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DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXO José Carlos Libâneo e Marilza Vanessa Rosa Suanno (ORGS.

CAPES
Apoio:
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA
CONSELHO EDITORIAL
Akiko Santos
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ
Bernhard Fichtner
Universidade de Siegen - Alemanha
Claudia Maria Lima
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP/Presidente Prudente
Denise Silva Araújo
Pontifícia Universidade Católica Goiás de Goiás/ PUCGoiás
Gilberto Lacerda Santos
Universidade de Brasília/UnB
José Carlos Libâneo
Pontifícia Universidade Católica Goiás de Goiás/ PUCGoiás
Maria Amélia Santoro Franco
Universidade Católica de Santos/ UNISANTOS
Mirza Seabra Toschi
Universidade Estadual de Goiás - UEG e Centro Universitário de Anápolis - UniEVANGÉ-
LICA
Sandra Valéria Limonta
Universidade Federal de Goiás/UFG

FICHA CATALOGRÁFICA

Didática em uma sociedade complexa / organizadores José Carlos


Libâneo, Marilza Vanessa Rosa Suanno. Goiânia: CEPED, 2011
150p. ; 21.5 x 31.8cm.

Publicação vinculada ao IV EDIPE promovido pelo CEPED, UFG,


UEG, PUC-GOIAS e UniEvangélica.
ISBN 978-85-64604-00-1

I. Didática II. Prática educativa. III Título: Didática em uma so-


ciedade complexa. IV Libâneo, José Carlos. V Suanno, Marilza
Vanessa Rosa.

CDU: 371.3
SOBRE OS AUTORES

Adélia Maria Nehme Simão e Koff


nehme@centroin.com.br
Professora assistente da Universidade Estácio de Sá. Doutora
pelo Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro/PUC-Rio (2008) e integrante,
desde 1996, do Grupo de Pesquisa e Estudos sobre Cotidiano,
Educação e Culturas/GECEC, coordenado pela professora
Vera Maria Ferrão Candau na PUC-Rio, possui mestrado em
Educação pela mesma universidade (1987). Tem Licenciatura
em Português e Literaturas Brasileira e Portuguesa, pela UFRJ.
É consultora educacional autônoma de diferentes instituições.
É coordenadora editorial da Revista NOVAMERICA.

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben


tutti.uai@gmail.com
Professora Associada da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Graduada
em Música Piano pela UFMG (1974), graduada em Pedagogia
pela UFMG (1974), mestre em Educação pela UFMG (1990)
e doutorado em Educação pela UFMG (1998). Professora do
Programa de Pós graduação em Educação da FaE UFMG,
Pesquisadora do GAME - Grupo de Avaliação e Medidas
Educacionais da FaE/UFMG. Coordena o Curso de Pedagogia
UAB/UFMG em 9 polos do Estado de Minas Gerais.

Dulce Barros de Almeida


dubalmei@hotmail.com
Licenciada em Pedagogia pela PUC/Minas/GO; Especialista
em Educação Especial pela PUC/GO; Mestre em Educação
pela FE/UFG e Doutora em Educação pela UNICAMP/SP.
Atua nas áreas de Didática e Estágio, Metodologia do Ensino
Superior, Educação Especial e Inclusão Escolar. Atualmente
é professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação
em Educação da FE/UFG (Mestrado e Doutorado) na Linha
de Pesquisa - Formação e Profissionalização Docente e é
vinculada ao Diretório de Pesquisa da Unicamp - Laboratório
de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade - LEPED,
desde 1999.

Joana Peixoto
joanagyn@yahoo.com.br
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de
Goiás (1982), especialização em Informática e Educação pela
Unicamp (1989), mestrado em Educação pela Universidade
Federal de Goiás (1991), DEA “Approches Plurielles en
Sciences de l’Éducation” (2002) e doutorado em Ciências da
Educação pela Universidade Paris 8 (2005). Atualmente é vice-
coordenadora do Programa de Pós-Graduação Stricto sensu
em Educação da PUC GOIÁS. Tem experiência em formação
de professores, com ênfase na área de Tecnologia e educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: tecnologia e
educação, informática e educação, mídia e educação, educação
a distância e na relação destes temas com a formação de
professores.

José Carlos Libâneo


libaneojc@uol.com.br
Doutor em Filosofia e História da Educação pela PUC/SP.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação,
mestrado e doutorado, da Pontifícia Universidade Católica
de Goiás. Pesquisa e escreve sobre teoria da educação,
didática, organização e gestão da escola. Integrante da Linha
de Pesquisa: Teoria histórico-cultural e práticas pedagógicas
(CNPq): Teorias da Educação e Processos Pedagógicos.

Marilza Vanessa Rosa Suanno


marilzasuanno@uol.com.br
Professora da Universidade Federal de Goiás – UFG e da
Universidade Estadual de Goiás – UEG. Doutoranda pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Goiás - UFG. Mestre em Ciências da Educação
Superior pela Universidad de La Habana - Cuba revalidado
pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/Goiás.
Pedagoga pela UFG.

Marilza Montagnini
marilza_montagnini@hotmail.com
Coordenadora Pedagógica e professora da Unidade
Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas/
UnUCSEH da Universidade Estadual de Goiás/UEG.
Professora aposentada da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás/UFG. Graduada em Pedagogia
pela Universidade Católica de Goiás - PUC e mestre em
Educação (Art Degree Master) State University of San Diego,
USA.

Mirza Seabra Toschi


mirzas@brturbo.com.br
Professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG). Na
UniEvangélica orienta no mestrado multidisciplinar Sociedade,
Tecnologia e Meio Ambiente. É aposentada da FE/UFG.
Possui graduação em Comunicação Social e Ciências Sociais e
mestrado e doutorado em Educação. Foi coordenadora do GT
Educação e Comunicação da ANPEd (2001-2002). Em 2010 fez
estágio de pós-doutorado na FE/UnB, com a supervisão de
Ilma Passos A. Veiga, pesquisando a docência nos ambientes
virtuais de aprendizagem. É coordenadora da Rede de
Pesquisa REDUCATIVA (Fapeg).

Nilda Alves
nildag.alves@gmail.com
Professora titular da UERJ (Universidade do Estado do Rio
de Janeiro) onde dirige o ‘Laboratório Educação e Imagem’
(www.lab-eduimagem.pro.br) e o GRPESQ ‘Currículos, redes
educativas e imagens’. Autora de livros e artigos. Organizadora
de coleções e séries de livros, nas editoras Cortez e DPetAlii.
Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira
professorricardoteixeira@gmail.com
Licenciado em Matemática e Pedagogia e Bacharel em
Administração. Pós-Graduado lato sensu em Administração
Escolar e em Educação Matemática; Mestrado e Doutorado
em Educação. Atualmente atua na área de Educação
Matemática, Educação Inclusiva e Tecnologias da Informação
e Comunicação - TICs. É professor nas Faculdades ALFA
nos cursos de graduação, MBA e especialização nas áreas
de Administração, Economia, Engenharia Civil, Pedagogia e
Psicologia. Na mesma instituição é professor do Programa de
Mestrado em Desenvolvimento Regional - MDR (Estatística
Aplicada).

Vera Maria Candau


vmfc@puc-rio.br
Possui o Doutorado e Pós-Doutorado em Educação pela
Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Atualmente
é professora titular do Departamento de Educação da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Assessora
experiências e projetos socioeducativos no país e no âmbito
internacional, particularmente em países latino-americanos.
Tem ampla experiência de ensino desde a escola básica aos
cursos de licenciatura, mestrado e doutorado. É coordenadora
do grupo de Pesquisas sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s),
através do qual tem desenvolvido sistematicamente pesquisas
sobre as relações entre educação e cultura(s). Suas principais
áreas de atuação são: educação multi/intercultural, cotidiano
escolar, didática, educação em direitos humanos e formação
de educadores. É pesquisadora 1A do CNPq.
SUMÁRIO

Apresentação................................................................................09

Capítulo I
Escola, didática e interculturalidade: desafios atuais
Vera Maria Candau......................................................................13

Capítulo II
Crises e escolas: didáticas, práticas de ensino e currículos
Nilda Alves ..................................................................................35

Capítulo III
Escola para o conhecimento e aprendizagem ou escola
para o acolhimento: são compatíveis?
Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben........................63

Capítulo IV
Escola pública brasileira, um sonho frustrado: falharam as
escolas ou as políticas educacionais?
José Carlos Libaneo......................................................................83

Capítulo V
Tecnologias e práticas pedagógicas: as TIC como
instrumentos de mediação
Joana Peixoto..............................................................................107

Capítulo VI
CMDI – Comunicação mediada por dispositivo indutor:
elemento novo nos processos educativos
Mirza Seabra Toschi...................................................................125

Capítulo VII
Uma agenda para a didática hoje: atualizando possíveis
prioridades
Adélia Maria Nehme Simão e Koff..........................................147
Capítulo VIII
Contexto educacional complexo e diverso a partir de uma
análise interpretativa dos aspectos legais que subsidiam
propostas educativas inclusivas
Dulce Barros de Almeida
Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira......................................171

Capítulo IX
Formação pedagógica de professores universitários:
ressignificação da atuação docente
Marilza Montagnini
Marilza Vanessa Rosa Suanno.................................................193
APRESENTAÇÃO

O Centro de Estudos e Pesquisas em Didática (CEPED)


apresenta aos professores, pesquisadores e estudantes, o livro
Didática e escola em uma sociedade complexa. O livro foi
organizado especialmente para a publicação das conferências
ministradas no IV Encontro Estadual de Didática e Práticas
de Ensino (EDIPE), evento promovido pelo CEPED entre 18 e
20 de maio de 2011, em co-promoção com quatro instituições
universitárias do Estado de Goiás: Centro Universitário
de Anápolis - UniEVANGÉLICA, Pontifícia Universidade
Católica de Goiás - PUC, Universidade Estadual de Goiás -
UEG e Universidade Federal de Goiás - UFG. Foram inseridos
textos apresentados em grupos de trabalho – GTs e uma
conferência proferida na edição anterior desse evento, todos
relacionados com a temática do livro.
O CEPED é uma associação civil sem fins lucrativos, de
caráter científico e cultural, fundado em 2001 por um grupo
de professores e pesquisadores da área da didática e didáticas
específicas, com os seguintes objetivos: a) promover estudos
e pesquisas sobre questões teóricas e práticas relacionadas
com o ensino e a pesquisa em didática e disciplinas conexas,
formação de professores, organização do trabalho escolar e
docente, visando a melhoria da qualidade do ensino básico;
b) analisar a problemática do ensino da didática em função
do papel que desempenham nos cursos de formação de
professores, propondo perspectivas de ação conjugando
ensino e pesquisa; c) produzir textos e relatórios sobre os
resultados das investigações e fazer sua difusão entre os
docentes e pesquisadores; d) realizar congressos, seminários
encontros ou outra modalidade de reunião, visando à
discussão de temas, propostas e experiências inovadoras
e difusão do conhecimento na área. Desde seu início ficou
estabelecido que, a cada dois anos, seria realizado o Encontro
Estadual de Didática e Práticas de Ensino (EDIPE), no Estado
de Goiás, com o objetivo oferecer um espaço para reflexão
10 José Carlos Libâneo & Marilza Vanessa Rosa Suanno (Orgs.)

crítica sobre didática, ensino e a pesquisa na área da didática,


didáticas específicas, práticas de ensino, estágios, formação de
professores. Foi assim que, nestes últimos 10 anos, o CEPED
realizou quatro Edipes (2003, 2007, 2009 e 2011). O primeiro
ocorreu em Goiânia tendo como tema geral “Por uma
integração dos campos da didática, das didáticas específicas
e das práticas de ensino”. O segundo e o terceiro ocorreram
em Anápolis-GO, que tiveram, respectivamente, como tema
geral “A didática e os diferentes espaços, tempos e modos
de aprender e ensinar” e “Professor: entre os desafios do
cotidiano escolar e a realização profissional”. O IV EDIPE
ocorre no mesmo ano da publicação deste livro, 2011, tendo
como tema geral: “Para uma realidade complexa, que escola,
que ensino?”.
O EDIPE teve, ao longo de suas edições, um número crescente
de participantes, pesquisadores, professores, estudantes
de cursos de licenciatura, professores da educação básica,
profissionais da educação das secretarias de educação. Tem-
se ampliado também a quantidade de trabalhos apresentados
nos eventos: no I EDIPE (2003) foram 127 trabalhos; no II
EDIPE (2007), 63 trabalhos; no III EDIPE (2009), 185 trabalhos
e, no IV EDIPE (2011), aproximadamente 300 trabalhos.
Os textos reunidos neste livro contemplam o tema geral
do IV EDIPE: Para uma realidade complexa, que escola, que
ensino? O tema geral escolhido, como os temas dos demais
encontros, reflete o debate corrente no meio educacional e sua
repercussão no trabalho dos professores. O tema da escola e do
ensino na realidade brasileira tem aparecido sistematicamente
nas mídias, quase sempre em suas repercussões negativas. Os
autores que trazem sua contribuição neste livro não se furtam
em confirmar diagnósticos que comprovam os percalços do
ensino público mas, também, mantêm suas esperanças na
revalorização da escola e no trabalho dos professores.
Frente a uma realidade complexa, um mundo em mudança,
que escola, que didática, que ensino, que professor, que
formação de professores, que conhecimento, que universidade?
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 11

Esses questionamentos impulsionaram as reflexões trazidas


pelos autores presentes nesta obra: Vera Maria Candau (PUC
Rio), Nilda Alves (UERJ), Ângela Imaculada Loureiro de
Freitas Dalben (UFMG), todas conferencistas do IV EDIPE;
Adélia Maria Nehme Simão e Koff (Universidade Estácio
de Sá), Dulce Barros de Almeida (UFG), Joana Peixoto (PUC
Goiás), José Carlos Libâneo (PUC Goiás), Mirza Seabra Toschi
(UEG e UniEvangélica), Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira
(UFG), Marilza Luzia Montagnini (UEG) e Marilza Vanessa
Rosa Suanno (UFG), a primeira, conferencista do III EDIPE,
e os demais, integrantes de sessões de comunicação do IV
EDIPE.
Professores, pesquisadores e estudantes encontrarão aqui
discussões e orientações para refletir sobre os caminhos da
didática, das didáticas específicas e das metodologias de
ensino, em face dos desafios de uma sociedade complexa.

José Carlos Libâneo

Marilza Vanessa Rosa Suanno


CAPÍTULO I

ESCOLA, DIDÁTICA E INTERCULTURALIDADE:


DESAFIOS ATUAIS

Vera Maria Candau

INTRODUÇÃO
Muitas têm sido as leituras sobre a sociedade em que
vivemos. A dificuldade de caracterizá-la e analisá-la tem
levado muitos autores - cientistas sociais, filósofos, literatos,
jornalistas, etc. - a utilizar metáforas para expressar sua visão
desta realidade. “Aldeia Global” (McLuhan), “Sociedade em
Rede” (Castells), “Sociedade Líquida” (Bauman), “Choque de
Civilizações” (Huntington) são algumas delas.
No entanto, qualquer que seja a leitura que façamos é
possível assumir a afirmação, já feita por diversos especialistas,
que vivemos não somente uma época de mudanças aceleradas,
mas uma mudança de época, querendo assinalar que a
contemporaneidade está configurada por processos profundos
e estruturais de mudança, tanto no que diz respeito ao âmbito
econômico, político, social, como cultural, isto é, simbólico,
representacional e das subjetividades pessoais e coletivas.
Neste contexto extremamente vivo e plural de distintas
buscas e intensas discussões, tanto no meio acadêmico como na
sociedade em geral, algumas questões podem ser identificadas
como ocupando uma posição de especial relevância,
sendo expressão de matrizes teóricas e politicossociais
diferenciadas. Nesta perspectiva, uma destas problemáticas
pode ser evidenciada pelo Relatório do Desenvolvimento
Humano (2004), do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento - PNUD -, Liberdade Cultural num Mundo
Diversificado, que associa explicitamente, pela primeira vez
nos relatórios anuais publicados, as questões relativas ao
desenvolvimento às culturais:
14 Vera Maria Candau

O que é novo, hoje, é a ascensão de políticas de identidade. Em


contextos muito diferentes e de modos muito diversos - desde
os povos indígenas da América Latina às minorias religiosas
na Ásia do Sul e às minorias étnicas nos Bálcãs e na África,
até aos imigrantes na Europa Ocidental – as pessoas estão se
mobilizando de novo em torno de velhas injustiças segundo
linhas étnicas, religiosas, raciais e culturais, exigindo que sua
identidade seja reconhecida, apreciada e aceita pela sociedade
mais ampla. Sofrendo de discriminação e marginalização em
relação a oportunidades sociais, econômicas e políticas, também
exigem justiça social (p.1).
[...]
Em todo o mundo as pessoas são mais afirmativas para exigir
respeito pela sua identidade cultural. Muitas vezes, o que exigem
é justiça social e mais voz política. Mas não é tudo. Também
exigem reconhecimento e respeito... E importam-se em saber
se eles e os seus filhos viverão em uma sociedade diversificada,
ou numa sociedade em que se espera que todas as pessoas se
conformem com uma única cultura dominante (p.22).

A relação entre questões relativas à justiça, superação


das desigualdades e democratização de oportunidades, e as
referidas ao reconhecimento de diferentes grupos culturais
se faz cada vez mais estreita. Neste processo, redistribuição
sócioeconômica e reconhecimento cultural (Fraser, 2001) são
pólos que se exigem mutuamente e que compõem preocupações
básicas presentes na atual dinâmica social e política mundial
e, particularmente, no nosso país.
É neste universo de questões e buscas que queremos situar
o presente trabalho que tem por objetivo analisar as relações
entre Educação Escolar, Didática e Interculturalidade no
momento atual.
Pretende defender três teses fundamentais:
1. A educação escolar, configurada a partir da modernidade,
está instada a ser “reinventada” para enfrentar as questões
atuais de um mundo complexo, desigual, diverso e plural.
2. A perspectiva crítica da Didática, que teve um amplo e
significativo desenvolvimento no nosso país, especialmente a
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 15

partir dos anos 80, está hoje desafiada por questões que exigem
novos desenvolvimentos, buscas, preocupações e pesquisas.
3. É a partir do enfoque intercultural que apostamos na
construção deste processo de ressignificação da Didática.
Trata-se de um texto aberto que pretende unicamente
provocar questões e reflexões. Está ancorado nas pesquisas que
venho realizando, com o apoio do CNPq, através do GECEC
(Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Culturas),
vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
PUC-Rio.

A EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BANCO DOS RÉUS


Basta ler os jornais diários de ampla circulação e/ou assistir
os jornais televisivos para constatar a pluralidade de questões
que atravessam hoje o cotidiano escolar. A problemática da
educação escolar está na ordem do dia e abarca diferentes
dimensões: universalização da escolarização, qualidade da
educação, projetos politicopedagógicos, dinâmica interna das
escolas, concepções curriculares, relações com a comunidade,
função social da escola, gestão educacional, sistemas de
medição no plano internacional e nacional, formação e
condições de trabalho de professores/as, manifestações de
violência na escola, algumas especialmente trágicas, como o
recente episódio ocorrido na rede municipal do Rio de Janeiro,
entre outras.
Por outro lado, também pode ser constatado o crescente mal-
estar entre os professores e professoras, os índices de burnout
aumentam, assim como a evasão e abandono do magistério.
Em diferentes programas de formação continuada de
educadores/as dos quais tenho participado são frequentes
depoimentos como:
Hoje ao começar as aulas me sinto inseguro e tenso. Antes não me
sentia assim… Sabia muito bem como manejar a situação. Sentia
que tinha autoridade com os alunos e minha função educativa
16 Vera Maria Candau

era socialmente reconhecida. No entanto, hoje tenho a sensação


de não saber o que pode acontecer na escola e na sala de aula e
qual será minha reação.
Para mim ser professor hoje é estar sendo continuamente avaliado.
Se a escola vai mal, nós somos os responsáveis. Os alunos têm
baixo desempenho nos exames nacionais e internacionais porque
somos incompetentes. As famílias estão insatisfeitas com a escola
porque nós não damos a devida atenção aos alunos. Tenho a
sensação de estar sendo julgado todo o tempo. Sinto-me sob
contínua pressão.
O que mais me custa hoje no contexto escolar é a incidência
da violência. As formas agressivas de relacionamento entre os
alunos, os conflitos entre professores e alunos, as manifestações
de bullying, entre outras formas de discriminação em relação
a determinados alunos considerados diferentes. O ambiente
escolar resulta pesado. Já me senti, em anos anteriores, muito
gratificado na escola. Hoje estou sempre em clima de “alerta”,
esperando que algo aconteça.
As crianças e adolescentes em geral manejam muito bem a
Internet e os celulares e participam de várias redes sociais. A
interação digital parece ser “natural” para eles, é seu mundo.
Não é o meu. Não lido com esta realidade da mesma forma que
eles e muitas vezes me sinto perdido. Não consigo estabelecer
pontes significativas com seus interesses. Acho que este é um
desafio fundamental hoje.
Para mim o que está acontecendo é que a família está pondo toda
a responsabilidade da educação das crianças e adolescentes na
escola. Os pais não têm tempo ou não sabem o que fazer com
os filhos e acham que nós, os professores, temos de educá-los
em todos os sentido: intelectual, ético, social, sexual, em relação
ao meio ambiente, ao trânsito, às drogas, etc. Nós não estamos
preparados para assumir tanta responsabilidades e não acho que
seja desejável.
As diferenças estão bombando na escola. Não sabemos o que
fazer.

Poderia multiplicar os depoimentos. No entanto,


considero que estes falam por si mesmos, traçam um quadro
impressionista dos desafios da educação escolar hoje e tornam
evidente que estamos longe, em muitas escolas, daquele
ambiente em que podemos num clima relativamente tranquilo
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 17

e de aceitação mútua -não é necessário idealizar- ensinar e


aprender conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos
relevantes pessoalmente e mobilizadores da formação de
cidadãos e cidadãs conscientes e comprometidos com a
sociedade em que vivem, favorecendo a afirmação da justiça
e da democracia.
É a partir destas realidades que defendo a necessidade de
“reinventar” a educação escolar (Candau, 2010) para que possa
adquirir maior relevância para os contextos sociopolíticos
e culturais atuais e ofereça propostas significativas para as
inquietudes das crianças e jovens.
Emilia Ferreiro (2001), referindo-se ao nosso continente
e, especificamente à escola pública desde o início de sua
institucionalização, afirma:
A escola pública, gratuita e obrigatória do século XX é herdeira da
do século anterior, encarregada de missões históricas de grande
importância: criar um único povo, uma única nação, anulando
as diferenças entre os cidadãos, considerados como iguais
diante da lei. A tendência principal foi equiparar igualdade a
homogeneidade. Se os cidadãos eram iguais diante da lei, a escola
devia contribuir para gerar estes cidadãos, homogeneizando
as crianças, independentemente de suas diferenças de origem.
Encarregada de homogeneizar, de igualar, esta escola mal podia
apreciar as diferenças.

E conclui:
É indispensável instrumentalizar didaticamente a escola para
trabalhar com a diversidade1. Nem a diversidade negada, nem a
diversidade isolada, nem a diversidade simplesmente tolerada.
Também não se trata da diversidade assumida como um mal
necessário ou celebrada como um bem em si mesmo, sem assumir
seu próprio dramatismo. Transformar a diversidade conhecida e
reconhecida em uma vantagem pedagógica: este me parece ser o grande
desafio do futuro (o grifo é nosso) (apud LERNER 2007, p.7).

Parto desta provocação de Emilia Ferreiro. Acredito que


o mal-estar que se vem acentuando em nossas escolas, entre
os educadores e educadoras, assim como entre os alunos
e alunas, exige que nos enfrentemos com a questão da
crise atual da escola não de um modo superficial, que tenta
18 Vera Maria Candau

reduzi-la à inadequação de métodos e técnicas, à introdução


das tecnologias da informação e da comunicação de forma
intensiva, ou ao ajuste da escola à lógica do mercado e da
modernização. Penso que a crise da escola se situa em um
nível mais profundo. Faço minhas as palavras de Veiga Neto
(2003, p.110) quando afirma:
Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que
ela está cada vez mais desenraizada da sociedade. [...] A
educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria
encarregada de fabricar o sujeito moderno. [...] Mas o mundo
mudou e continua mudando, rapidamente sem que a escola
esteja acompanhando tais mudanças.

Se queremos assumir este desafio, uma das questões que


estamos chamados/as a enfrentar, particularmente no âmbito
da Didática, será a que nos propõe Emilia Ferreiro: transformar
a diversidade conhecida e reconhecida em vantagem pedagógica.

A DIDÁTICA: ONTEM E HOJE


A produção da área de Didática no nosso país, especialmente
a partir dos últimos trinta anos, tem sido ampla, plural e
criativa. Certamente a década de 80 significou um marco
muito significativo para este campo de conhecimento e criou
uma convergência entorno da perspectiva crítica, sem que
este fato significasse uma homogeneização de enfoques e
preocupações. No entanto, é possível afirmar que o sentimento
de compartilhar opções comuns era generalizado.
Maria Rita Sales Neto de Oliveira, integrante da mesa
redonda que no X ENDIPE, realizado no Rio de Janeiro em
2000, foi dedicada à análise dos praticamente 20 anos de
realização dos ENDIPEs, afirma em relação à década dos 80:
Pode-se constatar, então, o fato de que, para além das diferentes
posições sobre o objeto de estudo da área, o que existe é um
grande consenso. Ele se refere à luta em defesa da legitimidade
do saber didaticopedagógico, enquanto constituindo um
campo de conhecimento e enquanto conteúdo do currículo da
formação do educador, no contexto da luta pela especificidade e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 19

importância do papel dos processos da educação e do ensino, no


movimento de recuperação e democratização da escola pública e
na transformação social (Oliveira, 2000, p.164-165).

Dos anos 90 até hoje, periodicamente atores fundamentais


do campo da Didática realizaram balanços críticos e reflexões
sobre o desenvolvimento do mesmo. Não pretendo neste
trabalho fazer uma síntese deles, pois trata-se de uma tarefa
complexa que ultrapassa o objetivo do presente texto. No
entanto, gostaria de mencionar alguns trabalhos que considero
de especial relevância:
- Selma Pimenta - A pesquisa em Didática (1996-1999).
X ENDIPE, 2000.
- José Carlos Libâneo - Produção de Saberes na Escola:
suspeitas e apostas. X ENDIPE, 2000.
- Vera Maria Candau - Memórias, Diálogos e Buscas:
aprendendo e ensinando didática. XIV ENDIPE,
2008.
- José Carlos Libâneo - O campo teórico e profissional
da didática hoje: entre Ítaca e o canto das sereias. XIV
ENDIPE, 2008.
- Marli André - Tendências da Pesquisa e do
conhecimento didático no início dos anos 2000. XIV
ENDIPE, 2008.
- Bernadette Gatti - A pesquisa e a Didática. XIV
ENDIPE 2008.
- Maria Inês Marcondes, Miriam Soares Leite e Vânia
Finholdt Leite - A Pesquisa contemporânea em
Didática: contribuições para a prática pedagógica GT
de Didática, Anped 2009.
Diferentes leituras. Enfoques variados. Ênfases diferenciadas.
Certamente estes trabalhos evidenciam a riqueza da pesquisa
e reflexão em Didática nos últimos anos.
Partindo do reconhecimento da significativa produção do
20 Vera Maria Candau

campo, o que gostaria de explicitar neste texto é uma certa


sensação que tenho, e digo sensação de caráter mais intuitivo,
tendo presente os textos acima mencionados e as discussões
que tenho presenciado e/ou das quais tenho participado em
distintos espaços acadêmicos sobre a atual configuração do
campo da Didática, de que existe um “nó” que nós atores
deste campo não conseguimos desatar para que a capacidade
analítica e criativa das nossas produções e reflexões conquistem
maaior relevância para o enfrentamento das questões atuais
que a educação escolar e as práticas docentes enfrentam.
Tenho me perguntado muito como nomearia esta questão
que estou chamando de “nó”. Com caráter provisório e com
a única finalidade de provocar a discussão, procurei sintetizá-
lo, tendo também por referência a pesquisa que realizei no
período de 2003 a 2006 (3), que incluiu entrevistas com atores
significativos do campo da Didática. Nestas entrevistas, junto
com elementos que apontam à continuidade em relação às
preocupações dos anos 80, tais como a perspectiva crítica,
sob um olhar mais crítico da própria perspectiva, a análise do
cotidiano escolar, a relação currículo-didática, a articulação
teoria-prática e a formação de professores, foram mencionados
também novos elementos que pareciam ‘afetar’ o campo
da Didática. Alguns destes são a tentativa da retomada de
uma visão tecnicista de processo de ensino-aprendizagem,
a necessidade de busca de novos referenciais para lidar com
novos contextos, novos sujeitos, novas problemáticas, como,
por exemplo, a violência e os impactos provocados pelas
tecnologias da informação e comunicação no processo de
ensino-aprendizagem.
No entanto, tendo presentes os dados desta pesquisa, os
textos acima referidos e as discussões presentes na área, a
questão que considero que provoca maior incômodo parece
estar relacionada com a influência de temas e questões de
inspiração pós-moderna, por mais amplo e polissêmico que
este conceito seja, e pode ser assim apresentada: ao mesmo
tempo que se reconhece a importância da dimensão cultural,
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 21

e que se apresenta o tema das diferenças culturais como


uma possibilidade de enriquecimento da reflexão e ação
didáticopedagógicaas, há uma certa suspeita de que um
possível deslizamento do social para o cultural enfraqueça o
campo e dilua a especificidade da Didática.
Em relação a esta questão, convém ressaltar que uma maior
incorporação da dimensão cultural na análise das questões
pedagógicas não supõe necessariamente uma retração do
social. Trata-se, mais uma vez, de articular as diferentes
dimensões da ação educativa.
Na nossa perspectiva, a questão das diferenças não
constitui um componente externo, recentemente incorporado
à reflexão pedagógica, mas um componente configurador de
sua própria realidade. Negada, silenciada, naturalizada ou
reduzida a uma dimensão psicológica ou social, as diferenças
são constitutivas da prática pedagógica. De fato, a questão
da diferença na educação não é um problema inédito, nem
tampouco se pretende ignorar as importantes teorizações
já construídas a esse respeito. No entanto, a reflexão atual
enfatiza o caráter histórico e sociocultural da construção das
diferenças. Elas se constituem no âmago das relações sociais,
nas lutas por reconhecimento dos diferentes grupos sociais e
étnicos. Neste sentido, a dimensão cultural adquire especial
relevância (Candau e Leite, 2006).
Neste horizonte de preocupações afirmamos a necessidade
de ressignificar a perspectiva crítica no âmbito da educação
e da Didática. Não se trata de negá-la, muitos de nós, em
os quais me situo, estamos arraigados nesta tradição, mas
sim de favorecer um processo de reconfiguração em que
propomos que a perspectiva intercultural constitua um eixo
fundamental.

DIDÁTICA E INTERCULTURALIDADE: DESAFIOS


ATUAIS
A educação intercultural tem tido nos últimos anos no
22 Vera Maria Candau

continente latino-americano um amplo desenvolvimento,


tanto do ponto de vista dos movimentos sociais, quanto das
políticas públicas e da produção acadêmica. Seu impacto na
área de educação é crescente.
Lopez-Hurtado Quiroz (2007, p.21-22), especialista nesta
temática, faz a seguinte síntese da trajetória de incorporação
da educação intercultural na agenda latino-americana:
Nestes trinta anos, desde que o termo foi acunhado na região,
a aceitação da noção transcendeu o âmbito dos programas e
projetos referidos aos indígenas e hoje um número importante
de países, do México à Terra do Fogo, veem nela uma
possibilidade de transformar tanto a sociedade em seu conjunto
como também os sistemas educativos nacionais, no sentido de
uma articulação mais democrática das diferentes sociedades e
povos que integram um determinado país. Desde este ponto
de vista, a interculturalidade supõe agora também abertura
diante das diferenças étnicas, culturais e lingüísticas, aceitação
positiva da diversidade, respeito mútuo, busca de consenso e,
ao mesmo tempo, reconhecimento e aceitação do dissenso, e na
atualidade, construção de novos modos de relação social e maior
democracia.

Certamente a educação intercultural tem tido uma trajetória


original e plural nos países do continente. Através desta
citação fica claro que de um âmbito restrito, a educação escolar
indígena, é concebida hoje como um elemento fundamental
na construção de sistemas educativos e sociedades que se
comprometem com a construção democrática, a equidade e
o reconhecimento dos diferentes grupos socioculturais que a
integram.
Tendo presente esta realidade, uma primeira questão que
é necessário abordar é a da relação entre multiculturalismo
e interculturalidade. Para alguns autores, estes termos
se contrapõem, o multiculturalismo sendo visto como a
afirmação dos diferentes grupos culturais na sua diferença
e o interculturalismo pondo o acento nas inter-relações
entre os diversos grupos culturais. Há também aqueles que
usam estas palavras praticamente como sinônimos, o termo
multiculturalismo sendo mais próprio da produção acadêmica
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 23

do mundo anglo-saxão e a interculturalidade da dos países de


línguas neolatinas, particularmente o espanhol e o francês.
Em diferentes trabalhos venho afirmando que a palavra
multiculturalismo é polissêmica, admitindo pluralidade
de significados. A necessidade de adjetivá-lo evidencia esta
realidade. Expressões como multiculturalismo conservador,
liberal, celebratório, crítico, emancipador, revolucionário, podem
ser encontradas na produção sobre o tema e se multiplicam
continuamente. No presente texto não analisarei esta
pluralidade de sentidos. Limito-me a afirmar que considero a
interculturalidade dentro do universo do multiculturalismo.
Sua especificidade está em colocar a ênfase na interação entre
distintos grupos socioculturais, favorecendo o diálogo entre
seus sujeitos, seus saberes, e práticas sociais. No entanto,
na revisão bibliográfica que venho realizando sobre o tema,
fica evidente que a expressão educação intercultural admite
diversas leituras, tendo por ancoragem múltiplos referenciais
teóricos.
Em recente trabalho apresentado no XII Congresso da
Association pour la Recherche Interculturelle (ARIC), realizado
em Florianópolis, em 2009, Catherine Walsh, professora
da Universidad Andina Simon Bolívar (sede do Equador) e
especialista no tema, em sua palestra de abertura do evento,
distingue três concepções principais de educação intercultural
hoje presentes no continente latino-americano.
A primeira intitula de relacional e refere-se basicamente ao
contacto e intercâmbio entre culturas e sujeitos socioculturais.
Esta concepção tende a reduzir as relações interculturais ao
âmbito das relações interpessoais e minimiza os conflitos e
a assimetria de poder entre pessoas e grupos pertencentes a
culturas diversas.
No que diz respeito às outras duas posições, baseando-
se no filósofo peruano Fidel Tubino (2005), a referida autora
descreve e discute a interculturalidade funcional e a crítica.
Parte da afirmação de que a crescente incorporação da
interculturalidade no discurso oficial dos estados e organismos
24 Vera Maria Candau

internacionais tem por fundamento um enfoque que não


questiona o modelo sociopolítico vigente na maior parte dos
países, marcado pela lógica excludente e concentradora de
bens e poder. Neste sentido, a interculturalidade é assumida
como estratégia para favorecer a coesão social, assimilando
os grupos socioculturais subalternizados à sociedade
hegemônica. Este constitui o interculturalismo que qualifica
de funcional, orientado a diminuir as áreas de tensão e conflito
entre os diversos grupos e movimentos sociais que focalizam
questões socioidentitárias, sem afetar a estrutura e as relações
de poder vigentes.
No entanto, colocar estas relações em questão é exatamente
o foco da perspectiva da interculturalidade crítica. Trata-
se de questionar as diferenças e desigualdades construídas
ao longo da história entre diferentes grupos socioculturais,
etnicorraciais, de gênero, orientação sexual, entre outros. Parte-
se da afirmação de que a interculturalidade aponta à construção
de sociedades que assumam as diferenças como constitutivas
da democracia e sejam capazes de construir relações novas,
verdadeiramente igualitárias entre os diferentes grupos
socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que foram
historicamente inferiorizados.
Situo-me na perspectiva da interculturalidade crítica.
Tendo esta como ponto de partida para os trabalhos que
venho realizando, considerei necessário construir, de modo
coletivo, no espaço do grupo de pesquisa que coordeno, uma
concepção de educação intercultural que servisse de referência
comum para os trabalhos da equipe e, com este objetivo, optei
pela utilização da perspectiva dos mapas conceituais.
A teoria dos mapas conceituais teve sua origem nos
anos 1970, com os trabalhos de Joseph Novak, pesquisador
estadunidense, especialista em psicologia cognitiva. Tem
por base a teoria da aprendizagem significativa de David
Ausubel.
Novak concebe os mapas conceituais como ferramentas, cujo
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 25

principal objetivo é organizar e representar o conhecimento.


Segundo Novak e Cañas (2005), os mapas conceituais são
estruturados a partir de conceitos fundamentais e suas
relações. Usualmente, os conceitos são destacados em caixas
de texto. A relação entre dois conceitos é representada por uma
linha ou seta, contendo uma palavra ou frase de ligação. Esta
ferramenta está orientada a reduzir e concentrar a estrutura
cognitiva subjacente a um dado conhecimento, visibilizando
os elementos básicos da estrutura cognitiva a ele subjacente
permitindo analisar seus elementos fundamentais.
Tendo esta perspectiva como referência, a questão focal
que orientou nossos trabalhos foi: em que consiste a educação
intercultural? Com este ponto de partida, durante o primeiro
semestre de 2009, realizamos encontros semanais em que
fomos trabalhando conjuntamente as diferentes etapas do
desenvolvimento do mapa conceitual.
O passo fundamental consistiu em definir as categorias
básicas. Depois de vários encontros, chegamos a assumir
consensualmente que eram as seguintes: sujeitos e atores,
saberes e conhecimentos, práticas socioeducativas e políticas
públicas. Tendo presente as categorias básicas do mapa
conceitual e as subcategorias propostas para cada uma delas,
passou-se a propor palavras de ligação entre elas. Uma vez
construídas as categorias e subcategorias, foi montada a
síntese do mapa conceitual (em anexo). Certamente este mapa
conceitual pode ser expandido, discutido e complexificado.
Apresentarei cada uma das categorias básicas e enumerarei
alguns desafios postos por cada uma delas para as práticas
pedagógicas e a reflexão e pesquisa em Didática, certamente
com caráter preliminar e provisório. Convém ter presente
que estas categorias estão inter-relacionadas e concebidas de
modo articulado. No grupo de pesquisa que coordeno estamos
trabalhando esta perspectiva e sou conscientede que existem
uma série de temas e questões complexas e ainda pouco claros
para nós mesmos. Mas aposto neste caminho.
A primeira categoria, sujeitos e atores, refere-se à promoção
26 Vera Maria Candau

de relações tanto entre sujeitos individuais, quanto entre


grupos sociais integrantes de diferentes grupos socioculturais.
A interculturalidade crítica fortalece a construção de
identidades dinâmicas, abertas e plurais, assim como questiona
uma visão essencializada de sua constituição. Potencia os
processos de empoderamento, principalmente de sujeitos
e atores inferiorizados e subalternizados e a construção da
autoestima, assim como estimula a construção da autonomia
num horizonte de emancipação social.
Neste sentido, é importante que as práticas educativas
partam do reconhecimento das diferenças presentes na escola
e na sala de aula, o que exige romper com os processos de
homogeneização, que invisibilizam e ocultam as diferenças,
e reforçando o caráter monocultural das culturas escolares.
Segundo, Luisa Cortesão e Stephen Stoer (1999, p.56).
Ao apontar o multiculturalismo como uma nova forma de
globalização, Boaventura Sousa Santos afirma que o mundo é um
“arco-íris de culturas” (Santos, 1995). Ora, partindo deste conceito
para uma (eventualmente arriscada) analogia, e admitindo que
é importante ser capaz de ‘ver’ este e outros conjuntos de cores,
poderemos recordar que algumas pessoas, apesar de disporem
de um aparelho visual morfologicamente bem constituído,
não são capazes de discernir toda uma gama de tonalidades
que compõem o arco-íris. Alguns ficam com uma capacidade
reduzida de identificação de tons cinzentos: são os daltônicos.
A analogia proposta aqui é a de que a não conscientização da
diversidade cultural que nos rodeia em múltiplas situações,
constituiria uma espécie de ‘daltonismo cultural’.

Romper com este daltonismo cultural e ter presente o arco-íris


das culturas nas práticas educativas supõe todo um processo
de desconstrução de práticas naturalizadas e enraizadas no
trabalho docente para sermos educadores/as capazes de criar
novas maneiras de situar-nos e intervir no dia a dia de nossas
escolas e salas de aula. Exige valorizar as histórias de vida de
alunos/as e professores/as e a construção de suas identidades
culturais, favorecendo a troca o intercâmbio e o reconhecimento
mútuo, assim como estimular que professores/as e alunos/
as se perguntem quem situam na categoria de “nós” e quem
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 27

são os “outros” para eles. Esta categoria também convida à


interação da escola com os diferentes grupos presentes na
comunidade e no tecido social mais amplo, favorecendo uma
dinâmica escolar aberta e inclusiva.
Quanto à categoria de saberes e conhecimentos, sem dúvida,
tem uma especial importância para a Didática. Convém ter
presente que há autores que empregam estes termos como
sinônimos, enquanto outros os diferenciam e problematizam
a relação entre eles. O que se denomina conhecimentos
está, em geral, constituído por conceitos, ideias e reflexões
sistemáticas que guardam vínculos com as diferentes ciências.
Estes conhecimentos tendem a ser considerados universais e
científicos, assim como a apresentar um caráter monocultural.
Quanto aos saberes, são considerados produções dos diferentes
grupos socioculturais, estão referidos às suas práticas
cotidianas, tradições e visões de mundo. São concebidos como
particulares e assistemáticos.
Parto da afirmação da ancoragem historicossocial dos
diferentes saberes e conhecimentos e de seu caráter dinâmico,
o que supõe analisar suas raízes históricas e o desenvolvimento
que foram sofrendo, sempre em íntima relação com os contextos
nos quais este processo se vai dando e os mecanismos de poder
nele presentes.
Em consonância com Koff (2009, p.61), assumo a posição
que afirma que mais do que discutir se estes termos são
sinônimos ou não, o importante é reconhecer a existência
de diversos saberes e conhecimentos no cotidiano escolar e
procurar estimular o diálogo entre eles, assumindo os conflitos
que emergem desta interação.
Trata-se de uma dinâmica fundamental para que sejamos
capazes de desenvolver currículos que incorporem referentes
de diferentes universos culturais, coerentes com a perspectiva
intercultural. Nesta perspectiva, é importante conceber a escola
como um “espaço vivo, fluido e de complexo cruzamento de
culturas”, como propõe Perez Gomez (2001, p.17):
28 Vera Maria Candau

Entre as propostas da cultura crítica, alojadas nas disciplinas


científicas, artísticas e filosóficas; as determinações da cultura
acadêmica, refletida nas definições que constituem o currículo; os
influxos da cultura social, constituída pelos valores hegemônicos
do cenário social; as pressões do cotidiano da cultura institucional,
presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos ritos próprios
da escola como instituição específica; e as características da
cultura experiencial, adquirida individualmente pelo aluno
através das experiências nos intercâmbios espontâneos com seu
meio.

Este cruzamento de culturas, conhecimentos e saberes se


dá de diferentes maneiras, algumas vezes de modo confluente
ou complementário, e outras de interação tensa, chegando
mesmo a um confronto entre diferentes posições. As tensões
entre universalismo e relativismo no plano epistemológico
e pedagógico em geral, se fazem especialmente presentes.
O que considero importante na perspectiva intercultural é
estimular o diálogo, o respeito mútuo e a construção de pontes
e conhecimento comuns no cotidiano escolar, nos processos
de ensino-aprendizagem desenvolvidos nas salas de aula.
A categoria práticas socioeducativas referida à
interculturalidade, exige colocar em questão as dinâmicas
habituais dos processos educativos, muitas vezes
padronizadores e uniformes, desvinculados dos contextos
socioculturais dos sujeitos que dele participam e baseados no
modelo frontal de ensino-aprendizagem. Favorece dinâmicas
participativas, processos de diferenciação pedagógica, a
utilização de múltiplas linguagens e estimulam a construção
coletiva.
Destaco dois aspectos incluídos nesta categoria de especial
relevância para a Didática: a diferenciação pedagógica e a
utilização de múltiplas linguagens e mídias no cotidiano
escolar. A diferenciação pedagógica não constitui um tema
novo na reflexão pedagógica. No entanto, hoje exige uma
abordagem mais ampla que, sem desconsiderar os aspectos
psicológicos, como os relativos aos ritmos e estilos de
aprendizagem, incorporem também a utilização de distintas
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 29

expressões culturais. A construção de materiais pedagógicos


nesta perspectiva e a criação de condições concretas nas
escolas que permitam uma eletiva diferenciação é outra
exigência. Supõe “desengessar” a sala de aula, multiplicar
espaços e tempos de ensinar e aprender. Experiências que
vêm sendo desenvolvidas através da metodologia de projetos
têm propiciado esta diferenciação, assim como o emprego de
diversas linguagens e mídias. A tese de doutorado de Adélia
Maria Simão e Koff, intitulada, Escolas, Conhecimentos e Culturas:
trabalhando com projetos de investigação, e defendida em 2008,
no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio,
oferece uma contribuição significativa nesta perspectiva.
Quanto o que diz respeito a linguagens e mídias,
trabalhadas em articulação com o já afirmado nesta categoria,
trata-se de conceber a escola como um centro cultural em que
diferentes linguagens e expressões culturais estão presentes
e são produzidas. Não se trata simplesmente de introduzir
as novas tecnologias de informação e comunicação e sim de
dialogar com os processos de mudança cultural, presentes em
toda a população, tendo, no entanto maior incidência entre
os jovens e as crianças, configurando suas identidades. Para
Sarlo (2004, p. 120-121):
Se afirma que a escola não se preparou para a chegada da cultura
audiovisual. Nem os programas, nem as burocracias educativas
se modificaram com uma velocidade comparável com as
transformações ocorridas nos último trinta anos. Tudo isto é
verdade. A questão não passa somente pelas condições materiais
de equipamento, que as escolas mais ricas, de caráter privado,
podem encarar e, em muitos casos, realizam plenamente.
Comprar uma televisão, um vídeo-cassete e um computador,
no entanto, pode ser um grande obstáculo para as escolas mais
pobres (que são milhares) em qualquer país latino-americano.
Suponhamos, de qualquer modo, que a Sony e a IBM decidissem
praticar a filantropia numa escala gigantesca. Apesar de tudo, o
problema que gostaria de colocar continuaria presente, porque,
exatamente, não se trata somente de uma questão de equipamento
técnico e sim de mutação cultural.

Os educadores e educadoras estão chamados a enfrentar


30 Vera Maria Candau

as questões colocadas por esta mutação cultural, o que supõe


não somente promover a análise das diferentes linguagens e
produtos culturais, como também favorecer experiências de
produção cultural e de ampliação do horizonte cultural dos
alunos e alunas, aproveitando os recursos disponíveis na
comunidade escolar e na sociedade.
A quarta categoria, políticas públicas, aponta para as relações
dos processos educacionais e o contexto politicossocial em
que se inserem. A perspectiva intercultural crítica reconhece
os diferentes movimentos sociais que veem se organizando
em torno de questões identitárias, defende a articulação
entre políticas de reconhecimento e de redistribuição e apóia
políticas de ação afirmativa orientadas a fortalecer processos
de construção democrática que atravessem todas as relações
sociais, na perspectiva de radicalização dos processos
democráticos.
Na perspectiva da Didática, supõe ter sempre presente
o contexto onde se realizam as práticas educativas, os
constrangimentos e possibilidades que lhe são inerentes,
e desenvolver um diálogo crítico e propositivo orientado
a fortalecer perspectivas educativas e sociais orientadas a
radicalizar os processos democráticos e articular igualdade e
diferença, em todos os níveis e âmbitos, do macrossocial à sala
de aula. Salienta que o horizonte emancipador é a referência
fundamental.
Esta perspectiva da Didática crítica e intercultural está em
construção. No entanto, já é possível identificar elementos que
favorecem seu desenvolvimento tanto na reflexão acadêmica
e na pesquisa, quanto na prática cotidiana de educadores e
educadoras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Retomo agora as teses que explicitei no início deste texto. A
escola para todos e todas, grande conquista da modernidade
ainda não plenamente assegurada, no momento atual está
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 31

pressionada e desafiada por muitas questões. Não se trata de


enfrentá-las através de um mero ajuste ou reforma de alguns
aspectos específicos de sua configuração, reduzindo sua
problemática à gestão e maior controle através de sistemas de
medição de determinadas aprendizagens. Assumo a perspectiva
de que é necessário reinventar a escola, para que possa ser mais
significativa e relevante para os tempos pós-modernos em que
vivemos. Não se trata de negar suas referências fundantes
às questões relacionadas aos conhecimentos e saberes social
e historicamente produzidos, à cidadania e, porque não,
à construção de sonhos e projetos pessoais e coletivos. Não
se trata de negar a utopia e mergulhar nos fragmentos e na
dinâmica do instantâneo e provisório. Reinventar exige
ressignificar e construir uma nova configuração.
A dimensão cultural vem adquirindo especial relevância, em
todos os âmbitos, do político ao escolar. A consciência de que
igualdade e diferença se exigem mutuamente é cada vez mais
forte. Os diferentes grupos socioculturais, particularmente os
historicamente marginalizados e silenciados, vêm adquirindo
continuamente crescente visibilidade e questionam a escola. A
reflexão Didática não pode estar alheia a esta problemática. A
partir da perspectiva crítica, na qual estou enraizada, considero
que a perspectiva intercultural é central para se avançar na
produção de conhecimentos e práticas, assim como processos
de ensino-aprendizagem e na promoção de uma educação
escolar orientados a colaborar na afirmação de uma sociedade
verdadeiramente democrática em que justiça social e justiça
cultural se entrelacem. Faço minha, mais uma vez, a proposta
de Emilia Ferreiro que considero ser o desafio fundamental da
Didática hoje: Transformar a diversidade conhecida e reconhecida
em uma vantagem pedagógica.

NOTAS
1. A autora utiliza diferença e diversidade como sinônimos.
32 Vera Maria Candau

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ANEXO
CAPÍTULO II

CRISES E ESCOLAS
DIDÁTICAS, PRÁTICAS DE ENSINO E CURRÍCULOS *

Nilda Alves

Nessa introdução, quero dar um “giro” por algumas ideias,


comuns em nosso meio, e sobre as quais desejo fazer conhecer
minha posição, uma vez que esta não se encontra entre as
consideradas majoritárias.
Inicio por transcrever a parte final do texto que escrevi e
que foi publicado no XV ENDIPE, realizado, em 2010, em Belo
Horizonte, e que chamei de “sobre alguns equívocos e outros
tantos exageros, buscando terminar”:
Existem, hoje, alguns estudiosos, não ligados às pesquisas com
os cotidianos, mas ligados a estudos em políticas públicas da
educação e às transformações do mundo do trabalho, que têm
falado que as mudanças na atual fase da economia capitalista
– a que se está chamando de neo-capitalista – pela divisão
que detectam no mundo do trabalho, estão levando a divisões
nunca vistas em currículos. Contra esta posição, creio (ser)
necessário lembrar dois aspectos: o primeiro, é que a grande
divisão curricular que conhecemos está naquela mudança
que foi feita para dar suporte à escola capitalista napoleônica,
criando as “disciplinas núcleo” de uma “boa formação”: língua
materna, matemática, ciências (biológicas, físicas e geográficas) e
preparo físico, que serviriam para “educar” os quadros médios
e superiores para as empresas e para as guerras “necessárias”
às conquistas capitalistas. E do outro lado, aquelas disciplinas
periféricas, relacionadas às nossas mais humanas condições
de nosso viver, ser e sentir cotidianas: as artes (...) e as que
dizem como se processam as relações humanas. É nessa grande
divisão estabelecida com o capitalismo, com suas disciplinas
hierarquizadas e organizadas na metáfora da árvore com
“bases/fundamentos”, “tronco comum” e suas ramificações só
permitidas aos que chegam “ao alto” nos estudos universitários,
com seus eventuais aprofundamentos no momento presente,
que precisamos centrar nossas atenções para compreender os
problemas que enfrentamos. Perguntas como: nossos currículos
36 Nilda Alves

– em todos os níveis – precisam continuar a se desenvolver em


disciplinas? Há outros modos de se organizar os conhecimentos
escolares? Como superar as divisões e hierarquizações surgidas
por interesse do capitalismo? Isto já está sendo feito em alguns
espaçostempos? – talvez nos ajudem a compreender o que se
passa (...) [na contemporaneidade] e nos ajude a superar aquilo
que vem sendo chamado de “a crise da escola”. (...) Nossa
atenção (...) [deve estar nesses questionamentos], mas também
(...) [precisa estar] nos modos rizomáticos como as tantas forças
sociais, em movimentos complexos e diversificados – (...) [
formando ativas redes educativas] - vêm conseguindo articular e
fazer surgir em lugares apropriados pelas decisões hegemônicas,
trazendo possibilidades outras, aqui e ali, propostas que fazem
nascer nesses espaçostempos apropriados (...) [ indicando
possibilidades de superação do que aí está].

A primeira delas, a discutir, coerente com a citação


anterior, se refere a um dito muito comum: “a escola antes
era melhor!” Porque esta ideia é repetida muitas vezes, vamos
considerando que há uma crise, agora, das/nas escolas.
As questões que coloco a esta posição são: quando a escola
brasileira foi satisfatória? A crise é de agora? Naturalmente,
estas questões vão se estender aos “praticantes” das escolas,
já que está virando costume dizer que os “professores estão
mal formados” e que “os alunos continuam cada vez mais
carentes”. Nesse sentido, vale perguntar: por que, hoje, esta
pressão sobre os professores e os alunos? Quando se começou
a ver essas “carências” dos alunos? E dos professores?
A segunda está na compreensão de que a divisão dos
currículos se acentua, hoje, sem perceber que isso vem de longe
e que o que aconteceu/acontece é condição do capitalismo em
todas as suas propostas.
Por fim, quero comentar as escolha que fiz para o título
que escolhi para esse texto e que contém cinco substantivos
– crises, escolas, didáticas, práticas de ensino e currículos -
todos no plural.
(fugir da crença que até hoje possível de uma escola igual
para todos – alguns têm que ter muito mais do que oferecemos
hoje!!!)
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 37

Naturalmente, e não pode ser diferente, as ideias expostas,


a partir de escolhas feitas por mim, neste momento, frente
ao estimulante tema deste Encontro, indicam o que estou
pensando mergulhada nas redes de conhecimentos e
significações com meus pares. Ou seja, são ideias minhas, mas
a partir de muitos outros – os que leio; os colegas com que
discuto; os estudantes com os quais desenvolvo pesquisas
e cursos, aprendendoensinando a ser pesquisador e professor;
os docentes das redes públicas do estado do Rio de Janeiro
que, generosamente, partilham suas preocupações e criações,
conosco; os movimentos organizados – de mulheres, de
homossexuais, de negros, dos sem-terra, dos sem-teto que
vão nos indicando as escolas necessárias para si e os outros; e,
por fim, com as autoridades educacionais, desse país, em suas
perplexidades e “certezas absolutas” sobre como resolver as
questões da escola brasileira, sem entenderem que ela não
existe neste singular generalizante e que as soluções surgirão
de propostas técnicas inteligentes.
Indico essas posições para mostrar de onde parto para
discutir o que desejo discutir.

A QUESTÃO CENTRAL DAS CRISES


Posto que considero que existem crises e escolas – e portanto,
a necessidade de didáticas, práticas e currículos múltiplos e
diversos – entendo ser útil indicar aquela preocupação que
me move, no presente. Ela surge no desenvolvimento de
pesquisas e em ‘conversas’ com os ‘praticantes’ (CERTEAU,
1994) das escolas – docentes, discentes e todos os outros – bem
como com autoridades educacionais. Encontrei-a, sintetizada,
em uma citação de Huebner2 feita por Paraskeva (2007) e
que transcrevo, em seguida, em sua forma de português de
Portugal:
(...) O problema da escola é basicamente uma falta de respeito
pela individualidade dos professores e do aluno. Quando
se constrói um sistema que ignora a dimensão humana das
interacções, isso torna-se a raiz dos problemas. A escola não é
38 Nilda Alves

gerida no sentido do benefício das crianças. (...) E o dinheiro


direccionado para a construção da superestrutura do estudo
da educação, com milhares de pessoas envolvidas, traduz-se
na escassez de dinheiro para as escolas locais3. Os professores
das escolas têm problemas; não têm tempo para resolvê-los e as
pessoas das universidades “usurpam” esses mesmos problemas
desses mesmos professores e, na sua atmosfera rarefeita, fazem
uso das suas técnicas empíricas para tentar resolvê-los. Estamos,
claramente, em face de um problema teoria-prática. O problema
teoria-prática é de âmbito político, em termos de quem estuda
os problemas de leccionação. Os professores não estudam os
seus problemas e é esse o problema. Subjacente a esta questão
repousa [...] o ataque continuado aos professores, parcialmente
justificado pela qualidade da Formação de Professores, [o que]
representa outro problema fulcral e o pressuposto de que se
pode melhorar a qualidade da leccionação através da redução da
energia e do entusiasmo dos professores é um erro profundo. O
uso da linha de produção de Henry Ford na escola [representa]
uma ideologia sem o menor sentido. (p 11-12)

Na contra-mão desta tendência tão bem caracterizada por


Huebner, o movimento das chamadas pesquisas nos/dos/com
os cotidianos, desenvolvidas no Brasil, por diversos grupos de
pesquisas, em diversas universidades, há mais de trinta anos,
tem buscado discutir esses problemas com os docentes – e
outros ‘praticantes’ das escolas e de outras redes educativas –
entendendo que a superação do que muitos vêm chamando “a
crise da escola” só pode ser pensada e acionada com a intensa
participação dos mesmos. Por sua experiência – variada e
complexa e que precisamos conhecer – os docentes têm o que
dizer sobre as questões pedagógicas - didáticas e curriculares
- que enfrentam e às quais dão soluções e continuidades/
descontinuidades inesperadas, locais, nos múltiplos
espaçostempos4 escolares, considerando processos que se dão
dentrofora5 das escolas, em múltiplas redes educativas, nas
quais os ‘praticantes’ das escolas, criam conhecimentos e
significações necessárias a suas vidas cotidianas.
Desse modo, querendo conhecer e compreender os
espaçostempos culturais pelos quais circulam os professores e
as professoras6 – na compreensão de que seus movimentos
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 39

aí trazem apoios importantes para suas práticas e decisões


pedagógicas - entendemos que é preciso criar possibilidades
de ‘conversas’7 com esses ‘praticantes’ de escolas sobre seus
movimentos nas múltiplas redes educativas pelas quais
circulam, relacionando-se com diferentes seres humanos,
seus tantos conhecimentos e as significações que dão aos seus
atos.

SOBRE MOVIMENTOS, REDES EDUCATIVO-


CULTURAIS E CONHECIMENTOS
Entre nós brasileiros e trabalhando na área da Educação, os
textos de Maria da Glória Gohan têm ajudado a compreender
como se organizam e desenvolvem os movimentos sociais e as
redes de mobilização recentes, diferentes daqueles herdados
da Modernidade (organizações capitalistas – empresas,
instituições públicas – ou coletivas, organizadas para
combatê-las ou agir a partir de decisões das primeiras, como
os sindicatos e associações profissionais). Em um livro recente
(GOHAN, 2010), essa autora retoma às questões que estuda
e organiza as mudanças que esses movimentos e redes têm
sofrido, na contemporaneidade. Não é, no entanto, por essas
organizações e as atividades que desenvolvem que podemos
captar a diversidade dos processos culturais dos docentes,
embora tê-las, como modos outros de articulação do humano
seja importante para o que desejamos trabalhar.
Já os dois mais conhecidos livros de Certeau e auxiliares
(1994 e 1997) nos ajudam a compreender como os movimentos,
nos espaçostempos cotidianos, surgem e desaparecem, num
instante. A isso, ele deu o nome de “táticas” que nos explicou
serem
a ação calculada que é determinada pela ausência de um ‘próprio’.
(...) A tática não tem lugar senão o do outro. (...) Não tem meios
para se manter em si mesma, à distância, numa posição recuada,
de previsão e de convocação própria: a tática é movimento
‘dentro do campo de visão do inimigo’, (...), e no espaço por
ele controlado. Ela não tem, portanto, a possibilidade de dar a
40 Nilda Alves

si mesma um projeto global nem de totalizar o adversário num


espaço distinto, visível e objetivável. Ela opera golpe por golpe,
lance por lance. Aproveita as ‘ocasiões’ e delas depende, sem
base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever
saídas. (p.100)

Nesses movimentos, em suas múltiplas redes cotidianas,


os seres humanos vão criando conhecimentos e significações
sobre as coisas, os acontecimentos e os outros seres humanos,
sempre em processos de relação.
Essas relações, como aquilo que criam, são sempre efêmeras,
mas deixam marcas naqueles que as vivem. Falando sobre
os atos de leitura, por exemplo, Certeau (1994) os descreve
assim:
de fato, a atividade leitora apresenta, ao contrário, todos os
traços de uma produção silenciosa: flutuações através da
página, metamorfose do texto pelo olho que viaja, improvisação
e expectação de significados induzidos de certas palavras,
intersecções de espaços escritos, dança efêmera. Mas incapaz de
fazer um estoque (salvo se escreve ou registra), o leitor não se
garante contra o gasto do tempo (ele esquece lendo e esquece o
que já leu) a não ser pela compra do objeto (livro, imagem) que é
apenas o ersatz (resíduo ou promessa) de instantes “perdidos” na
leitura. Ele insinua as astúcias do prazer e de uma reapropriação
no texto do outro: aí vai caçar, ali é transportado, ali se faz plural
como os ruídos do corpo. Astúcia, metáfora, combinatória, esta
produção é igualmente uma “invenção” da memória. Faz das
palavras as soluções de histórias mudas. O legível se transforma
em memorável: Barthes lê Proust no texto de Stendhal8; o
espectador lê a paisagem de sua infância na reportagem de
atualidades. A fina película do escrito se torna um remover de
camadas, um jogo de espaços. Um mundo diferente (o do leitor)
se introduz no lugar do autor (p.49)

Do mesmo modo, com alguns elementos que acentuam as


possibilidades – imagem, som, palavras, gestos, possibilidades
de trocas entre os que, juntos, vêm filmes etc - o cinema, com
que começo a trabalhar, funciona do mesmo modo. É produção
silenciosa, que permite interpretações diversas e múltiplas,
permite instantes perdidos e criação de memórias. O mundo
do espectador é diferente do lugar do diretor do filme.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 41

A expressão disso nas escolas vem sendo tratado pelos


diversos grupos que, no Brasil, pesquisam com os cotidianos
e os currículos neles praticados. Recentemente, de modo
exemplar e indicando uma síntese desse movimento, Carvalho
(2009) indicou “o cotidiano escolar como comunidade de
afetos” e “o currículo como comunidades tecidas em redes de
conversações e ações complexas”. Desenvolvendo um estudo
que avança da “comunidade como princípio da modernidade”,
passando pelas “comunidades singulares e cooperativas no
contexto da sociedade de controle”, chega à compreensão
das “comunidades híbridas e heterológicas na perspectiva
da hermenêutica diatópica em redes de subjetividades
compartilhadas nos cotidianos escolares” e nas tantas outras
redes educativas que formamos e que nos formam.
Para gestar esse percurso, essa autora entende que
trocas e compartilhamento, em ‘conversas’, articulam as
possibilidades curriculares na contemporaneidade. Para que
esses movimentos possam se dar e serem ampliados, entende
que, em complexas e múltiplas relações, os infinitos elementos
da cultura e da educação entramsaem das escolas encarnados
em seus ‘praticantes’.
Entendemos que em torno dessas ideias é que podemos
melhor compreender as relações que se dão nos dentrofora das
escolas, em ‘conversas’ com os docentes sobre suas práticas
didáticas e curriculares.

CULTURA, VIDA COTIDIANA E PROCESSOS


ESCOLARES
Na discussão, crítica, sobre o lugar da cultura no mundo
contemporâneo, Yúdice (2004) lembra que está, certamente,
emitindo uma nota de precaução no que tange à celebração da
agência cultural, tão preponderante no trabalho dos estudos
culturais. Mas essa precaução não é resultado de um desejo de
ser desmancha-prazeres; ela decorre de uma noção diferente
de agenciamento. Para alguns, os relativamente “sem poder”
podem extrair força de sua cultura para enfrentar a investida
42 Nilda Alves

violenta dos poderosos. Para outros, o conteúdo da cultura em si


é quase irrelevante; o que importa é que ela escorra uma política
de mudança. Ao mesmo tempo que essas perspectivas podem ser
bastante atraentes, é também verdade que a expressão cultural
em si não é suficiente. Nesses debates, é bom munir-se de sólido
conhecimento acerca das complexas maquinações envolvidas no
exame de uma agenda vista através de uma gama de instâncias
intermediárias, situadas em diversos níveis, povoadas de outras
agendas similares, que se sobrepõem ou se diferenciam. Os
pesquisadores dos estudos culturais muitas vezes enxergam a
agência cultural de forma mais circunscrita, como se a expressão
ou identidade individual ou grupal em si levasse à mudança. Mas
como Iris Marion Young9 aponta: “nós nos encontramos situados
em relações de classe, gênero, raça, nacionalidade, religião e
assim por diante, [dentro de uma ‘dada história de significados
sedimentados e uma paisagem material, interagindo com outros
no campo social”] que são fontes tanto de possibilidades de ação
como de coação. (p.15)

Essa precaução precisa aparecer nos trabalhos com os


cotidianos nos quais se trabalha com o “mundo cultural” dos
praticantes de redes educativas específicas como é o caso dos
docentes.
Geertz (1989), a partir das observações Susane Langer,
diz que, no panorama intelectual, algumas ideias surgem
com tamanha força que todos se agarram a elas como um
“abre-te sésamo” que parece resolver todos os problemas
fundamentais e esclarecer todos os pontos obscuros. Assim,
nós as utilizamos para todos os propósitos e estendemos seus
significados com generalizações e derivativos. Conforme
o autor, esse procedimento padrão se confirma no caso do
conceito de cultura. Contudo, apesar das generalizações,
diferentes modos de pensar a noção de cultura estão, de certa
forma, associados a diferentes modos de pensar a educação,
que não são necessariamente excludentes e que muitas vezes
se sobrepõem em diversos espaçostempos de nossa história,
desde a concepção de cultura tida como original, que significa
cultivar até as diversas concepções contemporâneas, entre
elas as que compreendem que a cultura mais do que o modo
de vida de uma população ou grupo social é um campo de
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 43

batalhas em torno de conhecimentos e significações, incluindo


o reconhecimento e os benefícios materiais que deles resultam.
Todas essas concepções e ‘usos’ atravessam as propostas
didáticas e curriculares, tanto as oficiais quanto as criadas,
cotidianamente, pelos docentes e discentes, nas escolas.
As diferentes concepções de cultura estão, assim, de uma
forma ou de outra, associadas ao processo de produção da
nossa própria subjetividade e das sociedades em que vivemos
e também, ao mesmo tempo, aos produtos que, nesse processo,
resultam de nosso trabalho e criação material e/ou simbólica.
Assim, somos, simultaneamente, produtos e produtores da
nossa cultura, usuáriosprodutores dos artefatos criados e dos
significados que emergem em meio a negociações e traduções
entre grupos e indivíduos, que ora são consensuais, ora
conflituosas (BHABHA, 1998).
Com esse autor, compreendemos que cultura - sempre
dinâmica e em transformação, resultado de hibridismos,
negociações e traduções - além de processo e produto é
também projeto, como reivindicação, como enunciação, como
diferenciação. De acordo com esse autor, todas as afirmações
e articulações culturais são construídas em espaçostempos
simbólicos e ambivalentes da enunciação e, assim, as
reivindicações hierárquicas de pureza e originalidade são
inaceitáveis. A indeterminação do sujeito da enunciação - por
sua própria ambivalência - constitui as condições discursivas
de um espaçotempo em que os mesmos signos podem ser
apropriados, traduzidos, re-historicizados e lidos de outro
modo, para simbolizar e significar outras coisas. Desse modo,
em estudos com os cotidianos, entendemos que expressões e
pensamentos múltiplos dos praticantes docentes das escolas
precisam se compreendidos como repetições necessárias e
propostas de aglutinação: “eu me formei na prática da escola”;
“a cultura da escola exige, hoje, que eu faça isto” etc
O que é politicamente crucial, para Bhabha, é passar além das
narrativas de subjetividades originárias para focalizar aqueles
momentos ou processos que são produzidos na articulação de
44 Nilda Alves

diferenças culturais. Esses momentos ou processos “fornecem o


terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação que dão início
a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e
contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade” (1998,
p.20).
Além de processo, produto e projeto, outro modo de conceber
a cultura é como recurso, na forma como propõe Yúdice
(2004). Segundo esse autor, na era da globalização, a cultura
é invocada para resolver problemas que anteriormente
eram da competência da economia ou da política. Para
ele, a cultura como recurso é o eixo de uma nova estrutura
epistêmica, de modo que o gerenciamento, a conservação, o
acesso, a distribuição e o investimento em cultura tornaram-se
prioritários. Nessa nova racionalidade, a cultura como recurso
pode ser comparada à natureza como recurso, e a principal
moeda na negociação global é a diversidade. Nessa condição,
a cultura é recurso tanto para os administradores globais
como para os ativismos políticos. Assim, a agência cultural
pode ser fonte tanto de possibilidade de ação como de coação.
As escolas, tanto como as pedagogias, estão prenhe dessas
possibilidades e reivindicações e têm criado, com elas, ações
didáticas e curriculares interessantes. Venho acompanhando
mais de perto os ‘usos’ que docentes e discentes fazem dos
artefatos culturais10, cada vez mais presentes em nossas
vidas.
Independente de ser processo, produto, projeto ou recurso,
ou ainda tudo isso ao mesmo tempo, a cultura é, sempre, um
modo de ser e estar no mundo que se concretiza em meio às
redes de práticasteorias, com seus conhecimentos e significações
múltiplos, tecidos por toda a humanidade, com seus conflitos
e contradições. Ou ainda como nos ensina Santos (1998), o
mundo que nos cerca não é apenas criação do espírito, ele
existe concretamente.
Desse modo, Certeau (1994) nos ensina que uma imersão
atenta na vida cotidiana, com disposição para se enxergar
além da aparente sujeição das pessoas às lógicas e prescrições
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 45

do mercado e das indústrias culturais, nos permite perceber


que os praticantes da cultura inventam, em suas operações
de usuários desses produtos e tecnologias, outras lógicas e
sentidos para o que lhes é posto para consumir, constituindo
redes de saberesfazeres, solidariedades e indisciplina que
potencializam suas vidas. Em suas próprias palavras, lemos:
produtores desconhecidos, poetas de seus negócios, inventores
de trilhas nas selvas da racionalidade funcionalista, os
consumidores produzem uma coisa que se assemelha às
“linhas de erre” de que fala Deligny. Traçam “trajetórias
indeterminadas”, aparentemente desprovidas de sentido por
que não são coerentes com o espaço construído, escrito e pré-
fabricado onde se movimentam. São frases imprevisíveis num
lugar ordenado pelas técnicas organizadoras de sistemas.
Embora tenham como material os vocabulários das línguas
recebidas (o vocabulário da TV, o do jornal, o do supermercado
ou das disposições urbanísticas) embora fiquem enquadradas por
sintaxes prescritas (modos temporais dos horários, organizações
paradigmáticas dos lugares, etc.), essas “trilhas” continuam
heterogêneas aos sistemas onde se infiltram e onde esboçam as
astúcias de interesses e de desejos diferentes. (p. 97)

Com Bhabha (1998) e Certeau (1994) entendemos que se


há ressignificações, resistências, conflitos, cumplicidades
e refuncionalizações nos usos dos conteúdos e formas da
indústria cultural, as condições para isso estão na ambiguidade,
na ambivalência e na contingência tanto de práticas complexas
e paradoxais dos que estão na posição de ‘usuários’, como dos
que estão na posição de emissores - ambas as posições não
são fixas, mas alternantes, superpostas e enredadas. Tudo
isso gera entre-lugares em que emergem, das negociações,
traduções e combinações, diferentes posicionamentos entre
os praticantes da cultura. Estes espaçostempos possibilitam
práticas curriculares e pedagógicas que se realizam por meio
do encontro e que não visam o consenso e sim e, sobretudo,
a criação e a ampliação das possibilidades para trocas de
conhecimentos e significações, nos tantos movimentos da vida
e das escolas.
Com essa perspectiva, nos interessa pensar as possibilidades
46 Nilda Alves

para articulações múltiplas e diversificadas entre as escolas e


seus praticantes com outras redes educativas e os que nela
vivem e fazem, nas múltiplas redes educativas nas quais
estamos inseridos, realizando múltiplos e diversificados
contatos com todas as expressões da cultura.

CINEMA, ESCOLAS E DOCENTES


Chego, assim, aos modos como hoje estou trabalhando com
o cinema, perguntando: como ele pode ajudar a compreender
os “mundos culturais” de docentes? Por que isto tem alguma
importância nos processos possíveis de mudanças em
currículos e didáticas de cursos de formação de professores e
em currículos e didáticas da Educação básica?
Entendemos que as escolas, assim como outras instituições
sociais, são atravessadas por redes e produtos comunicacionais.
Docentes e discentes estabelecem relações por meio da ou
com a ‘telemática’, palavra que teóricos franceses empregam
para dar conta da hibridização que resulta da combinação das
tecnologias das telecomunicações com a informática.
De várias formas a chamada ‘sociedade da comunicação’ é
vivenciada nos cotidianos das escolas. A razão comunicacional
(MARTÍN-BARBERO, 2004), como uma racionalidade específica
que configura um outro modo de subjetivação e de saber-
poder; o ethos midiático (SODRÉ, 2002), como prescrição de
uma moralidade e de uma ambiência existencial da época;
a cosmotecnologia (AUGÉ, 2004) como uma nova cosmologia
que, com vocação planetária, tenta representar e ordenar
nossas interpretações sobre o mundo e nossas relações com
os outros; e ainda as lógicas da informação, como dispositivo
de controle social (DELEUZE, 1992), são atualizadas, rejeitadas
e ressignificadas nas práticas cotidianas nos espaçostempos da
educação escolar.
Rincón (2002) propõe que se as culturas são redes de
significação compartilhadas em diferentes espaçostempos nos
quais são tecidas múltiplas paisagens simbólicas e possibilidades
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 47

de identidades, as culturas audiovisuais contemporâneas,


sem referência de território, juntam experiências instantâneas
sentimentais e narrativas que produzem estilos de habitar
sem chegar a conformar identidades plenas. As culturas
audiovisuais produzem uma paisagem caracterizada por
outras formas de significação, novas maneiras de perceber,
representar e reconhecer, constituindo inéditas formas
de experiência, pensamento e imaginação. Elas articulam
um entorno que faz pensar com as imagens e os sons,
constituindo espaçostempos diversos de sensibilidades e de
pensamentos. As sensibilidades, segundo esse autor, fazem-
se potentes para reinventar a vida, particularmente nestes
tempos marcados pelas políticas da instabilidade e pelas
imagens da ambiguidade. A opção que surge, frente a isso,
é a identidade móvel, em fluxo, em dissolução, adaptativa à
paisagem simbólica em que habita. E, em meio a essa confusão
e ao excesso de significações, as imagens – e sons, insistimos
em acrescentar - são tudo que temos para significar. Nisso,
particularmente, os jovens e as crianças, nossos estudantes
são “craques” em identificar e aderir, para nossa surpresa e
pânico.
Para Rincón (2002), sensibilidade é a idéia chave para a
compreensão das formas audiovisuais. Sensibilidade não
mais como uma forma de razão que se embasa em argumentos
estéticos, mas como via de expressão. Isto significa, segundo
o autor, um outro modo de compreender as dinâmicas da
vida social: um modo que se interessa pelo movimento, que
estabelece novas relações e que se dirige a um novo regime de
reconhecimento e imaginação. Uma maneira de caracterizar
este novo regime de sensibilidade, propõe o autor, é pensá-
la a partir das formas subalternas de produzir sentidos e de
inscrever a vida na atualidade e produzir sentidos: gênero,
sexo, ecologia, etnia, juventude, música, futebol, telenovela,
carnaval, classe etc. Para Rincón, são sensibilidades que
afirmam uma resistência afetiva-sensível, que deslocam até o
dramático e sentimental os âmbitos de produção e expressão
do conhecimento, que operam como táticas de bufão que se
48 Nilda Alves

atreve a incomodar as maneiras clássicas do saber e da cultura.


Nossos estudantes sabem disso e nos ensinam sobre isto,
cotidianamente. E vamos aprendendo e buscando parcerias
nesse movimento.
Assim, essas sensibilidades produzem novos modos
de subjetividade, sem verdades transcendentais e que se
produzindo: em relatos de fluxo; em novas valorações não
escritas da sociedade; em memórias eletronicamente frágeis.
O resultado, explica o pesquisador, pode ser compreendido
como a exposição de superficialidades audiovisuais, o império
do banal, a anarquia como forma social; mas aí também é
possível avistar modos de escapar ao controle e à disciplina
do mercado, além da vontade de luta por constituir-se. Nossos
professores, às vezes de modo desesperado, compreendem
isto e criam novas didáticas e novos currículos nas relações
locais possíveis. Assim, compreendemos os ‘usos’ que, de
modo criativo, os docentes com seus estudantes vêm fazendo
de relatos audiovisuais, permitindo novas expressividades
sociais.
De acordo com Rincón (2002), o audiovisual é um
supermercado simbólico de estilos de vida para habitar esses
tempos desalmados de razões. Nesse cenário, o cinema é o
rito de onde ir para imaginar a existência e criar a ilusão;
o vídeo, a tática para a aventura, o tempo pessoal; e a
televisão, a experiência massiva mais cômoda para sobreviver
imaginativamente ao caos.
Assim pensando, entendemos que a potência do cinema
constitui-se na possibilidade que ele cria para se imaginar a
existência, para se pensar numa história possível, para além
da história existente, como propôs Santos (1998).
As imagens – e os sons (com a oralidade da palavra incluída)
que com ela compõem ‘a cena” – redefinem e discutem a
dependência da linguagem escrita na produção e difusão de
conhecimentos e significações, pois, como propõe Orozco
(2001), o relato audiovisual não privilegia o que se lê, mas sim
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 49

o que se expõe e o que se escuta e, sobretudo, o que se vê, o


que se percebe e o que se sente. Ao contrário das palavras, que
preferencialmente sustentam argumentos dirigidos à razão e
produzem o convencimento, as imagens (e os sons), indica esse
autor, são, em primeiro lugar, sedutoras; seu produto imediato
é a sensação e a emoção. No entanto, ele próprio reconhece
que mecanismos mais ou menos racionais e não racionais têm
lugar nas múltiplas linguagens e que ambas podem convencer
e seduzir, mostrar e ocultar, produzir sensações, emoções e
conhecimentos.
Por outro lado, é preciso compreender que na América
Latina, por mais estranho e perigoso que possa parecer a alguns,
a maioria das pessoas está se incorporando à modernidade por
meio das gramáticas das indústrias culturais, o que é assim
explicado por Martín-Barbero (2000):
por mais escandaloso que nos soe, é um fato que as maiorias na
América Latina estão se incorporando à modernidade não sob
o domínio do livro, mas a partir dos discursos e das narrativas,
dos saberes e das linguagens da indústria e da experiência
audiovisual. E esta transformação nos coloca questões graves que
deixam obsoletos, tanto os ilustrados como os populistas, modos
de analisar e avaliar. Pois, se as maiorias estão se apropriando
da modernidade sem deixar sua cultura oral, é porque essa
cultura incorporou a ‘oralidade secundária’(Ong,1998) tecida
e organizada pelas gramáticas tecnoperceptivas do rádio e
do cinema em um primeiro momento, e está incorporando na
atualidade a visualidade eletrônica da televisão, do vídeo e do
computador. (...) De modo que a cumplicidade e a interpenetração
entre oralidade cultural e linguagens audiovisuais não remetem
– como pretende boa parte de nossos intelectuais e nossos
anacrônicos sistemas educativos – nem às ignorâncias, nem ao
exotismo do analfabetismo mas a descentramentos culturais
que em nossas sociedades estão produzindo os novos regimes
de sentir e de saber, que passam pela imagem catalisada pela
televisão e o computador. (p. 83-34)

É preciso lembrar, então, que a comunicação audiovisual,


como explica Rincón (2002), foi construída como linguagem e
estética a partir do cinema e que este vem chegando a todos
os ‘praticantes’ das redes educativas por mútiplos outros
50 Nilda Alves

meios, para além das “salas de cinema”: a televisão, o vídeo,


a internet...
Segundo Vasconcellos (2006), para Deleuze o cinema é um
modo de pensamento que privilegia a ideia da diferença para
instaurar novos ângulos e perspectivas da realidade. Conforme
a leitura que Vasconcellos faz das obras deleuzianas sobre o
cinema, os cineastas são criadores, inventores de imagens,
e estão sempre acompanhados de quem produz a “trilha
sonora”, acescentamos. Eles produziram e produzem seus
filmes sob dois registros: o das imagens orgânicas do cinema
clássico narrativo anterior à Segunda Guerra e o das imagens
inorgânicas do cinema moderno posterior ao neo-realismo de
Orson Welles. O cinema clássico estaria vinculado ao orgânico,
ao sensório-motor, ao bom senso, à narração e ao modelo de
verdade. O cinema moderno, por sua vez, teria substituído o
sensório-motor por situações óticas e sonoras puras; a narração
pela descrição; o modelo de verdade pelas potências do falso.
E eu quero saber: o que tem significado para nossos docentes
essas mudanças, que estão neles e em seus estudantes?
Independe da classificação da produção cinematográfica
operada por Deleuze, é a potência do falso - que não é erro,
mas errância - que nos interessa. Como o próprio Deleuze,
apostamos na potência da fabulação, na capacidade de criar e
inventar mundos a partir de narrativas.
Voltando a Rincón (2002), viver na paisagem audiovisual é
marcar a subjetividade a partir de e segundo os consumos e
‘usos’ de imagens que cada sociedade realiza. Ainda segundo
esse autor, a criação audiovisual tem a ver com a necessidade
social de criar imagens de si mesmo, de imaginar a memória e
buscar metáforas imaginativas sobre aquilo que se quer ser.
Em uma palestra que fez na França para estudantes de
cinema em 1987 (cujo registro textual em português foi
postado na internet em 2007 e acessado por nós em 2009),
Deleuze explicou que ter uma ideia não é um ato genérico.
Assim, um ato de criação está destinado a um determinado
domínio e deve ser tratado como potencial já empenhado
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 51

nesse ou naquele modo de expressão. Portanto, há criação na


ciência (funções), na filosofia (conceitos) e na arte (perceptos
e afectos).
Mas o que os produtores de audiovisuais criam? Para
Deleuze, enquanto os filósofos criam conceitos, os homens de
cinema criam blocos de movimento/duração, imensamente
ajudados por sons, insistimos. O cinema seria então uma
linguagem que conta histórias com blocos de movimento/
duração, com sons, continuamos a insistir. E o que há em comum
em todos esses modos de conhecimento? De acordo com ele,
o que é comum a todas essas séries de invenções (invenções
de funções, invenções de conceitos e invenções de blocos de
duração/movimento) é a constituição de espaçostempos uma
vez que não há espaçostempos inteiros, mas apenas fragmentos
desconexos, cuja conexão não é dada previamente e sim
realizada pelo trabalho criador dos seres humanos. Nesse
trabalho criativo, existem, por exemplo, ideias em cinema
que só podem ser cinematográficas, embora possam ter sido
tomadas de empréstimo de outros domínios de pensamento
ou possam ser a eles emprestada. Uma obra artística, segundo
Deleuze, não é uma comunicação, uma informação que
faz circular a ordem, mas é, de alguma maneira, um ato de
resistência.
Por outro lado, este é um momento também em que
buscamos perceber os modos como se efetiva a presença
massiva das imagens no mundo e, portanto, das possibilidades
que os seus ‘usos’ abrem para as pesquisas sociais e, dentro
delas, naquelas que buscam compreender os processos de
tessitura de conhecimentos e significações em redes educativas
várias. É preciso não esquecer que desde sempre as ‘outras’
ciências, ditas físicas e naturais, fizeram largo uso das imagens
(MACHADO, 2001). Nessas pesquisas, são colocados em pé
de igualdade textos escritos e imagens, abrindo uma fértil
discussão sobre a relação falas (sons) e gestos, passando a se
compreender que, inúmeras vezes, os gestos contradizem as
palavras que vão sendo ditas.
Para além da discussão que faz sobre a negação
contemporânea, por tantos, da fotografia, a que chama o
52 Nilda Alves

“quarto iconoclasmo”, Machado (2001) estuda este artefato


“como expressão do conceito”, mostrando o quanto é permeada
pelos conhecimentos técnico-científicos e, mais ainda, o caráter
de “deflagrador heurístico”. Trazendo Flüsser11 para o início
da discussão que faz, Machado (2001) diz:
o pensador da técnica Vilém Flüsser (...) em 1983, numa obra
fundamental escrita sob o impacto do surgimento das imagens
digitais, ele assegura que a fotografia, mais que simplesmente
registrar impressões do mundo físico, traduzia teorias científicas
em imagens. O pensamento de Flüsser a esse respeito é radical
e sem concessões: a fotografia pode ter muitas funções em
nossa sociedade, mas o fundamental de sua existência está na
materialização dos conceitos da ciência; para usar suas próprias
palavras, ela “transforma conceitos em imagens” (p. 122)

Para afirmar a relação estreita da fotografia com os processos


científicos, Machado (2001) nos lembra ainda que “a fotografia
é o resultado da aplicação técnica de conceitos científicos
acumulados ao longo de pelo menos cinco séculos de pesquisas
nos campos da óptica, da mecânica e da química, bem como
da evolução do cálculo matemático e do instrumental para
operacionalizá-lo (p 129)”.
Se ligarmos essas ideias ao cinema, na junção de imagens,
sons (inclusive palavras) e cores, vamos perceber que esse
permitiu um serviço especial às ciências humanas – expressar
suas dúvidas em imagens, através de criadores artistas e,
também, de praticantes dos cotidianos com a publicização -
pelo seu barateamento - de artefatos diversos (de fotografia
e de filmagem). E, nisso está sua potência e possibilidades
para ser trabalhado pelas diversas ciências chamadas
humanas e sociais, entre às quais está incluída a Educação.
Diversos professores e seus estudantes vêm percebendo isso e
transformando didáticas e currículos, nas escolas brasileiras.
Nas errâncias que realiza nas tantas redes educativas que
forma e nas quais é formado, nas relações que nelas estabelece
com outros seres humanos, o que esse “estar no mundo”
significa para os ‘praticantes’ docentes? Como o contato com
as experiências imagéticas e sonoras que o cinema permite
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 53

marca as propostas curriculares e pedagógicas que os docentes


criam nos cotidianos das escolas?

SOBRE CONVERSAS, NARRATIVAS, IMAGENS E


SONS
Uns quinhentos anos antes da era cristã aconteceu na Magna
Grécia a melhor coisa registrada na história universal: a
descoberta do diálogo. A fé, a certeza, os dogmas, os tabus, as
tiranias, as guerras e as glórias assediavam o orbe; alguns gregos
contraíram, nunca saberemos como, o singular costume de
conversar. Duvidaram, persuadiram, discordaram, mudaram
de opinião, adiaram...Sem esses poucos gregos conversadores,
a cultural ocidental é inconcebível...(Jorge Luiz BORGES, 2009,
p.27)
Nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos, as imagens e as
narrativas ocupam importante espaçotempo que nos parecia
ser o de fontes (ALVES, 2008), inicialmente. A partir de uma
ideia de Deleuze (1995) foi possível, no entanto, compreender
melhor essa questão. Esta ideia é a de personagem conceitual.
Souza Dias (1995), a respeito, diz que os “personagens
conceituais (...) designam (...) elementos íntimos da atividade
filosófica, condições dessa atividade, os ‘intercessores’ do pensador,
as figuras ideais de intercessão sem as quais não há pensamento,
filosofia, criação de conceitos” (p.61-62), baseando-se em estudo
desenvolvido sobre o pensamento de Deleuze (1995) quando
este afirma que os personagens conceituais “são os ‘heterônimos’
do filósofo, e o nome do filósofo, o simples pseudônimo dos seus
personagens” (p.62).
No desenvolvimento dessas idéias, Souza Dias (1995)
vai lembrar alguns personagens conceituais, para autores tão
distintos, mas que deles necessitaram para poderem pensar
o que pensavam. Assim, podemos entender como personagem
conceitual: o ‘demônio’ para Sócrates; ‘Sócrates’ para Platão; o
‘Homem simples’ ou o ‘Senhor-toda-a-gente’ para Descartes; o
‘Advogado de Deus’ para Leibniz; o ‘Inquiridor’ do empirista; o ‘Juiz’
em Kant; o ‘Nômada’ em Deleuze; o ‘Funcionário da Humanidade’
para Husserl; o ‘Observador’ para Einstein (p. 53).
54 Nilda Alves

Os personagens conceituais são, assim, aquelas figuras,


argumentos ou artefatos que entram como o outro - aquele
com que se ‘conversa’ e que permanece presente muito
tempo para que possamos acumular as ideias necessárias
ao desenvolvimento de conhecimentos12 e a compreensão
de significações nas pesquisas que desenvolvemos. Esses
personagens conceituais aí têm que estar, para que o pensamento
se desenvolva, para que novos conhecimentos apareçam, para
que lógicas se estabeleçam.
É nessa mesma direção que afirmamos que para as
pesquisas nos/dos/com os cotidianos, as narrativas (e sons de
diversos tipos) e as imagens dos praticantes docentes e de
outros praticantes dos espaçostempos cotidianos não podem ser
entendidas, exclusivamente, como ‘fontes’ ou como ‘recursos
metodológicos’. Elas ganham o estatuto, e nisso está sua força,
de personagens conceituais. Sem narrativas (sons de todo o tipo)
e imagens não existe a possibilidade dessas pesquisas. Assim,
ao contrário de vê-las como um resto rejeitável, dispensável
do que buscamos, algo sempre igual e repetitivo, é preciso
tê-las, respeitosamente, como necessárias aos processos que
realizamos.
Nessas pesquisas com os cotidianos, partimos de uma
afirmativa: “conversa-se muito nas escolas e nos múltiplos
contextos de formação dos docentes”. Para alguns (muitos?)
isto é entendido como ‘perda de tempo’. Mas nas pesquisas nos/
dos/com os cotidianos, estendemos que este é o verdadeiro
‘locus’ de pesquisa, pois nelas surgem imagens e narrativas
que vão se transformar em nossos personagens conceituais.
Isso ganha importância ao irmos percebendo que, no
momento, em diversos campos das ciências humanas, se
faz uma volta de 180º na dicotomia sujeito-objeto e se passa
a compreender que a relação pesquisador-pesquisado não
se dá entre nós-eles – simples abstrações, como antes se
entendia -, mas sim entre eu-tu, na qual se admite que existe
uma relação de igualdade em que um observa o outro,
um cria conhecimentos e significações sobre o outro, um
representa o outro (GONÇALVES e HEAD, 2009), em um
mesmo movimento, como o que se estabelece nas conversas
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 55

cotidianas.
Para Maturana (1997), partindo de seus estudos em biologia,
este modo de agir vai muito além de ‘uma coisa qualquer de
todo dia’ pois funda a nossa própria humanidade. Diz este
autor:
frequentemente nos dizem que precisamos controlar nossas
emoções e nos comportar de maneira racional, principalmente
quando somos crianças ou mulheres13. Quem nos fala assim quer
que nos comportemos de acordo com alguma norma de sua
escolha. Vivemos numa cultura que opõe emoção e razão como
se se tratassem de dimensões antagônicas do espaço psíquico.
Falamos como se o emocional negasse o racional e dizemos que
é o racional que define o Humano. Ao mesmo tempo sabemos
que, quando negamos nossas emoções, nenhum raciocínio pode
apagar o sofrimento que geramos em nós mesmos ou nos outros.
Finalmente, quando temos alguma desavença, ainda no calor da
raiva, também dizemos que devemos resolver nossas diferenças
conversando e, de fato, se conseguimos conversar, as emoções
mudam e a desavença ou se esvai ou se transforma, com ou sem
briga, numa discordância respeitável.

O que acontece? Penso que, ainda, que o racional nos distinga


de outros animais, o humano se constitui ao surgir a linguagem na
linhagem hominídeo a que pertencemos, na conservação de um modo
particular de viver o entrelaçamento do emocional e do racional que
aparece expresso em nossa habilidade de resolver nossas diferenças
emocionais e racionais conversando. Por isso considero central para a
compreensão do humano, tanto na saúde como no sofrimento psíquico
ou somático, entender a participação da linguagem e das emoções
no que, na vida cotidiana, conotamos com a palavra ‘conversar’ (p
167).
Por isso mesmo, nossas redes educativo-culturais poderiam,
ainda com Maturana (1997), serem entendidos como ‘redes
de conversações’ já que:
como animais linguajantes, existimos na linguagem, mas
como seres humanos existimos (trazemos nós mesmos à mão
em nossas distinções) no fluir de nossas conversações14, e
todas as atividades acontecem como diferentes espécies de
conversações. Consequentemente, nossos diferentes domínios
56 Nilda Alves

de ações (domínios cognitivos) como seres humanos (culturas,


instituições, sociedades, clubes, jogos, etc.) são constituídos
como diferentes redes de conversações, cada uma definida por
um critério particular de validação, explícito ou implícito, que
define e constitui o que a ela pertence.(p.132)

Nessa mesma direção, por fim, podemos lembrar Larrosa


(2003) quando escreveu que
nunca se sabe aonde uma conversa pode levar...uma conversa
não é algo que se faça, mas algo no que se entra...e, ao entrar nela,
pode-se ir aonde não havia sido previsto...e essa é a maravilha
da conversa...que, nela, pode-se chegar a dizer o que não queria
dizer, o que não sabia dizer, o que não podia dizer...

E, mais ainda, o valor de uma conversa não está no fato de que ao


final se chegue ou não a um acordo...pelo contrário, uma conversa
está cheia de diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a
tensão entre as diferenças... (p. 212)
Desse modo, nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos,
assumimos que escrever/falar da importância das ‘conversas’
tem a ver com a compreensão que Certeau (1994) tem dos
trabalhos realizados por Détienne15 em cujos processos de
pesquisa ‘dizer’ e ‘repetir de outro modo’ são os modos de
indicar o conteúdo e os modos de pesquisar. Certeau, sobre
este autor, diz que o mesmo
não instala as histórias gregas diante de si para tratá-las em nome
de outra coisa que não elas mesmas. Recusa o corte que delas
faria objetos de saber, mas também objetos a saber, cavernas
onde ‘mistérios’ postos em reserva aguardariam da pesquisa
científica o seu significado. Ele não supõe, por trás de todas essas
histórias, segredos cujo progressivo desvelamento lhe daria,
em contrapartida, o seu próprio lugar, o da interpretação. Esses
contos, histórias, poemas e tratados para ele já são práticas. Dizem
exatamente o que fazem. São gestos que significam. (...) Formam
uma rede de operações da qual mil personagens esboçam as
formalidades e os bons lances. Neste espaço de práticas textuais,
como num jogo de xadrez cujas figuras, regras e partidas
teriam sido multiplicadas na escala de uma literatura, Detienne
conhece como artista mil lances já executados (a memória dos
lances antigos é essencial a toda partida de xadrez), mas ele joga
com esses lances; deles faz outros com esse repertório: ‘conta
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 57

histórias’ por sua vez. Re-cita esses gestos táticos. Para dizer o
que dizem, não há outro discurso senão eles. Alguém pergunta:
mas o que “querem” dizer? Então se responde: vou contá-
los de novo. Se alguém lhe perguntasse qual era o sentido de
uma sonata, Beethoven, segundo se conta, a tocava de novo. O
mesmo acontece com a recitação da tradição oral, assim como a
analisa J. Goody: uma maneira de repetir séries e combinações
de operações formais, com uma arte de “fazê-las concordar” com
as circunstâncias e com o público16 (CERTEAU, 1994, p.155)

Certeau (1994) indica, então, os espaçostempos que a


narratividade ocupa da escritura de outros autores nos quais
não se nota isto, habitualmente. Diz que
para explicitar a relação da teoria com os procedimentos dos quais
é efeito e com aqueles que aborda, oferece-se uma ‘possibilidade’:
um discurso em histórias. A narrativização das práticas seria
uma ‘maneira de fazer’ textual, com seus procedimentos e
táticas próprios. A partir de Marx e Freud (para não remontar
mais acima), não faltam exemplos autorizados. Foucault declara,
aliás, que está escrevendo apenas histórias ou ‘relatos’. Por seu
lado, Bourdieu toma relatos como a vanguarda e a referência de
seu sistema17. Em muitos trabalhos, a narratividade se insinua
no discurso erudito como o seu indicativo geral (o título), como
uma de suas partes (‘análises de casos’, ‘histórias de vida’ ou
de grupos etc) ou como seu contraponto (fragmentos citados,
entrevistas, ‘ditos’ etc) (...) Não seria necessário reconhecer a
legitimidade ‘científica’ supondo que em vez de ser um resto
ineliminável ou ainda a eliminar do discurso, a narratividade tem
ali uma função necessária, e supondo que ‘uma teoria do relato
é indissociável de uma teoria das práticas’, como a sua condição
ao mesmo tempo que sua produção? (CERTEAU, 1994,152/153)

À GUISA DE CONCLUSÃO
Trazendo à baila minhas posições atuais e indicando por
onde venho pensando as escolas - com seus praticantes - e as
crises postas em nossa contemporaneidade, quis indicar que
já estamos no caminho de superar as crises – sabendo que
outras surgirão. A Educação é campo de luta e os elementos
possíveis para a articulação de forças nesse campo estão aí.
Será preciso: compreendê-los; fazer opções de lado; discutir
58 Nilda Alves

muito com as múltiplas forças envolvidas; e, em nosso papel de


pesquisadores e formadores de docentes e de pesquisadores,
precisamos indicar que não resolvemos nenhuma ‘crise’
de forma miraculosa ou simplesmente “técnica”, por mais
atraente que seja o “milagre” e por mais competente que seja
o “técnico”.
Tudo isso, exige de nós dedicação e muita “conversa”, como
já sabiam os gregos.

NOTAS
*Texto desenvolvido a partir de pesquisas financiadas pelo CNPQ, pela
FAPERJ e pela UERJ. Algumas dessas pesquisas são: “Memórias de
professoras sobre televisão: o cotidiano escolar e a televisão na reprodução,
transmissão e criação de valores”(1999/2003), “O uso da tecnologia, de
imagens e de sons por professoras de jovens e adultos e a tessitura de
conhecimentos (valores) no cotidiano: a ética e a estética que nos fazem
professoras”(2003/2006) e “Artefatos tecnológicos relacionados à imagem e
ao som na expressão da cultura de afro-brasileiros e seu ‘uso’ em processos
curriculares de formação de professoras na Educação Superior – o caso do
curso de Pedagogia da Uerj/campus Maracanã” (2006-2009).
2. A referência é HUEBNER, Dwayne. Entrevista, gravada em 3718
Seminary Rd, Alexandria, VA22304, Washington, EUA.
3. Huebner fala aqui dos Estados Unidos e do papel exercido pelas
universidades neste país. No Brasil, em tempos atuais, isto tem se
processado, de modo crescente, em políticas estaduais e municipais que
vêm incorporando trabalhos e ações curriculares e pedagógicas de ongs,
dizendo, como em um recente caso, “não trabalho com universidades;
seu pessoal quer pensar muito e não age rápido”. Nesse sentido, o trecho
sublinhado a seguir, na citação, entre nós poderia ser escrito assim: “os
professores das escolas têm problemas; não têm tempo para resolvê-los
e gestores da educação e pessoas de ongs por eles chamadas entendem
que sabem como resolvê-los – muitas vezes sem nunca ter lecionado ou
dirigido escolas - através de técnicas genéricas, distribuindo artefatos
tecnológicas limitados e tentando estabelecer sistemas de competição
como os de empresas.”
4. Esta forma de escrever estes termos – bem como outros que aparecem
neste projeto – tem a ver com a necessidade epistemológica das pesquisas nos/
dos/com os cotidianos de mostrar, permanentemente, os limites dos modos
de pensar que herdamos da Modernidade (em especial, a dicotomia de
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 59

termos da lógica hegemônica) para compreendermos as lógicas complexas


e diversificadas dos cotidianos.
5. Idem.
6. A pesquisa que começo a desenvolver tem o título: “Redes educativas,
fluxos culturais e trabalho docente – o caso do cinema, suas imagens e
sons”.
7. Nas pesquisas nos/dos/com os cotidianos, trabalhamos com a ideia de
que os contatos que temos com esses ‘praticantes’ são ‘conversas’ no sentido
que aprendemos com Coutinho (1997): “você sabe que toda a filmagem – e
acredito que na história oral isso exista também, mas de uma forma mais amena,
mais simples, mais implícita – tem que ser negociada. (...) Essa negociação que
preside a muitas entrevistas e depoimentos – prefiro chamar de conversas, porque
entrevista, depoimento, pressupõe uma formalização que destrói o clima de diálogo
espontâneo que é importante – não está jamais na perspectiva, por exemplo, da
televisão e da maioria dos documentários” (p. 166). Esse aspecto da metodologia a
ser empregada vem melhor explicada em item posterior, neste projeto.
8. Nota de Certeau (1994, p. 321): Roland Barthes. Le plaisir du texte. Paris,
Seuil, 1973, p 58.
9. O autor faz referência a YOUNG (2000).
10. Nos projetos que desenvolvo tenho acompanhado, em especial, os
‘usos’ dos que nos trazem imagens e sons.
11. O texto desse autor que tem servido de referência a tantos é: FLÜSSER,
Vilém. Filosofia da Caixa Preta. S. Paulo: Hucitec, 1985.
12. Lefebvre (1983) identifica: ‘o conhecimento é um fato’: desde a vida prática
mais imediata e mais simples, nós ‘conhecemos’ objetos, seres vivos, seres humanos.
(...) [Neste sentido,] o conhecimento é ‘prático’, (...) é ‘social’ e ‘(...) tem um
caráter histórico. [Por outro lado,] todo pensamento é movimento. O pensamento
que estanca deixa produtos: obras, textos, resultados ideológicos, verdades. Cessou
de pensar. [No entanto] todo pensamento ‘é’ um movimento de pensamento, mas
também (...) todo pensamento verdadeiro é pensamento (conhecimento) de um
movimento, de um devir.
13. Em nossa vivência atual, por influência dos movimentos que nos
ajudam a compreender a sociedade em que vivemos e pesquisamos,
acrescentaríamos: afro-descendentes, homossexuais, jovens, portadores de
necessidades especiais...toda aquela variedade que expressa nossa própria
condição de ser humano.
14. “Chamo de conversação nossa operação nesse fluxo entrelaçado de
coordenações consensuais de linguajar e emocionar e chamo de conversação
as diferentes redes de coordenações entrelaçadas e consensuais de linguajar
e emocionar que geramos ao vivermos juntos com seres humanos. (p.
60 Nilda Alves

132)
15. Historiador francês que trabalha com a civilização grega.
16. Cf Goody, Jack, Mémoires et apprentissage dans les sociétés avec ou sans
écriture: la transmission du Bagre, em L’Homme, t. 17, 1977, p. 29-52. (nota
de CERTEAU)
17. Isto aparece bem no livro que publica a última pesquisa conduzida por
Bourdieu: ver A miséria do mundo (BOURDIEU, 1997).

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CAPÍTULO III

ESCOLA PARA O CONHECIMENTO E


APRENDIZAGEM OU ESCOLA PARA O
ACOLHIMENTO:
SÃO COMPATÍVEIS?

Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

O título deste artigo apresenta duas concepções de escola


em oposição. Nelas, estão presentes, de maneira semelhante,
outras oposições, como: quantidade e qualidade; pedagogias
tradicionais e pedagogias contemporâneas; o ensinar para a
integração ao mercado de trabalho e para a competitividade
e o educar para uma formação cidadã, participativa e crítica
e outras. Por vezes, didaticamente, os opostos nos ajudam a
construir argumentos, a definir com mais clareza a diferença
ou aproximação a uma idéia ou conceito, mas, também, eles
dificultam a construção de planos de ação prática e de raciocínios
densos e críticos. Quando levamos ao extremo essas idéias
polarizadas, elas podem até nos impedir de enfrentarmos a
realidade educacional do nosso país e construir um projeto
nacional de educação pública, por confundir a definição dos
objetivos e funções primordiais da escola. Será que existe
mesmo a oposição entre qualidade e quantidade? Não existiria
uma qualidade na quantidade? Será que quando ensinamos
para o mercado não estamos educando para a integração
social? Quando educamos para a cidadania participativa e
crítica, não estaríamos educando para o trabalho? Assim, as
polaridades dificultam a busca de soluções vinculadas ao
contexto real e, por outro lado, exigem que os atores façam
opções, às vezes complicadas, visto envolverem decisões de
vida.
Assim, inicio este texto perguntando: existe uma escola para
o conhecimento e a aprendizagem e outra para o acolhimento?
Por que estas concepções foram definidas? Quando acolhemos
64 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

não estaríamos favorecendo o conhecimento e a aprendizagem


e vice-versa? Considerando os dilemas e desafios do nosso
tempo, enfrentamos a necessidade de encontrar alternativas
para a qualidade da Escola Pública Brasileira e, sem abandonar
a temática do texto, talvez fosse interessante formular outras
perguntas no sentido de construirmos uma escola que atenda
realmente às demandas do nosso povo: Qual tipo de escola
precisamos para termos uma educação de qualidade? Qual
escola, qual professor, quais conteúdos, quais metodologias
seriam mais adequadas para ampliarmos o saber do nosso
aluno sobre seu país, seu povo, sua vida, sua condição de
classe, suas possibilidades de integração social no mundo
contemporâneo, no mundo do trabalho? Qual a defasagem
entre o que a escola ensina e o que ela deveria ensinar? O que
vem sendo ensinado corresponde realmente às demandas
sociais, às necessidades para o exercício da cidadania? Seria
fundamental avaliar o que as escolas estão fazendo ou avaliar
o que elas deveriam fazer para atender às necessidades da
sociedade ? O que o nosso povo precisa aprender para evitar
a violência presente no cotidiano das instituições escolares?
Que conteúdos deveriam fazer parte das malhas curriculares
para se educar de modo a ensinar formas de relações mais
humanas, gentis, solidárias, colaborativas e compromissadas
com o bem comum? Que disciplinas, áreas de conhecimento,
componentes curriculares, arquiteturas de cursos seriam mais
atraentes para motivar nossa juventude a freqüentar a escola,
realizar as tarefas rotineiras da aprendizagem formal? Como
despertar nos alunos o envolvimento e compromisso com
o ofício de estudante e o desejo de aprender cada vez mais?
Quando priorizar a escola que acolhe afetuosamente e quando
priorizar os processos de transmissão-assimilação de saberes
e de conteúdos escolares?
Não tenho a pretensão de responder todas essas questões,
mas penso que elas são importantes para a reflexão dos
educadores. Pretendo, no entanto, discutir a pergunta do
título desse artigo e, assim, acredito que estaria sugerindo
caminhos metodológicos capazes de favorecer a construção de
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 65

respostas alternativas a grande parte desta lista de questões.



POR QUE O DILEMA: ESCOLA DO CONHECIMENTO E
APRENDIZAGEM OU ESCOLA PARA O ACOLHIMENTO
SOCIAL?
O desafio deste texto está inscrito no desafio ao enfrentamento
da atual realidade educacional do Brasil. Estamos diante
de avanços relacionados às políticas educacionais do país
e percebemos que caminhamos na direção à conquista da
universalização da escolarização, à integração Ensino Superior
/ Escola de Educação Básica, às possibilidades reais de todas as
crianças na escola, todos os cidadãos brasileiros alfabetizados,
escola pública como uma opção de qualidade e com garantia de
acesso ao conhecimento. Nesse contexto, a idéia da oposição
entre estas duas perspectivas de concepção de escola passa
a ser um passado e, assim, a resposta se delineia como uma
tentativa de superação, na busca pela síntese na construção de
um projeto de escola pública de qualidade para todos.
Nos últimos 40 anos, tivemos inúmeras discussões sobre qual
o melhor formato para a escola brasileira. Com propriedade,
o ex- ministro Cristovan Buarque, em 2002, caracterizou o
nosso sistema educacional como uma “tragédia nacional”.
Desse modo, ficamos satisfeitos quando, hoje, depois de 10
anos, os índices do IDEB, os resultados da Prova Brasil e de
outros programas de avaliação demonstram que a realidade
educacional está se organizando de forma menos alarmante.
Temos escolas localizadas em regiões distantes e pobres
que apresentam bons resultados sinalizando que é preciso
entender o que acontece no interior de cada uma delas. Será
que a melhoria no IDEB é uma questão de treinamento de
possíveis questões de prova ou será que, naquela boa escola
tão distante, a relação pedagógica eficiente permite que o
estudante aprenda mais porque vê sentido e significado em
estar ali, na sala de aula, fazendo as atividades propostas,
junto e acolhido pelo professor (a)?
66 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

Assim, frente aos dilemas do nosso texto - acolher e incluir


os estudantes ou oferecer-lhes possibilidades de apreensão do
conhecimento universal acumulado pela humanidade global –
perguntaríamos: não seria melhor conquistar as duas coisas?
Sabemos que a escola sempre esteve pressionada pelas
solicitações da sociedade, para o desenvolvimento e
transformação de suas práticas pedagógicas, em vista das
permanentes mudanças históricas que exigem a produção
contínua do conhecimento. Também, as tecnologias da
informação e da comunicação abriram possibilidades às atuais
gerações para a aquisição e construção de conhecimentos,
transformando as interações sociais em típicas interações
pedagógicas. Ora, se as relações escolares fossem, como em
tempos anteriores, dominadas por relações de poder, em
que uns sabiam e outros se postavam diante do mestre na
busca do seu saber, hoje esse tipo de autoridade se tornaria,
no mínimo, redimensionada. Nos contextos anteriores, as
relações pedagógicas legitimavam o fracasso escolar como
algo natural. Era comum excluir alunos do processo de
escolarização por meio dos procedimentos de avaliação escolar,
em que se reprovavam e convidavam os alunos a se retirarem
da escola, em razão de baixos rendimentos. Nesse contexto,
a escola era privilégio de poucos que poderiam ter acesso ao
conhecimento e direito de usufruírem dos bancos e contextos
escolares. Essa relação é muito semelhante ao que acontecia
na Idade Média, em que alguns alunos podiam saborear os
livros das bibliotecas dos grandes mosteiros, enquanto esse
direito era negado a maioria. A punição naquele tempo era
mais severa porque levava à morte. No entanto, os elevados
índices de evasão e repetência vividos pelo nosso sistema
educacional até o início dos anos 90, expulsaram milhões de
crianças e jovens da escola, justificando a imagem de “tragédia
nacional” feita pelo ministro Buarque. Antes, esse fracasso
era justificado por problemas externos à escola. culpando as
próprias crianças, jovens e suas famílias por isso. As pesquisas
desenvolvidas por sociólogos da educação, na segunda metade
do século XX, contribuíram com conhecimentos fundamentais
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 67

na perspectiva de mostrar o reducionismo destas idéias, e,


também, contribuíram com a solicitação de que a sociedade,
como um todo, assumisse sua parcela de responsabilidade no
processo de discriminação e produção das desigualdades.
Nos anos oitenta, a organização da escola foi apontada como
a causadora de grande parte dos problemas de escolarização e
os anos noventa, em sequencia, foram marcados por reformas,
inovações capazes de materializar os princípios antes
proclamados e apresentados como agenda de luta. A partir
daí, os governos de esquerda, passaram a investir na produção
de políticas públicas na área educacional e criaram modelos
de escola capazes de permitir a efetivação da escolarização
básica, pública e de qualidade. Abriram fronteiras envidando
esforços originais na criação de propostas inovadoras. No rol
dessas produções, encontramos programas que, embora vindos
da mesma matriz, relacionada à luta pela democratização da
escola pública, vislumbrariam o processos de concretização,
com formatos diferentes.
Nesse cenário, assistimos à criação de propostas como a
Escola Plural em Belo Horizonte, a Escola Cidadã, em Porto
Alegre, a Escola Cabana em Belém, e a Escola Candanga em
Brasília. Tais propostas se opunham radicalmente ao modelo
de escola até então vigente. Esses novos modelos traziam
as marcas da chamada Escola do Acolhimento Social, como
foi dito no titulo deste artigo. No meu entender poderiam
ser chamadas, também, de Escola da Inclusão e do Direito à
escolarização.
Como se vê a perspectiva radical destes programas está
presente nas formas de organização da escola, que incorpora
os processos de avaliação escolar como um dos seus principais
eixos norteadores. Neles, a reprovação considerada a marca
definidora da autoridade e do poder da escola é eliminada e,
novas bases da relação pedagógica e do processo de avaliação
passam a ser construídas. A idéia do acolhimento social
perpassa a perda do medo da prova, da punição e da perda
da escola, construindo-se assim, paralelamente, o conceito
68 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

do direito à escolarização, já que a lógica da exclusão pela


não aprendizagem estava descartada. Da mesma forma, são
concebidos os ciclos de formação ou ciclos de aprendizagem
como a maneira adequada de construção de percursos escolares
inclusivos e ininterruptos, definidos como tempos e espaços
devidos às necessidades de aprendizagem dos estudantes,
sem a pressão do ano letivo como o limite para se aprender.
Como foi dito anteriormente, o contexto da década
de noventa apresentou outras propostas com as mesmas
origens nas discussões sobre a democratização da escola
e da educação pública, Assim, paralelamente à Escola do
Acolhimento Social ou da Inclusão, ancorando-se na lógica de
uma sociedade neoliberal e no princípio do dom e mérito é
reforçada a perspectiva da Escola como lugar de socialização
do saber escolar, centrando-se na busca das aprendizagens
eficazes. Nesse contexto, os processos de avaliação são
também salientados, agora apontados como o mecanismo
regulador da qualidade da oferta da educação pública. Nesse
contexto, qualidade significa aprendizagem de conteúdos
escolares específicos, cabendo às escolas garantirem que seus
estudantes demonstrem que estão, a cada dia, aprendendo
mais. As matrizes curriculares são consideradas fundamentais
para a realização do processo de ensino e acredita-se que o
conhecimento e a aprendizagem desses referenciais constituam
as bases da qualidade para a escola brasileira.
Vale lembrar que essa é a escola do conhecimento e da
aprendizagem. Assim, passamos a conviver com sistemas
nacionais de avaliação de desempenho de escolas e estudantes,
sob os princípios de regulação do Estado. Nesse contexto, os
sistemas, as escolas e os estudantes são avaliados por meio de
processos externos, capazes de formular índices de qualidade
educacional, como o atual IDEB. Essa matemática trouxe em
cena os vários Sistemas de Avaliação de cada estado brasileiro,
trouxe o PROVÃO, o ENADE, o SAEB, o ENEM, a PROVA
Brasil, a familiaridade com o PISA e outros programas de
avaliação internacionais.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 69

PROBLEMATIZANDO AS PROPOSTAS PELAS


PALAVRAS DOS SEUS OPOSITORES
As diferenças de concepção entre as propostas são tênues.
Os dois projetos, a seu modo, buscaram alternativas viáveis
para conseguir a desejada qualidade da oferta pública para a
educação básica no país. Cada concepção justificou o fracasso da
escola pública brasileira com argumentos próprios. A primeira
vislumbrou o problema como uma questão de diferenças
culturais, identificando a escola regular como delineada a
partir de uma concepção de classe, com conteúdos próprios
dos grupos sociais dominantes e organizada conforme a sua
lógica. Nesse sentido, haveria necessidade de se radicalizar
essa lógica dominante; daí a ruptura com os pilares centrais
do poder da escola – seriação e avaliação. A outra posição, no
entanto, analisa o fracasso como uma questão de eficiência e
eficácia no processo de transmissão de conteúdos, considerados
básicos e fundamentais para a integração social do aluno numa
sociedade marcada pela competição e concorrência. A escola
em si não entra em questão, mas o processo de transmissão
necessitaria ser rigorosamente controlado – é reforçado o
poder da escola por meio da avaliação.
Nessa medida, a oposição entre essas duas propostas
tornou-se sem sentido, principalmente, porque a nova LDBEN
9394/96, incorporou, no conjunto dos seus princípios, as duas
perspectivas de propostas de escola.
Para alguns, num primeiro momento, estaríamos
presenciando um contexto contraditório: a presença de um
paradigma de diálogo e interação entre os sujeitos na busca
pela construção do conhecimento, numa perspectiva inclusiva,
multicultural e de direitos. O outro, em oposição, confirma nas
políticas de avaliação do MEC e se inspira e busca referências
ao antigo modelo tecnicista com bases na seletividade, na
produtividade e na perspectiva de uma escola de caráter
objetivista e tecnocrático. È interessante observar que esse
70 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

dilema esteve presente, também, nas discussões e confrontos


de posições durante a elaboração da própria Constituição
de 1988. A LDBEN 9.394/96 sancionada pelo presidente da
República em fins de 1996, levou oito anos para ser aprovada
e, este longo período, pode ser justificado pela complexidade
do cenário político vivido na época.( CURY, 1997)
Na tentativa de olhar este cenário, com a distância
necessária, após os quinze anos de LDBEN, e, deixando as
paixões de lado, podemos dizer que a polaridade apresentada
no título deste artigo se construiu com bases datadas. Quinze
anos de experiências, de ajustes de propostas, de criação de
novas frentes de ação e de políticas públicas, permitem que
façamos análises diferentes daquelas que, em outros tempos
eram, rigorosamente, contundentes, em nossos argumentos.
Nessa direção, é interessante salientar alguns equívocos
de interpretação, ou preconceitos gerados por posições
políticas opostas de alguns analistas educacionais. Assim,
as críticas à Escola do Acolhimento ou Escola da Inclusão
situam-se na idéia de que esse tipo de escola não ensina ou
não se preocupa em transmitir os conteúdos escolares. Tal
escola não ensina o respeito às tradições e à autoridade do
professor, representante do conhecimento. Essa idéia surge
porque, com a eliminação dos processos de reprovação e
a alteração da organização seriada pela idéia de ciclos de
formação ou de aprendizagem, considerava-se que, com isso,
os conteúdos escolares tradicionais não teriam importância no
processo educativo de sala de aula. Da mesma forma, quando
consideram as discussões referentes ao multiculturalismo,
alguns desavisados imaginavam que a escola deixaria de
ensinar o conteúdo universal, a cultura científica ou mesmo
as diferentes abordagens das diversas culturas existentes no
planeta. Nesse contexto, pela lógica dos críticos, os estudantes
não precisariam estudar para aprende-los porque, além de
tudo, não iriam fazer provas e seriam consequentemente
aprovados, mesmo não freqüentando as aulas. Daí surge a
idéia de acolhimento, isto é, a idéia de que o espaço escolar é
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 71

apenas um espaço de interações sociais, sem o compromisso


com o processo de ensino e de aprendizagem. A escola passa a
ser o espaço da vivência grupal e do exercício da sociabilidade,
deixando de desempenhar o seu papel histórico de transmissão
de conteúdos às gerações mais jovens. É justificado, a partir
dessa lógica, o alto índice de analfabetos do sistema escolar,
os processos de evasão da escola e a má qualidade do sistema
público de ensino.
Por outro lado, analistas da oposição denunciaram que
os processos de avaliação introduzidos pelo governo federal
criaram a matemática da aprendizagem, das matrizes
curriculares, da magia das escalas estatísticas, capazes de
informar quem é produtivo ou não. Essa matemática permitira
aos especialistas predizer performances, mesmo sem conhecer
ou enfrentar o cotidiano de uma escola ou sala de aula. Criaram
a lógica do ranking e da competitividade entre escolas, sistemas
e países, na ambição de que, com esse marketing, as pessoas
se motivassem e se sentissem responsáveis pelos resultados
obtidos., apesar das adversas condições de trabalho e de vida.
As pessoas, as autoridades e os estudantes aprenderiam que
devem demonstrar que sabem por meio da melhoria dos
índices de proficiência e, por isso, procurariam treinar para
a realização das provas. Alguns críticos mais contundentes
comentam que os interessados até sabem como manter bons
índices, organizando, com maestria, quem deve ou não fazer
as provas, para evitar que estudantes que têm os piores
resultados interfiram nos índices, fazendo os testes. Assim,
alguns ficam felizes e orgulhosos com os resultados e outros
bastante preocupados quando esses resultados são baixos e
não estão de acordo com as metas definidas pelas autoridades
locais.
Mas, o que esses índices nos dizem sobre o conhecimento
que os estudantes adquirem para a vida? Será que as
autoridades sabem o que realmente interfere na melhoria de
desempenho de um índice em cada escola? Será que um bom
resultado significa uma boa formação cidadã?
72 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

Todavia, para superar a polarização das propostas,


tomamos como pressuposto básico a apropriação da escola
pelos sujeitos que a constituem. Segundo uma concepção crítica
de educação, a escola passa necessariamente pela apropriação
crítica das relações sociais que estabelece; esse processo se dá
por meio da conquista do controle da organização e gestão
do trabalho envolvendo as decisões do professor ao longo
de sua formação e do seu trabalho como profissional. Sabe-se
de antemão que esse processo acontece de maneira dinâmica
e conflituosa, num campo de forças que reflete a própria
sociedade na qual os sujeitos e a escola estão inseridos; eles
constroem os discursos sobre a representação da escola e dos
atores envolvidos nesse campo.
Tendo em vista que o cenário brasileiro tem o contorno de
uma realidade complexa, a diversidade de culturas que aqui
sempre conviveram, demarcaram ao longo dos séculos, uma
história de enfrentamentos das desigualdades em todos os
âmbitos da vida pública. Logo, um acúmulo de mazelas sociais
foi se constituindo e, historicamente persistentes, trazem, a
cada dia, novos problemas, dentro de novas circunstâncias.
Assim, a implementação de programas educacionais como a
Escola Plural e Cidadã, por exemplo, permitiu que aflorassem
novas questões para o processo de escolarização. A abolição
da reprovação ocasionou problemas com a autoridade do
professor que perdeu seu mecanismo básico de controle
do rendimento. Também, a adoção dos ciclos de formação
e aprendizagem dificultou o desenvolvimento de práticas
curriculares, sem a prescrição das antigas “grades” e listas
de conteúdos, deixando o professor, por vezes, atordoado
sem saber o que ensinar. Da mesma forma, a entrada maciça
de estudantes advindos das camadas populares mostrou a
perversidade e o descaso histórico da sociedade com milhares
de crianças, jovens e adultos, sem condições materiais dignas
de existência, dificultando o atendimento pedagógico e o
desenvolvimento de propostas curriculares previamente
construídas. ( DALBEN 2008)
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 73

Da mesma forma, os baixos salários provocaram a fuga de


bons profissionais da escola pública e a formação de professores
passou a ser o refrão de todas as políticas educacionais a partir
de então instauradas. Para PERRENOUD ( 1993, p.153) : “
formar professores significa prepará-los para observar, decidir
e agir em situação, tendo em conta o conjunto dos objetivos
e dos constrangimentos que caracterizam a ação pedagógica
numa sala de aula”. O autor utiliza adequadamente a palavra
constrangimentos, e é, nesse sentido, que tentamos discutir a
compatibilidade das concepções opostas aqui colocadas e
os limites que elas apontam na sua concretização prática.
Consideramos que os problemas apresentados pelos críticos
das duas propostas políticas de escola são pertinentes e
merecem ser discutidas.
Por exemplo, COSTA (2000, p.114) referindo-se aos
processos de avaliação na Escola Plural, afirma que a ausência
do caráter punitivo da avaliação e a representação da sua concepção
como um processo de promoção automática, levaram os alunos à
perda do desejo de estudar e de conhecer. Ao retirar a possibilidade
da perda, a escola Plural eliminou o não-ter, exatamente aquilo que
mobiliza ou que instaura o sujeito desejante.
Por outro lado, quando assistimos à matemática das
avaliações externas, notamos que uma cultura de avaliação foi
criada, mas o processo pedagógico da sala de aula se constituiu
paralela e independentemente dela. Desse modo, as matrizes
para a construção das provas deixaram de ser importantes
considerando que a testagem estatística dos itens daria conta
da validação do material. A propósito, a escola e seus gestores
passaram a esperar dos estatísticos, de tempos em tempos, os
resultados dos índices de seus alunos para se conscientizarem
do bom ensino de sua escola e da boa aprendizagem de seus
alunos Os mecanismos externos passaram a direcionar as
políticas e as complexas ações e relações humanas das escolas.
Assim, os educadores perderam a sua autonomia e capacidade
de pensar sobre as repercussões do seu próprio trabalho.
Por vezes, é desanimador imaginar o tamanho deste
74 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

país e o esforço necessário para a implementação de ações


viáveis e eficazes de processos de escolarização de qualidade,
capazes de abraçar a todos de maneira equânime. Nesse
sentido, é fundamental formular mais uma pergunta: o
que o ser humano precisa saber para se integrar no mundo
de amanhã, considerando a era da globalização, associada
ao desenvolvimento das tecnologias, que provocou uma
infinidade de possibilidades de conhecimentos produzidos em
esfera planetária isto é, como formar o professor do cidadão
de amanhã?

EM BUSCA DA COMPATIBILIDADE NA TENTATIVA


DE SUPERAR A OPOSIÇÃO
È interessante observar que as propostas em discussão nesse
texto, sinalizam a avaliação escolar como ponto importante a
ser considerado no direcionamento político de cada uma dessas
concepções. Nesse sentido, vale a pena aprofundar este tema,
em vista do desejo de superar as oposições apresentadas.
Assim, as referidas Escolas para o Acolhimento se apóiam
em outras bases ideológicas para a definição da relação
professor/aluno/conhecimento e avaliação estabelecendo
laços e vínculos estreitos entre os papéis daqueles que fazem
e que se utilizam dessa escola. Por outro lado, as propostas
da matemática da avaliação, apóiam-se nos laços entre a
ciência e a sociedade cristalizados em referenciais construídos
historicamente nas matrizes curriculares centradas em outros
valores e princípios político-pedagógicos. Nessa abordagem, os
papeis estão muito bem definidos e o conhecimento se produz
externamente à relação pedagógica. Então, se pergunta: seria
possível deixar de considerar estes dois focos? Sabemos que
a escola é um espaço de ensino e de aprendizagem, mas é,
também, um espaço onde fazemos amigos, conhecemos outras
pessoas, exercitamos nossa afetividade. Portanto, a escola é um
lugar onde aprendemos os conteúdos escolares, que envolvem
idéias, conceitos, valores, habilidades, atitudes e tudo o que
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 75

faz parte da nossa cultura e da cultura de outros. Como, então


desconsiderar a necessidade de apreensão de conhecimentos
pelos estudantes e ao mesmo tempo desconsiderar como
eles aprendem e como enxergam a realidade social e como a
vivem? Como desconsiderar que ao vivermos em sociedade
o sentimento de pertencimento torna-se a mola mestra de
qualquer processo de adesão? Seja adesão a um grupo de
amigos ou a uma posição social ou a uma postura diante do
conhecimento em busca do aprender cada vez mais.
Por outro lado, entendemos que a atividade de avaliação se
inscreve num espaço de reflexão - ação - reflexão, construído
a partir da interação dos sujeitos em sociedade. Os diferentes
sujeitos que vivem a escola - professores, alunos e pais - são
pessoas que interpretam e atribuem significados e sentidos à
realidade na qual estão inseridos. Esses sentidos e significados
são produzidos a partir das diferentes leituras dessa realidade,
possibilitadas pelas experiências pessoais ao longo de sua
vida. Tal dinâmica está colada ao conjunto de idéias, valores e
ideologias, socialmente disponíveis, que são utilizados como
referenciais de avaliação. Assim, os diferentes grupos sociais
constroem a hegemonia de alguns desses valores e essa situação
permite que os sujeitos, de certa forma, desenvolvam a adesão
ou não a eles, dependendo daquilo que apontam como meta
própria de vida. Esses referenciais axiológicos irão orientar as
ações desses sujeitos e, consequentemente, permitirão que se
perpetuem ou não ao se fixarem como referenciais de avaliação
em novos processos.
Em meio a tudo isso, observamos que a alteração de
referenciais historicamente constituídos se transforma em um
grave problema quando as mudanças atingem o âmbito dos
valores, como é o caso, por exemplo, da concepção de avaliação
no contexto de propostas semelhantes ao programa Escola
Plural. É por isso que as pesquisas apontaram que, mesmo
o programa tendo sido organizado a partir de experiências
emergentes, num primeiro momento, muitos professores se
sentiram desconfortáveis em seus próprios referenciais de
76 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

avaliação, em razão das mudanças que deveriam processar no


cotidiano de suas práticas. Isso acontece porque uma inovação
apoiada em alteração de valores relacionados aos referenciais
de avaliação escolar, exige a adesão dos sujeitos à um novo
campo ético, porque serão eles os sujeitos da implantação da
inovação. A mudança não se faz de fora para dentro com
cursos preparatórios ou qualificações profissionais. Os valores
pessoais transcendem a perspectiva científica e se explicam no
campo da ética, da cultura e da filosofia da ação. ( DALBEN,
2001)
Nesse mesmo caminho, se desejamos encontrar a superação
das dicotomias e oposições, precisamos aderir a construção
de um novo tipo de relação pedagógica para a construção
de uma nova prática. Dessa maneira, duas questões centrais
tornam-se importantes para orientar os processos de formação
de novos valores:
- O que seria um bom professor frente a um novo modelo
de escola?
-Qual seria a referência de desempenho que se busca para
esse professor e para esse aluno?
A resposta a essas questões permitiria delinear com
mais clareza o contorno da interação professor/aluno/
conhecimento, assim como o campo referencial dos processos
de avaliação, na perspectiva de análise de desempenho
segundo uma proposta que sintonize com as necessidades
de educação da contemporaneidade. Esses referenciais irão
orientar as ações pedagógicas, baseados nas finalidades e
objetivos da proposta educativa.
Como participantes ativos de grupos sócioculturais,
historicamente situados, são comuns experiências de vida,
simplesmente reproduzindo aquilo que nos foi ensinado. É
comum, como docentes, fazermos uso de indicativos para
a nossa ação, baseando-nos na escola que tivemos, numa
tipificação do que é bom e devido. Por isso, temos constatado,
frequentemente , a nítida relação de transmissão/assimilação
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 77

de conteúdos e valores previamente definidos, como prática


educativa predominante, porque a nova geração de docentes
presente nas salas de aula, não é fruto da revolução das
tecnologias de comunicação e informação dos anos oitenta.
Nossa geração de docentes foi educada nos moldes da escola
moderna direcionada por uma relação pedagógica que se
constituiu dentro de estruturas fechadas de organização
escolar. Nela, o retrato do bom educador se apóia no exercício
de uma ação situada e controlada, no ensinar e no instruir, cujo
processo se dá de fora para dentro. A preocupação consiste
em transmitir bem conhecimentos externos ao significado da
vida. Esta postura autoriza, inclusive, ao professor impor aos
sujeitos a apreensão de conteúdos desconectados da realidade
desses sujeitos, por considerá-los fundamentais para uma
futura atividade social.
Nesse tipo de relação com o conhecimento, o avaliador-
professor mede ou testa os alunos, por meio de exercícios e
provas, procurando classifica-los quanto ao processo de
assimilação para ter segurança em relação ao caminho que
deve seguir. Portanto, o ato de aprovar ou reprovar é parte
inerente do processo de avaliação que definirá aqueles que se
aproximam ou não da norma ideal ou padrão de conhecimento
definido anteriormente. Mesmo que os processos de aprovação
e reprovação não existam formalmente no atual sistema escolar,
eles estão presentes no campo referencial do professor e na
relação pedagógica por ele vivida com os estudantes. Assim,
os alunos que não se enquadram na norma são excluídos do
processo, porque estão fora dos vínculos pedagógicos que
devem ser estabelecidos. É a exclusão dentro da inclusão.
Embora, formalmente, os alunos tenham o direito de usufruir
do sistema escolar, eles devem provar que merecem ser
acolhidos. Entretanto, o que pode acontecer e tem acontecido,
é que o estudante, diante deste tipo de interação, afasta-se,
abandona ou, pior, começa a criar problemas disciplinares no
trato com o professor.
O grande desafio posto na interação pedagógica hoje
78 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

consiste na adesão aos sentidos da própria escolarização e


dos processos de avaliação intrinsecamente presentes nesse
contexto. A Escola do Acolhimento está presente na internet e
os Blogs, perfis no Facebook, Twitter permitem que as pessoas
interajam umas com as outras sem dificuldades. O Google traz
a enciclopédia para as lan houses ou para a casa de quem tem
uma internet disponível. Mas, e a escola? E o professor? Com
os processos de interação virtual, torna-se, hoje, uma exigência
ao professor articular os livros didáticos com as possibilidades
do google e as necessidades de aprendizagens escolares.
Para que a superação das dicotomias seja possível, a ação
de avaliar deve significar para o professor um processo
de investigação contínua da dinâmica da própria relação
pedagógica e dos conhecimentos que são produzidos a partir
dela. O processo de ensino precisa estar circunscrito num
contexto de aprendizagens em que o professor se transforme
no maior aprendiz do processo didático. Ele precisa,
constantemente, criar e experimentar novas formas de
apresentar e produzir conteúdos escolares, utilizar e articular
outros conteúdos de diferentes contextos, redimensionando o
próprio conhecimento sobre si mesmo e sobre a sua prática.
Desse modo, o professor reconhecendo suas limitações,
possibilidades e alternativas tecnológicas busca em parceria
com os estudantes, melhores desempenhos. Assim, a escola
aprenderia a captar o conjunto das relações sociais do processo
educativo e o universo de conteúdos produzidos nessas
relações. O coletivo dos profissionais, em colaboração, poderiam
coletar dados, informações sobre o aluno e, cuidadosamente,
identificar suas necessidades e possibilidades, para processar
o ensino adequado às suas necessidades de aprendizagem.
Lembro-me aqui da importância dos Conselhos de Classe.
Esses espaços coletivos na escola permitiriam a construção
de processos pedagógicos colaborativos. Eles poderiam ser
transformados em comunidades de aprendizagem, em que,
tanto os professores quanto os estudantes discutiriam novas
possibilidades e alternativas para a melhoria dos processos
de ensino e aprendizagem. Neste sentido, o ato de avaliar
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 79

transformar-se-ia num processo de diálogo com o cotidiano da


sala de aula, objetivando, também, a reflexão e posicionamento
sobre o que acontece nessa realidade.
Portanto, a finalidade da avaliação seria conhecer melhor o
contexto da escola, suas interações sociais e pedagógicas. As
metas do PPP se objetivariam na conquista pela boa escola
de aprendizagens múltiplas e de desenvolvimento, tanto
dos alunos quanto dos professores. A gestão democrática
seria consolidada pela metodologia do diálogo e do trabalho
em grupo. Assim, todos, de maneira coletiva, solidaria e
acolhedora teriam como meta o permanente processo de
busca do conhecimento do mundo e da vida.
Nesse contexto, não existiria uma relação pedagógica sem a
noção de pertencimento e de acolhimento. A síntese compatível
com as duas abordagens altera a ordem e os papéis da relação
pedagógica escolar, porque traz a exigência e a valorização de
um professor que busca incessantemente a sua atualização em
processos contínuos de formação. Valoriza a competência do
professor-avaliador, do professor-investigador, que investe
no trabalho livre e criativo, que se enxerga num processo
de formação permanente como um professor - pessoa. E,
da mesma forma, altera a concepção de ofício do aluno,
porque ele é e deve se enxergar como um ator em sala de
aula, participar livremente e compartilhar a construção desse
processo educativo. Ele deve se sentir como alguém que,
tendo vez e voz, tem o direito de se expressar a apresentar
suas opiniões e conhecimentos acumulados no interior de seu
grupo social, mas tem a consciência da provisoriedade desse
conhecimento. Ele deve saber participar, com civilidade, com
respeito, ética e solidariedade frente ao professor e ao grupo
de colegas. Todos devem saber que participar da sociedade
contemporânea significa estar ligado, integrado, atento e
confiante em relação às aprendizagens, aos espaços de diálogo
e intercâmbio entre as diversas dimensões do conhecimento
presentes na sala de aula. Assim, o espaço da sala de aula e
da escola serão considerados como ambientes educativos
80 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben

vivos, onde o trabalho e a formação não se apresentam como


atividades distintas. Esse processo de diálogo entre os sujeitos
e a realidade inclui e exige conhecimentos diversificados e vai
além das regras, fatos, teorias e procedimentos já conhecidos
e disponíveis. È um espaço permanente de criação. È um
espaço onde os sujeitos assumem responsabilidades uns com
os outros, é um espaço de comum-unidade.
Finalizando, esta postura pedagógica acredita na
produção do conhecimento como um produto da interação
social, acredita na riqueza da diversidade de valores e de
percepções da comunidade, na responsabilidade mútua e no
compartilhamento de opiniões frente à construção de um novo
conhecimento. Mas, ao mesmo tempo, reconhecendo o caráter
histórico da sociedade e do próprio conhecimento produzido
no seu interior, não descarta o conhecimento já sistematizado
e acumulado pela humanidade, considerando-o fundamental
para o exercício da cidadania consciente. Valoriza-o como o
ponto de partida para as mudanças, transformações e novas
conquistas.
Seria uma utopia? Pensamos que não!

REFERÊNCIAS
COSTA, Alda C.V.B.R. Ausência ( negação) da avaliação
escolar e a perda do desejo de aprender: um estudo sobre a
Escola Plural. IN: DALBEN, Ângela I.L.F. (org.) Singular ou
Plural: eis a escola em questão. Belo Horizonte: GAME/FaE/
UFMG, 2000 p.111-116
CURY, Carlos Roberto Jamil et all. Medo à liberdade e
compromisso democrático: LDB e plano nacional da educação.
São Paulo: Editora do Brasil. 1997.
DALBEN, Ângela I.L.F. Avaliação escolar: adesão a valores
e princípios educativos.Belo Horizonte, Presença Pedagógica,
v.6,p.36-45, 2001
DALBEN, Ângela I.L.F. Autonomia Docente e as Políticas
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 81

Públicas em Educação: discursos, conflitos e possibilidades


IN: Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e
formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.v.1,
p.47-66.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente
e formação: perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote,
1993.
82 Ângela Imaculada Loureiro de Freitas Dalben
CAPÍTULO IV

ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA, UM SONHO


FRUSTRADO:
FALHARAM AS ESCOLAS OU AS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS?

José Carlos Libâneo


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

A prioridade da escola está muito além de algumas reformas


técnicas da instituição escolar. Ela interroga todo o nosso
funcionamento social e todas as nossas opções políticas. Trata-se
de saber se vamos nos resignar a deixar o darwinismo social –
renovado em ideologia do elo mais fraco - nos absorver ou nos
engajar numa sociedade aberta em que nunca ninguém perca a
esperança, em que se permita a cada um encontrar um lugar e de
continuar a aprender ao longo da sua vida, em que se mobiliza
a inteligencia individual e coletiva para fazer o motor de nosso
progresso. Mais do que nunca, e segundo a bela fórmula de
Gaston Bachelard, o desafio é: a sociedade deve ser feita pela
escola e não a escola pela sociedade (Philipe Meirieu, 2008).

O tema deste texto surge da preocupação em saber o que


aconteceu com a escola pública em nosso país no âmbito das
políticas oficiais, da pesquisa educacional, da atuação dos
educadores, no campo conservador ou progressista, a ponto
de não estar conseguindo cumprir seus objetivos sociais e
pedagógicos de preparação cultural, científica e profissional
para inserção da população infantil e juvenil numa sociedade
que deseja democrática. No entanto, uma análise dessa monta
requer um demorado trabalho de pesquisa em termos de
história e de análise pedagógica, sem o que é difícil responder
plenamente, num texto curto, a pergunta formulada acima. O
que se fará aqui é apenas o esboço da problemática da relação
entre as políticas educacionais e seus efeitos no funcionamento
pedagógico das escolas, considerando-se o estado de
84 José Carlos Libâneo

danificação considerável em que se encontra a escola pública


brasileira.
Muitos educadores e diversos movimentos, na história
da educação brasileira, se mobilizaram na luta pela escola
pública. Mas houve um momento peculiar, coincidindo
com a retração do regime militar, em que um segmento de
educadores sonhou com uma escola pública de qualidade
para todos. O sonho frustrado mencionado no título refere-se à
evocação desse movimento liderado pela Associação Nacional
de Educação (ANDE), fundada em 1979 formado por um
grupo de educadores tendo à frente Dermeval Saviani. Esse
movimento conseguiu durante ao menos 10 anos mobilizar
o campo educacional no Brasil em favor da escola pública. A
Carta de Princípios da ANDE assim definiu sua proposta:
Propomos uma tomada de posição a favor e em defesa da
democratização da educação em todos os seus níveis. Entendemos
por escola democrática aquela que de fato é acessível a todos e
cuja ação vem ao encontro das necessidades e anseios da maioria.
Essa democratização se consubstanciará:
a) Na redefinição das prioridades conferidas atualmente aos
diferentes graus de ensino, tendo em conta a real satisfação
das necessidades mais prementes dos níveis educacionais que
atendam primeiramente às camadas majoritárias da população;
b) No reconhecimento da importância do papel do poder publico
na oferta de um ensino gratuito e de fato acessível a todos;
c) No fortalecimento de medidas que assegurem a permanência na
escola de camadas cada vez mais representativas da população;
d) Na reavaliação dos conhecimentos transmitidos pela escola
visando a aquisição de uma forma de saber integrado, não
segmentado, que possibilite relacionar os casos particulares a
uma compreensão mais global e crítica do todo em que eles se
inserem;
e) Na revisão dos critérios de seleção e dosagem dos conteúdos
curriculares de modo que 0 conhecimento veiculado através
da escola valorize efetivamente a contribuição das diferentes
camadas da população para a vida social, e que se estabeleçam
padrões de desempenho compatíveis com as características de
rendimento apresentadas pela maioria da população, ao invés
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 85

de simplesmente atender as características de uma minoria


privilegiada;
f) Na melhoria das condições de trabalho e de remuneração
dos profissionais da educação, sobretudo dos professores, e
na implementação de medidas que disciplinam o ingresso e
a carreira desses profissionais de modo compatível com sua
formação e com os reais critérios do ensino;
g) No reconhecimento da necessidade de que os educadores
reflitam politicamente sobre sua prática, isto é, sobre as
determinações que essa pratica sofre da sociedade e as influências
que ela pode exercer sobre a sociedade, repudiando a visão da
atividade educacional como um “sacerdócio”, bem como todas
as soluções que apelam para o “idealismo” dos educadores,
ignorando a dimensão política de sua tarefa (Revista da Ande,
1981).

Um olhar retrospectivo mostra que esse ideário contemplava


simultaneamente análises externas e internas, mas pontuava
especialmente a atuação em fatores intra-escolares, como
se pode verificar na exigência de medidas para assegurar a
permanência do aluno na escola, uma concepção de ensino dos
conteúdos e sua articulação com as características sociais dos
alunos, a melhoria das condições de trabalho e remuneração
dos professores e a reflexão dos professores sobre o papel
político de sua prática.
De lá para cá, sucessivas políticas públicas para a educação
foram turvando esse ideal, do mesmo modo que foram
se diversificando os critérios de qualidade de ensino. As
explicações para os percalços da escola pública brasileira
podem ser buscadas em vários momentos da história da
educação, como tem sido feito por investigadores da área. Para
os efeitos deste texto, é interessante rememorar o período em
que foram planejadas políticas de expansão e universalização
do atendimento escolar, entre 1970/1980, no regime militar.
Os estudos realizados a partir desse período da vida política
do país em que se deu início à expansão das matrículas no
ensino fundamental destacaram um aspecto pontual dessa
política, a problemática relação entre qualidade e quantidade.
Obviamente, a expansão de matrículas no ensino fundamental
86 José Carlos Libâneo

implicava em aumento de salas de aula e de professores, mais


cursos de licenciatura, mais investimentos financeiros no
ensino de modo que a expansão quantitativa levasse junto a
expansão qualitativa. Isto não aconteceu porque, já naquela
época, o modelo econômico, sustentado em capitais externos,
postulava, sim, a expansão do atendimento escolar mas com
um modelo de ensino mitigado, ou seja, à escola caberia apenas
suprir certas habilidades mínimas para atender às necessidades
de expansão do capital. O raciocínio era muito simples: se a
escola para o grosso da população pode ter qualidade inferior,
também os prédios escolares, os livros, os professores, podem ser
qualidade inferior. Em boa parte, esta concepção economicista
dá início ao processo de deterioração dos resultados da escola
e explica, também, a incessante desqualificação salarial e
profissional dos professores. No início da década de 1980, essa
mesma política ganha mais sofisticação, agora num contexto
mais peculiar de expansão do capitalismo, quando o Banco
Mundial redefine a orientação de suas políticas para educação
dos países pobres, marcadamente na Conferência Mundial
de Educação para Todos, na Tailândia, a primeira de um
conjunto de outras realizadas nos anos seguintes. A Declaração
originada dessa Conferência ressaltava três orientações para
as escolas: a) centrar a educação nas necessidades básicas de
aprendizagem; b) prover instrumentos essenciais e conteúdos
da aprendizagem necessários à sobrevivência; c) considerar
a educação básica (no Brasil é o ensino fundamental) como
base para a aprendizagem e o desenvolvimento humano
permanentes. Tão claras intenções pareciam estar compatíveis
com uma visão democrática da escola para todos. No
entanto, se examinadas tendo em conta as políticas globais
dos organismos financeiros internacionais, logo se veria por
detrás delas uma intencionalidade economicista. Dentre
as análises críticas dessas políticas, destaca-se a realizada
por Torres (2001). A pesquisadora comenta que, ao longo
das avaliações e revisões da Declaração em conferências e
reuniões subseqüentes entre os organismos internacionais e
os países envolvidos, a proposta original foi “encolhida”, e foi
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 87

esta que acabou prevalecendo, com variações em cada país, na


formulação das políticas educacionais. Tal “encolhimento” se
deu para adequar-se à visão economicista do Banco Mundial,
o convocador e patrocinador das Conferências. Desse modo, a
visão ampliada de educação converteu-se em visão encolhida,
ou seja: a) de educação para todos para educação dos mais
pobres; b) de necessidades básicas para necessidades mínimas;
c) da atenção à aprendizagem para a melhoria e avaliação
dos resultados do rendimento escolar; d) da melhoria das
condições de aprendizagem para a melhoria das condições
internas da instituição escolar (organização escolar).
No Brasil, esses pontos foram inscritos no Plano Decenal de
Educação para Todos (1993-2003), no Governo Itamar Franco.
Em seguida, estiveram presentes nas políticas e diretrizes
para a educação do Governo FHC (1995-1998; 1999-2002),
tais como: ampliação do acesso, financiamento e repasse de
recursos financeiros, descentralização da gestão, Parâmetros
Curriculares Nacionais, ensino a distância, sistema nacional de
avaliação, políticas do livro didático, LDB n. 9394/1996, entre
outras, assim como nos oito anos do Governo Lula (2003-2006;
2007-2010). Somam-se, assim, quase 20 anos de vigência de
políticas educacionais em conformidade com a orientação dos
organismos internacionais, o Plano Decenal de Educação, as
quais estariam se sustentando na idéia de que para melhorar
a educação basta prover insumos que, atuando em conjunto,
incidem positivamente na aprendizagem dos alunos. É nessa
perspectiva que foram aparecendo medidas como os ciclos
de escolarização, a escola de tempo integral, a progressão
continuada, o afrouxamento da avaliação da aprendizagem.
Perdeu-se, em algum lugar, o sentido “pedagógico” da
escola pois, como comenta Torres, as necessidades básicas
de aprendizagem transformaram-se num “pacote restrito e
elementar de destrezas úteis para a sobrevivência e para as
necessidades imediatas e mais elementares das pessoas”. Ou
seja, os instrumentos essenciais de aprendizagem (domínio
da leitura, da escrita, do cálculo, das noções básicas de saúde,
etc.) converteram-se em “destrezas” ou habilidades para a
88 José Carlos Libâneo

sobrevivência social, bem próximas da idéia de que o papel da


escola é prover conhecimentos ligados à realidade imediata do
aluno, utilizáveis na vida prática (crença, aliás, ainda adotada
em setores progressistas da educação brasileira). Em síntese, a
aprendizagem transforma-se numa mera necessidade natural,
numa visão instrumental desprovida de seu caráter cognitivo,
desvinculada do acesso a formas superiores de pensamento. Foi
esta a concepção de escola assumida nas políticas educacionais
oficiais de nosso país nos últimos 18 anos (Libâneo, 2010a),
abonada por setores da intelectualidade da Educação e pelo
empresariado, através do movimento Todos pela Educação
criado em 2006.
Em paralelo a essa trajetória das políticas oficiais
de ensino, há que considerar o rumo que foram tomando a
pesquisa em educação, as posições dos educadores sobre as
políticas educacionais e políticas para a escola e a dinâmica
de funcionamento das escolas. Por um lado, constata-se que
a luta pela escola pública obrigatória e gratuita para toda a
população continuou sendo uma bandeira constante entre os
educadores e intelectuais. Por outro lado, foram se acirrando
os dissensos em torno de um projeto nacional e público onde
viesse a estabelecer com clareza os objetivos e as mais adequadas
formas de funcionamento da escola. Com efeito, ao longo
dos últimos trinta anos, foram se pontuando na investigação
educacional duas posições antagônicas, a concepção técnico-
científica e a sociocrítica, uma representando uma visão
afinada com interesses econômicos e mercadológicos, outra
voltada para a denúncia dos efeitos da primeira e/ou postular
uma educação para a inserção crítica no mundo do trabalho
e formação da cidadania. No entanto, no âmbito da visão
sociocrítica, os educadores, embora assumindo em bloco a
crítica à concepção técnico-científica (hoje conhecida como
“neo-liberal”), têm divergido substantivamente quanto ao
significado da escola pública na realidade contemporânea. A
título de exemplo, pode-se encontrar na produção intelectual
ensaios e pesquisas apontando, ao menos, para quatro
funções da escola: instância de reprodução social, lugar de
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 89

compartilhamento social e vivências sócio-culturais, lugar de


vivência das relações democráticas, lugar de formação cultural
e científica (Libâneo, 2007). Não é difícil ao pesquisador
atento identificar as conseqüências dessas diferentes visões na
definição de objetivos, na organização curricular, nas formas
de organização e gestão e nas práticas pedagógico-didáticas.
Seja como for, enquanto se implantavam as políticas
oficiais oriundas das orientações dos organismos financeiros
internacionais, qual foi o papel das associações e sindicatos de
educadores em relação aos objetivos da escola? Como estes
fatos foram encarados pelos pesquisadores da educação e do
ensino? Que respostas aos graves problemas que foram se
acumulando nestes 30 anos foram buscadas pelos intelectuais
envolvidos em pensar os objetivos e o funcionamento da
escola tendo em vista atender efetivamente às necessidades
da população, especialmente os setores mais pobres? O que
fizeram os técnicos do Ministério da Educação e das Secretarias
de Educação? Por que o único movimento efetivo voltado
diretamente para a escola é o Todos pela Educação, financiado
exclusivamente pela iniciativa privada, cujo objetivo é
trabalhar para que sejam garantidas as condições de acesso,
alfabetização e sucesso escolar dos alunos? Trata-se, pois, de
uma problemática complexa e polêmica e neste texto somente
é possível abordar algumas de suas faces. Os investigadores
não têm ficado alheios a ela, há grande variedade de artigos,
teses e dissertações, livros. Nestas publicações já se percebe
diferentes modos de abordar o tema, distintas posições,
distintos enfoques. A maioria delas traz enfoques ora políticos
ora sociológicos, abordando a escola em seus aspectos externos
mais do que nos internos, sendo mais raras as que abordam
a perspectiva propriamente pedagógica, na perspectiva dos
aspectos intra-escolares. É nesta última perspectiva que serão
feitas as considerações a seguir.
90 José Carlos Libâneo

BREVÍSSIMO DIAGNÓSTICO DE ALGUNS PROBLEMAS


DA EDUCAÇÃO ESCOLAR.
Tem sido freqüente a constatação tanto nos meios
institucionais quanto nos acadêmicos, de que nas últimas
décadas a escola brasileira conseguiu progressos sociais, por
exemplo, a quase universalização do atendimento à população
em idade escolar. Esse dado pode ser considerado um
progresso, mas apenas em parte. Primeiro, se isso é verdade,
isso vem com um atraso secular, uma vez que países europeus
e vários países da América Latina já haviam cumprido o acesso
universal à escolarização básica no início do século passado.
Segundo, o atendimento é quase total no início da escolarização
(97,6%), mas logo incide o abandono da escola e o insucesso
escolar, ou seja, o atendimento universal fica resolvido apenas
no início da escolarização. No final da primeira fase do ensino
fundamental, 40% dos alunos já abandonaram a escola, mesmo
com a atual política de progressão continuada que favorece
o fluxo escolar. O abandono ao longo das séries do ensino
fundamental se reflete na taxa de atendimento dos jovens de
15 a 17 anos (ensino médio) que é atualmente de 45%.
Há, pois, que se considerar, ao se falar em qualidade, que
não basta assegurar o acesso universal, é preciso garantir a
permanência do aluno na escola e a qualidade. Sabe-se, por
exemplo, que 21,6% de brasileiros com mais de 15 anos são
analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que têm menos de
4 anos de escolaridade (esse índice na região nordeste é de
33,5%). Entre os alunos de 7 a 14 anos que não sabem ler e
escrever, 87,2% estão matriculados em alguma série do
ensino fundamental. É do conhecimento público, com base
em dados do próprio Ministério da Educação, que alunos
que freqüentaram as quatro séries iniciais saem da escola sem
saber ler, escrever e fazer cálculos com as quatro operações.
Há comprovação, portanto, de que não está sendo garantida
nem a permanência nem a qualidade de ensino. Algumas
pesquisas vêm mostrando que a escolarização recebida pelo
trabalhador brasileiro não lhe assegura autonomia para
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 91

buscar informações, receber instruções mais complexas


ou compreender e produzir comunicação escrita de certa
complexidade, o que provoca limitações para conseguir
melhores empregos, usufruir de benefícios culturais, participar
da vida política etc.
Em relação à formação de professores, dados do MEC/
INEP e do IBGE trazidos pela Folha de S. Paulo (19.9.2008)
mostram que de 134.000 professores formados em Matemática
nos últimos 25 anos, apenas 43.000 estavam na sala de aula;
70% dos professores de Educação Básica são formados por
faculdades privadas, as mesmas que tinham obtido os piores
resultados no Enade; nos últimos cinco anos, as matrículas
no ensino presencial para formação de professores cresceram
17%, e nos cursos a distância, 270%; só na pedagogia, os cursos
presenciais cresceram 4% e os da educação a distância, 183%, os
quais, seguramente, não são a melhor instância para se formar
professores. De 891 cursos de pedagogia que participaram do
ENADE em 2005, 53% obtiveram nota de 1 a 3, numa escala
de 1 a 5.
Em pesquisa recente sobre a atratividade da carreira
docente no Brasil se constata que: a) a maioria dos alunos
que escolheram trabalhar como professor disse que o curso
superior da área é mais fácil de entrar, barato e rápido; b) entre
os melhores alunos do Enem, 31% querem a área da saúde
ou biológicas, 28% engenharia e ciências da computação, 37%
ligadas a humanas e... 5% querem ser professor. Enquanto
isso, na Finlândia, os professores são selecionados entre os
10% melhores alunos (Fundação Lemann e Instituto Futuro
Brasil, 2008).
Pesquisa da Fundação Carlos Chagas constatou que em
71 cursos de pedagogia, apenas 5,3% da carga horária é
dedicada à educação infantil e em torno de 30% à didática e
didáticas especificas. Analisando as ementas de disciplinas
ligadas ao conhecimento profissional específico, verificou-se
em seus conteúdos “a predominância de aspectos teóricos
(...) contemplando pouco as possibilidades de práticas
92 José Carlos Libâneo

educacionais associadas a esses aspectos”, ou seja, há pouca


preocupação com o quê e o como ensinar, mostrando
insuficiência de conhecimentos ligados à formação profissional
(GATTI e NUNES, 2009). Outra pesquisa confirma a baixa
carga horária destinada à formação profissional específica
do professor (28,2) destacando especialmente a ausência, no
currículo, de disciplinas relacionadas com os conteúdos a
serem ensinados no ensino fundamental. Essa pesquisa traz
conclusões inquietantes:
A ausência de conteúdos específicos das matérias que irão ensinar
às crianças torna o professor das séries iniciais despreparado para
ensinar. (...) Sem domínio do conteúdo que deveria ensinar, sem
encantamento pelo conhecimento, sem uma cultura ampliada
no campo da ciência e da arte, não poderá despertar nos alunos
gosto pelo saber, o entusiasmo pelo estudo. (...) A esse respeito,
ocorre um estranho paradoxo: professores dos anos iniciais do
ensino fundamental que precisam dominar conhecimentos e
metodologias de conteúdos muito diferentes como português,
matemática, história, geografia, ciências e, às vezes, artes e
educação física, não recebem esses conteúdos específicos em
sua formação, enquanto que os professores dos anos finais,
preparados em licenciaturas específicas, passam quatro anos
estudando uma só disciplina, aquela em que serão titulados. (...)
As deficiências na formação de professores dos anos iniciais do
ensino fundamental, mormente a falta de saberes disciplinares e
o domínio dos conteúdos e metodologias a serem ensinados às
crianças, estaria sendo um dos fatores determinantes do baixo
desempenho do sistema de ensino brasileiro, tal como tem sido
evidenciado nas avaliações em escala feitas pelo Ministério da
Educação (LIBÂNEO, 2010b).

A conclusão a que se chega após essa pequena amostra


de informações é de que se tem no Brasil uma expansão
sem qualidade. O que os dados estatísticos nos dizem e a
nossa própria experiência comprova, é que as crianças e
jovens estão concluindo as várias fases da escolarização sem
uma mudança perceptível na qualidade das aprendizagens
escolares, na qualidade de sua formação geral. A despeito do
empenho de muitos intelectuais e investigadores, que desde o
início de 1980, há quase 30 anos, lutam pela escola pública de
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 93

qualidade, aquela escola com que se sonhava não aconteceu.


Essas constatações, embora digam respeito a apenas parte do
problema, são suficientes para se afirmar que a aquela escola
pública sonhada como lugar de apropriação da cultura e da
ciência acumulados historicamente, como condição para o
desenvolvimento mental, social, cultural, afetivo dos alunos,
uma escola de qualidade para todos, ferramenta cognitiva
para preparação de sujeitos para a participação no trabalho,
na política, na cultura, − essa escola não se consumou, ao
contrário, se deteriorou. O que se propagou nos últimos vinte
anos no discurso dos órgãos oficiais em torno da chamada
educação inclusiva virou cortina de fumaça para esconder
processos notórios de exclusão dentro da escola, enquanto
até setores esclarecidos da sociedade e dos meios oficiais
apóiam movimentos pela escola sustentado por empresários
e banqueiros.
O que explica o fato de, nos últimos trinta anos, a escola
pública brasileira, com raros períodos de exceção, vir
apresentando índices cada vez piores de desempenho? As
perguntas são incômodas: que conjunto de fatores explica
o declínio dessa escola? Porque as idéias de construção de
uma escola centrada no conhecimento e no empoderamento
reflexivo das camadas populares não vingou? Porque muitos
intelectuais de esquerda preferiram optar por uma escola da
convivência e da integração social, lançando em segundo
plano a formação de capacidades intelectuais por meio dos
conteúdos? Terão se equivocado segmentos da esquerda do
campo educacional que recusaram estratégias de intervenção
sólidas para aprimorar o funcionamento das escolas públicas
e a preparação de professores, com o argumento de que
a escola não seria mais que instância de reprodução das
relações sociais de produção capitalistas? Porque os setores
organizados do campo educacional não têm conseguido nas
últimas décadas um consenso mínimo em torno dos objetivos
e funções da escola para as camadas populares? A despeito
da importância da análise teórica propiciada pelas ciências
sociais em relação à educação, a notória tendência do meio
94 José Carlos Libâneo

intelectual de “sociologizar” o pensamento pedagógico não


terá levado a uma estigmatização das práticas pedagógicas
e didáticas, as que propriamente asseguram o processo de
ensino e aprendizagem no dia-a-dia da escola?
Tais questões são bastante complexas para serem respondidas
aqui, por isso nos deteremos apenas em considerações sobre
as políticas educacionais e a realidade interna das escolas.

AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: ÊNFASE NOS


INSUMOS E DESAPREÇO PELOS ASPECTOS
PEDAGÓGICO-DIDÁTICOS.
A epígrafe deste texto - a prioridade da escola está muito
além de algumas reformas técnicas da instituição escolar –
parece aplicar-se com muita propriedade ao caso brasileiro.
Com efeito, tem sido freqüente a constatação em nosso país
da distância considerável entre as políticas educacionais,
a legislação educacional, a pesquisa acadêmica, e o que o
acontece na realidade das escolas, isto é, no ensino, no trabalho
cotidiano dos professores, na aprendizagem dos alunos. As
políticas têm sido centradas muito mais em reformas externas
do que no provimento daquelas condições imprescindíveis à
atuação nas escolas e salas de aula. Esse distanciamento das
questões mais concretas da sala de aula e do trabalho direto
dos professores é um forte indício da desatenção, do desapreço,
com os aspectos pedagógico-didáticos por onde, efetivamente,
seriam asseguradas as condições de qualidade de ensino, já
que é na ponta do sistema de ensino, nas escolas e nas salas de
aula, que as coisas efetivamente acontecem, é lá que sabemos
o que os alunos aprendem, como aprendem e o que fazem com
o que aprendem. Seria até compreensível constatar isso no
âmbito do legislativo, especialmente no Congresso Nacional
onde é notória uma ignorância dos aspectos propriamente
pedagógicos da educação. Mas é preocupante que esse tema
venha sendo tão pouco freqüente até em lugares onde seria
obrigatório ser investigado, ou seja, primeiro as instituições
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 95

e entidades de pesquisa em educação e, depois, nos órgãos


técnicos do MEC e das secretarias da educação.
Para explicar esse desinteresse, pode-se elaborar a hipótese
de que raramente houve no Brasil um protagonismo do
modo de ver pedagógico das coisas, o que tem havido há
décadas é um modo de ver ora burocrático, ora sociologizado,
ora politicizado, tal como hoje reincide um modo de ver
economicizado. Não deveria ser assim porque, precedendo as
análises política, sociológica ou econômica da educação, há a
análise pedagógica, que define a especificidade da educação.
Com efeito, as políticas e os planos educacionais, as análises
sociopolíticas somente adquirem sentido se estiverem a serviço
da viabilização das práticas educativas. Em outro texto, defino
essa especificidade:
A educação é uma prática social concretizada numa atuação efetiva
na formação e desenvolvimento de seres humanos, em condições
socioculturais e institucionais concretas, implicando práticas e
procedimentos peculiares, visando mudanças qualitativas na
sua aprendizagem escolar e na sua personalidade.

As políticas educacionais ou estudos de cunho sóciopolítico


que ignoram esse princípio básico perdem solidez, pois se
perde de vista a referência básica da ação educativa escolar:
a formação humana mediante as práticas de ensino e
aprendizagem. Este desconhecimento pode estar sendo uma
explicação para a distância entre as políticas educacionais
e o funcionamento interno das escolas, seu cotidiano, suas
normas e rotinas, as salas de aula, as relações professor-aluno,
as práticas de gestão. Seria possível indicar uma profusão de
medidas vindas dos órgãos de gestão do sistema de ensino que
comprovam essa crítica. A organização curricular por ciclos
de escolarização, a escola de tempo integral, a flexibilização
e às vezes afrouxamento da avaliação da aprendizagem e a
integração de alunos com necessidades especiais em classes
no ensino regular, têm sido medidas adotadas frequentemente
sem planejamento, sem consideração das práticas de ensino
já em uso, sem a preparação cuidadosa dos professores e
sem ações específicas de atendimento pedagógico-didático,
96 José Carlos Libâneo

sem uma revisão séria das formas de gestão das escolas. São
medidas aparentemente progressistas, de falso pionerismo, e
até revestidas de argumentos psicológicos humanistas, mas
não vão fundo na solução dos problemas da escola brasileira.
As formas de gestão da escola é outra área problemática.
Há uma idéia corrente no meio educacional tanto no âmbito
das políticas oficiais quanto em segmentos de educadores
chamados progressistas, de que democratizar a escola é
democratizar as práticas de gestão. Dizem que estabelecendo
relações democráticas e participativas se renova a escola
e, com isso, há melhora no desempenho dos alunos. Não
critico o princípio da participação mas o fetichismo das
formas participativas, porque tal como são apregoadas, elas
transformam a gestão democrática em fim quando, de fato, é
meio para se atingir objetivos de aprendizagem. Elas visam
organizar a escola de modo a favorecer o trabalho docente e,
com isso, favorecer a aprendizagem dos alunos. São de pouca
valia inovações como gestão democrática, eleições para diretor,
introdução de modernos equipamentos, e outras novidades, se
os alunos continuam apresentando baixo rendimento escolar
e aprendizagens não consolidadas.
O fosso entre as políticas educacionais e o funcionamento
interno das escolas está associado a uma outra constatação
que é a separação, na investigação educacional em nosso país,
entre a análise externa e a analise interna dos problemas da
educação. Em outro texto (LIBÂNEO, 2006), foi abordada
essa separação, em que a análise externa parte de um olhar
mais global, abordando aspectos sociais, econômicos,
culturais, institucionais das políticas educacionais, das
diretrizes curriculares, da legislação, da gestão dos sistemas
de ensino; pode-se dizer que analisa as questões da educação
de fora para dentro, enquanto que a análise interna aborda
os objetivos, conteúdos as metodologias de ensino, as ações
organizativas e curriculares, a avaliação das aprendizagens,
isto é, refere-se ao funcionamento interno da escola, claro,
sem perder de vista os contextos. É claro que os dois tipos
de análise não podem se separar, as dimensões macro e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 97

micro se correspondem, mas é possível ocorrer uma análise


externa dissociada de seu objeto (a educação escolar) assim
como as escolas e seus atores podem atuar desconhecendo ou
ignorando os condicionantes externos. Na verdade, é isso que
se constata. Não que a pesquisa e a produção acadêmica teriam
um papel redentor das mazelas da escola, mas não deixa de
ser estranho que o volume de produções tenha aumentado e a
escola pública piorado. Há uma grande probabilidade de que
as políticas educacionais vêm fracassando porque elas não
atendem às demandas a realidade escolar, das necessidades
dos professores, das condições de aprendizagem dos alunos.
São conhecidos, por exemplo, fatos como a insistente
insuficiência do financiamento da educação, a falta de uma
política global e permanente de formação, profissionalização e
valorização do magistério, a confusão dos dispositivos legais
relacionados com o sistema de formação de professores, a
notória dificuldade das associações, entidades e sindicatos
do campo educacional em formular uma frente ampla para se
pensar o sistema educacional; o mais freqüente é o dissenso
entre pesquisadores, militantes de associações, dirigentes de
cursos de formação, dirigentes de secretarias de educação,
legisladores, etc. sobre objetivos e funções da escola pública,
desconexão entre a pesquisa acadêmica e as práticas escolares,
junto a uma linguagem acadêmica distanciada do mundo de
representações dos professores e entre a universidade e a
educação básica. Ademais, é notória a ausência de informação,
de vontade política e de ações estratégicas, por parte dos
governantes e dos partidos políticos, do papel da educação
e da cultura no desenvolvimento da sociedade e do país,
fazendo com que a educação e o ensino no Brasil continuem se
prestando, como se faz há décadas, muito mais a clientelismos,
a trocas de favores eleitorais, ao jogo de interesses, do que ao
efetivo desenvolvimento social e cultural.
Enquanto isso, observa-se em todo o país a deterioração
do ensino público, o desencantamento dos professores, ao
desinteresse de estudantes pela carreira de professor levando
ao fechamento de cursos de licenciatura, deficiências da
98 José Carlos Libâneo

estrutura física das escolas, de equipamentos e material


escolar, baixos salários dos professores e funcionários, falta
de regulamentação da carreira profissional e do regime de
trabalho adequado, insuficiente preparação profissional
dos professores e “tecnicização” da atividade docente,
aligeiramento dos cursos de formação, fracasso dos cursos de
formação de professores das séries iniciais, precarização do
exercício profissional de professores de todos níveis de ensino,
indefinições curriculares e dificuldades de gestão curricular,
bem como a fragilidade das formas de organização e gestão
da escola, falta de atendimento às necessidades materiais e
culturais dos alunos, como livro didático, uniforme, biblioteca,
práticas esportivas, saúde escolar etc.. Claro que o resultado
disso não poderia ser outro: precariedade da aprendizagem
dos alunos.
Quais são as consequencias da distorção entre as políticas
educacionais e os aspectos intra-escolares? Em primeiro lugar,
não existe entre os responsáveis pelas políticas educacionais,
os legisladores e os investigadores da educação escolar
um acordo sobre a escola que se deseja, sobre os objetivos
formativos. A falta de unidade sobre objetivos e formas de
funcionamento pode estar levando a uma idealização de
políticas educacionais e uma ausência de políticas educativas,
ou seja, as políticas para a escola, para o ensino e aprendizagem.
Conforme já mencionado, as políticas educacionais, desde a
época da transição política, assumiram a visão economicista.
A avaliação externa transformou-se em motor das reformas
educacionais. As metas são quantificadas, muito mais em
função da diminuição dos custos do ensino do que de uma
sólida preparação escolar dos alunos. Força-se a melhoria dos
índices educacionais sem ampliação das verbas para o que é
realmente prioritário. As escolas devem mostrar produtividade
com base em resultados possíveis de serem falseados. Alunos
são aprovados sem critérios claros de níveis de escolarização.
Os números aparecem positivamente nas estatísticas, mas os
aprovados não sabem ler e escrever. Estamos, efetivamente,
frente a uma pedagogia de resultados: põem-se as metas, e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 99

as escolas que se virem para atingi-las. Mas como se virar se


faltam meios? Onde estão as instalações físicas? O material
didático? O atendimento à saúde das crianças? Os salários
e as condições de trabalho dos professores? Onde estão as
professoras que dominam os conteúdos, que sabem pensar,
raciocinar, argumentar e têm uma visão critica das coisas?
Não contamos, para isso, com um sistema nacional de
educação, na forma de um sistema único de educação pública,
com metas pedagógicas conseqüentes. O que temos são metas
econômicas, burocráticas.
No livro A escola não é uma empresa – O neo-liberalismo em
ataque ao ensino público (LAVAL, 2004), o autor aponta que
as reformas de inspiração liberal estão levando à mutação
da instituição escolar em três direções ligadas entre si:
desinstitucionalização, desvalorização e desintegração. Com
a desinstitucionalização, a escola se transforma em prestadora
de serviços, sujeitas a gerenciamento tipo empresarial e
obrigação de atingir resultados. Com a desvalorizada (apesar
dos discursos oficiais enobrecedores!), suas finalidades de
transmissão de cultura e dos elementos simbólicos com
função emancipadora são substituídas pelos imperativos da
eficácia e produtiva e da inserção profissional, quando não de
substituição de sua missão pedagógica pela missão social. Com
a desintegração em decorrência dos mecanismos de mercado
nela introduzidos, têm seus objetivos educativos distorcidos.
Em segundo lugar, as políticas educacionais estão pondo
demasiada ênfase em programas de formação de professores
a ações de educação a distância mostra um descaso com a
educação pública e os professores. Qualquer educador com um
mínimo de conhecimento de escola sabe que formar professores
a distância resulta em formação aligeirada e frágil. Com essa
mentalidade economicista, vamos formar no país milhares
de professores que vão chegar às escolas sem a competência
profissional, tornando ainda mais desastrosos os já baixos
resultados da educação fundamental. Pois, efetivamente, a
educação a distância vem apenas como programa de formação
100 José Carlos Libâneo

do professor executor e de certificação em larga escala, como


o diploma fosse suficiente para o exercício profissional. Já não
bastasse o notório esvaziamento do conteúdo do trabalho
docente, há que considerar que as escolas não dispõem de
equipamentos, de material didático, de instalações físicas.
Tudo isso concorre para gerar um imenso prejuízo para os
alunos das escolas públicas. Ou seja, este é mais um governo
que não investe em um sistema articulado de formação inicial
de professores com uma sólida formação cultural e científica
em cursos regulares nas instituições de ensino, e em programas
de formação continuada nas situações de trabalho.
Obviamente, não sou contra o uso das tecnologias da
educação. Sou contra a fetichização das tecnologias e seu uso
apenas para formar professores em massa e em tempo reduzido,
com um programa meramente instrumental. O professor
“tarefeiro” deixa de ser sujeito, o lugar dos sujeitos passa a ser
atribuído à tecnologia. Acredito que a formação do professor
inclui, evidentemente, uma instrumentação, a apropriação das
tecnologias. Mas, antes disso, o professor precisa dominar bem
os conteúdos, ter uma formação cultural sólida e uma visão
crítica do seu trabalho e da sociedade. Enfim, como escreve a
pesquisadora Raquel Barreto, a presença das TCI na educação,
a despeito de sua importância, não é condição suficiente para
a busca de soluções de problemas educacionais, sejam eles
novos ou velhos.
Em terceiro lugar, na linha das considerações feitas até aqui,
conclui-se que não há como definir políticas educacionais sem
uma política clara para as condições do ensino e aprendizagem
na escola, ou seja, políticas educativas. As políticas educacionais
devem subordinar-se às políticas educativas para a escola e
para o trabalho em sala de aula. Não tem havido uma tradição
na formulação de políticas educacionais em abordar a política
educacional com base na realidade concreta do funcionamento
do ensino e da aprendizagem das escolas e das salas de aula.
Ao contrário, o mais comum tem sido o caminho inverso, que
é tratar primeiro das políticas, do currículo formal, e esperar
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 101

que a norma prescrita aconteça nas escolas, nas práticas


pedagógicas nas salas de aula. Há nas estratégias de ação
política, no planejamento, uma superposição da análise externa
sobre a análise interna dos problemas da educação. No entanto,
é na ponta do sistema de ensino, nas escolas, pelo trabalho dos
professores, que se realiza e se verifica a qualidade de ensino.
Mais concretamente, entendo que boa parte das desigualdades
observadas dentro do meio escolar e na vida após a escola
são produzidas dentro da própria escola. Ou seja, não
resolvemos a questão das políticas educacionais sem encarar
necessidades a serem atendidas a partir das desigualdades de
aproveitamento escolar encontradas dentro da própria escola.
Os fatos são suficientemente conhecidos: nossas crianças e
jovens não estão aprendendo ou não estão aprendendo como
precisariam aprender; nossos professores, pelo motivo que for,
estão com dificuldades para ensinar; aumentam a cada dia os
problemas sociais, culturais, disciplinares, dentro da escola,
e as dificuldades dos professores para lidar com eles; muitas
soluções adotadas como “progressistas”, como o sistema de
ciclos e a integração de alunos com necessidades especiais
em classes regulares, não disseram a que vieram, porque não
apresentaram os resultados anunciados em relação à melhoria
da qualidade do ensino.

EM BUSCA DA RECONSIDERAÇÃO DOS OBJETIVOS E


DAS FORMAS DE FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS
Há muitas razões para sustentar a causa da escola pública.
A principal delas é que a escolarização é um direito inalienável
da pessoa humana, e assegurá-lo é responsabilidade do
estado e da sociedade. A escola é o patamar – e para muitos, a
única via possível – a partir do qual as pessoas podem aceder
ao usufruto de outros direitos como o acesso ao trabalho, à
cultura, ao lazer, à participação política. Há, também, uma
forte razão política: a existência de forças sociais, econômicas
e políticas, movidas por interesses da elite social e econômica
que, a despeito de um discurso formal e político favorável
102 José Carlos Libâneo

à educação, na prática mantêm um quadro inteiramente


desfavorável ao funcionamento da escola pública, por ex.,
o parco financiamento da educação, o baixo salário dos
professores, as precárias condições físicas das escolas, a
deficiente formação profissional dos professores. No Brasil,
ao menos na retórica, nenhuma das correntes conservadoras
ou progressistas negam a afirmação acima. No entanto,
nas correntes progressistas, são notórias as polarizações e
divergências sobre objetivos, currículos e práticas pedagógicas.
Dada a gravidade dessa questão tendo em vista o caos em que
se encontra a escola pública, este seria um momento histórico
oportuno para retomar o movimento deslanchado pela Ande
no início dos anos 1980, começando pela constituição de uma
frente ampla de educadores, para além das divergências
teóricas e operacionais sobre o os objetivos e o funcionamento
das escolas.
A crença para a qual tenho mobilizado minhas investigações
e minha atuação profissional é de que escolas existem para
promover o desenvolvimento integral das potencialidades
dos alunos (físicas, cognitivas, sociais, afetivas) por meio
da aprendizagem de saberes e modos de ação, para que se
transformem em cidadãos criticamente participativos na
sociedade em que vivem. Seu objetivo primordial, portanto, é
o ensino e a aprendizagem, que se cumprem pelas atividades
pedagógicas, curriculares e docentes, estas, por sua vez,
orientadas pelas políticas educacionais e viabilizadas pelas
formas de organização escolar e de gestão. Sendo assim,
escola democrática é aquela que, antes de tudo, através dos
conhecimentos teóricos e práticos, propicia as condições
do desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos.
Baseio-se na teoria de Vygotsky para afirmar que aprender é
uma atividade eminentemente sociocultural, ou seja, há uma
determinação social e histórico-cultural da formação humana,
ela não é um processo natural, espontâneo, ela implica uma
ação pedagógica, uma intencionalidade, um ensino sistemático.
O aluno aprende na escola quando os outros, inclusive a
professora e o próprio contexto institucional e sociocultural,
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 103

o ajudam a desenvolver suas capacidades mentais, com base


nos conhecimentos, habilidades, modos de viver, já existentes
na ciência e na cultura. Estou de acordo com pedagogos que
entendem que esse processo não é nada espontâneo, e nem
depende somente do ritmo de aprendizagem de cada aluno.
Depende de uma de uma ação pedagógica consistente, de um
planejamento didático baseado num currículo comum, da
atuação intencional dos adultos em uma organização sólida,
depende de que eles provoquem nos alunos o desejo de
aprender, de serem melhores pessoas, de compreender melhor
as coisas. Se o objetivo das escolas é desenvolver capacidades de
ser e agir através dos conteúdos, da formação do pensamento
teórico-científico e do desenvolvimento mental dos alunos,
então a criança pode ampliar a sua inteligência aprendendo
solidamente, e isso não é algo espontâneo e natural, mas algo
que depende da ação da escola e do professor.
Penso que, do ponto de vista político, das estratégias
de ação, os educadores precisam articular-se em torno de
uma frente ampla formada por pesquisadores, diretores de
escolas, militantes de entidades e associações, que chegue
a um consenso mínimo sobre quais políticas educativas são
mais efetivas para a sociedade, que tipo de escola se deseja,
que perfil de alunos se quer formar, que necessidades são
postas pela realidade escolar e das salas de aula. É preciso
retomar com mais vontade política aqueles ideais propostos
pela Associação Nacional de Educação (ANDE) no início
dos anos 1980, retomando a bandeira que, paradoxalmente,
foi assumida pelo empresariado no movimento Todos pela
Educação. É verdade que as análises externas das questões
educacionais são imprescindíveis para situar a escola no
contexto social e político mas, também, é fato que o processo
educativo, o processo de ensino é endógeno, ele acontece de
dentro para fora. O que confere qualidade ou não ao sistema
de ensino são as práticas escolares, as práticas de ensino, os
aspectos pedagógico-didáticos, ou seja, a qualidade interna
das aprendizagens escolares e a este propósito que devem
estar dirigidas as analises externas e as políticas educacionais.
104 José Carlos Libâneo

Junto a isso, outras lutas muito concretas devem compor uma


frente ampla entre os vários segmentos sociais em favor da
educação pública, baseada numa pauta mínima:
a) Estruturação de um sistema nacional de educação,
na forma de um sistema único de educação pública,
elevando substantivamente os índices de financiamento
público da educação;
b) Intervenção decisiva dos sistemas de ensino nas
questões intra-escolares, especialmente em formas
de gestão pedagógica-curricular, em metodologias
de ensino e condições de ensino e aprendizagem, que
assegurem os mais elevados índices de aproveitamento
escolar para todos os alunos;
c) Adoção de medidas propiciadoras de salário digno,
carreira profissional, condições de trabalho, condições
de permanência dos professores em uma só escola
com 40h;
d) Ações em âmbito nacional que assegurem a todos
os professores, especialmente das séries iniciais, o
domínio de conteúdos escolares e de habilidades
cognitivas, bem como de elementos de uma cultura
geral abrangente;
e) Campanha nacional contra a formação de professores
em massa em favor de uma sólida formação cultural
e científica, limitando o ensino a distância a recurso
complementar de formação.
f) Revisão da legislação atual sobre a formação de
educadores, retomando-se a preparação específica de
pedagogos especialistas e readequação das diretrizes
para a licenciatura para docência na Educação Infantil
e Ensino Fundamental.
Em face das questões postas, é útil o conselho de Gramsci:
pessimismo na razão, otimismo na vontade. As escolas
falham porque as políticas educacionais estão distanciadas da
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 105

realidade escolar, colocando em segundo plano as questões


pedagógico-didáticas em meio a outros fatores intraescolares
que comprometem o insucesso escolar dos alunos. No entanto,
a escola continua sendo uma das instâncias de democratização
da sociedade e de promoção de uma escolarização de qualidade
para todos, portanto um lugar privilegiado para ajudar na luta
pela igualdade e inclusão social. Não é possível democracia
econômica, social, política, intelectual, sem a escolarização.
A escola é a esperança da formação cultural, da formação
científica, do progresso social, da conquista da dignidade
humana, da emancipação humana. Mesmo considerando
o poder de outras instâncias educativas na formação da
juventude, continua sendo uma poderosa mediadora na
construção de sentido, portanto, de mudanças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. http://portal.mec.gov.br/seed/index.php
GATTI, Bernadete A. e NUNES, Marina M. R. (orgs). Formação
de professores para o ensino fundamental: estudo de
currículos das licenciaturas em pedagogia, língua portuguesa,
matemática e ciências biológicas. São Paulo: Fundação Carlos
Chagas/DPE, 2009.
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa – O neo-
liberalismo em ataque ao ensino público. Londrina: Editora
Planta, 2004.
LIBÂNEO, José Carlos. Sistema de ensino, escola, sala de aula:
onde se produz a qualidade das aprendizagens? In: Lopes
Alice C. e Macedo, Elizabeth (orgs.). Políticas de currículo em
múltiplos contextos. São Paulo, Cortez, 2006.
LIBÂNEO, José C. O campo teórico-investigativo da pedagogia,
a pós-graduação em educação e a pesquisa pedagógica. In:
Educativa (Rev.Dep. de Educ. PUC-Goiás), v. 11, n. 1, 2008.
LIBÂNEO, José C. O dualismo perverso da escola pública
brasileira: escola do conhecimento x escola do acolhimento
106 José Carlos Libâneo

social. Goiânia, 2010a http://professor.ucg.br/SiteDocente/


home/ (Texto em fase de publicação).
LIBÂNEO, José C. O ensino da Didática, das metodologias
específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental
nos currículos dos cursos de Pedagogia. In: Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 91, n. 229, set/dez 2010.
LIBÂNEO, José C. Concepciones y prácticas de organización
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un examen crítico de discusión actual en Brasil. In: Revista
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REVISTA DA ANDE, Carta de Princípios da ANDE, Revista
da Ande n. 1, São Paulo, 1981.
TORRES, R. M. Educação para Todos: a tarefa por fazer. Porto
Alegre: ARTMED Editora, 2001.
CAPÍTULO V

TECNOLOGIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: AS TIC


COMO INSTRUMENTOS DE MEDIAÇÃO

Joana Peixoto

INTRODUÇÃO
A análise da disseminação das tecnologias de informação e
de comunicação2 (TIC), do ponto de vista de seu papel social
reconfigurador (Castells, 2007) e da consequente instalação
das bases para a consideração de novas formas de construir e
de compartilhar conhecimento, leva-nos a uma reavaliação do
conceito de instrumento e ao reconhecimento da necessidade
de entender os efeitos da utilização de instrumentos em
atividades pedagógicas.
Esta posição conduz à questão dos efeitos experimentados
pelos sujeitos quando os instrumentos derivados de novas
tecnologias são introduzidos nas relações pedagógicas.
Por esta razão, propomo-nos a seguinte questão: Como a
relação de mediação, que se coloca em prática por meio de
transações socioeducativas, pode ser redefinida sob o efeito
das potencialidades propostas pelas TIC?
Este artigo visa, então, tratar da apropriação dos instrumentos
(TIC) pelos professores para uma melhor compreensão dos
processos pelos quais o uso de instrumentos influencia as
ações ou atividades dos usuários. Nele discutimos a mediação
como conceito fundado na abordagem histórico-cultural,
examinando a educação e a tecnologia do ponto de vista da
cultura. Trata-se de valorizar a indissociabilidade do signo e
do instrumento na relação ou na atividade mediada. Desse
modo, pretendemos contribuir para uma reflexão que não
estabeleça antagonismo entre a dimensão cultural e a técnica
e que não perca de vista a relação dialética entre os sujeitos
sociais e os objetos técnicos.
108 Joana Peixoto

Para isso, partimos dos conceitos de artefatos, instrumentos,


atividade mediada, ato instrumental e mediação (VIGOTSKI,
2004, 2007, 2008), complementados com os conceitos de
gênese instrumental e esquemas de utilização, propostos por
Rabardel (1995a, 1995b), com o objetivo de sugerir unidades
de análise das práticas educativas mediadas pelas TIC.

A FUNÇÃO MEDIADORA DOS INSTRUMENTOS E DOS


SIGNOS
A abordagem histórico-cultural da aprendizagem insiste no
papel fundamental dos instrumentos construídos socialmente
para o desenvolvimento humano e para a educação. Nessa
abordagem, Vygotsky (2007) alega que o funcionamento mental
e a ação humana são mediados pelos artefatos que podem ser
tanto materiais (ferramentas ou instrumentos físicos) como
simbólicos (instrumentos psicológicos ou signos).
A presença de instrumentos mediadores da atividade
implica que, ao invés de aplicar diretamente a sua função
natural para a solução de uma tarefa em particular, o sujeito
coloque meios auxiliares entre essa função e a tarefa. Dito
de outra forma, de acordo com o conceito de mediação
proposto por Vigotski (2007), a compreensão dos processos
mentais implica considerar os instrumentos e os signos como
elementos organizadores desses processos. Embora distintos,
instrumentos e signos “[...] estão mutuamente ligados [...] na
função mediadora que os caracteriza” (VIGOTSKI, 2007, p.
53). Segundo este autor, ocorre uma renovação da atividade
do sujeito dentro e por meio do ato de usar um instrumento.
Então, é preciso demarcar a distinção entre as dimensões
material e simbólica do artefato, sobretudo para alertar que
o artefato não se reduz ao objeto técnico ou à máquina. Ao
mesmo tempo, os instrumentos psicológicos destacam-se na
função de permitir ao homem o controle e a orientação de seu
próprio comportamento. Ou seja, o signo é considerado como
uma classe de artefatos fundamental ao estabelecimento das
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 109

funções psíquicas superiores.


Além disso, é importante considerar que um artefato pode
ter diferentes status para o sujeito. A ferramenta (instrumento
físico) é dirigida para a transformação dos objetos, é orientada
externamente, ao passo que o signo é orientado internamente,
no sentido de ser um meio da atividade interna. Vigotski (2004,
2007, 2008) afirma explícita e repetidamente a relação entre os
signos e os instrumentos3.
Uma diferença muito importante entre o instrumento
psicológico e o técnico é a orientação do primeiro para a psique
e o comportamento, ao passo que o segundo, que também se
introduziu como elemento intermediário entre a atividade do
homem e o objeto externo, orienta-se no sentido de provocar
determinadas mudanças no próprio objeto. O instrumento
psicológico, ao contrário, não modifica em nada o objeto: é
um meio de influir em si mesmo (ou em outro) – na psique,
no comportamento -, mas não no objeto. É por isto que no ato
instrumental reflete-se a atividade relacionada a nós mesmo e
não ao objeto. (VIGOTSKI, 2004, p. 97).

Se tomarmos a abordagem histórico-cultural como referência


para o estabelecimento de categorias de análise das relações
pedagógicas permeadas pelas TIC, não é prudente limitarmo-
nos a um tipo particular de artefatos, sejam os instrumentos
técnicos, sejam os psicológicos. Trata-se de buscar apreender
num mesmo movimento dialético todos os artefatos qualquer
que seja sua natureza: material ou simbólica, interna ou
externa ao sujeito, individual ou coletiva. Ao mesmo tempo,
é importante levar em conta a direção da ação do sujeito, que
pode ser para a realidade externa, para os outros ou para si
mesmo.
Este exercício propõe-se também a dar conta da maneira
como os instrumentos se constituem para o sujeito numa íntima
relação com os artefatos inscritos na história e na cultura da
sociedade na qual ele vive e como, em retorno, os instrumentos
dos sujeitos coletivos contribuem para as dinâmicas sociais,
culturais e históricas. É importante ainda apreender as formas
de organização da atividade, dos processos e das funções
110 Joana Peixoto

psíquicas que são por eles influenciadas.

MEDIAÇÕES E ATO INSTRUMENTAL


Como já foi dito, Vigotski (2007) desenvolve o conceito de
instrumento psicológico como mediador entre o sujeito e ele
mesmo e entre o sujeito e os outros. O instrumento psicológico
constitui um tipo de instrumento particular que corresponde
a artefatos específicos, tais como a linguagem e os signos.
A referida mediação amplia seu caráter quando distinguimos
as diversas direções da mediação. Num sentido podemos
considerar a relação mediada com o objeto da atividade
externa, que caracteriza o instrumento técnico ou material. Em
outro sentido, consideramos a relação mediada consigo mesmo
e com os outros, característica do instrumento psicológico.
Rabardel (1995a, 1995b) afirma que estas diferentes relações
são suscetíveis de serem coapresentadas como potencialidade
mediadora de todo instrumento e como componente de todo
ato instrumental. Estas ideias irão nortear o que o autor propõe
como esquemas de uso e as consequentes unidades de análise
dos atos instrumentais.
Retomando a ideia de que os instrumentos materiais,
assim como os psicológicos, permitem o estabelecimento
de relações do sujeito com o meio, consigo mesmo e com os
outros, podemos compreender como, no ato instrumental, o
sujeito faz uso do instrumento material, mas também de si
mesmo. Por meio do computador, por exemplo, observamos
de forma destacada a constituição de mediações do sujeito
consigo mesmo, apoiando a organização e o controle de sua
atividade.
Da mesma maneira, os instrumentos técnicos permitem
o estabelecimento de relações com os outros, especialmente
quando os atos instrumentais aos quais eles dão suporte fazem
parte de atividades coletivas. A atividade de um indivíduo
representa um sistema inserido num sistema de relações
sociais, para além dos quais não existe atividade humana.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 111

Destaca-se, então, a ideia de que a atividade mental é mediada


por sistemas de signos culturalmente derivados.
A atividade do sujeito engloba, ao mesmo tempo, os
processos exteriores e os interiores. E ambos os processos
medeiam as relações do homem com o mundo no qual se realiza
a sua vida. Dessa forma, a utilização de instrumentos materiais
e as mediações consigo mesmo e com os outros permitem ao
sujeito a instauração de uma relação de transformação da
realidade externa.
A singularidade do ato instrumental [...] apóia-se na presença
simultânea nele de estímulos de ambas as classes, isto é, de
objeto e de ferramenta, cada um dos quais desempenha um
papel distinto qualitativa e funcionalmente. Por conseguinte,
no ato instrumental entre o objeto e a operação psicológica
a ele dirigida, surge um novo componente intermediário: o
instrumento psicológico, que se converte no centro ou foco
estrutural, na medida em que se determinam funcionalmente
todos os processos que dão lugar ao ato instrumental. Qualquer
ato de comportamento transforma-se então em uma operação
intelectual. (VIGOTSKI, 2004, p. 96).

O autor reputa, assim, o ato instrumental como núcleo central


do desenvolvimento e do funcionamento do psiquismo.
Quanto à ação pedagógica, também podem ser considerados
vários níveis na relação mediadora entre o sujeito e o objeto
de conhecimento. As situações pedagógicas contêm vários
artefatos que, por sua vez, possuem funções diferenciadas de
acordo com a direção da ação, com a natureza do objeto e com
a dimensão mais individual ou coletiva do processo.
Para representar os níveis de influência da interatividade
entre sujeito e objeto do conhecimento, visando demonstrar a
complexidade do processo de aprendizagem, Bruno e Munoz
(2010) apresentam o seguinte diagrama:
112 Joana Peixoto

Fonte: Bruno; Munoz, 2010, p. 367.


Segundo os autores, dois tipos de artefatos devem ser
levados em conta no contexto dessas relações mediadoras:
os artefatos da vida cotidiana e os artefatos concebidos ou
adaptados a finalidades pedagógicas. Além disso, essas
situações contêm vários artefatos que visam facilitar a aquisição
das competências necessárias a fim de utilizar artefatos fora
do contexto educacional.
Assim, o efeito da estruturação de novos instrumentos
em tarefas individuais ou em grupo pode ser analisado, em
termos da questão básica da mediação por artefatos, como o
principal fator de transformação das funções psicológicas.
Então, a afirmação do papel fundamental da mediação para
a atividade mediada por artefatos implica que estes moldem
a forma como é exercida a atividade e que eles mesmos sejam
modificados pela atividade.
Essas considerações visam confirmar a ideia já exposta de
que as mediações consigo mesmo e com os outros não são
propriedades específicas de um ou outro tipo de artefato. Todo
instrumento (material ou simbólico) é potencialmente um
mediador para os dois tipos de relação que nós evocamos, os
quais podem ser coapresentados no seio dos atos instrumentais.
Mas isso não significa que os instrumentos devam ser
considerados como equivalentes. Instrumentos diferentes
podem ser engendrados a partir de um mesmo artefato em
função do tipo de relação dominante, como o mostra, por
exemplo, a diferenciação entre a linguagem de comunicação
(na qual a mediação em relação aos outros é dominante) e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 113

a linguagem interior (da qual a mediação consigo mesmo é


constitutiva).
Ainda vale a pena lembrar que os instrumentos não são
isolados. Eles são organizados pelo sujeito em função das
classes de situação e das áreas de atividade. Podemos, assim
como Rabardel (1995a, 19995b), considerar o instrumento
como uma unidade mista. O instrumento mediador da
atividade conta, então, com diferentes componentes. Por um
lado, o instrumento é constituído por um artefato, material ou
simbólico, produzido pelo sujeito; por outro, de esquemas de
utilização associados, que resultam de uma construção própria
do sujeito autônomo ou de uma apropriação de esquemas
sociais de utilização já formados exteriormente a ele.

ESQUEMAS DE UTILIZAÇÃO
Os esquemas ligados à utilização de um artefato podem
ter dois status, segundo sua orientação: esquemas de uso e
esquemas de ação instrumentada. Os esquemas de uso são
orientados para a gestão das características e das propriedades
particulares do artefato. Eles dizem respeito, então, às
interações com o artefato, correspondendo ao nível de análise
das abordagens centradas na interação homem-máquina, por
exemplo, a mudança de marcha em um carro (RABARDEL,
1995a, p. 92).
Os esquemas de ação instrumentada incorporam os esquemas
de uso e são constitutivos do que Vigotski denomina de “atos
instrumentais”, para os quais há a recomposição da atividade
que passa a ser dirigida para o fim principal do sujeito, por
exemplo, quando um motorista realiza uma ultrapassagem
de outro veículo. Tal operação compreende: a análise da
situação para determinar o momento oportuno de realizar
a ultrapassagem, a indicação da intenção de ultrapassar, a
mudança de marcha, se for necessária, e a modificação da
trajetória do veículo, entre outras ações (RABARDEL, 1995a,
p. 92).
114 Joana Peixoto

Nenhum dos dois tipos de esquema de uso se referem a uma


propriedade do esquema em si mesmo, mas a seu status na
atividade finalizada do sujeito. E os diferentes tipos de esquema
de utilização formam a classe dos esquemas de utilização. Tais
esquemas têm, ao mesmo tempo, modalidades de existência
privada, próprias de cada indivíduo, e modalidades sociais.
A dimensão privada deve-se ao caráter singular de
elaboração e de história dos esquemas para cada um de nós.
Dessa maneira, as características próprias de cada indivíduo
marcam e se transferem para as formas de uso dos artefatos.
Os usos instrumentais não se limitam ao sujeito individual.
Um mesmo artefato ou conjunto de artefatos pode, no contexto
da atividade coletiva, ser utilizado simultaneamente ou
conjuntamente, por exemplo, para a realização de uma tarefa
compartilhada.
Esta dimensão social deve-se ao fato de que os esquemas
são elaborados no decorrer de um processo no qual o sujeito
não está isolado. Os outros usuários e também os que
concebem artefatos contribuem para esta emergência de
esquemas. Os esquemas são partilhados nas comunidades de
práticas e nos agrupamentos sociais mais amplos, “colocados
em patrimônio” a partir das criações dos indivíduos ou dos
coletivos e transmitidos de maneira mais ou menos formalizada
(RABARDEL, 1995a, 1995b).

O LUGAR DO INSTRUMENTO NA RELAÇÃO ENTRE O


SUJEITO E O OBJETO
As formas de uso dos instrumentos materiais estão
relacionadas às funções para as quais estes foram explicitamente
concebidos, mas sabe-se que fatores de ordem técnica, cultural,
econômica e política podem desencadear formas ou esquemas
de uso que fogem dessas funções originalmente concebidas.
As formas de uso dos instrumentos se constituem em
função de características individuais dos usuários tais como
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 115

o seu conhecimento técnico ou seu objetivo particular. E


também em função de aspectos econômicos, sociais e culturais
mais amplos como, por exemplo, o grupo social no qual o
usuário está inserido e o tipo de acesso ao instrumento que
este grupo tem. Assim, os instrumentos podem ser utilizados
apenas parcialmente da forma como foram concebidos ou até
mesmo podem ter o seu uso inteiramente “desvirtuado” de
sua funcionalidade original. Rabardel (1995b) utiliza a noção
de gênese instrumental para tratar dessas relações.
As gêneses instrumentais dizem respeito, ao mesmo tempo,
ao artefato para o qual a instrumentalização é dirigida e ao
sujeito em si mesmo, pela instrumentação. Mais uma vez
afirmamos a ideia de que o artefato utilizado pelo sujeito não
se reduz ao instrumento. Ele é uma entidade composta que diz
respeito, simultaneamente, ao sujeito e ao objeto. Foi tal ideia
que conduziu Rabardel (1995a, 1995b) a definir instrumento
como uma entidade fundamentalmente mista.
Por outro lado, o artefato diz respeito diretamente aos
sujeitos, aos organizadores da atividade que Rabardel (1995a)
designa por esquemas de utilização, os quais compreendem,
por sua vez, as dimensões representativas e operatórias. O
instrumento não é, portanto, somente uma parte do modo
externo ao sujeito, um dado disponível para ser associado
à ação. Os esquemas de utilização constituem as entidades
psicológicas organizadoras dos atos instrumentais.
Para Rabardel (1995a, 1995b), os dois componentes do
instrumento – artefato e esquema – são associados um ao
outro, mas estão igualmente numa relação de dependência
relativa. Um mesmo esquema de utilização pode se aplicar a
uma multiplicidade de artefatos que pertencem à mesma classe
como, por exemplo, os esquemas de conduta automobilística
que são transpostos de um veículo a outro pelo sujeito.
Mas um mesmo esquema de utilização pode revelar também
classes vizinhas ou diferentes, por exemplo, quando se utiliza
uma chave de fenda em substituição a um martelo para bater
116 Joana Peixoto

um prego. Inversamente um artefato é suscetível de se inserir


numa multiplicidade de esquemas de utilização que vão lhe
atribuir sentidos e, às vezes, funções diferentes, como é o caso
da chave de fenda que é uma ferramenta destinada a apertar
ou afrouxar parafusos.
O instrumento constituído pode ser efêmero, ligado
unicamente às circunstâncias singulares da situação e às
condições com as quais o sujeito é confrontado, como em
muitas catacreses4. Ele pode, no entanto, igualmente ter um
caráter mais permanente, conservando-se em sua totalidade
como meio disponível para ações futuras. Trata-se de uma
totalidade dinâmica que evoluirá, especialmente, em relação
às situações nas quais o instrumento será empregado pelo
sujeito.
O artefato, assim definido, pode realmente ocupar uma
posição intermediária entre o sujeito e o objeto, já que, por se
constituir ao mesmo tempo como esquema e instrumento, ele
participa de um e de outro? A resposta deve ser procurada
na relação do instrumento com a ação. É em função de sua
finalização que o sujeito torna certos elementos de seu universo
em instrumentos, constituindo-os como meios de sua ação.
A posição instrumental do artefato é relativa a seu status
no seio da ação e da atividade. O artefato não é em si mesmo
instrumento ou componente de um instrumento (mesmo
quando ele foi inicialmente concebido por este), ele é instituído
como instrumento pelo sujeito que lhe dá status de meio para
atingir os fins de sua ação.
Os artefatos se inscrevem no seio da atividade nas quais
eles provocam reorganizações. Estas reorganizações foram
identificadas por Vigotski a propósito dos instrumentos
psicológicos, os quais, integrados aos processos
comportamentais, modificam a estrutura e a sequência das
funções psíquicas. Eles determinam, por suas propriedades, a
estrutura do ato instrumental.
Ao inserir-se no processo de comportamento, o instrumento
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 117

psicológico modifica de forma global a evolução e a estrutura


das funções psíquicas, e suas propriedades determinam a
configuração do novo ato instrumental do mesmo modo que o
instrumento técnico modifica o processo de adaptação natural
e determina a forma das operações laborais. (VIGOTSKI, 2004,
p. 94).

Para os sujeitos, um artefato se enriquece das situações


de ação nas quais ele foi inserido circunstancialmente,
singularmente, como meio de sua ação. Assim é constituído
o que se poderia chamar de “campo instrumental” do
artefato para o sujeito: o conjunto dos esquemas de utilização
do artefato no qual ele pode ser inserido para formar um
instrumento; o conjunto dos objetos sobre os quais ele permite
agir, o conjunto das transformações, mudanças de estados que
ele permite realizar.
Os esquemas de utilização do artefato se enriquecem e se
diversificam na relação com a evolução do campo instrumental
do artefato. Eles evoluem em função da multiplicidade dos
artefatos aos quais eles estão associados para formar um
instrumento e da diversidade de status que eles podem assumir
nesta associação.
Para cada sujeito, o instrumento é carregado de multiplicidade
de sentidos. O sentido instrumental de um artefato material é
constituído pelo conjunto de valores funcionais e subjetivos que
ele pode potencialmente assumir no seio da atividade de um
sujeito. Todo instrumento contém, sob uma forma específica, o
conjunto das relações que o sujeito pode tecer com a realidade
sobre e na qual ele permite agir. Por esta razão, o instrumento,
entidade mista que diz respeito simultaneamente ao sujeito e
ao objeto, é também uma entidade concernente ao sujeito e à
sociedade.
O caráter social da linguagem é uma evidência disso,
assim como os diversos objetos que nos circundam. Isso
também é verdade para as formas organizadas da atividade
que, associadas aos artefatos, formam os instrumentos e
os esquemas de utilização que são compartilhados pelos
118 Joana Peixoto

membros de grupos sociais. É este caráter social dos esquemas


de utilização que torna possível a invenção e a difusão de
artefatos que podem ser largamente utilizados no seio de uma
mesma coletividade.
Enfim, Vigotski (2004) reafirma que as formas e funções
do comportamento artificial ou instrumental são o produto
do desenvolvimento histórico e de aquisições sucessivas da
humanidade. Tal consideração implica que os esquemas de
utilização capitalizem, em sua forma social, as aquisições
histórico-culturais em matéria de ação das quais os sujeitos se
apropriam na ocasião das gêneses instrumentais.

POSSIBILIDADES DE ANÁLISE DAS PRÁTICAS


PEDAGÓGICAS MEDIADAS PELAS TIC
As abordagens da atividade mediada pelos artefatos
centram-se no uso humano das ferramentas culturais. Como já
foi referido, a mediação da atividade humana pelos artefatos é
considerada como o fato central que transforma as relações do
sujeito com o mundo, as funções psicológicas, e condiciona o
seu desenvolvimento.
As ferramentas oriundas da cultura são os artefatos,
mediadores da ação e da atividade finalizada dos sujeitos
que transformam as tarefas e as atividades. Elas são objeto
de diferentes formas de transmissão e de apropriação no
seio das comunidades em geral, assim como nas relações
pedagógicas.
A atividade mediada tem dois tipos de orientação. Por um
lado, há a realização de tarefas que se configura na atividade
produtiva; de outro, a elaboração de recursos internos e
externos tais como os esquemas de uso, configurando a
atividade construtiva por meio da qual o sujeito produz
as condições e os meios da atividade futura (RABARDEL;
SAMURÇAY, 2003).
Estas duas orientações conduzem Rabardel (1995a)
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 119

a distinguir duas unidades de análise. Para a atividade


produtiva, a unidade é a atividade mediada porque ela
preserva as propriedades características dos indivíduos, os
instrumentos culturais e os contextos. A escolha desta unidade
permite evitar duas formas de reducionismo: priorizar um
determinismo mecânico dos instrumentos em detrimento da
atividade do sujeito e não considerar que a ação é moldada
pelos instrumentos culturais. É por isso que, ao levar em conta
a relação dialética entre o instrumento e a ação do sujeito, a
atividade mediada pode se constituir em uma unidade de
análise para os que buscam compreender e analisar o uso
humano de instrumentos.
No caso de práticas pedagógicas que fazem uso das
TIC, podemos inferir que esta perspectiva de análise toma
a relação do sujeito com os artefatos em seus dois tipos ou
níveis, pois as TIC são, ao mesmo tempo, objetos materiais e
instrumentos simbólicos. Podemos destacar também o caráter
contextualizado dos instrumentos materiais. Ou seja, as TIC
são fruto de um determinado momento de evolução das forças
materiais produtivas, mas seu caráter contextualizado não
pode se restringir a uma relação de determinação. Segundo
um ponto de vista dialético, as TIC são determinadas, mas
também influenciam de forma marcante as relações sociais
nas quais estão inseridas.
As TIC não são portadoras de um significado independente
de seu contexto e nem meios neutros. Elas “[...] não são
simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a
serem desenvolvidos” (CASTELLS, 2007, p. 69). Consideradas
à luz do conceito de atividade mediada, as TIC precisam
ser tomadas em sua funcionalidade e materialidade técnica
e, neste sentido, como meios para o alcance de finalidades
diversas. Mas também como objetos culturais, marcados pelo
contexto sociopolítico nas quais estão inseridas e, sobretudo,
como instrumentos de expressão de sujeitos coletivos. Trata-
se de considerá-las em sua dinâmica sociotécnica (SANTOS,
2005).
120 Joana Peixoto

Como unidade de análise das atividades construtivas,


Rabardel (1995a) propõe a apropriação dos instrumentos
culturais. As questões exploradas nestas abordagens
vinculam-se à compreensão da natureza e da amplitude
das transformações das tarefas e das atividades no uso dos
artefatos. E articula-se também à apreensão dos efeitos que
têm sobre os sujeitos que delas se apropriam.
Quanto à integração das TIC às práticas pedagógicas, a
noção de apropriação demandaria que considerássemos as
diferentes lógicas que se articulam (VEDEL, 1994). O uso
das tecnologias é regido por uma lógica técnica, aquela que
define as possibilidades de sua utilização. Estas podem ser
apropriadas na forma prevista, por meio de desvios de sua
função original ou numa dinâmica de resistência e até de
rejeição. Simultaneamente, a utilização das tecnologias está
inserida numa lógica econômica, já que as formas de acesso
dependem das condições objetivas de seus usuários e de que
a sua disseminação se submeta às demandas do mercado. Mas
os sujeitos optam por formas de uso com base em seus desejos
e suas necessidades numa dinâmica complexa de apropriação
coletiva, portanto de caráter cultural e social. Esta unidade
de análise inclui os esquemas de utilização anteriormente
referidos.
As TIC não são, assim, consideradas apenas em sua
dimensão técnica, mas como campo de conflitos sociais,
fundados nas diferentes formas de acesso e de apropriação.
Por esta razão, além de se considerar as maneiras como os
sujeitos se relacionam com os objetos técnicos, devem também
ser levadas em conta as particularidades decorrentes das
diferentes formas de inserção social, econômica e cultural
destes sujeitos. Ou seja, observamos o que as tecnologias
provocam no comportamento dos sujeitos e também o que os
sujeitos fazem com as tecnologias.
É ainda importante destacar que, segundo a abordagem
aqui adotada, a análise da integração das TIC às relações
pedagógicas precisa realizar as distinções entre os sujeitos
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 121

destas relações. Dessa forma, a análise considera também as


peculiaridades histórico-culturais destes sujeitos. É preciso,
por exemplo, distinguir a atividade mediada conforme a quem
ela se refira, ao professor ou ao aluno. Esta distinção também
deve ser feita em relação ao processo de apropriação.
Em síntese, os critérios de análise aqui propostos são
relativos à adequação dos artefatos à atividade do ponto de
vista dos sujeitos, das tarefas e dos objetos da atividade. Para a
atividade produtiva, será considerada a adequação às tarefas,
aos objetos da atividade, aos esquemas, às conceituações, às
habilidades e às competências dos sujeitos. Para a atividade
construtiva, trata-se de compreender a dinâmica de uso dos
objetos pelos sujeitos, ou seja, as formas de apropriação.
Enfim, a adoção deste referencial para a análise dos
instrumentos de mediação das práticas pedagógicas deseja
afirmar a concepção de homem como sujeito socialmente
situado, portador de significações e herdeiro de uma cultura
que ele contribui para renovar. O homem é intencionalmente
engajado nas atividades por ele finalizadas e que são
significativas para ele. As relações com os objetos da atividade
conduzem os sujeitos usuários a novos usos do artefato e a
novas formas de realização da atividade, além de permitirem
transformações no próprio sujeito e em seu meio.

NOTAS
1. Este artigo apresenta estudos teóricos básicos para uma pesquisa que
visa verificar em que medida os cursos superiores a distância adotam
os procedimentos didático-pedagógicos de apoio ao desenvolvimento
da autonomia de seus alunos: PEIXOTO, J; CARVALHO, R. M. A. A
autonomia do aluno no ensino superior a distância. Projeto de pesquisa.
Goiânia: PUC GOIÁS, 2009.
2. Podemos considerar como tecnologias de informação e de comunicação
a convergência da informática, da eletrônica e das telecomunicações em
tecnologias que permitem veicular informação em suas diversas formas,
tais como: textos, imagens sons e vídeos.
3. Comprovam-na as duas afirmações a seguir:
122 Joana Peixoto

1) “[...] a analogia básica entre signo e instrumento repousa na função


mediadora que os caracteriza” (VIGOTSKI, 2007, p. 53);
2) “[...] A diferença mais essencial entre signo e instrumento, a base da
divergência real entre as duas linhas, consiste nas diferentes maneiras
com que eles orientam o comportamento [...]” (VIGOTSKI, 2007, p. 55).
4. O termo catacrese é aqui utilizado no sentido da utilização de uma
ferramenta no lugar da outra (como no exemplo já citado da chave de fenda
utilizada com a função de um martelo), ou seja, da sua utilização para
finalidades para as quais ela não foi concebida. Segundo Rabardel (1995b),
este conceito designa a lacuna entre o previsto e o real na utilização dos
artefatos.

REFERÊNCIAS
BRUNO, S.; MUNOZ, G. Education and interactivism: Levels
of interaction influencing learning processes. New Ideas in
Psychology, v. 28, n. 3, p. 365-379, dez. 2010.
CASTELLS, M. A sociedade em Rede. A era da informação:
economia, sociedade e cultura. 10 ed. São Paulo: Paz e Terra,
2007. v. 1.
RABARDEL, P. Les hommes et les Technologies. Une
approche cognitive des instruments contemporains. Paris:
Armand Colin, 1995a. Partes 1 e 2. Disponível em: <http://
ergoserv.univ-paris8.fr/site/groupes/modele/articles/
public/art372105503765426783.pdf>. Acesso em: 14 mar.
2011.
______. Les hommes et les Technologies. Une approche
cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand
Colin, 1995b. Troisième partie. Disponível em: <http://
ergoserv.psy.univ-paris8.fr/Site/default.asp?Act_group=1>.
Acesso em: 14 mar. 2011.
RABARDEL P., SAMURÇAY R., De l’apprentissage par les
artefacts à l’apprentissage médiatisé par les instruments.
In: BARBIER, J.M. & DURAND, M. Sujets, Activités,
Environnements: Approches transverses. Paris: PUF, 2006. p.
31-60.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 123

SANTOS, E. O. Educação on-line: a dinâmica sociotécnica para


além da educação a distância. In: PRETTO, N. De L. (Org.).
Tecnologia & novas educações. Salvador: EDUFBA, 2005. p.
193-202.
VEDEL, T. Introduction à une socio-politique des usages. In:
VITALIS, A. (Org.), Médias et Nouvelles Technologies. Pour
une socio-politique des usages Rennes: Éditions Apogée, 1994.
p. 13-43.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 7 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.
______. O método instrumental em psicologia. In: VIGOTSKI,
L. S. Teoria e método em psicologia. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004. p.93-101.
124 Joana Peixoto
CAPÍTULO VI

CMDI – COMUNICAÇÃO MEDIADA POR


DISPOSITIVO INDUTOR: ELEMENTO NOVO NOS
PROCESSOS EDUCATIVOS

Mirza Seabra Toschi

“Nunca será demais dizer que na ponta das redes e dos


satélites há homens e sociedades, culturas e civilizações”
(WOLTON, 2006, p.12).

RESUMO
O conceito de CMDI é apresentado a partir dos termos que
o compõem. Em seguida, analisam-se o conceito de dupla
mediação e como os dispositivos tecnológicos provocam
modificações nos processos de ensinar e aprender e na relação
que se estabelece com o conhecimento. O texto ocupa-se
também em refletir sobre as tecnologias móveis, em especial
o celular, e da potencialidade que oferecem de tornar a escola
um espaço híbrido, que relaciona o real com o virtual, o espaço
físico restrito com a infinitude do digital. Conclui-se com uma
reflexão sobre a relação professor, estudante, conhecimento,
num mundo que é complexo, no qual convivem o real e o
virtual e no qual o conhecimento se produz e se dissemina de
forma também complexa, fazendo, ainda, observações sobre a
escola nesse novo tempo e se ela pode se constituir como um
espaço híbrido.

INTRODUÇÃO
Quem de nós não tem histórias para contar sobre a
dificuldade, há cerca de vinte anos, de se comunicar com
a família, trabalho ou namorados? A comunicação móvel
permitida pelos celulares atualmente chega a apagar das
126 Mirza Seabra Toschi

mentes as peripécias que se fazia para tentar falar com alguém


em caso de necessidade ou ausência de comunicação quando
se estava em trânsito.
Desde a descoberta, por Graham Bell, em 1875, do telefone
que usava fios metálicos, até a telefonia móvel que reutiliza
frequências de ondas de rádio disponíveis, foram 115 anos,
uma vez que foi no Rio de Janeiro, em 1990, que o celular foi
usado pela primeira vez no Brasil.
Apesar de a comunicação móvel ser conhecida desde o começo
do século XX, ela só foi desenvolvida em 1947 pelo Laboratório
Bell, dos EUA, mas, somente no final da década de 70 e início
da de 80, o Japão e a Suécia ativam seus serviços com tecnologia
própria (78 e 81 respectivamente). E em 1983 a companhia
americana AT&T criou tecnologia específica, implantada pela
primeira vez em Chicago. A telefonia celular eclodiu, portanto,
na década de 80; quase todos os países, desde então, a estão
adotando. Com a incrível expansão do mercado, já se partiu para
a segunda geração, com a telefonia celular digital, onde o sinal
de voz é digitalizado (MAFFEI, sem data, p.3).

Maffei (s/d) expõe também sobre a história do celular no


Brasil. Observa ela:
No Brasil, no início da década de 70, foi implantado em Brasília
um serviço anterior à tecnologia celular, contando com apenas
150 terminais. E, em 1984, deu-se início à análise de sistemas de
tecnologia celular, sendo definido o padrão americano, analógico
AMPS, como modelo a ser introduzido (foi implantado, também,
em todos os outros países do continente americano e em alguns
países da Ásia e Austrália). A primeira cidade a usar o serviço
foi o Rio de Janeiro, em 1990, seguido por Brasília. Em São
Paulo, considerado o último dos grandes mercados do mundo,
o serviço móvel celular foi inaugurado em 6 de agosto de 1993
numa área de concessão que envolveu 620 municípios, sendo 64
em sua região metropolitana e 556 no Interior. A partir de 31
de janeiro de 1998, o serviço celular passou a ser operado pela
Telesp Celular S.A., na Banda A (MAFFEI, sem data, p.3).

A facilidade de comunicação possibilitada pelo celular


móvel mudou a própria comunicação, como mudou a forma de
se relacionar socialmente e profissionalmente, e tenta mudar a
educação e a escola. A aceitação deste tipo de comunicação é
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 127

tanta que muitos alunos entendem que ela pode ser continuada
na sala de aula, mesmo durante as explanações do professor.
A “mão coça” para dar um ‘toque’ ao colega, à namorada,
aos pais. Ou seja, esta forma nova de comunicação já entrou
nas escolas e nas salas de aula. Basta ver no Youtube (www.
youtube.com.br) os inúmeros vídeos sobre a presença desses
aparelhos em tais ambientes.
Não se vive sem comunicação. A comunicação é tão
importante na vida humana, como é o ar que respiramos. Não
vivemos sem ar, mas não temos consciência permanente da
sua importância, de que o oxigênio é vital para nossa vida. Só
sentimos falta dele quando ele nos falta. O mesmo ocorre com
a comunicação. Não do ponto de vista biológico e individual,
como é o ato de respirar. Mas somos seres sociais que somos,
a comunicação impõe-se como ato fundamental no processo
social. Somos comunicativos por natureza e por necessidade.
Neste texto farei uma reflexão sobre essa temática das
tecnologias móveis e dos desdobramentos que podem ter na
vida das escolas. A Comunicação Mediada por Dispositivo
Indutor (CMDI) é ponto central nesta reflexão, tanto na vida
social quanto, em especial, na escola.
Iniciarei trabalhando cada um dos termos que compõem
o conceito, quais sejam: comunicação, mediação, dispositivo,
indutor, como também o sentido que assumem quando se
juntam no conceito proposto.
Em seguida, abordo a formação de espaços híbridos, devido
às tecnologias móveis, e das possibilidades de a escola tornar-
se um desses espaços. Concluindo, trabalho, mesmo que
brevemente, a relação professor/aluno/conhecimento em um
mundo complexo, no qual o real e o virtual convivem cada
dia mais.

A COMUNICAÇÃO COMO ATO SOCIAL – a dupla hélice


Wolton (2006) observa que a “árvore da informação sempre
128 Mirza Seabra Toschi

esconde a floresta da comunicação” (p. 219), numa alusão a


um conceito democrático da comunicação que necessita do
reconhecimento do outro. Ou seja, o excesso de informação
esconde algo maior, que é a necessidade de comunicação
para os seres humanos. Comunicar é ter o direito de pensar,
de falar, de expor a opinião, de dizer sua palavra. Segundo
o autor, entre os séculos XVII a XX, foi difícil a liberdade de
expressão dos sujeitos. No século XXI, diz ele, o problema
principal é o outro: como coabitar com o outro, que é igual a
mim e que invade minha privacidade?
O outro tornou-se mais visível e isso altera as relações
sociais, modifica a vida pessoal, muda processos educativos
uma vez que estes são eivados de comunicação. Apesar de
alterar a comunicação, vários processos sociais, o mundo da
economia, as tecnologias digitais não são o mais importante
na comunicação. O valor da comunicação na época digital é
justamente ligar as ferramentas cada vez mais performáticas
a valores democráticos, inclusivos (WOLTON, 2006). Assim,
não há comunicação sem respeito ao outro. Observa Wolton
(2006), “[...] nada é mais difícil do que reconhecer o outro como
seu igual, sobretudo se não o compreendemos” (p. 11).
Assim, comunicação refere-se à capacidade de
reconhecimento do outro. É a busca de relação e de
compartilhamento com o outro. É o direito de cada um de
expressar-se. Daí as tecnologias desta sociedade atual serem
também chamadas de tecnologias de informação, comunicação
e expressão. Como seres sociais e comunicadores, temos de
aceitar nossa interdependência com o outro.
Wolton (2006) destaca duas dimensões da comunicação,
a normativa e a funcional. Na dimensão normativa estão
os atos de informar, dialogar, compartilhar, compreender.
A dimensão funcional mostra o quanto, nas sociedades
modernas, a comunicação é absolutamente necessária para
o funcionamento das relações humanas e sociais. Toda
comunicação humana entrelaça as duas dimensões, como uma
dupla hélice (WOLTON, 2006, p.15), que é dinâmica e contínua.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 129

O autor salienta que isso não significa que a comunicação


humana seja ‘normativa’ e a comunicação das técnicas seja
‘funcional’. Explica ele que há relações humanas e sociais que
são funcionais e que técnicas de comunicação como o telefone,
o rádio, a televisão, a Internet podem permitir trocas muito
autênticas, democráticas.
Montardo (2006) explica que as dimensões normativas e
funcionais são ligadas pela técnica (tecnologias de comunicação
e de informação) e ressalta que, para Wolton, a técnica também
promove uma mistura entre as dimensões, gerando a união
delas.
O conceito de dupla hélice remete ainda à diferença entre
informação e comunicação. Wolton ressalta que informação1
não é sinônimo de comunicação. Enquanto a informação
significa produzir e distribuir mensagens, a comunicação supõe
apropriação da mensagem, numa relação entre o emissor,
a mensagem e a recepção e apropriação dessa mensagem
pelo receptor. A comunicação ocupa-se de como o receptor
recebe a mensagem, se a aceita ou a recusa, se a modifica,
como responde a ela, ou seja, que sentidos o receptor dá à
mensagem. É no processo de comunicação que a informação
se torna conhecimento.
O grande volume de informação a que se está exposto
atualmente dificulta a comunicação, em especial na sua
dimensão social e cultural. Isso é um complicador para a
escola que, de mais importante espaço de divulgação do
conhecimento, passa a ser apenas mais um espaço, embora
importante, de divulgação e circulação de saberes, dentre
tantos outros, em especial a Internet. Ocorre, porém, que o
progresso técnico facilita a circulação de mais informações,
mas dificulta a comunicação, que exige a intercompreensão.
O nível de comunicação não é proporcional à eficácia das
técnicas de informação. “A visibilidade do mundo não basta
para torná-lo mais compreensível”, assevera Wolton (2006, p.
19).
130 Mirza Seabra Toschi

O exercício da comunicação é marcado pelas condições


sociais e culturais do receptor. Um bom comunicador deve
levar em conta o universo cultural dos receptores. Isso é
particularmente válido na comunicação que acontece nos
processos educativos, especialmente, nos escolares.
As relações comunicativas nos processos escolares têm sido
mais de coerção, de dominação, do que de igualdade, e nem
sempre levam em conta as condições e o universo cultural dos
estudantes. Isso se complica devido à familiaridade dos alunos
com as tecnologias e a recusa dos professores de incorporarem
as tecnologias digitais em sua vida ou de aceitarem os jovens
com todas as suas ‘esquisitices’, como a dependência das
tecnologias, o prazer de se comunicarem via meios eletrônicos,
o boné, o celular, o tênis, o piercing, as tatuagens.
A despeito de desejarem manter relações amistosas
com os estudantes, no cotidiano escolar acontecem
situações pedagógicas nas quais o professor é ainda o único
direcionador do processo pedagógico, com poucas chances
de os alunos apresentarem suas dúvidas, indagações,
ansiedades, questionamentos acerca do conteúdo trazido pelos
professores e/ou presentes nos livros didáticos. Além disso, o
conhecimento é entendido como imutável e definitivo.
Transformar essas relações difíceis em oportunidades
pedagógicas é o desafio dos educadores. Ser mediador nas
relações que os estudantes estabelecem com as informações
disponíveis na virtualidade via dispositivos eletrônicos é algo
ainda novo para os professores. Enquanto o saber escolar
continua sendo o saber durável, que se mantém através dos
tempos, como mediar relações com saberes fluídos, efêmeros,
líquidos? Vale refletir sobre isso.

MEDIAÇÃO NA COMUNICAÇÃO – Tô conectado!


Mediar significa estabelecer conexões, por meio de algum
intermediário. Tal como o conceito de relação, a mediação
é categoria da dialética. O conceito de relação implica
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 131

interdependência entre os pólos da relação. Ou seja, só se é


mãe quando se tem filho, só se é professor quando se tem
aluno. A existência de um ou outro é interdependente.
A categoria mediação, como toda categoria da dialética,
é dinâmica, está em constante modificação. Mediação indica
que nada é isolado, mas ocorre de maneira contextual,
interrelacional, histórica, o que lhe confere complexidade na
análise.
No campo da comunicação, o conceito de mediação
tomou vulto a partir dos estudos da recepção. Barbero
(1995), importante teórico da área, salienta que a recepção
de mensagens não é apenas uma etapa do processo de
comunicação, mas possui diferentes tempos. Entende a
recepção como um lugar novo (p.40), no qual se dá sentido
ao processo de comunicação. Esse lugar é a cultura. Para
ele, não há comunicação em abstrato, pois ela está inscrita e
mediada pela cultura (BARBERO apud OROZCO, 1997). E a
cultura é a principal de todas as mediações. Ela manifesta-se
em práticas concretas relativas aos sujeitos que se comunicam
e aos cotidianos deles (que é de onde emana a produção de
sentidos) e as práticas relativas às tecnologias de informação,
não no seu aspecto instrumental, e sim na perspectiva de
que são elementos que provocam mudanças perceptíveis na
realidade (p. 115-116).
Nessa mesma compreensão de Barbero, Orozco Gómez
(1997) destaca que toda relação entre os elementos da
comunicação é mediada, ou seja, não se faz de forma direta.
Por isso é importante ver os contextos nos quais se dão as
relações e não apenas as relações em si mesmas. Escreve ele:
Nada está conectado directamente com nada, sino que hay uma
serie de mediaciones que incidem y conformam la interacción
entre uno y outro de los componentes (p. 114).

Orozco Gómez (1997) observa que as diferentes tecnologias,


com suas diferentes linguagens e estratégias de comunicação
exercem mediação na recepção das mensagens, influenciando
132 Mirza Seabra Toschi

no processo de percepção e interação com a informação


(p.117). Ele destaca que, no nível empírico, essas mediações
são múltiplas, variadas, de diferentes fontes, e nos ajudam
a entender mais as relações dos sujeitos com os meios de
comunicação.
Analisar a mediação nos processos de ensinar e aprender
implica entendê-la na perspectiva de Barbero e Orozco
Gómez. No processo pedagógico a mediação é dupla. Ou
seja, no processo de relação dos alunos com os conteúdos há a
mediação do professor e a do dispositivo a que o estudante tem
acesso, na sua relação com as informações disponíveis. Em se
tratando da virtualidade, o universo de informações é imenso,
quase infinito, e complexifica mais a mediação docente.
Daí se falar em dupla mediação no processo de aprender, a
mediação do professor e a mediação do dispositivo conectado
à virtualidade. Assim, aos professores cabem tarefas mais
complexas do que a transmissão de saberes. Compete-lhes
fazer mediações neste espaço de relações entre o estudante,
o conhecimento e os meios divulgadores do saber, ou que
possibilitam acesso às diferentes informações.
A imagem a seguir busca sintetizar o processo de mediação
vivido pelo professor nessa época na qual as fontes de
informação, de saberes, de conhecimentos, estão disponíveis
além da escola e dos livros didáticos. O esquema tenta mostrar
que esse processo não é linear e nem tem um começo e um
fim. A sua expressão por meio de uma espiral, formada numa
grande rede, intenciona justamente mostrar a sua dinâmica
multilinear, múltipla, com diferentes junções, nós, nos quais
a relação se estabelece entre os personagens envolvidos no
processo educativo – os alunos e os professores – como ainda
relações com os dispositivos – as mídias armazenadoras das
informações e conhecimentos.
A relação dos estudantes com o conhecimento escolar ocorre
mediada pelo professor e pelas mídias, por algum dispositivo.
Daí a dupla mediação no processo de aprender. Nesse
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 133

processo, pela amplitude que a mediação dos dispositivos


midiáticos possuem, pode ocorrer de também os professores
se atualizarem junto aos alunos, vindo os envolvidos no
processo a se denominarem de aprendentes e/ou ensinantes.
Figura 1 – Espiral da dupla mediação na rede de
informações

Fonte: organizado pela autora, 2011.


Vale destacar diferenças entre esta compreensão de dupla
mediação no processo de ensinar e aprender e a compreensão de
dupla dimensão da mediação de Lenoir (1999, apud d’ÁVILA,
2001), que implica a mediação cognitiva e a mediação didática.
D’Ávila refere-se então, às duas dimensões da mediação e não
à dupla mediação no processo de aprender.
As duas dimensões da mediação são a mediação cognitiva
e a mediação didática. d’Ávila (2001) explica que a mediação
didática refere-se à modalidade de ação do professor que
procura tornar o objeto do conhecimento desejável ao aluno.
Ou seja, ela é externa, exercida pelo professor . A mediação
cognitiva, por sua vez, é interna ao sujeito, embora seja social
134 Mirza Seabra Toschi

antes de ser internalizada, interiorizada (p.22); além disso, é


intrínseca à relação do sujeito com o objeto (p. 20).
A figura 2 esquematiza as duas dimensões da mediação.
Figura 2 – Mediação cognitiva (MC) e Mediação Didática
(MD)
CONHECIMENTO
ESTUDANTE
S O

MC

MD

Fonte: d’Ávila, 2001.


Assim, na relação do estudante com o objeto do conhecimento
há a dupla mediação: do professor e do dispositivo usado
para acessar o conhecimento. Internamente à mediação há
também duas dimensões, a mediação cognitiva, realizada
pelo estudante, e a mediação didática, que é a intervenção do
professor.

CONCEITO DE DISPOSITIVO – Qualquer coisa, me liga!


Em 24 de maio de 1844, Morse transmitiu, de Baltimore a
Washington, a primeira mensagem telegráfica com os seguintes
dizeres: “Que é que Deus fez?”. O que diria Morse hoje se
acompanhasse as comunicações sem fio, móveis, como ainda
a própria existência da virtualidade, da cibercultura? O que
falaria dos espaços híbridos, no qual se encontram realidades
adjetivadas?
As técnicas já foram consideradas presentes dos deuses, já
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 135

intrigaram sociedades, foram enormes, incluíram a ciência e


tornaram-se tecnologias. Linguagens foram desenvolvidas
para cada tecnologia (TOSCHI, 2002). Elas se tornaram mídia,
foram se miniaturizando e, aos poucos, foram perdendo
sua materialidade, embora essa ainda seja sua principal
referência.
Para apresentar o conceito de dispositivo farei uso de
teorias da área de comunicação. Esta área busca este conceito
de dispositivo em Foucault e na teoria triádica de Pierce.
Klein (2007) observa que nenhum fenômeno midiático pode
ser compreendido se for abordado apenas na perspectiva
unidimensional de um dos aspectos apontados por Pierce, que
são as operações técnico-tecnólogicas, as semio-linguísticas e
as socioantropológicas.

Klein (2007) assevera que:


O dispositivo midiático se compõe de um conjunto de operações
(técnico-tecnológicas, semio-linguísticas e socioantropológicas),
que constituem uma rede entre diferentes elementos, ou uma
meada num conjunto multilinear. Os processos midiáticos
só podem ser bem compreendidos em sua complexidade
se estudados na perspectiva das diferentes relações que se
estabelecem entre as diversas dimensões em jogo. Nenhum
fenômeno midiático pode ser bem compreendido se somente
for abordado na perspectiva unidimensional, ou seja, olhando
apenas para os aspectos e as operações técnico-tecnológicas,
ou unicamente a dimensão sócioantropológica. Também não
poderão ser bem compreendidos os discursos midiáticos, se
forem estudados somente na perspectiva da linguagem (p. 4).

Esse alerta de Klein de que as múltiplas dimensões de


um dispositivo, a sociedade, a linguagem e a tecnologia se
acoplam e expressam o significado de dispositivo, contribui
para compreensão de que as tecnologias compreendidas como
dispositivos vão muito além da sua compreensão como aparato
tecnológico. Ir além significa identificar movimentos dialéticos
e interações entre diferentes dimensões do dispositivo (KLEIN,
2006). Continua o mesmo autor:
136 Mirza Seabra Toschi

A dimensão socioantropológica do dispositivo midiático significa


estar atento a tudo que é humano e social na comunicação
midiática e que participa do processo produtivo. Por um lado,
estão os sujeitos que são midiatizados, sua cultura, sua vida,
suas ações e suas instituições..., mas por outro, estão os agentes
midiáticos, sua formação, sua cultura e as instituições midiáticas
envolvidas. Na dimensão semio-linguística do dispositivo,
são destaque, as operações de linguagem que participam da
midiatização, as quais oferecem múltiplas possibilidades de
articulação ou desarticulação, bem como regras que criam
significados por meio da utilização de códigos e símbolos que são
organizados a partir dos enunciadores. O dispositivo enquanto
dimensão técnico-tecnológica é o mais destacado nos estudos
comunicacionais, especialmente quando se refere à produção
e circulação de imagens. O dispositivo, enquanto técnica, diz
respeito às operações realizadas, e enquanto tecnologia, aos
suportes tecnológicos, ou seja, as máquinas, os equipamentos e
instrumentos utilizados nos processos de comunicação (KLEIN,
2006, p. 6).

Desta forma, considera-se dispositivo um suporte material


e processual, portador de linguagens, conteúdos e símbolos,
que os sujeitos usam em sua vida, em sua cultura. Em síntese,
não é a materialidade que define um dispositivo, em especial
o dispositivo comunicacional que é, em grande medida,
simbólico. O que o delineia, na sua essência, são os processos
variados que seu suporte permite que ocorram e também os
conteúdos que perpassam por ele.
Continuando a apresentação de cada um dos termos que
compõem a CMDI, vejamos brevemente o termo indutor. O
adjetivo indutor refere-se àquilo que incita, instiga ou sugere.
É o que produz indução, no sentido de manter uma relação
constante entre dois ou mais fenômenos. Assim, um indutor é
algo que é vetor, que conduz, que orienta.
Desse modo, conforme Pellanda (2003), a liberação dos
fios, que servem de cordões umbilicais dos usuários com os
computadores, e a união do computador com a banda larga
estão possibilitando uma nova maneira de comunicação,
induzida por mídias novas, a nova mídia, novos dispositivos
que, mesmo múltiplos, convergem numa “mistura digital
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 137

online” (PELLANDA, 2003, p. 2), que inclui a Internet.


Na nova mídia, estão em simbiose os computadores, as
telecomunicações, os meios tradicionais de comunicação,
como o rádio, a TV, o vídeo, as imagens fixas e em movimento,
os textos, etc. Completa Pellanda (2003):
Além disto, a forma de interagirmos com o conteúdo não é
somente texto e fotos, já podemos contar com áudio, vídeo e
gráficos animados convergindo linguagens em uma nova grande
mídia. Isso é possível graças às tecnologias de conexão a rede
sem fio (p. 5).

O que se vê é que a portabilidade de celulares e palmtops


multimídia permite ao usuário buscar informação em todas
as horas e em todos os lugares (PELLANDA, 2003). Explica
melhor o mesmo autor:
A convergência de mídias se dá quando em um mesmo ambiente
estão presentes elementos da linguagem de duas ou mais mídias
interligados pelo conteúdo. O que se pretende mostrar é que as
linguagens originais de uma determinada mídia convencional
como o rádio quando entra no ambiente como o da Internet, em
que já existem outras, há uma interação natural entre elas. Está
interação de várias linguagens pode ser a origem de uma nova
que seria uma das inovações comunicacionais e definiria melhor
a Internet como mídia (p. 3).

Quando se unem, em um mesmo aparelho, as funções de


escrever, tocar, executar e gravar áudio e vídeo e, ao mesmo
tempo, estar conectado na Internet sem fios é porque temos
dispositivos móveis capazes de suportar a convergência de
mídias, ressalta Pellanda (2003) e, concomitantemente, eles
podem ficar conectados o tempo todo.
Devido à expansão dessa realidade, Pellanda (2003) observa
que temos uma mídia “invisível”, que está em todas as partes,
que nem é percebida como mídia, e isso pode criar um novo
ambiente de comunicação. Devido a este caráter “invisível”, o
que passa a ter importância é a mensagem (p.8).
Assim, apresentado os conceitos dos termos que explicam o
significado de Comunicação Mediada por Dispositivo Indutor
(CMDI), é possível apresentar o que entendo por CMDI.
138 Mirza Seabra Toschi

A Comunicação Mediada por Dispositivo Indutor refere-se


a processos democráticos de relação com o outro, que incluem
o reconhecimento do outro em sua completude, e da forma
como ele dá significado às mensagens que recepciona, ou
seja, pressupõe a intercompreensão dos agentes do processo
comunicativo. Inclui um processo de relação dialética
interdependente e de mediação que é dinâmica, mutável, que
não se realiza isoladamente, mas ocorre de maneira contextual,
interrelacional, histórica, o que explica seu caráter mutável. O
CMDI pressupõe a existência de um dispositivo que induz,
possibilita, facilita a comunicação, visto que possui um suporte
físico, que permite o trânsito da mensagem, tem conteúdo
decodificado em linguagem compreensível pelos que estão
inseridos nela, ou seja, inclui pessoas que se intercomunicam.
Deste modo, a CMDI não é uma técnica, nem uma tecnologia,
nem uma mídia, embora possua um suporte material. Não
é pura mensagem, ou linguagem, ou algo que se diz ou se
escreve, embora inclua isso também. Nem são apenas pessoas
que conversam, que dialogam sobre algo qualquer, mas é isso
também.

ESPAÇOS HÍBRIDOS E OS CELULARES – Se liga, ó meu!


O acesso digital com dispositivos móveis, como celular,
segundo Souza e Silva (2006), já não é mais ação solitária
como as que se realizam com os computadores de mesa, que
impedem a mobilidade física. A autora considera o celular
como uma interface (mediação) social, como meio digital
que intermedeia relações entre dois ou mais usuários (p.
23). O celular tornou-se meio de comunicação coletiva, uma
tecnologia social, e os internautas tornaram-se móveis, como
o dispositivo que medeia a relação entre a realidade virtual e
a realidade concreta.
Isso faz perder sentido o receio de que, para se navegar
na Internet, seja preciso se isolar das relações presenciais. O
virtual convive com o real e o potencializa.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 139

O celular já excedeu número de computadores pessoais no


mundo e a comunicação via voz tem sido a função do celular
menos utilizada pelos jovens (SOUZA e SILVA, 2006, p. 25)
em grande parte dos países, em especial no Japão, o que
aponta para isso também ocorrer no Brasil. O celular tornou-
se um meio de comunicação coletiva (p. 26), uma tecnologia
social, um dispositivo indutor. Isso se tornará corriqueiro na
compreensão do que seja celular. O acesso à Internet no celular
tem vindo nos modelos novos como uma função comum
neles.
No Brasil, o SMS2, depois da voz, é a funcionalidade
mais utilizada nos celulares e 86,84% dos celulares já têm a
tecnologia GSM3, que possibilita acesso à Internet. Este padrão
de telefonia atende mais de dois bilhões de pessoas no mundo
em mais de duzentos países.
A possibilidade de conexão constante, possibilitada pelo
celular e por outros dispositivos, transforma a experiência
de espaço e inclui tanto interações sociais físicas, quanto as
conexões ao espaço informacional, à virtualidade.
Estes aparelhos estão cada vez mais presentes em forma de
celulares, computadores de mão, computadores para carros,
pequenos laptops e computadores portáteis em forma de
pranchetas com reconhecimento de escrita (Tablet PC). Todos
este aparatos tecnológicos usam tecnologias como o WI-FI 1,
GPRS1 ou Bluetooth1 que permitem que se conectem na Internet
ou uns com os outros sem fio (PELLANDA, 2003, p.8).

É crescente o número de aparelhos celulares no Brasil. Se


em 2005, eram 55,8 milhões, o país encerrou o ano de 2010
com quase duzentos milhões de celulares ativos. Conforme
informações da Agência Nacional e Telecomunicações
(Anatel), em fevereiro de 2011, este número subiu para 207,
6 milhões de celulares contra 205,15 milhões em janeiro do
mesmo ano. Foram mais de dois milhões de celulares em
apenas um mês. Com este número a teledensidade do país,
qual seja, o número de celulares para cada cem habitantes,
passou de 100,44 pontos em outubro de 2010, para 105,74 em
140 Mirza Seabra Toschi

janeiro de 2011, e 106,91 em fevereiro de 2011. Há um ano,


ou seja, em fevereiro de 2010, a teledensidade era de 91,87
celulares em cem habitantes.
Pesquisa realizada pela Wireless World Forum (www.
wireless-world-research.org/) sobre o uso de telefones
celulares revelou que os jovens de hoje gastam oito vezes mais
com telefonia celular do que com música, dedicando até 20%
de seu dinheiro para comunicação e serviços associados, o
que levaria ao declínio na venda de CDs, chocolate e cigarros
(http://tecnologia.terra.com.br/interna/0,,OI1558661-
EI4796,00.html).
No Brasil, de acordo com pesquisa divulgada pelo Ibope,
jovens de 16 a 24 anos representam um quarto dos usuários
nas 11 maiores capitais do Brasil.
Várias outras pesquisas sobre o uso de celulares são
frequentemente divulgadas e numa delas, sobre o perfil do
usuário de celular, há resultados que surpreendem, tais
como: a) o Nordeste é a segunda maior região em número de
celulares; b) o Norte é a região onde existe maior penetração
de acesso à internet pelo celular; c) a penetração de celular
no Centro-Oeste é superior à do Sudeste, provavelmente por
sediar o Distrito Federal; d) mais de 30% dos jovens entre 10
e 14 anos têm celulares (http://www.mobilepedia.com.br/
noticias/perfil-do-usuario-de-celular-no-brasil).
Tem sido cada dia mais comum vermos crianças portando
celulares. Estes telefones móveis vão junto com eles às escolas.
Se for proibido, como tem sido, seu uso durante o período das
aulas, é liberado no intervalo do lanche e ao final das aulas.
Isso já basta para ser considerado como um dispositivo que já
chegou às escolas. Se a escola tem proibido seu uso é porque
já está presente nela, incomoda os professores, dificulta o
andamento das aulas, porque os estudantes burlam as regras
e o usam independentemente das proibições.
Estes dados nos autorizam a inferir que as escolas são
espaços híbridos? Poderia, então, a escola ser um espaço
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 141

híbrido? Pelo conceito de Souza e Silva sim. Diz ela:


Um espaço híbrido, então, é um espaço conceitual criado pela
fusão das bordas entre espaços físicos e digitais, devido ao uso
de tecnologias móveis com interfaces sociais. Entretanto, um
espaço híbrido NÃO é construído por tecnologia. É, sim, criado
pela conexão da mobilidade e comunicação, e materializado por
redes sociais desenvolvidas simultaneamente em espaços físicos
e digitais (2006, p. 32).

Para Souza e Silva (2006), os fluxos de informação que


aconteciam no ciberespaço podem ser percebidos agora com
os celulares que possibilitam acesso à Internet, como fluxos
para dentro e para fora do espaço físico, esvanecendo as
bordas de ambos (p. 31). Os aparelhos móveis criam relação
mais dinâmica com a Internet, incluindo-a em atividades
cotidianas que acontecem ao ar livre.
“Celulares transgridem relação tradicional com a Internet,
porque se permite ter acesso a ela em espaços públicos”
(SOUZA e SILVA, 2006, p. 47), tal como é a escola. A escola
é espaço físico público e, assim, a escola pode também ser
espaço híbrido. Segundo Silva (2006), a mudança de interface
transforma as relações sociais que medeia, mas também os
espaços onde está embutida.
Está em processo de implantação nas escolas, o Programa
Um Computador por Aluno (PROUCA). Este Programa
objetiva ser um projeto educacional, utilizando tecnologia,
inclusão digital e adensamento da cadeia produtiva comercial
no Brasil. Para este fim, coloca-se um computador com conexão
à Internet nas mãos de cada aluno e de cada professor das
escolas que fazem parte do Programa.
O PROUCA teve início, em 2007, como experimentos
iniciais, em cinco escolas representativas de cinco estados: em
São Paulo-SP, Porto Alegre-RS, Palmas-TO, Piraí-RJ e Brasília-
DF.
Em 2010, perto de 150 mil laptops foram distribuídos a
trezentas escolas públicas previamente selecionadas. Em seis
municípios, todas as escolas receberam os computadores. A
142 Mirza Seabra Toschi

partir de 2011 novos municípios ingressarão no Programa.


O laptop possui configuração exclusiva e requisitos
funcionais únicos: tela de cristal líquido de sete polegadas,
bateria com autonomia mínima de três horas, capacidade de
armazenamento de 4 gigabytes, 512 megabytes de memória e
peso de até 1,5 kg. As escolas receberam infraestrutura para
rede sem fio para conexão da Internet.
Como têm sido as aulas nas escolas que fazem parte do
Programa? Como os professores estão agindo pedagogicamente?
Os alunos estão gostando? E os professores? E os gestores?
Por que o projeto optou por pequenos computadores e não
por celulares?
Inúmeras questões estão sem respostas. Faltam pesquisas.
Precisamos saber o que está acontecendo nessas escolas. No
entanto, de antemão, sabemos que muitas mudanças devem
ter ocorrido, sem saber se foram positivas ou negativas. Será
que a escola vai mudar?

ESCOLA COMO ESPAÇO HÍBRIDO – construir uma nova


escola!
Gilberto Alves (2005), no livro A produção da escola pública
contemporânea, seu estudo de pós-doutorado, pesquisou a
escola pública a partir da sua produção material, de um ponto
de vista histórico. Para isso, reestudou os clássicos, como a
Didática Magna de Comenius. Concluiu que a escola ainda
mantém o modelo manufatureiro do trabalho didático, apesar
de todas as transformações vividas pelo sistema capitalista.
Como resultado do estudo propõe a produção de uma
nova instituição escolar, no que diz respeito à organização
do trabalho didático, aos materiais de trabalho, e de um
novo profissional da educação; enfim, de uma nova didática.
Observa Alves (2005) que esta iniciativa tem recebido pouca
atenção dos educadores e assevera:
Torna-se inadiável, em nosso tempo, radicalizar a discussão
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 143

teórica dessa questão, primeiro passo para historicizá-la e


colocá-la no patamar de importância que merece, bem como
para nortear iniciativas visando levá-la à prática. A análise
retrospectiva revelou que a organização do trabalho didático
vigente nos estabelecimentos educacionais de nosso tempo
foi fundada por Comenius no século XVII, sob a inspiração da
organização manufatureira do trabalho. No âmbito do trabalho
didático, arraigado às suas origens, continuam a ser utilizados
os mesmos instrumentos preconizados pelo autor de Didáctica
Magna, em especial o manual didático, que domina e dá a tônica
à atividade de ensino (grifos do autor, p. 230-1).

Alves mostra que é um paradoxo a escola ignorar, e


não deixar penetrar nela, o conhecimento culturalmente
significativo que circula fora dela. Mostra que, pelos mais
variados recursos, o homem pode ter acesso ao conhecimento
produzido nos centros científicos mais avançados, consultar
bibliotecas e arquivos de expressivas instituições culturais do
mundo.
Alves afirma também que “a materialidade escolar impõe
aos educadores uma prática que reproduz a superada forma
comeniana de organização do trabalho didático” (p. 233).
Propõe assim a construção de uma nova didática, que incorpore
as condições contemporâneas da humanidade.
Alves menciona, e concordo com ele, que o desafio de
mudar radicalmente a relação professor-aluno, subtraindo do
professor a simples reprodução e transmissão dos conteúdos
do livro didático, leva à valorização das funções docentes de
planejamento, direção do processo didático e avaliação das
atividades dos estudantes.
Os novos materiais que ainda são subterrâneos à escola e
à sala de aula, como a Internet, espaço pleno de informações,
que é acessada por meio do computador, de um celular,
Iphone, ou de um outro dispositivo tecnológico múltiplo que
se organiza em múltiplas linguagens (a escrita, a oral, a da
imagem fixa e em movimento, na música, nos sons os mais
variados), são acessados pelos jovens – e eles gostam muito
disso – independentemente das orientações docentes.
144 Mirza Seabra Toschi

Os jovens que estão nas escolas hoje, tanto na educação


básica como na superior, vivenciam essa situação há
tempos e essa familiaridade com as tecnologias alterou sua
sociabilidade, afetividade e forma de aprender. A partir dessas
análises podemos dizer que tais dispositivos, meios de acesso
a conteúdos, alteram estes conteúdos e tornam-se mediação
no processo de aprender.
Depois desta reflexão, é possível entender que há uma
possibilidade de a escola se tornar um espaço híbrido, na
concepção anteriormente exposta. No entanto, ela ainda não é
esse espaço. Muita coisa há para ser mudada. Necessário se faz
discutir e atuar sobre a materialidade dos seus instrumentos,
a organização do trabalho pedagógico, a concepção de
conhecimento, as metodologias de ensino, a formação de
professores. Com certeza, intervir nisso tudo é muito mais
difícil e trabalhoso do que adquirir dispositivos midiáticos.

NOTAS
1. Há de se discutir também a diferença entre informação e conhecimento.
Enquanto a informação é o dado sem análise, o conhecimento é a informação
teorizada, analisada, compartilhada.
2. SMS são as iniciais de Short Message Service, um serviço de transmissão
de mensagens curtas de/para telefones móveis, fax e endereços IP. Cada
mensagem não pode conter mais que 160 caracteres e não admitem imagens.
É popularmente conhecida como torpedo. Uma vez enviada, a mensagem
é recebida por um centro SMSC (Short Message Service Center), que, então,
a retransmite ao dispositivo móvel de destino. Se o destino estiver fora da
área ou desligado a mensagem é armazenada até que possa ser enviada.
Disponível em: (http://www.babooforum.com.br/forum/index.php?/
topic/131986-glossario-de-termos-de-celular/). Acesso em 05.04.2011.
3. GSM - Global System for Mobile communications. É o mais popular
padrão para redes de telefonia celular no mundo, com mais de 82% do
mercado em 212 países, atendendo 2 bilhões de pessoas. No Brasil é
usado por todas as principais operadoras de telefonia celular: TIM, Vivo,
Claro, Oi e Brasil Telecom. Disponível em: (http://tecnologia.uol.com.br/
ultnot/2007/12/13/ult4213u231.jhtm). Acesso em 05.04.2011.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 145

REFERÊNCIAS
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contemporânea. 3. ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados,
2005.
BARBERO, Jesús Martín. América Latina e os anos recentes:
o estudo da recepção em comunicação social. In: SOUZA,
Mauro Wilton de. Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo:
Brasiliense, 1995.
d’ÁVILA, Cristina. Mediação cognitiva e mediação didática:
do desejo à sedução do aprender. Salvador: UFBA, 2001. (tese
– cap.2).
KLEIN, Otavio José. A gênese do conceito de dispositivo e sua
utilização nos estudos midiáticos. Estudos em Comunicação
nº 1, 215-231 Abril de 2007. Disponível em: <www.ec.ubi.
pt/.../klein-otavio-genese-do-conceito-de-dispositivo.pdf>
Capturado em: 26 de março de 2011.
MAFFEI, Fabiana Agostini. Educação: Qualquer coisa me
ligue! – o uso do celular. Sem data. Disponível em: <www.
projetos.unijui.edu.br/.../fabiana_comput.htm> Capturado
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MONTARDO, Sandra Portella. Comunicação como forma
social: proposta de interseção entre a comunicação e a
Cibercultura. Disponível em: www.intercom.org.br/papers/
nacionais/2005/resumos/R0518-1.pdf Capturado em 06 de
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SOUZA E SILVA, Adriana de. Do ciber ao híbrido: tecnologias
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Denize Correa (org.). Imagem (ir) realidade – comunicação e
cibermídia. Porto Alegre: Sulina, 2006.
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pensamento. Intercom - XXVI Congresso Anual em Ciência
da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de
2003. Disponível em: <galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/
146 Mirza Seabra Toschi

bitstream/1904/.../NP8PELLANDA.pdf> Capturado em: 17


de fevereiro de 2011.
OROZCO GÓMEZ, Guillermo. La investigación em
comunicación desde la perspectiva cualitativa. México:
Universidade Nacional de La Plata, 1997.
TOSCHI, Mirza Seabra. Linguagens midiáticas em sala de aula
e a formação de professores. In: ROSA, Dalva E. Gonçalves e
SOUZA, Vanilton, Camilo de. Didática e práticas de ensino:
interfaces com diferentes saberes e lugares formativos. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação.
Tradução Vanise Pereira Dresch. São Paulo: Paulus, 2006.
CAPÍTULO VII

UMA AGENDA PARA A DIDÁTICA HOJE:


ATUALIZANDO POSSÍVEIS PRIORIDADES

Adélia Maria Nehme Simão e Koff

PARA INÍCIO DE CONVERSA


Quando recebi o convite para participar de uma mesa
redonda ao lado do professor José Carlos Libâneo, durante o
III EDIPE de Goiás, cujo tema seria conteúdo da didática entre
os temas clássicos e os novos: há exigências entre as exigências da
escolarização e as práticas socioculturais, imediatamente, fui
levada a fazer uma série de reflexões. É como se eu tivesse
sido provocada a fazer memória, mas também um mix de
associação de ideias, a partir de algumas palavras e expressões
que soaram para mim como geradoras/provocadoras dessas
memórias e reflexões.
Há primeira delas eu poderia dizer que foi Libâneo, um
nome que me levou para o início dos anos 80 quando entrei
no mestrado na PUC do Rio de Janeiro e, entre tantos outros
assuntos, passei a estudar, na disciplina de Didática, o que a
professora Vera Candau nos apresentava como as abordagens
e/ou as tendências pedagógicas, trazendo para a reflexão do
grupo quais eram as característica das perspectivas Tradicional,
Escolanovista, Cognitivista, Comportamental, entre outras
concepções, sempre chamando a atenção para o fato de que
toda categorização tem lá seus problemas. E, nesse contexto,
eu aprendia que, exatamente naquele momento, estava
acontecendo um intenso debate no interior do que estávamos
chamando de abordagem e/ou tendência Sociocultural ou
Politicossocial ou ainda Pedagogia Progressista. Tratava-se
do confronto entre as propostas de Paulo Freire, encarnando a
Pedagogia Libertadora e as de Libâneo que, ao lado de Saviani,
defendia a Pedagogia Crítica Social dos Conteúdos.
148 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Eu aprendia, naquele momento, que, embora tais propostas


tivessem em comum conceber
A educação inserida no contexto das relações sociais, onde
convivem interesses antagônicos, entre as classes sociais
fundamentais, e atribui-lhe, assim, finalidades sociopolíticas
dentro de um projeto histórico social de emancipação humana”
(LIBÂNEO, 1984, p.192),

elas tinham significativas diferenças. Inúmeros eram os


argumentos para marcar tais diferenças, mas era o próprio
Libâneo (1984, p. 192 e 194) que ressaltava: enquanto a
Pedagogia Libertadora priorizava o processo, ou seja, o modo
de aquisição do conhecimento, a Pedagógica Crítica Social
dos Conteúdos valorizava “a aquisição desses conteúdos,
assimilados criticamente e reelaborados, como instrumento de
elevação cultural do povo”, o que para ele significava resgatar
a função histórica da educação escolar, compreendendo-a
“enquanto atividade mediadora entre o individual e o social,
entre o aluno e a cultura social acumulada”.
Não vou aqui relatar como esse debate evoluiu (acredito que
muitos dos que estão aqui presentes participaram ou ouviram
falar ou já estudaram esse assunto) e nem me posicionar diante
dele, pois esse não é o tema específico da nossa mesa redonda.
Entretanto, posso compreender porque fui tomada por essas
lembranças. Mesmo isso tendo acontecido há mais de 25 anos,
elas fazem sentido nesse momento. E justifico: para mim,
discutir sobre função da escola, relação entre escola e demais
práticas sociais, aquisição e/ou construção conhecimentos
escolares, quais são esses conhecimentos escolares, papel dos
saberes socias e/ou dos conhecimentos sitematizados, tensão
entre processo e produto na prática escolar, perspectivas
que marcam e/ou tendências da prática pedagógica escolar
na contemporaneidade (temas que reconheço como pano de
fundo e relevantes naquele debate) é discutir e refletir sobre
o que considero também “conteúdos” da Didática, ou seja é
discutir e refletir sobre algo que dá título a essa mesa redonda.
E é discutir sobre temas que ainda nos mobilizam e vão
mobilizar por muito tempo as nossas energias.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 149

Dada a complexidade do contexto atual, creio que os


desafios da escola hoje são ainda maiores do que aqueles que
enfrentávamos no início dos anos 80. E se já naquela época
não tínhamos respostas suficientes, atualmente esses e outros
assuntos ainda estão na ordem do dia, exigindo outras e/
ou novas respostas e, portanto não podem deixar de ser
considerados como assuntos/“conteúdos” que dizem respeito
à Didática. Cabe reiterar que, em consonância com Candau
(2009, p. 47) reconheço que a problemática da educação
escolar é bastante ampla, compreende diferentes dimensões,
tais como:
Universalização da escolarização, qualidade da educação, projetos
politicopedagógicos, dinâmicas internas das escolas, concepções
curriculares, relações com a comunidade, função social da escola,
violência escolar, processos de avaliação institucional e nacional,
formação de professores entre outras.

Dimensões e/ou preocupações que nos remetem para


uma ideia-força que já parece consensual: “a necessidade de
reinventar a educação escolar, para que esta possa adquirir
maior relevância para os contextos sociopolíticos e culturais
atuais e as inquietudes das crianças e dos jovens” (Candau, 2009,
p. 47). E como não considerar que tudo isso são dimensões e/
ou preocupações que também estão relacionadas à Didática.
E, como costuma acontecer nas associações de ideias, eu
continuei fazendo outras conjecturas, levando em conta a
expressão conteúdo da Didática, presente no título dessa
mesa redonda. Será que teriam a expectativa de que eu
apontasse esses “conteúdos” ou os problematizasse? E logo
um novo pensamento tomou conta de mim. Como professora
de Didática, desde 2000, tenho tido a necessidade de elaborar
planos de curso, o que sugere ter que decidir, entre outros
aspectos, sobre que “conteúdos” trabalhar nessa disciplina.
E, nesse caso, tenho me confrontado com um dilema. De um
lado, as minhas apostas, no sentido de que é preciso conceber
um programa que busque superar uma visão meramente
instrumental da Didática - vale sublinhar que essa foi outra
aprendizagem que fiz também no início dos anos 80, quando
150 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

participei do seminário a Didática em Questão e logo me


identifiquei com a fala da professora Vera Candau (1982),
na perspectiva de que era preciso avançar na construção de
uma Didática Fundamental, mais tarde denominada Didática
Crítica. E, de outro lado, uma cobrança muito grande dos meus
alunos e das minhas alunas, querendo aprender como dar
aula, passo a passo, ou seja, insistindo nos aspectos técnicos
e/ou instrumentais.
É, portanto nesse clima de tensão - entre o meu desejo
e a minha intenção de construir uma Didática para além
de sua dimensão técnica e as expectativas e interesses
mais imediatistas dos/as discentes, que parecem desejar e
privilegiar fórmulas prontas de como fazer o seu trabalho
- que me dedico a definir a cada novo semestre letivo que
“conteúdos” de Didática privilegiar. Também não é o caso de
apresentar aqui os diversos programas/conteúdos que tenho
trabalhado, mas acho que cabe partilhar alguns aspectos que
orientam as minhas decisões.
O primeiro diz respeito ao fato de que reconheço que essa
tensão é provocada, na verdade, por uma falsa dicotomia.
Propor superar uma visão meramente instrumental da
Didática (mais associada ao como fazer aula, ou como ensinar,
ou como fazer alguém aprender ou ainda que métodos,
técnicas e recursos usar para promover aprendizagens) não
significa que tenhamos que deixar de lado as preocupações
com a organização, realização e avaliação do trabalho docente
e/ou da prática didática. Ou seja: superar uma perspectiva
meramente instrumental da Didática, não significa negar
a possibilidade de planejar, realizar e avaliar o processo de
ensino-aprendizagem, mas antes de tudo e ao mesmo tempo
me parece necessário, entre outras questões, planejar, realizar e
avaliar esse processo de ensino-aprendizagem, tendo presente
as prováveis e/ou possíveis respostas para perguntas como,
por exemplo: por que?, para que?, com quem?, onde?, em que
local?, o que ensinar e aprender? Na verdade, entendo que isso
é o mesmo que dizer que o processo de ensino-aprendizagem
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 151

(que, para mim, é o objeto da Didática) tem como seus


estruturantes e/ou dimensões não só os sujeitos que dele
participam – professor/a e alunos/as -, os conhecimentos e
valores, mas também as suas intenções, finalidades, metas e os
seus contextos – do local ao planetário. E isso é o mesmo que
dizer que não é mais possível pensar o processo de ensino-
aprendizagem “despido” do que considero lhe dá identidade,
ou seja, a sua multidimensionalidade. O que me parece vai
exigir da Didática tratar de diferentes e amplos “conteúdos”,
melhor dizendo, questões, se quisermos dar conta de seu
objeto.
Nesse momento, sou levada a me lembrar da pergunta que
muitos alunos e muitas alunas me têm feito (e que talvez quem
esteja lendo esse texto ou me ouvindo também me faça): qual
seria então a especificidade da Didática? E a minha resposta
tem sido: eu não estou preocupada com isso. Ou ainda: não
creio que definir essa especificidade é algo tão relevante, o
que espero mesmo é que as nossas discussões, travadas no
interior da disciplina Didática, contribuam na perspectiva de
nos fundamentar para que, diante de cada desafio, possamos
encontrar alguns caminhos que contribuam para a reinvenção
da educação e/ou da prática escolar e, consequentemente para
a reinvenção do processo de ensino-aprendizagem. E ressalto:
já sabemos que não há um só caminho. Ao contrário serão
muitos que vão se construir no próprio processo e em diálogo
com os sujeitos/atores e os contextos nos quais estão inseridos.
Essa para mim, talvez seja a especificidade da Didática: não
ter fórmulas e precisar lidar com diferentes dimensões, com
diferentes perguntas, já que seu objeto acontece no interior de
contextos e com sujeitos/atores em constantes movimentos.
Outro aspecto que me ajuda a tomar decisões sobre o
que vou trabalhar ou que “conteúdos” vou privilegiar para
ensinar e aprender Didática está relacionado à minha própria
formação e trajetória como professora primária já que eu estou
atuando na Licenciatura de Pedagogia. E, então, volto à minha
Escola Normal, revejo o manual de Didática de Luis Alves de
152 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Mattos, reencontro o prêmio que recebi ainda como aluna,


por saber realizar (pelo menos na teoria) um determinado
método de alfabetização, revejo os impecáveis planos de aula
que sabia ou pensava saber fazer, faço memória das inúmeras
técnicas didáticas que conseguia definir, reescrevo uma imensa
listagem de objetivos gerais e específicos segundo regras e
critérios claramente definidos, mas acabo me reencontrando
e batendo de frente com uma pergunta que durante muito
tempo me deixou inquieta: porque, mesmo sabendo fazer
tudo isso, ou seja, mesmo sabendo planejar e realizar passo
a passo tudo o que havia aprendido naquele manual e em
vários outros, e mesmo sabendo ou achar que sabia usar
conceber instrumentos de avaliação, tive que enfrentar
inúmeras dificuldades para fazer as crianças aprenderem
e ainda lidar com o desinteresse pelas minhas propostas, a
evasão e a repetência dos meus alunos e das minhas alunas.
E acabo encontrando a resposta em tudo o que estudei e vivi
até aqui. Embora eles sejam necessários quando se trata da
educação e/ou da prática escolar, de nada me adiantam todos
os planejamentos, métodos, técnicas, recursos e instrumentos
de avaliação se eu não considerar que tudo isso precisa estar
a serviço dos/as alunos/as, ou seja, a serviço dos sujeitos/
atores do processo de ensino-aprendizagem e que eles são
culturalmente diferentes, pois eu também acredito que
Não há educação que não esteja imersa nos processos culturais
da sociedade, particularmente do momento histórico e do
contexto em que se situa. Nesse sentido, não é possível conceber
uma experiência pedagógica “desculturalizada”, isto é, em que
nenhum traço cultural a configure. Existe uma relação intrínseca
entre educação e cultura1 (CANDAU, 2009, p. 47 e 48).

E é nesse contexto de reflexões que vou construindo o


que talvez sejam os “conteúdos” da disciplina Didática sob
minha responsabilidade, com a certeza de que não existe
uma única possibilidade e/ou listagem, mas um universo
complexo e amplo de questões a serem tratadas e que vão
sendo privilegiadas à medida que meus alunos e minhas
alunas e contextos vão demandando novas perguntas ou
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 153

vão fazendo novas exigências. E, no meu ponto de vista,


provavelmente esse mesmo movimento também acontece no
campo da Didática (na pesquisa, na docência e na ação). Em
outras palavras, “os conteúdos” e/ou as reflexões e/ou as
práticas didáticas são diversos, amplos e priorizados, seja em
função das inquietações que experimentam, seja por conta dos
desafios que precisam enfrentar.
E o meu circuito de associação de ideias foi mais uma vez
provocado diante da expressão entre os temas clássicos e
os novos também contida no título da nossa mesa redonda.
Por tudo que refleti e expressei até aqui, sou levada a pensar
que não cabe mais separar as coisas assim. Já não dá mais
para considerar planejamento, ação, avaliação e outros
aspectos diretamente correlatos (esses ainda parecem ser os
“conteúdos” mais identificados com o que seria próprio da
Didática) como temas clássicos em oposição a outros e novos
temas. Se em 2000 Candau propôs revisitar esses aspectos,
então iluminados por novos princípios e desafios e os chamou
de temas clássicos, naquele momento, isso parecia fazer todo
o sentido. E explico: a proposta de superar a dimensão técnica
da Didática ainda poderia estar sendo confundida com a ideia
de negá-la, ao mesmo tempo que era preciso lidar com novas
questões e/ou exigências bastante complexas e assim esses
chamados temas clássicos estariam sendo colocados de lado
ou, no mínimo, considerados como algo secundário, tanto
pelo pensamento como pela prática Didática. Era preciso,
portanto romper com essa tendência e buscar recolocar a
discussão em torno deles. Creio que hoje não cabe mais tratá-
los desse modo. Acho que talvez seja mais adequado pensar
sobre isso e tudo mais que vem sendo objeto da pesquisa e da
ação Didática dentro de uma rede de temas e/ou questões que
se articulam e se complementam, na perspectiva de tecer um
pensamento/teoria e ação/prática Didática, comprometidos
com a construção/reinvenção de uma educação escolar
mais antenada com as exigências de nosso tempo, contextos
e sujeitos/atores no seu momento histórico e lugar, e assim
contribuir para a construção de uma sociedade – local e
154 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

planetária – mas justa e solidária.


E para concluir, o que era para ser um início de conversa
a título de introdução, gostaria de dizer que essa associação
de ideias foi me ajudando a construir a proposta que faço a
seguir: apresentar como núcleo da minha reflexão nessa mesa
redonda uma proposta de agenda para a Didática hoje,
incorporando e/ou atualizando aquela que foi elaborada pela
professora Vera Candau em 2000. Mas é preciso dizer que ela
me autorizou e até me incentivou a fazer esse movimento e, sem
dúvida, foi uma interlocutora e parceira nessa construção.

UMA AGENDA PARA A DIDÁTICA HOJE


Antes de tudo, é preciso dizer que não pretendo esgotar, no
âmbito dessa mesa redonda e consequentemente nesse texto,
todos os itens que podem compor o que seria uma agenda
para a Didática hoje - acredito que também, nesse caso, não
há uma única possibilidade. Nem tampouco tenho a intenção
de esgotar a reflexão que, com certeza, é possível desenvolver
no interior de cada item que apresento a seguir. O que me
motiva é a possibilidade de provocar novas discussões e outras
buscas nesse movimento (e é o movimento que me importa)
na perspectiva de fazer avançar o conhecimento no campo da
Didática.
Um ponto de partida - a crença de que é preciso reinventar
a prática e/ou o formato escolar.
Concebida para educar crianças e jovens, entendo que não
é exagero dizer que a escola, principalmente no século XX, foi
um ponto de referência significativo de toda a ação educativa
intencional ou, se preferirem, formal e que, ainda hoje, é uma
instituição importante, central mesmo, na vida das pessoas e
da sociedade.
Fundamental na constituição do próprio ethos da modernidade,
ela tem sido um dos pilares do processo de transmissão e
inculcação de condutas, normas e saberes que transformam
crianças e jovens em seres educados, portadores das habilidades
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 155

que habilitam a viver em um mundo que proclama almejar a


ordem e a convivência harmoniosa, respaldado na supremacia
da razão (COSTA, 2003).

Além disso, já se passaram cerca de pouco mais de


duzentos anos (no Brasil, pouco mais de cem anos) desde a
invenção da escola e seu ideário e formato original - que prevê
espaços e tempos específicos destinados à aprendizagem,
uma determinada configuração institucional e, ainda, uma
determinada organização pedagógica - parecem se manter
muito próximos daqueles que a caracterizavam na emergência
do mundo moderno. E mais do que isso, parecem se manter
hegemônicos e naturalizados (CANÁRIO, 2006).
Por sua vez, é possível afirmar que essa mesma escola
também passou por várias transformações e já há um bom
tempo está em questão. O que significa dizer que, ao longo de
sua existência e sucessivamente, a instituição escolar passou
por mutações que a fizeram caminhar “de um modelo de
certezas para um modelo de promessas e, finalmente, para um
terceiro, marcado pela incerteza” (CANÁRIO, 2006, p. 13).
E é nessa última perspectiva que, em várias partes do
mundo, inclusive no Brasil, uma pergunta tem sido formulada
com muita frequência pelos/as educadores/as de diferentes
formações, crenças e perspectivas analíticas: a escola tem
futuro? Vale dizer que para mim essa é uma pergunta síntese,
na medida em que ela expressa e sistematiza vários outros
questionamentos do tipo: por que a escola fracassa? Por que
os/as alunos/as não conseguem mais aprender, quando o que
está em jogo é o que se ensina na escola? Por que o modelo
ou até mesmo os modelos de escola, tal como os concebemos
até hoje, faliram? Para que serve, atualmente, a escola se o
conhecimento está acessível em muitos outros lugares? Por
que as crianças e os jovens têm tanto desinteresse pela escola,
hoje?
Ao mesmo tempo, entendo que essas questões sobre o
destino da escola tendem a se justificar e a se alimentar das
inúmeras críticas que lhe são feitas, como por exemplo, aquela
156 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

que ressalta que quando desafiada a se posicionar frente à


existência de uma revolução tecnológica sem precedentes
que afeta, entre outros aspectos, os chamados processos
de produção, disseminação e consumo de conhecimentos,
frente à globalização da sociedade que atinge os sistemas
produtivos, de organização do trabalho e o próprio modelo
vigente de desenvolvimento econômico que tem gerado
significativa exclusão social e, também, frente às mudanças
de paradigma da ciência e do conhecimento que influem na
pesquisa, na produção do conhecimento e, consequentemente,
no processo de ensino-aprendizagem, à crise ambiental e ética,
a escola parece se manter, na maioria das situações, distante e
cristalizada.
Outra crítica também muito comum tem sido aquela que
denuncia o seu caráter padronizador, homogeneizador e
monocultural (CANDAU, 2000a), transformando-a num
espaço que dialoga pouco ou sequer dialoga com a(s) cultura(s)
de referência dos sujeitos/atores que dela participam.
A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão
de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos
textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas
dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas
de vida rurais e dos povos desfavorecidos (exceto os elementos
de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou dos maus
tratos, o racismo e a xenofobia, as consequências do consumismo e
muitos outros problemas que parecem “incômodos”. Consciente
ou inconscientemente se produz um primeiro velamento que
afeta os conflitos sociais que nos rodeiam cotidianamente
(GIMENO SACRISTÁN, 1995, p. 97).

Todas essas críticas, entre outras que poderiam ser aqui


apontadas, sugerem a escola dos nossos dias como um lugar
desinteressante e pouco comprometido com a realidade
complexa que marca o século XXI e na qual ela está inserida,
levando, inclusive, alguns/mas educadores/as a expressarem
o que se convencionou chamar de ‘crise da escola’.
Sentimos que a escola está em crise porque percebemos que ela
está cada vez mais desenraizada da sociedade. Como referi antes,
a educação escolarizada funcionou como uma imensa maquinaria
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 157

encarregada de fabricar o sujeito moderno. Foi principalmente


pela via escolar que a espacialidade e temporalidade modernas
se estabeleceram e se tornaram hegemônicas. [...] Mas o mundo
mudou e continua mudando, rapidamente sem que a escola esteja
acompanhando tais mudanças (VEIGA-NETO, 2003, p. 110).

Nesse sentido, Candau (2006, p. 35) destaca:


Acreditamos que o mal-estar presente nas nossas escolas, entre os
educadores e educadoras, assim como entre os alunos e alunas,
exige que nos enfrentemos com a questão da crise atual da escola
não de um modo superficial, que tenta reduzi-la à inadequação
de métodos e técnicas, à introdução das novas tecnologias, ou
ao ajuste da escola à lógica do mercado e da modernização. Para
nós a crise da escola se situa em um nível mais profundo...

Tal alerta talvez explique porque as diversas e constantes


reformas educacionais que nos últimos quarenta anos
atingiram os sistemas de ensino, de um modo geral, parecem
não ter alcançado os seus objetivos, ou seja, não responderam
satisfatoriamente a toda ordem de problemas que esses
sistemas tiveram que enfrentar ou enfrentam até hoje.
Segundo Canário (2006, p. vii), por exemplo,
O diagnóstico atual da escola é sombrio e as referências à sua
“crise” são recorrentes, por três razões principais: baseada em
um saber cumulativo e revelado, a escola é, hoje, obsoleta, sofre
de um déficit de sentido para os que nela trabalham, além de
ser marcada por um déficit de legitimidade, na medida em que
faz o contrário daquilo que promete, originando legiões de
insatisfeitos.

Em função desse contexto, alguns educadores e educadoras


têm decretado o fim da escola ou, para ser mais precisa, têm
proclamado a sua decadência, principalmente quando ela
teima em “estabelecer uma ordem estável e ordenada em
torno de finalidades homogêneas” (DUBET, 1994), e destacam
que essa escola não faz mais sentido em um mundo onde
ocorrem mudanças rápidas, intensas e em todas as direções/
dimensões e que, a todo o momento, sugerem novas formas
de ser e viver.
Mas existem também outros/as educadores/as (dentro
158 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

os/as quais eu me incluo) que refutam a sua inutilidade ou


o seu anacronismo e sublinham a necessidade da escola ser
repensada, recriada mesmo, na perspectiva de ser
Um espaço de busca, construção, diálogo e confronto, prazer,
desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes
possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização
cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo o processo
educativo (CANDAU, 2000b, p.15).

Cabe destacar que reconheço que ainda hoje (mesmo diante


de todo o aparato tecnológico de informação e comunicação)
a escola pode ser um espaço privilegiado para a apropriação
crítica dos conhecimentos já sistematizados e relevantes como
instrumento para compreensão e mudança da realidade e,
mais ainda, pode ser um espaço para o diálogo e/ou confronto
entre o conhecimento científico, algumas vezes denominado
conhecimento erudito ou cultura crítica (PERÉZ GÓMEZ, 2001)
e os demais conhecimentos e culturas que nela circulam.
Entendo, portanto, que a escola pode ser, para além de
um espaço de aquisição crítica, um lugar de produção de
conhecimentos (conhecimentos escolares), construídos a partir
do diálogo entre diferentes conhecimentos e culturas que para
ela convergem e nela se cruzam.
Nesse sentido, reconheço que a escola pode ser um lugar
para o exercício da observação, da reflexão, da análise crítica,
bem como do debate/diálogo plural entre diferentes, onde as
suas diferenças são valorizadas, sem deixar de lado a busca
pela igualdade de condições, de direitos e realizações e onde
se possa formar para a conquista da cidadania nas diversas
dimensões da vida cotidiana, contribuindo, assim, para a
construção de uma nova sociedade, mais justa, solidária e,
porque não, mais feliz.
E é nessa direção que reafirmo que a instituição escolar
ainda tem um papel relevante na formação das crianças e dos
jovens, mas que é preciso desvendar e/ou descobrir caminhos
alternativos que possam ser mobilizados e apropriados, na
perspectiva da reinvenção dessa escola que desejo, precisa e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 159

pode ser mais plural, democrática, capaz de responder aos


desafios de nossa contemporaneidade e de formar cidadãos
e cidadãs, sujeitos da construção de um mundo menos
dogmático e mais solidário.
Vale sublinhar que, quando estou me referindo a reinventar
a escola, não estou pensando em se jogar tudo fora e anular
as diversas conquistas - mesmo que insuficientes para
transformá-la – que provavelmente já foram feitas até aqui.
Mas como Costa (2003, p. 22), reconheço que:
Se a escola da modernidade não se sustenta mais, ela se transmuta,
se hibridiza em múltiplos cruzamentos e se reproduz nos infinitos
discursos que sobre ela se enunciam. Ela certamente não é de
um único jeito, não toma uma só forma. Ela própria já começa
a se reconhecer como território da diversidade, contorcionista
da incerteza, prisioneira dos poderes que a dobram. Mas uma
escola que fala a língua de seu tempo-espaço poderia continuar
fazendo a diferença no processo de socialização e de educação
dos humanos.

E, mais uma vez em consonância com Canário (2006, p.12),


“defendo, como ideia central, a tese de que uma reinvenção
da escola e do ofício de professor supõe um questionamento
crítico e a superação da forma escolar, ou seja, do modo como
a escola atual concebe os processos de aprender e ensinar.”
Em outras palavras, pressupõe colocar em debate o modo de
viver a prática educativa, discutindo, portanto, o que entendo
são os seus modos de organizar tempos e espaços, relações,
conteúdos e conhecimentos, métodos, técnicas e recursos,
linguagens, planejamento e avaliação, ou seja, requer colocar
em discussão os modos como o currículo e a prática didática
são organizados e/ou vividos pela escola.
Contudo, reconheço que não basta promover transformações
teoricometodológicas para fazer avançar a escola, o que
significa dizer que entendo que não é suficiente transformar
“modos de” para mudar a escola. E, embora reconheça que esse
é um aspecto significativo na construção de uma outra escola
e, portanto, de uma outra educação (CANÁRIO, 2006), reitero
que tais transformações precisam ser contextualizadas histórica
160 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

e culturalmente e estarem orientadas e/ou fundamentadas em


princípios claramente formulados que expressem respostas as
questões: que educação quero construir?, que sujeitos/atores
desejo ajudar a formar? Ou em outras palavras, que prática
escolar desejo realizar a serviço de quem e do que?
Uma condição e/ou exigência – estar comprometido/a com
os princípios e/ou características do que estamos chamando
de uma teoria e prática Didática Crítica e Intercultural
A ideia, nesse caso, é apostar e acreditar na possibilidade
de articulação entre princípios da abordagem crítica e da
perspectiva intercultural, adotando-os como norteadores e/
ou configuradores da reinvenção da educação escolar, objeto
de nossas inquietações e, consequentemente dos processos
de ensino-aprendizagem a ela vinculados, reconhecendo,
inclusive, a importância desses princípios “tomarem” toda a
escola/processos, afetando, portanto todas as suas dimensões
e ações.
E sem a intenção de me aprofundar na complexidade
dessas perspectivas, gostaria de ressaltar alguns aspectos que
considero significativos para esclarecer como me situo diante
de cada uma delas.
No que tange à perspectiva crítica e em consonância com
McLaren (1997, p. 192), acredito que ela dá “direção histórica,
cultural, política e ética para aqueles na educação que ousam
acreditar [...] que um mundo radicalmente diferente pode
se tornar real”. E mesmo reconhecendo sua polissemia, ou
seja, que não há uma só configuração que a defina, entendo
que existem características comuns e relevantes para
orientar ainda hoje2 nossas concepções e práticas didáticas.
Características que, segundo Candau (2003, p. 60), podem ser
assim explicitadas:
Conceber os processos educacionais como historicamente
situados, articular a educação com outros processos sociais,
trabalhar sistematicamente a relação teoria-prática, favorecer
processos de construção de sujeitos autônomos, competentes,
solidários capazes de ser sujeitos de direito no plano pessoal
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 161

e coletivo, capazes de construir histórias e apostar em um


mundo e em uma sociedade diferentes, de utilizar metodologias
ativas, participativas, personalizadas e multidimensionais,
articuladoras das dimensões cognitiva, afetiva, lúdica, cultural,
social, econômica e política da educação.

Por sua vez, defendo, também em consonância com Candau


(2009, p. 59), uma perspectiva intercultural3 que
Quer promover uma educação para o reconhecimento do “outro”,
para o diálogo entre diferentes grupos sociais e culturais. Uma
educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos
provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos
socioculturais em nossa sociedade, e é capaz de favorecer a
construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças são
dialeticamente integradas.

A partir dessas referências, entendo que estar


comprometido/a, com a construção de uma teoria e prática
Didática Critica e Intercultural significa conceber e realizar
processos de ensino-aprendizagem orientados no sentido
de: valorizar a construção da autonomia do/a aluno/a,
reconhecendo-o/a sujeito da construção de sua história
particular e da história em geral; ter a emancipação do/a
aluno/a como horizonte; ampliar e/ou reforçar os mecanismos
para o seu autoconhecimento, valorizando processos
de construção de identidade(s); reconhecer, valorizar e
fazer dialogar os diferentes grupos culturais; empoderar
esses diferentes grupos culturais, pondo em questão o
etnocentrismo; trabalhar os conflitos que emergem das e/ou
nas relações interpessoais, principalmente aqueles que são
fruto de preconceitos e discriminações, apostando, inclusive,
no potencial dos mecanismos de negociação e na construção
coletiva de normas/regras e/ou códigos de convivência;
reconhecer, valorizar, fazer circular e/ou articular diferentes
saberes, conhecimentos e culturas, incorporando diferentes
narrativas e linguagens; valorizar e empregar procedimentos
metodológicos diversificados, dando ênfase à produção coletiva
e/ou colaborativa, sem deixar de valorizar a experiência e a
produção de cada um.
162 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Estar comprometido/a, com a construção de uma teoria


e prática Didática Critica e Intercultural significa conceber e
realizar processos de ensino-aprendizagem contextualizados,
tendo presente que os contextos são multiculturais e/ou
marcados pela diversidade. Processos de ensino-aprendizagem
que, portanto, afirmam, incorporam e se enriquecem com as
diferenças culturais, sem negar a busca pela igualdade de
direitos. E que também buscam promover o diálogo entre as
práticas vividas na escola e as demais práticas sociais.
Sem a pretensão de ter esgotado, nesse espaço de reflexão,
toda uma caracterização do que entendo ser uma Didática
Crítica e Intercultural, reafirmo a minha crença na relevância
desses seus princípios e/ou fundamentos, ratificando que
considero uma exigência estar com eles comprometidos
(mesmo que remando contra a corrente, já que estamos
inseridos em uma sociedade também fortemente globalizada)
e, dessa maneira, poder contribuir para a construção de uma
outra educação escolar e, quem sabe, de poder contribuir para
a construção de uma sociedade diferente – mais inclusiva,
que acolhe e valoriza as diferenças culturais e bem menos
desigual.
Um desafio – saber e/ou aprender a lidar com as diferença
culturais
No contexto das propostas apresentadas até esse ponto,
acredito que o desafio de saber e/ou aprender a lidar com as
diferenças culturais na educação escolar emerge com muita
força, principalmente se levarmos em conta a sua tendência de
se manter “cristalizada” em uma perspectiva monocultural.
Como Moreira e Candau (2003, p. 161) reconheço que
A escola sempre teve dificuldade em lidar com a pluralidade
e a diferença. Tende a silenciá-la e neutralizá-la. Sente-se mais
confortável com a homogeneização e a padronização. No entanto,
abrir espaços para a diferença e para o cruzamento de culturas
constitui o grande desafio que está chamada a enfrentar.

Gostaria de lembrar que o tema da diferença não é novo na


Educação e que, ao longo do tempo, seu conceito tem variado
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 163

– desde associado à ideia de diferentes capacidades para


aprender, chegando à importância de incorporar no processo
de ensino-aprendizagem o que é próprio e/ou específico do
indivíduo (conceitos fortemente marcados por referenciais
psicológicos e que permanecem até hoje no imaginário de
muitos/as educadores/as), atingindo uma concepção mais
centrada na diversidade das classes sociais e na desigualdade
de oportunidades para então avançar no sentido de um
conceito que privilegia a dimensão cultural, ou seja, as
diferenças culturais. Como afirmam Candau e Leite (2006, p.
136) e com as quais estou de acordo,
A perspectiva intercultural na educação pretende superar
as construções da visão didaticopsicológica relativamente à
diferença, sem negar suas contribuições. Por outro lado, procura
manter um diálogo crítico com as contribuições das diversas
correntes do pensamento da pós-modernidade, reafirmando o
compromisso com a transformação política e social, proposto
pela pedagogia crítica, ao mesmo tempo em que evidencia a
importância das questões culturais, para além da visão em
que a diversidade é percebida como algo “natural”, e concebe
as diferenças como construções sociohistóricas que se dão nas
relações sociais”.

Pesquisas realizadas pelo grupo que integro - o GECEC4 -


registram que “a diferença está no chão da escola” (professora
Ana, In CANDAU e LEITE, 2006, p. 121), embora essas mesmas
pesquisas indiquem que os/as professores/as têm dificuldades
para lidar com as diferenças culturais e/ou para incorporá-las
ao cotidiano da educação escolar. Além disso, nossas pesquisas
também mostram que, apesar de reconhecerem a importância
da dimensão cultural, professores/as e pesquisadores/as
quando se referem a diferenças “estão sempre se referindo
às desigualdades sociais, de classe, de oportunidades sociais
e educacionais e sua relação com o contexto de pobreza
estrutural da sociedade brasileira” (CANDAU e KOFF, 2006,
P. 113), sugerindo que
O confronto social x cultural está na base desses comentários, ora
percebido como uma pergunta: será que no Brasil a problemática
das desigualdades sociais se sobrepõe às questões postas pelo
164 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

multiculturalismo e/ou pela Educação Intercultural?, ora como


um desafio mesmo, já que tal perspectiva pode nos provocar no
sentido de mobilizar processos de articulação entre igualdade
e diferença e não de considerá-los com pólos contrapostos
(CANDAU e KOFF, 2006, P. 113).

E é em torno da perspectiva do desafio que proponho


mobilizar as nossas energias, ciente da complexidade dessa
proposta, na medida em que acredito que a valorização e
incorporação das diferenças culturais pela educação escolar
e, consequentemente a valorização e a contribuição para
promover sujeitos/atores autônomos, emancipados, com suas
identidades fortalecidas e em permanente diálogo com o outro
precisam afetar tanto a dimensão das políticas públicas a ela
relacionadas, como a dimensão dos saberes/conhecimentos
e das próprias práticas socioeducativas concebidas e
implementadas.
Reitero que considero que saber/aprender a lidar com
as diferenças culturais, certamente não é um desafio para
qual vamos encontrar uma única resposta. Coerente com os
próprios princípios de uma Didática Crítica e Intercultural,
aqui partilhados, entendo que existirão muitas possibilidades
a serem construídas no próprio contexto, tempo e espaço
aonde essas diferenças se situam.
Uma necessidade – Rever/reorientar a formação dos/as
professores/as
É fato que os temas em torno das diferenças culturais e/
ou acerca da problemática da Educação Intercultural ainda
aparecem de maneira tímida nos espaços de formação
docente5. Segundo Candau (2008), mesmo a disciplina de
Didática e outras correlatas demonstram pouca (às vezes
nenhuma) preocupação e/ou envolvimento com essa temática
e, nesse sentido, estão longe de preparar os/as professores/as
na perspectiva de potencializar tais diferenças culturais como
vantagem pedagógica.
Certamente que rever/reorientar esses processos de
formação é mais do que uma necessidade, é também ter que
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 165

vencer desafios de natureza variada. Em outras palavras, não


é suficiente rever/reorientar os programas dessas disciplinas,
inserindo alguns assuntos/conteúdos específicos. É preciso
também rever/reorientar a formação dos/as docentes no que
se refere aos seus aspectos teoricometodológicos, às condições
operacionais de sua realização e, principalmente ser uma
perspectiva adotada pelo curso de Pedagogia como um todo
(CANDAU, 2009a).
Necessidade e desafios que acredito precisam mesmo ser
enfrentados se quisermos efetivamente construir uma escola
mais democrática e justa, ou seja, uma escola, reitero, que
rompe com o seu caráter monocultural, que promove diálogos
entre os sujeitos/atores que dela participam, que privilegia o
cruzamento e/ou o entrelaçamento de saberes, conhecimentos
e valores, que cumpre suas funções tanto no plano cognitivo,
como nos planos político, sociocultural e ético.
Uma escola construída nessa direção certamente vai precisar
de professores/as sensibilizados/as e competentemente
instrumentalizados/as (sem medo de usar essa expressão)
para participarem de sua concepção, construção e realização.
E, embora reconheça que a formação inicial e o permanente
aperfeiçoamento dos/as docentes, melhor dizendo,
reconheça que a nossa formação inicial e o nosso contínuo
aprimoramento não se esgotem no interior de situações
formalmente organizadas (acredito que essa perspectiva
crítica e intercultural precisa “tomar” a nossa vida como um
todo), considero que tanto os cursos de licenciatura, como os
espaços de formação em serviço são lócus privilegiados para
a vivência dessa formação/preparação. Vivência que, por
sua vez, entendo precisa estar marcada - em todas as suas
dimensões - pelos mesmos pressupostos que tantas vezes
enunciamos nessas breves reflexões.
E, nesse sentido, não há como apontar uma única direção
ou caminho para a sua concepção/realização. O desafio está,
exatamente, em ter que reinventá-la e/ou reorientá-la, levando
em conta a especificidade das situações em que está inserida.
166 Adélia Maria Nehme Simão e Koff

Mais uma vez é uma questão em aberto, balizada, entretanto,


pelos referencias já tantas vezes repetidos e sem fórmulas
prontas e acabadas – em constante movimento.

A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Sei que corro o risco de ser acusada de prescritiva
quando escolhi encaminhar minhas reflexões nas direções
aqui apontadas. Não tive e não tenho essa intenção. Seria
contraditório em relação às colocações que fiz nesse espaço.
Todavia, a ideia de propor uma agenda pode sugerir isso,
mas lembro que ressaltei que, se por um lado, essa é a agenda
sobre a qual estou me debruçando, por outro lado, entendo
que existem inúmeras possibilidades e/ou opções para se
construir uma agenda, principalmente quando o tema envolve
refletir acerca da Didática que desejamos construir hoje para
dar conta da escola na contemporaneidade com todos os
seus limites e possibilidades. Na verdade, minha intenção foi
mesmo a de partilhar com vocês por onde estou caminhando,
acreditando que mesmo na pluralidade há algo em comum
que nos reúne: o desejo, o firme propósito de construir uma
outra educação escolar que possa responder com maior
propriedade os desafios de nosso tempo.
E reitero: é uma agenda aberta não só à discussão, mas
também a novas contribuições. Mas ao propor incluir nela
a disposição para reinventar a escola, o compromisso com a
construção de uma Didática Crítica e Intercultural, a superação
das dificuldades para lidar com as diferenças culturais na
educação escolar e o empenho, no sentido de ressignificar
os projetos/programas de formação e aperfeiçoamento de
professores/as, preciso esclarecer que tudo isso está marcado
pelas minhas utopias – toda a reflexão pedagógica exige uma
reflexão utópica (Candau, 2000). Lembro que meu desejo é
mesmo provocar novos debates, mas confesso que é também
encontrar novos parceiros e parceiras que queiram entrar nesse
barco, me animando a seguir em frete com essas reflexões-
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 167

ações “marcadas” pelo que considero um caminho possível


para contribuir no sentido da transformação da escola, uma
escola, cujas contribuições possam ser mobilizadas em favor
de uma outra sociedade.

NOTAS
1. Estou adotando nesse trabalho a ideia de que “hoje em dia cultura
faz parte do vocabulário básico das ciências humanas e sociais. O seu
emprego distingue-se em relação ao senso comum no sentido de que esse
dá às noções de homem culto e inculto. Assim como todos os homens em
princípio interagem socialmente, participam sempre de um conjunto de
crenças, valores, visões de mundo, redes de significado que definem a
própria natureza humana. Por outro lado, cultura é um conceito que só
existe a partir da constatação da diferença entre nós e os outros” (Velho,
1994, p. 63. In: Candau, 2009, p. 48).
2. Vale lembrar que a perspectiva crítica ganha ênfase na América Latina,
especialmente no Brasil, a partir da década de 80, suscitando um fecundo
movimento “gerador de ideias e práticas orientadas à elaboração de políticas
públicas de educação e à renovação de práticas pedagógicas nas escolas
e no âmbito dos movimentos sociais e populares, orientadas à afirmação
da democracia e da cidadania em nossas sociedades” (CANDAU, 2003, p.
59).
3. Cabe sublinhar que reconheço que não há uma só concepção da
perspectiva Intercultural. Porém, tais concepções não se constituem
objetos de nossas reflexões no âmbito desse trabalho, tendo em vista os
seus objetivos já explicitados.
4. Trata-se do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s),
coordenado pela professora Vera Maria Candau, do Departamento de
Educação da PUC-Rio, desde 1996.3
5. Ressalto que várias pesquisas do GECEC têm apontado nessa direção. A
leitura de vários textos, que dela são fruto, pode, inclusive, confirmar esse
posicionamento.

REFERÊNCIAS
CANDAU, Vera Maria (org.) A Didática em Questão.
Petrópolis, Vozes, 1984.
_________________. A Didática hoje: uma agenda de trabalho.
168 DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA

In: Didática, Currículo e Saberes Escolares. Rio de Janeiro:


DP&A, 2000, p.149 a 160.
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desencontros. In: CANDAU, Vera Maria (org.) Reinventar a
Escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000a, p. 61 a 78.
_________________. Construir Ecossistemas Educativos –
Reinventar a Escola. In: CANDAU, Vera Maria (org.) Reinventar
a Escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000b, p. 11 a 16.
_________________. Pedagogias Críticas: ontem e hoje. In. Revista
Novamerica. Rio de Janeiro, n. 97, março, 2003, p.58 a 61.
_________________. O/A Educador/a como agente cultural.
In: LOPES, Alice R. C. e outras (orgs). Cultura e Política de
Currículo. Araraquara, SP: Junqueira & Marin, 2006, p. 35 a
52.
_________________. Educação Escolar e Culturas:
Multiculturalismo, Universalismo e Currículo. In. CANDAU,
Vera Maria (org.). Didática. Questões Contemporâneas. Rio
de Janeiro, Forma & Ação, 2009, p. 47 a 60.
_________________. Memória(s), diálogos e buscar: aprendendo e
ensinado didática. In. CANDAU, Vera Maria (org.). Didática.
Questões Contemporâneas Rio de Janeiro, Forma & Ação,
2009a, p. 29 a 45.
CANDAU, Vera Maria Ferrão e LEITE, Miriam Soares. Diálogo
entre diferença e educação. In: CANDAU, Vera Maria Ferrão
(org.). Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2006, p. 120 a 139.
CANDAU, Vera Maria Ferrão e KOFF, Adélia Maria Nehme
Simão e Koff. Conversas com... Sobre a Didática e a perspectiva
multi/intercultural. In: CANDAU, Vera Maria Ferrão (org.).
Educação Intercultural e Cotidiano Escolar. Rio de Janeiro:
7Letras, 2006, p. 99 a 113) .
CANÁRIO, Rui. A escola tem futuro? Das promessas às
incertezas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 169

COSTA, Marisa Vorraber. A escola rouba a cena! Um início de


conversa. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.) A Escola Tem
Futuro? Entrevistas. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 11 a 22.
DUBET, François, A Sociologia da Experiência. Porto: Editora
Porto. 1994.
GIMENO SACRISTÁN, José. Currículo e Diversidade Cultural.
In: SILVA, Tomaz Tadeu da e MOREIRA, Antônio Flávio
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LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública. A
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1984
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Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, RJ: n. 23, maio/jun/
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PÉREZ GÓMEZ, Ángel. A Cultura Escolar na Sociedade
Neoliberal, Porto Alegre, RS: Artmed, 2001.
VEIGA-NETO, Alfredo. Pensar a escola como uma instituição
que pelo menos garanta a manutenção das conquistas fundamentais
da Modernidade. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.) A Escola
Tem Futuro? Entrevistas. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 103
a 126.
170 Adélia Maria Nehme Simão e Koff
CAPÍTULO VIII

CONTEXTO EDUCACIONAL COMPLEXO E DIVERSO


A PARTIR DE UMA ANÁLISE INTERPRETATIVA DOS
ASPECTOS LEGAIS QUE SUBSIDIAM PROPOSTAS
EDUCATIVAS INCLUSIVAS

Dulce Barros de Almeida


Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

RESUMO
Este trabalho é resultado de estudos realizados acerca de
legislações brasileiras, a partir da Constituição Federal de
1988 – CF/88, no que diz respeito aos aspectos educacionais
voltados, especificamente, às pessoas com deficiência e suas
múltiplas relações com a complexidade educacional que
envolve diretamente a escola, o ensino e a didática. Apresenta
as pesquisas de Almeida (2003) e Teixeira (2010) como
os principais marcos teóricos os quais consideram que os
instrumentos legais devem ter como prioridade a valorização
do Ser, em toda sua diversidade e complexidade. Nesses
termos, entendem que a escola para “todos”, sem distinção, se
fundamenta como necessária com o compromisso de educar
para a liberdade e para o desenvolvimento da capacidade
individual e coletiva. Discute a questão polêmica sobre o
papel do especialista em deficiência, muitas vezes entendido
como opositor ao trabalho do professor da sala comum, não
especializado, no âmbito educacional. Apresenta discussões
específicas sobre pessoas com deficiência e expõe que, nos
últimos 20 anos, embora haja contradições e incoerências
em diversos textos legais, não se pode negar os avanços e
conquistas, a partir da luta organizada das próprias pessoas
com deficiência pelo respeito aos direitos humanos no que
concerne à diversidade e especificidade. Analisa o Decreto nº
6.571/08, oriundo da Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva promulgada em 2008, o
172 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

qual institui o atendimento educacional especializado como


marco da atual Educação Especial no Brasil. Conclui os estudos
evidenciando a existência de confusões conceituais que os
diversos instrumentos legais existentes provocam, tornando
as ações limitadas, sobretudo as que envolvem as escolas e,
de certa forma, incoerentes em seus propósitos, implicando,
assim, em desdobramentos polêmicos e inconsistentes. Ao
final, posiciona quanto às possibilidades de uma escola para
“todos” tendo como referência inicial aspectos de ordem
didático-pedagógica.
Palavras-chave: Educação Complexa; Aspectos Legais;
Propostas Inclusivas.

INTRODUZINDO O TEMA
O presente estudo propõe apresentar e analisar variados
instrumentos legais, a partir da CF/88, que abordam questões
pertinentes à educação inclusiva e suas múltiplas relações
com a questão da deficiência e, em consequência, com a escola
brasileira. Além de apresentar as diferentes interpretações,
busca-se analisar, à luz de alguns teóricos, a eficiência de tais
referendos oficiais.
Como abertura de apresentação dos preceitos legais que
contemplam a questão da inclusão sob o olhar da deficiência,
vale apresentar os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil constante no art. 3º da Constituição
Federal de 1988 – CF/88:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir
o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O art. 5º, em seu caput, aborda os direitos e deveres


individuais e coletivos afirmando que: “Todos são iguais
perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 173

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à


segurança e à propriedade [...]” (grifo nosso).
Tais apresentações seriam, por si só, suficientes e significativas
no tocante aos direitos sociais. Mas, a complexidade das relações
sociais exige um maior detalhamento dos desdobramentos
que os preceitos legais podem implicar. Além da necessidade
em abranger os aspectos sociais, há, também, em princípio,
muitas pressões de movimentos organizados que buscam
complementos, suplementos ou acréscimos de itens que vão
ao encontro dos próprios interesses/méritos.
Para um estudo sobre os referendos legais em face da
educação em uma perspectiva inclusiva, apresenta-se o capítulo
III da CF/88, o qual destaca uma seção que trata de questões
específicas da área de Educação. Certamente, o artigo que
representa o maior número de menções e discussões é o artigo
208, inciso III, que apresenta o seguinte texto: “atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino” (grifo nosso).
O termo “preferencialmente”, além de polêmico, dá margem
a variadas interpretações. Frentes ligadas às instituições
especializadas que oferecem ensino especial embasam-
se nesses argumentos, segundo suas explicações, para a
prática de ensino, mesmo não sendo escola. Outros, porém,
fundamentam-se na ideia do complemento de atividades
escolares. Como exemplo, pode-se citar o caso de uma escola
pública comum não poder oferecer o ensino do Sistema Braille
ou mesmo da Libras1. Há, ainda, correntes que defendem a
tese de que o termo “preferencialmente” enquadra-se em
casos bastante específicos, como o de uma criança em processo
de internação em longo prazo, ou com complicações médicas
ou, ainda, com doença infecto-contagiosa que, nesses casos, a
impede de frequentar a escola por um determinado período.
O Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº
7.853/89, que, além de outras providências, dispõe sobre a
Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, apresenta em seu art. 5º, inciso III, o princípio de
174 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

respeito às pessoas “portadoras de deficiência”, que devem


receber “igualdade de oportunidades na sociedade por
reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados, sem
privilégios ou paternalismos” (grifo nosso).
Sobre as terminologias “igualdade sem privilégios”, muitas
interpretações podem ocorrer. A compreensão dos termos
em uma perspectiva literal pode levar a uma sequência
de impropriedades legais, como exemplo, o artigo 37 do
referido documento, que anuncia o direito de inscrição em
concurso público a pessoas deficientes em iguais condições
com os demais candidatos nos cargos cujas atribuições se
compatibilizem com as deficiências. O artigo imediatamente
anterior, evidencia, porém, que empresa com cem ou mais
empregados está obrigada a preencher de dois a cinco por
cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social
reabilitados ou com pessoa “portadora de deficiência”. Vagas
reservadas se traduzem em igualdade sem privilégios?
Muitos são os exemplos de diferenciação quanto aos serviços,
políticas financeiras, estrutura física e outros mais. Nessa linha
interpretativa, a Lei estaria cometendo deslizes em relação aos
próprios princípios? A Convenção de Guatemala2 pode nos
conduzir a outra visão interpretativa do fato:
Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência
adotada pelo Estado Parte3 para promover a integração social ou
o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde
que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o
direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas
a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a
legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for
necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá
discriminação (DECRETO nº 3.956/01, Art. I).

Fundado nessa base, o documento do Ministério Público


Federal - MPF, lançado em 2004 sobre o acesso de alunos
com deficiências a escolas e classes comuns da rede regular,
no capítulo X, exemplifica tal princípio por meio de uma
suposta situação em que uma tetraplégica necessita de um
computador para acompanhar as aulas, e não sendo possível
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 175

que o benefício se estenda para todos os alunos, deve ser


garantido ao menos para a pessoa necessitada. No mesmo
documento, no capítulo VI, são apresentadas formas de garantir
o atendimento às particularidades da deficiência no que tange
aos aspectos educacionais. Além de recursos de comunicação
como Libras para surdos e materiais como o Soroban para
cegos, apresentam ajudas técnicas tais como, além de outras,
informática educativa e adaptada e tecnologias assistivas.
Em se tratando da especificidade da diferenciação para
aquisição de certa igualdade de oportunidades, pode-se
resgatar o papel do especialista em deficiência no âmbito
educacional, invocando, por certo, cuidados a serem tomados
devido aos tortuosos momentos históricos a que as instituições
especializadas nos remetem.
Ao se propor discutir o papel do especialista em deficiência
no âmbito educacional, faz-se necessário resgatar algumas
questões: quando o movimento de “desinstitucionalização”
dos deficientes, a partir de princípios legais, ascendeu, as
escolas passaram a receber os “diferentes”, assim, aquelas que
se prepararam estrutural e pedagogicamente receberam status
de escola inclusiva. As secretarias estaduais, municipais,
prevendo as dificuldades que os professores enfrentariam
ao se depararem com a presença de alunos com deficiência
nas salas de aula, ofereceram variados cursos de extensão
e especialização sobre os diferentes tipos de deficiências,
fato que veio alimentar as escolas de profundas dicotomias:
ensino inclusivo versus ensino regular; professor especialista
versus professor não especialista; aluno especial versus aluno
normal.
A esse respeito, Almeida (2006a, p. 11) apresenta que
o ensino dicotomizado em regular e especial conduz as escolas
regulares, por acomodação, a não enfrentarem o desafio
de trabalhar com as diferenças e como consequência, a não
qualificarem melhor o seu trabalho para atender a diversidade
que se faz presente nas escolas em geral.

Não se pode compactuar com o princípio inversivo da


176 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

institucionalização, pelo fato de as instituições filantrópicas


e órgãos especializados em deficiência não poderem mais
assumir o papel de escola, introduzindo os especialistas
nas salas de aula. Embora não se constitua como objetivo
apresentar posições que diminuam a função do especialista
e amplie a do professor, faz-se necessário situarem-se os
diferentes papéis no processo, lembrando que todos têm o
seu espaço e importância garantidos. Nesses termos, Mantoan
(2005, p.8-9) contribui com o seguinte posicionamento:
O entendimento de que o atendimento educacional especializado
é um pressuposto e é uma garantia da inclusão de alunos
com deficiência já seria suficiente para que os professores
especializados e membros de outras corporações profissionais,
assim como os dirigentes e líderes de instituições e os pais não se
afligissem tanto, temendo os riscos de perderem seus lugares e
domínios na área. A inclusão escolar impõe a abertura de novas
frentes de trabalho especializado, mas só conseguem percebê-las
e encontrá-las os que conseguem se desvencilhar das amarras do
passado e vislumbrar o futuro, como tempo de novos desafios,
conquistas, mudanças de toda ordem.

E complementa:
os alunos com deficiência, especialmente os que estão em idade
de cursar o Ensino Fundamental, devem obrigatoriamente ser
matriculados e frequentar com regularidade as turmas de sua
faixa etária, nas escolas comuns e ter assegurado, em horário
oposto aos das aulas, o atendimento educacional especializado
complementar (MANTOAN, 2005, p.14).

Embora se tenha explorado o papel do especialista nos


espaços acadêmicos, alguns professores podem assim
questionar: – numa sala de aula, como solicitar uma leitura
de livro ou mesmo um cálculo matemático mais elaborado a
um aluno cego? Como propor atividade em um laboratório
de informática a um aluno com os braços amputados? Como
exigir de um aluno surdo a leitura labial se o princípio de
linguagem adotado, LIBRAS, é baseado em sinais estanques
sem conjunções, preposições, artigos ou mesmo flexão
dos tempos verbais? É nesses termos que o atendimento
especializado, se faz presente no processo educativo.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 177

No tocante à base interpretativa do Decreto nº 3.298/99,


quanto ao termo de assegurar direitos às pessoas deficientes
sem privilégios, um novo olhar ganha consistência mais efetiva
na necessidade de diferenciar para se igualar, lembrando
que ninguém está sujeito a tal condição se não por vontade
própria. Seguindo a linha do exemplo apresentado de uma
pessoa com os braços amputados numa aula de computação,
a adaptação de um braço mecânico que proporcione ao aluno
usufruir da tecnologia em benefício próprio e possibilitando a
sua participação nas atividades escolares com igualdades de
condições com os demais colegas de escola, a diferenciação
é considerada positiva e, portanto, não discriminadora, não
privilegiadora e nem paternalista, como consta em Lei.
Embora se tenha focado em exemplos específicos de
tecnologias assistivas, há uma infinidade de especialidades
relativas a variados tipos de necessidades especiais, sendo
que todos os especialistas têm o seu espaço e importância
no processo, porém é importante enfatizar que o papel de
ensinar, de educar, de promover o ensino e proporcionar a
aprendizagem é do educador e não do especialista. O simples
fato de em uma sala de aula haver ou não um aluno com
deficiência não caracteriza a necessidade de um profissional
especialista ou não em deficiência.
Na visão de Mantoan (2005), uma escola de verdade deve ser
voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos e
que reconheça e valorize as diferenças. Segundo a autora, na
escola,
os alunos aprendem das mais diferentes maneiras e nos mais
diferentes tempos. E que ensinar não é submeter o aluno a
um conhecimento pronto, mas prover meios pelos quais, com
liberdade e determinação, ele possa construir novos saberes,
ampliar significados, na medida de seus interesses e capacidade.
Envolve necessariamente libertar o aluno do que o impede de
fazer o seu próprio caminho, pelas trilhas do conhecimento e de
valorizar todo o seu esforço para aprender (p. 8-9).

Assim, o inciso III do art. 5º do Decreto nº 3.298/99, artigo


que subsidiou a presente discussão, pressupõe, como princípio,
178 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

estabelecer mecanismos e instrumentos legais e operacionais


que assegurem às pessoas deficientes o pleno exercício de seus
direitos básicos que proporcionem o seu bem-estar pessoal,
social, econômico e humano.
São nesses termos que a escola para todos, sem distinção, se
fundamenta como necessária, pois ela tem o compromisso de
educar para a liberdade e para o desenvolvimento da capacidade
individual, promovendo a cooperação e o entendimento entre
as pessoas numa visão crítica e questionadora, atentas e abertas
para aprender e ensinar.
O preâmbulo da CF/88 apresenta uma ideia que destina
assegurar aos cidadãos brasileiros direitos sociais e individuais
no tocante à liberdade, segurança, bem-estar, igualdade, justiça,
com valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos que tem como fundamento a harmonia social,
promulgada sob a proteção de Deus. As minorias isoladas como
idosos, negros, índios, deficientes, mulheres, homossexuais e
tantos outros grupos, são bastante representativos, talvez se
constituam em maioria. O preâmbulo expresso diz respeito
a todas as pessoas, indistintamente. A discussão apresentada
no tocante à diferenciação positiva se justifica, também, para
as demais minorias que são contempladas em variados outros
documentos oficiais.
Dentro da especificidade dos direitos, deveres, obrigações,
implicações e conquistas destinadas às pessoas com
necessidades especiais, no tocante às questões educacionais,
tendo como recorte a CF/88 e demais legislações e documentos
posteriores a ela, retoma-se o capítulo III da CF/88 que
estabelece: em seu artigo 204, um plano nacional para
erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento
escolar, melhoria do ensino, formação para o trabalho e
promoção humanística, científica e tecnológica do país; em seu
artigo 205, a educação como direito de todos e dever do Estado
e da família; e, em seu artigo 208, inciso III, o estabelecimento
de garantia do atendimento educacional especializado aos
“portadores de deficiência”, preferencialmente na rede
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 179

regular, cujo teor fora discutido, e propõe, no caput, que a


educação é dever do Estado mediante as várias garantias que
são apresentadas no decorrer do texto.
A redação da Emenda Constitucional nº 14/96 apresenta
a obrigatoriedade e a gratuidade do Ensino Fundamental
assegurado a todos com direito a material didático-
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde e uma
universalização do ensino médio.
A Portaria nº 1.793/94, tendo em vista a Medida Provisória nº
765/94, apresenta a necessidade de formação de profissionais
da área de educação que interajam com alunos especiais
recomendando a inclusão da disciplina “aspectos ético-
político-educacionais da normalização e integração da pessoa
portadora de necessidades especiais”, prioritariamente, nos
cursos de Pedagogia, Psicologia e em todas as licenciaturas,
além de recomendar a inclusão de conteúdos que contemplem
os aspectos ético-político-educacionais nos cursos do grupo
de Ciência da Saúde, no curso de Serviço Social e nos demais
cursos superiores, de acordo com as suas especificidades.
A LDB, Lei nº 9.394/96, em seu capítulo V, apresenta
recomendações específicas para a Educação Especial sob
três artigos; art. 58, 59 e 60. Vale destacar no art. 58, caput,
o termo “preferencialmente” referindo-se à questão da oferta
de ensino especial na rede regular e os procedimentos do
apoio especializado. O art. 59 indica que cabe ao sistema de
ensino assegurar questões como currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos, professores especializados e capacitados,
educação especial para o trabalho e acesso igualitário aos
benefícios dos programas sociais disponíveis para atender
aos alunos especiais. O art. 60 estabelece que “os órgãos
normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de
caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos,
especializadas e com atuação exclusiva em educação especial,
para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público”.
O Decreto nº 3.298/99, seção II, aborda questões como
180 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos


públicos e particulares para pessoas deficientes, que deverão
iniciar na educação infantil, além de outros assuntos polêmicos
como oferta obrigatória e gratuita da Educação Especial4 em
estabelecimentos públicos de ensino.
A Resolução nº 015/01 do MEC, dispõe sobre os critérios e as
formas de transferência e de prestação de contas dos recursos
do Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, destinados
ao atendimento das escolas de Educação Especial, conforme
a determinação da Medida Provisória nº 2.100-31/015, além
de outras providências como o repasse de verbas per capta
de alunos matriculados na Educação Especial. Garante,
também, às escolas especiais mantidas por organizações não-
governamentais sem fins lucrativos que atendam até cinco
alunos, ter uma verba garantida por aluno especial para
aquisição de materiais necessários e específicos.
Com o objetivo de cumprir o disposto no inciso III do
artigo 208 da CF/88, em 05 de março de 2004, após dezesseis
anos, é sancionada a Lei nº 10.845/04, cuja expectativa era
de complementar questões referentes à Educação Inclusiva.
Porém, como anuncia em seu preâmbulo, institui o Programa de
Complementação ao Atendimento Educacional Especializado
às Pessoas Portadoras de Deficiência – PAED e dá outras
providências. Uma lei que trata, exclusivamente, de recursos
per capta referentes ao atendimento educacional especializado
às pessoas com deficiência. A Lei nº 10.845/04 conseguiu
desagradar a maioria dos educadores e estudiosos em educação
inclusiva, além das comunidades diretamente interessadas,
com exceção das escolas e instituições “especializadas em
deficientes”, os segmentos beneficiados pela Lei. De acordo
com Teixeira (2010, p. 165),
O texto, além de explicitar a concordância de a educação formal
poder ser realizada por instituições segregadoras, ou seja,
organismos especializados em deficiência, dedica os demais
artigos à informação do processo de recursos financeiros para
financiamento de suas ações.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 181

O programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade de


2004 da SEESP/MEC, objetiva a disseminação da política de
inclusão nos 5.562 municípios brasileiros e Distrito Federal por
meio de formação de gestores e educadores, sensibilização da
sociedade e a formação de redes apoiadoras do processo de
inclusão. Embora o programa tenha atingido uma razoável
adesão (106 municípios-polo, 23 mil professores de 1.869
municípios) e oferecido uma boa contribuição no processo
de inclusão, segundo Almeida (2006b, p. 43), não é suficiente,
pois, “toda essa situação, para ser revertida envolve muito
mais do que ações pontuais e isoladas, pois há a necessidade
da participação incondicional da sociedade brasileira”.
Acrescenta-se ao rol de referendos sobre a Educação, o
documento Subsidiário à Política de Inclusão – Educação
inclusiva, da Secretaria de Educação Especial do Ministério
da Educação – SEESP/MEC (2005) – item 02 – no qual há
recomendações explícitas sobre a operacionalização da
Educação Inclusiva. Nos anos de 2006 e 2007, várias orientações
sobre inclusão foram produzidas para escolas, professores e
gestores. O objetivo da SEESP/MEC neste período centrou
na reestruturação da política de educação especial bem como
na elaboração de vários materiais didático-pedagógicos sobre
a inclusão distribuídos para as secretarias de educação e
unidades escolares por meio de eventos diversificados, cujo
objetivo foi a formação de educadores em educação especial
para atuarem como multiplicadores.
Em janeiro de 2008, o MEC, por meio de um Grupo de
Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela
Portaria nº 948/2007, institui a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Com o
propósito de constituir políticas públicas, o documento expõe
o histórico de conquistas legais, apresenta um diagnóstico
histórico da Educação Especial no Brasil e explicita os objetivos
e o público atendido pela nova Política.
As diretrizes que orientam o documento, em essência, se
traduzem no atendimento educacional especializado que visa a
182 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

complementação/suplementação da escolarização, valendo-se


de recursos pedagógicos e de acessibilidade para atendimento
às necessidades específicas dos alunos atendidos.
A abertura dada pelo art. 60 da LDB/96 sobre o
estabelecimento de critérios para atuação das instituições
especializadas em deficiência, o acréscimo de um dispositivo
ao Decreto nº 6.253/07 e a Política Nacional de Educação
Especial de 2008, constituíram-se como base da mais novo e
polêmico dispositivo legal sancionado pelo Governo Federal,
o Decreto nº 6.571/08, que dispõe sobre o atendimento
educacional especializado, além de outras providências.
Segue, pois, uma análise interpretativa do referido Decreto
apresentado pelos seguintes preâmbulos: “o Presidente da
República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso
IV, e tendo em vista o disposto no art. 208, inciso III, ambos da
Constituição, no art. 60, parágrafo único, da Lei no 9.394, de 20
de dezembro de 1996, e no art. 9o, § 2o, da Lei no 11.494, de 20
de junho de 2007”. Busca-se, então, o teor de cada passagem
que fundamenta o preâmbulo.
O artigo 84, inciso IV da CF/88 apresenta a competência
do Presidente da República em “sancionar, promulgar e fazer
publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos
para sua fiel execução”; o artigo 208 da CF/88 que rege
sobre as garantias da educação pelo Estado, apresenta, em
seu inciso III, que o atendimento educacional especializado
aos “portadores de deficiência” se dará, preferencialmente,
na rede regular de ensino. No tocante ao artigo 60 da Lei
nº 9.394/96, LDB, que dispõe sobre os critérios para as
instituições especializadas atuarem em educação especial, este
apresenta, em seu parágrafo único, o seguinte texto: “O Poder
Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação
do atendimento aos educandos com necessidades especiais na
própria rede pública regular de ensino, independentemente
do apoio às instituições previstas neste artigo”. O artigo 9º da
Lei no 11.494/07, que trata dos recursos para as matrículas,
apresenta, em seu § 2º, que “serão consideradas, para a
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 183

educação especial, as matrículas na rede regular de ensino, em


classes comuns ou em classes especiais de escolas regulares, e
em escolas especiais ou especializadas”. São nesses princípios
que o Decreto nº 6.571/08 se fundamenta. Compreende-se, a
partir de uma análise, os elementos constitutivos do presente
instrumento legal.
Ao dispor sobre atendimento educacional especializado, o
Decreto propõe, em seu art. 2º, os seus objetivos:
I  -  prover condições de acesso, participação e aprendizagem
no ensino regular aos alunos referidos no art. 1º [alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação]; II  -  garantir a transversalidade
das ações da educação especial no ensino regular; III - fomentar
o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que
eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem;
e IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos
demais níveis de ensino. (Grifo Nosso).

Partindo da referência que tais objetivos foram traçados a


partir do viés do atendimento educacional especializado aos
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades ou superdotação, devidamente matriculados
na rede pública de ensino regular, levantam-se os seguintes
questionamentos: Seria o atendimento especializado a chave
para a inclusão? O atendimento especializado exclusivo a
uma determinada categoria de alunos (dos diferentes) não se
constituiria em uma diferenciação explícita e, assim sendo,
uma ação excludente? Se, por exemplo, um aluno apresentar
problemas no desenvolvimento escolar por motivo de separação
dos pais e necessitar do apoio psicológico, o fato de este não se
enquadrar na categoria apresentada pela lei (deficiente, com
transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/
superdotação) o impedirá de tal atendimento? Ao apresentar
recursos didático-pedagógicos como eliminação de barreiras,
pode-se questionar: será que as principais barreiras à
aprendizagem se encontram verdadeiramente em tais
recursos ou em outras dimensões como, por exemplo, no
próprio atendimento especializado? Como o atendimento
184 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

especializado pode assegurar a continuidade de estudos nos


demais níveis de ensino?
Acredita-se que foram depositados muito crédito e confiança
ao atendimento especializado. Se tal atendimento é possuidor
de tamanhos valores e potencialidades, por que não ampliá-lo
aos demais alunos? Por que a restrição?
Avancemos no estudo e análise crítica do presente
documento legal.
Outro ponto também polêmico do Decreto encontra-
se na prestação de apoio técnico a ser oferecido pelo MEC,
principalmente no tocante à formação de professores e gestores
para uma linha de atendimento especializado. Como se não
bastasse apresentar, mais uma vez, a já discutida e desgastada
relação dicotômica entre inclusivo versus regular, especialista
versus não-especialista, especial versus normal, institui-se um
novo elemento: formação de gestores na educação especial.
Assim, possivelmente, também teremos uma gestão para um
grupo de alunos especiais e outra para o grupo de alunos
normais.
O art. 6º, que apresenta o acréscimo do artigo 9º-A no
Decreto no 6.253/07, em seu parágrafo único, informa que “o
atendimento educacional especializado poderá ser oferecido
pelos sistemas públicos de ensino ou pelas instituições
mencionadas no art. 14”. As instituições mencionadas no
artigo 14 são: “comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem
fins lucrativos, com atuação exclusiva na educação especial,
conveniadas com o poder executivo competente”. (redação
dada pelo Decreto nº 6.278/07).
Embora a questão da inclusão de pessoas com deficiência
esteja longe de ser alcançada, não se pode negar os avanços
e conquistas, principalmente em âmbito legal. Conforme
apresenta Teixeira (2010, p. 168) “Há que se refletir se o presente
instrumento legal proporciona avanços ou retrocessos”. Para
tanto, vale-nos uma breve retomada na discussão sobre o
movimento de institucionalização da deficiência, para, então,
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 185

findarmos, por hora, a discussão sobre a referida lei com


algumas questões.
As instituições especializadas em deficiência têm
apresentado inúmeros fracassos, além da produção da
segregação e exclusão das pessoas com deficiência. Mazzotta
(2005) nos conduz a uma visão crítica sobre as conquistas das
referidas instituições por interesses políticos e financeiros
próprios. Conquistas alcançadas por meio de movimentos em
que as principais lideranças dessas instituições passaram a
presidir estratégicas comissões, órgãos, conselhos, institutos e
demais organismos públicos, além de cargos de representação
popular objetivando reforçar a importância das instituições
especializadas em deficiência como uma estrutura essencial
aos deficientes, garantindo, assim, recursos e financiamentos
cada vez maiores advindos dos cofres públicos.
Ficam, pois, as questões anunciadas: quais foram os
argumentos que levaram os legisladores a reforçar a
importância das referidas instituições no atendimento das
pessoas com necessidades especiais? Sob quais justificativas,
importantes ícones da educação inclusiva brasileira que,
explicitamente, tinham posições contrárias ao movimento de
institucionalização se enveredaram nesse caminho a ponto de
ratificar um Decreto que apresenta tamanhas incoerências e
contradições no trajeto histórico da inclusão?
Entende-se que, desvelando tais questões, torna-se possível
vislumbrar propostas educativas inclusivas numa outra
dimensão, para além dos aspectos meramente legais, tendo
como referência o Ser, em sua diversidade e complexidade
humana.
Tais prerrogativas são a base da discussão e luta dos
segmentos organizados de pessoas com deficiência tanto a
nível local, quanto regional e nacional. Ressalta-se, assim, o
papel que as entidades representativas têm assumido junto
aos órgãos e comissões responsáveis pela formatação das
normas legais.
186 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

A nossa perspectiva é de que essas questões estão


inteiramente ligadas entre si, uma vez que, o Estado, ao mesmo
tempo que funciona como impulsionador dos movimentos
organizados, também funciona como elemento de contenção
desses movimentos, ao utilizar de práticas desmobilizadoras
como as “políticas sociais” voltadas para as camadas populares,
em que, aparentemente amplia-se o espaço de participação
dessas camadas.
Como o Estado é a principal agência produtora de políticas
econômicas e sociais, a intervenção estatal, a cada nova conjuntura,
toma-se decisiva e tende a impactar todos os processos sociais.
Reforça-se a velha circularidade: o Estado é excessivamente
forte porque intervêm na sociedade civil e esta não se liberta
da sua tradicional subordinação ao Estado porque não produz
alternativas reais, exigindo então, que o Estado volte a intervir
decisivamente (MOISÉS,1986, p.128).

Destaca-se, ainda, a necessidade de compreender que


as conquistas legais empreendidas não estão diretamente
relacionadas às questões específicas da Educação Especial.
Os objetos de conquistas estão mais direcionados aos direitos
humanos, no que concerne à diversidade e especificidade de
grupos sociais marginalizados.
Evidencia-se, portanto, a necessidade de enfatizar a
recorrente utilização do termo inclusão como sinônimo de
educação especial. O termo inclusão, conforme apresenta
Teixeira (2010), encontra ressonância em seu pólo oposto,
exclusão. A dupla inclusão/exclusão faz relação e referência
a diversas discussões e estudos acerca de grupos sociais
vulneráveis, minorias étnicas, linguística e religiosa, além
de outras. Grande parte, porém, dos referendos legais,
faz referência quase exclusiva à questão das pessoas com
necessidades especiais: os deficientes.
Não se trata de minimizar a importância da educação
especial, mas de evidenciar que a inclusão se encontra em
uma perspectiva mais complexa e abrangente. Tais confusões
conceituais, a nosso ver, tornam as ações propostas limitadas
e, muitas vezes, incoerentes, segundo os seus propósitos.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 187

A ESCOLA PARA “TODOS” E SUAS POSSIBILIDADES


Partindo do pressuposto de que efetivar uma prática
pedagógica com base em desenvolvimento de conteúdos
curriculares desinteressantes e acríticos, priorizando a
exposição oral não dialógica, a repetição, a memorização
mecânica e desconsiderando o contexto social que envolve
a sala de aula, que é complexo e diverso, há de se admitir
que essa prática tem levado à exclusão milhares de crianças,
adolescentes, jovens e adultos, com ou sem deficiência, da
escola brasileira, por não se adaptarem às exigências desse
modelo pedagógico, que ainda se faz presente no nosso
contexto educacional.
A tríade – reprovação, repetência e evasão – infelizmente
tem sido constituída em caminho comum, e não de exceção,
para o percurso de muitos estudantes, sobretudo os de classe
social menos favorecida.
Nesse modelo, no qual se desenvolve uma prática pedagógica
descontextualizada, não há envolvimento do professor com os
seus alunos e ao menos interesse em contemplar a diversidade
presente, haja vista que “o professor não se reconhece na
atividade pedagógica, pois coloca-se à margem da atividade
que executa, estabelecendo relações apenas entre as operações
que realiza e não entre as pessoas envolvidas. (VEIGA, 1992,
p.19).
Destarte, nessa perspectiva acrítica, pode-se aferir que o
professor poderá contribuir, efetivamente, para a manutenção
das desigualdades sociais e das injustiças de toda ordem, pois
a base de sua formação, expressa nesse modelo pedagógico,
demonstra a preocupação apenas com o homem reprodutor,
acrítico e capaz de manter a ordem social.
O entendimento de uma escola para “todos” contraria toda
essa lógica reprodutora, pois parte de princípios que vão ao
encontro de eixos que envolvem a Ética, a Justiça e os Direitos
Humanos.
Nas palavras de Mantoan (2008, p.60),
188 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

Lutamos para vencer a exclusão, a competição, o egocentrismo e


o individualismo, em busca de uma nova fase de humanização
social. Precisamos superar os males da contemporaneidade,
ultrapassando barreiras físicas, psicológicas, espaciais, temporais,
culturais e, acima de tudo, garantindo o acesso irrestrito de
todos aos bens e às riquezas de toda sorte, entre as quais o
conhecimento.

Há de se repensar “didático-pedagogicamente” a inserção


do professor em sala de aula enquanto educador e formador
para a cidadania global, plena e livre de preconceitos, de forma
que “todos” sejam contemplados.
Como afirma Libâneo (2003, p.117) “a escola não é fábrica,
mas formação humana. E, segundo Sacristán (1995, p.65),
profissionalidade docente é “o conjunto de comportamentos,
destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade
de ser professor”.
Todas essas considerações indicam que a escola de hoje,
que ainda perpetua o sentido da reprodução, naturalizando o
preconceito, o estigma e, em consequência, a exclusão no seu
interior, precisa ser “entendida como uma instituição voltada
para a realização da prática pessoal e social, contextualizada
nas dimensões espacial e temporal, revestida de caráter
contraditório e complexo” (SANTOS, 2008, p.147).
Assim, apesar do entendimento da importância dos
preceitos legais na educação brasileira, eles não se constituem
como vitais para a transformação de nossas escolas. Não se
pode delegar às instâncias representativas das Leis, às vezes
completamente descontextualizada de seu propósito, esse tipo
de responsabilidade.
Mesmo em se tratando da educação de pessoas com
deficiência não é a questão do professor especializado ou
não que vai fazer a diferença na educação dessas pessoas.
Justiça, Direitos Humanos e Ética, eixos da formação humana,
não podem ser concebidos apenas no teor da Lei, mas no ato
individual e coletivo da população brasileira na construção da
cidadania e da emancipação de “todos”. A escola, enquanto
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 189

instituição social, com todas suas contradições, é parte desse


coletivo, daí a necessidade de revisão, pois é uma realidade
histórica em processo sempre contínuo. Não “sendo”, mas
apenas “estando sendo” é possível vislumbrar as reais
possibilidades de uma escola para “todos”.

NOTAS
1. LIBRAS é a sigla de Língua Brasileira de Sinais, uma língua gestual
utilizada por muitos surdos, geralmente escolarizados e institucionalizados.
Considerada pela comunidade surda como sua primeira língua.
2. Convenção de Guatemala, ratificada pelo Brasil e vigente na forma do
Decreto nº 3.956/01.
3. Referência ao Estado que participou da Convenção Interamericana
para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência (Decreto nº 3.956 /01).
4. De acordo com o parágrafo primeiro, do art. 24, entende-se por educação
especial, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente
na rede regular de ensino para educando com necessidades educacionais
especiais, entre eles o portador de deficiência.
5. O artigo 9 apresenta o seguinte texto “Fica instituído, no âmbito do
FNDE, o Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, com o objetivo de
prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas
do ensino fundamental das redes estaduais, municipais e do Distrito
Federal e às escolas de educação especial qualificadas como entidades
filantrópicas ou por elas mantidas, observado o disposto no art. 11 desta
Medida Provisória”.

REFERÊNCIAS
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Inclusiva no Brasil e no Programa de Pós-Graduação em Educação
da FE/UFG. In: Publicação Oficial - Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial. (Org.). Ensaios Pedagógicos
- Educação Inclusiva: direito à diversidade. 1 ed. Brasília:
Gráfica e Editora Ideal LTDA, 2006a, v. 1, p. 41-45.
ALMEIDA, Dulce Barros de. Da Educação Especial à Educação
Inclusiva? A proposta de “inclusão escolar” da rede estadual
190 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira

de Goiás no município de Goiânia. GT: Educação Especial / n.


15. Disponível em < www.anped.org.br/ 28/textos/ gt15/ gt
15 671int.rtt> Acesso em 10/jul/2006b.
ALMEIDA, Dulce Barros de. Do especial ao inclusivo? Um estudo
da proposta de inclusão escolar da rede estadual de Goiás,
no município de Goiânia. Tese (Doutorado em Educação)
Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas: SP, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa
do Brasil, 1988. Brasília: Câmara do Deputados, Coordenação
de Publicações: 2008.
BRASIL. Lei n. 6.571/2008. Atendimento educacional especializado.
Brasília/DF, 2008. (acrescenta dispositivo ao Decreto no 6.253,
de 13 /11/2007).
BRASIL/MEC. Decreto nº 3.956/2001. Brasília, DF, 2001.
BRASIL/MEC. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
(Lei n. 9.394). Brasília, DF, 1996.
BRASIL/MEC. Lei nº 10.172/2001. Brasília, DF, 2001.
BRASIL/MEC. Lei nº 10.845/2004. Brasília, DF, 2004.
BRASIL/MEC. Lei nº 6.571/2008. Brasília, DF, 2008.
BRASIL/MEC. Portaria nº 1.793/94. Brasília, DF, 1994.
BRASIL/MEC. Resolução nº 015/2001. Brasília, DF, 2001.
BRASIL/MEC/SEESP. Resolução CNE/CEB nº 01. Documento
Subsidiário à Política de Inclusão – Educação Inclusiva. Brasília:
MEC, 2005.
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perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC, 2008.
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LIBÂNEO, José Carlos. Educação Escolar: políticas, estrutura e
organização. São Paulo: Cortez, 2003.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 191

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Revista da Educação Especial. Brasília: v. 1, n. 1, p. 24-28, out.
2005. 343 p.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ensinando a turma toda:
as diferenças na escola. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér
(org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis, RJ: Vozes,
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MOISÉS, José Álvaro. Sociedade civil, cultura política e
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como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A.
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SANTOS, Maria Terezinha da C. Teixeira dos. Inclusão escolar:
desafios e perspectivas. In: MANTOAN, Maria Teresa Eglér
(org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis, RJ: Vozes,
2008, p. 147-152.
TEIXEIRA, Ricardo Antonio Gonçalves. Matemática inclusiva?
O processo ensino-aprendizagem de matemática no contexto
da diversidade. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade
de Educação. Universidade Federal de Goiás, Goiânia: GO,
2010.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. A prática pedagógica do professor
de didática. 2ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1992.
192 Dulce Barros de Almeida & Ricardo Antonio Gonçalves Teixeira
CAPÍTULO IX

FORMAÇÃO PEDAGÓGICA DE PROFESSORES


UNIVERSITÁRIOS: RESSIGNIFICAÇÃO DA ATUAÇÃO
DOCENTE1

Marilza Luzia Montagnini


Marilza Vanessa Rosa Suanno

O IV EDIPE – Encontro Estadual de Didática e Práticas


de Ensino apresenta a todos os seus conferencistas e
participantes o desafio de pensar a escola, o ensino, a didática
e a formação de professores em uma sociedade complexa.
Nessa perspectiva o presente texto pretende dialogar que, em
uma realidade complexa, para se rever os caminhos da escola
é preciso, concomitantemente, rever os caminhos da formação
humana e os caminhos da formação docente. Em específico
as reflexões do presente texto pretendem orientar possíveis
caminhos para a formação continuada e pedagógica do
professor universitário, e neste contexto, destacar a relevância
de se dialogar sobre a condição do ensino e da aprendizagem
nos cursos de graduação.
Em virtude disso, no sentido de criar novas possibilidades
para as realidades educativas, é preciso indagar sobre:
quais as concepções e os possíveis caminhos para a didática
universitária? O que valorizar na formação do cidadão e
do profissional? Nas discussões do IV EDIPE nos interessa,
em específico, dialogar sobre o que valorizar na formação
pedagógica de professores da educação superior, visto que,
estes são responsáveis pela formação do professor da educação
básica.
Na sequência será apresentada a proposta elaborada e
desenvolvida pela coordenação pedagógica da Unidade
Universitária de Ciências Socioeconômicas e Humanas de
Anápolis - UnUCSEH da Universidade Estadual de Goiás
– UEG em parceria com uma pesquisadora da UEG/UFG,
194 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

em atendimento a solicitação da Comissão de Avaliação


Institucional da Unidade. Em 2010 a referida Comissão
informou à coordenação pedagógica que os acadêmicos dos
cursos de graduação desta Unidade sugeriram que a instituição
socializasse e debatesse técnicas grupais de ensino, a fim de
que os professores universitários pudessem dinamizar as
aulas nos cursos de graduação.
A solicitação dos acadêmicos sinaliza que é preciso dialogar
sobre o que ocorre pedagogicamente no ambiente formativo,
como ocorre e o que é valorizado. Compreende-se que não basta
disponibilizar, como ação isolada, técnicas e metodologias
de ensino que sejam participativas, para então resolver as
questões inerentes ao ensino e a aprendizagem. Nesse sentido
produziu-se o presente texto que foi disponibilizado para
todos os docentes da Unidade Universitária com o intuito
impulsionar a discussão da temática abordada na Semana de
Planejamento dos professores da UnUCSEH/UEG, no ano
letivo de 2011.
Na primeira Reunião da Congregação da UnUCSEH/UEG
as autoras desse texto apresentaram algumas sugestões, para
serem pensadas pelo coletivo, sobre a necessidade de ser rever
a realidade da atividade de ensino na graduação e o papel
do professor nesse processo. Apresenta-se como fundamental
assumir a proposta do IV EDIPE e buscar pensar: em uma
realidade complexa, que universidade, que ensino, que
didática universitária, que formação continuada de professores
universitários?
Propõe-se que acadêmicos e professores desenvolvam
um conjunto de reflexões coletivas sobre a vida acadêmica,
a cultura de estudo, o ensino com pesquisa, a construção
de inovações pedagógicas e se propõe, para esse diálogo,
ações que poderão ser desenvolvidas na instituição, como:
a) a criação de uma Comissão de Apoio Pedagógico; b) a
elaboração de um curso de Pedagogia Universitária para
ofertar, formação pedagógica aos professores universitários; c)
o desenvolvimento de intervenções intencionais no cotidiano
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 195

da sala de aula universitária; d) a revisão coletiva do Projeto


Pedagógico da Instituição, do Projeto Pedagógico de cada
curso; e) a indicação na referência bibliográfica de uma relação
de livros e textos sobre técnicas de ensino e dinâmicas de
estudo em grupo a fim de atender ao solicitado; f) e outras.
Na sequência se buscará refletir sobre a necessidade
de formação pedagógica do professores universitário e os
possíveis caminhos para esse processo.

PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA COMO ESPAÇO DE


CONEXÕES
A universidade brasileira precisa repensar os cursos de
graduação na perspectiva de que eles tenham como finalidade
a formação de cidadãos e profissionais capazes de interferir
científica, cultural, política, técnica e socialmente na construção
de uma sociedade que se deseja justa e democrática. Para tanto,
há que se dar a devida importância ao trabalho do docente
universitário, bem como à formação inicial dos acadêmicos e,
desse modo, interferir no percurso formativo dos estudantes
de graduação.
Estudos de Gibbs (2004, p.13) esclarecem que as práticas
pontuais de formação de professores universitários por meio
de seminários, simpósios, palestras, oficinas são iniciativas
para melhorar a qualidade da docência. Entretanto, abordagens
adotadas nessas práticas se apresentam de forma fragmentada
e descontinuada e têm como foco o docente e seu ensino de
modo tradicional. Assim entendendo, não é salutar manter
ações isoladas para a qualificação profissional dos professores
universitários uma vez que a academia vem aderindo e
incentivando uma proposta de ação coletiva na construção
dos projetos institucionais, haja vista a mobilização em prol
da construção participativa do projeto político pedagógico
institucional e do projeto pedagógico dos cursos, entre
outras.
A formação de professores universitários não decorre de um
196 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

processo neutro, mas sim de uma concepção de educação, de


sociedade, de homem e de trabalho. Destarte, é imprescindível
que o docente tenha oportunidade de analisar e refletir acerca
de suas concepções, com vistas a articular as bases ontológica,
epistemológica e metodológica numa perspectiva que se afaste
da concepção simplesmente técnica do fazer docente.
No que concerne à não-neutralidade presente na formação
de professores, Gauthier (1999, apud CUNHA, 2009) assim
declara: “cada dispositivo do olhar e da observação modifica o
objeto neutro, mas sempre um objeto implicado, caracterizado
pela teoria e pelo dispositivo que permite vê-lo, observá-lo e
conhecê-lo”.
Uma reflexão mais rigorosa no tocante à formação do
docente de ensino superior conduz ao entendimento de que,
historicamente, esse profissional se constituiu a partir da
profissão que ele exerce ou exercia no mundo do trabalho.
Ademais, o pensamento de que quem sabe, sabe ensinar tem
sido a referência, ainda hoje, para se convocar professores
universitários para atuarem em muitas instituições de ensino
superior.
Munida dessa concepção, a universidade colaborou para
o surgimento de corporações no meio acadêmico em que o
conteúdo específico assumiu um valor significante na formação
de professores, maior até que o conhecimento pedagógico
e das humanidades. O pedagogo, ao ser convidado a atuar
em campos específicos de outras áreas do conhecimento,
torna-se “um estrangeiro em territórios acadêmicos de outras
profissões”, como afirma Lucarelli (2000, p. 23). Sua ação se
restringe a dar forma discursiva ao decidido nas corporações
para que os planos curriculares, projetos pedagógicos, processos
avaliativos e outros transitem nos órgãos oficiais. No entanto,
nada disso traria preocupação se os profissionais das áreas
específicas dispensassem à área pedagógica atenção similar
à que dão a suas áreas específicas. A docência universitária
é também influenciada pela concepção epistemológica
dominante, própria das ciências exatas e da natureza, e
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 197

que possui a condição definidora do conhecimento social


legitimado. Há que se considerar ainda que, na universidade
e na sociedade, reina a concepção da docência como dom, a
qual traz consigo um desprestígio da sua condição acadêmica.
Dessa forma, os conhecimentos pedagógicos são conduzidos a
segundo plano o que acarreta desvalorização desse campo de
conhecimento na formação do professor e, principalmente, do
professor universitário.
Cunha e Leite (1996), após estudos realizados tendo como
referência as contribuições teóricas de Bernstein (1990),
afirmam “que as decisões pedagógicas não são autônomas
e sim dependentes historicamente das relações da educação
com a produção”. O professor de nível superior procura um
conhecimento do campo específico da sua área reconhecido
pelos rigores da sua ciência e um exercício profissional que
legitime esse saber no espaço da prática.
Em se tratando do paradigma tradicional de transmissão
do conhecimento e a naturalidade apresentada pelo aluno
universitário, no que se refere à aprendizagem, historicamente
não há registro de preocupação significativa, por parte dos
professores da educação superior, quanto aos conhecimentos
pedagógicos. Outra observação que deve ser feita em relação
a esses conhecimentos é o fato de eles terem se constituído
distantes do espaço universitário e só bem mais tarde
alcançarem certa legitimação científica, uma vez que pouco
dialogavam com as estruturas de poder do conhecimento
científico de outras áreas. O foco central da pedagogia era,
pois, a criança.
Segundo a perspectiva da racionalidade técnica, merece
destaque também, enquanto desqualificação da pedagogia
universitária, a sua condição instrumental. Esta foi entendida
como um conjunto de normas e prescrições e mantinha um
efeito messiânico na resolução de problemas. Orientada pelos
fatores mencionados, a formação de docentes universitários
requer esforços apenas na dimensão científica do professor,
o que é conquistado nos cursos de stricto sensu, nos níveis de
198 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

mestrado e doutorado. Assim, para ser docente universitário, o


importante é o domínio do conhecimento de sua especialidade
e das formas acadêmicas de produção.
De modo contrário a esse entendimento, Lucarelli (2000,
p.36) resgata a visão da pedagogia universitária como um
espaço de conexão de “conhecimentos, subjetividades e
cultura, exigindo um conteúdo especializado e orientado para
a formação de uma profissão.”
Klessler (2002, p.119), por sua vez, afirma que a formação
específica para a docência foi compreendida como desnecessária.
Essa trajetória tornava-se, então, um habitus para o docente que
perseguia o conservadorismo, ou seja, “o comprometimento
com a ordem estabelecida, levando ao cumprimento de ordens
sem questionamento [...] e ao autoritarismo que, em geral, se
traduzia em relações hierarquizadas e a concepção positiva de
rigor”.
Estudos de Tardif, Lessard, Lahye (1991, apud CUNHA, 2009,
p.218) retratam que os professores são produtores de saberes e
que estes são plurais na sua constituição e natureza. Indicam
como constituintes da docência os saberes das disciplinas, os
saberes curriculares e os saberes da experiência. Os saberes
requeridos para a prática do magistério são definidos na
relação histórica do papel da escola e da educação nas
sociedades contemporâneas. Assim sendo, estão matriciados
numa relação de poder macroestrutural e variam no tempo
e no espaço contrapondo-se ao papel docente, orientando
estudos e políticas necessárias à formação desse profissional,
geralmente de uma forma externa ao seu fazer cotidiano.
Tardif e sua equipe (2001 e 2002 apud CUNHA, 2009, p.218),
com o propósito de melhor conhecer os saberes dos mestres,
deram continuidade às suas pesquisas chegando à conclusão
de
que os saberes que servem de base para o ensino, tais como
são vistos pelos professores, não se limitam a conteúdos
bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento
especializado. Eles abrangem uma diversidade de objetos,
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 199

de questões, de problemas que estão relacionados com o seu


trabalho. Logo, os saberes profissionais são plurais, compostos e
heterogêneos [...] bastante diversificados, provenientes de fontes
variadas, provavelmente de natureza diferente.

Tardif (2001) trata também da crise do profissionalismo


tomando o termo como a profissão em ação, em processo, em
movimento. Esse estudioso inicia seu trabalho indicando a crise
da perícia profissional, ou seja, dos conhecimentos, estratégias
e técnicas por meio das quais certos profissionais buscam
resolver situações problemáticas. A perícia profissional vem se
distanciando da ciência aplicada e tem se aproximado de um
saber socialmente situado e construído localmente. A profissão
docente não é vista como decorrente apenas de conhecimentos
advindos da racionalidade técnica, mas está mergulhada em
dimensões éticas, tais como; valores, senso comum, saberes
cotidianos, julgamento prático, interesses sociais, entre outros.
Com base em seus estudos, esse autor investigou o impacto
da crise da perícia nas atividades de formação profissional,
constatando grande insatisfação e críticas ferrenhas contra a
formação oferecida pelas universidades em relação à maioria
das profissões.
A terceira abordagem referente à crise do profissionalismo
recai no declínio do poder profissional e na confiança que
o público e os clientes depositam nesse profissional. “A
complexidade da existência humana e o reconhecimento dos
múltiplos fatores que a determinam fazem fugir das mãos de
um único profissional a condição de arbitragem da verdade e
da certeza” (CUNHA, 2009, p.219).
A crise da ética profissional, isto é, dos valores que deveriam
guiar os profissionais encerra o trabalho de Tardif (2001).
Cada vez menos, as dificuldades que os professores vêm
passando dizem respeito ao domínio do conteúdo específico
da matéria que lecionam, embora esse conteúdo seja um
elemento fundamental de seu trabalho. Os saberes que podem
fundamentar a prática do docente universitário estão em baixo
prestígio acadêmico nas propostas das políticas globalizadas.
200 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

Cunha (2006, p.258) evidência que “a formação do


professor universitário tem sido entendida, por força da
tradição e ratificada pela legislação, como atinente quase
que exclusivamente aos saberes do conteúdo de ensino”. Os
professores da educação superior têm revelado, em pesquisas
realizadas sobre formação de docentes, que estes não
recebem uma formação voltada para os processos de ensino
e aprendizagem.
Desse modo, a docência universitária caracteriza-se por um
conjunto de ações que pressupõe elementos de várias naturezas
o que a torna um campo complexo. Estudos realizados por
Benedito (1995), Cunha (1998), Pimenta e Anastasiou (2002)
e Zabalza (2004) conduziram Almeida e Pimenta (2009) a
caracterizar o papel docente a partir de três dimensões: a
profissional, a pessoal e a organizacional.
A dimensão profissional acolhe os elementos definidores da
atuação: a identidade profissional, as bases da formação inicial
ou continuada e as exigências profissionais a serem cumpridas.
Por sua vez, a dimensão pessoal requer o desenvolvimento das
relações de envolvimento e os compromissos com a docência,
a compreensão das circunstâncias de realização do trabalho e
dos fenômenos que afetam os envolvidos com a profissão, além
dos mecanismos para se lidar com esses fenômenos ao longo
da carreira. Finalmente, destaca-se a dimensão organizacional
em que se estabelecem as condições de viabilização do trabalho
e os padrões a serem atingidos na atuação profissional.
Desse ponto de vista, a formação do professor assenta-
se numa perspectiva de desenvolvimento profissional; na
formação inicial deve ocorrer um processo contínuo no qual a
profissão se desenvolve por meio de descobertas individuais
e coletivas. Por intermédio desse processo contínuo, tais
descobertas sedimentam-se e se reconstroem sustentadas em
uma rigorosa reflexão sobre a prática, mediadas pela teoria, o
que permite a reconstrução da experiência na perspectiva do
aprimoramento da atuação futura.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 201

No atual momento, as novas demandas postas à formação de


futuros profissionais estão a reivindicar profunda renovação
no contexto da sala de aula e nas metodologias de ensino
universitário. Isto acarreta implicações novas para os docentes
em seu trabalho formativo.
A docência universitária, por ser um campo complexo de
ação, requer uma reflexão coletiva contínua em relação aos
elementos constitutivos da profissão docente. Uma alternativa
a ser testada a fim de se averiguar a sua validade local é a criação
de uma equipe de apoio pedagógico incluindo professores
que se envolvam com a problemática pedagógica apresentada
pelos docentes da Unidade Universitária.

PENSANDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA EM CONTEXTO


UNIVERSITÁRIO
No processo de avaliação institucional desenvolvido em
2010 na UnUCSEH/UEG foi solicitado pelos alunos que a
instituição socializasse e debatesse técnicas grupais de ensino
a fim de que os professores pudessem dinamizar as aulas.
Acredita-se, entretanto, que, ao analisar uma prática
docente, faz-se necessário refletir acerca do que existe por
trás do modo de lecionar. Sem dúvida, há um paradigma,
uma concepção que precisa ser explicitado, analisado,
discutido para só então se chegar a indicações de alterações
significativas que possam ter alcance nas aulas. Quando o
paradigma que enfatiza o ensino é substituído pelo que dá
ênfase à aprendizagem, a concentração do trabalho docente
recai sobre o desenvolvimento de uma pessoa, nos diversos
aspectos de sua personalidade, como indicado a seguir por
Masetto(2005, p. 82-83):
1: desenvolvimento de suas capacidades intelectuais de pensar,
raciocinar, refletir, buscar informações, analisar, criticar,
argumentar, dar significado pessoal às novas informações
adquiridas e de relacioná-las, bem como pesquisar e produzir
conhecimento.
202 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

2: desenvolvimento de habilidades humanas e profissionais que


se esperam de um profissional atualizado: trabalhar em equipe,
buscar novas informações, conhecer fontes de pesquisas, dialogar
com profissionais de outras especialidades dentro de sua área e
com profissionais de outras áreas que se complementam para a
realização de projetos ou atividades em conjunto, comunicar-se
em pequenos e grandes grupos, apresentar trabalhos. Quanto às
habilidades próprias de cada profissão, embora eu saiba que elas
são conhecidas dos professores de cada curso e os currículos, em
geral, com elas se preocupem, queria lembrar que é importante
também fazer uma investigação para verificar se, de fato, os
currículos permitem que todas as habilidades profissionais
possuem espaço para aprendizagem, ou se grande parte delas é
preterida em função dos conteúdos teóricos.
3: desenvolvimento de atitudes e valores integrantes à vida
profissional: a importância da formação continuada, a busca de
soluções técnicas que, juntamente com o aspecto tecnológico,
contemplem o contexto da população, o meio ambiente, as
necessidades da comunidade que será atingida diretamente pela
solução técnica ou suas consequências, as condições culturais,
políticas e econômicas da sociedade, os princípios éticos na
condução de sua atividade profissional não apenas competente,
mas também compromissado com a sociedade em que vive,
buscando meios de colaborar para a melhoria da qualidade de
vida de seus membros, formar um profissional competente e
cidadão.

Para enfrentar esse desafio, o professor poderá se valer de


várias metodologias de ensino que o ajudarão em seu trabalho,
visando à aprendizagem do acadêmico.
A coordenação pedagógica da UnUCSEH/UEG a fim
de atender a solicitação de acadêmicos e de professores da
UnUCSEH/UEG quanto à necessidade de diversificação
de práticas pedagógicas, um conjunto de reflexões foram
desenvolvidas para então serem debatidas com a equipe
de docentes, coordenações pedagógicas e representantes
estudantis da Unidade Universitária. Seguem-se algumas
dessas reflexões e ações que a equipe poderá utilizar, caso
assim o deseje:
1 - sugerir a criação de uma Comissão de Apoio
Pedagógico na UnuCSEH-UEG.
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 203

2 - elaborar um curso de Pedagogia Universitária para


ofertar, por adesão voluntária, formação pedagógica a
professores universitários da UnUCSEH/UEG.
3 - estimular a equipe de professores dos cursos
da UnUCSEH/UEG a desenvolver intervenções
intencionais no cotidiano, em suas práticas
profissionais.
4 - investir na troca de experiência de práticas
pedagógicas significativas desenvolvidas na
instituição.
5 - oportunizar a discussão sobre a história da
universidade brasileira, suas formas de gestão, de
organização curricular e de atuação docente.
6 - debater distintos conceitos e concepções de
formação docente, de profissão docente e de
profissionalidade para, a partir daí, discutir o papel
do professor universitário e do acadêmico nos rumos
institucionais, bem como nos projetos, programas,
questões curriculares, vida universitária e vida em
sociedade.
7 - dialogar acerca de concepção e práticas profissionais
instituídas na UnUCSEH/UEG.
8 - destacar a necessidade de se trabalhar em equipe
de forma articulada, desenvolvendo uma ação coletiva
em prol de uma finalidade formativa.
9 - analisar coletivamente o Projeto Pedagógico
da Instituição, o Projeto Pedagógico do Curso, o
currículo no qual os professores trabalham e articulá-
los aos fundamentos legais a fim de compreender
sua constituição e possíveis revisões curriculares,
bem como a revisão do Projeto Político Pedagógico.
Discutir o nível de integração entre as disciplinas do
currículo e os planos de curso elaborados.
10 - em relação ao processo de ensinar e de aprender,
204 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

várias orientações parecem ser significativas:


10.1 - iniciar a disciplina apresentando o plano de
curso, buscando envolver os alunos na análise desse
documento, motivando-os para a aprendizagem.
10.2 - organizar a sequência de uma aula, a fim de
possibilitar um trabalho conjunto entre professor
e aluno, durante o tempo da aula e em tempo
extraclasse.
10.3 - evidenciar o fato de que tem se mostrado
significativa a alternância entre a solicitação de
atividades individuais aos discentes e atividades
coletivas. Destacar a importância de o acadêmico
ter clareza acerca das solicitações e orientações do
professor, seja por meio de roteiro ou orientação
sistematizada, o que poderá servir de estímulo ao
cumprimento da atividade.
10.4 - adotar aula expositiva como estratégia
adequada para atender o objetivo de iniciar um
assunto, como forma de motivar os alunos a estudá-
lo ou para apresentar de forma genérica um tema
que posteriormente será estudado ou, ainda, como
recurso para se realizar a síntese do estudo feito. No
entanto, há de se avançar no sentido de possibilitar
ao acadêmico a interação com o conteúdo, com os
valores e práticas enredados no estudo da disciplina
ou na temática.
10.5 - utilizar técnicas grupais para favorecer o
desenrolar de uma aula. Uma vez orientadas pelo
professor, as atividades pedagógicas coletivas
poderão alcançar contribuições mais significativas
do que as produzidas pelo indivíduo isoladamente,
tais como: seminários, excursões, grupo de
verbalização e grupo de observação (G.V. e G.O.),
painel integrado, grupos de oposição, pequenos
grupos para formular questões ou solucionar casos
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 205

e projetos, aprendizagem baseada em problemas –


ABP, dentre outras. (Nas referências bibliográficas
encontram-se algumas sugestões de livros sobre
metodologias participativas e dinâmicas de estudo
em grupo que poderão compor parte do material
que será objeto de diálogo e estudo entre professores
da UnUCSEH/UEG).
10.6 - perceber que outro conjunto de atividades
pedagógicas que tem alcançando a sala de aula
universitária é a mídia eletrônica, seja por meio
da utilização do computador, da internet, do bate-
papo on line, do e-mail, da lista de discussão e
da teleconferência. O professor pode, então, criar
atividades interessantes que contribuam para que
a aprendizagem seja mais significativa, motivadora
e envolvente.
10.7 - organizar as aulas utilizando exemplos e
ambiente de atuação profissional como condições
favoráveis à aprendizagem dos acadêmicos. A
prática profissional atrai o interesse do aluno e,
por meio dela, pode-se articular teoria e prática,
bem como dialogar acerca da importância da
fundamentação teórica na formação dos cidadãos
e dos profissionais que atuarão em determinada
área.
10.8 - outra atividade pedagógica que requer
atenção é a avaliação da aprendizagem entendida
como a capacidade de refletir acerca do processo de
aprendizagem, buscando informações que auxiliem
os discentes a perceberem o que estão aprendendo,
o que está faltando, o que merece ser corrigido,
ampliado ou complementado; enfim, motivar os
estudantes para desenvolverem seu processo de
aprendizagem.
10.9 - disponibilizar referencial teórico de ensino e
206 Marilza Luzia Montagnini & Marilza Vanessa Rosa Suanno

aprendizagem para os professores da UnUCSEH


atendendo a solicitações recebidas, dentre outros.
11 - dialogar com os representantes estudantis sobre
a importância de promover a cultura do estudo e da
pesquisa na formação universitária na UnUCSEH/
UEG.
Ante tais considerações, cabe lembrar Mendes (1973, p.230-
233) que assim afirma:
A pedagogia é, antes de tudo, liberdade de olhar. Deixar ver,
deixar expressar-se, consentir no tratamento, na busca fora dos
trilhos dogmáticos [...] Precisamos resolver a didática...

Entende-se, por “resolver a didática”, neste contexto, a


busca por soluções concretas que só poderão ser construídas
na análise e diálogo sobre a vocação universitária, nas
contradições do real e na busca das verdades provisórias. O
que se propõe no presente texto é que se construa espaços e
projetos institucionais na universidade para se dialogar sobre
questões pedagógicas, questões formativas. E, assim como o
proposto pelo IV EDIPE, possibilitar a reflexão coletiva e o
diálogo sobre que ensino, que didática, que universidade?

NOTA
1. Texto apresentado em janeiro de 2011 na Reunião de Congregação e
Semana de Planejamento da UnUCSEH/UEG e no IV EDIPE – Encontro
de Didática e Práticas de Ensino em maio/2011.

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162.

Abaixo são indicados alguns livros sobre metodologias


participativas de ensino e aprendizagem e dinâmicas de estudo em
grupo, que podem servir de leitura e discussão inicial sobre
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 209

procedimentos que podem ser úteis ao trabalho do professor


universitário que busca diversificar a dinâmica de suas aulas.
ANDREOLA, Balduíno A. Dinâmica de grupo: Jogos da vida e
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ANTUNES, Celso. Manual de técnicas de dinâmica de grupo de
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210 DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA
DIDÁTICA E ESCOLA EM UMA SOCIEDADE COMPLEXA 211
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