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moções de trabalhadores de suas respectivas áreas de atuação/ que, turbado, o pessoal diz todos os desaforos/ aquela coisa

se aceitas por ele/ Conselho/ implicavam em aumento de pró labore. assim, ne. Aí o pessoal da administração disse: "5ó que este
Mas a definição de reajustes para o conjunto dos associados era atn- é o Jeito de administrar, se vocês quiserem diferente, não
buição exclusiva do Conselho de Administração/ cujos integrantes será com este Conselho de Administração" e a massa se
afirmavam a orientação de concedê-los sempre e na proporção que calou. (...)

permitisse o desempenho das cooperativas, com o objetivo de manter Associado, COOFUND

os pró labore acima dos níveis vigentes no mercado. Em Junho do mesmo ano, novo pedido de aumento foi encami-
A oscilação para baixo desses níveis, ou reajustes insatisfatórios nhado ao Conselho de Administração.
dos pró labore/ provocou ações reivindicatórias entre os associados.
Houve uma solicitação de aumento coletivojá em junho,
Os relatos dessas ações têm conteúdos diferentes, de acordo com a
nós protelamos prá julho e em julho não foi possível con-
posição dos associados na estrutura administrativa das mesmas. De
ceder. A chamada ciranda financeira. Tivemos que percorrer
acordo com depoimentos de integrantes dos Conselhos de Adminis-
05 bancos para buscar recursos prá enfrentar aquela fa5e
tração, aquelas ações se limitaram a abaixo-assinados com pedidos inflacionária. Aquela fase de ágio, então nós tivemos muitas
de aumentos ou à solicitação de reuniões nas quais foram pedidas e dificuldades em transferir esses custos prá preços. Enfim,
dadas explicações sobre a situação das cooperativas e examinadas as dificuldades com obtenção da totalidade das nossas matérias
possibilidades de atender às reivindicações, com o necessário esclare- primas. Conseqüentemente, a dificuldade de concluir produ-
cimento sobre as possíveis implicações que um aumento de pró labore tos e vendê-los, faíurá-los e o ingresso do correspondente
numerário. Houve um áescompasso aí no nosso fluxo finan-
poderia provocar, como/ por exemplo, a diminuição das sobras a serem
ceiro. Nós tivemos essas dificuldades que foram detectadas
e impuseram uma série de providências, por exemplo, como
Mas para associados na condição de reivindicantes, a questão
a não admissão de pessoas, enfim, diminuição de uma série
não era tão pacífica, tendo chegado a um confronto aberto.
de despesas, custos, etc. Então nós nos sacrificamos em
Dois momentos se destacaram nos depoimentos dos associados/ não aumentar nosso pró labore. O pessoal, informado das
marcados por conflitos em torno da remuneração: um ao longo do causas pelas quais não se concedia, se preocupou em querer
ano de 1987. ainda sob os efeitos do fim do Plano Cruzado e o reapa- saber da situação atual. Então ontem (ag., 1987} houve
recimenío da espiral inflacionária e o outro em 1989, quando as uma reunião. Os esclarecimentos foram todos dados. Nós
últimas entrevistas estavam sendo realizadas nas Cooperativas. já estamos superando, pelo menos, os momentos mais crfti-
Em 1987, as dificuldades começaram a surgir já no início do cos, estamos ingressando numa fase boa, com certeza. Tanto
que se liberou este aumento para o final do mês de agosto.
ano, assim relatadas por um associado.
Setor adminisfcratívo, COOMEC
No mês de fevereiro prá março de 87, que foi quando
terminou o Plano Cruzado I pró II, houve aumentos assim
Outro associado, operário que integrava a "massa da produção"/
tinha outra versão do episódio.
ó: a massa, a massa que eu digo é o pessoal da produção,
teve aumento ao redor de 20%, os coordenadores de 40 a
fizemos uma guerra lá dentro. Uma
60, isso continhas feitas por nós em cima da folha de paga-
guerra prâ parar/ que teve os coordenadores e chefia, que
mento. Os cargos tipo presidente da cooperativa, esse enge-
era a classe alta, que a gente considerava os marajás, como
nheiro que saiu, que eram pessoas de dentro, inclusive do
a gente diz. Eles criaram em, não me lembro, em setembro,
Conselho de Administração, esses tiveram aumentos de 70
julho ou agosto, um aumento, porque eles achavam que
a 105%. (...) ganhavam pouco. Mas um deles, achando aquiio ali errado,
O pessoaljá tava mais ou menos sabendo e aí os caras lá
ele ganhou e achou errado, chegou prum outro e disse as-
dentro disseram o seguinte: "Vamos convocar uma assem-
sim: "Vocês ganharam aumento?", "Não", "Nós ganhamos".
biéia geral", aí a massa assinou e tal e aí convocaram e a
Aí caiu nos nossos ouvidos. Já fízemo uma guerra e paremo
direção da cooperativa foi chamada na assembleia. Con-
nove horas da manha, na hora do café, fomos tomar café.

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"Porque eles ganharam aumento e nós não ganhamos? Se re quando estes infringem as normas e só se efetiva depois de quatro
nós pedimos um aumento no mês passado/ eles disseram advertências, deixando ainda como recurso ao associado a decisão
que a cooperativa não tinha condições de dar, porque estava da Assembleia Geral. Ele lembra que emjaneiro a Cooperativa reajus-
com muito capital na rua e muito capital empregado dentro tou os pró labore em 27% e em fevereiro em 20%. Em março nada
da empresa, da cooperativa, porque não deram prá nós? aumentou porque houve uma redução de até 50% nos pedidos."
Então vamos saber deles," Já revoltemos ali trinta, quarenta
Em entrevista realizada em junho de 1989, estes dados foram
que estavam no café, já não voltamos lá para dentro, os
confirmados.
outros que estavam lá dentro no serviço voltaram pró
refeitório prá saber o que houve. Em março tivemos problemas com queda da produção.
Operário, COOMEC Janeiro e fevereiro são considerados férias, a produção não
reagiu, março não tivemos boa produção, então não se
A longa discussão que a partir daí se travou entre a "massa" e a
repassou o percentual. Tivemos problemas, os caras ficaram
direção, minuciosamente relatada pdo operário, culminou com a
brabos, pediram reunião, saber o que estava acontecendo.
ameaça de alguns operários associados, fundadores, de se retirarem Se faz reunião, até não se fez antes, foi um erro adminis-
da cooperativa. A questão foi contornada com a formação de uma tratívo/ depois o pessoal chiou.
comissão para examinar a possibilidade de revisar a escala de pró Setor administrativo, COOFUND
labore. Mas os resultados do trabalho da comissão pouco contribuí-
Não só chiou como chegou a paralisar as atividades/ configu-
ram para a resolução do conflito/ como se obserra no relato do mesmo
rando um movimento grevísta/ legitimado entre os associado5 pelo
operário.
entendimento dajusteza das causas que o motivaram.
Estudaram três meses, a comissão de salário, e não deu
Eu sou a favor da greve. Não sei bem porque mas no
resultado a nada. Nós fiquemos com o nosso, eles ficaram
caso da luta salarial vale. Neste ano houve uma greve na
com o deles e continuou. Aí, a partir dali, terminou a coope-
Wallig porque os salários estavam muito baixos. Tinha
rativa prá mím. (...)
boato de que ia ter demissões, mas não houve.
Então, cie setembro prá cá (maio, 1988) nosso salário
quase triplicou, mas foi com muita briga. (...)
Ajudante, COOFUND
Eu sou persistente, eu não vou sair daqui nem que seja A insatisfação com os níveis de remuneração tornava-se maior
só prá vir aqui, eu venho a pé se não tiver dinheiro para a
quando os a5sociados das Cooperativas comparavam sua própria
passagem, mas que eu vou persistir eu vou. Acho certo a
condição com trabalhadores de outras empresas/ nas quais estavam
diferença de pró labore. A única diferença que eu achei
errada foi o aumento que eles deram duas vezes prá eles, assegurados aos empregados pagamentos de adicionais de insalubri-
prós marajas. dade e de horas-extras/ inexistentes nas Cooperativas, isto provocava
entre alguns associados um sentimento de direitos sonegados/ sobre-
Esse episódio ocorreu na Cooperativa Mecânica. Em 1989, um
pondo-se ao reconhecimento das vantagens de trabalhar nas Coopera-
movimento similar edodiu na COOFUND, com a paralisação das ati-
tivas, que eles mesmos afirmavam existir. Esse sentimento era particu-
vidades da fábrica durante dois dias/ no mês áe março. Um grupo de
larmente demonstrado por associados sem qualificação/ ajudantes
associados, em declarações ao jornal Zero Hora, publicadas no dia
em sua maioria, a mesma categoria na qual a rotatividade era mais
10 de abril, denunciava "falta de democracia, negativa de reuniões e
elevada, e na qual se verificava pouca identificação com o projeto
sonegação de dados de desempenho/ (...) além de baucos salários e as
diferenças salariais dentro de uma mesma seçâo" (p.20). Na mesma cooperatmsta e uma orientação quase exclusiva com ganhos imedia-
matéria, dois associados declaravam que iriam entrar com uma açao tos, o que significava salário no fim do mês.
na Justiça do Trabalho, exigindo horas-extras, insalubridade/ pres- Mas também entre associados-fundadores com funções na pro-
taçao de contas e demissão irregular. Contra estas denúncias, o presi- dução poderia ser observada uma insatisfação com a remuneração e
dente da COOFUND argumentava //que a exclusão de associados ocor- uma inconformidade com o modo como ela era decidida pela direção.

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O que gerava essa insatisfação era o tratamento diferenciado 30 dias ou dois períodos de 15 dias após o terceiro ano. Em nenhuma
das categorias funcionais por ocasião dos reajustes dos pró labore/ já hipótese poderia haver troca de parcelas ou de todo o período de
que as diferenças de remuneração eram legitimadas pelas represen- descanso por pagamento indenizatório, não sendo admitida também
tações de que cada trabalho tem um valor específico/ a partir da a possibilidade de acumular períodos vencidos. Não haveria paga-
responsabilidade que ele implica e do preparo (educação formal) de mento antecipado, nem adicional. A instrução dispunha textualmente:
quem o executa. 5e a diferença de remuneração era aceita porque "O associado descansa o período a que tem direito e recebe no final
considerada justa, os reajustes diferenciados de pró labore eram rejei- do mês, o pagamento integral". E ainda: "Em nenhuma hipótese este
fados por que entendidos como uma ruptura do pacto inicial, pelo tipo de descanso gera pagamento sem o respectivo gozo ou seja, não
qual todos dividiriam entre si os resultados positivos ou negativos do existe qualquer forma de indenização. Caso não seja gozado no período
empreendimento. As diferenças nos aumentos concedidos revelavam por qualquer motivo, o associado não terá nenhum tipo de ressarci-
uma desigualdade contra a qual os associados reagiam com indigna- mento'. A programação do descanso seria feita pêlos coordenadores
cão. Além disso, a opacidade da política de remuneração e a exclusão em comum acordo com cada um dos associados/ observadas as neces-
da grande massa de associados da sua formulação geravam um clima sidades e possibilidades da produção, devendo ser aprovada pela seção
de desconfiança e um latente estado de prontidão para o confronto de Recursos Humanos.
de interesses. O sistema de descanso anual implantado era considerado pela
O não equacionamento satisfatório da questão da remuneração direção das Cooperativas como superior ao direito a férias disposto
apontava a pouca correspondência entre o discurso da igualdade e na CLT, pois seu objetivo "salutar de recuperação e composição de
da transparência pretendidas e a prática efetiva na condução das forças" não poderia ser mercantiïizado/ impedindo o trabalhador de
Cooperativas. Se em relação a outras questões estas práticas foram trocar por dinheiro o "recurso sanitário de restauração de seu desgaste
realmente modificadas, no que diz respeito à remuneração, segura- físico e mental"/ como foi declarado por um entrevistado.
mente uma dimensão crucial para todos os associados, elas se manti- Uma terceira instrução foi emitida na mesma data (novembro/
veram como polo potencial de divergências e conflitos. 1987), regulamentando a concessão de empréstimos "para acudir
Mesmo o restabelecimento de algumas vantagens remunerató- eventuais ou urgentes necessidades financeiras dos associados.
rias asseguradas pela CUT e inexistentes para os associados na fase mediante a criação e dotação de um fundo especifico". O valor do
inicial das Cooperativas, cumprindo a decisão original de implantá- empréstimo não poderia ser superior ao pró labore do associado e
las assim que o desempenho das Cooperativas permitisse, não pôs sena pago em até quatro parcelas/ sendo o saldo corrigido por índice
fím ao descontentamento que, por vezes, se tornou mais agudo. Duas equivalente ao do "over night" vigente na data da(s) !íquidação(ões).
instruções emitidas pelo Conselho de Administração, em novembro Essa Instrução não esclarecia sobre a origem dos fundos para a conces-
de Ï 987, recuperavam algumas daquelas vantagens. são de empréstimos.
Uma delas tornava efetivo o abono anual, identificado como Com a adoçao de algumas dessas medidas/ os associados sentiam
abono natalino, que no ano anterior tivera caráter excepcional. Este ter recuperado alguns dos direitos celetistas, como o direito ao descan-
abono, pago em duas parcelas/ uma no final de novembro e a outra só remunerado, mesmo que em condições diferenciadas que as
preferencialmente antes do Natal, corresponderia ao valor do pró dispostas na CLT. Mas permanecia ainda uma inconformidade com o
labore recebido no mês de novembro, sendo proporcional ao número não pagamento do adicional das horas-extras e de ínsalubridade e
de meses trabalhados no ano. Este abono foi considerado pêlos com a inexistência do FGTS. A pretendida equivalência deste com o
associados como 13° salário. valor das cotas/ recuperável no caso do afastamento do associado da
A outra instrução passaria a regulamentar o descanso anual, Cooperativa, era vista com ceticismo, especialmente pêlos novatos,
com algumas diferenças em relação ao direito a férias remuneradas
disposto na CLT Cada associado teria 20 aias corridos ou dois períodos
A gente sai daqui com uma mão na frente e outra atrás.
de 10 dias de de5canso após dois anos de trabalho na Cooperativa e a

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Essas cotas que a gente tem aí, a gente sai daí, não serve
ne. Micharia. Não dá prá nada,
Ajudante, COOFUND A autonomia das Cooperativas para definir suas normas inter-
nas/ já que suas relações com os trabalhadores não eram reguladas
A implantação da poupança compulsória na COOFUND veio
pela legislação trabalhista, possibilitou a adoção de uma série de medidas
amenizar um pouco esta insatisfação, como revelou o mesmo ope-
com diferentes implicações na vida laborai dos associados, consideradas
râno.
positivas algumas, negativas outras. Algumas dessas medidas, bem
O único que melhorou um pouco foi uma poupança como alterações de ordem legal no funcionamento das Cooperativas J á
que eles abriram. Depositaram um pouco da Cooperativa e foram examinadas. Mas existiram outras/ que pela importância que os
outro pouco é descontado do nosso salário. Eu botei só 3% trabalhadores lhes atribuíam, merecem ser melhor analisadas.
do meu salário. Tava precisando ne.
Ao iniciarem o empreendimento, seus fundadores decidiram eli-
Mas se estas medidas podiam representar a recuperação de algu- minar qualquer adicional de salário (no caso/ de pró labore) previsto
mas vantagens celetistas, não foram suficientes para pôr fim ao sentí- na CLT, como forma de eliminar custos. Na fundição, o adicional de
mento de direitos sonegados. Ações trabalhistas foram movidas por insalubridade beneficiava um grande número de trabalhadores/ que
associados, reivindicando esses direitos. A Justiça do Trabalho consi- deixou de recebê-lo na condição de associado, kto foi, para eles/ uma
derou-as improcedentes, a partir da interpretação do artigo 90 da perda em relação a qual tinham um sentimento de inconformidade.
Lei n° 5.764, que nega a existência de vínculo empregatício entre reforçado pela inexistência de compensações às quais acreditavam
cooperativas e seus associados. Mas ações ajuizadas posteriormente, ter direito.
sustentando a existência/ de fato, de uma relação de emprego Todos os operários que trabalham em fundição é
mascarada pela condição de sócio dos requerentes/ foram consideradas obrigado a tomar um Íifcro de leite por dia. Aqui eles não
procedentes. servem o leite mas como muitos ignoram isto, não exigem.
Segundo os fundamentos alinhados pêlos advogados nestas Pra gente ganhar o leite teria que fazer uma reunião e
ações/ a condição de empregado do requerente ficava configurada, já conversar com o presidente. Isso sempre foi por lei. A firma
que ele "laborava no horário das 7:30 às 17:00 horas de segunda ás que não paga insalubridade tem que dar um litro de leite
sextas-f eiras. Era fiscalizado pelo chefe de setor que controlava a para cada empregado que trabalha em fundição. Quando
fundamos a Cooperativa nossa insalubridade foi incluída
Jornada e os serviços através de uma planilha de horários, onde consig-
no salário, mas é aquela coisa. Tanto a inflação tá subindo
nava a efetiva jornada do reclamante. (...) No caso do autor/ trata-se
que nosso salário está defasado. È aquilo aí, a nossa
de empregado, segundo a melhor interpretação do art. 3° da CLT/ insalubridade cai fora no fim. Acho que nem insalubridade
posto que laborava de forma habitual/ totalmente subordinado às existe mais em certos salários.
ordens do empregador, com exclusividade e mediante pagamento de Modelista, COOFUND
salários. Entretanto, a reclamada jamais procedeu a regularização
A inconformidade com a perda do adicional de insalubridade apa-
da relação de emprego, mantendo-se às margens da lei, sem CTPS
receu somente entre os associados da COOFUND, cujas condições de
assinada."
trabalho eram reconhecidas por todos, inclusive pêlos associados da
Pretendendo o reconhecimento de vínculo empregatício entre
COOMEC, como extremamente penosas/ e por isso deveriam merecer/
as partes, estas ações reclamavam o pagamento de direitos decorrentes
por parte da direção, um tratamento diferenciado. Ao manifestarem
desta relação e que nunca foram feitas pela cooperativa. Consideradas
aquela inconformidade, os associados da COOFUND usavam como refe-
procedentes, tramítavam na Junta de Conciliação e Julgamento/ para
rência o conhecimento que tinham de situações existentes em outras
a realização de perícia contábil.
empresas e, na comparação que faziam, sentiam-se penalizados.

Não tenho medo de falar o que eu tenho a dizer a re5peit:o

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da cooperativa. Não dá/ ne. Porque o serviço da gente é por manipulação equivocada por parte do trabalhador. É
sujo, a gente fica todo preto de... a roupa da gente fica toda difícil que ocorra isso. Eles têm cuidado com o maquínário
suja. Aquilo prejudica a saúde da gente. Eles tinham que... porque foi praticamente eles que compraram. Eles cuidam
Eu falei prós caras, falei até numa reunião que eles tinham do material.
que dar leite também porque o leite ajuda,., Eles não dão Operário, COOFUND
nada. Tem outra firma.,. Tem um amigo meu que trabalha
Em geral/ os associados assumiam como responsabilidade Índi-
noutra firma, a H./ lá e!es dão um litro de leite pra cada
vidual de cada um adotar atitudes de auto-proteçâo para evitar riscos
funcionário por dia porque é muita poluição, sabe? Aqui
inerentes a cada função.
dentro é uma serração, ne.
Ajudante, COOFUND Tem certas coisas que são perigosas. Quando tem que
tira o tempo de vazamento lá, tem que ficar perto, aí estoura
A questão da periculosidade do trabalho e dos riscos de acidentes
o molde, tem um pouco de perigo. A gente toma precaução...
também estava presente no dia-a-dia dos funcionários, não só na
fica longe, quando tão passando por uma talha aí, não
fundição/ onde eles eram maiores/ pela própria natureza do trabalho, passando por baixo. Se cuidemo ne. Tem uns que não se
mas também na mecânica. A maneira como esta questão era encarada cuida. Não usamo capacete, só luva e botína. Precisa muita
nas Cooperativas não era muito diferente da concepção de empre- coisa aí pra dá mais segurança. Usa capacete, eles toma
gadores e instituições que tratam do problema, a qual é aceita também mais cuidado quando eles passam com o vazado pra não
pêlos trabalhadores (Cohn e outros, 1985). Segundo essa concepção, derrama ferro, como derrama aí.

o perigo no trabalho existe, maior em umas situações que em outras Ajudante, COOFUND
e isto é inevitável, e os acidentes ocorrem por uma combinação de Em cada setor da fábrica era identificado um tipo particular de
fatalidade/ do risco realmente existente (cujas razões não são ques- risco, contra o qual os operários deviam estar prevenidos para evita-
tionadas) e da falta de consciência de cada trabalhador em desenvolver lo/ tanto tornando os devidos cuidados para manipular adequada-
atitudes que o preservem de acidentes. mente os equipamentos, como se resguardando de se expor aos riscos,

Na nossa Cooperativa (os acidentes de trabalho) é muito como revelou o depoimento acima. Esta mesma concepção foi formu-
pouco, aí eu não saberia... mas na COOFLJND é maior a lada por outro operário, que/ como coordenador de um setor da
incidência, eu sei que o trabalho lá é mais violento, mas na COOFUND, tinha conhecimento do conjunto de instrumentos que
nossa Cooperativa é muito pouco. nele eram utilizados e das tarefas neles executadas, bem como os
Almoxarifado, COOMEC riscos que cada um deles apresentava para os trabalhadores que os
utilizavam.
Nos fornos é muito perigoso. Mas acidente pode acontecer
até em casa. Porque ando em toda a fábrica, corro risco. Na nossa seção tem risco de trabalho como qualquer
Coordenador de fábrica, COOFUND outro. Nós temos máquina de (cortar) madeira, circular,
alto risco. A serra fita já é mais protegida, não corre tanto
O cuidado na utilização do equipamento/ sua manipulação cor- risco. Mas se ele quiser se acidentar, até pode, ne. Agora,
reta e a familiaridade com ele eram considerados fatores fundamen- no desempeno da macieira e na circular, mesmo não
tais para diminuir os riscos e evitar acidentes. querendo se acidentar tem que tomar muito cuidado.
Esmeril, pra pegar um corpo estranho no olho, é só não
Existe um pouco de risco, principalmente em relação
usar óculos. A ferradora, como também o torno são
aos fornos porque... tá sujeito a se queimar. Não existe um
máquinas, mas não pensam. Se você colocou mal a
equipamento de segurança para isso. A gente procura fazer
ferramenta, não apertou devidamente ou fizer uma
as coisas certas naquela área. Já ocorreu um estouro de
operação inadequada pode levar um estiïhaço ou a própria
forno. Não houve acidente com o pessoal. Foi uma falha de
peça arrancar da máquina e ser atirada contra você.
material refratário de má qualidade. Não foi um acidente

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Na opinião deste coordenador, só o que poderia diminuir os num dos setores de barulho mais intenso, declarou que/ de fato, o
riscos de acidentes com equipamentos perigosos era a "consciência... ruído era muito, mas que ele acabara se acostumando, pois já traba-
consciência. Não tem outra", afirmou. Ele não sabia se as máquinas Ihava ali há mais de 20 anos. Já perdera 40% da audição. Nunca se
com algum dispositivo de segurança (por exemplo, a proteção da habituara ao uso de protelares de ouvidos,
lâmina na serra circular) garantiam de fato alguma proteção ao traba- Os trabalhadores assumiam os acidentes ocorridos como resul-
Ihador. Para ele, o fundamental era o operador saber manipular o tado de suas próprias condutas, atribuindo-s e, a si mesmos, a respon-
equipamento de trabalho, estar familiarizado com ele e conhecer os sabilidade de não terem cuidado para evitar os riscos que conside-
riscos que ele apresentava. Na seção de carpintaria, onde era usada a ravam inerentes às tarefas que executavam.
serra circular, "são duas ou três pessoas que trabalham com ela,
O meu trabalho é perigoso devido à imprudência do pró-
conhecem mais o perigo da máquina e tem mais consciência do que
prio operário. Eu, quando era operário, eu perdi uma vista
pode acontecer" e isto era uma possibilidade de evitar acidentes, ideia por ser imprudente. Eu tinha que trabalhar com óculos e
partilhada por outros associados. não trabalhei/ bati com um martelo num ferro, saltou um

Medida de segurança? A nossa mesmo... a gente aprende cavaco, cravou dentro ao olho e perdi a vista na hora.
a se cuidar... O pessoal se cuida mas normalmente se queima. Operário, COOMEC
Desmoldagem, COOFUND Este trabalhador não se considerava mais operário, pois o que
definia esta condição, na sua opinião, era ter que cumprir horários e
O aprender a se cuidar significava também, usar equipamentos
se submeter às ordens de um chefe, explicando que
de segurança como óculos/ luvas, botas, aventais de couro que os
trabalhadores reconheciam oferecer alguma proteção, mas que alguns Eu sou sócio e todo sócio não deve ser operário. Nós
se recusavam a utilizar, afirmando que eram incomodas ou inade- temos o ponto de vista e nós discutimos até achar o ponto
quados. certo, nós nunca se consideremo um abaixo do outro.

A5 botas são usadas, os óculos a!guns usam e os capacetes A concepção de que a ocorrência de acidentes era resultado de
foram abolidos. Tem gente que não usa porque não quer. condutas impróprias dos trabalhadores tendia a se estabelecer como
Nas áreas mais perigosas, como nos fornos e na rebarbação realidade dada, passível de modificação somente com a modificação
é obrigatório/ mas o equipamento incomoda. daquelas condutas. Assim, havendo mudanças nas motivações dos
Coordenador de fábrica, COOFUND
trabalhadores para a execução de suas tarefas, a tendência seria
reduzir a taxa de acidentes. Matéria publicada no Jornal Zero Hora
Eu fazia um trabalho que era perigo50. Usava uma luva (18.09.1984, p.23), logo após o início das operações das Cooperativas,
de pano que não protegia nada, era folgada, o que em vez
veiculava esta concepção, ainda que de modo subjacente. Registrando
de proteger era mais arriscado. Não sei prá que usava. Uma
a nova motivação existente entre os trabalhadores, que de desem-
vez, cortei um pedaço do dedo.
Operária, COOMEC pregados haviam passado a sócios, apontava os resultados obtidos:
absenteísmo igual a zero, acidentes de trabalho reduzidos em 90% e
Exceto em alguns poucos setores, onde o uso de equipamentos ociosidade do Departamento Médico.
de segurança era obrigatório/ como afirmou um coordenador/ cujo Mas/ mesmo que a conduta dos operários fosse considerada
depoimento foi registrado acima/ em outros ficava a critério do ope- fator fundamental na incidência de acidentes, dela não era excluído
rário usá-lo ou não. Quando havia a possibilidade dessa opção, a um componente de fatalidade. Comentando a redução de acidentes
preferência era pelo não-uso, observando-se até, por parte dos traba- dentro da fundição, um dos coordenadores da área de produção
Ihadores, negligência sobre os efeitos que isto poderia provocar ou já sentenciou: 'Temos tido muita sorte".
tivesse provocado. Um operário da fundição, com quem conversei Sorte/ outras motivações, maior cuidado dos operários na execu-
numa das visitas à fábrica, trabalhando sem proteção nos ouvidos, cão de suas tarefas/ pelo cálculo que faziam de suas próprias perdas,

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no caso de se acidentarem, conscientizaçâo eram as explicações dadas incidência na época da Wallig Sul, tivesse alguma correiação com a
pêlos associados para a redução de acidentes. diminuição e, em alguns setores/ até com ausência de pressões para
"mostrar produção"/ como foi declarado nas entrevistas. Mesmo asso-
Se bem que o pessoal diminuiu, bem menos quantidade
ciados que faziam avaliações negativas de sua situação nas Coopera-
de horas trabalhadas/ expostas ao perigo. Mas acho que
tivas/ admitiam que nelas havia mais liberdade do que nas "empresas
proporcionalmente, nós diminuímos. Eu não tenho o índice.
Mas tentando puxar pela memória, agora está bem mais normais", destacando a diminuição do constrangimento exercido pelas
seguro. O pessoal se cuida melhor porque ele sabe que se chefias sobre os trabalhadores, como já foi exposto anteriormente.
ele se acidentar, vai ter mais problemas ainda. Ele não vai Sem dúvida, este não é um dado desprezível, se levarmos em conta
receber... Se é acidente de trabalho, dificulta prá ele. que dele resulta uma diminuição no estado de tensão dos trabaíha-
Prejudica, tanto do lado físico como do lado monetário. dores/ decorrente do temor de não cumprir as cotas de produção ou
Coordenador de área, COOMEC
o número de operações previstas e por isso sofrerem sanções. Esta
Não havia Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA). ameaça pairava permanentemente sobre os trabalhadores e é mencio-
Pela legislação vigente, não havia obrigatoriedade das Cooperativas nada corno uma das causas das tensões que os perturbavam. Não

manterem uma comissão com esta finalidade (Zócchio, 1980) e havendo, nas Cooperativas, uma cobrança ameaçadora do desempe-

nenhuma iniciativa foi tornada no sentido de desenvolver alguma nho dos operários, estes se sentiam "mais à vontade" para executar

atividade que tivesse como objetivo diminuir os riscos de acidentes. suas tarefas. Se bem que este fator, por si só, não eliminava as causas

A concepção de que estes ocorrem por uma infeliz combinação de objetivas de acidentes e sua ocorrência efetiva, a importância que ele
fatalidade e mea culpa, que preside o modo como o problema é enca- tinha para os trabalhadores, de acordo com seus próprios depoi-
rado pêlos empregadores e pelas instituições que tratam dele (concep- mentos, não podia ser ignorada.

coes que são difundidas através das campanhas preventivas) (Cohn e A diminuição das pressões dava-se também pela inexistência da
outros/ 1985) era de tal forma internalizada pêlos trabalhadores que imposição de tempos para a execução de cada tarefa, conforme padrões
obstaculizava o salto para um patamar mais elevado no enfrenta- previamente estabelecidos, aos quais os operários deviam adequar"
mento do problema, onde ele fosse entendido como decorrência de se. Nenhum dos operários entrevistados declarou que o seu trabalho
condições objetivas do trabalho/ do ambiente em que ele é realizado e era submetido à fiscalização de controladores de tempo/ que exerces-
dos equipamentos utilizados. Mesmo numa situação na qual os traba- sem pressões sobre eles para que seu ritmo de trabalho fosse adequado
íhadores se consideravam com direitos de tomar parte nas decisões, e a "tempos-padrões"/ mesmo que estes existissem e o cronômetro fosse

de fato, em algumas circunstâncias exerciam este direito, nada mudou utilizado no interior das fábricas. Mas a descrição feita do uso destes
em relação a medidas que viessem a lhes garantir maior segurança e recursos/ em nada se parecia com a "ditadura dos cronômetros"

proteçâo. Eles não consideravam que isto fosse um direito a ser reivin- denunciada por gerações de operários desde o momento em que estes
dicado/ pois continuavam pensando que era um dever da direção, a instrumentos foram introduzidos dentro das fábricas. Sua utilização,
quem caberia tomar alguma iniciativa. afirmavam os entrevistados, tinha a função de permitir a avaliação
dos custos de fabricação de cada produto, com a especificação de
Acho a CIFA necessário. Antes tinha e acho que agora
cada componente que entrava na determinação daquele custo.
também deveria ter. Esta questão está a cargo da adminis-
O processo na COOMEC, no setor de fabricação de grandes equi-
tração que é responsável pela Cooperativa. Até agora este
pamentos - cozinhas e lavanderias industriais ~ foi assim descrito:
assunto não foi discutido. A gente discute mas fica entre a
gente. Tinha que partir da administração, eles é que são Cada tarefa ou cada equipamento que se produz, ela
responsáveis pela Cooperativa. tem um tempo-padrão. Ë o tempo normal em que uma
Operário, COOFUND pessoa deveria levar para fazer, por exemplo, uma máquina
de lavar. O tempo total de produção para que saia uma
É possível que a redução na taxa de acidentes, que os associados
máquina do zero e tenha uma máquina de lavar pronta
afirmavam ter ocorrido nas Cooperativas em comparação com sua

no Ill
são 130 horas. Dentro de todas as etapas, de todos os cumprirem tempos "científicos" definidos pelo setor de programação/
componentes da máquina, tanto de corLe da chapa como
exterior e estranho ao grupo de trabalhadores. Esta prática, lembrada
da montagem, até chegar o ponto final.
como uma forma de constrangimento à intensificação do trabalho/
P - Qjuem é que controla se isto é feito dentro de um
enfrentava a resistência dos operários, que a ela se opunham através
tempo padrão?
R - A ordem de serviço que acompanha/ que determina a
de artifícios defensivos, como revela o depoimento abaixo.
confecção daquele material. Aquela ordem tem diversas Na época da Wallig tinha um engenheiro que gostava de
tarefas. Cada cooperativado que vai trabalhar naquela parar com o cronômetro para ver quantos minutos a gente
máquina, ele vai anotar o tempo que ele trabalha. O cara vai levava para fazer uma peça. Aí a gente corria porque tava
montar, colocar o motor na máquina. Então vem, coloca, com medo dele. Aí a gente levava normalmente cinco, a
inicia a tal hora e termina a tal hora. Trinta minutos, por gente levava quatro aí ele fazia um cálculo de quatro
exemplo. Então, no final/ depois que tiver a ordem encerrada, minutos para fazer aquela peça e calculava a máquina para
como se diz, depois que a maquina estiver pronta, a ordem tantas horas. (...) Alguns tinham condições de cumprir, eu
vem prá contabilidade e ali eles vão levantar o tempo. Depois nunca tive, por que toda vez que o engenheiro passava na
pode analisar se foi consumido mais tempo ou menos tempo. minha frente eu ia pró banheiro, eujá..., sempre fui rebelde.
(...) Isto aí serve para o controle. O preço de venda é Operário/ COOMEC
estabelecido mediante uma série de variáveis. O que influi, o
que custa a matéria prima, preço da mâo-de-obra, custo dos Na fundição, onde os procedimentos técnicos eram muito dife-
gastos com energia e tudo. Então, quando se estabelece o rentes da mecânica, o uso do cronômetro e a contagem do tempo
preço de custo, prá estabelecer o preço de venda, é considerado tinham a mesma função já registrada acima, como revela o depoi-
a parte da mão-de-obra, é levado em conta dentro do padrão. mento seguinte
Então, se a máquina tem tempo-padrão 130 horas, aquele
preço o custo daquela máquina quando nós vamos estabelecer Normalmente se usa o cronômetro, quando se tem uma
o preço de venda, nós vamo5 levar em consideração todos os peça nova. Vamos considerar que nós estamos hoje come-
custos da matéria-prima, material, tudo, e considerar como çando o processo. Então/ se recebe primeiro o desenho da
tempo necessário pra mão-de-obra, de 130 horas. E o valor peça, ele é analisado pelo setor de projeto, o projeto
médio. Quer dizer, se tu levar muito mais tempo que as 130 desenvolve o modelo, manda para a área de produção e é
horas, aquele teu preço, aquele teu custo na realidade, o teu tirado uma experiência. Esta experiência é cronometrada
preço de venda não tá bom. Tá gastando mais que o previsto. desde o momento da moldagem, até que vai pra rebarbação
E se tu babcar isso aqui, ele te dá uma margem melhor do final. O inspetor que controla, começou a moldagem, marca
que tu ia gastar, (grifo meu) o tempo e anota na planilha e então entra no processo de
Administração, COOMEC vazamento. Começa o vazamento, marca o tempo, termina
o vazamento, marca o tempo. Desmolda/ marca o tempo,
Este depoimento aponta a modificação na função da contagem passa para todas as outras operações/ registra o tempo,
do tempo/ confirmada também por trabalhadores da produção. Em- leva para o controle de qualidade... para a expedição, registra
bora esta função estivesse vinculada a uma experiência anterior/ na o tempo. Então essa planilha passa para a área de custos e
qual o tempo-padrão foi estabelecido por apontadores de tempo (cro- em função dos valores determinados da mão-de-obra de
nometristas) - provavelmente com os objetívos habituais destas prá- cada um dos associados que compõe estas seções, é
elaborada a planilha de custos. A nível de mão-de-obra, x
ticas - e continuava a ser usado como referência, seu percurso parece
cruzados, matéria-prima, x cruzados, energia, outros cus-
ter tido sua direção invertida: passou a ter como ponto de partida o
tos, igual ao preço final.
apontamento feito pêlos próprios operários e daí era enviado à conta- Administração/ COOFUND
bilidade para o cálculo de custos e a determinação do preço de venda.
Desapareceu da fábrica o apontador de tempo que desempenhava Na fundição havia uma ênfase na necessidade de observação
exclusivamente esta função com a finalidade de fazer os trabalhadores rigorosa do tempo em determinadas fases do processo de fundição,

112 113
requerida por condições técnicas que, se não cumpridas, levariam a e aí entra na condição de rebarbador, primeiro para o
refugar a peça. Assim foi descrito o processo. rebarbador manual que é a função que exige menos. Aí ele
vai pegar habilidade, ele pega uma máquina... fica aparando
Nós temos uma série de tarefas distintas dentro do pro- as arestas e pegando a sensibilidade que ele tem que ter no
cesso de fundição, desde a preparação, a moldagem propria- reboio, que é automático. Então, primeiro ele passa pela
mente dita, depois a fusão, posteriormente o vazamento, a rebarbaçao manual, aí ele é (classificado?} numa posição,
desmoldagem, a rebarbaçao, o..,, a limpeza das peças... para quando ele tá bem no rebolo, e isto o supervisor tem condi-
tudo isso existe um tempo técnico, que é observado. Esse coes de avaliar, ele passa pró rebolo fixo, pró pedestal, Esse
tempo técnico é levado em conta inclusive para efeito de custo elemento já tá com habilidade suficiente para tocar o
do produÈo final. Existe a necessidade, por exemplo, na fusão, processo produtivo adiante. Evidentemente que vai surgir
um panelao com 200 litros de ferro líquido tem que ser peças refugadas mas o número cada vez caí.
vazado num espaço de tempo de 6 minutos sob pena de haver Na rebarbaçao há um controle de tempo mínimo por peça,
comprometimento do metal. Então ele sabe que tem que mas não é controlado diariamente. Nós não temos um contro-
percorrer a área de moldagem em 6 minutos. Não pode, nem lador de produção diariamente. Só na fase inicial e depois é
em mais nem em menos tempo, porque existe um tempo feito o acompanhamento por amostragem. A peça entra, é
correio para que o ferro se solidifique, e tenha a característica feito "olha/ o tempo dessa peça é esse" e depois o supervisor
especificada para o produto. faz a amostragem por lotes, Normalmente há resistência.
Administração, COOFUND Administração, COOFUND
Se nesta descrição o surgimento de tempos técnicos ficou bem
O meu trabalho é basicamente apontar o serviço e cro-
evidente no que diz respeito à etapa de fusão, a mesma noção não nometrar. Cronometrar o tempo que, por exemplo/ um
podia ser empregada para outras etapas, nas quais a qualidade do moldador leva para fazer uma peça. Funciona assim: eies
produto dependia da habilidade do operário e da rapidez com que o tiraram a média dos apontamentos diários (180 a 190
trabalho era executado, e não de tempos técnicos, propriamente ditos. moldes por dia). Esses apontamentos é para o controle téc-
As etapas de moldagem e de rebarbação, conforme descritas abaixo/ nico da produção e para calcular o custo da peça, Não tenho
evidenciam a inadequação de considerá-las como determinadas por motivo para um controle mais rigoroso. Para isto, existe o
coordenador.
aqueles tempos.
Apontador de produção, COOFUND
Na moldagem nós utilizamos elemento que incentiva o
associado, O moldador, ele faz produção. Ele atingindo um Na época da Wallíg existia tempo imposto/ mas não era
número x de rolo5, ele tem um prémio. Na medida em que muito exigido. Hoje se faz uma estimativa do tempo e depois
ele produzir mais, ele tem um prémio proporcional ao testado na prática e adequado,
número de... que ele produzir dia-a-dia. Coordenador de fábrica, COOFUND
Na rebarbaçâo. É a limpeza da peça. Quando a peça sai
destas partes onde é fundida, o canal de alimentação deixa Se o registro de tempos era habitualmente usado na fundição/
rebarbas. Os montantes de liberação de gás também e estas com os objetivos acima declarados, devido especificamente à constante
áreas precisam ser eliminadas no rebelo. E isto tem que ser fabricação de peças novas encomendadas pêlos clientes, na mecânica
preciso, não pode desgastar mais. Se houver desgaste maior, ele era visto como desnecessário/ pois lá se produziam "produtos
a peça é refugada e... quando for usinada eïa vai ter uma
maduros" cujo processo de fabricação Já era familiar aos operários/
diferença. Há que haver experiência por parte do rebarbador
assim como os tempos-padrão estimados para sua execução. Como
e precisão na lida com o rebolo. Os rebarbadores são
formados aqui dentro mesmo. Esse pessoal entra na condi- revelou um dos depoimentos acima registrado/ estes tempos-padrão
cão de ajudante, fica acompanhando/ depois começa a ser não eram definidos em termos de tarefas fragmentadas e sim do
treinado paralelamente às outras funções que ele tem. Vai tempo necessário para a fabricação de grandes equipamentos, como
para o rebelo, fica Ï hora, 2 horas, uma semana, um mês cozinhas e iavanderias industriais. A fabricação desses equipamentos

114 115
Não tem tempo determinado, horário pra fazer não tem,
era feita por lotes/ por equipes de operários qualificados que traba-
fazemos o que é possível. O tempo que leva prá fazer é
Ihavam articuladamente, num processo de complementariedade de variável, porque cada máquina leva um determinado
ofícios especializados, correspondentes a diferentes setores da fábrica. tempo. Por exemplo, o secador pequeno, que é pra 25 quilos
de roupa... na média de um mês, duas pessoas fazem tudo,
Cada setor faz a sua função, eu pego a chapa, marco e
(...) a não ser o setor de prensa. As peças vão lá pra estampar,
entrego pras prensas, as prensas furam e viram, aí eu venho,
furar. Mas a fabricação de peças, a montagem ali é com
marco a chapa, os lados que tem que ser esmaltados, o
nós. (posso fazer) tudo em montagem. Pode ser aqueles
lado bom porque o esmalte nunca fica igual, um lado
paneloes, os grandões, até máquina áe lavar também, só
encosta no trilho no forno, então aquele lado é ruim. Aí a
troca de setor. Fazer o panelão não é mais simples que fazer
gente marca, coloca na esmaltaria, eles esmaltam, vem a
a máquina porque aí já é muito inoxidado, ne? Não pode
peça pronta pra nós começar a montar. Ai sim, aí depois da
arranhar tem que ter cuidado, panelões de 300 litros. E
montagem tem que sair pronto, testado e tudo. (...) E
certas coisas aí que fazem, acumulador, (...) O serviço Já tá
sozinho que eu faço e com um ajudante quando preciso. O
organizado, ele pega, leva um mês, dois meses/ fazendo
ajudante é pra levantar, que são fornos de três andares (...),
aquelas máquinas. (...) A gente pega por exemplo, cinco
o primeiro já tem que ser em dois pra botar no chão, o
máquinas, encaminha tudo das peças que são da mesma
segundo já tem que ser em dois pra botar em cima do outro
mão-de-obra, por exemplo, o que é de corte, faz todo o
e quando é três andares, aí tem que ser em quatro pessoas
corte, quando é de solda, faz toda a solda, quando é de
porque tem que suspender ele, aí encaixa um no outro,
montagem, faz toda a montagem, lima, coisa assim, ne.
quer dizer, é três câmaras como se diz. É tudo forno grande,
Enbao prepara elas todas mesmas. Não faz uma máquina,
entende? A porta dele tem cinquenta centímetros por trinta.
pegar uma pra fazer, pegar e montar aquela, não. Vai
Pra lancherias, pra faculdade, a universidade tem, na
fazendo tudo junto. Termina uma/ termina todas,
cozinha da universidade e dos hospitais quase tudo que
Serralheria, COOMEC
hospital tem esse forno. A montagem eu faço, quando a
parte é elétrica, aí tem o eletricista pra fazer a parte elétrica,
quando é a gás, aí é sozinho. Se estraga uma máquina, aí As tarefas vem em geral da ordem de serviço de deter-
tem a assistência técnica/ manutenção, é eles que colocam, minada máquina. A programação determina a quantidade

tem dois ou três mecânicos (...) Nós não se metemo. (...)


de máquinas. Emite uma ordem de serviço, vamos supor,
quando a gente tá com o produto, que não tem pressa e dez máquinas de lavar. Então nos é remetida uma requisição

tem quatro, cinco tipo, a gente faz, pega quatro, cinco...,


de material que passa pelo almoxarifado e daí nos manda o
faz forno, faz fogão, faz máquina de descascar batata, o material. E através dessa requisição, quando a gente faz a
que vim, balcão de pia, caideirâo, vai dando andamenfco programação do serviço para as máquinas/ no caso, a
pra nunca ficar parado e aí, conforme vai precisando vai se máquina de lavar roupa. E assim, cada máquina tem a sua
montando.
planilha de matéria-prima. O almoxarifado corta e remete
Serralheria, COOMEC pra a usinagem. Então, a gente, partindo dessa requisição,
separa os desenhos, revisa, se for o caso, o que precisa, e
determina através de uma outra emissão de ordem de
Vem o material do corte e de prensa pra nós. Aí a gente
serviço interna, para o torneiro ou para o ajustador ou
trabalha manualmente/ montagem, ciïindragem, traçagem.
frezador, a ordem de serviço. A planilha vem da progra-
Todo o serviço da montagem. Aí quando já tá quase pronto
maçâo. Desenhos não, isto tudo já tem na seçao e que se
põe o motor aí até que fique funcionando normal. 5etor de
repete sempre.
lavanderia/ secadoras, especificamente, setor de secador de
Ferramentaria. COOMEC
roupa. (...) Cada um faz uma coisa. Ás vezes precisa dois
numa montagem. Solda, por exemplo/ trabalha dois A divisão do trabalho existente na fabricação de grandes equi-
montando urna peça, aí, quando um vai soldar, o outro
pamentos não decompunha os antigos ofícios em tarefas parciais, e
que sobra vai fazer alguma outra coisa. Prá nunca parar.
não especializava cada operário na execução de uma só operação, sim-
(...)

117
116
pies e repetitiva. Os operários nela empregados eram trabalhadores operários, o que era usual neste setor da fábrica, por decisão de seu
qualificados, que se denominavam "profissionais" nas funções que exer- coordenador, que assim justificou esta prática.
ciam como serralheiros, ferramenteiros. torneiros-mecânicos, eletri-
Ali tem que ser mais de equipe mesmo/ não é... não tem
cístas ou outros, combinando suas respectivas qualificações para obten-
um pra cada serviço, uma pessoa específica, ne. (...) E uma
cão do produto acabado. O requisito de qualificação de cada uma das Unha de montagem (...), as pessoas trocam de função (...),
operações impedia que esses operários fossem deslocados para assumir é até bom ele saber mais, não ficar bítoïado só numa função/
outras funções que não as suas próprias (a não ser na condição de então é bom ele saber desse lado e desse outro lado também.
ajudantes/ como declararam que ocorreu na fase inicial das Forque tem férias, ne, então se uma pessoa entra em férias
Cooperativas)/ pois cada uma daquelas operações era/ de fato, um ofício, tem que ter outra pessoa pra substituir, então não tem
que requeria uma experiência e um aprendizado que não podiam ser problema, ne, senão teria que fazer férias coletivas porque
aí então parava tudo e iniciava tudo de novo, então assim
improvisados ou rapidamentre aprendidos. Devido ao nível de
não, assim se falta uma pessoa daqui pra lá. (Também no
qualificação desses profissionais, a sua mobilidade dentro da fábrica
setor de fogões a lenha) trabalhando sempre em rodízio,
era restrita ou nula/ como se depreende da afirmação de um operário
não tem esse negócio de ficar apertando parafuso sempre,
serralheiro/ para quem inexistiam oportunidades de melhoria dentro ne. No meu setor não, eu não deixo. Eu não debco por causa
da Cooperativa, pois "o que é serralheiro é serralheiro, o que é soldador deste negócio, se falta uma pessoa uma hora dessas, outra
é soldador/ polidor é polidor". Nesse setor da fábrica/ o próprio trabalho pessoa não sabe fazer nada, isso é muito ruim. (...) Ninguém
de montagem dos equipamentos era um trabalho combinado de ofícios é dono de lugar nenhum, não tem cadeira cativa.
diferentes, que requeria qualificações especiais de seus executores. Estas
Esta prática pode ser considerada uma versão um pouco modi-
qualificações eram, para os operários que as possuíam, as referências
ficada do utility-m-ãn descrito por Friedmann (Friedmann/ 1983) e
para sua auto-avalíaçao positiva em relação aos trabalhadores da mon-
que consiste no treinamento de um operário para preencher qualquer
tagem em cadeia/ onde as tarefas foram decompostas e simplificadas/
lacuna que venha a ocorrer na cadeia de montagem/ estando apto
conforme a descrição da montagem dos aquecedores, feita por um serra-
para executar qualquer uma das tarefas simples que a compõe, devido
Iheiro, Já registrada anteriormente.
à constante alternância entre diferentes postos de trabalho. A parti-
O setor de aquecedores de água era organizado como uma Unha
cularidade na COOMEC era que todos os operários da linha de monta-
de montagem convencional/ na qual cada operário era fixado num
gem deviam alternar-se nos postos de trabalho, o que capacitava
posto de trabalho, onde executava uma tarefa simples, continuamente
qualquer um deles a substituir outro operário ausente. A alternância
repetida e para a qual podia ser rapidamente treinado. O trabalho foi
nos postos de trabalho não tinha qualquer conotação de contestação
assim descrito por uma ex-associada, que trabalhou no setor duran-
à divisão do trabalho. Embora pudesse torná-lo menos monótono e
te um ano e meio.
evitar que cada operário ficasse //bitolado" numa única operação
Eu fazia de tudo, eu montava, eu entortava ferro, traba- ("apertando parafuso"), seu objetivo era evitar a paralisação da
Ihava nas máquinas, fazia todo tipo, tudo que se faz montagem na eventualidade de ausência de um operário do setor. A
dentro... pra montagem de aquecedores, eu tinha experiên- mesma alternância entre as tarefas também foi verificada no almoxa-
cia de tudo, desde encabcotar até... aprendi tudo lá, fazendo
rifado, com a aprovação dos trabalhadores que afirmavam não ficar,
todas as coisas. (.,.) A única coisa que eu não gostava de
por isso, bitolados. Mas houve recusas a esta alternância, com um
fazer ali era botar a... como é mesmo? Não me lembro
tipo de conduta identificada como apropriação do posto de trabalho/
mais... Ahl A serpentina. Botar dentro da capa. Eu não
gostava de fazer, mas a gente fazia. Ele (o coordenador) como se evidencia no depoimento abaixo, de uma ex-associada da
dizia que a gente não tinha escolha... COOMEC.

O caráter fragmentado e simples das tarefas de montagem dos Era um trabalho combinado. Era um trabalho bom, eu
gostava, eu até senti ter saído de lá, eu me sentia bem mes-
aquecedores possibilitava a troca dos postos de trabalho entre os

U8 119
mo, trabalhando lá. Os companheiros, as amizades, tirando cedimentos de trabalho, trocar sugestões entre si e com. os coordenadores
esta senhora que.,, o resto era tudo... Ela não era coorde- sobre a possibilidade de inovações no modo de desenvolver suas tarefas/
nadara, não era nada. Ela trabalhava na montagem/ conveniência de utilizar uma máquina em lugar de outra para
trabalhava na mesa. Ela era uma baita duma mulherona,
determinada operação, como atesta o depoimento ababío.
então a mesa ficava para ela. E o seguinte: tem uma mesa
de montagem onde se monta a carcaça dos aquecedores, o Numa parte de polímento, eles (os operários) apresen-
que vai dentro. E na mesa tem aquelas capas bonitas, esmal- taram "porque a gente faz esta peça neste tipo de máquina
tadas, que vai por cima, o vestido do aquecedor. Então ali é e poderia fazer na outra mais proáucente, menos traba-
que tira o corpo e põe naquele vestido, então, ali tem que ïhoso" e realmente, se for analisar, a gente chegou à conclu-
ser ligeira, tinha que botar o papel e tudo e a gente aprendia são cie que se a gente fizesse na outra máquina, como foi
e cada pessoa que aprendia aquilo ali pra quando ela não sugerido, sairia um serviço com menos tempo e menos
viesse, ficasse doente, porque a gente também tem que ter. .. cansativo.(...) Pra polimento existem dois tipos de máquina,
ninguém..., aí ela não deucava, ela começava d complicar, a uma manual e uma máquina fixa, de cavalete. Então, nessa
irritar, tirou umas quantas... E, achava que a mesa era só peça a que me refiro/ era feita numa máquina manual e ela
dela (...). Era a dona. Não sei se a senhora Já trabalhou passou a ser feita numa máquina fixa. Existem muitos tipos
assim numa firma. (Não}. Nem queira, (risos). Então, como de máquinas que se prestam a mais de um tipo de serviço.
ela achava assim, que ela era fundadora e a gente não sabia Coordenador de fábrica, COOMEC.
mesmo, ne...
O que ocorreu foi que o operário passou a ter oportunidade de
A forma de apropriação do posto de trabalho/ acima descrita/ contribuir com seu conhecimento para a melhoria das condições de
mesmo contra a orientação do coordenador/ só foi possível devido à executar tarefas e até modificar o produto, como observei numa das
redução da autoridade deste, que podia ter suas determinações contes- visitas que fiz à fábrica, quando me foi mostrada uma máquina de
tadas. lavar roupas para uso em hospitais, com um dispositivo de segurança
Foi entre os fundadores que estas condutas tiveram mais vigên- desenvolvido pelo próprio operário que trabalhava no setor. O dispo-
cia, pois entre eles, à noção de igualdade decorrente da condição de sitívo impedia a passagem da roupa da câmara de pré-Iavagem para
sócios/ com frequência se somou a reivindicação de direitos de antigüi- a outra câmara, onde a operação de lavagem se completava. Na pri-
dade de que se julgavam merecedores. Com esta disposição tentavam, meira câmara/ a roupa era submetida a um processo de esterilização
e às vezes conseguiam/ submeter os novatos até a seus caprichos/ por meio de vapor, o que foi apontado corno importante fator no
que os coordenadores nem sempre tinham condições de inibir. Para controle e redução da infecção hospitalar.
os novatos, particularmente os que ingressaram mais tarde nas A diferença do aproveitamento dos conhecimentos dos operários
Cooperativas, que entraram num universo de trabalho cujas regras, em relação a formas institucionalizadas implantadas nas empresas
definidas pêlos próprios trabalhadores/ Já estavam sedimentadas/ por iniciativa dos empregadores, tipo CCQs (Salerno, 1987; Barras,
tornou-se bastante difícil contestá-las e reivindicar a igualdade que 1988), é que ele se dava espontânea e informalmente no cotidiano de
deveria ser assegurada a todos, opondo-se aos privilégios que alega- trabalho e foi aberto a todos os operários e não limitado a um número
vam existir para os fundadores. reduzido destes, reunidos numa instância regulada e controlada pelo
Os diferentes processos de trabalho no seu aspecto técnico/ e a empregador, com regras estabelecidas de constituição e funciona-
divisão do trabalho vigentes no tempo da Wallig Sul permaneceram os mento. As melhorias eram informalmente propostas e as sugestões
mesmos, mas as modificações nas regras de convivência abriram não eram aceitas ou rejeitadas a partir de decisões da direçâo/ mas o
oportunidades de participação ativa dos trabalhadores também no que processo todo resultava de uma forma de interaçâo onde predominava
diz respeito às rotinas de trabalho dentro da fábrica. Eliminado o temor a negociação e o poder de argumentação dos operários/ fossem eles
de contestar as chefias/ melindrá-las e por isso sofrerem algum tipo de coordenadores ou não.
sanção, os operários se sentiram encorajados a opinar sobre os pro- No entanto, não devemos supor que nas Cooperativas a organi-

120 12-1
zação hierárquica do trabalho tenha sido completamente suprimida. sou a ser uma conduta admitida/ incorporada com uma certa natura-
Mas a afirmação de que existiam ainda "muitas relações de milita- lidade pêlos operários, que a exercitavam ou não, dependendo muito
rismo, dependendo de cada coordenador", convivia com outras que de fatores individuais de cada um.
apontavam a inexistência de pressões contínuas e rigorosas de chefias
Muitas vezes, quando tenho que tomar iniciativas, eu
sobre os operários. A possibilidade de "dar palpites" e ser ouvido era
tomo. Aí tem o apoio dos colegas. Na época da Wailig não
reconhecida como uma diferença muito significativa em comparação era assim porque era empresa e quem tornava a iniciativa
com as experiências de trabalho em outras empresas. era o chefe. Agora/ como nós somos associados, podemos
tomar a iniciativa. Muitos poderiam, mas outros ficam
As vezes eu dou palpite para melhorar o trabalho. Na
acanhados.
outra empresa isso não acontecia, Ninguém perguntava
Modelaria, COOFUND
nada. A nossa opinião não valia nada.
Operário, COOFUND Outro operário, no setor de vazamento na COOFUND, ao de-
Este depoimento e outros que já foram citados revelam o senü- clarar que costumava fazer sugestões para facilitar o trabalho no
mento existente entre os associados que, na sua maioria, tinham setor, exemplificou:
esta mesma opinião sobre as condições de trabalho nas Cooperativas. Já conver5ei com um cara aí, um engenheiro da área,
Os associados não só tinham possibilidades de sugerir soluções no- sobre o resfriamento dos moldes. Acho que facilita o
vás nos procedimentos de trabalho, como exigiam participar neste trabalho. A gente procura conversar para melhorar e até
processo e acompanhar seus resultados, como relatou um dos Coor- aumentar o resultado do trabalho. A receita é: conversando
a gente se entende e o resultüdo tem sido positivo.
denadores da COOFUND.

Se há um problema em uma peça, por exemplo, todos Foi constatado que a possibilidade de intervenção e de sugerir
participam, se preocupam, buscam uma solução. A gente alterações nos procedimentos de trabalho existia e era exercida de
precisa explicar, tirar as dúvidas das pessoas, os fato, mais por trabalhadores qualificados, e muito raramente por
cooperatívados exigem. Antes um chefe falava, fava falado, ajudantes ou operários da linha de montagem. O conhecimento mais
(...) O estabelecimento de metas é feito pelo Conselho, com abrangente dos operários qualificados e dos "profissionais" abria
a participação dos coordenadores, sem os operários, mas possibilidades de proporem mudanças tecnicamente viáveis, o que
estes tem conhecimento do andamento e do desempenho
era objetivamente mais limitado para os operários sem qualificação/
da produção. Por exemplo em relação ao refugo, que existe
mesmo que estas possibilidades não lhes fossem negadas.
registro desde o tempo da WaHig. Em cima disto se estabe-
lecem metas de reduzir os refugos. Os operários da produção
Foi constatado também que/ por terem oportunidade de uma
participam diariamente, o controle do refugo é diário. atuação menos passiva no que diz respeito aos procedimentos de
Porque o refugo ocorre? Verifíca-se o porquê do refugo, trabalho, alguns operários, particularmente os mais qualificados,
onde houve erro. passaram a ter uma auto-avaliação mais positiva de suas capacitações
profissionais frente aos engenheiros, que, na sua opinião, sempre
Mesmo associados que acreditavam não ter possibilidade de su-
foram os profissionais que tornavam as decisões pertinentes às aíivi-
gerir modificações no modo de executar seu trabalho/ declararam
dades dentro da fábrica, para as quais os operários não eram consul-
que às vezes davam palpites de como poderia ser feito para melhorá-
tados.
lo, trocando ideias com o coordenador. Foi o caso de um ajudante no
setor de modelaria na COOFUND, que ao mesmo tempo que declarou Na época da Waïlig, tinha muito engenheiro. O pessoal
acreditar não ter aquela possibilidade, afirmou que a partir de su- não tinha muito acesso. Os engenheiros se reuniam e
decidiam.
gestões suas, "fizeram ficha nova", o que queria dizer um registro de
Coordenador da produção, COOFUND
procedimento modificado em relação ao até então vigente.
Tomar iniciativa em relação às rotinas de trabalho também pas- Para este operário altamente qualificado, que coordenava todas

122 123
as atividades da fundição, o engenheiro era mais um gerente geral aqui para dentro/ vinha uma pessoa estranha e aí então
da fábrica e, embora ajude um pouco, sua presença na fábrica corres- modificava tudo.
pondia muito mais a exigências dos clientes do que da qualidade Coordenador de área, COOMEC
técnica da produção que presumivelmente podia assegurar. Exempli-
A presença de engenheiros/ sua inacessibilidade e seu distancia"
ficando sua experiência na COOFUND, expôs argumentos que ilustra-
mento em relação aos operários da produção, as "novidades" que tra-
vam o seu ponto de vista.
ziam para dentro da fábrica, modificando o que, na opinião dos operá-
O engenheiro é mais uma exigência do cliente e do rios, não precisava ser modificado, é entendida pêlos operários como
CREA... "Quem é que faz. o ferro?" "E o fulano". 'Assim não dispensável, Já que pouco acrescentava a melhorias no desempenho da
dá, tem que ter o engenheiro". Mas a gente faz a mesma empresa. Operando durante um longo período sem a assistência de
coisa. Neste tempo de cooperativa (5 anos) tivemos enge-
engenheiros, os operários da fundição acreditavam ter demonstrado
nheiro por tempo de um ano e meio. No restante do tempo,
para si mesmos sua capacidade de desempenhar, por sua conta, as tarefas
sem engenheiro, funcionamos com bons resultados. Acho
produtivas, garantindo qualidade satisfatória da produção e bons
que o engenheiro ajuda e se aprende muito com ele, mas
na hora de se fazer o ferro, o esquema é o mesmo, aqui, na
resultados financeiros para a Cooperativa. O conhecimento que pos-

China, no Japão. suiam dos processos de produção era, para eles, suficiente para assegurar
aqueles resultados. Embora pudessem admitir que os "engenheiros
A representação dos operários sobre o papel dos engenheiros ajudavam" e que até "podiam aprender muito com eles", os operários
dentro das fábricas revelou uma oposição dos operários à categoria viam a intervenção daqueles profissionais na alteração das rotinas da
profissional que ocupava posições acima das suas na hierarquia téc- fábrica até como prejudiciais/ como revelou o operário da COOMEC, ao
nica, mas que não contribuía decisivamente para a melhor qualidade expor as modificações frequentes que ocorriam na fábrica/ na "época
da produção/ já que eles, operários, com o conhecimento e a expe- da Wallig", pela ação de "pessoas estranhas".
riência que tinham de suas respectivas funções, se consideravam aptos Nas novas condições de trabalho/ inauguradas junto com as
a alcançar resultados satisfatórios e reivindicavam o reconhecimento Cooperativas/ os operários redefiniram sua própria posição no coletivo
dessas qualidades profissionais. A mesma opinião sobre os engenheiros de trabalho/ abandonando a conduta de submissão a ordens superiores
foi emitida num outro contexfco de entrevista, quando estava em e inquestionáveis, e passaram a exercitar o direito de intervenção e
pauta a opinião do entrevistado sobre o possível retorno do antigo de iniciativa que a condição de sócios lhes propiciava. Os resultados
empresário da Wallig, em função do desdobramento do processo de foram muito diversos/ como revelam os depoimentos abaixo/ de dois
falência em processo de concordata suspensiva (Zero Hora/ 04-05- coordenadores.

1989; 10-05-1989). Na ocasião, os associados acompanhavam com Acostumados corno eles (os operários) estão em fazer o
interesse a evolução do processo Já que dele dependia a possibilidade mesmo serviço, às vezes eles vão.,., aquilo corriqueiro, sem-
ou não das Cooperativas continuarem operando com os equipamentos pré a mesma coisa, então a gente enjambrar, modificar. E
e nas instalações da antiga empresa. Ao ser indagado sobre o retorno nessas modificações, às vezes, eles sentem uma coisa,
decerto que dá pra modificar pra melhoria do produto. Cla-
do antigo empresário, o operário respondeu:
ro/ tem ideia às vezes que dá vontade de chorar, a gente
Não daria, porque ele iria trazer aqueles montes de, como debía de lado.
t,... fazer aquela diretoria de novo, ne, um engenheiro lá, Ferramentaria, COOMEC
mais um engenheiro lá e ia encher isto aqui de.,. Ele tinha
que confiar mais nos funcionários antigos que ele tivesse. As vezes o pessoal da produção encontra uma solução
Eu não sei quem é que aconselha ele, mas ele tinha que para alguma dificuldade. Tão simples, tão óbvia que eu me
confiar mais nestes antigos. Não sei se ele confiava, eu não pergunto: como é que eu não me dei conta disto?
sabe, porque de vez em quando ele trazia pessoas estranhas Coordenador de área, COOFUND

124 125
pois sendo o órgão soberano de cada uma das Cooperativas, no qual
todos os associados tinham direito ao voto e iguais oportunidades de
As novas regras que passaram a vigorar nas Cooperativas, tanto
se manifestar, possibilitou verificar como estas oportunidades foram
as formais, decorrentes da natureza de suas personalidades jurídicas,
ou deixaram de ser aproveitadas, e porque e como isto aconteceu.
quanto as que foram voluntariamente adotadas desde sua implan-
Em geral, a presença de associados nas assembleias era bastante
taçao, alteraram significativamente o dia-a-dia dos seus trabalha-
massiva, pois quando elas tinham caráter ordinário deviam deliberar
dores/ abrindo canais de participação até então inusitados na sua
sobre a prestação de contas e a distribuição das sobras/ já integradas
experiência de trabalho. O sentimento de igualdade que passou a
como questões decisivas na rotina das Cooperativas e que agia, entre
orientar as condutas dos associados, particularmente na fase inicial/
os associados, como uma forte açâo mobilizadora. Quando as assem-
modificou o padrão de relações, permitindo o questionamento e até
bléias tinham caráter extraordinário/ quase sempre resultavam de
a recusa da hierarquia, que mesmo redefinida nas suas atribuições,
convocação dos próprios associados ou do Conselho Administrativo
continuou existindo nas fábricas. A consequência foi a possibilidade
para a discussão e deliberação de questões emergenciais que envolviam
da iniciativa dos operários na execução de suas tarefas e da troca de
os interesses individuais e/ou coletivos dos associados, sendo igual-
opiniões sobre os procedimentos de trabalho, e da conveniência ou
mente mobílizadoras, como já foi exposto, por exemplo, em relação
não de modificá-los, sem o temor de represálias de superiores hierár-
a reivindicações salariais.
quicos/ tão frequente na vivência anterior dos trabalhadores, como
A presença nas assembleias não significava, de modo nenhum,
já foi registrado anteriormente.
uma participação ativa nos debates, na apresentação de propostas e
Por outro lado/ decisões como a eleição das direções e até a possi-
na sua defesa ou contestação, Alguns trabalhadores declarara rn-s e
bilïdade de sua substituição, assim como a distribuição das sobras/
dominados pela timidez, pelo retraimento e pelo temor de serem
passaram a ser atribuições importantes do conjunto dos associados
ridicularizados. A dificuldade em se expressar, impedindo a exposição
reunidos em assembleia geral. Sua magnitude não pode ser mini-
com clareza de seu ponto de vista/ o reconhecimento de que falavam
mizada quando comparada com a exclusão a que, em geral, são dele-
errado e que poderiam provocar o riso dos presentes foram motivos
gados os trabalhadores. No entanto/ também não se pode considerar
alegados por associados que declararam não se manifestar nas assem-
que o processo de tornada de decisões incluía sempre o conjunto dos
bléias, preferindo apenas ouvir.
trabalhadores, já que o Conselho de Administração concentrava um
amplo espectro de atribuições que lhe garantia uma relativa autono- Eu participo nas assembleias, mas só assisto. Se a gente
mia para tomar decisões sem obrigar-se a consultar o conjunto dos fala alguma coisa o pessoal diz que tá errado, acha que tá
associados. Entre estas atribuições/ destacava-se a fbcação dos pró errado. As pessoas que tem planos e que estão bastante
envolvidas nas coisas, ninguém reclama.
labore e a concessão de promoções/ pelo efeito direto e imediato que
Escritório, COOFUND
tinham sobre os associados, atuando como fio condutor de manifes-
taçÕes de satisfação ou descontentamento. A finalidade última e essen- Participo. Só escuto. Dava opinião, ne, mas se a gente
ciai da atuação nas Cooperativas/ que era/ para cada associado, a vai falar qualquer coisa, ne, tem um monte de cara lá que
remuneração que recebia pelo seu trabalho, fugia, assim, de sua esfera tão vaiando a gente, ne. Daí, eu pegava e às vezes ficava
de decisão, Mas mesmo com a evidência da autonomia do Conselho quieto, porque não adianta.
de Administração na programação e execução de inúmeras opera- Ajudante, COOFUND
coes/ os canais de participação e de deliberação acessíveis ao con-
Participo de quase todas as assembleias, mas é difícil pra
junto dos trabalhadores representavam oportunidades de integração
mim falar. Eu tenho pouco estudo e tenho medo de dizer
ao processo de decisões, que merecem ser melhor estudadas, verifi-
alguma coisa errada. Quem fala é o representranfce. Quando a
cando-se se elas asseguraram/ ao conjunto dos associados, uma parti-
gente se reúne, se discute bastante, mas na assembleia eu
efetiva naquele processo.
não falo.
A Assembleia Geral é a instância privilegiada para essa análise, Operário, COOFUND

-[26 127
Eu vô nas assembleias mas quase não falo. Só retraído. não muda nada, eles brigam, eles buchincham e não mu-
Coordenador de produção, COOFUND da. O trabalhador da produção não aceifca os argumentos/
fica revoltadíssimo, mas não contraargumenta. Eles dizem,
Manifestar-se publicamente não era uma experiência na vida até uma história que é meio política, é aquela história da
dos trabalhadores. A liberdade pública e democrática da revelação da reunião de vilas, que "a gente não pode falar, vocês que são
singularidade do ser humano (Arendt, 1983), que a palavra pressupõe/ letrados que falem por nós", ne. Não, o povo tem con-
não faz parte do mundo do trabalho. "A nossa opinião não valia diçôes, ne, de ter a sua voz, falar errado não quer dizer que
nada", "operário para eles era lixo" foram depoimentos que revelaram pensa errado, ne? e lá acontece exatamente isso.

a vivência dos trabalhadores, reduzidos a peças de uma engrenagem, Se havia, em tese, a oportunidade democrática de acesso à pala-
cuja atribuição era a de fazer apenas o que lhes mandavam fazer e vra para todos os participantes da assembleia, eram poucos os que
da negativa dos superiores hierárquicos em permitir a manifestação efetivamente dela se apropriaram. Nas representações dos traba-
da sua singularidade. Essa dimensão da experiência operária era tão Ihadores o discurso era prerrogativa dos que sabiam falar bem/ dos
arraigada e tão iníernalizaáa que só com muito dificuldade alguns que tinham "coisas certas para dizer ". Era o reconhecimento do dis-
trabalhadores conseguiram superá-la, mesmo quando um espaço para curso competente, "no qual os interlocutores já foram previamente
isso passou a existir. reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir/ no qual os lugares
Associados que costumavam fazer uso da palavra nas assem-
e as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido
bléias criticaram, o mutismo de outros, mas entendiam suas razões. falar e ouvir e/ enfim/ no qual o conteúdo e a forma já foram autori-
Eu participo, gosto e dou opinião. A seção que mais fala zados segundo os cânones da esfera de sua própria competência"
é a nossa. Nas outras tem pessoas que falam e outras que (Chauí, 1982:7).
não, porque acham que vão falar errado. Errado ou certo, Os operários aceitavam sua posição nesta interlocução e atua-
a gente tem que falar. Se falar errado e conseguir se fazer vam na reprodução de sua exclusão da esfera do discurso, ao ridicula-
entender, é importante. A gente vai saber o que ele quer, rizarem, rindo e vaiando seus companheiros que não se expressavam
mas se não se fala, não se sabe. E comum as pessoas não
conforme os padrões consagrados do discurso autorizado/ desenco-
falarem por medo de dizer coisas erradas. Tem muita gente
rajando os mais retraídos e inseguros a vencer seu mutismo. Com
na fundição com pouco estudo. Se tivesse, não ia trabalhar
isto, a instituição de um novo espaço de participação não conduziu à
lá.
Modelaria, COOFUND rejeição do discurso instituído. Ainda que com algumas fissuras/ este
se reproduzia no interior das cooperativas.
Uma explicação mais elaborada dada por outro associado
A inibição para falar em público era/ por vezes, mascarada com
colocou a questão do saber como central na inibição dos trabalhadores
argumentos com os quais associados procuravam justificar sua pró-
em se exporem publicamente. Não seria, neste caso/ apenas a auto-
pria participação passiva nas assembleias/ através da falta de opor-
constatação de que falavam errado/ mas, especificamente, a interna-
tunidade e até por ser desnecessário se manifestar, como revelou o
lização, pêlos trabalhadores, de sua inferioridade para dominar depoimento abaixo,
processos que iam além de suas tarefas rotineiras e parciais/ desem-
penhadas no local de trabalho, e da estreiteza de suas capacidades Eu participo de todas as assembleias, mas não falo porque
não tem necessidade. Sempre alguém já falou antes. Se
para avançar além daqueles limites, A partir dessa perspectiva, os
houvesse necessidade eu falaria.
trabalhadores da produção se subordinavam aos "trabalhadores
Operário, COOFUND
intelectuais" da cooperativa, detentores de um saber ao qual eles/
operários, não tiveram acesso. Esse associado, "trabalhador intelec- A pouco familiaridade com as questões discutidas podia servir
tuaF da COOFUND/ assim expôs sua interpretação: de justificativa para a não intervenção nos debates/ mas podia também
ser um fator objetivo que inviabilizasse a manifestação de associados,
A estrutura de poder é a mesma estrutura do poder capi-
como revelou o depoimento abam?/ dado por um trabalhador que/
talista, ou seja; nós temos o saber, ne, nós temos o poder,

-128 129
na época da entrevista, trabalhava na COOFUND há menos de dois comecei a discordar. Peço a palavra/ numa boa.

anos. Operário, COOFUND

Eu vou em algumas assembleias, mas não dou opinião. Assumir ativamente os espaços de participação, expôr-se publi-
Fico só ouvindo. Os outros ficam falando e eu nunca achei camente, arriscar-se a ser vaiado e contestado, enfim, desenvolver a
nenhuma resposta pra dizer. Sou novato e não entendo dos capacidade de expressar seu ponto de vista e de desenvolver argu-
assuntos deles lá. mentos em sua defesa foi um aprendizado árduo para muitos traba-
Ajudante, COOFUND Ihadores, que nunca tiveram oportunidade de fazer valer sua voz/
A atitude de passividade de alguns associados nas assembleias que nunca foram consultados e a quem nunca foi permitido pedir
não significou uma passividade similar em esferas mais restritas. Ao explicações sobre decisões tornadas ou a serem tornadas. O mundo
contrário, no seu espaço habitual de trabalho, no qual se relacionavam autoritário do trabalho nega o direito de expressão dos trabalhadores,
estreita e informalmente com os demais, os operários trocavam ideias/ e a hierarquia de saberes que ele comporta inibe o desenvolvimento
discutiam/ definiam propostas a serem apresentadas e apreciadas nas daquela capacidade/ particularmente entre trabalhadores treinados
assembleias, ensaiando nos bastidores formas de articulação de seus apenas para executar ordens de outros trabalhadores/ detentores de
interesses. Eles não eram indiferentes ao proces50 de discussão e de saberes aos quais não tiveram acesso. Com isto, um grande contin-

tornada de decisões, mas resistiam em ser porta-vozes nas assembleias gente de trabalhadores tende a internalizar sua inferioridade naquela
das propostas e questionamentos formulados previamente/ com as hierarquia, reservando-se o papel passivo de ouvintes de outras falas/
Justificativas acima registradas. E desenvolviam artifícios para levá- delegando a outros (os que sabem mais ou que "sabem diferente") a
los ao conhecimento do conjunto dos associados e para argüir a dire- atribuição de manifestar-se em seu nome ou submetendo-se a
cão das Cooperativas. A narrativa abaixo exemplifica um dos recursos argumentos cuja lógica e fraseado nem sempre compreendem.
adotados. Isto ocorre mesmo em condições onde existem oportunidades
concretas de romper com o mutismo imposto, como as existentes
Eles deixam que os outros falem. Nas discussões prévias
nas Cooperativas/ e como os depoimentos transcritos revelaram. Mas
todo mundo fala. As vezes eu digo: "Pra mim não adianta
o reconhecimento de que o acesso à palavra é um direito universal
conversar. Vocês tem que chegar lá na frente e falar pró
homem... Aqui vocês dizem uma coisa, chega lá e parece
dentro das Cooperativas também foi capaz de estimular a manifes-
que ficam..." Eu não. Antigamente eles faziam uma relação tação pública de alguns associados, que se esforçaram para vencer
de perguntas para a presidência e eu fazia as perguntas a inibições individuais e bloqueios coletivos, impondo a sua voz e
respeito do que o pessoal queria saber. Depois eu achei que submetendo seus argumentos à apreciação do conjunto. Aquele direito
todos deveriam falar. Em vez de escrever, leva e fala. Acho foi exercido também por trabalhadores da produção, entre os quais
que assim a pessoa se desinibe. Não deu muito resultado as resistências ao uso da palavra em público eram maiores, provo-
mas conseguimos que umas daquelas pessoas falassem. E cando algumas fissuras na dicotomia entre trabalhadores-manuais-
inibição. Alguns acham que o pessoal vai rir.
que-executavam e trabalhadores-intelectuais-que-decidiam,
Modelaria, COOFUND
A ocupação do espaço da fala por trabalhadores que não haviam
Todos consideravam que a participação nas assembleias, toman- tido acesso a ele anteriormente foi um dado significativo da experiência
do a palavra, argumentando e pedindo explicações, era um direito de dos associados das Cooperativas Wallig. Mesmo que nem todos os
todos os associados. E alguns trabalhadores faziam uso deste direito/ trabalhadores tivessem conseguido superar os bloqueios que dificul-
sem inibições, mesmo afirmando que isto desagradava as chefias. tavam sua manifestação/ o reconhecimento de que ela era um direito
provocou a criação de artifícios, pêlos quais eles procuravam levar
Sou franco. Falo nas assembleias. Não sou bem-visto
pela chefia. Mas é um direito que eu tenho. Antes só quem
ao conhecimento de todos suas reivindicações e questionamentos sobre
falava era o Salgado (presidente da COOFUND). Depois a condução das Cooperativas.

130 131
Nas assembleias, as decisões eram tornadas por votação, na qual para garantir sua sobrevivência, nele podendo permanecer mesmo
a cada associado correspondia um voto/ como já foi explicitado. Não diante da decisão favorável a seu retorno à Cooperativa. Segundo a
havia unanimidade, entre os associados, de que este processo asse- opinião vigente, era decisivo, na opção do excluído, a recuperação
gurasse, de fato, a manifestação livre de cada um e a tornada de dos direitos trabalhistas em qualquer outro emprego e que inexistiam
decisões de modo democrático. Já foi reproduzido anteriormente o para os associados das Cooperativas.
depoimento de um associado que, mesmo com. a derrota da proposta O afastamento de associados podia resultar de pressões do grupo
que apoiava sobre a divisão das sobras, aceitou a decisão e considerou- de trabalho ao qual pertenciam, descontente com suas condutas/
a legítima/ porque expressão da livre decisão da maioria. Para aquele quando consideradas negligentes e irresponsáveis. Um episódio narra-
associado/ as decisões das assembleias eram democráticas e por isso do por um associado da COOMEC deu mostras da indignação gerada
deviam ser acatadas, mesmo que contrariassem seu próprio ponto pelo comportamento de um grupo de associados que não observavam
de vista. os horários de trabalho, "ficando até o meio da tarde tornando cerve-
Mas havia associados que duvidavam do caráter livre e demo- jinha no bar, ali defronte". A pressão exercida sobre o coordenador
crático das votações, afirmando que elas eram previamente articu- resultou na decisão deste de impedir que aqueles associados reto-
ladas por pequenos grupos, que eles identificavam como "panelinhas". massem o trabalho. Posteriormente, eles foram desligados.
Esses grupos/ na opinião de alguns associados, atuavam especialmente
O coordenador chegou e disse assim: 'Acho bom vocês
na deliberação de recursos de associados contra seu afastamento da não pegarem no serviço". - "Não, por que eu vou trabalhar,
Cooperativa, por iniciativa do Conselho de Administração. Um asso- porque não sei o que." - "Não, vocês não estão em con-
ciado da COOFUND explicou como se dava esse processo: dições." Aí eles pegaram as bandeiras e foram embora e no
outro dia quando voltaram a trabalhar nós Já tínhamos
Aqueles caras que são conhecidos/ por exemplo/ tem uns
feito uma assembleia, uma reunião que quando fosse,
dez conhecidos aí dentro. Daí eles pedem prós caras que
acontecesse isso que era falta de respeito com os demais
estão na reunião levantarem a mão se querem que o cara
associados deveriam ser afastados do setor e no outro dia
volte. Daí, tem aqueles dez que levantam a mão, mas a
eles não conseguiram pegar mais no serviço. Foram afas-
maioria não levanta a mão, daí, eles... não dá prá voltar.
Èados da empresa e devolveram o capital deles de associado,
(...) A gente discute, antes, mas não adianta (...). Nós temos
o pagamento deles tudo em dia.
liberdade de levantar a mão (...), nós nos manifestamos,
mas a maioria não manifesta. Se a maioria acha que um O julgamento de recursos de associados afastados, outra atri-
demitido deve voltar e manifesta... daí ele volta, mas não buiçao da Assembleia Geral/ nem sempre foi considerado um processo
aconteceu com nenhum até hoje.
que garantia, de fato/ o direito de defesa que legalmente existia. Uma
Outro associado da COOFUND afirmou quejá tinha havido casos ex-associada, excluída com outros trabalhadores por terem descum-

de deliberação de recursos de afastados, favorável à sua reintegração, prido normas estatutárias/ manifestou seu ressentimento por não
contrariando o depoimento acima. Mas/ às vezes/ os beneficiados ter tido seu caso examinado independente dos demais, afirmando ter
pela decisão favorável não retornaram/ de fato/ porque já estavam sido negado a ela/ o direito de defesa. De acordo com seu depoimento,
trabalhando em outra firma. O tempo percorrido entre o afastamento seu próprio coordenador sabia que o caso dela se diferenciava dos
do associado e a decisão da assembleia que iria decidir sobre seu re- demais e apesar de tê-la aconselhado a entrar com recurso contra
torno, nem sempre permitia ao trabalhador aguardar o resultado na sua eliminação, não argumentou em sua defesa/ na Assembleia.
inatividade, pois sendo afastado pelo Conselho de Administração, o O coordenador quis me dar uma força, porque... me fez
associado tinha um prazo de trinta dias para entrar com recurso/ uma carta para eu recorrer, eu recorri/ aí fizeram uma
que seria incluído na pauta da primeira assembleia que fosse, então, assembleia, aí, o pessoal da Cooperativa que fa fazer uma
realizada. Durante o intervalo de tempo transcorrido entre os dois votação, mas as votação deles são a panelínha deles lá
eventos o associado eliminado se via obrigado a buscar outro emprego dentro, sabe. Então o Conselho fez uma reunião e decidiu

132 133
pela saída dos funcionários. Depois cia dispensa eles não consultar. Isto foi um avanço administrativo. A maioria
voltaram atrás. (...) Votaram tudojunto. O meu caso ficou hojejá não reivindica tanto participar das decisões e pensa
no meio dos quatro. Então eles fizeram assim.., eu achei que "se foi decidido assim é porque foi preciso".
errado, porque prá votar prá um tinha que votar prós
O "fim da síndrome de participação" e a autonomização do
quatro. Então a assembleia resolveu excluir os quatro. Eu
sei que eu fava esperando aqui em casa que mandassem
Conselho fez com que emergisse entre alguns associados a certeza de
me chamar porque eu tinha certeza que eu ia voltar a que tinha havido a apropriação das instâncias decisórias por um
trabalhar, mas não... As mulheres que brigaram, botaram pequeno número de associados, isto teria ocorrido mesmo com a
Junto. (Foi decisão da Assembleia). E, porque tiveram na renovação obrigatória de parcelas de cada um dos Conselho (o de
hora ali, o Conselho, até quatro do Conselho não tavam, Administração e o Fiscal); já que houvera, no primeiro deles, um
mas como seu A., seu B., seu C. decidiram, daí eles (os processo de cooptação, pêlos interesses de associados do setor admi-
outros) acatam, eles não tem autoridade. Eles tem nistrativo, de associados da produção eleitos pela massa, enquanto o
assembleia lá, mas quem fala mais mesmo é seu A., seu B.,
Conselho Fiscal era inoperante. Eis um exemplo de cooptação, segundo
seu C., o resto, ali!, vai... (...) A gente sabe que eles tem
a versão de um associado do setor administrativo.
direito a voz e voto na assembleia, mas não adianta, eles
lutam lá... Umas quatro vezes eles tiveram assembleia lá, Na COOMEC tem um moço que quando entrou no
no fim eles acabam discursando, acabam... Os trabalhadores Conselho de Administração, ele entrou e esse G, entraram
não tem direito a nada, (...) Na hora do café, aí é aquele com a massa que elegeu ele, ela ficou vitoriosa com isso. Aí
bolinho ali, um fala/ fala isto, fala aquilo, então os esse moço, eu não conhecia muito ele assim, ne. Aí esse
agítadores, entendeu? Mas então chega na hora/ ninguém moço entrou lá e inverteu a camiseta assim de uma maneira
faz nada. Quem tem a palavra é seu A. e seu B. (...) Ele (seu incrível, ne. (...) Ele saiu na televisão um dia (...) falando
A.)/ deveria ver o meu lado. Como eu disse, eu sempre fui que ganhava 30% acima do mercado e tal, (...) sendo que
uma boa funcionária, nunca falhei o serviço, sabe, sempre naquela época estavam numa briga lá/ numa comissão
cumpri com meu dever, porque eu acho que é isto que unia avaliando os pró labore de todo mundo e a conclusão que
firma quer, tá! chegou essa comissão era que os pró labore de todos eram
rigorosamente 30% abaixo do mercado e isso com aquele
Este depoimento revelou o ressentimento de quem se sentía injus-
papel, não sei se vocês conhecem, coisa assim da associação
ficada, tanto pela omissão de quem teria argumentos para defendê- nacional de recursos humanos, uma coisa assim, é um
la (seu coordenador) como pela desconsideração de suas qualidades documento assim que é periódico, era de março de 87, 88,
de boa funcionária na avaliação do mérito de sua exclusão. Além do não me lembro, é um documento que diz assim, que diz:
mais, debcou claro que entendia que a decisão de uns poucos - os "Serralheiro faz isso, isso e isso, preço maior do mercado,
integrantes do Conselho de Administração - eram irrecorríveis. preço médio do mercado, preço menor do mercado". Então
Esta opinião era compartilhada por outros associados, os quais com aquela comparação que é totalmente oficiai, ne, é a

afirmaram que a direção decidia, sem consultar os demais associados, grande Porto Alegre, a gente fica todo mundo ababco do
mercado e eu não preciso explicar bem, é bem menos que
sobre uma série de questões/ como promoções de pessoal, definição
30% abaixo do mercado, ne/ e aí esse mês o moço foi pra
de pró labore/ investimentos. Associados do setor administrativo,
televisão dizer o contrário, ne.
integrantes do Conselho de Administração admitiram estas práticas
e as consideravam como um avanço, corno fica claro no depoimento Fazer o discurso apologético da administração, divulgando uma
abaixo. imagem das Cooperativas com a qual muitos associados não concor-
davam/ foi tornado como um exemplo de cooptaçâo, que alguns,
Os novos investimentos são decididos pelo Conselho, sem
mais dispostos à crítica e à contestação/ denunciavam como obstáculo
a participação da A5sembléia. No início havia uma síndrome
a uma condução verdadeiramente democrática das Cooperativas/ que
de participação; tudo tinha que ser consultado. Hoje (1989)
está mudado. O Conselho se autonomizou, decide sem a eleição das direções, por si só/ não assegurava, já que sua renovação

134 135
parcial, obrigatória pêlos estatutos, não significou/ de fato, uma alter-
nância na composição do grupo dirigente.
O movimento dos trabalhadores da Waliig Sul do qual resultou
Mas se o espaço de decisão não era, de fato, ocupado por todos
a fundação das duas Cooperativa? foi/ fundamentalmente, um movi-
e havia dúvidas de que ela se desse de modo democrático, existia o
reconhecimento de que todos tinham o direito de tornar parte nas mento em defesa de seus empregos/ ameaçados com a possibilidade/
muito concreta, do fechamento definitivo da empresa. Não foram
discussões e decisões. Qyando isto não ocorria, tanto por retraimento
encontrados indícios de que o movimento tivesse outro objetivo ou
dos trabalhadores de assumirem aquele espaço, quanto do que enten-
diam ser "manobra de uns poucos", contra as quais se sentiam impo-
outras motivações. Tinha como meta evitar o fechamento das fábricas,

tentes/ a vivência da desigualdade se reforçava/ provocando ressenfci- com o consequente desemprego que os empregados iriam enfrentar,
numa conjuntura económica que lhes era desfavorável. O depoimento
mentos e revolta. A agilização na tornada de decisões, viabilizada
pelo fim da "síndrome de participação/^ recolocou as coisas no seu de um operário que participou ativamente das audiências que a
comissão de trabalhadores teve com. as autoridades/ e a repercussão/
"devido lugar"/ reservando a um pequeno grupo de associados a
entre os companheiros de trabalho, das declarações que fez à imprensa
decisão dos destinos das Cooperativas e de seus trabalhadores/ por
são um indicador da correção desta afirmativa.
terem para isso/ mais competência. Se este procedimento foi entendido
como um "avanço administrativo^ seu custo foi, seguramente/ um Na Secretaria do Trabalho eu disse pró Berta (secretário):
recuo da proposta de "eliminar qualquer ideia de subordinação" "Nós não tamo aqui reivindicando dinheiro, nós tãmo
pensada pêlos fundadores. reivindicando trabalho. Eu sou homem bem forte e quero
trabalhar, não é receber e ficar em casa dormindo, outro
deUado em cima de uma caixa na firma". Aí a Guaíba (ca-
nal de TV) quis entrar dentro do... da saia e o segurança
não deixou. Quando eu saí no corredor eles disseram assim:
"Você diz a mesma coisa que o senhor disse lá dentro?" -
"Eu digo, eu quero ter um patrão, eu quero ter trabalho e
quero ter o meu salário honestamente, não a receber, e não
saber onde é que eu vou receber". Cheguei lá na firma,
todo mundo "pó", os próprios que hoje são diretores disse:
"Pó, tu não apelaste, tu falaste certo", (grifos meus).

O movimento se articulou e buscou soluções dentro de marcos


institucionais, elegendo como seus interlocutores autoridades públicas
das esferas executiva, legislativa e Judiciária, e dirigentes do Banco
do Brasil, de quem esperava uma açâo eficaz^ que atendesse seus
interesses. No final dejulho de 1984, as fábricas foram fechadas por
decisão judicial/ e os trabalhadores só voltaram, a ocupá-las por uma
decisão de igual procedência/ depois de autorizados e firmados
contratos de locação das instalações e de depósito civil dos equipa-
mentos com o Banco do Brasil, síndico da massa falida. As possíveis
soluções examinadas não foram além das formas instituídas de orga-
nização de empreendimenÈos económicos. A contestação dos traba-
Ihadores à direção da empresa tinha o conteúdo de crítica à maneira
como ela tinha sido administrada, denunciada como irresponsável e
insensível às consequências que provocaram para os operários. Em

136 137
síntese, para os trabalhadores, a situação que estavam enfrentando na experiência de colegas que trabalharam com ele anos e
era resultado de uma administração incompetente. anos.

Almoxarifado, COOMEC
Acho que ele [o empresário) não teve condições de segurar
isto aqui quando mais foi preciso. (...) Acho que ele não foi Houve quem atribuísse o processo de decadência da empresa a
tão culpado do que aconteceu. Naquela época ele confiava fatores externos à própria empresa, como revela o depoimento ababco:
nas pessoas. Tinha muita gente, muitos engenheiros.
Todo mundo sabe desta coisa e eu também, do património
QjLiando via, entrava um e saía e ele não tornava conhe-
do senhor Wallig e digo mais, tem mais, roubado dele com
cimento porque ele não aparecia. (,..) Eram os outros que
esta política... com esta política que cies fizeram naqueles
tornavam conta. Sei que foi uma judiaria, mas ele não fez
anos. A política governamental, esse que fava... a política
nada para segurar isto daí.
do Delfim e de outras pessoas. Eu conheço esta história
Refeitório, COOMEC
desde os anos 70, quando Passarinho tava Ministro cio
Planejamento, ele assinou o caderno lá, um empréstimo e
Trabalhei com ele 9 anos e me sentia bem, a não ser no
este empréstimo nunca saiu. Para a compra do... massa
final porque ele não foi bom pra mim. Deixou de me pagar
falida. O pagamento, o empréstimo nunca saiu. Wallig pre-
e eu tinha férias vencidas. Depois de 5 anos recebi insigni-
cisou.., que direito para emprestar do Banco do Brasil,
ficância.
emprestou/ depois quiz. pagar ajuros, que este juro matou
Coordenador de área, COOFUND
a firma Waiïig e quanto as firmas aqui em roda.
Em 1986, o processo judicial de falência foi transformado em.
Também a importância da ação da direção e do empresário, em
concordata suspensiva, colocando a possibilidade da empresa retornar particular/ e de sua responsabilização naquele processo/ no entendi-
a seus antigos proprietários/ no caso de saldar os débitos pendentes. mento dos trabalhadores, não podem ser minimizadas. Esses acredi-
Na ocasião/ essa possibilidade provocava inquietação entre os asso- tavam que o não cumprimento de suas obrigações como empresário
ciados ao tornar incerto o futuro das cooperativas, dependentes, para tinha muito a ver com a derrocada da Wallig Sul.
continuarem funcionando/ da utilização das instalações e equipa- Ao se mobilizarem contra o fechamento da empresa/ os traba-
mentos da Walïig Sul. Uma das possíveis soluções então veiculada
Ihadores pretendiam o retorno à normalidade de seu funcionamento
era a retomada da empresa pela antiga direção e o retorno dos traba- e a garantia de que conservariam seus empregos, e que seus salários
Ihadores à condição de empregados. A resistência a essa solução era seriam pagos em dia. Seu movimento não se assemelhou a movi-
bastante forte, como revelam os depoimentos abaixo. mentos e ações de recusa operária à dominação e direção do capital
E difícil fazer uma colocação definitiva sobre este tema na produção e na sociedade; com a afirmação de novos valores, no-
porque ele é muito polémico, principalmente junto ao vás práticas e novos objetivos, assentados na autonomia dos traba-
associado antigo, que ainda está traumatizado com Ihadores frente ao capital/ como conselhos operários (Gramsd,1978;
todos os problemas originados da falência da Wallig, Gramsci e Bordiga, 1981; Gerratana, 1972; Magri, 1972; Castoriadis,
com o próprio empresário, falta de discernimento, falta 1983), ocupações "selvagens" de fábricas e outras ações, que desde a
de tornada de decisões. Isto tudo tá muito presente para
Comuna de Paris (Marx/ s\d) têm feito parte da história da classe
os associados.
trabalhadora.
Administração, COOMEC
Os trabalhadores da Wallig não questionaram a hierarquia de

Não, eu não... sinceramente não, porque houve... eu não


autoridade/ embora tenham restringido suas atribuições; nem os crité-
sou do tempo dele, não fui funcionário dele mas, no... rios de remuneração, adotando os valores vigentes no mercado como
colegas meus que trabalham comigo/ com dez, quinze, vinte referência; nem se apropriaram do controle das condições de trabalho/
anos de empresa, que trabalharam com ele e ele, entende? como ficou demonstrado no exame das questões relativas à pericu-
não têm confiança nele, eu me baseio nisso, eu me baseio losidade, insalubridade e acidentes de trabalho. Não se propunham a

138 139
gestão autónoma/ como o fizeram os trabalhadores da UP, na França, Foi a atuação daquela comissão que evitou que o processo de
em 1973 (CFTD, 1975; Lourau, 1974; Lirieu, 1973; Lip, 1973; Lip/ falência da Wallig Sul tivesse o mesmo fim de quase todos os processos
1976). de falência, com sua liquidação judicial e a dispersão de seus
A solução para as reivindicações dos trabalhadores de manterem funcionários/ cada um buscando, por si mesmo/ outras colocações
as fábricas em funcionamento, preservando seus empregos, foi resul- no mercado de trabalho. Ao empenho dos integrantes da comissão
tado da atuaçâo da comissão de funcionários que assumiu a direçâo na formulação de uma solução que não implicasse no fechamento
do movimento. Liderada por funcionários da esfera administrativa definitivo da empresa, se somou a conjuntura recessiva em que o
(com maior conhecimento e melhor informados sobre a complexidade episódio se inscrevia, decisiva para manter os empregados da empresa
dos procedimentos judiciais em que estavam envolvidos, os meandros agïutinados em torno do objetivo de mantê-la em funcionamento, e
das decisões políticas, e mais capacitados a transitarem desemba- assim garantir seus empregos.
raçadamente nos círculos oficiais), mas integrada/ também, por ope- Da combinação de todos estes fatores nasceu uma forma de
rários, essa comissão passou a examinar alternativas, e descartá-las, gestão pouco comum, na qual os operários seriam seus próprios
diante da constatação de inviabilizar a constituição de uma nova patrões. Mas ela não foi uma formulação da base do movimento dos
empresa nos moldes de uma sociedade anónima ou de uma companhia trabalhadores, na qual estivesse embutida uma proposta de
limitada. A derradeira alternativa examinada, conforme depoimento transformação nas relações de trabalho no sentido de sua democra-
de um. integrante daquela comissão, dentro das normas vigentes da tização, e sim foi a eles oferecida pela comissão que os representava,
constituição de uma empresa (o elemento legal nunca deixou de estar como recurso à conquista de sua adesão,
presente no exame das alternativas)/ foi a organização das coopera- Daí resultou que/ na fase inicial de implantação das Coopera-
tivas. Sua concepção apresentava a vantagem de, ao propor a infcegra- tivas, tanto as reivindicações de participação quanto sua concretização
cão de todos os funcionários na condição de associados, efetivada se mantiveram dentro dos limites acordados pêlos associados-
com a iníegralização de cotas-parte cio capital social, reunir os recur- fundadores por sugestão da comissão de trabalhadores, caracterizando
sós financeiros com os quais pudessem reiniciar as operações das o que foi chamado de "síndrome de participação", quando todas as
fábricas. Além disso, a passagem dos trabalhadores à condição de decisões eram precedidas de reuniões ou assembleias, nas quais as
sócios isentava o empreendimento dos encargos trabalhistas decor- deliberações eram tornadas. Essa fase foi marcada pela instituição de
rentes de uma relação celetista com seus trabalhadores. Essa condição, novas regras de convivência, Já expostas anteriormente. Algumas
mencionada em entrevistas, foi confirmada em outras oportunidades, delas se consolidaram/ como as relativas à flexibilidade de horários,
sempre destacando sua relevância no processo de organização das relação coordenadores/associados, eleição da direção e divisão das
Cooperativas. Em depoimento aojornal Zero Hora, em 10 de setembro sobras. Outras, indicadoras do clima de participação e envolvimento
de 1989, o presidente de uma das Cooperativas declarou: de todos os associados em todas as questões relativas às Cooperativas/
foram arrefecendo/ deslocando-se do conjunto dos trabalhadores para
Foi principalmente a perspectiva de não precisar arcar
o Conselho de Administração. Considerado como um avanço admi-
com os encargos sociais que devem ser pagos onde há
nistrativo, este processo implicou/ de fato, numa retração do espaço
trabalho assalariado, que motivou os funcionários da falida
de participação dos associados/ excluídos de decisões importantes como
Wallig Sul a se organizarem em duas Cooperativas. "No
nosso plano de recuperação, não precisamos prever gastos
a fixação de remuneração, investimentos, promoções.
desta ordem". A combinação de todos estes elementos resultou numa forma
de gestão na qual a inovação se combinou com o tradicional, este
Mas esta proposta implicava na perda dos direitos trabalhistas identificado pêlos trabalhadores como procedimentos usuais numa
para os associados. Somente após um intenso trabalho da comissão "empresa normal".
junto ao conjunto dos trabalhadores, tentando convencê-los daviabi- A direção das Cooperativas, apesar de ser eleita pelo conjunto
lidade e de vantagens do projeto, houve adesões a ele. dos associados, não era vista por eles como integrada por "iguais". A

140 141
linha áe demarcação que separava o nós, trabalhadores da fábrica, já transcrito anteriormente, um associado da COOFUND afirmou
(á}eles, o Conselho de Administração, foi o tipo de saber de que alguns que os trabalhadores da produção eleitos para o Conselho de Admi-
de seus integrantes eram portadores, que os capacitava ao nistração acabavam por ser cooptados para a defesa e resguardo de
desempenho de funções externas, que requerem bom trato, desemba- interesses dos associados da esfera não produtiva.
raço e desenvoltura no relacionamento com. pessoas com quem deve- Na visão de um integrante do Conselho de Administração de
riam. tratar assuntos de interesse das Cooperativas. Esses diretores uma das Cooperativas, o Conselho personificava o patrão para a gran-
eram sempre profissionais não ligados à produção, que tinham fun- de maioria dos associados, particularmente para os da área da pro-
coes administrativas e maior escolaridade, apontadas pêlos operários dução, e a pcirticipação destes no Conselho pouco contribuiu, de modo
como qualidades essenciais ao desempenho dos cargos diretivos. Os efetivo, na gestão das Cooperativas. A partir de dentro do próprio
trabalhadores manuais assumiam, uma posição de inferioridade frente Conselho/ esta questão é assim entendida:
aos associados do setor adminisíratívo, a partir da avaiïação positiva
Eu atuo num. dos Conselhos/ eu faço parte do Conselho
daquelas qualidades, que eles, operários, não tinham. Com isto ten-
de Administração. Através do Conselho é mais fácil resolver
diarn a considerar como inevitável a permanência de determinados
uma série de problemas, Eu vou dizer o porquê, aí também
associados no Conselho de Administração/ como revelaram os argu- é uma coisa assim que chama muito a atenção da gente. O
mentos de um coordenador da fundição. Conselho represenfca um patrão na cabeça do pessoal, está
assim como um... eles sabem que não existe um patrão,
Quem manda na Cooperativa é o presidente. Pra mim e
entende? O Conselho representa um grupo, tá? Mas em
pra maioria é quem tem condições/ pois é ele que trata dos
determinados momentos o Conselho é o patrão e quando a
assuntos internos e externos da Cooperativa. Tem pessoas
pessoa se vê em frente ao Conselho, não que está sendo
que discordam dele, mas.,, ele é o único no momento. Pra
coagido ali de repente assim, mas pra ele é o patrão que
presidente é ele. No Conselho tem outros. A relação externa
está ali na frente, então eles acatam o Conselho. Então
tem que ser tratada com políticos, com gerentes de bancos,
quando o Conselho, através do Conselho, quando a gente
Tem que ser exigente, polido e aqui nós não temos... O
tenta explicar as coisas, aquilo mesmo que eu disse aqui,
pessoal critica o presideníe quando tá ganhando pouco, se
eu acabo dizendo dentro da reunião, aí eles aceitam, porque
sai um aumento bom, ele é bom. Com isso a gente tá
ali eu estou fazendo o papel de administrador,...
acostumado.
P - Eles aceitam e se convencem?
Embora se observasse entre os operários/ principalmente entre R - Mas aí eles se convencem e também tem outra coisa
os mais qualificados, uma atitude de valorização de suas capacidades que eu já senti, eles se sentem constrangidos de estarem na
no exercício de suas funções na produção, que segundo eles, podiam presença do Conselho de repente assim/ até a gente pode
dizer que é maldade minha, pega e encaminha a pessoa pró
dispensar a supervisão de saberes superiores (a referência à ausência
Conselho, ne. As vezes é que eles se sentem constrangidos
de engenheiros na fundição durante um longo período, que não im-
exatamente porque na cabeça deles, o Conselho é o patrão.
plicou em maiores dificuldades para os operários continuarem produ- P - Mas cada um dos cooperativados poderá vir a integrar
zindo e garantir a qualidade dos produtos é indicadora dessa atitude)/ o Conselho, não é mesmo?
quando se tratavam de questões fora do âmbito restrito de suas R - Pode.
ativldades produtivas, os operários tendiam a se retrair, delegando P - E como é que tu imaginas que isso seja entendido por
aos que julgavam mais capazes a responsabilidade de dirigir as Coope- eles?
rativas. R - Ah, o pessoal de fábrica, eu assim, eu noto que, eu
A participação de associados da produção nos Conselhos de posso até estar errado, mas pelo que eu olhei, já contatei
com eles, o pessoal de fábrica mesmo, dificilmente entrariam
Administração parece ter sido mais um meio de legitimar, formal-
num Conselho de Administração, principaimente, a não ser
mente, a igualdade de oportunidades entre todas as categorias de
que as três pessoas-chaves ou seja, o presidente, o secretário
associados, do que torná-la uma realidade efetiva. Num depoimento
e o vice-presidente sejam alguém da área administrativa.

142 143
P - Mas Já houve um secretário que é coordenador na realizar todas as tarefas que nele eram executadas, num sistema de
fábrica. rotatividade entre os postos de trabalho.
R- - E a gente nota que a participação dele é uma
P - Há alguma reação contra este tipo de prática?
participação muda, ele não participa/ ele apenas se debca
R - Eu tenho muitas pessoas que dizem, que se nega a
conduzir. Eu acho que é por causa do tipo de trabalho. O
fazer, mas aí tem que se conversar, ne.
trabalhador brasileiro, ele não está acostumado a admi-
P ~ E as pessoas têm se manifestado abertas a estas
nístrar, principalmente o tipo..., o gaúcho. Sua participação
conversas?
é muito pequena dentro da fábrica, assim a relação patrão
R - Mas se a pessoa... claro... mas que começam a se
e trabalhador é uma relação até bastante conflitante,
negar muito prá num, que eu faço? Congelo ela, ne.
envolve capital, trabalho, conflito. Há um conflito e eles
P - O que é congelar?
não foram assim educados, nem eu fui educado pra admi-
R - Congelo ela porque na hora que precisar, que tem
nistrar, eu fui educado para obedecer, de repente eu me
urna possibilidaade de dá uma mão pra alguém, a pessoa
vejo numa outra posição.
que não mostra interesse não merece, ne?
A tradição de submissão e o "treinamento para a obediência"
A possibilidade de um coordenador "congelar" um operário pela
foram apontados como causas que inibiam os associados da produção
recusa de auxílio abria caminho para outras formas de "congela-
a assumirem-se como "iguais" diante dos associados por eles mesmos
mento"/ quando um coordenador julgasse que ele não era merecedor
eleitos para a direçao/ mas que deles se diferenciavam pelo tipo de
de um tratamento diferente. Embora atitudes dos coordenadores,
trabalho que executavam e pelo tipo de formação profissional que
consideradas arbitrárias e impróprias, pudessem ser inibidas pela
tiveram e que os habilitavam para o exercício daqueles cargos
contestação frente à frente de seus coordenados, sobrava àqueles uni
díretivos. Entretanto/ pode-se supor, a partir do depoimento acima,
potencial de decisão que não podia ser menosprezado, contra o qual
que os próprios integrantes do Conselho assumiam a posição de
os operários não podiam fazer muito mais do que manifestar sua
patrões/ ao submeterem um associado aos seus argumentos, numa
discordância e indignação/ na ausência de instâncias de deliberação
situação que, como o mesmo depoimento sugeriu, não estava isenta
coletiva sobre tópicos tão importantes para eles, como era o caso de
de constrangimento.
promoções na estrutura funcional/ das quais dependiam, diretamente,
O Conselho de Administração era a única instância que tinha a
as remunerações.
atribuição de conceder promoções aos associados. Estas eram reco-
A mesma exclusão se verificava em relação à definição da escala
mendadas pêlos coordenadores àquele Conselho, que deliberava sobre
de pró labore, desconhecida pelo conjunto dos associados, assim como
a oportunidade ou não de acatá-las e implementá-las. O coletivo de
os percentuais dos aumentos concedidos. Os associados sabiam que
trabalhadores de cada setor das fábricas não participava da avaliação
existiam diferenças de remuneração/ e a maioria concordava com
de desempenho de seus colegas. Esta dependia exclusivamente dos
estas diferenças/ mas não que elas fossem tão grandes como eles
coordenadores/ segundo critérios por eles mesmos estabelecidos/ sobre
supunham. Corno a escala de pró labore não era conhecida pela massa
os quais os coordenados não tinham nenhuma ingerência. Esse pro-
de trabalhadores/ eles faziam conjecturas sobre a desigualdade da
cesso abriu a possibilidade de unia nova fonte de poder para os coor-
remuneração, atribuindo a ela dimensões que acreditavam ser muito
denadores. Se eles não tinham, dentro das cooperativas, a mesma
grandes/ mas que não tinham como comprovar. O resultado dessa
autoridade de antes, de dar ordens e serem obedecidos pêlos seus
dúvida era um sentimento de desconfiança em relação à forma como
subordinados, autoridade sustentada na estrutura hierarquizada das
os interesses individuais (a remuneração de cada um) eram tratados
"empresas normais", poderiam/ agora/ induzir seus coordenados a
pela Direçâo. As possibilidades de pôr fim a este sentimento eram
um tipo de conduta, sob pena de serem preferidos nas indicações de
escassas, na medida em que os associados afirmavam que não tinham
promoções. Não foi constatado se essa prática era/ de fato, exercitada/
acesso à folha de pagamentos, que não existia uma discussão aberta
mas sua potencialidade existe/ como se evidenciou no depoimento de
sobre uma política de remuneração, bem corno transparência nos
um coordenador da COOMEC. No seu seíor, todos os operários deviam

144 145
percentuais de reajustes concedidos pelo Conselho de Administração. vontade desses. NesÈe sentido, merece destaque a medida de submeter
Além disso, este não facilitava o acesso dos associados às informações todos os associados à revista no final do expediente. Esta é uma prática
contábeis, nem mesmo para os integrantes do Conselho Fiscal, como usual de controle em qualquer "empresa normal", mas no contexto
revelou um associado que dele fez parte. Este associado, ao ser eleito/ das Cooperativas, onde se fazia o discurso de que todos eram"donos"
resolveu reverter a inoperância do Conselho Fiscal e/ ao procurar se e responsáveis pelo seu funcionamento, desempenho e resultados/
inteirar da situação de uma das Cooperativas, enfrentou a resistência não deixava de parecer uma medida fora do lugar. Mas esta medida
do Conselho de Administração. Divulgada a escala de remuneração e foi necessária, segundo o depoimento de um associado da direção,
os percentuais de aumentos que na ocasião tinham sido recentemente devido à frequência com que estavam ocorrendo roubos, de ferra-
concedidos, a massa de associados da produção se mobilizou, cobrando mentas e até de objetos de uso pessoal/ tanto nas fábricas como nos
explicações da direção sobre as diferenças dos percentuais de reajuste, escritórios.
num episódio bastante tenso, já descrito anteriormente. As revistas a que eram submetidos os associados não eram
A verificação desses procedimentos revelou a veracidade da diárias mas feitas por amostragem. Num dia qualquer, por determi-
afirmativa de um integrante do Conselho de Administração de uma nação do coordenador de uma das áreas administrativas, e de
das Cooperativas, de que ocorreu sua autonomização em relação ao surpresa, eram revistados, por exemplo, "o turno que larga às 3 horas
conjunto dos associados e que estes acabaram aceitando como irrever- ou só a turma das 6 horas ou ainda a turma do automóvel. Abre-se
síveis muitas decisões tornadas pelo Conselho e depois comunicadas até o porta-malas". Com esta "incerta", procurava-se prevenir os
aos demais associados. Para estes, "se assim foi decidido é porque foi roubos/ alegadamente frequentes, e, na opinião de alguns trabalha-
preciso", o que revela a delegação da massa de trabalhadores da pro- dores/ sobretudo entre os //maiorais". Para outro associado, o resultado
dução da tarefa de tomar decisões, aos "mais capazes". Outro episódio, deste procedimento era pouco eficiente, na medida em que não era
já citado, reforça e evidencia este processo e diz respeito ao pedido de sistemático, diário e rigoroso. Além disso/ ao ser desencadeado, rapida-
explicações dos operários sobre um reajuste diferenciado/ menor para mente chegava ao conhecimento dos demais associados, neutralizando
os associados da produção do que para outras categorias. Diante da a eficácia que o elemento surpresa deveria garantir. Esse mesmo asso-
explicação de que "este é o jeito de administrar/ se vocês quiserem ciado, ao mesmo tempo que considerava oportuna a adoção da
diferente, não será com este Conselho de Administração", "a massa medida, criticava sua ineficiência em comparação com sua prática
de calou", como relatou um dos entrevistados. em outra empresa na qual havia trabalhado, exatamente no serviço
A incapacidade que os trabalhadores da área da produção se de segurança/ na qual eram feitas revistas diárias em todos os funcio-
atribuíam de assumir a direçao das Cooperativas favoreceu a ocupação nários. Segundo ele, a prevenção de roubos era, naquela empresa,
dos espaços decisórios por um grupo de associados do setor ainda mais eficaz porque o chefe do vestiário possuía a chave de
administrativo/ ainda que/ por força das disposições estatutárias/ o todos os armários utilizados pêlos funcionários/ podendo examiná-
Conselho de Administração devesse ser parcialmente renovado a cada los a qualquer hora.
três anos. Na COOFUND, onde, na eleição de 1989, concorreram duas O exame a que os associados eram submetidos provocava cons-
chapas, venceu a da situação/ encabeçada pelo mesmo associado que trangimentos, e às vezes, recusa. Mas esta era sempre uma atitude
já ocupava a presidência, apontado por um associado como a única individual. Nada foi feito, em caráter coletivo, para pôr fim a esta
pessoa na Cooperativa com condições para dirigi-la. O resultado da prática ou para equacionar o problema que/ real ou suposto, serviu
eleição mostrou que esta era a posição da maioria dos associados. para justificá-la.
As inúmeras atribuições do Conselho de Administração, definidas O que se verifica/ a partir destas questões, é que nas Cooperativas
estatutariamente/ e sua autonomização em relação às práticas de Wallig, a permanência de uni pequeno núcleo de associados na sua
participação que informalmente foram implantadas na fase inicial direção reproduziu a separação entre dirigentes e dirigidos existente
das Cooperativas/ possibilitaram a ele impor medidas sem consulta em qualquer "empresa normal"/ sempre tornada pêlos trabalhadores
prévia aos demais associados/ e implantá-las/ mesmo que contra a como parâmetro na comparação com sua vivência nas Cooperativas.

146 147
Episódios já examinados são demonstrativos da força do critério prietários de todos os integrantes das Cooperativas, na inexistência
fundado na capacidade de direção dos associados definida pelo tipo de patrões e no usufruto dos resultados alcançados com o trabalho
de saber de que eram portadores. coletivo apenas por aqueles que nele se integravam cotidianamente,
Daí resultou que a separação entre dirigentes e dirigidos se deu buscou cimentar o consenso com os objetivos do empreendimento,
com o consentimento e a legitimação da maioria, a partir do enten- identificando-os com os interesses individuais de cada um de seus
dimento de que o exercício da díreção dependia cie competêndas, restri- participes. Estes deveriam ser pessoalmente beneficiados com a
tas a um pequeno grupo de associados, ao qual foi delegado aquele melhoria de seus pró labore, sempre que o desempenho de cada uma
exercício. Era o reconhecimento, pela maioria, da existência dessas das Cooperativas fosse satisfatório/ permitindo uma melhor remu-
competências/ de natureza profissional e também compor tamentaí neração dos associados. Como este desempenho dependia
("tem que tratar com políticos, com gerentes de banco, tem que ser exclusivamente do esforço e da dedicação de cada um na atividade
polido") que permitiu a permanência de um núcleo dirigente "estável" coletiva, procurou-se garantir sua integração aos objetivos dos
à testa das Cooperativas. Os integrantes deste núcleo, compartilhando empreendimentos, que eram seu crescimento permanente e a obtenção
dessa noção/ e dela se valendo, apropriaram-se de parcelas significa* de "sobras" cada vez maiores, que deveriam beneficiar diretamente a
tivas do poder decisório, do que resultou a autonomização do Conse- todos que contribuíam/ com seu trabalho, para obfcê-Ïos. Esta
lho de Administração em relação ao conjunto dos associados, Se isto integração, resultante da identidade dos interesses individuais com o
foi, na opinião de um dirigente, um avanço administrativo, pois interesse do empreendimento, parece ter funcionado satisfaíoriamente
permitiu a agilização do processo de decisões e sua implantação/ seu na fase de implantação das Cooperativas. A adesão voluntária à
custo foi/ seguramente, o recuo da participação democrática do extensão da jornada de trabalho sem pagamento de adicional de horas-
coletivo de associados nas deliberações sobre o que era desejável para extras; a intensificação do trabalho pela dilatação da área de atuação,
eles e para as Cooperativas. A inclusão de trabalhadores da produção incorporando funções desempenhadas por outros operários no tempo
na instância dirigente não assegurou a essa caíegoria de associados da Wallig Sul; a colaboração solidária, manifesta na circulação das
participar/ em condições de igualdade/ no processo de tornada de tarefas, inclusive e particularmente nas áe menor qualificação, sem
decisões, ou fazer valer seus interesses específicos nas discussões e que isso significasse "rebaixamento" para os operários mais
deliberações/ pois, como já foi mencionado/ esses associados acabaram qualificados, revelam a integração que ocorreu na fase inicial presidida
por ser cooptados pêlos interesses das categorias administrativas ou por uma "lógica de proprietários".
a ter uma participação meramente decorativa na instância dirigente. Na prática, esta lógica rompeu-se posteriormente, ao se tornar
Esta tendia a ser identificada como o patrão, que mandava e devia manifesta a fragilidade de seu fundamento. O momento privilegiado
ser obedecido/ e não como um grupo de associados que exercia a dessa ruptura foi o de divisão de "sobras", quando a pretendida igual-
direção do empreendimento por delegação coletiva. Além disso, a dade de produtores se defrontou com a desigualdade derivada da
exclusão da coíetividade de trabalho na deliberação de questões propriedade do capital. Nesta disputa pela apropriação de parte do
importantes como a remuneração dos associados e os procedimentos excedente gerado, o desmascaramento das desigualdades se
de promoção acentuavam ainda mais a separação entre um pequeno potencializou, pondo a nu a clivagem de interesses particularistas
grupo que dirigia e a grande maioria que era dirigida. existentes no interior das Cooperativas, e os conflitos que em torno
As inúmeras linhas de segmentação da coleíividade, opondo seus deles ocorriam.
integrantes a partir do tipo de atívidade que exerciam (trabalho na A remuneração diferenciada dos associados não teve o mesmo
produção x trabalho na administração), antiguidade (fundadores x impacto no desnudamento da vigência das desigualdades. Isto ocorreu
novatos), propriedade do capital (grandes cotistas x pequenos cotístas) porque era praticamente consensual a noção da existência de quali-
determinaram uma complexa teia de interesses divergentes que, mal dades diferentes de trabalho às quais deveria corresponder remuneração
equacionados, levaram ao aprofundamento da desigualdade. diferenciada. A qualidade do trabalho estava associada à capacitaçâo
O discurso da igualdade, construído sobre a condição de pro- profissional de quem o executava, não tanto pela experiência prática

148 149
adquirida no trabalho, mas muito mais pela sua formalização através que não tivessem então, outra alternativa senão acatá-las, por serem
da realização de cursos e pela obtenção de diplomas. Quando estes dadas como irreversíveis, guardavam ressentimentos desses proce-
correspondiam à qualificação profissional na esfera da produçí dímentos e os consideravam corno golpes contra o pacto que haviam
por exemplo, desenho técnico, cálculo/ leitura e interpretaçí ação de estabelecido ao fundar as Cooperativas.
desenho e inúmeros outros, garantiam para seus detentores o reco- Com o fim da "síndrome de participação" que marcou a fase
nhecimento de sua "melhor qualidade" como operários, inicial de funcionamento das Cooperativa5, e com o processo de
ridade sobre os que realizavam trabalhos simples/ como os ajudantes auíonomização do Conselho de Administração e a pouco transparência
e os trabalhadores de montagem. com que este passou a tomar decisões, se/ por um lado, se multiplicou
sempre inferior ás qualificações não a insatisfação com a ausência de consulta e comunicação à maioria
manuais. De qualquer modo/ a qualificação profíssionaï era dos associados, não deixou de haver, por outro/ uma relativa acomo-
sempre como resultado do esforço, do investimento e até dação a esta situação, da qual a afirmativa de que "se assim foi
pessoais e era considerado justo que estes fossem recompensados com resolvido é porque era preciso" é um indicador.
uma remuneração maior do que a daqueles que se acomodavam em O que está aqui implícito é a ideia de que eram necessárias me-
funções pouco qualificadas e que "não procuravam melhorar". didas que viessem a assegurar acréscimos de ganhos às cooperativas,
A gradaçâo da remuneração correspondente a uma hierarqmza- que se traduzissem em um quantum maior de sobras para dividir
cão dos saberes que habilitava os trabalhadores à execução de traba- entre os associados. Isto significava lucros, desejados por todos, como
lhos aualítatívamente distintos, era, por isso, considerada justa, não afirmou um dirigente, ao negar a existência de qualquer conotação
em relação anticapitalista no empreendimenfco ("todos aqui gostam muito do
festações de insatisfação com o valor dos pró labore, particularmente lucro"). Mas havia uma inequívoca diferença de concepções a respeito
entre os trabalhadores da produção, referiam-se especificamente às do que significava esse lucro e do que deveria ser feito com ele.
grandes diferenças que eles supunham existir entre sua própria remu- Para a grande maioria dos trabalhadores, o lucro era o resultado
neraçâo e a dos que eles chamavam de "maiorais"/ ou ainda, diante posíÈivo obtido com o esforço de todos os associados e entre estes
da confirmação de tratamento diferenciado aos associados na conces- deveria ser distribuído, como forma de remunerar o trabalho desen-
são de reajustes. Isto era para eles/ um procedimento injusto. "A partir volvido. A expectativa de que assim, de fato/ ocorreria, se sustentava
daquele momento, acabou pra mim a Cooperativa", declarou um na ideia de que as cooperativas lhes pertenciam e que, portanto/ o
associado, diante da inevitabilidade do reajuste diferenciado deter- êxito delas deveria se traduzir, naturalmente, em benefícios pessoais
minado pelo Conselho de Administração. para cada um de seus integrantes, responsáveis por aquele êxito.
A concepção de igualdade vigente entre os operários pressupunha Nesta concepção estava presente a ideia de que o lucro deveria ser
o respeito a todos e a cada um no lugar que lhes cabia no coletivo de transformado em remuneração do trabalho e que essa era a especifí-
trabalho, que devia ser assumido com responsabilidades, requerendo cidade das cooperatíva.s/ díferenciando-as de uma "empresa normal"/
o cumprimento por todos dos mesmos deveres/ e garantia, para todos, onde quem se apropria dos resultados do trabalho é o patrão.
dos mesmos direitos, sem eliminar as diferenças de competências que Esta concepção era conflitante com a lógica capitalista que a
eram por eles reconhecidas. Essas legitimavam a diferença de remu- direção tratava de viabilizar/ como ficou evidente na disputa ocorrida
neração e a separação entre dirigentes e dirigidos £ não eram/ em si ao final do primeiro ano de funcionamento das cooperativas, na qual
mesmas/ consideradas fonte de desigualdade. Esta ocorria quando a proposta de capitalização se opôs ao desejo dos demais associados
decisões tornadas beneficiavam alguns indivíduos ou grupos em detri- de que o lucro fosse distribuído entre eles.
mento de outros- Quando entendidas como decisões ou atitudes discri- 5em a presença de um patrão, a acumulação de capital foi asse-
minatórias/ os associados reagiam contra elas, cobrando explicações gurada pela açao do núcleo dirigente de cada Cooperativa, que se
ou reivindicando sua reconsideração. Se não conseguissem modificá- personificava como o agente de exploração da força de trabalho/
las devido à inexistência ou à debilidade de canais de pressão, mesmo criadora do excedente que ia alimentar o processo de acumulação.

150 15-t
Ainda que os trabalhadores das cooperativas pudessem usufruir de A COOFUND era uma planta industrial intermediária, que pro-
condições menos desfavoráveis no trabalho - como menores pressões dúzia basicamente peças e componentes de ferro para os setore5
e até sua ausência, e mais liberdade -/ não deixavam, por isso, de automobilístico e de fabricação de máquinas. Desde março de 1990,
estar submetidos a essa lógica. O fundo de acumuiaçâo assim gerado com o Plano Collor, a crise naqueles setores repercutiu na situação
era acrescido com. a inexistência de "custos" com a força de trabalho, da COOFLIND/ que foi reduzindo sua produção mensal de 500 tone-
representados pêlos encargos trabalhistas devidos pelas empresas ladas, até chegara 100 toneladas (julho/9^). O número de associados
sobre a folha de salários de seus empregados/ "custos" que foram foi reduzido de 450 para ^ 50, através de demissões, contrariando
eliminados nas cooperativas. disposições estatutárias. Nem grandes cotistas/ considerados
O montante desta "economia de custos" não era desprezível, "intocáveis", foram poupados nestes cortes de pessoal. A situação Já
como revelou o conteúdo de reclamatórias trabalhistas ajuizadas por bastante tensa/ chegou a seu limite quando os associados remanes-
associados da COOFUND, em vista de demissões sem justa causa. Essas centes tornaram conhecimento de que os aumentos concedidos de
ações pretendiam obter o pagamento de adicionais de insalubridade, pró labore tinham percentuais diferenciados, maiores para o pessoal
periculosidade, horas extras e sua integração em férias/ 13° salário, da administração do que para o pessoal da produção. Quando o
repouso remunerado; diferenças de gratificação natalina; diferenças Conselho foi interpelado sobre este procedimento e respondeu que "é
salariais decorrentes da aplicação dos índices determinadas por gati- assim e ta acabado", os trabalhadores da produção recusaram esta
lhos/ dissídios e URPs da política salarial vigente no período em que o solução/ destíÈuíram o Conselho, organizaram nova eleição e apre-
reclamante trabalhou na Cooperativa; pagamento das verbas resdsó- sentaram uma chapa que representava uma ruphira com a antiga
rias como aviso prévio/ 13° salário proporcional, férias proporcionais direçao. Venceram a eleição na proporção de 3 votos por l. Na nova
acrescidas de 1/3, entre outros. composição do Conselho de Administração/ a presidência passou a
Pretendendo o reconhecimento de vínculo empregatício entre o ser ocupada por um operário da fábrica, eletricista, há muitos anos
redamante e a Cooperativa, e apresentando argumentos que busca- empregado da Wallig Sul e fundador da Cooperativa; a vice-presi-
vam provar sua existência/ algumas dessas ações foramjulgadas pro- dência/ pela médica responsável pelo serviço de saúde nas duas Coope-
cedentes na 7a Junta de Conciliação e Julgamento de Porto Alegre, rativas; a secretaria, por um associado da contabilidade e três associa-
passando à tramitação legal. dos da produção como conselheiros.
Estas ações trabalhistas foram desencadeadas por mudanças O movimento de recusa ao fato apresentado como consumado
que ocorreram nas cooperativas, especialmente na COOFUND, ao pelo antigo Conselho foi desencadeado pêlos associados áa produção,
longo de 1991. autonomamente organizado e dirigido por eles mesmos. Esse
Até então, a concentração do poder decisório no Conselho de movimento representou uma ruptura com práticas sustentadas por
Administração e sua aceitação pelo conjunto dos associados/ combi- noções arraigadas entre os trabalhadores de que os operários careciam
nada com práticas menos autoritárias no chão da fábrica/ com o da capacidade de se autodírigírem. Ao recusarem a tutela de associados
relaxamento de formas de controle e pressão usuais em "empresas cuja formação profíssional fora até então legitimada como capacidade
normais"/ ao mesmo tempo que reproduzia algumas daquelas prá- dirigente/ os operários passaram a instituir novas regras pelas quais
ficas (por exemplo, a revista dos trabalhadores no final do expediente); a "competência técnica" passaria a se subordinar à decisão política.
a recorrência de conflitos em torno da distribuição de excedente e do Esta agora seria prerrogativa dos operários, resultante de sua apro-
novo caráter da hierarquia dentro das fábricas pareciam configurar priação do espaço de participação no qual tinham se mantido mais
o "modelo" desta experiência de gestão. como observadores, ou que haviam ocupado muito timidamente.
O movimento desencadeado em julho de 1991 pêlos operários Ao assumir a direçao do empreendimento os operários se coloca-
da produção da COOFUND, com a destituição do Conselho de Admi- ram o desafio de transformar a experiência recente de maior democra-
nístraçao e a eleição de um novo, integralmente renovado/ veio negar tização no trabalho/ em uma experiência na qual viessem a ser os
esta suposição. Eís o que aconteceu. reais dirigentes do empreendimento que assumiram como seu.

152 153
A instituição de novas relações no universo de trabalho/ no início
do funcionamento das Cooperativas, teve seu fundamento no pro-
pósito de igualdade de todos seus integrantes, respaldada na sua
condição de sócios e na ausência de um patrão a cuja autoridade
estivessem submetidos. As novas relações e práticas instituídas se
traduziram na participação de todos nas decisões/ numa nova
disposição para o trabalho, na qual a vontade de vencer o desafio
assumido era a motivação mais forte.
A evolução posterior da experiência das cooperativas redefiniu
as práticas instituídas na sua fase inicial, consagrando umas e fazendo
retroceder outras. Foi particularmente na convivência cotidiana dos
associados no interior das fábricas que a reivindicação de igualdade
se manteve mais acesa, propiciando condições de trabalho nas quais
os trabalhadores declararam se sentir mais à vontade, gozar de maior
liberdade e não estar submetidos à constante pressão do que antes
eram chefias, e que passaram a ser somente coordenadores, com
autoridade reduzida para dar ordens ou punir. Mas nesta mesma
esfera/ a circularidade de tarefas a que se entregaram os fundadores
na fase inicial, regrediu ao padrão anterior de fixação de cada operário
no seu posto de trabalho.
A ampliação do quadro social, com a admissão de novos
associados/ superficialmente informados dos princípios cooperati-
vistas que presidiam a sociedade económica na qual estavam se inte-
grande, e precariamente socializados nos seus objetivos e nas práticas
nela implantadas/ iniciaram um processo de diferenciação que
conduziu, gradativamente, à negação do discurso da igualdade que,

155
de início, tinha uma correspondência com a realidade concreta no pois além da remuneração que recebiam ser quase sempre considerada
cotidiano de trabalho. Esta negação foi reforçada pela emergência de insatisfatória/ somava-se à sua condição de associados a perda dos
conflitos em torno da remuneração e da distribuição das sobras, opon- benefícios trabalhistas assegurados aos assalariados. Particularmente
do os associados da produção aos da área administrativa, os grandes entre os novatos, estas perdas eram sentidas como sonegação de direí-
cotistas aos pequenos cotistas, segmentando o coletivo de associados tos. Mesmo reconhecendo, unanimemente, que as condições de tra-

numa multiplicidade de interesses divergentes. balho eram melhores do que qualquer outra que já tivessem viven-
A maior evidência da negação da igualdade foi a autonomização ciado, fundamentalmente referida à maior liberdade que usufruíam
do Conselho de Administração em relação ao conjunto dos associados/ e à ausência de controle e pressões permanentes de chefias "cobrando
passando a tomar decisões à sua revelia e dando-as ao conhecimento produção"/ os associados das cooperativas se ressentiam e demons-

desses como fatos consumados. A segurança dos integrantes do núcleo travam inconformidade com as formas particulares que, no seu
"estável" daquele Conselho/ de que a grande maioria reconhecia serem entendimento/ eram indicadores da exploração a que estavam sendo
eles os únicos associados com competência para dirigir as Cooperatí- submetidos. Diante do rompimento do que teria sido o pacto original-
vás/ deu-lhes respaldo para condutas de desafio aos demais associados, mente firmado entre os fundadores, com o processo de demissões os
impondo-Ïhes o impasse de aceitar sua forma de atuação ou mudar trabalhadores recorreram à Justiça do Trabalho, reivindicando os
o Conselho. direitos cujas perdas até então, tinham de alguma forma/ aceito,
Se o discurso da igualdade foi mantido, com afirmações de que porque faziam parte daquele pacto.
"aqui todos são donos"/ "pelo menos urna parte daqui é de cada um", A volta ao serviço de atendimento médico, com pedidos de
"procuramos eliminar qualquer ideia de subordinação", a base real dispensas por motivo de saúde, a prática alegada de roubos e a contra-
que lhe deu sustentação na fase de implantação das cooperativas foi partida da revista a que os associados passaram a ser submetidos,
sendo soïapada com as transformações ocorridas posteriormente, podem sugerir a emergência de formas de resistência à exploração de
revelando a inadequação do discurso ainda dominante/ com a nova que se sentiam vítimas, e de perda do padrão de integração que carac-
realidade que era/ na prática, a sua negação. Esta diferença era terizou a fase inicial de funcionamento das cooperativas. Pode-se
claramente percebida e os associados não se inibiam de apontá-la, supor, ainda/ que a expressão individual dessas estratégias tenha sido
sustentanto que era "fíctído que aqui todos sejam iguais". As disputas consequência da inexistência de canais de expressão coletiva das insa-
em torno da divisão das sobras, o processo de condução das decisões tisfações, e da ausência de mecanismos de controle e de intervenção
sobre a remuneração e a5 divergências que provocaram/ assim como do conjunto dos associados no processo cofcidiano de conduzir as
a forma de equackmamen to dessas disputas e divergências acentua- cooperativas. Esta exclusão pode ter resultado do reconhecimento,
entre a grande maioria dos associados/ da sua incapacidade de dirigir
da qual emergiu a oposição entre o nós e eles. Para o nos, associados a sociedade económica da qual eram, em tese/ "donos"/ e também da
debilidade com que se investiam como tal, não assumindo o controle
de dirigir os assuntos da cooperativa e cuja reivindicação de partici- e o direito de intervenção nas próprias condições de trabalho que
paçâo, muito forte na fase inicial, representava um atraso adminis- enfrentavam diariamente.
trativo. Para o nós, trabalhadores da produção/ eles eram os que A destituição da direção pela Assembleia Geral dos associados
mandavam, /'os home"/ os "marajás", os "maiorais", os únicos benefí- da COOFUND e a eleição de um novo Conselho de Administração
ciados, de fato/ do trabalho coletivo/ ao assegurarem para si mesmos representou uma ruptura com o padrão vigente até então. Originado
altas remunerações e negar para os operários o Justo pagamento entre os associados da produção/ indignados com o tratamento dife-
pelo seu trabalho. renciado que mais uma vez receberam do Conselho de Administração
Estas condições reacenderam entre os associados da produção o nos reajustes concedidos/ e insatisfeitos com o encaminhamento dado
sentimento de que estavam sendo explorados, mais intensamente para enfrentar a crise vivida pela cooperativa/ assumiram o controle
até do aue haviam sido pêlos patrões que tiveram e a direção do movimento sem submeter-se à tutela de saberes tidos

156 157
até então como mais competentes. A partir da eleição do novo
Conselho, integrado majoritariamente por associados da produção,
estes assumiram a direção política da cooperativa/ à qual cada asso-
ciado, no âmbito de suas competências profissionais/ estaria subor-
dinado, num processo que pretendiam fosse, de fato/ democrático e
transparente.
A açao autónoma dos operários, sua decisão de tomar a si a
condução da cooperativa, rompendo padrões consagrados que nega-
vam a capacidade dos trabalhadores manuais de se auto-dirigirem
poderia ser o início de uma nova etapa na história das Cooperativas.
Sua concretização dependia/ no entanto, do processo de falência
da VVallig Sul, transformado em 1986 em concordata suspensiva.
Por efeito das novas condições jurídicas do processo, as instalações e
equipamentos da WaIUg Sul deveriam ser devolvidas a seu antigo
proprietário. Com isto, as Cooperativas passaram a ter pela frente o Quando finalizava meu trabalho de campo nas Cooperativas,
desafio de sua continuidade, completamente desvinculadas da empresa em setembro de 1989, uma decisão judicial já havia transformado a
de cujos escombros nasceram. falência da WalÏig Sul em concordata suspensiva, abrindo a possi-
bilidade de devolução das instalações e dos equipamentos utilizados
pelas Cooperativas ao proprietário da empresa concordatária. Isto
era motivo de inquietação para os associados, pela ameaça que repre-
sentava à continuidade de seus empreendimentos.
No mesmo ano de l 989, foi firmado um acordo entre as Coope-
ratívas e o empresário da Wallig Sul, pelo qual aquelas se compro-
metiam a desocupar as instalações da empresa em 2 de dezembro de
1991. Antes de expirar o prazo, as Cooperativas/ ainda sem solução
para sua instalação em outro local, solicitaram ao empresário uma
prorrogação de 90 dias. Com isso haveria tempo para concretizar
alguma das alternativas existentes para a relocalização de cada uma
das Cooperativas, evitando os prejuízos que adviriam da paralisação
da produção. A solicitação foi negada e em 26 de dezembro foi
concedida ao empresário a reintegração de posse dos prédios/ vindo
os portões da empresa a serem mais uma vez lacrados pela Justiça e
os trabalhadores impedidos de retornarem ao trabalho.
A partir de então, cada uma das Cooperativas seguiu um
caminho diferente.
A reconstituiçâo desta trajetória/ aqui resumidamente descrita,
foi feita a partir de entrevistas com associados, realizadas em abril
de 1993. As informações obtidas sobre os acontecimentos posteriores
ao fechamento das fábricas deixam vislumbrar diferentes posicio-
namentos, não só a respeito da forma como o impasse foi conduzido,

158 159
mas também em relação às condições de enfrentamento de diferentes o cumprimento das normas reguladoras do funcionamento das em-
interesses no interior das Cooperativas e o papel que tiveram naquele presas instaladas no Distrito Industrial, entre as quais se inclui o
desdobramento. A reconstituição, na íntegra/ de todo este processo e horário padrão.
da dissonância entre concepções e práticas que parece ter caracterizado Foram mantidas a condição de associados de todos os trabaíha-
aquele momento desta experiência exigiria, seguramente, uma dores e as coordenações em lugar das chefias. Em 1992 foi consolidado
investigação mais aprofundada/ que desse conta de toda a dinâmica o novo estatuto que excluiu o nome Wallig e instituiu o Conselho
de um processo ainda em fluxo. Mas não é este meu objetivo neste Consultivo/ do qual passavam a fazer parte todos os ex-membros do
Epflogo. Pretendo tão somente informar o leitor sobre o destino de Conselho de Administração.
cada uma das Cooperativas, após terem rompido sua ligação com a A interrupção abrupta das atividades produtivas, quando foi
antiga empresa. concedida a reintegração de posse dos prédios da WaIUg ao seu proprie-
Não sem traumas, devido à paralisação da produção até sua tário, até a instalação no Distrito Industrial e a normalização do
reinstalação num novo local e à redução da linha de produtos que trabalhou implicou em prejuízos para a COOMEC, que fechou o balan-
fabricava, já que a unidade de esmaltaria e o ferramental de fabricação co do ano de 1991 sem sobras a serem distribuídas aos associados.
de cozinhas e lavanderias industriais, que pertenciam ao acervo da Com a situação estabilizada/ o balanço correspondente ao ano de
Wallig Sul ficaram retidos na empresa, a COOMEC logrou superar as 1992, então em fase de conclusão, antecipava um resultado positivo,
dificuldades da transição/ adaptando-se às novas circunstâncias. parte do qual seria distribuída entre os associados.
Instalou-se num prédio alugado no Distrito Industrial de Cachoeiri- A COOMEC planejava intensificar a qualidade do serviço autori-
nha, na área metropolitana de Porto Alegre, no qual passou a produzir zado de assistência técnica, implantando um centro de treinamento
uma diversificada linha de aquecedores e acumuladores de água da na área da fábrica onde estavam instalados a cozinha e o refeitório/
marca Cosmopolitã. A produção passou a ser comercializada em todos depois que estes fossem transferidos para um pavilhão que estava
os estados das regiões Sul e Sudeste, na Bahia e em Brasília/ locais sendo construído.
atendidos por uma rede de oficinas autorizadas de assistência técnica. O panorama geral da economia brasileira, com a abertura do
Um novo produto, que combinava as vantagens dos aquecedores de mercado a importações estrangeiras, colocava questões novas, no
passagem e dos acumuladores/ desenvolvido na própria Cooperativa, que diz respeito à concorrência, para as indústrias domésticas fabri-
estava para ser lançado no mercado. cantes de produtos similares aos importados. É o que estava ocorrendo
O número de associados tinha sido reduzido para 125. A perda com a COOMEC, na Unha de aquecedores de água. A entrada no
da produção da linha de equipamentos industriais, cozinhas e lavan- mercado nacional de importados procedentes da Argentina e do Chile
derias, tornou ociosa parcela da força de trabalho/ inviável de ser estava tornando o setor mais competitivo, colocando novos desafios
mantida no quadro de associados. Sua exclusão deu-se através de para a COOMEC. Impossibilitada de investir na modernização dos
um acordo que garantiu o reembolso das cotas dos associados desli- equipamentos ou de implantar reformas organizacionais/ pelo alto
gados. custo que representariam e que ela não podia ainda assumir, a empresa
Algumas das modificações que foram introduzidas na fase iniciai apostava na disposição de seus associados de cooperarem na otimização
de funcionamento da Cooperativa foram mantidas, outras foram da qualidade de seus produtos/ para fazer frente ao arirramento da
suspensas. Entre estas, a flexibilidade de horários/ avaliada pela Dire- concorrência.

cão como incompatível com a rotina e a natureza coletiva do trabalho Na COOFUND o processo foi bastante distinto.
industrial. Além disso, a instalação da COOMEC no Distrito ïndus- Alguns meses antes do prazo de entrega do prédio, a Cooperativa
trial e a dificuldade de acesso através de transporte coletivo regular, enfrentava sérias dificuldades internas, no centro das quais se
levou a Cooperativa a pôr à disposição dos associados serviços de destacava a insatisfação dos associados com a situação vigente:
transporte próprio, com circulação restrita aos horários de início e diferenças de vantagens entre os associados resultantes de aumentos
término da jornada de trabalho. Com isto ficou também assegurado diferenciados de pró labore/ desempenho financeiro negativo que

160 -161
impedia a distribuição de sobras, uma reforma administrativa imposta pública a escala de pró labore/ propôs e foi aceita pêlos associados a
de cima para baixo que reduzia o número de coordenadores e rebai- supressão dos intervalos para o café em troca da redução de uma
xava a remuneração, demissões de associados sem retorno das cotas. hora de trabalho nas sextas-feiras, implantou uma cabca de sugestões/
Além disso, a demanda pela produção da fábrica diminuía, sob os manteve os associados a par da situação da Cooperativa através de
efeitos da política do governo Collor. As solicitações de informações e reuniões frequentes.
esclarecimentos encaminhadas à Direçâo não eram atendidas. Em A partir do segundo mês os resultados da nova política adotada
consequência do clima de insatisfação existente/ a produtividade começaram a se fazer sentir: com a supressão dos intervalos para o
decrescia enquanto crescia a indisciplina dentro da fábrica. A convo- café houve um aumento de produção em torno de l tonelada por
cação pêlos associados de uma assembleia extraordinária na qual dia/ a caixa de sugestões recebia um grande número de contribuições/
iriam pressionar para que fosse realizada a eleição para o Conselho o clima dentro da fábrica se modificava, "a coisa começou a ficar
Fiscal, então acéfalo, e apresentado o balanço do ano anterior/ culmi- bonita/ todos eram mais amigos". A produção começou a aumentar
nou com a destituição do Conselho de Administração/ eleição e posse e a distância entre os trabalhadores da produção e o pequeno grupo
de uma nova direçao provisória, de oposição à direção anterior, e que que se articulava em torno da antiga direção foi se alargando. Um
deveria encaminhar o processo para a eleição de um Conselho de entrevistado declarou que esta estava temerosa dos resultados
Administração com mandato de três anos, em conformidade com o positivos que estavam sendo obtidos com a organização e a direção
estatuto. Nova assembleia foi marcada para ser realizada num curto dos trabalhadores, à margem do seu controle.
prazo/ na qual a direção destituída deveria apresentar, para o conjunto As poucas entrevistas realizadas para verificar a situação das
dos associados/ o balanço do ano anterior. O resultado deste foi decep- Cooperativas depois de 1989 não permitiram reconstituir em profun-
cionante para os associados, ao demonstrar a existência de pesadas didade esse curto período da experiência da COOFUND, mas as
dívidas. informações obtidas levam a supor que ela começou a pôr em prática
A eleição do novo Conselho de Administração/ que ocorreu uma forma de gestão sob a hegemonia dos operários/ desvencíliados
aproximadamente um mês depois, foi disputada por duas chapas: do controle e da direção de associados da área administrativa.
uma vinculada à administração destituída e a outra organizada pelo Mas em 2 6 de dezembro de 1991 esta trajetória foi interrompida
movimento "dos pequenos"/ responsável pelo afastamento do antigo com o fechamento das fábricas por ordem judicial.
Conselho de Administração. Venceu esta chapa por uma folgada Depois disso, o Conselho de Administração da COOFUND tentou
maioria. obter permissão para voltar a ocupar a fundição e retomar a produção
O novo presidente era um operário/ eletricista/ empregado na enquanto buscava uma solução para sua relocalização. As perspec-
Wallig desde 1972 e fundador da COOFUND. Ao assumir resolveu tivas foram se estreitando na medida em que as alternativas buscadas
fazer um levantamento da situação de cada seção, a partir de relatórios foram, urna a uma, sendo frustradas, a inquietação foi crescendo
dos respectivos coordenadores, nos quais deveriam ser identificados entre os associados devido à demora de uma solução e a não retomada
os problemas e apresentadas sugestões para o encaminhamento de da produção. A possibilidade de instalação no prédio de uma antiga
soluções. Um problema geral foi apontado: a indisciplina dos traba- fábrica falida que estava sendo administrado pelo Estado, no qual se
Ihadores, seu descaso com o trabalho, "todos faziam corpo mole/ só executaria o projeto de organizar uma fábrica-escola, que chegou a
passeavam dentro da fabrica", relatou um entrevistado. Os intervalos ser elaborado e apreciado favoravelmente pelas autoridades estaduais,
para café, um em cada turno, se prolongavam muito além dos 15 ou a concessão de empréstimos por bancos estatais para a construção
minutos previstos/ sem que ninguém tivesse condições para reverter de um pavilhão onde a fundição pudesse funcionar/ se perderam nos
esta situação. "Todo mundo lá dentro achava que não tinha nada a meandros da burocracia. Diversas prefeituras de municípios da área
perder. Tanto fazia ser mandado embora ou não". metropolitana de Porto Alegre aceitaram ceder um terreno para a
A direção resolveu enfrentar esta situação com um programa construção do pavilhão, mas para isto era necessário financiamento,
de envolvimento dos associados e transparência nas decisões: tornou que acabou não sendo obtido. Além disso, esta solução demandava

162 163
tempo/ fator que ia contra a COOFUND, na medida em que ela estava
com sua produção parada/ devido ao impedimento de voltar a operar
nas instalações da Wallig Sul.
O auxílio oferecido pela prefeitura de Triunfo, onde está
localizado o Polo Petroquímico, de ceder uma área e colaborar na
construção do pavilhão em troca do compromisso da COOFUND de
abrir um determinado número de postos de trabalho para a rnão-de-
obra local, também teve o faíor tempo a trabalhar contra Já que não
era uma solução passível de ser implantada em curto prazo.
O tempo corria contra a COOFUND e a situação se tornava
insustentável. Finalmente, depois de mais de três meses em busca de
uma solução/ quando mais de 50 reuniões tinham sido realizadas, os
associados desistiram: foi convocada uma assembleia que decidiu pela
liquidação da Cooperativa e indicou um técnico da Organização das
Cooperativas do Rio Grande do SLÚ (OCERGS) como seu liquidante.
Os associados não recuperaram as cotas que possuíam do capital
social da Cooperativa e esta não tinha como pagar suas dívidas.
Fatores externos, como as condições de inserção no mercado AMADO, Janaína (1978). Conflito social no Brasil: a Revolta dos
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tros empresas industriais/ e a COOMEC produzindo bens de consumo)/ ARENDT/ Hannah (1983). A condição humana. Rio de Janeiro:
e a maior ou menor vulnerabilidade às flutuações de uma economia Forense-Umversitária,
instável como a brasileira, somados à situação financeira interna BANAS. Seminário Industrial e financeiro (1969) São Paulo: v. 15,
que incidiu na capacidade de enfrentar o desligamento da WaIIig Sul n,815, 01 dez.
e a relocalizaçâo são algumas das questões que estão associadas a BANDEIRA, Pedro Silveira, GRUNDLING, Nilton Artur (1988).
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