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EDIS MILARE 8.° edigao revista, atualizada e reformulada De acordo com a Lei do ee te usec) (ee CT er) ‘THOMSON REUTERS Peete a Revista DOS Fund inlagdo Cientifica e Filoséfica 71 tentabilidade constam, sim, do Direito enquanto ciencia e como pratica, cabendo ao interessado saber ler ¢ interpretar os textos da legislagao. Com efeito, a partir do nivel maximo hierarquico da Constituigao Federal ANE 05 atos menores (como resolucoes, regutlamentos ¢ portarias), pasando pelo conjunto da legislacao infraconstitucional e decretos regulamentadores relatives a0 meio ambiente, fica evidenciada a solicitude do legislador e do administrador piiblico com a preservacao do melo, com a qualidade ambiental e a qualidade de vida humana, com 0 manejo acertado dos recursos ambientais. A Politica Nacio nal do Meio Ambiente e a legislacao por ela inspitada nao deixam margem a davi das, No seu ambito priprio, as Resolugéies CONAMA (do Conselho Nacional do Meio Ambiente) propugnam, de varias formas, a sustentabilidade dos elementos do mundo nataral. Portanto, “a construcao de estratégias de desenvolvimento sustentavel (que ressupde equilibrio entre as dimensoes econdmicas, sociais ¢ ambientais) neces. sita contar com instrumentos tecnologicos e juridicos eficientes e eficazes para a construgio da sustentabilidade da sociedade, o que implica a construcao da cidadania ¢ a definigao de papeis dos distintos atores socials com vistas 30 ma- nejo adequado dos ecossistemas a partir da harmonia entre as pessoas e destas com 0 ambiente, considerando que o espaco rural e urbano moeda’.” jo faces da mesma 2.1 Vida sustentivel Antes de abordarmos os principios da vida sustentavel, € interessante atentar para o que tem vindo na contramao desses mesmos principios, os quis se torna- ram patentes e bem formulados apenas no decorrer das tiltimas décadas. © cientista social Nelson Mello e Souza, em decorrencia das suas experién- cias internacionais, oferece uma sintese dos processos econdmicos, sociais e po- Iiticos que tém acelerado a contrassustentabilidade. No seu entender, apenas em tomo da década de 60 do século XX “surge a compreensio do problema em sua inteireza comptexa, exibindo a vinculagdo estrutural entre quatro variaveis rela- cionadas entre si, fancionando, como maquina diabdlica, para gerar a velocidade autossuistentada dos avangos destrutivos © autor discorre sucintamente sobre essas quatro variaveis: ‘a) modelo aceito de desenvolvimento com base no uso intensivo © extensi- vo da natureza, entendida como um ser existente bruto, infinita em sua generosa oferta de energia e matérias-primas, além de espacos para escoadouro das centenas de milhares de toneladas/ano de lixo quimico, hospitalar, industrial e orginico; 50. Idem, ob. cit..p. 158. 51. Educacio ambiental... cit. p. 85 (0 grifo ¢ nosso) 72 Direito do Ambiente: b) sistema desejado de vida, sem carater classista, absorvido como orient dor de demandas até mesmo pelas massas, orientado para 0 consumo crescente para novas comodidades acumuladas, 2 custa do desgaste da biosfera, da camad protetora de ozOnio, da qualidade do ar e da agua, da disponibilidade da terra, d existencia de outras espécies; ©) consielagao de valores dominantes, a legitimar este sistema devido a ev dencia de avangos dos niveis de vida e dos recursos técnicos posios 2 disposica da sociedade, cada vez mais fascinantes em sua perspectiva de gerar ampliaga infinita dos espacos de liberdade comunicativa, transporte, producao, lazer e cor sumo, anestesiando a consciencia do dano por formar utopias tecnologicas quan to ao futuro: 4) desatengao coletiva para com os aspectos negativos, devido ao fascinio massa pelo positive Naturalmente um “positivo” ilusério. E conelui: “Sao os quatro cavaleira do desastre. Podem getar 0 apocalipse, © verdadeito ‘fim da historia’ (...). O qu estaria diante da perspectiva de nossos netos ¢ bisnetos seria um fim real, condu zido, ironicamente, pelas maos que sio as nossas, as que cegamente tecem a tei de nossa perdicao”,” Sao palavras candentes, sem duivida; porém, esmeram-se no realismo ¢ 1 anilise fria da realidade sociocultural, politica € econdmica que catacteriza « massas inconscientes do mundo contemporaneo €, pior ainda, a mentalidade a cobiea das classes ¢ pessoas responsaveis, de maneira especial nos chamadc paises emergentes, softegos para alcancar o consumo pleno ¢ sem limites. E um contradigéo porque as corridas gananciosas engrossam sempre mais, Em confronto com esse quadro negativo, esboca-se uma s{ntese capaz ¢ projetar no cenario escuro alguma luz para indicar ramos a seguir. Essa luz na emana tao somente de principios filosdficas e ativos; ela provem, com certeza, ¢ especies intimeras que se tém verificada ao redor do globo terrestre, também ent nagoes ricas situadas na civilizacao da abundancia Viver de forma sustentavel implica aceitara imprescindivel busca de harme ‘nia com as outtas pessoas € com a natureza, no context do Direito Natural e proprio Direito Positivo, como sabemos. A construcio de uma sociedade sustentavel deve assentarse numa clar estratégia mundial que pode, resumidamente, ser exposta através dos seguinte principios:" 1) Respeitar a comunidade dos seres vivos ¢ culdar dela: trata-se de um re novado principio ético, que reflete o dever de nos preocuparmos com as outr pessoas ¢ outras formas de vida. Embora nossa sobrevivéncia dependa do uso d ido, p85 96, Geos Callan Pata ena Fundamentacao Cientitica e Filosdfica, 73 outras espécies, nao precisamos € ndo devemos usi-las perdulariamente, menos ainda com diferentes formas de crueldade. © modelo para esse respeito sto os proprios ecossistemas naturais que se autorregulam de maneira admiravel 2) Melhorar 2 qualidade da vida humana: 0 objetivo do desenvolvimento sustentavel € melhorar a qualidade da vida humana, permitindo que as pessoas realizem 0 seu potencial € vivam com dignidade, com acesso a educacao ¢ li- berdade politica, com garantia de direitos humanos e ausencia de violencia, O desenvolvimento s6 € real se o padrao de vida melhorar em todos esses aspectos. Simples ctescimento econdmico e aumento de riquezas nao querem dizer desen- volvimento harmonizado. Alem disso, convem relembrar que “qualidade” de vida nao significa “status” nem padres socioeconomicos privilegiados 3) Conservar a vitalidade ¢ a diversidade do planeta Terra: o desenvolvime to baseado na conservacao deve incluir providéencias no sentido de proteger a estruiura, as funcdes ¢ a diversidade dos sistemas naturais do Planeta, em relacio aos quais nos encontramos em absoluta dependéncia. Para tanto precisamos: ~ conservar sistemas de sustentagao da vida, isto 6, os processos ecaldgicos que tornam o Planeta apropriado para a vida. Fles definem o clima, limpam o are a agua, regulam o fluxo das aguas, teciclam elementos essenciais, criam e regene- ram 0 Solo e permitem que os ecossistemas se renovem sozinhos, —conservar a biodiversidade, que compreende nao s6 todas as especies de plantas, animais ¢ outros organismos, como também z variedade de tipos geneti- cos dentro de cada especie e a variedade de ecossistemas; — assegurar o uso sustentavel dos recursos renovaveis, que englobam o solo, 05 organismos selvagens e domesticados, as florestas, campos ¢ terras cultivadas 05 ecossistemas marinhos e fluviais que sustentam a pesca. O uso € considerado sustentavel se for delimitaclo pela capacidade de regeneracdo do recurso. 4) Minimizar 0 esgotamento de recursos nao renovaveis: minérios em ge- ral, petrileo, gas ¢ carvao so recursos nao renovaveis, Ao contririo das plantas, peixes ou solo, que se reproduzem ¢ se renovam, cles nao podem ser usadas de forma sustentével porque fatalmente se esgotam ou desaparecem. Todavia, sua disponibilidade pode ser prolongada através de reciclagem, por exemplo, ou pela utilizagao de menor quantidade de win recurso para fabricar um determinado produto ou pela substituicao por outros recursos tenovaveis, quando possivel. A ampla adocao dessas praticas ¢ essenetal para que 0 Planeta seja capaz de susien tar os bilhdes adicionais de setes humanos no futuro e de proporcionar wma boa qualidade de vida. 5) Permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra: a ca pacidade de suporte dos ecossistemas da Terra tem limites; séo limitados 05 im: pactos que eles e a biosfera em geral podem suportar, sen chegar a uma perigosa deterioracao. Esses limites variam de regiao para regiéo, ¢ os impactos dependem da quantidade de pessoas, alimento, agua, energia € matéria-prima que cada pes. soa usa e desperdica, Politicas que equilibrem os mimeros ¢ os modos de vida 74 — Direito do Ambiente Tumanos com a capacidade de suporte da Terca devem ser complementadas por tecnologias que melhorem e respeitem essa capacidade por meio de cuidadoso controle. 6) Modificar atitudes e praticas pessoais: para adotar a ética de vida susten- tavel, as pessoas tem de reexaminar seus valores ¢ alterar seu Comportamento, A sociedade deve promover valores que apoiem essa élica, desencorajando aqueles que sio incompativeis com um modo de vida sustentavel. Deve-se disseminar informacao por meio da educacao formal € informal, de modo que as atitudes ecessarias sejam amplamente compreendidas ¢ conscientemente adotadas, 7) Permitir que as comunidades cuidem de seu proprio meio ambiente: a acto comunitéria no cuidado com o meio ambiente deve ser favorecida e incen- tivada, As comunidades e grupos locais constituem os melhores canais para as pessoas expressarem sas preocupagdes € tomarem atitudes relativas a criagao de bases solidas para sociedades sustentaveis, No entanto, essas comunidades preci- sam de autoridade, poder e conhecimento para agir. As pessoas que se organizam para trabalhar pela sustentabilidade em suas proprias comunidades podem cons: tituir uma forga efetiva, seja a sua comunidade rica ou pobre, urbana, suburbana ou rural 8) Gerar uma estrutura nacio 1 para a imtegracdo de desenvolvimento e conservacdo: todas as sociedades precisam de um alicerce de informagao € conhe- cimento, de uma estrutura de leis ¢ instituicoes e de politicas econdmicas e sociais, sélidas para poder progredir de forma racional. Qualquer programa de sustenta- bilidade precisa abranger todos os interesses e procurar identificar possiveis pro blemas, prevenindo-os e evitando-os antes que eles surjam. Deve ser adaptavel, redirecionando continuamente 0 seu curso, em resposta a experiéncia ¢ as novas necessidades que surgem ou se afirmamt no dia a dia, A acio em ambito nacional deve compreender quatro exigencias 1°) haver instituigoes capazes de uma abordagem integrada, intersetorial e dirigida para o fururo comum, no tocante a decisoes; 24) todos os patses terdo seus sistemas de Ieis ambientais abrangentes que salvaguardem os direitos humanos, os imteresses das geracoes futuras, a produti- vidade ea diversidade do planeta Terra, assim com os seus limites irmpostos pela propria natureza; 3) uma politica econdmica ¢ melhoria de tecnologia para aumentar os be- neficios dos recursos dispontveis ¢, ao mesino tempo, mantet a riqueza natural; 4") o conhecimento, baseado em pesquisa € controle, Sem isso, os planos de acao para a sustentabilidade ficarao sem fundamento € credibilidade. E preciso agir na manutencao € no fortalecimento da capacidade de pesquisa nacional, man- tendo um sistema abrangente de monitoracao. Afinal, para gerenciar eficazmente a casa é preciso conhecé la bem e, além disso, ter sempre em vista o prineipio da sustentabilidade, que munca poderd se apagar na tela € no monitor, das nossas ages: Fundamentacao Cientitica e Filosofia 75 9) Constituir uma alianca global: a sustentabilidade global vai depender de uma firme alianca entre todos os paises. Ora, como os niveis de desenvolvimen- to do mundo sao desiguais, os paises de menor renda devem ser ajudados a se desenvolver de maneira sustentavel ¢ a proteger seu meio ambiente. Os recursos globais e comuns a todos, especialmente a almosfera, os oceanos e ecossistemas coletivos, s6 podem ser controkados com base em propositos e resolugdes coleti- vas. A ética de cuidados se aplica tanto na esfera internacional como nas esferas nacional, local e individual, Nenhuma nacao ¢ antossufictente, Todos Incrarao com a sustentabilidade niundial ¢ todos estardo amcacadas se nao conseguirem atingi-la Uma alianga global exige que todas as nagoes aceitem suas responsabitidades fe atuem na medida em que seus recursos permitam, Isso tornou-se de uma evi- dencia sem sombras agora, quando as mudancas climaticas ameagam a sobrevi vencia dos ecossistemas ¢, por conseguinte, a da propria espécie humana Estes prineipios, que estao longe de ser novos, sto inter-relacionados € se apoiam mutuamente, Refletem, em ultima analise, dectaragdes a respeito de uma equidade mundial de desenvolvimento sustentavel ¢ de conservacao da natureza, como um direito dela propria ¢ como fator essencial para a sustentacao da vida humana, Os principios juridicos relacionados coma sustentabilidade encontram mui- tos fundamentos em diferentes documentos oficiais das Nacdes Unidas e em ou- tos textos oficiais € nao oliciais, de natureza ciemtifica e técnica, politica ¢ social, Da mesma forma, o conceito de sustentabilidade enconitra-se em varias formula- cos. A proposito, como relembra o Professor Barbieri: “Dez anos depois que a IUCN, © WWE ¢ 0 PNUMA publicaram 0 World Conservation Strategy, estas mesmas entidades publicaram em 1991 0 documento Cuidando do Planeta Terra (Caring for the Earth), onde reconhecem a importancia do relatério Nosso Futuro ‘Comum para 0 entendimento das relagdes de interdependéncia entre economia ¢ desenvolvimento ¢ utiizam as seguintes expressoes: (1) desenvolvimento susten- tavel para indicar a melhoria da qualidade de vida respeitando os limites da capa- cidade dos ecossistemas; (2) economia sustentavel para indicar a economia que resulta de um desenvolvimento sustentavel ¢ que, portanto, conserva a sua base de recursos naturais; ¢ (3) uso sustentavel para indicar a utilizacdo de recursos renovaveis de acordo com a sua capacidade de reprodugao. Para estas entidades, 0 desenvolvimento deve apoiar-se nas pessoas ¢ em suas comunidades ¢ na conser vacio da biodiversidade e dos processos naturais que sustentam a vida na Terra, tais como os «que reciclam a agua, purificam o ar e regeneram o solo”.” Isso signi- fica, em tiltima analise, a perpetuacdo dos servicos prestados pelos ecossistemas ao desenvolvimento da familia humana 54, Jose Carlos Barbieri. Desenvolvimento ¢ meio ambiente... et. p. 33. Direito do Ambiente Uma chamada de atengao para encerrar estas consideragies sobre a vida su tentavel. “O nosso planeta esta sitiado!” Sera que esse sitio ao planeta Terra fantasia ou apenas problematica exclusiva de ambientalistas? Nao é preciso re ponder que a alternativa nao existe, Nenhum termo ~ seria a resposta. O sitio nossa casa comum provém de toda parte, de todos os cantos, ele parte dos habit dividuals da vida cotidiana. Eo nosso conhecido Fabio Feldmann que chama a atengao para a necessidac de uma consciéneia clara por parte dos consumidores individuais: “Poucos de n tem clareza sobre a nogao de interdependencta entre nossos habitos cotidianos 6s recursos planetarios. A expansao universal da culinaria japonesa des sushis sashimis pode exercer enorme pressio sobre os estoques de algumas espéctes in portantes desses peixes, como o atum, dle modo que hoje existem iniciativas lemacionais que procuram regulamentar sua pesca, Infelizmente, o atum nao é caso isolado; o bacalhau eo salmao do Atlantico também se encontram sob ameac A ceriacao artificial de camardes tem sido objeto de polemica, visto que certos vin devastaram estoques em paises como China € Equador, com graves prejuizos : economias desses paises. De acordo com alguns ambientalistas, isso teria ocorrid em funcao do desequilibrio ecologico causado por tais atividades. Se de wm lado assustador imaginar ue nas decisoes do dia a dia podemos estar comprometend 6 futuro de nossos fithos e netos ao escolhermos 0 cardapio do almogo, o meio d transporte para o trabalho ow lazer do fim de semana, ha que se ponderar algur avancos significativos. A inditstria do cigarro € talvez a pr da tomada de consciencia de que o consumidor deve ser respeitado no que tange sua satide e que é necessério impor limites a ideia de que nao ha espace para um regulamentacao publica sobre o que seriam decisées meramente individuais.”” Decisoes meramente individuals” O que s fusos, em termos de sust fagao?! Ton 1 exemple claro: o habito individual de fumar num e paco coletivo, Essa limitacao do ato de fumar alcancou rapidamente um ele positive no Estado de Sio Paulo com a edicao € implementacao dat Lei 13.541, ¢ 07.05.2009, Nao obstante toda resistencia que provocou entre os que defendiat a “decisto meramente individual”, a Lei vingou e se impos porque o Estado o estrito dever de zelar pela satide publica e de coibir usos, abusos e habits ind viduais que contrariam frontalmente o interesse ou bem-estar coletivos ~ ¢ esse bem o caso, Sera que a sustentabilidade de todos nao levara o Direito e as norma cortentes a rever ou relativizar certos direitos individuais? ira a semtir os efeit gnificam direitos coletivos e d sntabilidade ambiental? Nao comportam eles qualque limi No que interessa a situacao do Planeta, de cuja sade depende a sade d coletividade humana, a avaliacao do papel do Estado nao pode ser diferente: el 55. “Meio Ambiente ~ Consumismo” em André Trigueito (coord.), Meio Ambiente culo 21:21 especialistas falam da questao ambiental nas suas areas de coneciment Rio de Janeito: Sextante, 2003, p.152 € 153. Fundamentacao Cientifica ¢ Filosstica 77 pode (¢ até deve) limitar os habitos individuais acessorios, ligados ao arbitrio ou a “decisoes meramente individuais” sobre o livre consumo de produtos desneces- srios ow suntudrios ~ isto para salvaguardar a praducao de bens essenciais ou necessirios. No entanto, por ora, devemos colocar esse principio no plano teérico c especulativo do papel moderador do Estado, visto que o neoliberatismo impreg- nna as coneepedes de poder politico ¢ econdmico, de acordo com o laissez-faire laissez-passer, Ninguém sabe até quando o ecossistema da Terra pode atender a tantas demandas de produgao e consumo, mas uma previsio é certa: a cavestia aumenta progressivamente e, num futuro (talyez nao muito remoto) o poder do Estado seja invocado para contornar ctises exttemas, Vé-se, entao, a importancia de atitudles proativas, tanto da parte da sociedade quanto do Estado. A verdad € que a etise ambiental tem implicacoes profundas na posicéo do consumidlor e, a partir dat, no dia a dia do mercado de consumo, essa crise chegara a0 mercado de producao, Podemos, e: Jo nao sustentavel que causa a degradacio ambiental. © consumo nao sustentavel também esta na ori= gem de muitos dos nossos males ambientais. ue mo € somente a produ 2.2 Sociedade sustentavel Voltamos ao mote relembraclo pouco acima, “O nosso planeta esta sitiado.” Esta é a primeira frase do relatorio O ambiente mundial 1972-1992: duas décadas de desafios, divulgado pelo Programa «le Meio Ambiente das Nacées Unidas, em novembro de 1992.2" De novo: sera que este sitio ao planeta Terra é fantasia ou apenas problematica de interesse exclusivo dos ambicntalistas? Vejamos. Um dos escopos do desenvolvimento socioecondmice (e, mais ainda, do mero ctescimento econdmico) é a producao de bens e servicos a procura de um mercado consumidor. Tanto € verdade que os investimentos so planejados em funcae do nitmero de consumidores ¢ usuarios potenciais, ¢ nao de seres huma- nos, Nao € uma estratégia incorreta ou intrinsecamente ma; antes, o nivel de vida digno e satisfatério que se deseja estender a toda a populagao supoe aumento de consumo ¢ ampliacao de mercado (notadamente © mercado interno), para que se possa alender a detnanda de bens ¢ servicos necessatios ao desenvolvimento hrumano. 0 que preocupa, ¢ ao mesmo tempo constitui aberracao do desenvalvi- mento harmonioso, ¢ 6 culto ao consumismo” e a criagao de necessidades des. 56. The United Nations Environment Program. The world environment 1972-1992: two decades of challenge, Ed, Mostafa K. Tolba, Osama A. El-Kholy. E. El-Hinnawi, M. W. Holdgate, D. F MeMichael and R. E, Munn. London: Chapman & Hall, 1992, p, VIL 57. °A Terra ¢ suficiente para todos, mas no para a voracidade dos consumistas”, ja di Gandhi Capud Leonardo Boll, Feologla: grito da Terra, grito dos pabres. Sao Paulo: Atica, 1995, p. 17). 78 — Direito do Ambiente necessatias, impingidos por um marketing distorcida € pela acao massificante da midia, em particular a televisto, Existe, obviamente, uma diferenga abissal entre consumo ¢ consumismo, como existe entre © necessario indispensavel € o supérfluo perdulario, entre a dignidade e a vaidade, emérito ambientalista Fabio Feldmann, glosando o "Re- latorio do Desenvolvimento Humano” do PNUD 1998, assim se expressa: “O con- sumo € essencial para a vida humana, visto que cada um de nds ¢ consuinidor. O problema nao € o consumo em si mesmo, mas os seus padrdes € efeitos, no que se refere & conciliacao de suas presses sobre 0 meio ambiente € 0 atendimento das necessidades basicas da Humanidade. Para tanto € necessirio desenvolver melhor compreensio do papel do consumo na vida cotidiana das pessoas. De a lado, © consumo abre enormes oportunidades para o atendimento de necessida- des individuais de alimentacao, habitagao, saneamento, instrucdo, energia, enfin de hem-esiar material, objetivando que as pessoas possam gozar de dignidade autoestima, respeito € outtos valores fundamenitais. Nesse sentido, 0 consumo contribu claramente para o desenvolvimento humano, quando aumenta suas ¢a- pacidades, sem afetar adversamente o hem-estar coletivo, quando € tao favoravel para as geracdes futttras como para as presentes, quando respeita a capacidade de suporte do Planeta ¢ quando encoraja a emergéncia de comunidades dinamicas € criativas. © consuino na vida contemporanea, entretanto, traz novas dinamicas € a sua compreensio esti longe de ser aleangada”.® As distorgdes do consumo, em diferentes graus € modalidades, tém gera- do sétios problemas até chegar ao consumisme, que consiste numa mentalidade artaigada ¢ em habitos morbidos, mais ou menos compulsivos, qtte embotam a consciéneia do cidadao consumista, impedindo-o de fazer sequer a menor au tocritica. Por isso, essa forma de degeneragao deve ser analisada sob 05 pontos de vista cultutal, social, econdmico e psicoligico. O consumista é uma espécie de pessoa mistificada, ihidida ¢ autoiludida, Somados, os milhdes ¢ milhoes de consumistas existentes na populacao mundial representam uma ameaca global para o meio ambiente, tanto mais que essa mesma populacao cresce em taxas aint- da assustadoras, sobtetudo nos patses pobres ou em vias de desenvolvimento, E importante notar que consumista nao ¢ apenas aquele que efetivamente consome, mas, ainda, 0 que sonha com esse tipo desviado de consumo e sacrifies bens € valores essenciais simplesmente para atingi-lo. A ascensao das classes populares a uum nivel de vida melhor ~ o que ¢ uma situacio fundamental e desejavel ~, pode desembocar numa ansia compulsiva de consumo, o que é temerario, Como alean- car um bem necessirio sem desembocar num excesso perigoso?! 58, Meio ambiente/consumismo. 0 meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questao ambiental nas suas arcas de conhecimento, Coord, André ‘Irigueiro, Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 147 € 148, eno volver Fundamentaco Cienitlica @ Filoséfica 79 O crescente consumo universal avanca sempre em linhas tortuosas no seio das sociedades, desestabilizando 0 equilibrio econdmico-social porventura exis- tente € ~ 0 que ¢ pior — ampliando a desigualdade entre tegides e paises, assim como entre regides ¢ classes sociais de um mesmo pais. Ha certa forma de univer- salizacao de estilos de vida que obedecem a um comando externa, e isso agrava a dificuldade de equacionar as relagdes produgao-consumo producto dentro dos limites do planeta Terra, Uma pergumta necessaria: como discernir esse comando externo e neutraliza-to? O alastrainento desse modelo (esptirio, diga-se) de sociedade, de classe so- cial ou mesmo de individos coloca em risco o equiltbrio e a harmonia nio s6 de tum determinade pais ou de uma regizo como, ainda mais grave, 0 equilibria do ecossistema terrestre, como um todo, Dai as advertencias repetidas na Agenda 21, Capitulo 4, com vistas 2 mudan- cas indispensaveis nos padrdes de consumo e, implicita ou explicitamente, nos “padrdes" ou modelos de producto. F importante ressaltar, desde logo, que hat um rnexo, uma especie de “causacdo circular cumulativa”. entre producio e consumo, que se estimulam reciprocamente, em forma de espiral aseendente No que tange aos modelos de producio, o postulado basico se resume no desenvolvimento e emprego de teenologias limpas que implieam menos consumo de materia e energia, menor produedo de residuos com maior capacidade de seu Feaproveltamento e com menor volume para sua disposicao final. Isso sem se falar no risco oniptesente das mudancas climaticas Essa problematica vem lembrada na Declaracao do Rio, cujo Principio 8 dis- poe: “Para aleancar o desenvolvimento sustentivel e uma qualidade de vida mais levada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padroes insustentaveis de producao ¢ consumo e promover politicas demograficas adequadas” Desde essa época, 0s padtdes sustemtaveis de producao € consumo tém sido tema constante nas reunides anuiais da Comissao das Nagoes Unidas sobre Desen: yolvimento Sustentavel. Se se for implementar o prinetpio de que os paises ricos deverao reduzir a um décimo o indice per capita de uso de recursos e geracao de poluicao (como preconiza a reunide de Oslo de 1995), surgirao imensas dificulda- des economicas, sociais ¢ politicas nos paises afctados pela medida, Sem embargo, ela € necesséria para que as nacdes ricas € as elites dos paises pobres moderem seu apetite de consumo e reorientem sua producao. Utopia? 2.2.1 Producéo sustentavel A satisfagao das necessidades humanas, necessidades de varias ordens, é um imperative natural, decorréncia de mandamento inicial insculpido no Genesis ‘Crescet, multiplicai-vos ¢ dominai a Terra”, Ial mandamento, que assumiu fei- oes muito caracteristicas na civilizacdo ocidental, herdeira das tradigdes judaico- 80 Direito do Ambiente istas, foi mal entendido e é de extrema complexidade, Todavia, satisfazer legitimas necessidades da espécie humana, por forga do contexto em que se ins ‘© mandamento biblico, nao pode ser dissociado do atendimento concomicante necessidades do Planeta. Essas necessidades, além de se explicarem sob o po de vista téenica-cientifico, sao reforcadas pelo ponto de vista econdmico, pot fonte de todos os recursos € uma s6, a nossa casa Terra. AS necessidades do ec sistema terrestre podem, hoje em dia, ser consideradas, mais do que legitimas, solutamente essenciais, reforgadas pela Etica € asseguradas pelo Dircito Posit em explicitacao do Direito Natural. Produgao — para efeito deste nosso estudo ~ vem a ser o proceso de extr do munco natural, através de técnicas ¢ métodos adequados, bens de const direto (por exemplo, alimentos) e materia-prima a ser elaborada ou transforms com vistas a fabricagao de outros bens, por procedimentos quer attesanais, « industriais. A producao de bens actescentem-se a producao ou a oferta de servi que, quase sempre, demanda 0 concurso de energia e outros recursos naturals, E oportuno recordar que os recursos limitados e finitos da natureza ni | dem atender a demanda de necessidades ilimitadas & infinitas, tanto as sentic naturalmente ¢ requeridas pela sadia qualidade de vida, quanto aquelas gerai antificialmente pela socieclade humana em sua evolueao historica. A preocupa malthusiana ndo 6 sobrevive ha mais de dois séculos como, ainda, vem sen reforcada pelo creseimento demografico ¢ pelo desenvolvimento socioecondmi indo muito além das simples caréncias alimentares, A composicio das legitimas necessidades da especie humana com as leg mas necessidades do planeta Terra efetiva-se no amago do proceso de desenv vimento sustentivel. Este, por sta vez, tem como pressupostos (e, de certo mo: corolarios) a produgao sustentavel e o consumo sustentavel. Em outras palav nao se atingird 0 desenvolvimento sustentavel se nao se proceder a uma radi modifieagao dos processes produtivos, assim como do aspecto quantitative € aspecto qualitativo do consumo. Por isso, 0 conceito € a pritica do desetty vimento sustentavel, uma vez desencadeado, facilitara processos de produca criterias de consumo adequados a composi¢ao dos legitimos interesses da col vidade humana e do ecossistema global Essas preocupacdes vém sendo formuladas de diferentes maneitas, © 1 mais variados foros, 0 que manifesta sua abrangéncia e a sua complexidade trinseca. Limitando-nos a uma posigé0 assaz represemativa, citamos mais u vez 0 relatorio conclusive da Comissao Mundial para o Meio Ambiente ¢ Des: volvimento, Nosso Futuro Comum, Esse documento, lucido e extenso, resume colocagdes que vinham sendo elaboracas a respeito do assunto; assim, servi de base para a tematica da Conferéncia das Nagoes Unidas sobre Meio Ambiei © Desenvolvimento - CNUMAD, a conhecida FCO 92 ou Rio 92, realizada Rio de Janeito, F, mais recentemente, as controvérsias desencadeadas pelo ef estufa, que envolve ama escolha quase dramatica entre a necessidade de ct Fundamentagio Cientiica ¢ Filoséfica 81 cer ea igual necessidade de nao destruir as bases ¢ a capacidade de suporte dos ecossistemas.” Mas, nessa altura das nossas consideracdes, a grande controversia reside nos padrdes sustentaveis de producao € consumo, fatores estes, alids, estreitamente inter-relacionados, Consome-se o que se produz, produz-se 0 que € demandado para consumir. Nao obstante, justifica-se a distincao entre ambos porque, in se, sao fendmenos socioecondmicos distintos, embora interdependentes, e da mesma forma porque sao objetos distintos de conhecimento e de tratamento econémico, social ¢ juridico, Destarte, detenhiamo-nos primeiramente na consideracao da pro- ducao sustentavel, sobre a qual se tem manifestado com frequencia a Comissio das Nagdes Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentavel. © camino a percorrer € longo ¢ tduo, visto que estéo em jogo os estilos de vida ¢ os modelos de civilizacao. Deixando de Indo as muitas disputas a respeito, poderiamos resumir a questao no uso racional de energia e matéria-prima, assiin como na conservacto dos recursos naturais dentro das caracteristicas essenciais dos ecossistemas, de modo que a demanda sobre eles se contenha dentro dos limites da capacidade dos mesmos ecossistemas para se regenerarem e autorre gularem. O proceso produtivo ndo tem outra fonte de insumos, de tal sorte que valendo-nos de uma expressao popular, o meio ambiente ¢ como a “galinha dos ovos de ouro” €, por isso, ndo pode ser morta. As preocupacoes com a producdo sustentavel ndo tém sido meramente emo: cionais ou estereis. Entre as muitas iniciativas tomadas em referéncia ao tema, de- ve-se mencionar a normatizacao internacional elaborada e proposta pela [SO — In- ternational Organization for Standardization, compendiada na série ISO 14.000. Fssa organizacdo internacional, sediada em Genebra, vem atuando dentro dos os desde 1947, No decorrer das tiltimas décadas, ela seus fins societarios espec tem editado normnas para assegurar a qualidade dos produtos industriais, a série ISO 9.000. As normas dla série ISO 14.000 visam a resguardar, sob o aspecto da qualidade ainbiental, nao apenas os produtos como também os processes produ- tives.” E um grande paso no caminho da producio sustentavel. Ha, porem, uma limitacao, que ndo parece insuperavel. Como organizacao técnico-cientifica nao 59. Fse embate dramatico ¢ melhor explicitady na Politi Clima (Ver neste livto Talo IX = Capitulo VIL) 60. A Associacdo Brasileita de Normas Técnicas ~ ABNT representa o Brasil junto a International Organization for Standardization, oficializando, para uso corrente 19 Pais, as Normas 1SO, que passam a chamar-se NBR ISO. Assim, j temos editadas pela ABNT varias norinas da série 150 14.000, entre as quais @ principal ¢ a norma ccetfieacora NBR 150 14.001. Além desta, podem ser lmbadas também as nornias de auditoria, de desempenho ambiental, de rotulagem ambiental ¢ de avaliagao do ciclo de vida ‘acional sobre Mudanga do 82 _Direito do Ambiente governamental, a ISO nao pode, evidentemente, legislar, Suas normas s rater suasorio, sem forca juridica, a menos que o Poder Publico Ihes ec virtude, adotando-as no bojo de instrumentos legais. Contudo, a serie normas ISO, elaboradas com critérias insuspeites de valor tecnico e ¢ reconhecido universalmente, confere a ela uma autoridade incontestavel. nao sejam, na teria, obrigatorias, acabam por se impor, na pratica, tom referencia necessaria, Ate porque, como se diz popularmente, “as leis do io mais eficazes do que as leis do Dittio Oficial” © Brasil é associado a ISO através da ABNT ~ Associagao Brasileira mas Técnicas. A ABNT, pois, representa oficialmente o Brasil junto a 1S ‘como representa essa organizacao internacional junto as autotidades br Em semelhante contexto, € na medida em que 0 Poder Publico brasil nisterio da Industria e Comércio e outros entes espectais) endossa as ne ABNT, tais normas se revestem de um cariter especial quanto a sua apli de, ou seja, transformam-se em instrumentos paralegais ou assumem parajuridica Em sintese, as normas ISO passam a ter sua aplicabilidade revigorad por forca de lei, ao menos por forca da autoridade que elas possuiem, cot dito latino peritis in arte credendum est: deve-se dar crédito aos peritos 1 to. De fato, a verdadeira autoridade tecnica e cientifica situa-se num cor veracidade que contribu para a selecao das melhores alternativas e para ser tomada no assunto em questo, Fssa é a vantagem, a precrogativa bilidade 2, Consumo sustentavel Quase todos os grandes problemas ambientais estdo relacionados, indiretamente, com a apropriacao € uso de hens, produtos ¢ servicos, sty vide ¢ das atividades da nossa sociedade moderna, Tome-se a polui¢ao do ar, especialmente a poluicao urbana por mon carbono, que é, em grande parte, causada por emissoes decorrentes da v de um bilhao de veiculos que foram licenciados no mundo até 2008" —o' consumidores desses bens duriveis sao ditetamente responsaveis pelos 61. “Um bilhio de veiculos”, Em 0 Estado de 5, Paulo, 10.03.2008, p. A3. Seg Ford, presidente do Conselho Mundial da Ford, a expectativa, ate meados € de uma frota de 4 bilhoes de veiculos. No Brasil, p. ex., 6 mimero de ve ciculacio cresce em ritmo muito superior 20 da populagio. Desde 200+ 4 economia se livrou da hiperinflagao, a frota aumento 54.8%, atinginn inillies de veiculos em 2011. No mesmo periodo, a populacao, estimada rmilhdes de pessoas, cresceu 3,7%, Ito significa dizer que o Pais ja tern un vel para cada 5 brasileiras (O Estado de S. Paulo, 15.04.2012, p. B-4) Fundamentacao Cientifica ¢ Filoséfica 83 causados a atmosfera, Segundo estudos do GEMS/AIR® da ONU, aproximada- ‘mente 900 milhdes de pessoas esto expostos a niveis prejudiciais de Oxidos sul- fuiricos, e mais de um bilhao é afetado por niveis desaconselhaveis de particulas pondo em risco suas vidas s idores em geral nao contribuem também, e decisivainen- te, para niveis tao elevados? Como e quanto seria essa participacao? 4 que os cons! Alem disso, como se sabe, 0 buraco da camada de ozonie tem na utilizagao de CFCs (clorofluorcarbono) uma de suas causas mais importantes. Medidas de controle de suas emissées, como 0 Protocolo de Montreal, em vigor desde 1980 ¢ revisto em Londres (1990), jé mudaram o quadro ¢ continuam a ter um impacto tremendo nos padrdes de consumo de milhées de consumiidores em todo o mun- do, Da mesma forma, as perdas financeiras provocadas pelos desastres naturais atmosféricos ~ furacoes, tufoes, tsunamis, enchentes ¢ tempestades — ja fazem da poderosa industria de seguros uma forte aliada do Protocolo de Kyoto acordo Internacional assinado em 1997 com vigencia desde 16.02.2005 até dezembro de 2012) para reduzir as emissodes clos gases poluentes que provecam 0 aquecimen- to do Planeta. Tudo isso porque o creseimento do niimero e da intensidade das catastrofes atmosféricas ja afeta os balangos anuais das resseguradoras em todo 0 mundo, as quais, ao longo do ano de 2001 (dez anos atras) registraram US$ 4.4 bilhdes de perdas.”” Uma pergunta: até que ponto o consumnidor-poluidor tem responsabilidad sobre 0 efeito negative dos insumos ¢ equipamentos que usa ou dos bens que con- some? Nao seria isso imputiivel, antes, aos processos tecnologicus de produgao? Por ora, parece evidente que sim; porém, 0 uso imadequado ou desnecessario € 0 abuso por parte do consumidor nao podem ser relevados. Em outra direcaa, sua participacao pessoal no coro das exigencias ambientais (reclanacbes, boicotes € outras formas) decorre do exercicio da sua cidadania ambiental ¢ é empenhativa para esse consumidor. Outro exemplo: a agua doce, que representa apenas 2,50% de todos os recur sos hidricos do Planeta, é, a um s6 tempo, um recurso de consumo ¢ um impor: tante recurso ambiental. Aqui, também, um risco ecolégieo que se avizinha tera implicacdes profundas no cotidiano do consumidor, principalmente quando con siderainos que 0 consumo per capita de agua potavel vem aumentando em todo 0 mundo. Relatorio divulgado pelas Nacdes Unidas por ocasiao da Capula Mundial para o Desenvolvimento Sustentivel, realizada em Joanesburgo, na Africa do Sul 62, A OMS~Organizacéo Mundial de Saude, da ONU, entre ounros organismos, mantém dois programas que interessam a qualidade ambiental: GEMS/AIR e GEMSWATER ~ Global Environmenial Monitoring System (Sistema de monitaramento ambiental slobal, are gua), 63. 0 Fstado de S Paulo, 24.10.2002, p. A18, 84 —_Direito do Ambiente em 2002, prevé que no ano 2025 cerca de 4 bilhoes de seres humanos (metade da populacdo projetada) sofrerao com a escassez de agua. Atualmente, enfrentam © problema 2 bilhoes de pessoas, isto é um terco da humanidade, A questio da Agua, embora premente, nao € a tinica pressao ambiental, Para alimentar a popu- lacio crescente, tem ocorrido a amplia mais desflorestamento e para a irtigacao).* das areas agricultaveis, o que implica naiores gastos de agua doce (70% da agua consuimida vai Segundo a Oranizagao Mundial para a Alimentacao e Agricultura (FAO), © consumo de pescado no mundo, que estava em 19 milhées de toneladas anu- ais em 1970, chegou, em 2003, a bem mais de 80 milhoes de toneladasano nos oceanos, as quais devem ser acrescidas quase 50 milhdes de toneladas advindas das aquiculturas, Com o aumento da captuta, 50% dos estoques marinhos ja se esgotaram € 25% estao sobre-explotados.” A.crosto, por seu turno, nao so afeta as necessidades crescentes dos consumi- dores de alimentos, como € afetada, igualmente, por essas mesmas necessidades. Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos da América e notivel ambienta- lista, chama-nos a atencao para as sequelas negativas que a tecnologia inaclequada eta para a sustentabilidade do mundo natutal na produgao de alimentos € ma de outros bens, Diz o estadista norte-americano: “Nao raro, quando procuramos aumentar antficialmente nossa capacidade de obter o que precisamos da Terra, fa- zemos isso em prejuizo de suia capacidacle de prover naturalmente 0 que estamos buseando. Por exemplo, quando aumentamos a producao agricola com o uso de tecnologias que contribuem para a erosio das terras ataveis, dimimutmos a cay cidade do solo de produzir mais alimentos no futuro. E frequentemente deixamos de levar em conta o impacto de nossa alquimia tecnologica sobre os processos naturais. Assim, quando fabricamos milhoes de motores de combustao interna e, esse proceso, automatizamos a conversio de oxigenio em CO, ¢ outros gases, interferimos com a capacidade da Terra de se livrar das impurezas que sao normal- mente eliminadas da atmosfera”. A devastagao florestal, por igual, esta diretamente relacionada com ui certo modelo de consumo que prioriza 2 utilizagao de madeira, Basta lembrarmos que 1,7 bilhao de metros cubicos de madeita tem sido coletados p nao a combustao, ra outros Tins que Ajuntemos, por fim, a esses poucos mas signilicativos exemplos, a producdo de lixo, toxico ou mao, que cresce na proporco do consumo de bens ou produtos e servicos, fatores estes que tendem @ aumentar de maneira imprevisivel, particu- armente nas regioes metropolitanas e nos grandes centtos urbanos. 64. Folha de S. Paulo, p. A-2, 17.08.2002 (65. Washington Novaes. * 17.01.2003, p. A-2 66. Ob. cit, p. 182, nue o realismo ¢ 0 ceticisma”. Em O Estado de S. Paulo, 1 popu implica nda vai (FAO), Funclamentacao Cienti As necessidades de consumo, tanto as reais quanto as chamadas suntut cde consumo conspieuo, nunca pararam de creseer. Na verdade. pela paroxiog ca propaganda da economia dita “moderna”, criam-se sempre novas neccecilates sob os mais variados pretextos. Dai a assertiva de que recursos finitos nae podem atender a demandas infinitas. A propésito, ocientisia e ambientalistafranats Mi chel Lamy. da Universidade de Bordéus, escreveu win interessante livro sobre eosg inhinidade de clemandas que acabam por incorporar-se ao set humano, como en, tensio do seu organismo,*" Veni a proposito uma indagacio: ters 0 consumidor, pelo simples fato de ser consutnidor, um vinculo com o meio ambiente ¢ a sustentabilidade? Naw ha duvide de que este vinculo existe e pode facilmente ser idemtificado no bojo dow Processos de producao-consumo e consumo-produciio. Nesses processos eneon liam se acdes ¢ reacoes em eadela, com grande significacao nas interacdes he: mem mundo natural ou, se se preferit, nas relacdes sociedade-meio ambiente, As slemandas dos indlividuos ¢ a sociedade vao ser direcionadas para o mundo navts ral por incio dos proessos sistemas cosmicos: dai, o impacto que elas provecem sobre a sustentabilidade com 0 binomaio produgao-consumo. Assim, este assamte € tema também para muitas outras discussdes No momento, importa tao somente lembrar que, sob a rubtica “interesses difusos” ou “interesses transindividuats” ou “intetesses coletivos”, hd uma asso. cacao mais do que implicita entre consumo e meio ambiente. Tanto a protecao do meio ambiente como a protecto do consumidor séo principios da ordem cond. mnica, nos termos da Constituicio Federal de 1988." Isso quer dizer que, no plano constitucional, as duas esferas de preocupacao (meio ambiente ¢ consuiinider) re, {ao igualmente situadlas, efancionam come limites a livre iniciaiva, uma vex que #ordem econdiniea se diteciona para a ordem social, como afirmamt os reuisivos Juridicos ¢ 0 ordenamento econdmico-social a partir da Carla Magna © Jesislador constitucional, entretanto, den, inegavelmente, mais espa £0 8 protecio do meio ambiente ~ ha todo um capitulo especifico para a tuela ambiental,” sendo o consumidor agraciado somente com uma mencaa no art. 5, XXXIL- do Capitulo | (Dos direitos e deveres individuais e coletivos) do Titulo I (os direitos ¢ garantias fundamentais).* Com efeito, o meio ambiente, como patrimonio da coletivicade, € considerado como indisponivel. Por essa taste o consumidor, em suas opgoes, deve escolher produtos e servicos que respeitam: 2 67. As camadas ecoldgicas do homem, Lisboa: Instituto Piaget, 1996 68, “Art, 170. 4 ordem economica, fundada na valorizacdo do trabalho human ¢ na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existenciadigna, canforme os duane dfajustica social, observados os seguintes principio: (..);V ~ defesa do consumider Vi defesa do meio ambiente (.):(..) Capitulo VI (Do meio ambiente) do Titulo VIIt (Da orem social). XNI~ 0 Estado promoverd, na forma da le, a defesa do consumidon” 86 Direito do Ambiente qualidade ambiental e integridade minima dos ecossistemas, isto é nos limites estabelecicos pelas Ciencias da Natureza e pelos dispositivos das normas legais e do Direito do Ambiente. Apesar de 0 meio ambiente contar com capitulo proprio, o impacto conereto da Constituicao Federal foi muito maior na esfera do consumidor, pois, por forga do art, 48 do Ato das Disposicdes Constitucionais Transitorias," foi elaborado € promulgado 0 Codigo de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), hoje regrando as relagoes de consumo no nosso Pais. 3. Sustentabilidade na esfera institucional 2.3.1. Na ordem juridica nacional Embora a legislagao brasileira desconheca, com tal denominacao, 0 tema do consumo sustentavel,” so varias as hipoteses em que © nosso ordenamento, a0 cuidar do meio ambiente, trata também do consumidor ou vice-versa. Por isso mesmo, parece-nos que uma pesquisa mais atenta da Carta Magna € de certos textos legislativos indica que © consumo sustentavel, mesmo sem este hatismo, esta tratado pelo nosso ordenamento juridico, ainda que de forma assis- tematica ¢ dispersa. O legislador, inicialmente, da como pressuposto de legitimidade da protecao do meio ambiente € do consumidor © mesmo fundamento: a qualidade de vida” ea dignidade humana.” Na mesina linha, a Constituigao Federal, ao cuidar do meio ambiente, lista, entre as incumbéncias do Poder Pablico, “controlar a produicao, a comercializacao € o emprego de técnieas, métodos e substancias que comportem risco para a Vida, a qualidade de vida e o meio ambiente".”” Muitas vezes se faz mencao ao uso dos recursos ambientais,” 0 que, num vocabuldrio flextvel ¢ mais proximo da nossa preocupacio, poderia significar con- sumo. 71, “Art. 48, O Congresso Nacional, dentro de cemto e vinte dias da promulgacio da ri eddigo de defesa do consumidor” 10 deste termo a que o legislador ambiental conseguiu chegar foi a referéncia ao wso raciona! de recursos ambientais (Lei 6.938/1981, art. 13, IUD. ‘Constituigan Federal, art 225, caput. Qualidade de vida significando uma socicté de convivialité, algo que vai alérm do dado quantitative (nivel de vida) (Michel Prieur rott de Venvironnement, 5. ed, Paris: Dalloz, 2004, p. 4 « 5). 4. Lei 6 938/198), art. 2°, caput Ant. 225, 8 19, ¥, 6. Neste sentido, sto prineipios da Politica Nacional do Meto Ambiente, dentre outros, “racionalizacao do uso do solo, do subsolo, da gua € do ar”, “planejamento ¢ fise nto Sts- Je diversos negocia- pnjunto de is questdes is deveriarn feso garanti e facilitaria ypelam me B atraso, dez Idades sociais Em, Taga, Se, Fundamentagao Cientifica e Filos6fica 97 Nesta altura da nossa introducao, elencar as Agées Prioritirias da Agenda 21 Brasileira, em numero de 21, distribuidas em cinco blocos, tal como apresentadas no texto oficial:"" (0) A economia da poupanga na sociedacle do conhecimento Objetivo 1: Produgao e consumo sustentaveis contra a cultura do desper dlicio Objetivo 2; Ecocficigncia c responsabilidade social das empresas Objetive 3: Retomada do planejamento estratégico, infraesteutura ¢ inte- gracao regional Objetivo 4: Energia renovavel e biomass Objetivo 5: Informacao e conhecimento para o desenvolvimento sustenta- vel () Inclusio social para uma sociedade solidaria Objetivo 6: Educacao permanente para o trabalho c a vida Objetivo 7; Promover a saude e evitar a doenca, democratizando o SUS Objetivo 8: Inclusao social e distribuigae de renda Objetivo 9: Universalizar o saneamento ambiental, protegendo o ambiente easande (LUD Estrategia para a sustentabilidade urbana e rural Objetivo 10: Gestio clo espaco urbano ¢ a autoridade metropolitana Objetivo 1: Desenvolvimento sustentavel do Brasil rural Objetivo 12: Promocao da agrieultura sustentavel Objetivo 13: Promover a Agenda 21 Local ¢ 0 desenvolvimento integrado € sustentavel Objetivo 14: Implantar o transporte de massa ¢ a mobilidade sustentavel (IV) Recursos naturais estratégicos: agua, biodiversidade e florestas Objetivo 15: Preservar a quantidade ¢ melhorar a qualidade de agua nas ba. ccias hidrograticas Objetivo 16: Politica lorestal, controle do desmatamento ¢ corredores de Diodiversidade (V) Goyernanga ¢ ética para a promocao da sustentabilidade Objetivo 17: Descentralizacdo ¢ o pacto federativo: parcerias, consorcios € 0 poder local Objetivo 18: Modernizagio do Estado: gestao ambiental e instrumentos eco namicos Idem, sumario, 98 Direito do Ambiente Objetivo 19: Relagdes internacionais ¢ governanca global para o desenvolvi- mento sustentivel Objetivo 20: Cultura civica e novas identicades na sociedade da comunica- do Objetivo 21: Pedagogia da sustentabilidade: ética e solidariedade Resta uma observacao final: a simples existéncia de uma Agenda 21 nao as- segura a sua efetividade e eficacia, O que importa sao as agdes concretas, Por isso, podemos inferir que ha documentos estéreis, por uma parte, ao paso que hi imuitas realizagoes efetivas, por outra parte, agdes estas qute vem sendo realizadas no espirito da Agenda 21, mesmo que seus agentes nao tenham tido noticia previa dos tespectivos documentos. Este € um dado importante a considerar quando cidadaos, ambientalistas e gestores do meio ambiente da coisa publica se inter- rogam sobre o destino da Agenda 21. Seria pessimismo injustificavel pensar que tudo caiu no vazio ou no torvelinho das palavras. A nossa Agenda 21 Brasileira ndo teve a acolhida e a repercussio que Ihes exam devidas. Talvez porque no tempo se distanciou muito da Agenda 21 Global, Pode parecer um papel morto, porém nao € verdade. Os que acompanham a po- litica ambiental brasileira saber que houve empenho em sua conscientizacao. O fesiejado movimento da Agenda ficou muito para tras ~ quase vinte anos ~ e seu espirito impregnow muitas areas e autores da Gestao ambiental A nossa Agenda Nacional partin da Agenda Global e as realizagbes acumu- ladas desde os tempos do ecodesenvolvimento, incorporou programas, projetos ¢ acoes que foram postos em pritica por gestores ambientais e militantes ambien: talistas, no decorrer das ultimas décadas. Em verdade, o seu espirito continua vivo. Resta uma observacao final: 0 texto da Agenda 21 Brasileira que, na antevi- sto do terceiro milenio € do nascimento do novo século, sintetizou as aspiracoes nacionais em 21 objetivos, quis dar uma estrutura pedagégica € uma fisionomia propria no qual poderiamos chamar de “carta magna do desenvolvimento nacio- nal’, assim como a Agenda 21 global pode ser considerada como a “cartilha do desenvolvimento sustentavel”. Cabe aos cidadios conscientes, a militancia ar bientalista esclarecida, aos gestores ambientais ativos ¢, por fim, a0 Poder Pablico responsavel nela e por ela conduzirem as suas agoes, Mesmo que © Poder Pablico tenha se omitido ou venha a se omitir, forcas vivas da sociedade mantém aceso o ideal e impulsionam para frente essa mesma sociedade. Em iiltima analise, ¢ isso 0 que conta 4. ECONOMIA VERDE 4.1. Apanhado historico: necessidades versus recursos Desde 05 anos 1960, epoca cm que comecaram a desfazer-se 05 impérios coloniais da Africa e da Asia, despertou timidamente a conscieneia do limite dos psenvolvi- munca | no as- Por isso, Global, bn 2 po- Fundamentacao Cientifica e Filoscfica 99 recursos do planeta Terra, inclusive no ambito da Organizacio das Na ~ ONU. A emancipacao das colonias levow as poténcias ocidentais a reverem suas economias ¢ a investigar alternativas para a ordem geoecondmica, complicada pelas no icOes econdmicas € pelo suxpreendente acrescimo de populagao, particularmente no entao chamado “Terceiro Mundo", a saber: as jovens nacoes africanas somadas aos paises do Norte da Alrica, a grande maioria dos paises asiaticos ¢ a América Latina, © “Primeiro Mundo” era constituido pelos Estados Unidos, 2 Europa Ocidental ¢ 0 Japao, ao passo que o “Segundo Mundo” compre endia a Unido Soviética (URSS) ¢ 03 seus satelites europeus. Naquelas décadas a polarizagao se dava entte Leste ¢ Oeste, ou seja, no ambito dos Mundos Primeiro e Segundo, enquanto o Terceito Mundo tinha tun wimento pendular, ora para um lado (EUA), ora para outro (URSS). O feno- meno geopolitico mais notorio foi a “Guerra Fria”, que perdhurou até « queda do Muro de Berlim (1989). Ja nos anos de 1960, a consciéncia da enorme desigualda- de socioecondmica entre desenvolvidos ¢ subdesenvolvidos se avolumou, dando ensejo a muitas guerras e agitacdes politicas ¢ sociais que deixaram espaco para infindaveis contendas entre nacoes A parte 05 aspectos geapoliticos, foram muitos «s aspectos geoeconomicos e geossociais envolvidos, como a “sociedade da abundancia” e extensas tegioes da fome. As politicas de desenvolvimento fixaram-se na producao de bens de con: sumo ¢ na elevacdo do nivel de vida, escancarando as portas para o consumismo, estando ai compreendidas muitas industrias, inclusive a industria automobilis- tica, O incentivo ao constimo nao levou em devida conta os aspects cultais, e1icos e politicos. Quanto a economia, foi possivel descobrie que os recursos natt- rais necessairios para atender a tantas demandas crescentes nao podiam preencher 6s mutitos apetites de consitmo, E algo hem pior: 0 impressionante aumento do consumo nao eliminou nem a fome nem a pobreza ~ ao contrario, acentueu-as, agravando as diferencas abissais entre ricos e pobres. Vozes howve esclarecidas ¢ oportunas que levantaram a questo, como 0 no- tavel Secretario Geral da ONU Dag Hammarskjold™, que ja preconizava “um novo tipo de civilizagao”. Formou-se, em torno da ONU, um grupo de consultores que, desde aqueles anos, se debrugatam incansavelmente sobre uma propasta de desenvolvimento € civilizacao. Um desses arautos, bem conhecido no Brasil, & Iganacy Sachs, criador de escola e mentor de muitas cabegas, desde a sua proposta do “Ecodesenvolvimento” até nossos dias." 92, Dag Hammarskjold (1905-1961), sueco, fo seetetario geral da ONU de 1953. 1961, «quando morreu em acidente aére0 na Africa, em cumpriniento da sua missio, © Pre. sidente Kennedy o considerou o maior estadista do século. Toi contemplade, apos sila morte, com o Premio Nobel da Paz 93, Sua obra mais recente: A terceira Margem: em busca do Ecodesenvolvimento. Sto Pat lo: Companhia das Letra, 2009 100 Dircito do Ambiente Fim outra esfera, a da ci e ser lembrada a bidloga, z06lo- _gae escritora norte-americana Rachel Carson (1907-1963) que, com seu livro "Si- lent Spring”, emocionau milhoes de pessoas, inclusive o que chamariamos hoje de “lideres ambientalistas” Foi precisamente todo esse movimento desencadeado que culminou na Confe- reneia das Nace Unidas sobre 0 Desenvolvimento Humano, reunida em Estocol- mo (Suécia) em junho de 1972, De la para ca, tem sido facil acompanhar os varios processos de acio politica, econdmica, social e cultural, sem esquecct os grandes avancos nas dreas cientificas. A Conferéncia das Nagdes Unidas sobre Desenvolvi- mento e Meio Ambiente, reunicla no Rio de Janeiro etn junho de 1992 (Rio 92), as nultas outras que se seguitam até a Rio + 20 ~ assim como infinidade de reunioes ambientais que se celebram em todos os contincntes -, atestam a permanente bus cca de solucdes para 0 conflituoso desenvolvimento dos menos desenvolvidos, que constitu o sonho, uma espécie de Eldorado, que se procura em toda parte Marco notério foi o “Relatorio Brunddland!", produzido pela Comissto das Nacdes Unidas para o Desenvolvimento ¢ 6 Meio Ambiente, em 1987, voltado para a preparacao da Rio 92." Ple foi seguido pela “Carta da Terra” e pela “Agenda 21”, pecas com as quais muitos cstao familiarizados, hoje F importante observar que a tonica da finitude dos recursos do ecossistema terrestre, da necessidacle de climinar a pobreza ¢ a fome, de nao se esgotar os re- cursos naturais, de se preservar a biodiversidade, de se pensar cm riscos globais (por exemplo, © crescimento acelerado da populacao do mundo, assim com as mudiancas climaticas) € uma tonica constante, que tein dlado origem a vatias pro- posts, Essas propostas se sucedem e se complementam, sao etapas experimentais sempre renovadas, a busca de uma sintese de politica e de acao. Nao podemos estar seguros de que essa almejada sintese possa ser alcancada erm curto prazo, Nao ha duvida de que o fator sustentabilidade ¢ 0 alvo ultimo do equilibrio,e eixo da questao ambiental, Talvez tenhamos chegado ao nucleo das preocupacoes, ao “leitmotiv” de todas as buscas. Restacnos, agora, saber como lidar com ele como eliminar os fatares adversos, como tornd-lo efetivo e, assim, redirecionar a evolucao da sociedade em um mundo pos-moderno ~ o nosso mundo que vai assegurar a sobrevivéncia da Terra, nossa casa comum. E nesse contexto, ¢ em decorrencia dele, que, no presente, nos deparamos ‘com a proposta da “Economia Verde 4.2 Uma vista sobre a economia verde Ainda que preseindindo de qualquer juizo de valor, ninguem desconhece que, no mundo contemporaneo, a economia ¢ o motor das nacoes, Basta ver as Existe a tradugao brasileira: Primavera Silenciosa, Sao Paulo: Editora Gaia, 2010, Traducao brasileira: Nosso futuro Comum, Ria de Janeiro: Editora da FGY, 1987, 25 varios grandes -wolvi- nie bus. fos, que sao das voltado Agenda recionar que vai rain0s, conhece Fundamentacao Cieniifica ¢ Filoséfica 101 sucessivas crises econdmicas ¢ financeiras, o monopélio na exploracao de deter minados recursos naturals refratario a qualquer acordo, as pelejas no ambito da Organizacio Mundial do Comercio. © quadto € extenso € patente, A causa mais profunda é a escassez crescente de recursos que slo finitos para atcnder a progtes- siva demanda, que ¢ infinica Certamente € um ponto de inflexdo no mundo contemporaneo. As tensdes parecem crescer. E a corda...se romper sempre no lado mais fraco? As escolas de economia se aprofundam mais ¢ mais em seus estudos € pesquisa. Entretanto, a comsciéncia generalizada € de que a tensio nao pode comtinuar, € preciso um mecanismo de acomodacao. O imteressante nessa conjuntura € que © papel do empresariado ¢ claro ¢ de cisivo no processo. Jé no se reduz as elucubracdes da economia cientifica, porém, ganha as Tinhas de producao ¢ de consumo, Tem havido experiéncias de ecoelici- énela, Busca-se inter te a eficiencia econdmica com a reducao de materia e energia, ate mesmo nos setores vomerciais, de servicos e domeésticos Ja se admite que para fazer melhor & preciso fazer menos. Os processos de recicligem aumentam ¢ se aperfeicoam. Isso, como se percebe, implica em maior convivencia com a natureza, maior conhecimento dos processos naturais, No Di- reito do Ambiente isso se poderia refletir em conhecimento mais amplo € mais profundo do ordenamento natural As mudancas climaticas provocadas pelos gases de efeito estufa, por vezes desencadeando eventos climaticos extremos, serve de alerta para que a economia se detenha onde ¢ imperioso deter-se, ou soja, nos seus praprios limites. Mas, para isso Sto necessarios tres requtisitos: pensar em longo prazo, construir uma visio holistica e cultivar valores diferentes. Na economia, ¢ preciso substituir @ modelo do alto carbono por 1m modelo alternativo em consonancia com s servicos pres tados pelos ecossistemas E nesse comtexto que se define ¢ se desenvolve a chamada “Economia Verde Este capitulo ndo se pretende como desenvolvimento do tema; cle é apenas uma chamada de atencao para a problematica ou, se se preferir, para a proposta. 0 foco da Feonomia Vi 1m claro passo avante; con- tudo, estard sujeito a dois condlicionantes: (3) 0 empenho de governos e da socie cle € correto, significa dade em concretiza-la; ¢ (ii) 0 alargamento dos seus horizontes para que se possa aleancar a “terceira margem do rio", isto €, a supcragao da sociedade de consumo, com a busca de outros valores além dos econdmicos Para essa abordagem do assunio, valemo-nos do estudo do mestre Ricardo Abramovay, professor da Universidade de Sao Paulo e na Universidade de Paris, autor do recente livro “Muito além da Economia Verde™ 96, Muito além da economia verde, Sto Paulo: Edi Sob os auspicios da Fundacion Avina AbrivPlaneia Sustemavel, 2012 102 Direito do Ambiente © Professor Abramovay, no dizer da Marina Silva em seu Prefiicio, “segue mostrando de forma didetica que 05 mercados sao esiruturas sociais que podem € precisam fazer is50 urgentemente, incorporar valores ambientais ¢ éticos. E em contraposicao as decisdes individuais como elemento de organizacdo dos mer. cados nao esta 0 planejamento, mas sim a cooperacao proporcionada por novas estruturas comunicacionais, E ai esta, no meu entendimenta, com toda a licencio. sidade postica, a velha e atualissima duvida shakespeariana plasmando as impor tates questaes levantadas no livro: individuo € coletivo, sem 0 que nao ha como existir sustentacao para o fazer humano.”” Em sua explanagdo, o Autor apresenta quatro focos a partir do seu observatd- tio: °O primeiro procura mostrar que a abundancia material das sociedades con- temporaneas nem de longe produz o bem-estar que dela se poderia esperar. Para isso, 0 capitulo procura discutir o que sto as necessidades basicas dos seres huma nose a distancia entre o funcionamento da vida economica e seu preenchimenta, O segundo capitulo mostra que, apesar dos ganhos ligados a ampliagao da ecodficiéncia nos processos produtivos, as presses que amecacam a prescrvacio dos servigos ecossistémicos dos quais depeiidem as sociedades humanas continu am. se ampliando. Além de limitado na producao de bem-esiar, 0 sistema econd- mico muidtal apoia-se em modes de uso e, sobretudo, de distribuicao social dos recursos, incompativets com 0 combate a pobreza ¢ a satisfacdo das necessidades basicas © terceiro capitulo explora aquilo que muitos nao hesitam em caracterizar como quadratura do eétculo, ou seja, a possibilidades de que, no ambito de uma economia descentralizada ¢ no qual os mercados clesempenham papel decisive, as empresas privadas respondam a objetivos socioambieniais pautados nao de forma difusa pelo sistema de precos, ¢ sim por press6es ¢ participacoes sociais diretas © quarto capitulo expde um dos mais importantes fatores de esperanca no processo de transicdo etn direcéo a uma nova economia: o avanco impressionat da cooperacao, marca decisiva da sociedade da informacao em rede." Assitn, peramte esses horizontes, o Direito do Ambiente poder pautar-se por forimulacdes cientificas consistentes, deixando-se impregnar ecologicamente pela Economia, que nada mais é do que a “administracao da casa”. Aqui, 0 cuidado coma Planeta 97. Ob. cit..p. 12. 98. Ob. cit..p. 29

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