagem, é, de fato,

1 20
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

produto natural da sociedade humana. Em termos históricos e


psicológicos, não existe anormalidade no momento em que o
homem se volta a um símbolo, em ato de culto ou de ritualística.
A Maçonaria, por ser considerada uma sociedade iniciática,
preza, de modo geral, a simbólica da “morte e renascimento”
de seus iniciados, por meio do uso e exploração de símbolos.
Isso consiste, grosso modo, em morrer e renascer simbolicamen-
te para uma nova vida, em que cada maçom esteja livre, por
exemplo, dos vícios mundanos. A questão antropológica dessa
ritualística de iniciação, com caráter de “morte e renascimento”,
fora bem explanada no item ⒈⒉
A própria palavra “ritual” é bastante utilizada na Maçonaria
que, por sua vez, também levanta suspeitas nos dias atuais:

Infelizmente, ritual é uma palavra que se tornou suspeita


nos dias e na era que correm. Os que deixam de ver seu
valor ficam felizes de fazer menção a rituais “estúpidos” e
“fúteis”, como se tudo que fosse feito repetidamente da
mesma maneira fosse inevitavelmente vazio e entediante.
Outros, que atribuem poder demasiado à palavra, res-
mungam contra o “abuso dos rituais” – ligando rituais a
noções paranoicas de ritos satânicos ou abusos de crian-
ças. Ambas as abordagens erram completamente o alvo.
Um ritual não é nada mais ou nada menos do que uma
cerimônia de ações simbólicas que têm significado para
aqueles que dela participam ou que a testemunham. An-
tropólogos culturais apontam para “ritos de passagem”
– como casamentos, bar mitzvahs e batismos – que mar-
cam pontos de transição na vida das pessoas. Os rituais
Maçônicos de grau servem como ritual de passagem para
homens que estão prontos a saírem do seu isolamento
crônico e deixarem a fragmentação da vida moderna para

1 21
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

entrar numa comunidade baseada em “amor fraternal,


socorro e verdade”, como formula uma versão do ritual
do terceiro grau. Como iniciações, eles marcam um novo
começo que é simbolicamente aprofundado a cada ritual
de grau (KINNEY, 2010, p. 183).

A “queda do simbólico”, quando abordada, por exemplo, no


contexto maçônico, não tange somente aos símbolos místicos.
Muito pelo contrário, terminologias como “rituais”, “graus”,
“ocultismo”, “segredos” são sinônimos para despertar a atenção,
a curiosidade e os fortes debates em torno da temática. Embora
haja uma forte crença popular, ou lenda urbana como abordou
Hoyos e Morris (2004), a Maçonaria persiste na atualidade, não
só ela, mas também outras filosofias e religiões, que se utilizam
do simbólico em seu meio ritualístico, a saber: A Rosa-Cruz, a
Teosofia, a Gnose dentre outras.
A manutenção do simbólico na sociedade, seja por via destas
sociedades filosóficas ou não, é um sinal, como apontado por
Bertolucci (1991), de que o ser humano continua a possuir uma
espécie de necessidade de manter cultos, ritos iniciáticos, misté-
rios e a posse de um suposto saber oculto, mediante a utilização
de símbolos. Este saber oculto ainda chama a atenção dos indiví-
duos. O oculto tende a chamar a atenção dos sujeitos. É provável
que o sentimento religioso da humanidade tenha surgido pela
fascinação daquilo que está “oculto”. Entretanto, o que dese-
jamos apontar aqui consiste naquilo que Bertolucci chamou de
“sentimento e busca pelo lado oculto da vida”. Este lado oculto
é trazido, no caso, pela Maçonaria que, embora não seja uma
religião, evoca em seus iniciados a possibilidade de um saber
adicional, uma meta de vida que complementa o sentido da exis-
tência. Essa possibilidade de um conhecimento que, geralmente
versa sobre o enigma da vida, leva à sustentação e à manutenção

1 22
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

de filosofias como a Maçonaria. Assim, estas filosofias ditas


“ocultas” não são contrárias às religiões, pois pontuam sobre as
mesmas exigências do homem que se encontra perante o enigma
existencial e a necessidade de autoconhecimento:

Socialmente temos assistido a um interesse crescente pelo


lado oculto da vida, pelo simbolismo do inconsciente, por
práticas espirituais e outras buscas que denotam uma in-
satisfação com o “lado oficial” do saber, e uma necessidade
de encontrar outras fontes de realização. Esse fenômeno
não pode ser compreendido simplesmente como moda ou
válvula de escape, embora o queiram as mentes céticas.
Precisamos, isso sim, discriminar bem entre as buscas
onde o sujeito quer assimilar, incorporar, se identificar
com algum conhecimento que esteja “fora” dele, daquelas
onde a pessoa procura se engajar autenticamente em um
caminho de autoconhecimento e assumir as modificações
que isso implica (BERTOLUCCI, 1991, p. 116).

Analisando o termo “oculto”, como abordado por Kinney


(2010) deveria mesmo ser escrito entre aspas. O termo é nada
mais do que parte do próprio sistema simbólico que integra, no
caso, a Maçonaria. Sabemos que a Ordem, nos dias atuais, en-
contra-se bastante aberta e próxima ao público. Seus rituais e
preceitos estão expostos e espalhados por dezenas de livros. Por
isso, não devemos encarar as palavras “oculto” ou “ocultismo”
com sentido pejorativo.
Esta pesquisa não tem como objetivo expresso adentrar nos
ensinamentos e práticas maçônicas, porém, Kinney admite a
importância de explorar, ao menos superficialmente, as práticas
da Ordem, para demonstrar que é através dos símbolos que ocor-
rem os rituais maçônicos. Tais rituais, segundo o autor, agem na

123
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

psique do indivíduo e são caracterizados pelo ensinamento da


moralidade, da abertura à espiritualidade e do autoconhecimento:

Em todo caso, todas essas tradições de crescimento inte-


rior e consciência espiritual se desenvolveram muito antes
de os conceitos e a terminologia da psicologia moderna
serem formulados. Não obstante, elas conseguiram de-
senvolver sistemas sofisticados de trabalho interior, os
quais se mostraram efetivos ao longo dos séculos. Parece
justo sugerir que os homens que transmitiram os sím-
bolos e rituais Maçônicos através dos anos tinham um
conhecimento prático semelhante de como os símbolos
podiam servir para ensinar e inspirar, e como a repetição
ritual podia ancorar ideias e valores na psique humana
(KINNEY, 2010, p. 243).

Na parte final desta investigação devemos mostrar como


muitos símbolos maçônicos podem ser interpretados por um
viés alquímico e psicológico que muito fora estudado por Jung
(1994), além de fazer um paralelo com a visão leiga e, muitas
vezes, religioso-fundamentalista, sobre a utilização dos símbolos.
À guisa de fechamento deste tópico, é importante concluir
que a “queda do simbólico” advém de um intrincado proces-
so histórico de rejeição do símbolo, transformado em profano,
como aponta Eliade (2011), e que é ajustado e difundido na pró-
pria psique coletiva humana.

124
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

3.2 A interpretação dos símbolos: uma


hermenêutica de alguns símbolos maçônicos

A conceituação clássica do termo “símbolo” refere-se a algo que


está escondido, ou seja, um símbolo não é simplesmente aquilo
que se apresenta. Seu significado está oculto e precisa ser decifrado.
Esta é uma concepção clara, seja na Psicanálise, na Psicologia
Profunda, na Psicologia Transpessoal, ou na história dos sím-
bolos, sobretudo os sagrados. Porém, a simples menção de que
um símbolo possui algo oculto, que necessita ser decifrado, já é
o suficiente para encontrarmos distorções, tão somente por causa
da utilização do termo “oculto”.
“Oculto”, segundo Martinez e Maxwell (2007), em seu sen-
tido simbólico, está ligado ao próprio conceito de símbolo re-
ligioso, como um objeto ou imagem que possui diversos sig-
nificados filosóficos, históricos e místicos. Os autores explicam
que, a simples utilização do termo não faz com que se criem
vínculos com a magia negra e poderes satânicos, por exemplo.
No caso da Maçonaria, seus símbolos se pautam geralmente em
interpretações filosóficas, sendo que as escolas gnósticas, cabalís-
ticas, alquimistas e pitagóricas são as principais fornecedoras de
significados ao simbolismo maçônico. Estas escolas filosóficas e
místicas já foram bem exploradas e estudadas pela História, pela
Arqueologia e pelas Ciências da Religião.
Devemos notar que o termo “oculto”, ou “ciências ocultas”,
também pode se enquadrar em rituais de magia negra, rituais
satânicos dentre outros. Entretanto, esta é uma outra concepção
de oculto, relacionada com os supostos “poderes das trevas” e
satânicos, que não se aplica aos movimentos místicos e filosófi-
cos, que estão sendo expostos neste trabalho. É neste “entronca-
mento” da polissemia do termo “oculto” que encontramos outras
dificuldades concernentes à “queda do simbólico”, pois, de certa

125
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

forma, o oculto está intrinsecamente perpetuado nestes movi-


mentos herméticos, como a Maçonaria.
O termo “hermético” pode ser mais adequado à Maçonaria
do que o termo “oculto”. O primeiro termo refere-se ao fato de
que os ensinamentos, as práticas e rituais são revelados somente
aos membros deste “clube hermético”, equivalente a um círculo
reservado somente aos iniciados. Mesmo que os rituais e sím-
bolos maçônicos estejam bem expostos em livros e em estudos
científicos, o termo “hermético” permanece na manutenção da
tradição mística da Ordem.
A presente parte da investigação está reservada à interpreta-
ção de alguns símbolos maçônicos, dentro de seu contexto mís-
tico, bem como uma interpretação elaborada pelo público leigo.
É válido observar que, as interpretações por parte do público
leigo advêm, muitas vezes, de grupos religiosos fundamentalis-
tas. Entretanto, esta não pode ser uma visão generalizada. Não
é di�ícil encontrar textos específicos sobre a condenação do uso
dos símbolos. Uma rápida busca pela internet levará a diversas
páginas, redes sociais e indicações bibliográficas, referindo-se à
utilização de símbolos como um culto profano, que destoaria da
“verdadeira fé religiosa”. O próprio termo “público leigo” deve
ser utilizado com cuidado. Este público pode ser formado por
grupos que possuem certa instrução, ainda que um tanto quan-
to fundamentalista, mas digna de observação. O termo “público
leigo” é então aqui utilizado para se referir ao público que estaria
desfamiliarizado com as questões pertinentes ao simbólico, ao
oculto, ao hermético e aos clubes filosóficos iniciáticos, como a
Maçonaria. Outro termo pertinente para utilização é “antimaçô-
nico”, já que se trata, em específico, da Maçonaria.
Utilizaremos de alguns textos de cunho religioso-fundamen-
talista. Entretanto, não faremos uma distinção específica de ne-
nhuma religião. Estes textos, de modo geral, são encontrados nos

1 26
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

mais diversos lugares: em sítios religiosos ou mesmo em publi-


cações sem nenhum tipo de ligação com movimentos religiosos.
Retomando à questão dos símbolos maçônicos, encontramos
em Kinney (2010) uma boa fundamentação. Para esse autor, as-
sim como para outros, não existe uma interpretação definitiva
para um símbolo, seja ele maçônico ou não. Um símbolo, para
ser decodificado, deve despertar a imaginação do sujeito, levando
em conta, é claro, o contexto em que este símbolo está inserido.
Esse contexto variará de acordo com a cultura e poderá ser de
caráter social, político, artístico, religioso, filosófico etc‥
No âmbito maçônico por excelência, seus símbolos, geral-
mente, terão significados nas mais diversas escolas filosóficas e
místicas que são estudadas pela Ordem. Uma destas escolas des-
taca-se: a Alquimia.
A Alquimia foi amplamente estudada por Jung (1994), que
trouxe interpretações dos símbolos alquímicos à luz da Psicolo-
gia. É conhecida a história dos alquimistas. Estes diziam que,
por meio da manipulação de matérias sutis da Química, seria
possível transformar metal em ouro. Na atualidade é estudado
que os termos simbólicos dos alquimistas, ao que tudo indica,
não estavam para ser interpretados de maneira literal, mas sim de
uma maneira simbólica, pontuando uma transformação interior:
transformar o que é impuro, simbolizado pelo metal. Tratar-se-
ia de transformar os desejos, as paixões mundanas e os vícios em
algo puro, simbolizado pelo ouro, que representava as virtudes,
os valores morais e o desapego pela matéria (Jung, 1994).
Essa interpretação simbólico-alquímica é muito utilizada na
interpretação dos símbolos maçônicos, embora não seja o único
viés interpretativo. A referência feita pelos símbolos alquímicos,
na transmutação do “impuro para o puro”, está, de certa forma,
interligada aos ritos simbólicos de “morte e renascimento”, como
já explorado.

1 27
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

A questão do segredo estava intimamente relacionada aos


alquimistas, que também não deixaram de ser vítimas de per-
seguição e preconceitos, principalmente porque alguns de seus
símbolos estavam enraizados no paganismo. A Maçonaria utili-
za-se deste segredo que se revela em seus símbolos e alegorias.
Tal segredo, embora simbólico, como o dos alquimistas, torna-se
primordial para as suspeitas de culto satânico em que se desdobra
nossa investigação sobre a “queda do simbólico”. Jung (1994)
conceitua bem a relação entre símbolos, Alquimia e segredo, o
que pode, de certo modo, ser encarado no contexto maçônico.
“Fazer segredo pode também ter outra causa. O verdadeiro segre-
do não age ocultamente, mas apenas usa uma linguagem secre-
ta: ele é prefigurado por uma grande variedade de imagens que
apontam para a sua essência” (JUNG, 1994, p. 256).
Em um paralelo com a psicologia de Jung, os símbolos ma-
çônicos devem ser interpretados dentro de uma vertente que leve
o sujeito a conhecer a si mesmo, a se tornar um indivíduo autô-
nomo, indivisível, uma totalidade. Essa interpretação é análoga
ao que Jung (1994) chamou de “individuação”, sendo essa análo-
ga à iniciação na Maçonaria, como propôs Maxence:

Se individuação e iniciação propõem ao paciente em aná-


lise ou ao profano que bate à porta do Templo uma via de
progressiva transformação de si-mesmo e de sua relação
com o outro, essas duas vias formam uma dupla “pos-
tura”: aquela do analisado, que, guiado pelo analisando,
mergulha no inconsciente, tendo em vista um suplemen-
to de compreensão de si-mesmo, aquela do profano, que
se torna Aprendiz e vai aprender pouco a pouco o manejo
das ferramentas simbólicas suscetíveis de trabalhar sua
pedra bruta para dela fazer, talvez, um dia, uma espé-
cie de pedra filosofal pessoal. Em suma, trata-se sempre,

1 28
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

engajado tanto em uma introspecção quanto na outra,


de atravessar as provas de morte e ressurreição simbólica
(MAXENCE, 2010, p. 30).

As considerações de Maxence são preciosas para compreen-


der o simbolismo maçônico por meio de um viés psicológico. É
importante ressaltar que muitos símbolos maçônicos têm formas
de ferramentas de pedreiros, conotando a antiga “herança” dos
pedreiros medievais. A pedra bruta, mencionada pelo autor, re-
fere-se à alma do maçom que, por meio do ato simbólico, deve
ser polida e transformada em uma pedra elaborada, como uma
expressão do resultado do trabalho alquímico. Outro ponto in-
teressante levantado pelo autor e já direta ou indiretamente ex-
presso por esta pesquisa, é que as religiões e tradições filosóficas,
como a Maçonaria, não “inventam” símbolos, mas esses advêm
de antiquíssimas tradições histórico-culturais.
Retornando à questão da interpretação dos símbolos nos
dias atuais, devemos considerar que dentro das próprias igrejas
cristãs existe uma “controvérsia simbólica”. De um lado existe
o catolicismo que, como analisado, adotou uma série de sím-
bolos pagãos em função da conversão desses ao Cristianismo.
Porém, qualquer símbolo que se apresentasse fora do contex-
to religioso católico era rapidamente tido como herético. His-
toricamente, milhares de pessoas foram perseguidas e mortas
por suspeitas de heresia, Bruxaria e Satanismo na Idade Média.
Esse fato histórico, se bem analisado, estabelece reflexões so-
bre a “queda do simbólico”. Na atualidade, o catolicismo está
acostumado aos temas simbólicos, embora, de certa forma, se-
jam desconhecidos por parte do público leigo, frequentador ou
não da mencionada religião, como atestamos em estudo ante-
rior (RODRIGUES, 2013). E, por outro lado, temos as deno-
minações cristãs-protestantes que, de modo geral, esvaziaram-se

1 29
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

totalmente dos conceitos simbólicos típicos da religiosidade. Es-


tes conceitos não se dirigem somente ao símbolo-imagem, mas
aos símbolos da própria literatura religiosa, tomando os escritos
sagrados em sentido literal, transformando-se, muitas vezes, em
grupos fundamentalistas.
Esta pesquisa não pretende fazer um julgamento desta ou
daquela religião, mas, somente desejamos apontar momentos em
que o simbólico foi e ainda é desprezado. Assim, como analisa-
mos o catolicismo, e suas perseguições a grupos “dissidentes”,
poderemos, sem julgamentos, adentrar em outras denominações
religiosas como, no caso, os protestantes, que também promove-
ram perseguições.
As críticas quanto ao uso dos símbolos não se restringem à
Maçonaria ou a qualquer outro clube filosófico-esotérico, mas
ocorrem contra as próprias denominações cristãs. Como, por
exemplo, Bertuol, dentro de uma visão religioso-fundamenta-
lista, critica o período histórico do catolicismo, pelo domínio
do mundo pagão e pela assimilação de alguns de seus símbolos.
Em seu livro, o autor revela aos leitores que todos aqueles que
estavam “fora” da mensagem de Cristo, que não seguiam o Evan-
gelho e que, principalmente, adoravam ídolos e símbolos, eram
e ainda, não raras vezes, são considerados como estando conde-
nados ao inferno. Para tanto, considera o Cristianismo católico
como “igreja apóstata paganizada”, ou seja, o catolicismo, segun-
do o autor, por utilizar-se de símbolos muitas vezes tomados do
paganismo, torna-se uma religião de sacrilégios:

Roma, através dos séculos, constituiu-se na maior fábrica


de ídolos do mundo. Não temos dúvidas de que tudo o
que Jesus disse aos escribas e fariseus em Mt. 23 pode
aplicar-se também a Roma.

130
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Não temos dúvida de que o Pontificado, os sacerdotes e


o domínio romano tiveram origem na apostasia aliada ao
paganismo estatal. E isto aconteceu para se cumprir a Es-
critura acerca da Babilônia (BERTUOL, 1982, p. 71).

Esta passagem, assim como inúmeras outras, além de mostrar


a intolerância contra símbolos (ídolos), demonstra igualmente
a intolerância entre religiões cristãs, além da “famosa” crença,
bem difundida, de que qualquer material pagão seria sinônimo
do mal.
Mastral e Mastral julgam que grande parte da ação e culto
demoníaco ocorre por meio da utilização de símbolos pagãos, e
em um “sofisticado” sistema de sociedades secretas, abertas so-
mente aos iniciados, que propagam o sincretismo religioso e,
assim, invocam o mal por meio do ocultismo alquímico, cabalís-
tico, dentre outras formas. Os autores afirmam que qualquer tipo
de sociedade secreta é sinônimo de Satanismo:

O satanismo forma uma irmandade na qual se vai aden-


trando passo a passo. Está entre as religiões de mistério,
de revelação progressiva. Isto significa que seu modus ope-
randis, seus rituais e sua doutrina são revelados à medi-
da que os bastidores são abertos. Obviamente, os inicia-
dos não têm acesso aos grandes segredos da irmandade.
A busca de poder e conhecimento do oculto são a grande
motivação de seus seguidores. Segundo seus sacerdotes
e mestres, o iniciado tem pela frente um mundo de des-
cobertas e conhecimento (MASTRAL e MASTRAL,
2003, p. 4).

Todo o trabalho dos autores é repleto de menções a sacri�í-


cios de animais e de pessoas e, é claro, à invocação do demônio

131
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

por meio de rituais e de símbolos, sobretudo pelo controvertido


símbolo do pentagrama.
E assim continuam o escrito, até chegarem ao seguinte ponto:

O Livro Doutrinário de Lúcifer relativiza valores, de-


monstra verdades ontológicas. (A verdade é imutável,
porém Deus, o “Absoluto”, é um “Mutante”). Contém
alguns outros relatos históricos da Bruxaria pelo mundo:
Egito, Alexandria, Europa, etc… e menciona enfatica-
mente toda a estratégia para o advento do anticristo. Re-
lata também quais são os principais Braços internacionais
da Irmandade e suas ações no Globo. Templários, Pitagó-
ricos, Gnósticos, Golden Dawn, Wicca, Warlock, Maço-
naria, AMORC (Antiga Ordem Mística Rosa Cruz), etc
(MASTRAL e MASTRAL, 2003, p. 41).

Esta descrição não é nova perante tudo o que já expusemos


sobre a questão da Maçonaria e seus símbolos. A indicação é,
novamente, a menção de que tudo o que se prende ao esotérico,
ao místico e ao oculto seria uma menção direta ao Satanismo.
Não afirmamos que não existam cultos satânicos na atua-
lidade, pois um estudo aprofundado das religiões comprova a
prática desses ritos. No entanto, vale mencionar que esta pesqui-
sa pretende comprovar que uma das causas da “queda do simbó-
lico” está na crença bastante difundida de que os símbolos têm
conotação de idolatria, heresia e, portanto, qualquer religião, ou
filosofia que deles se utilizem, viriam a ser idólatras e demonía-
cas, argumento este que não procede, no caso, com a Maçonaria.
Analisemos agora argumentos sobre a utilização e signifi-
cação dadas aos símbolos em três âmbitos distintos: o âmbito
maçônico, o âmbito antropológico-histórico e o antimaçônico.
No âmbito antropológico-histórico, encontramos:

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

“O símbolo desperta intimações”, escreve Bachofen, “dis-


cursos podem apenas explicar. O símbolo toca todas as
cordas do espírito humano ao mesmo tempo; o discurso
é compelido a assumir um único pensamento de cada vez.
O símbolo finca suas raízes nas mais secretas profundezas
da alma; a linguagem esvoaça sobre a super�ície da com-
preensão como uma brisa suave. O alvo do símbolo é o
interior; o da linguagem, o exterior”. E em ressonância
com o sentido interior de seu símbolo comandante, sus-
tentava Bachofen, a civilização de cada estágio ascendente
produziu a mitologia e os feitos criativos de seu destino
exclusivo – como fez a Europa gótica em resposta ao sím-
bolo do Redentor Crucificado, Israel à Promessa, Atenas
ao seu céu apolônico e os Lícios à terra feminina (CAM-
PBELL, 2002, p. 114).

A importância que Bachofen (apud Campbell, 2002) fornece


ao símbolo, quando demonstra que suas “raízes mais secretas es-
tão nas profundezas da alma humana”, é uma referência direta a
seu caráter psicológico. A simbólica, sobretudo a simbólica místi-
ca é um convite a que o indivíduo “mergulhe” nas profundezas de
seu ser, em busca do autoconhecimento e da transformação inte-
rior, como aquela postulada pelos alquimistas. Entretanto, esta é
mais uma problemática para a “queda do simbólico”. Grupos que
criticam o uso dos símbolos postulam que, a reflexão interior que
um símbolo evoca produz um afastamento da divindade suprema,
no caso, de Deus, pois o homem volta-se para si mesmo.
Schüler Sobrinho expõe a finalidade da utilização dos símbo-
los dentro da Maçonaria. Esta finalidade está velada ao interesse
do maçom no autoaperfeiçoamento e no conhecimento interior
de sua personalidade. O símbolo, neste caso, assume seu papel de
“escola do conhecimento”, como indica o autor:

13 3
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Na ritualização e na operacionalização, aflora a consci-


ência, através da consciência, numa discussão de temas
esotéricos e exotéricos, isto é, do transcendental ao social;
sua cadência é expressa por símbolo e signos conferindo,
nesses encontros, beleza e significação, pois são eles – os
símbolos e os signos – que balizam as bias19 culturais e fa-
zem dos maçons os verdadeiros analistas simbólicos, que
dispõem de arquivos, cujos documentos são traduzidos
em linguagem. Mas, o que é um analista simbólico? É o
cidadão que tem a multiplicidade consciente de seu valor
e sua significação, tanto como trabalhador-executor ou
gestor como profissional ético e moral; que glorifique o
trabalho como expressão máxima de sua existência terre-
na; que veja no desenvolvimento e no progresso dos povos
a síntese de uma aspiração coletiva, e que saiba, também,
que a vida necessita ser cultivada para o entendimento e
para o amor; que exprima sua preocupação na constante
miscigenação entre o discurso prático e o teórico, para
compreender a si mesmo e aos fundamentos da sociedade
pluralista; que entenda que tanto seu corpo e sua mente
como estrutura social são formados por órgãos, lugares
de sutis mudanças e de secretas mutações (SCHÜLER
SOBRINHO, 1999, p. 102).

Existem inúmeras interpretações para os símbolos, seja no


caráter antropológico-histórico ou no âmbito maçônico. É por
meio dos símbolos que a Maçonaria evoca o aperfeiçoamento do
maçom ao infundir questões de moralidade.
Quanto ao caráter fundamentalista antimaçônico, em rela-
ção aos símbolos, encontramos o preceito de que, a simbologia

⒚ De acordo com o próprio autor: “Balizas, nichos que envolvem uma determinada
comunidade ou um segmento cultural na sociedade”.

13 4
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

religiosa utilizada por ordens iniciáticas, que tem suas origens


no paganismo, é categoricamente intitulada de satânica e que
desvirtua o sujeito da sociedade cristã e dos verdadeiros valores
de Cristo. Esse é um conhecido embate religioso, sobretudo nas
religiões que, de certa forma, na visão eliadiana, “profanaram”
o simbólico.
Eis a seguinte visão de Milton, que, comentando sobre seu
livro “Símbolos da Nova Era”, explica que Satanás utiliza-se do
simbólico para infiltrar concepções de idolatria e paganismo,
dentre outros. É válido lembrar que a Maçonaria, segundo Mil-
ton e outros autores, estaria dentro deste contexto conhecido por
“Nova Era”20:

Pode-se saber, ao mesmo tempo, porque Satanás tem


tanto interesse em que as pessoas adotem o uso de toda
a simbologia que ele tem feito divulgar através de seus
mensageiros. Como se processa esse sistema de divulga-
ção e até onde se compromete com as forças das trevas as
pessoas que se deixam levar pelos modismos, sem pon-
derar se isso seria aconselhável, se realmente acrescentaria
alguma coisa em suas vidas ou trariam algum bene�ício
para ajudá-las nessa di�ícil caminhada terrena.
⒛ A Nova Era é considerada um movimento, sobretudo, ocidental. Movimento este per-
meado por misticismo e espiritualismo, unindo muitas concepções religiosas e filosóficas
do Ocidente e Oriente. A Nova Era, ou New Age, promove a preocupação com o interior
e o exterior do ser humano, ou seja, o seu bem-estar perante à vida. Assim, procura o
autoconhecimento do indivíduo, bem como tem preocupação com o meio ambiente em
que vive. A New Age deseja promover uma nova consciência planetária, em que o in-
divíduo, embora conhecendo sua individualidade, esteja em sintonia e harmonia com os
demais. A Nova Era promulga muitos símbolos religiosos e esotéricos. Sua visão panteísta
de mundo, e da harmonia do homem com a natureza faz com que este movimento se
aproxime de muitos preceitos pagãos, o que lhe fornece margem para a condenação por
parte das religiões hegemônicas, sobretudo o Cristianismo. Embora a Maçonaria seja
muito anterior a tal movimento, ela vem a ser inserida nesse contexto, geralmente pela
“propaganda” cristã, por causa de sua utilização dos símbolos místicos e de seu secretis-
mo. (Bettencourt, s/d a).

13 5
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Não há dúvida de que se trata de um livro completo.


Iniciando pela definição de simbologia, passando pe-
los motivos que levam Lúcifer à instituição do seu uso
(MILTON, 2010, p. 6).

O autor, embora evoque os fatores culturais e antropológi-


cos, que envolvem os símbolos, continua defendendo a tese de
sua maléfica utilização:

Um símbolo cujo significado o pretenso usuário não sabe,


mas passa a usá-lo preso numa corrente em volta do pes-
coço, em forma de adesivo plástico ou de muitas outras
maneiras. Aí, estará ligado a Satanás até o dia do confron-
to final, sem saber qual surpresa o aguarda.
Esse é o motivo pelo qual o uso dos símbolos está tão
disseminado, principalmente entre os jovens, que dificil-
mente conhecem seus significados e os usam porque está
na moda. O objetivo do uso dos símbolos por parte de Sa-
tanás não poderia ser realmente outro, já que o simbolis-
mo surge da necessidade que o homem tem de expressar e
dar significado a sentimentos nascidos no mais íntimo de
seu ser. O que ele experimenta, tem necessidade de comu-
nicar a seu semelhante e isso se constitui uma caracterís-
tica muito própria e exclusiva do homem, haja vista que,
ao falar de amor, por exemplo, o símbolo imediatamente
surgido para identificar é o coração…
Logicamente, algo tão expressivo e de forte apelo como
a simbologia, não poderia ser ignorado por Lúcifer, que
usa toda artimanha ao seu alcance para enganar o homem
e conservá-lo sob o domínio de sua vontade (MILTON,
2010, p. 25-26).

136
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

É proposto que essa “dessacralização” do simbólico por al-


guns grupos religiosos, ou mesmo sua própria profanação, como
exposto anteriormente, coloque os sujeitos frente aos símbolos
como algo desconhecido, atípicos de seu cotidiano. O desconhe-
cido, por si só, causa temor, medo. Por isso, o simbólico, jun-
tamente com a Maçonaria, com toda sua complexidade, passa a
causar medo ou desconforto. O homem teme aquilo que desco-
nhece. (Kinney, 2010).
Exploraremos alguns símbolos que se apresentam no âmbito
maçônico. Deles buscaremos a hermenêutica dada pela Maçona-
ria, pela Antropologia e pela História e por grupos antimaçônicos.
A escolha destes símbolos foi motivada por um estudo, a priori,
em que se apresentaram como os símbolos mais controvertidos.

Pentagrama: o pentagrama, ou a estrela de cinco pontas, é um


dos símbolos mais antigos já produzidos pela cultura. Lurker
(2003) comenta que este símbolo está praticamente enraizado em
todas as grandes religiões mundiais, bem como em outros movi-
mentos filosóficos e místicos. Pitágoras o utilizou em sua escola
filosófica como indicativo de perfeição e harmonia cósmica, o
que considerava também como um símbolo de boa saúde.
Embora esse símbolo esteja presente no catolicismo, como a
estrela que guiou os Reis Magos até o Menino Jesus, e hoje se
encontre no topo das árvores de Natal, não possui tanto significado
nas religiões tradicionais, como possui nas tradições esotéricas.
Moore (2009) admite que são milhares os significados e tra-
dições que envolvem o pentagrama. Aqui apontaremos os mais
adequados a este trabalho. Foi devido a essa quantidade de signi-
ficados que esse símbolo passou a ser um dos mais enigmáticos e
controvertidos da história, sobretudo pela sua grande difusão em
meios ocultistas e esotéricos.

137
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Inicialmente, a estrela de cinco pontas aparece nas culturas


do Oriente Médio e foi, ou ainda permanece sendo, dependendo
do contexto, o principal símbolo da deusa, ou do Sagrado Femi-
nino. Como indicam O’Connell e Airey (2010), a estrela repre-
sentava a deusa Vênus, porém, ao passar de cultura para cultura,
teve outras representações e significações. A Maçonaria também
tem o seu simbolismo muito relacionado aos antigos construto-
res medievais. O pentagrama ganha, no seio maçônico, um sig-
nificado geométrico, relacionado à beleza e à exatidão, como foi
proposto na Antiguidade, por exemplo, pelos pitagóricos:

O pentagrama/pentágono desenvolveu outro simbolismo


poderoso do mundo antigo, a Proporção Áurea, uma pro-
porção singular (1:1,6⒙.), cuja recíproca e quadrado têm
todos a mesma parte fracionária irracional que o próprio
número: 0,6⒙‥ A Proporção Áurea é encontrada nos
templos construídos no Egito e na Grécia e é também um
modelo para as proporções da própria vida, surgindo na-
turalmente na formação dos corpos vivos, incluindo o hu-
mano. Os antigos egípcios deixaram evidências do seu con-
junto de modelos de proporções dentro do corpo humano
nos seus meticulosos desenhos dos templos, que pouco
mudaram em milhares de anos (HEATH, 2010, p. 25).

A própria Matemática está presente neste símbolo. Na Idade


Média, o italiano Fibonacci (1170-1250), por meio da chamada
“Proporção Áurea” exposta no pentagrama, que serviu de em-
basamento para as construções dos antigos templos, chegou a
sua famosa descoberta por meio de complicadíssimos cálculos
matemáticos, conhecida como “sequência Fibonacci”. Tal sequ-
ência demonstra a harmoniosa disposição matemática de diversos
elementos; elementos estes encontrados tanto na natureza, como
na Arquitetura. (Heath, 2010).

138
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Essa interpretação pode ser inserida na Maçonaria, pois,


como mencionado, essa Fraternidade admite que muitos de seus
símbolos fazem parte de uma “herança” dos antigos construtores
que tanto prezavam a harmonia do conjunto arquitetônico.
Segundo Moore (2009), a Maçonaria adota, para o penta-
grama, a concepção de harmonia, estabilidade e perfeição, assim
como foi postulado pelos pitagóricos. Os maçons têm essa estrela
como símbolo de iluminação, da proporção perfeita, podendo
conotar o símbolo da própria divindade, Deus, ou “Grande Ar-
quiteto do Universo”, termo utilizado pelos maçons para designar
Deus. É o símbolo que deve remeter à regeneração do indivíduo,
por meio da iluminação em um mundo desconhecido.
Kinney aborda em seu livro a utilização do pentagrama entre
maçons, também conhecido como Estrela Flamejante, e admite
o quão este símbolo tem despertado interpretações hostis e con-
traditórias:

Estrela Flamejante, um símbolo que atraiu muitas in-


terpretações contraditórias, algumas inspiradas, algumas
hostis… Para muitos Maçons cristãos, a contar no final
do século XVIII, o símbolo da Estrela Flamejante repre-
sentava “a estrela que havia conduzido os reis magos a
Belém, proclamando à humanidade o nascimento do Fi-
lho de Deus”. Outra leitura a associava ao “período em
que o Todo-Poderoso entregou as duas tábuas de pedra,
contendo os dez mandamentos, ao seu servo fiel Moi-
sés no monte Sinai, quando os raios da Sua divina glória
brilharam tanto que ninguém podia olhar sem temer e
tremer”. Outras leituras simplesmente a identificam como
símbolo de Deus (“o Grande Arquiteto do Universo”) ou
da virtude da prudência…

139
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

Segundo certos críticos antimaçons, o uso pela Maçona-


ria do símbolo da estrela revela a sua natureza diabólica
(KINNEY, 2010, p. 244-246).

Essa natureza diabólica, comentada pelo autor, encontra jus-


tificativa no fato do pentagrama ser um dos símbolos culturais
mais antigos e, portanto, muito encontrado no mundo pagão.
Como observado, a estrela tinha uma forte relação com o cul-
to à deusa, ao “Sagrado Feminino”. Isso pode significar para os
antimaçons uma espécie de idolatria a uma divindade feminina.
Também consideramos que muitos grupos modernos, como os
próprios satanistas, tomaram o pentagrama como autêntico sím-
bolo do diabo, fornecendo assim margem para mais especulações
em torno da Maçonaria.

Imagem VIII: o mítico pentagrama é considerado um dos símbolos


mais antigos e difundidos entre as religiões mundiais. Fonte: acervo do
autor.

140
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Hexagrama, esquadro e o compasso: estes três símbo-


los, embora distintos, podem ser analisados concomitantemente.
Estes símbolos, assim como todos os outros, tomam diferen-
tes significados dependendo da cultura em que se apresentam.
O hexagrama, ou estrela de seis pontas, apresenta-se em diversas
religiões e filosofias. Assim, o analisaremos aqui em um contexto
mais próximo da Maçonaria.
Lurker (2003) lembra que o hexagrama se tornou, no cená-
rio do Ocidente, o símbolo principal do Judaísmo. De fato ele é
uma imagem recorrente no cotidiano judaico. Entretanto, antes
de se tornar o “principal” símbolo judaico, o hexagrama já era
utilizado por muitos outros grupos religiosos e filosóficos. No
contexto maçônico, o hexagrama assume vários significados, mas
esses significados não estão muito distantes daqueles significados
impostos por outras filosofias e religiões.
Os significados são múltiplos, entretanto, assim como expres-
sado por Jung (2008a), o hexagrama assume um sentido de tota-
lidade, unindo duas polaridades de opostos. Estes opostos são re-
presentados pelos dois triângulos que se fundem em uma só figura,
formando uma estrela de seis pontas. O triângulo ascendente repre-
senta o espírito, a alma humana, enquanto o triângulo descendente
representa a matéria, a carne. Ou seja, é um símbolo que possui,
como um de seus significados, a “superioridade” da alma em relação
à matéria. Musquera (2010) argumenta que, em seu sentido mais
místico, a Maçonaria fornece essa interpretação ao hexagrama, já
que o maçom é convidado a desenvolver virtudes que enobrecem a
alma, em contraposição aos vícios e ao apego à matéria.
Musquera (2010) afirma que esse símbolo tem outros sig-
nificados na Maçonaria como, por exemplo, relembrar a “he-
rança” que a Fraternidade possui, com a construção do Templo
de Salomão. Com efeito, este é um mito maçônico que atribui
suas origens à construção do Templo de Salomão, em Jerusalém,

141
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

portanto, recebeu uma forte expressão no imaginário mítico da


Ordem. Entre estes significados, este símbolo também é velado
com um sentido de simetria, de geometria, muito emblemático
entre os símbolos dos antigos construtores medievais.

Imagem IX: o hexagrama é sempre lembrado como símbolo judaico, no


entanto, o presente símbolo é encontrado em diversas religiões e cultu-
ras. Fonte: acervo do autor.

Entre essa polissignificabilidade do hexagrama encontramos,


também, os símbolos emblemáticos da Maçonaria, o esquadro
e o compasso. Embora o hexagrama, o esquadro e o compasso
sejam símbolos distintos, neste caso, nós os analisaremos parale-
lamente, por possuírem significados bem semelhantes.
O esquadro e o compasso foram instrumentos muito uti-
lizados entre os pedreiros medievais nas construções dos mais
belos monumentos. Como analisado, os maçons admitem que a
Ordem seja herdeira direta das antigas corporações de pedreiros,
portanto, tomaram o esquadro e o compasso como principal em-
blema/símbolo da Ordem.
Moore (2009) expõe que o símbolo do compasso remete ao
significado de totalidade, pois com um compasso é possível traçar

142
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

um círculo concêntrico, símbolo da totalidade e perfeição que


pode, em alguns casos, representar o símbolo da própria divinda-
de. O esquadro, por sua vez, traça linhas retas, o que deve indicar
ao maçom que deve permanecer em uma vida de integridade, de
retidão e de limitações. É possível observar certo paralelismo no
significado entre o hexagrama, o esquadro e o compasso, embora
muitos autores como Moore (2009) admitam que sejam símbo-
los distintos. O principal paralelismo, na realidade, baseia-se na
similaridade da forma geométrica existente entre eles. É possível
visualizar que o compasso é similar ao triângulo ascendente do
hexagrama, e o esquadro similar ao triângulo descendente. Foi
por esta similaridade que optamos por analisar os dois símbolos
juntos, pois, para os antimaçons e teóricos da conspiração, o es-
quadro e o compasso vêm a ser o disfarçado símbolo dos judeus,
o hexagrama, o que faria da Maçonaria uma seita judaica.
Milton (2010) oferece uma visão deturpada do símbolo. O
autor refere-se a ele, mais uma vez, como um símbolo oriundo
do paganismo. Seu significado seria originário do culto aos anti-
gos deuses, masculinos e femininos, pois o triângulo ascendente
representaria o sagrado masculino; já o triângulo descendente re-
presentaria o sagrado feminino. Embora o argumento de Milton
(2010) não esteja totalmente errado, pois, em outras culturas –
como as orientais – a representação do hexagrama, de fato, tem
como principal representante a união dos opostos masculino e fe-
minino, equalizando o significado de equilíbrio, tal representação
não é típica da Maçonaria. Autores maçons com uma vertente mais
mística, como Leadbeater (1969), atribuem um sentido bem mais
esotérico-religioso ao hexagrama, utilizado em âmbito maçônico.
O importante é observar, mais uma vez, que o símbolo do
hexagrama, como todos os outros símbolos, ganha um sentido
pejorativo pelo simples fato de que sua possível origem este-
ja incutida no mundo pagão. Milton (2010) o considera como

14 3
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

um emblema do diabo, pelo fato de que, em algumas tradições,


representa a união do masculino e do feminino, proveniente de
antigas crenças pagãs.
No âmbito da teoria da conspiração, Benimeli (1995) ad-
mite que o símbolo do esquadro e do compasso, devido à sua
similaridade geométrica com o hexagrama, principal símbolo do
Judaísmo desde o século XVII, tornou-se fonte de teorias an-
tissemitas que atribuem à Maçonaria a propriedade de ser uma
sociedade secreta judaica que pretende a dominação do mundo e
a extinção da religião cristã. Essa teoria ganhou maior força com
o surgimento dos apócrifos “Protocolos dos Sábios de Sião”, no
início do século XX. Tais Protocolos foram fundamentais para a
disseminação do antissemitismo e do antimaçonismo. Segundo
Benimeli (1995), os falsos Protocolos incutiram a ideia de que a
suposta conspiração entre judeus e maçons fosse a causa de todos
os males do mundo, sinônimo de anticristianismo, que impunha
a religião de Satã no Ocidente.

Imagem X: o esquadro e o compasso formam o principal símbolo da


Maçonaria. Muito teóricos quiseram interpretá-lo como um hexagra-
ma “criptografado”. Fonte: acervo do autor.

14 4
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

O Bode: este símbolo não é utilizado na Maçonaria, não en-


contramos referências de seu uso nos rituais maçônicos. O sím-
bolo do bode, assim, permanece mais na crença popular do que
no âmbito do simbolismo maçônico, como afirma Mansur Neto
(2009). É certo, segundo Lurker (2003), que o bode tornou-se,
sobretudo na Idade Média, o símbolo ou a própria personificação
de Satanás. O bode, ou qualquer animal com chifres, tornou-se
sinônimo do diabo. Historicamente, é di�ícil estabelecer quando
o bode, por exemplo, tornou-se não só o símbolo, mas a própria
personificação do diabo.
Para Lurker (2003), a resposta pode estar nas antigas religiões
do Oriente Médio, que tinham o bode como símbolo de mascu-
linidade e fertilidade. Na Grécia Antiga, o deus Pã, representante
dos campos e bosques, tinha, juntamente com seu par de chifres,
uma feição assustadora. Durante a passagem do paganismo para o
Cristianismo, é provável que, este antigo símbolo da fertilidade,
tenha se tornado o símbolo ou a própria personificação do diabo.
Também encontramos a figura do bode na antiga tradição
judaica. Mohr (1994) retoma o antigo ritual judaico para a con-
fissão dos pecados. Este ritual consistia em tomar um bode e
“contar” para ele, em seu ouvido, todos os pecados que o su-
jeito havia cometido. Logo em seguida, o bode era levado para
o deserto e abandonado. Essa era a maneira de os antigos ju-
deus expiarem seus pecados, nascia aí o termo “bode expiatório”.
O animal tornou-se um símbolo de segredo e, ao mesmo tempo,
o símbolo do portador de pecados.
Benimeli (1995) admite que o principal difusor de que na
Maçonaria o diabo, na forma de bode, era cultuado, foi Taxil.
Este, aproveitando-se do significado que a figura do bode havia
tomado em ambiente cristão, e aproveitando-se de uma anedota
contada durante a perseguição dos maçons pela Inquisição, esta-
beleceu que a Maçonaria adorava o diabo encarnado na figura do

14 5
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

bode ou de Baphomet21. Tal anedota conta que muitos maçons,


presos e torturados durante a Inquisição, não revelavam de forma
alguma os segredos da Ordem. Os inquisidores classificavam os
maçons como bodes, pois não revelavam os seus segredos, fazen-
do uma alusão ao bode expiatório dos judeus.
Taxil aproveitou esta concepção, já formada em torno do
bode, Baphomet, e relatou sobre o culto satânico no meio ma-
çônico. Embora tenha declarado formalmente as mentiras de
suas acusações, a imagem do bode relacionado à Maçonaria per-
maneceu no imaginário popular, e permanece como fonte de
acusações de que a Maçonaria adora um bode, a própria perso-
nificação do mal.
Mansur Neto exemplifica a temática crença do bode maçô-
nico em uma passagem bastante difundida entre o público leigo:

Dentro do prédio da maçonaria tem um quarto escuro, e


existe guardado um bode preto muito grande. E as pesso-
as, no dia que vão entrar para a maçonaria, têm de montar
no bode, que é o próprio diabo. Se o candidato cair da
montaria não serve para ser maçom (MANSUR NETO,
2009, p. 45).

O bode maçônico é muito mais uma expressão popular do


que um símbolo propriamente dito. Mesmo não sendo um sím-
bolo maçônico, citamos essa figura com a finalidade de apontar
a maneira como uma história apócrifa, inculcada, sobretudo por
Taxil, ainda permanece no imaginário popular.

2⒈ Keightley (2006) relata que a figura de Baphomet surgiu durante as acusações contra
os Templários. Estes foram injustamente acusados e condenados pelos mais terríveis cri-
mes e blas�êmias, contra a religião cristã. Baphomet seria um ídolo com chifres adorado
pelos Templários no lugar de Cristo. Com o passar dos séculos a figura de Baphomet
permaneceu no imaginário popular, ganhando cada vez mais interpretações. O próprio
Satanismo tomou a imagem de Baphomet como um de seus principais ídolos.

146
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

A relação “bode-Maçonaria” tornou-se tão difundida na


mentalidade popular, que a própria Maçonaria adaptou esse sím-
bolo, com certo “humor”, criando um clube paramaçônico co-
nhecido como “Bodes do Asfalto”, um clube de motociclistas
maçons que se reúne para participar de eventos motociclísticos
por todo o Brasil.
É verossímil afirmar que, apesar de o bode não fazer parte
do simbolismo maçônico, tal símbolo se enquadra na questão da
“queda do simbólico”. O enquadramento ocorre pelo fato de todo
o mito criado por Taxil, de certa forma, se perpetuar até os dias
atuais. Outro ponto de interesse é o fato de que, na mística maçô-
nica, existe a suposição de “vínculação” entre Templários e Maço-
naria. Ora, o primeiro grupo, como dissertado anteriormente, foi
erroneamente acusado de adorar um ídolo animalesco, o Bapho-
met, criando a concepção de culto ao diabo. A Maçonaria, de certa
forma, apesar de não ter comprovação histórica de que exista liga-
ção com os Templários, “herdou”, ao menos, o fardo acusatório de
culto ao mal, personificado na figura do bode.
Existe uma multiplicidade de símbolos maçônicos, para não
dizer todos, que apresentam uma interpretação coerente, com o
contexto da Ordem, e outra referente aos ataques com alegações
de que tal símbolo seja uma representação ou parte de um culto
diabólico. Outros símbolos muito utilizados pela Maçonaria, como
o delta flamejante, a pirâmide, os crânios e ossos, o olho da provi-
dência, o caixão, símbolos alquímicos, dentre outros, recebem uma
infinidade de conceitos. Uma análise de cada um destes símbolos
se tornaria exaustiva. De um lado, haveria a interpretação dada pela
Ordem; uma fornecida pela Antropologia e História das religiões;
e, por fim, a interpretação distorcida conceituando que tal símbolo
advém de antigos cultos pagãos e, portanto, sendo um vestígio de
devoção ao mal.
A título de curiosidade, dentro de um contexto maçônico, o

147
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

caixão, crânios e ossos têm inúmeros significados, mas para este


trabalho é interessante o significado de morte e renascimento.
Os simbólicos crânios e ossos são frequentemente encontrados
na “Câmara das Reflexões”, local em que o postulante à iniciação
maçônica passa um bom tempo refletindo sobre a brevidade da
vida e sobre sua nova futura condição, a de maçom. A “Câma-
ra das Reflexões” geralmente é um aposento escuro, repleto de
símbolos que representam a morte. A entrada para a Maçonaria
representaria, assim, um novo nascimento, que marca a jornada
do maçom em sua busca espiritual de aperfeiçoamento interior.
A pirâmide, no contexto maçônico, geralmente se apresenta
de forma inacabada, conotando a própria condição de imperfei-
ção do homem, que deve estar em constante progresso moral
e intelectual. O delta flamejante representa a Providência Divi-
na de GADU, o Grande Arquiteto do Universo, ou seja, Deus.
O termo GADU forneceu muitas margens para debates e contro-
vérsias entre o público de modo geral. O delta também é comum
na simbólica cristã, representando a Trindade Divina.
Para finalizar, exploremos um importante argumento de
Kinney sobre a interpretação dos símbolos maçônicos e suas di-
vergências:

Indesejosos de aceitar que a Maçonaria pode de fato ser


“um sistema peculiar de Moralidade, velado em alegorias
e ilustrado por símbolos”, Maçons e antimaçons igual-
mente têm se mostrado determinados a encontrar uma
nova camada de significados no interior do simbolismo
Maçônico. Maçons de inclinação mística tendem a se
inspirar na Kabbala, no rosacrucianismo e no misticismo
cristão, na sagrada geometria e numerosas outras tradi-
ções em seus esforços para sondar os abismos da profun-
didade Maçônica. Ao mesmo tempo, antimaçons muitos

148
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

dos quais exibem uma zelosa alegria em atribuir as piores


interpretações possíveis a qualquer coisa Maçônica têm
procurado provar que os símbolos e rituais Maçônicos
ocultam (ou revelam) uma massa distorcida de deprava-
ções satânicas e heréticas, assegurando a todos os partici-
pantes a danação eterna. Nesta empresa, ambas as partes
têm sido ajudadas pela natureza ambígua e inconclusiva
dos próprios símbolos.
Qualquer símbolo digno deste nome se prestará a múlti-
plas interpretações – algumas morais, outras filosóficas,
psicológicas, literárias, religiosas ou políticas – e, depen-
dendo da predisposição, elas poderão ter uma coloração
positiva ou negativa. Além disso, como com os famosos
testes de Rorschach com manchas de tintas, tais interpre-
tações frequentemente dizem mais sobre a pessoa que as
está fazendo do que sobre o símbolo em si.
Mas há uma outra maneira de trabalhar com símbolos
além de simplesmente interpretá-los. Isto envolve viver
com ele por um longo período de tempo: usá-los, medi-
tar sobre eles, experimentá-los – como fazem os Maçons,
tanto quando passam pelos rituais de grau como quando
ajudam a desempanhá-los para outros.
Desta maneira, a gente descobre que certos símbolos
começam a associar-se a certas emoções e pensamentos,
ou com estados íntimos que escapam à descrição verbal
(KINNEY, 2010, p. 240-241).

As palavras do autor evocam o que expusemos nesse item da


investigação. Os símbolos sempre encontraram divergências e inú-
meras interpretações, entretanto, o discernimento e o senso do
âmbito em que se inserem são fundamentais para uma boa com-
preensão e interpretação do símbolo. O autor é perspicaz ao afir-
mar o caráter psicológico da linguagem dos símbolos.

149
Considerações finais

A investigação seguiu seu curso baseando-se, sobretudo, no pilar


da história dos símbolos e das sociedades iniciáticas. Esse mesmo
pilar demonstrou também, por meio da Antropologia, que os
símbolos religiosos sempre estiveram presentes no coração das
culturas, e que ainda permanecem.
O viés antropológico indicou que o ser humano, por sua pró-
pria condição, necessita criar símbolos que ultrapassam a razão e
alcançam interpretações meta�ísicas. Assim, apesar de os símbo-
los terem sido, ao que tudo indica, uma das primeiras formas de
comunicação do ser humano, também recebiam uma conotação
transcendental, ou seja, místico-religiosa. Foi assim que o ser
humano encontrou um meio para explicar o mundo e atribuir um
significado a sua existência.
A formação de cultos religiosos mediante símbolos e a insti-
tuição de deuses e deusas, caracterizou os primórdios da civiliza-
ção. A formação de sociedades secretas foi uma consequência ló-
gica da cultura estabelecida. Grupos que detinham o poder de um
possível segredo sagrado, legado somente àqueles que passavam
por uma iniciação, foram produtos da própria cultura religiosa.
O desenvolvimento histórico, contando com o desenvolvi-
mento da psique coletiva da humanidade, levou ao estabeleci-
mento de grandes religiões mundiais, sobretudo monoteístas,
que abraçaram praticamente toda a cultura ocidental. Religiões
como o Cristianismo abarcaram grande parte dela. A antiga

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M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

religiosidade pagã, juntamente com seus cultos de mistérios, que


formavam muitas sociedades secretas, foi taxada como culto dia-
bólico momento em que passou a ser perseguida.
É claro que não se pretendeu fazer aqui um julgamento his-
tórico e, muito menos desprestigiar o Cristianismo e outras re-
ligiões. O objetivo proposto foi o de analisar, por meio de um
desenvolvimento histórico, os motivos pelos quais muitas reli-
giões e filosofias, por exemplo, não cristãs, foram taxadas como
malignas e perversas. Essa é uma importante categorização para
compreender que, quando uma cultura é fortemente estabe-
lecida, como a cultura do Cristianismo em questão, qualquer
movimento cultural que se desvie dos propósitos estabelecidos
pela cultura hegemônica tende a ser visto com estranheza e ra-
pidamente condenado. Tal exemplificação pode ser amplamente
encontrada durante a Idade Média, em que o poder da Igreja
Católica não permitia o desenvolvimento de culturas e filosofias
que não estivessem dentro de seus padrões dogmáticos.
Como analisado, a construção e a tradição de sociedades se-
cretas continuou, mesmo durante fortes períodos de perseguição,
como foi o caso da Idade Média. A confrontação e a persistência
da formação de tais sociedades, ordens ou clubes iniciáticos que
se utilizavam e utilizam de uma longa camada cultural simbólica,
vêm ao encontro da suposição antropológica de que tais associa-
ções são inatas à civilização desde seus tempos imemoriais.
As condenações eclesiásticas e políticas, no período em que a
Maçonaria se mostrou ao público, abriram caminho a uma série
de suspeitas a respeito da formação e índole da Ordem, suspeitas
que, como já dito, recaíram sobre a temática da conspiração e do
culto satânico.
Uma análise do caso maçônico nos levou a postular sobre a
“queda do simbólico”, queda caracterizada pela crença e o medo
irracional de que uma sociedade, no caso a Maçonaria, envolta

151
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

em simbologia e alegorias de conotação religiosa e mística, per-


meada por segredos que são compartilhados somente entre seus
membros, apenas poderia ser, segundo a difundida crença po-
pular, uma sociedade secreta religiosa com fins maléficos, enca-
beçada pela perpetuação de antigos símbolos e ritos, tidos pelos
antimaçons como “pagãos”.
A presente obra buscou demonstrar, com diversas argumen-
tações, que a atual crença popular é fruto de um longo proces-
so histórico que atingiu os pilares sociais e a psique coletiva da
cultura contemporânea ocidental. O caso Taxil, ocorrido no final
do século XIX, foi o acontecimento histórico cronologicamente
mais próximo que serviu para aumentar a crença de que socieda-
des secretas, como a Maçonaria, são herdeiras de um antigo culto
satânico, representado por seus símbolos esotéricos e pagãos.
Devemos voltar a apontar que, embora o catolicismo não se
tenha desfeito da herança simbólica das antigas culturas, esse,
como religião hegemônica por muitos séculos, condenou qual-
quer associação que nascesse fora de seu seio e, principalmente,
que se utilizasse de símbolos religiosos para fins ritualísticos, jul-
gando-os, muitas vezes, como pagãos e dando-lhes o sinônimo
de diabólicos.
Admitimos as dificuldades da pesquisa dentro desta temática
que advêm da problemática de o trabalho poder tornar-se ten-
dencioso ou apologético a qualquer fato estudado. A explanação,
por exemplo, do desenvolvimento histórico em que se deu a Ma-
çonaria e seus embates com a religião, não intencionou a fazer
uma crítica à posição das religiões e dos Estados na condenação
da Ordem, mas teve o desejo de mostrar que qualquer grupo re-
ligioso, filosófico ou político que colocasse em risco o poderio do
absolutismo dos monarcas e da Igreja Católica, teria de ser rapi-
damente condenado e posto sob suspeita de conspiração política
e de cultos contrários à fé cristã.

152
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

A outra problemática concerne à dificuldade, e ao perigo,


de a investigação tomar um rumo apologético em favor de um
determinado sistema de crenças (religiões e/ou filosofias) em
oposição a outras. Em alguns momentos pode-se dar a entender
que a pesquisa tomou uma postura em favor da Maçonaria, colo-
cando-a como uma “instituição” fraca e plenamente perseguida.
Isso seria um erro grosseiro, visto que a Maçonaria, desde seu
surgimento oficial em 1717, tornou-se um movimento forte e
consistente, pois esteve à frente de diversos movimentos históri-
cos que mudaram o cenário do Ocidente.
O que livremente defendemos foi a questão dos símbolos.
Tivemos o intuito de demonstrar que os símbolos são uma
das mais antigas expressões conceituais do ser humano. Postu-
lamos que esses antecederam a língua falada e permaneceram na
cultura, sobretudo nos meios religiosos. A Psicologia, principal-
mente com Jung (2008a), a Antropologia, a História das religiões,
a Arqueologia, dentre outras áreas do conhecimento, são categó-
ricas ao afirmar a posição intrínseca existente entre símbolos e
religião. Contudo, seria precipitada uma conclusão que afirmasse
que não poderia existir religião sem símbolos. Precipitada, porque
existem diversas religiões, sobretudo no Cristianismo Protestante,
que se desvincularam dos símbolos. É importante mencionar que
a presente crítica não cabe a qualquer religião em si, mas sim a seu
desvinculamento dos símbolos e ao tratamento que passaram a ter
nesses âmbitos. O “esvaziamento simbólico” não é exclusivo dos
protestantes, mas ocorre também entre os católicos que, embora
permaneçam cercados de símbolos, em geral não sabem o que
significam. As duas questões: a não utilização dos símbolos e o
não entendimento de sua linguagem caracterizam o que classifica-
mos como: “queda do simbólico na vida contemporânea”.
A segunda questão, dentro da temática da “queda do simbó-
lico”, comungada por protestantes e católicos, é a crença de que

15 3
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

qualquer tema concernente às religiões pré-cristãs ou pagãs seria


fruto de um poder maléfico ou, como se costuma dizer, “obra
puramente demoníaca”. Se assim fosse, o catolicismo, que per-
manece por utilizar-se de símbolos, cairia em contradição, já que
muitos de seus temas simbólicos são uma adaptação dos símbolos
e costumes pagãos.
A “queda do simbólico” também se caracteriza por um medo
excessivo de temas como: rituais, misticismo, esoterismo e socie-
dades secretas. Os maiores ataques a essas temáticas se encontram
em âmbito protestante, que fornece a qualquer tema simbólico
o título de idolatria, afirmando que, por terem origem, em sua
grande maioria, no universo pagão, são portadores de um grande
“poder” maléfico, pois tendem a fazer uma conexão direta com
o próprio diabo. Essa crença fundamentalista se esquece, ou se
desvincula de qualquer antecedente histórico das religiões, con-
siderando-se que essas são, por natureza, alicerçadas em temas
simbólicos, sejam eles provenientes de imagem ou linguagem.
A fim de explanar considerações mais coesas, dividiremos o
restante do texto em dois tópicos:
A heurística histórica da “queda do simbólico”: certamente
é uma conclusão que já se mostrou implícita no decorrer de todo
o trabalho. Enfatizamos a todo o momento, a importância de
conhecer a história para que se compreenda o presente. O estudo
histórico é o melhor veículo para o entendimento de aspectos de
uma concepção atual. Foi o que ocorreu com os símbolos e, no
caso, com a Maçonaria.
É bem provável que esta pesquisa se tenha delongado de-
masiadamente nos aspectos históricos relativos aos antecedentes
do surgimento da Maçonaria, bem como na questão simbólica
disposta dentro das religiões.
O debruçar-se sobre a história nos condicionou a expor a im-
portância desta área das ciências humanas, demonstrando como,

15 4
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

também, pode ser a melhor ferramenta para resgatar a atual situ-


ação de nossa sociedade em relação aos símbolos. Assim, averi-
guamos a historicidade da necessidade de o ser humano produzir,
utilizar e cultuar símbolos. Em termos históricos, um momento
digno de especial atenção foi o período da conversão do Ocidente
pagão para o Cristianismo. Com efeito, embora as lutas tenham
sido travadas por ambas as partes e muito sangue tenha sido der-
ramado, é neste contexto que buscamos demonstrar o possível
cerne, início do atual preconceito frente à utilização de símbolos
fora do contexto cristão, ou mesmo seu total desprezo, consi-
derando-os como objetos de idolatria e fluentes em concepções
pagãs. Contudo, a aceitação por parte dos cristãos de emblemas
e símbolos pagãos fora uma boa “estratégia”, para que a conver-
são se tornasse menos impactante. Entretanto, qualquer símbolo
que surgisse fora do contexto cristão deveria ser considerado pa-
gão e, consequentemente, abordado como uma afronta a Cristo.
A oposição a Cristo somente poderia ser a figura do demônio.
Longe de um julgamento crítico, o intuito da pesquisa foi
a de demonstrar que, em certo período histórico e em um dado
lugar, uma determinada religião conseguiu o “monopólio” dos
símbolos, fornecendo-lhes forte ênfase e poder que fez com que
considerasse a utilização do simbólico, fora da esfera cristã, como
uma atitude pagã e demoníaca. Podemos considerar esse mo-
mento como forte período propulsor da “queda do simbólico”.
Por mais que a afirmação possa ser tomada como radical, as
referências históricas parecem comprovar tal hipótese. A Idade
Média e também a Idade Moderna foram, talvez, as melhores
épocas para compreender “a queda do simbólico”, em que milha-
res de pessoas foram perseguidas por se desviarem dos ensina-
mentos dogmáticos do catolicismo.
Não é necessário fazer uma revisão de todo o conteúdo his-
tórico analisado por este trabalho. Convém, no entanto, deixar

15 5
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

estabelecido que, no momento em que um tema simbólico-reli-


gioso era utilizado em um contexto fora da religião hegemônica,
esse passava a ser rapidamente colocado sob suspeita de heresia.
Foi o caso da Maçonaria que, apesar de não ser religião, apode-
rou-se de concepções e, sobretudo, de símbolos religiosos, so-
mados à tradição dos ritos de iniciação, aos segredos entre seus
membros e ao estudo do ocultismo. Essas foram ferramentas
essenciais para as especulações sobre supostos cultos satânicos e
conspiração, principalmente no meio protestante que, esvaziado
de qualquer material simbólico, foi categórico ao postular a utili-
zação de símbolos como sinônimo de idolatria e, não raras vezes,
de culto ao demônio.
Fica assim estabelecido que a “queda do simbólico” na con-
temporaneidade, ou seja, o não entendimento por parte dos su-
jeitos a respeito dessa antiga linguagem dos símbolos e as con-
sequentes suspeitas de heresia, quando um grupo se utiliza do
simbólico como forma ritualista, pode ser corroborada por meio
de um aprofundado estudo histórico. É o caso da Maçonaria, que
sempre esteve sob as mais fortes suspeitas heréticas por causa de
seus símbolos, de seu sigilo e de seus ritos:

No decorrer da sua história, a Franco-maçonaria viu-se


acusada de tudo o que poderia ser considerado perigoso:
catolicismo, mormonismo, protestantismo, judaísmo, pa-
ganismo, satanismo, naturalismo, racionalismo, iluminis-
mo, revolução, contra-revolução, socialismo, comunismo,
capitalismo apátrida, etc. Por todas estas alterações de
pontos de vista e excessos, o antimaçonismo foi frequen-
temente ridicularizado. A maior humilhação que sofreu
foi, sem dúvida, a que foi infligida por Taxil, criador e
assassino do neo-paladismo de Lúcifer (LACORDAIRE,
1999, p. 104).

156
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Embora a conclusão de Lacordaire esteja se referindo à con-


denação da Maçonaria na totalidade, como uma instituição, en-
tendemos que a condenação é reflexo da utilização dos símbolos
religiosos no seio maçônico, o que vem ao encontro da tese da
“queda do simbólico na contemporaneidade”.
A heurística psicológica da “queda do simbólico”: a con-
clusão está intimamente relacionada à História tão explanada e
valorizada ao longo desse estudo. Provavelmente seria impossí-
vel abordar a presente temática sem adentrarmos profundamente
na questão histórica. O intuito foi demonstrar a importância da
História para a formação do pensamento na contemporaneidade,
o que atinge, é claro, o campo da psicologia do ser humano do
nosso momento atual, o século XXI. Embora Benimeli e Alber-
ton (1991) classifiquem como patologia psiquiátrica as acusações
e temores em torno da Maçonaria, de seus símbolos e das con-
sequentes acusações satânicas e conspiratórias, a temática psico-
lógica neste trabalho procurou ter uma vertente diferente, não
postulando as questões como patológico-psiquiátricas.
Estudamos parte do fundamento histórico relacionado ao
preconceito contra os símbolos religiosos e delimitamos a Maço-
naria como alvo deste preconceito por utilizar-se de uma lingua-
gem tipicamente religiosa e esotérica em seus rituais.
A Psicologia, como ciência, teve aqui o objetivo de explorar
o campo da “psicologia das crenças religiosas”, em que o sím-
bolo se torna um produto natural de todo o universo de crença
e da subjetividade, resultando em processo ritualístico presente
nas mais diversas expressões religiosas. Já nas rudimentares ou
elementares expressões religiosas e ritualísticas, deparamo-nos
com os primeiros possíveis vestígios de sociedades secretas, bem
como os difundidos ritos de passagem e de morte e renascimento.
Os ritos simbólicos de morte e renascimento estão muito presen-
tes nas religiões da contemporaneidade, embora possam passar

157
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

despercebidos. Um exemplo clássico disso é a simbólica do ba-


tismo cristão.
A perpetuação do ciclo ritualístico de morte e renascimento
que, de certa forma, está bastante presente em rituais de fraterni-
dades como a Maçonaria, evoca a necessidade do ser humano de,
simbolicamente, morrer e renascer em certas etapas da vida. Isso
pode ocorrer por meio de complexos rituais simbólicos, religio-
sos e místicos, ou por meio da própria autossuficiência do ser hu-
mano em se reinventar, em renascer perante a vida. Um exemplo
clássico pode ocorrer perante a morte de um ente querido, em
que o sujeito tem a necessidade de renascer, superar as dores da
perda e seguir a vida. Sendo assim, a questão foi abordada com o
intuito de explorar a necessidade de o ser humano partilhar esses
tipos de rituais que, de certa forma, foram as bases propulsoras
para a criação de sociedades secretas e místicas que se perpetua-
ram durante toda a história da humanidade.
Em conexão com esses rituais e a simbólica de morte e
renascimento encontra-se a questão da posse de um suposto
segredo. Para Kinney (2010), a questão de uma sociedade inici-
ática ser detentora de um suposto segredo que causa estranheza
aos não iniciados, é, no entanto, esse mesmo suposto segredo
que permanece como fonte para que essas sociedades, secretas ou
discretas, ainda permaneçam em nosso mundo contemporâneo.
A base disso, segundo o autor, está no próprio véu de mistério
que envolve esse segredo o qual, como na Maçonaria, camu-
fla-se por meio de seus símbolos e rituais. O segredo, embora
tantas vezes condenável e vítima das mais diversas perseguições,
de certa forma, atraiu e atrai indivíduos que, em busca de um
“diferencial”, desejam obter a posse do suposto segredo para
complementarem suas vidas. É uma teoria que sustenta o mo-
tivo pelo qual as sociedades secretas ainda permanecem desde
tempos imemoriais.

158
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

Embora muito do que se tenha discutido aqui pertença ao


campo da História, não podemos negar que a formação psico-
lógica do ser humano caminha de mãos dadas com os aconteci-
mentos históricos. No caso do simbólico, a união entre História e
Psicologia está muito presente no período em que o Cristianismo
se tornou a religião predominante frente às antigas práticas e tra-
dições pagãs. A transformação dos antigos símbolos pagãos fora
determinante para que o Cristianismo dominasse grande parte do
Ocidente, infundindo a crença de que qualquer símbolo utilizado
fora do contexto cristão deveria ser considerado pagão e, portan-
to, sinônimo de culto demoníaco. É interessante apontar que, de
certa forma, essa ideia permanece até os dias atuais.
Outro fator histórico que modificou a maneira de pensar
de grande parte do mundo ocidental ocorreu durante a Refor-
ma Protestante. A Reforma, de certo modo, derrubou muitos
dos ícones e símbolos do catolicismo e defendeu a crença de
que os símbolos são reminiscências dos antigos cultos pagãos
e, portanto, fontes de idolatria e que deveriam ser combatidos.
Assim como o Cristianismo dos primeiros séculos, a Reforma
Protestante reafirmou a tese de que qualquer material esotérico,
místico, deveria ser amplamente combatido, pois era fruto do
paganismo, portanto, demoníaco. A “queda do simbólico” é aqui
expressa por acontecimentos históricos que modificaram a ma-
neira de pensar e de lidar com o simbólico.
Apesar de a Maçonaria, por exemplo, ter suas raízes no ca-
tolicismo, quando pensamos na época da Maçonaria Operativa,
essa se desvencilhou dos dogmas do Cristianismo e formou um
clube filosófico especulativo, de cunho iniciático, em que o se-
gredo e o uso de símbolos religiosos eram fortemente utilizados.
A heurística psicológica da “queda do simbólico” pode ser
redundante junto à conclusão histórica, pelo fato de estas duas
ciências, História e Psicologia, encontrarem-se lado a lado neste

159
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

trabalho. Jung (2008b), que teorizou sobre o Inconsciente Co-


letivo, trouxe a ideia de que os símbolos são originários dos ar-
quétipos, portanto, naturais à cultura. Entretanto, vemos que a
naturalidade dos símbolos religiosos está se perdendo no cenário
da religiosidade ocidental.
De um lado está o catolicismo que, mantendo a utilização
dos símbolos em seus cultos, condena qualquer utilização da
simbólica por outros grupos religiosos ou filosóficos. De outro
lado encontram-se os protestantes, que veem o uso do símbolo
como idolatria pagã.
É sempre válido lembrar que a pesquisa pretendeu utilizar-se
do agnosticismo metodológico, não tendo feito nenhum tipo de
apologia a qualquer grupo religioso ou filosófico. Não foi nossa
intenção defender a Maçonaria. A intenção foi defender a livre
utilização dos símbolos, tendo-os como uma das mais puras ma-
nifestações da cultura e do Inconsciente Coletivo.
Outro ponto defendido, mesmo que superficialmente, foi
a quebra do tabu estabelecido em que termos como “pagão”,
“místico”, “oculto”, “esotérico”, “simbolismo”, dentre outros, co-
notem práticas diabólicas e subversivas. Esta visão se baseia na
concepção, difundida principalmente dentro de alguns contextos
religioso-fundamentalistas que partilham da ideia de que símbo-
los de origem pagã seriam sinônimos de diabólico.
A Maçonaria, embora com toda sua complexidade envolven-
do filosofia e mística, não é um grupo pagão, apesar de utilizar,
quase sempre, simbologia pagã e muito menos são adoradores do
diabo. Provamos isso por meio de toda a análise que o trabalho
forneceu, em que acontecimentos históricos estabeleceram a
crença de que ordens iniciáticas, como tal, deveriam ser observa-
das como suspeitas de práticas diabólicas.
A Ordem maçônica está estabelecida como uma sociedade
iniciática, simbólica e de progressão moral por meio de seus

160
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

símbolos e não é mais considerada como sociedade secreta, mas


discreta. O estabelecimento de tal sociedade é fruto da própria
cultura humana que, como analisado, desde a Pré-História con-
viveu com o surgimento de grupos iniciáticos e esotéricos.
Kinney comenta que a permanência de ordens como a Maço-
naria em nossa sociedade atual é puro reflexo da necessidade es-
piritual do homem contemporâneo, que se encontra esvaziado de
rituais simbólicos que possam tornar sua vida mais significativa:

A predominância do protestantismo, pobre em matéria


de rituais, falhava em satisfazer a necessidade que alguns
homens sentiam de um ritual significativo nas suas vi-
das. As ordens fraternais respondiam a esta necessida-
de e proviam um refúgio, só para homens, da expansão
das mulheres rumo a uma maior presença social. Dentro
deste refúgio, os homens eram estimulados a permane-
cer em contato com valores que, fora dele, poderiam ser
identificados pela cultura como um todo como femini-
nos: um sentido de equidade e de virtude ética, de cari-
dade e de indagação espiritual.
É provável que grande parte da hostilidade dirigida contra
a Maçonaria pelos eclesiásticos, que a destratavam como
uma “religião” rival, fosse devido à sua percepção pers-
picaz de que a Maçonaria e outras ordens fraternas esta-
vam, de alguma maneira, satisfazendo necessidades com
as quais as suas igrejas não estavam conseguindo lidar
(KINNEY, 2010, p. 122-123).

O ponto explorado por Kinney (2010) é um fenômeno que


tem ocorrido na contemporaneidade. O “esvaziamento do simbó-
lico”, encontrado dentro das próprias religiões institucionaliza-
das, tem feito com que muitos sujeitos busquem outras religiões

161
M AÇ ONA R I A E SI M B OL O GI A

ou filosofias alternativas. Um exemplo desta busca pode estar no


próprio fenômeno conhecido como “Nova Era”.
O fenômeno da Nova Era consiste, segundo Milton (1996),
em uma revolução espiritual Contemporânea. Tal movimento
deseja propor um contato mais “íntimo” do homem com a di-
vindade. A Nova Era propõe uma série de concepções místicas
e esotéricas aos seus adeptos, promulgando o bem-estar e a paz
espiritual. Embora a Maçonaria seja, historicamente, anterior ao
citado movimento, autores como Milton (1996) propõem que a
Ordem maçônica seja uma das mais fortes correspondentes da
Nova Era, pois promulga a utilização de símbolos místicos. No-
vamente a questão do simbólico ganha seu espaço.
Milton (1996) e Bertuol (1982) comungam da ideia de que
a Nova Era seja um movimento anticristão que, com suas bases
no paganismo, propõe uma religião diabólica, impulsionada por
antigas práticas pagãs e ritualistas. Para os autores, a melhor ma-
neira de reconhecer o movimento da Nova Era é por meio de seus
símbolos místicos e ocultistas.
Mais uma vez, a concepção de pagão recebe margem para ser
sinônimo de satânico, anticristão. O uso de símbolos é o mais
forte argumento para se “reconhecer” aqueles que estão no cami-
nho do mal. Enfim, é essa a concepção que alguns autores têm
da Nova Era e de sua proposta de “ressurreição” do simbólico.
O antropólogo Guerreiro argumenta que o movimento Nova
Era não é uma religião, e que as próprias religiões, fortemente
dogmatizadas e institucionalizadas, são importantes fatores para
que surjam novos movimentos espirituais:

As sociedades mantêm e reinventam antigas religiões ao


mesmo tempo em que novas surgem a todo momento.
Além das religiões mais facilmente perceptíveis, por tra-
zerem contornos institucionais visíveis e verificáveis, surge

162
M A RC E L H E N R IQU E RODR IGU E S

uma infinidade de outras formas de expressões religiosas,


denominadas por alguns estudiosos como novas espiri-
tualidades. A eles cabe perceber as características dessas
novas vivências, bem como desvendar e compreender as
lógicas subjacentes internas. Religiões interiorizadas e
cada vez mais individualizadas parecem querer contradi-
zer tudo o que se entendia por religião (GUERREIRO,
2013, p. 254).

As considerações de Guerreiro parecem coincidir com as


ponderações de Kinney (2010), ao propor que as próprias religi-
ões são impulsionadoras de novos movimentos espirituais como
a Nova Era. O homem ainda demonstra permanecer com a “ân-
sia” pela ritualização, pela utilização dos símbolos, por um maior
“contato” com a divindade, com o transcendente.
Em suma, é importante ressaltar, mais uma vez, que o nosso
intuito foi a utilização de fontes históricas, antropológicas, so-
ciais, psicológicas e de outros ramos das ciências, para comprovar
e argumentar a existência da necessidade do ser humano, imbu-
ído de certa espiritualidade, de simbolizar e ritualizar aspectos
de seu próprio imaginário e atribuir sentido, e certa coerência,
a sua existência frente às questões enigmáticas que permeiam o
mistério da vida.

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Pensamento, 2011

STEVENSON, David. As origens da Maçonaria: o século da


Escócia (1590-1710). São Paulo: Madras, 2005

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c apa Papel Supremo 250g/m²
1° edição 2014
tip o gr a fia Junicode 11/15
impre s são Gráfica Multifoco
Neste livro, seu autor demonstra grande compe-
tência na busca de fontes bibliográficas para fun-
damentar sua reconstituição histórica e, princi-
palmente, analisar símbolos relacionados à
Maçonaria. A obra, em sua maior parte, desenvol-
ve com qualidade a interpretação de material
colhido em pesquisa bibliográfica, trazendo inte-
ressante discussão histórica sobre os símbolos
religiosos e a formação de sociedades secretas. Na
referência teórica, destaca-se a Antropologia de
Campbell, bem como a perspectiva psicológica
inspirada em Jung.

Luís Antonio Groppo

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