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TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/FAL PROCESSO Nº 30.762/16


ACÓRDÃO

Bote de madeira sem nome, a motor, não inscrito na Capitania. Naufrágio,


com o óbito de um dos ocupantes e perda do motor de popa. Quanto ao
naufrágio, surpreendidos por uma onda de cerca de 3 a 4 metros, que atingiu
o bote pela popa, fortuito, e quanto aos fatos da navegação, condutor não
habilitado e falta de coletes salva-vidas para dois dos três ocupantes.
Imperícia e imprudência. Atenuante e agravante. Medida preventiva e de
segurança. Infração ao RLESTA. Condenação.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


Consta que cerca das 17h30min, do dia 31 de dezembro de 2015, ocorreu o
naufrágio de um bote sem nome (não inscrito, casco de madeira, com aproximadamente
5,0m de comprimento, motor de popa de 25 HP, que foi perdido no acidente), conduzido
por seu proprietário Vagner Ferreira da Silva, não habilitado, resultando em danos
materiais e no óbito de Oledino Matias, nas proximidades da praia de Barra Seca,
Urussuquara, São Mateus, ES, mas em registro de danos ambientais.
No Inquérito instaurado pela Capitania dos Portos do Espírito Santo, foram
ouvidas apenas duas testemunhas.
No Laudo de Exame Pericial, fls. 10 a 13, elaborado no dia 7 de janeiro de
2016, com fotografias do bote, fls. 14 a 16, consta que a embarcação se encontrava em
condições operacionais satisfatórias.
Os Peritos apresentaram a seguinte sequência de acontecimentos: no dia 31
de dezembro de 2015, cerca das 8h, o condutor Vagner Ferreira da Silva saiu com o Sr.
Olendino para lançar uma rede de pesca, na praia de Barra Seca, Urussuquara; lançaram a
rede a cerca de 800 metros da praia e retornaram cerca das 10h. O Sr. Olendino,
observando a necessidade de mais um ajudante, convidou o Sr. Elvitor Ferreira de Souza
para acompanhá-los. Saíram cerca das 13h30min e chegaram cerca das 15h30min ao
local onde a rede estava lançada e começaram à recolhê-la, o que durou cerca de duas
horas. Após o término da tarefa, iniciaram o retorno à praia. Estando a cerca de 200
metros da praia foram surpreendidos por uma onda com aproximadamente 4 (quatro)
metros de altura, que atingiu a embarcação pela popa, o que fez com que a mesma
naufragasse. Diante desta situação, os tripulantes abandonaram a embarcação e
começaram a nadar em direção à praia. Em um determinado momento, o condutor ouviu
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o Sr. Olendino pedindo socorro, pois não estava conseguindo mais nadar, aparentando
estar em pânico e pedindo que não o deixassem para trás. O condutor pediu ao seu tio, Sr.
Elvitor, que estava de colete, para socorrê-lo, e continuou nadando em direção à terra. A
cerca de 15 (quinze) metros de distância da praia, já sem forças, foi socorrido pelos
pescadores conhecidos como “Naldinho” e “Escurinho”; o condutor solicitou aos
mesmos que socorressem o Sr. Elvitor que tentava de todas as maneiras ajudar o Sr.
Olendino. O Sr. “Naldinho” juntamente com o “Escurinho” fizeram-se ao mar na
tentativa de socorrê-los, mas, quando se aproximaram, notaram que o Sr. Olendino já
havia desaparecido e então ajudaram somente o Sr. Elvitor. O condutor solicitou aos
familiares, que ali estavam, que fizessem contato telefônico com os órgãos públicos:
Marinha do Brasil, Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros, o que foi feito. Após contato
realizado, o condutor e os que ali estavam foram para suas residências e só ficaram
sabendo no dia seguinte que o corpo do Sr. Olendino teria sido encontrado na praia de
Barra Seca, Linhares, ES, pela Polícia Militar.
Os Peritos consideraram que os fatores material e operacional contribuíram,
pois, a embarcação não dispunha da andaina completa de salvatagem, mas de apenas um
colete salva-vidas e estava navegando em condições adversas de mar, com ondas de 3 a 4
metros; e concluíram que a causa determinante do naufrágio foi navegar em condições
adversas de mar.
Como resultado houve a perda do motor de 25 HP e o óbito de Olendino, mas
não há registro de poluição ao meio ambiente. O condutor não era habilitado e a
embarcação, com motor de 25 HP, não era inscrita na Capitania. O tempo era bom e com
boa visibilidade, porém o vento era forte e mar com ondas elevadas de 3 a 4 metros;
houve embarque de água pela popa e perda de flutuabilidade da embarcação, todos os
ocupantes se fizeram ao mar, mas apenas um utilizava colete salva-vidas, o qual tentou
auxiliar o Sr. Olendino, não obtendo êxito, o que resultou no seu desaparecimento e
posterior constatação de afogamento. A embarcação foi recuperada, mas houve o
desaparecimento do motor de 25 HP.
As testemunhas apresentaram os fatos como constam no Laudo de Exame
Pericial.
O Encarregado do IAFN, fls. 43 a 48, depois de resumir o Laudo de Exame
Pericial e os depoimentos, acompanhando os Peritos, considerou que os fatores material e
operacional contribuíram, pois a embarcação só dispunha de um colete salva-vidas e
navegava em condições adversas de mar, apontando como possível responsável o
condutor da embarcação, Vagner Ferreira da Silva, por imperícia e imprudência.
O Indiciado apresentou Defesa Prévia, fl. 52, não negando os fatos e
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confirmando seu depoimento.
A D. Procuradoria, fls. 60 e 61, em uniformidade de entendimento com o
Encarregado do IAFN, depois de resumir os principais fatos apurados nos autos,
representou em face de Vagner Ferreira da Silva, na qualidade de condutor não habilitado
da embarcação sem nome, com fulcro no art. 15, letras “a” e “e”, da Lei nº 2.180/54,
fundamentando.
Alegou, em síntese, que o naufrágio decorreu das condições climáticas, no
entanto diante da ausência da andaina completa de material de salvatagem (apenas um
colete salva-vidas a bordo) considerou que o Representado foi imprudente ao se lançar ao
mar nesta condição, além disso, assumiu o risco por conduzir embarcação sem ser
habilitado, ensejando as condutas tipificadas no art. 15, letras “a” (deficiência de
equipagem) e “e” (exposição a risco), requerendo a sua condenação.
Citado, o Representado que não consta do rol de culpados neste E. Tribunal
apresentou Defesa, fls. 73 a 77, por I. Advogado regularmente constituído, fl. 78, com as
teses de “força maior” e de ausência de dolo.
Alegou, em síntese que o Representado, embora não habilitado, tinha o
costume de navegar e nunca se envolveu em qualquer acidente, assim como não quis
causar o acidente, ou mesmo assumir o risco deste ocorrer, que o naufrágio se deu por
uma onda que “inesperadamente atingiu a popa do barco levando o mesmo a naufragar”,
ou seja, mudança no estado do mar.
Alegou que, embora a embarcação não estivesse com seu material de
salvatagem completo, pois faltava um colete salva-vidas, é costume dos barcos de pesca
no Brasil adentrarem ao mar desprovidos dos equipamentos; pois são pessoas
trabalhadoras que dependem desse serviço para levar alimento para as mesas de suas
famílias, muitas vezes não dispondo do dinheiro para comprar todo o equipamento
necessário, mas contam com a experiência rotineira para lidarem com o mar.
Alegou que não houve dolo, mas admitiu a culpa por não ter tomado
determinadas precauções, mas também ressaltou que o Representado é primário, com
bons antecedentes, se encontra desempregado, pai de família, com dois filhos e esposa,
que perdeu seu barco, única fonte de sustento e ressaltou as atenuantes para o caso.
Alegou, também, que a morte de seu amigo Olendino, que lhe era muito
próximo e que sempre pescavam juntos já foi uma pena antecipada; que, por ocasião do
acidente, tudo fez ao seu alcance para evitar o resultado e salvar o Olendino, mas sem
êxito; e que comunicou imediatamente às autoridades o acidente em pauta, conforme
consta dos autos, de modo que não incorreu em dolo, devendo ser absolvido, sem
aplicação de qualquer pena.
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Entretanto, caso entendimento diverso deste E. Tribunal, ressaltou as várias
atenuantes, art. 139, inciso IV, letras “a” e “d” (procurado por espontânea vontade
minorar as consequências e confessado espontaneamente a autoria do fato), além das
circunstâncias do acidente e da situação econômica do Representado, com falta de
recursos para arcar com multa sem incidir na sua manutenção e de sua família.
Finalizou requerendo a absolvição do Representado, que não incorreu em
dolo, ou, em caso de condenação, que as penas de multa e suspensão sejam substituídas
pela de repreensão, a luz do art. 128 da Lei nº 2.180/54, não lhe aplicando pena de multa,
pois incidiria nos recursos indispensáveis para a sua subsistência, ou, ainda, a aplicação
no seu mínimo possível, considerando as atenuantes do caso.
Juntou cópia de sua CTPS com o último registro de emprego de maio a junho
de 2009, fls. 79 a 81.
Aberta a Instrução, fl. 84 (publicado no e-DTM nº 23, de 15/03/18), a PEM
nada requereu, fl. 85 verso, e o Representado, em Provas, fl. 86 (publicado no e-DTM nº
44, de 18/04/18), não se manifestou, conforme Certidão de fl. 88.
Encerrada a Instrução, fl. 88 (publicado no e-DTM nº 66, de 29/05/18), a
PEM reiterou os termos de sua inicial, fl. 89 verso, e o Representado, em Alegações
Finais, fl. 90 (publicado no e-DTM nº 90, de 16/07/18), reiterou os termos de sua Defesa,
fls. 94 a 98.
É o Relatório.
Decide-se:
De tudo o que consta dos presentes autos, temos que a D. Procuradoria
representou em face Vagner Ferreira da Silva, na qualidade de condutor não habilitado da
embarcação sem nome, com fulcro no art. 15, letras “a” e “e”, da Lei nº 2.180/54,
fundamentando.
O Representado não foi acusado do naufrágio, pois a PEM entendeu que este
se deu em virtude das condições de mar, mas o responsabilizou pelos fatos da navegação
tipificados no art. 15, letras “a” (deficiência de equipagem) e “e” (exposição a risco),
requerendo a sua condenação.
O Representado que não consta do rol de culpados neste E. Tribunal
apresentou Defesa por I. Advogado regularmente constituído, com as teses de “força
maior” e de ausência de dolo, ressaltando seus bons antecedentes, as atenuantes e
alegando que este não teria condições de arcar com a pena de multa, requerendo a sua
absolvição, ou, em caso de condenação a não aplicação da pena de multa, ou ainda a
aplicação no seu mínimo possível, considerando as atenuantes do caso.
Não podem ser aceitas as teses de Defesa para a sua absolvição, como consta
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em seu pedido principal.
Das Provas dos autos temos um Laudo de Exame Pericial e dois depoimentos
que descrevem os fatos como constam na exordial da PEM.
O próprio Representado em seu depoimento, em sua Defesa Prévia e na sua
Defesa não nega os fatos, o que deve ser considerado a seu favor na aplicação da pena,
art. 139, inciso IV, letra “d”, mas da sua infração resultou no óbito de uma pessoa,
agravante prevista no art. 135, inciso II.
Como consta, a PEM não representou com fulcro no art. 14, letra “a” e o
Representado não se defendeu do que lhe foi imputado, devendo ser acolhidos os termos
da Representação para a sua condenação.
Do que consta, a embarcação foi recuperada, fotos fls. 14 a 16, mas sem o seu
motor de popa que teria sido perdido no naufrágio; por ocasião do naufrágio havia apenas
um colete salva-vidas, que estava com o tio do Representado, Elvitor, para três pessoas a
bordo e todos a bordo não eram habilitados, o que a PEM entendeu como fator
contribuinte a deficiência de equipagem.
O Representado em sua Defesa apresentou a CTPS com seu último emprego
em 2009 e o acidente se deu em 2015, portanto há muito tempo não possuía “emprego”, e
não juntou declaração de pobreza ou requereu gratuidade de justiça, apenas alegou
dificuldade econômica do Representado.
Por todo o exposto, com base no conjunto probatório dos autos, devem ser
acolhidos os termos da Representação para responsabilizar o Representado, pelos fatos da
navegação tipificados no art. 15, letra “a” (deficiência de equipagem), e letra “e”
(exposição a risco), mas, também, em parte, os argumentos da sua Defesa, com as
atenuantes apresentadas, previstas no art. 139, inciso IV, letras “a” e “d”, e, ainda, a
agravante prevista no art. 135, inciso II, morte de pessoa, todos os artigos da Lei nº
2.180/54.
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do acidente e do fato da navegação: naufrágio de um bote de madeira
sem nome, não inscrito na Capitania, resultando no óbito de um dos seus ocupantes,
Olendino Matias, e perda do motor de popa, de 25 HP, mas sem registro de danos
ambientais; b) quanto às causas determinantes: quanto ao naufrágio, surpreendido por
uma onda de cerca de 3 a 4 metros, que atingiu o bote pela popa, fortuito, e quanto aos
fatos da navegação, condutor não habilitado e falta de coletes salva-vidas para dois dos
três ocupantes; c) decisão: julgar os fatos da navegação, tipificados no art. 15, letra “a”
(mau aparelhamento e deficiência de equipagem), e letra “e” (exposição a risco), da Lei
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(Continuação do Relatório referente ao Processo nº 30.762/2016...........................)
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nº 2.180/54, como decorrentes de imperícia e imprudência do Representado, Vagner
Ferreira da Silva, condutor e proprietário do bote, acolhendo os termos da Representação
da D. Procuradoria Especial da Marinha e, considerando as circunstâncias, consequências
e atenuantes, acolhendo em parte a sua Defesa, e a agravante “morte de pessoa”, com
fulcro nos artigos 121, incisos I e VII, 124, inciso VIII, 127, 135, inciso II, e 139, inciso
IV, letras “a” e “d”, todos os artigos da Lei nº 2.180/54, aplicar-lhe a pena de multa de R$
400,00 (quatrocentos reais), cumulativamente com a pena de repreensão. Custas
processuais na forma da lei; e d) medidas preventivas e de segurança: com fulcro no art.
21, da Lei nº 2.180/54, enviar cópia do Acórdão ao D. Ministério Público do Estado do
Espírito Santo, e, com fulcro no parágrafo único, do art. 33, da LESTA, Lei nº 9.537/97,
oficiar ao agente da Autoridade Marítima, Capitania dos Portos do Espírito Santo, para as
sanções aplicáveis, a infração ao RLESTA, Decreto nº 2.596/98, cometida pelo
proprietário da embarcação sem nome, Vagner Ferreira da Silva: art. 16, inciso I (deixar
de inscrever a embarcação na Capitania).
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 04 de junho de 2019.

FERNANDO ALVES LADEIRAS


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.

Rio de Janeiro, RJ, em 13 de setembro de 2019.

WILSON PEREIRA DE LIMA FILHO


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Capitão-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

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DA MARINHA
Dados: 2019.10.02 10:49:42 -03'00'

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