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Democraciadecooptacaoeoapassivamentodacl - M. Iasi PDF
Democraciadecooptacaoeoapassivamentodacl - M. Iasi PDF
Mauro Luis Iasi1
“O Nada de qualquer coisa é uma nada determinado”
Hegel (Grande Lógica)
1
Mauro Luis Iasi é professor Adjunto da ESS da UFRJ, coordenador do NEPEM (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Marxistas), do Núcleo de Educação popular 13 de Maio e do CC do PCB. Autor de O Dilema de Hamlet, o
ser e o não ser da consciência (Boitempo/Viramundo, 2002), Ensaios sobre consciência e emancipação (Expressão
Popular, 2007), Metamorfososes da Consciência de Classe (Expressão Popular, 2006), entre outros.
Por aqui as coisas são mais prosaicas. O capital alcança taxas de acumulação
inimagináveis (a Petrobrás lucrou R$ 35.189 bilhões em 2010, com elevação de 17% ante o
ano anterior; o Bradesco obteve um lucro líquido de R$ 10 bilhões em 2010, resultado 25, 1%
maior que o registrado em 2009, a Vale triplicou seu lucro chegando a 30,1 bilhões no mesmo
ano) que refletem uma intensificação brutal da taxa de exploração acompanhada dos ajustes
necessários à boa saúde das relações capitalistas, flexibilizando direitos e impondo perdas
históricas aos trabalhadores. No entanto, diante de tal massacre, estamos no ponto mais agudo
de uma defensiva da classe trabalhadora que parece respaldar os rumos da ordem capitalista,
anestesiada, apassivada. Nada!
A mesma classe trabalhadora que entre o final da década de 1970 e boa parte dos
anos 1990 equilibrou a correlação de forças e impôs patamares de resistência à acumulação de
capitais, garantiu direitos e os inscreveu na ordem constitucional consagrada em 1988, parece
assistir passiva ao desmonte destas garantias e direitos, emprestando, ainda que de forma não
ativa, seu respaldo à atual forma de acumulação que se implantou no início do século XXI. A
mesma classe que resistiu ao desmonte do Estado e das Políticas Públicas, aliase aos seus
antigos adversários para desarmar a classe trabalhadora diante da disputa do fundo público
agora colocado a serviço da acumulação privada, em nome de um mito revivido: o
desenvolvimento.
O principal trunfo do setor político que se mantêm no poder é o controle e o
apassivamento da classe trabalhadora. O senhor Michel Temer, então candidato à vice
presidente na chapa de Dilma Rousseff, acalmando uma platéia de investidores estrangeiros,
declarou que o pais estava pronto para receber investimentos, uma vez se trata de um pais
“internamente pacificado”, no qual se “os movimentos sociais não estivesses pacificados, se os
setores políticos não estivessem pacificados (...) se aqueles mais pobres não estivessem
pacificados (...) isto geraria uma insegurança” (Folha de São Paulo, 27 de agosto de 2010,
caderno A, p. 8).
Evidente que esse juízo geral não pode esconder a saudável e honrada resistência de
vários setores da classe que se negam ao amoldamento, assim como as formas não explícitas
de resistência, como por exemplo a apatia e a forma pouco séria com que os trabalhadores,
com razão e prudência, tratam as coisas da pequena política. No entanto, devemos analisar
aqui o sentido geral que marca o período e esse parece ser o do apassivamento.
Como já nos dizia Hegel em sua Grande Lógica, “todo Nada é um nada determinado”,
portanto, o que se nos impõe neste momento é perguntar sobre as determinações deste “nada”.
A critica à estratégia Democrática Nacional: o imperialismo e a luta de classes
Ora, esta não é em absoluto a posição de Lênin sobre o imperialismo, mas a de
Kautsky. Seguindo o raciocínio kautskiano a formulação da “etapa democrático burguesa” faz
sentido. O interesse do imperialismo, que aqui se transforma em uma “tendência”, em um opção
política, é de anexar áreas agrárias em busca de suas matérias primas e de mercado para seus
produtos. Nesse ponto coincide com os interesses dos setores oligárquicos ligados à produção
de produtos primários e daí a aliança sugerida que garantiria o poder oligárquico, mas impediria
o desenvolvimento de relações propriamente capitalistas nestas formações sociais e, assim,
ferindo os interesses de uma burguesia nacional.
No entanto, a definição de Lênin é outra. Para ele “o imperialismo é o capitalismo em
sua fase de desenvolvimento na qual toma corpo a dominação dos monopólios e do capital
financeiro, na qual adquire especial importância a exportação de capitais” (Lênin, 1976: 460).
Diante da precisão do conceito de Lênin, a definição de Kautsky, nas palavras do líder
bolchevique, “não serve absolutamente para nada”.
O ponto mais problemático não é exatamente a ênfase à tendência a anexação, de fato
uma tendência verificável, quando mais se considerarmos o início do século XX, momento em
que Kautsky escreve. O ponto que Lênin destaca, curiosamente é outro. Diz Lênin: “a
particularidade do imperialismo não é o capital industrial, mas sim o financeiro”(idem: 462).
Esta abordagem permite ao marxista russo relacionar o rápido crescimento do capital financeiro
com uma intensificação da política anexacionista no final do século XIX. Lembremos que para
Lênin, seguindo a definição de Hilferding, capital finaceiro não é o mesmo que capital bancário,
mas a fusão do capital industrial com o capital bancário, formando o traço essencial da etapa
imperialista: o capital financeiro.
Como sabemos o imperialismo, assim entendido, é a expressão do capitalismo
monopolista plenamente desenvolvido. O auge da livre concorrência, por volta das décadas de
1860 e 1870, coincide com a formação, ainda embrionária dos monopólios, na crise 1873 e
seus desdobramantos posteriores eles se tornam mais sólidos, mas é apenas no inicio do século
XX com a crise de 1900 a 1903 que os monopólios se consolidam e se tornam “a base de
toda a vida econômica” e o “capitalismo se transforma em imperialismo” (idem: 389).
O que nos chama a atenção é que, partindo da definição de Kautsky, o imperialismo se
apresenta como um fator de entrave ao desenvolvimento das relações capitalistas nas áreas em
que se impõe; ao passo que compreendendo o fenômeno a partir da definição de Lênin, o
imperialismo se torna um fator de generalização das relações capitalistas. Por este ângulo
alterase substancialmente o caráter da revolução. Para Kautsky tratase da revolução
nacional, para Lênin da antesala da revolução socialista.
O que caracterizava o “velho capitalismo”, continua Lênin, o capitalismo própria da
livre concorrência, era a exportação de mercadorias, enquanto o que “caracteriza o capitalismo
moderno, no qual impera os monopólios, é a exportação de capitais. Talvez nem mesmo Lênin
tenha tirado todas as conclusões possíveis desta afirmação. A exportações de capitais revela
uma determinação mais profunda que é aquilo que Marx denominou de “queda tendencial da
taxa de lucro” (Marx, s/d, livro III, vol. 4: 242) e, mais precisamente, uma das contratendências
para enfrentála. Em poucas palavras os fatores que atuam no sentido de frear a queda na taxa
de lucro, causada em última instância pela alteração contínua da composição orgânica do
capital em favor do capital constante, são a) o aumento da exploração do trabalho; b) a
redução dos salários; c) o barateamento dos elementos do capital constante; d) a formação de
uma “superpopulação relativa”; e) ampliação do mercado externo; f) e aquilo que Marx
denominou do aumento do capital em ações e que aprofundou no livro seguinte como formação
do capital portador de juros.
Aqui nos interessa dois aspectos: primeiro que com os elementos que Marx dispunha a
ampliação dos mercados era vista pelo ângulo do controle de fontes de matérias primas e
espaço de realização dos produtos, ao passo que Lênin pode ver agora este movimento como
a partilha de áreas de influência para onde exportar capitais (ou seja, não apenas dinheiro, mas
inclusive processos produtivos inteiros); segundo que a base das contratendências à queda da
taxa de lucro se fundamentam na intensificação da exploração, no rebaixamento dos salários e
na superpopulação relativa. Esse segundo aspecto nos leva diretamente à nossa questão: a
intensificação da exploração não levaria ao acirramento da luta de classes?
Essa questão tem que ser respondida levando em conta os dois aspectos indicados, isto
é, a exportação de capitais e a conseqüente partilha do mundo, e a intensificação da exploração
dos trabalhadores. O primeiro aspecto permite ao capitalismo monopolista e imperialista
intensificar a exploração nas áreas de expansão, ao mesmo tempo que negocia os termos de
convivência com o proletariado no centro do sistema levando àquilo que Lênin denominou de
uma “aristocracia operária”. Diz o revolucionário russo no prólogo à edição francesa de sua
obra sobre o tema:
É evidente que os gigantescos superlucros (já que se obtêm sobre os
lucros que os capitalistas extraem de seus operários em seu próprio país)
permite corromper os dirigentes operários e a camada superior da
aristocracia operária. Os capitalistas dos países “adiantados” os
corrompem, e o fazem de mil maneiras, diretas e indiretas, abertas e
ocultas (Lênin, 1976: 379).
Uma leitura desatenta nos levaria a acreditar que se trata de um problema moral, ou
seja, de uma corrupção direta pela compra das lideranças ou o oferecimento de benesses, mas
logo adiante o autor oferece outros elementos que nos parecem pistas importantes. Na
seqüência Lênin caracteriza este setor como formado por “operários aburguesados”,
inteiramente “pequenos burgueses por seu gênero de vida, por seus vencimentos e por toda sua
concepção de mundo” (Lênin, idem, ibidem) de maneira que na luta de classes acabam por se
colocar ao lado da burguesia através de toda manifestação de reformismo e chovinismo.
Por esse ângulo a estratégia Democrática Nacional pode e deve ser criticada por um
aspecto por vezes secundarizado. Tal estratégica se fundamento numa falácia: o crescimento do
capitalista que rompe com seus entraves não capitalistas (sejam ou não identificados com
resquícios feudais, formas oligárquicas ou imposição “imperialista”) levaria ao desenvolvimento
de um “capitalismo autônomo” que interessaria tanto à burguesia “nacional” como ao
proletariado. No que cabe ao proletariado parece indicar que o desenvolvimento das relações
capitalistas levaria ao crescimento do proletariado que diante das contradições do sistema se
colocaria em luta por seus objetivos históricos socialistas. Aí se encontra a falácia, o
crescimento das relações capitalistas vem acompanhado dos meios políticos próprios do
capitalismo desenvolvido, seja na sofisticação de seu Estado seja através dos meios, diretos e
indiretos, de amoldamento da classe trabalhadora à ordem do capital, levando ao
“aburguesamento” descrito por Lênin ou ao “transformismo” nas palavras de Gramsci.
A estratégia democrática nacional encontrará seu ponto crítico na própria dinâmica da
luta de classes, no golpe de 1964. As classes e setores de classe não se posicionaram como
imaginavam as formulações idealmente impostas em detrimento da análise dor real. A burguesia
brasileira se aliou ao latifúndio e ao imperialismo contra o proletariado, naquilo que Florestan
Fernandes chamou de uma “contrarevolução preventiva”.
Os germes da concepção democrático popular
Em suma, embora a burguesia brasileira, ou antes, alguns de seus
representantes possam individualmente entrar em conflito com a poderosa
concorrência de empreendimentos estrangeiros, e esse conflito se traduza
eventualmente em ressentimentos contra o capital estrangeiro, não se
verificam na situação brasileira circunstâncias capazes de darem a tais
conflitos um conteúdo de oposição radical e bem caracterizada, e muito
menos de natureza política. A “burguesia nacional”, tal como é
ordinariamente conceituada, isto é, como força essencialmente
antiimperialista e por isso progressista, não tem realidade no Brasil, e não
passa de mais um destes mitos criados para justificar teorias
preconcebidas; quando não pior, ou seja, para trazer, com fins políticos
imediatistas, a um correlato e igualmente mítico “capitalismo
progressista”, o apoio das forças políticas populares e de esquerda (idem,
ibidem).
Além da correção da análise e da antecipação dos equívocos hoje em voga daqueles
setores que ainda se abraçam ao mito de um “capitalismo progressista” ou um
“desenvolvimento de caráter social”, o fundamento da elaboração alerta para o desdobramento
político de tal concepção, ou seja, a aliança de classes com a suposta “burguesia nacional”.
Neste ponto, coerente com os pressupostos que assume, o autor sentese obrigado a
definir um desenho do programa da revolução brasileira que se contraponha à formulação
democráticanacional. Não se trata apenas de afirmála como socialista, ainda que, destaca o
autor, “é claro que, para um marxista, é no socialismo que irá desembocar afinal a revolução
brasileira”, mas isso seria uma “previsão histórica sem data marcada nem ritmo de realização
prefixado” e, acrescenta, “sem programa predeterminado” (idem: 16). Essa prudência se
explica por dois motivos, um de natureza metodológica, ou seja, não impor modelos
preconcebidos aos fatos e à dinâmica real e histórica da luta de classes em uma determinada
formação social dada, outro um pouco mais complexo e problemático.
Caio Prado Jr. acreditava que a implantação do socialismo no Brasil na situação
histórica em que se encontrava era algo “irrealizável” por faltarem “condições mínimas de
consistência e estruturação econômica, social, política e mesmo simplesmente administrativa,
suficientes para a transformação daquele vulto e alcance” (idem: 165).
Vejam, após desconstruir a lógica etapista e a transposição de modelos como a
priores abstratos a serem impostos à realidade, depois de criticar impiedosamente a alternativa
democrática nacional e sua aliança com uma suposta burguesia nacional que levasse ao mito de
um “capitalismo progressista”, o autor cai em um aparente paradoxo: a revolução democrática
nacional tal como apresentada pelo PCB leva à conciliação de classes e a conseqüência derrota
dos trabalhadores (confirmada em 1964), mas a revolução socialista, entendida classicamente
como socialização dos meios de produção e formação de um Estado do Proletariado e seus
aliados, é irrealizável pelos motivos apontados. Isso o leva a uma solução que nos interessa
diretamente aqui.
Para o autor o mito do desenvolvimento capitalista como forma de enfrentar as
demandas reais que emergem das classes trabalhadoras se explica por uma associação entre
“desenvolvimento”, geração de lucros e daí recursos para enfrentar estas demandas. É esta
associação que será criticada. Segundo Caio Prado, se o lucro foi um fator extremamente
fecundo do desenvolvimento nos países centrais, ou seja, o lucro leva ao incremento do
mercado que faz crescer a demanda e daí um nova dinâmica de desenvolvimento, a inserção
real do Brasil no sistema imperialista e seus “vícios orgânicos” quebra esta relação. Os
monopólios alcançam sua lucratividade sem que precisem responder às demandas dos bens
que constituem o fundo de consumo do trabalho e suas demandas por condições de vida e
trabalho, pelo contrario, é o constante delapidar de tais condições que constituem as chamadas
“vantagens competitivas” para reproduzir a acumulação de capitais aqui nas condições do
capitalismo monopolista e imperialista mundial. Por isso conclui:
Qual, então, a solução? É o autor que nos responde:
Eis que surgem os germes de uma formulação que seria determinante no ciclo que se
abriria com a crise da Ditadura Militar e empresarial inaugurada em 1964. Uma transformação
social que tenha que se contrapor a um bloco conservador formado pelo latifúndio, pela
burguesia imperialista/monopolista e pela burguesia brasileira que a ela se associa
subordinadamente, que se sustente numa ampla aliança dos trabalhadores assalariados da
cidade e do campo (lembremos que para ele a luta pela terra não se propunha de forma
generalizada e “menos ainda em termos revolucionários” (idem: 139)), junto aos aliados
formados pelas massas urbanas que lutam por suas condições de vida, ou seja, um chamado
campo “popular”.
Para que se complete a formulação é necessário responder a uma questão essencial.
Como este bloco popular irá impor suas demandas que dirigiram o desenvolvimento em um
sentido “alem e acima da iniciativa privada”? A resposta é simples: através de uma correlação
de forças que lhes permita chegar e controlar o Estado. Os elementos essenciais estão assim
delineados: a negação da estratégia nacional democrática e sua aliança com a burguesia leva a
afirmação de um desenvolvimento que se sustente nas demandas da maioria da população,
ainda não socialista, mas não mais acreditando no mero desenvolvimento de um capitalismo
nacional e a lógica do lucro e da iniciativa privada como vetores de um desenvolvimento que
enfrente as demandas populares.
Há uma ausência importante na formulação de Caio Prado e se trata exatamente da
caracterização deste elemento essencial para o desfecho de uma estratégia popular: o Estado.
Será Florestan Fernandes que nos dará as pistas sobre este aspecto fundamental.
As reflexões que constituem o livro A Revolução Burguesa no Brasil foram produzidos
em momentos diferentes (entre 1966 e 1973) e copilados para a publicação, mas são, de certa
forma, contemporâneos aos estudos de Caio Prado, não no sentido de ter havido uma
profunda troca intelectual entre ambos, mas que partilham do mesmo momento e enfrentam os
mesmos dilemas, chegando, por caminhos distintos, a conclusões semelhantes.
Começando por questionar a propriedade de se falar de burguesia e revolução
burguesa no Brasil, Florestan afirma que se pode afirmar a existência de uma burguesia no
Brasil e de uma Revolução Burguesa desde que não façamos uma análise mecânica que
transporte estas categorias sem as mediações necessárias para nossa formação social e sua
história. Dito de outra forma:
a massa dos que se classificam dentro da ordem é pequena demais para fazer da
condição burguesa um elemento de estabilidade econômica, social e política,
enquanto que o volume dos que não se classificam ou que só se classificam
marginalmente e parcialmente é muito grande”(idem: 330).
Assim é que a forma do Estado só pode ser a de uma autocracia, nos termos que
define o autor:
Um poder que se impõe sem rebuços de cima para baixo, recorrendo a quaisquer
meios para prevalecer, erigindose a si mesmo em fonte de sua própria
legitimidade e convertendo, por fim, o Estado nacional e democrático em
instrumento puro e simples de uma ditadura de classe preventiva (idem: 297).
De certa forma, Fernandes afirma que ao garantir as condições da acumulação
capitalista, a autocracia, ao mesmo tempo, dinamiza suas contradições e tende a reapresentar a
questão da legitimação do poder burguês perante outros setores e classes que compõe a
sociedade brasileira. Neste ponto o autor abre duas possibilidades para aquilo que chama de
crise da autocracia burguesa, lembrando que escreve já nos momentos que antecedem a
chamada abertura política e o início da transição democrática. Um primeiro cenário seria uma
espécie de autoreforma da autocracia na direção de incorporar aqueles setores naquele
momento não diretamente envolvidos no restrito círculo do poder burguês; um segundo cenário,
dado o caráter estrutural das determinações que se encontram na base da autocracia burguesa,
seria a continuidade e o fortalecimento da autocracia burguesa no Brasil.
Antes de mais nada é preciso considerar que Fernandes não guarda nenhuma ilusão
quanto a possibilidade daquilo que chama de uma “revolução dentro da ordem”, neste caso
indicando uma autoreforma da autocracia. Para ele a burguesia havia perdido todo seu caráter
revolucionário. Estaríamos em suas palavras, entre duas revoluções, uma que vinha do passado
e chega neste momento sem maiores perspectivas (a revolução burguesa) e outra que “lança
raízes sobre a construção do futuro” (Fernandes, 1976: 295).
O fundamento desta descrença se encontra no fato já citado que para ele as
determinações estruturais criam um impasse. A massa daqueles que são colocados fora do
círculo do poder burguês apresentam demandas que se chocam com os interesses da
continuidade da acumulação de capitais, não por que sua natureza em si coloque estas
demandas fora da ordem do capital, não é o caso, mas pelo fato que o poder burguês aqui se
articula com a totalidade da acumulação do capital mundial e seu papel na lógica das
contratendências à queda da taxa de lucro é operar como áreas de superexploração que
sustentam o centro do sistema, assim como as classes dominantes locais, tornando tais
demandas uma ameaça a ordem.
Desta maneira Florestan Fernandes chega a uma categoria que nos parece
importantíssima para compreender o momento atual. Considerando que o possível de ser
ofertado como caminho que aplainasse o apassivamento dos trabalhadores em uma ordem
burguesa desta natureza, seria muito, muito pouco, Fernandes denomina este caminho de uma
“democracia de cooptação” (idem: 363). No contexto da crise da autocracia burguesa
reapareceria o velho dilema da revolução burguesa no Brasil e de como equacionar o problema
político da hegemonia burguesa, agora sob a necessidade de “entrelaçar os mecanismos de uma
democracia de cooptação com a organização e o funcionamento do Estado autocrático”(idem,
ibidem).
Para o autor, naquele momento de sua análise, este caminho seria pouco provável, uma
vez que “parece fora de dúvida que as classes burguesas mais conservadoras e reacionárias
considerarão exagerado o preço que terão que pagar à sobrevivência do capitalismo
dependente, através da democracia de cooptação”(idem: 365), concluindo que:
Até onde pudemos chegar, por via analítica e interpretativa, não padece
dúvida de que as contradições entre a aceleração do desenvolvimento
econômico e a contrarevolução preventiva só podem ser resolvidas,
“dentro da ordem”, não pela atenuação, mas pelo recrudecimento do
despostismo burguês” (idem, ibidem).
De fato, se considerarmos o desenvolvimento imediato dos fatos que seguiram à
publicação do livro A revolução burguesa no Brasil, a história parece ter dado razão à
Fernandes. Vivemos uma democratização tutelada, uma abertura sob controle na qual os
conteúdos mais próximos às demandas populares foram sempre adiados, assim como a
permanência indisfarçável de todo o aparato político e jurídico da ditadura como sustentáculo
do poder político burguês que se perpetuou. No entanto, a história guardaria, como veremos,
uma surpresa.
Sinteticamente podemos afirmar que a posição de Fernandes é que a Revolução
Burguesa se realizou no Brasil, não em sua forma clássica, portanto divorciada de seu caráter
nacional e de seus elementos democráticos, o que leva a determinação da forma do Estado
burguês como autocrático e sua revolução como, de fato, uma contrarevolução preventiva
permanente. Ora esta será a base sobre a qual se erguerá outra dimensão fundamental da
chamada estratégia democrática popular.
Uma vez que a ordem burguesa é impermeável às pressões dos setores radicalizados
da burguesia e às demandas das camadas populares e, assim como para Caio Prado ainda que
por outros motivos2, Florestan também acredita que uma revolução socialista seria naquele
momento impossível, a apresentação das demandas democráticas não realizadas pela burguesia
e que coincidissem com os interesses dos trabalhadores, levaria a um impasse cuja solução
apontaria para a ruptura socialista.
É nesta equação que nascerá a famosa formulação de Fernandes sobre a necessária
combinação de uma “revolução dentro da ordem” com uma “revolução fora da ordem”3. Ora
esta é, por assim dizer, a alma da formulação democrática popular.
O PT e a estratégia democrática popular
É bom dizer logo de início que o PT enquanto experiência histórica não nasceu da
adesão a uma leitura teórica, muito menos atribuir a responsabilidade pelos desvios presentes a
este ou aquele formulador ou intelectual. Como bons analistas que eram, tanto Caio Prado
como Florestan captaram elementos do devir, estavam inseridos em uma conjuntura histórica e
ao dar respostas às questões de seu tempo acabaram por indicar elementos que o
desenvolvimento histórico confirmaria como sendo determinantes no período que se abriu. O
PT como partido político e como parte integrante do movimento que a classe trabalhadora
empreendeu no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, expressa este mesmo cenário e se
tornará o protagonista da estratégia democrático popular e seu ocaso, assim como o PCB em
relação à estratégia democrática nacional.
A identidade do PT em seu início passava por uma clara diferenciação em relação ao
PCB, não apenas pela disputa própria do movimento sindical, mas pela necessidade de
2
Fernandes, que parte da afirmação do fim do ciclo histórico da revolução burguesa e que
estamos na era da revolução socialista, destaca a correlação de forças e o fato de que a superação da
autocracia burguesa exigia a constituição do proletariado enquanto um sujeito político, primeiro como
protagonista de um amplo movimento de caráter socialista e para tanto capaz de mobilizar os
trabalhadores e demais setores por demandas imediatas. Ver, por exemplo, Movimento Socialista e
Partidos Políticos (Fernandes, F. , Editora Hucitec: São Paulo, 1980)
3
É necessário notar aqui que, neste momento, o autor já se refere a dois momentos de uma revolução proletária
e não mais à característica própria da revolução burguesa discutida na obra que analisamos e o faz não na intenção de
reapresentar o etapismo, mas de uma revolução permanente.
afirmação que inaugurava um período diferente na história brasileira. É assim que em seu V
Encontro (1987) afirmara explicitamente que:
Nas condições do Brasil, um governo capaz de realizar as tarefas democráticas e
populares, de caráter antiimperialista, antilatifundiário e antimonopolista – tarefas
não efetivadas pela burguesia –, tem duplo significado: em primeiro lugar, é um
governo de forças sociais em choque com o capitalismo e a ordem burguesa,
portanto um governo hegemonizado pelo proletariado, e que só poderá
viabilizarse com uma ruptura revolucionária; em segundo lugar, a realização das
tarefas a que se propõe exige a adoção concomitantemente de medidas de
caráter socialista em setores essenciais da economia e com o enfraquecimento da
resistência capitalista. Por essas condições, um governo dessa natureza não
representa a formulação de uma nova teoria das etapas, imaginando uma etapa
democráticopopular, e, o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores,
na possibilidade de uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática popular
(V Encontro... op. cit: 322).
Como se vê, neste momento, a estratégia democrático popular é mais uma afirmação
de independência do que caminho para a conciliação de classe. No mesmo encontro, a
estratégia propriamente dita se delineia de forma ainda mais clara.
A radicalidade com se apresentava tal proposição vinha combinada com um esforço de
introduzir esta “ruptura” em um longo processo de acúmulo de forças, diferenciando as
atividades destinadas à tomada do poder, propriamente dito, daquelas que preparam as
condições para isso, diferença na qual se insere a distinção de reforma e revolução, entendidas
pelos formuladores não como antagônicas. A luta por reformas só seria um erro quando
“acabam em si mesma”, ressaltando que “quando ela serve para demonstrar às grandes massas
do povo que a consolidação, mesmo das reformas conquistadas, só é possível quando os
trabalhadores estabelecem seu próprio poder”, então a luta por reformas se combinaria com os
processos de transformação social (idem: 313).
O que parece ficar evidente é que este momento inicial da formulação democrática
popular parte de uma pressuposto semelhante ao que foi expresso por Florestan, isto é, a
suposta impermeabilidade da burguesia brasileira e de seu Estado diante das demandas
populares (matéria prima da luta por reformas), ou como as formulações e o próprio sociólogo
brasileiro afirmarão, as chamadas “tarefas democráticas em atraso”, ou “tarefas não efetivadas
pela burguesia”. Desta maneira podemos supor que o essencial à formulação em questão é que
a apresentação de tais demandas pelos trabalhadores e a resistência do poder burguês em
incorporálas, seriam o momento dentro da ordem que prepararia a possibilidade da ruptura,
na verdade a legitimaria perante a maioria da população.
Ainda que esta formulação tenha cumprido um papel importante na dinâmica da luta de
classes e tenha significado um poderoso instrumento de mobilização, luta e organização dos
trabalhadores que refletiu em patamares significativos na constituição de uma consciência de
classe (aliás, o mesmo pode ser dito da estratégia democráticonacional); seu desfecho
produziu algo muito distinto daquilo que se esperava.
Não é o caso de apontar todo o processo pelo qual esta metamorfose se processou 4,
mas apenas indicar o fato de que nesta transformação a principal vitima foi a independência de
classe. Pensada inicialmente como um longo processo de acúmulo de forças que combinaria um
braço de ação junto aos movimentos sociais e sindicais, ligados às lutas da classe trabalhadora
e outro que refletiria este crescimento de lutas através de patamares institucionais (sindicatos,
organizações da sociedade civil e espaços institucionais conquistados via eleitoral nas
administrações e parlamentos), processo este que deveria culminar na conquista do governo
federal para que se desencadeasse reformas de caráter “antiimperialista, antilatifundiário e
antimonopolista”; esta propsta sofreria uma inflexão significativa entre o VI e VII Encontros
Nacionais do PT.
De forma sucinta podemos afirmar que três processos se combinaram nesta inflexão.
Primeiro que a dinâmica da luta de classes se acentuou no governo Sarney levando à
possibilidade concreta de que uma vitória eleitoral ocorrer mais cedo do que se previa (de fato
já um ano depois, em 1988, esta proposta se colocou). No entanto, paradoxalmente,
exatamente neste momento outros dois fatores interviriam para minar as bases daquele amplo
movimento de caráter socialista que deveria ser a sustentação de um suposto governo
democrático e popular que realizaria as reformas propostas.
A reestruturação produtiva implantada entre o final dos anos 1980 e durante a década
de 1990, quebraria a força do movimento operário independente em sua própria base, ao
mesmo tempo em que a crise nas experiências de transição socialista em curso, notadamente a
URSS, entravam em rápido colapso. Estes vetores se combinam para gerar um resultado
inesperado: a possibilidade de chegar ao governo federal, mas sem a correlação de forças que
permitiria a implantação das reformas democráticas e populares.
A solução encontrada, ainda dentro do campo de uma estratégia democrática e
4
Para tanto ver As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento (Iasi,
Expressão Popular: São Paulo, 2006)
popular, é que seria possível e desejável seguir o acúmulo de forças agora dentro deste espaço
institucional estratégico, assim como já se supunha se realiza nos espaços institucionais menores
conquistados nesse processo (administrações municipais, mandatos parlamentares, máquinas
sindicais, etc.).
Vejam que há um raciocino estranho aqui. Não se poderia pensar em uma ruptura
socialista por conta de uma certa correlação de forças insuficiente acompanhada de uma
consciência de classe igualmente insuficiente. Por isso as reformas democráticas e populares.
Agora se trata de uma correlação de forças ainda mais precária que impede até mesmo estas
reformas, fazendo com que o programa tenda a um horizonte apenas “democrático”.
No entanto, não se trata aqui de pura intencionalidade que se joga no vazio, mas de
uma luta de classes. Lembremos que isso tudo se dá no momento em que a burguesia sofre seu
próprio paradoxo expresso no dilema entre uma autoreforma nos termos de uma democracia
de cooptação ou um aprofundamento da autocracia, alternativa que neste momento se aplica e
que parece alimentar o processo de luta de classes e fortalece seu adversário.
A metamorfose, ou o transformismo se preferem, se dá no processo pelo qual acabam
por se chocar dois interesses que até então formavam uma unidade: os interesses da classe
trabalhadora retomando seu processo de luta com a crise da autocracia, e os interesses de uma
camada burocrática que se especializou na gestão dos espaços institucionais ocupados (partido,
sindicatos, espaços governativos ou parlamentares). Tal contradição se materializa na questão
das eleições presidenciais e nas sucessivas derrotas de Lula (em 1989, 1994 e 1998) o que
leva a um setor do PT a defender a tese segundo a qual seria necessário ampliar as alianças, o
que implicaria em uma moderação programática, para que fosse possível ganhar as eleições5.
A vitória eleitoral de 2002 que leva Lula à presidência consagra esta inflexão. O
encontro nacional que a antecede é esclarecedor do caminho inverso percorrido no sentido do
desmonte da independência de classe, em suas resoluções podemos ler:
5
Esta tese foi defendida já no VIII Encontro Nacional, mas foi suspensa com a vitória de uma coligação de
esquerda que dirigiria o PT neste período e retomada no X Encontro (1995) com a vitória de José Dirceu para a
presidência do partido.
Um novo contrato social, em defesa das mudanças estruturais para o país, exige o
apoio de amplas forças sociais que dêem suporte ao Estadonação. As mudanças
estruturais estão todas dirigidas a promover uma ampla inclusão social – portanto
distribuir renda, riqueza, poder e cultura. Os grandes rentistas e especuladores
serão atingidos diretamente pelas políticas distributivistas e, nestas condições, não
se beneficiarão do novo contrato social. Já os empresários produtivos de
qualquer porte estarão contemplados com a ampliação do mercado de consumo
de massas e com a desarticulação da lógica financeira e especulativa que
caracteriza o atual modelo econômico. Crescer a partir do mercado interno
significa dar previsibilidade para o capital produtivo (XII Encontro Nacional, 2001)
6
.
Eis que uma força política própria da classe trabalhadora passa ao campo moderado,
primeiro rumo ao centro do espectro político e depois com o desenvolvimento dos
compromissos de governabilidade, para uma aliança de centro direita. Este “transformismo de
grupos radicais inteiros, que passam para o campo moderado” (Gramsci, 2011: 317) não
restringe seu impacto ao próprio grupo ou à direção destes grupos, mas produz um efeito sobre
a classe de onde emergiram inicialmente. Como diz Gramsci:
Neste sentido (a absorção gradual mas contínua de adversários que pareciam
irreconciliáveis inimigos), a direção política se tornou um aspecto da função de
domínio, uma vez que a absorção das elites dos grupos inimigos leva à
decapitação destes e a sua aniquilação por um período frequentemente muito
longo (idem: 318).
Intencionalidades e luta de classe
Este é um processo político complexo que passa por questões éticas mas não se
6
Resoluções do 12.º Encontro Nacional (2001). Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, São Paulo,
2001, p. 38.
restringe a elas. Ainda que possam ter havido pequenas e grandes traições, e de fato houveram,
os protagonistas deste processo não necessariamente agem como “terratenentes da burguesia
no movimento operário”, na expressão de Lênin, de forma consciente. Eles podem seguir
acreditando que estão executando um momento tático de sua estratégia, acumulando forças até
que um dia retomem as condições para a mítica ruptura socialista, transformada em horizonte
que sempre se afasta quanto mais dele nos aproximamos. Não se trata de meras intenções, mas
de interesses de classe. A burguesia precisava resolver seus problemas de hegemonia e para
isso tinha que enfrentar uma contradição: dado o caráter estrutural da exploração na forma
como a acumulação de capitais poderia chegar no máximo a uma democracia de cooptação
diante da qual os trabalhadores se negariam a receber tão pouco e a burguesia se recusaria a
pagar um preço que consideraria muito alto.
O cenário se agrava na medida em que a burguesia precisa realizar isso no bojo de
ajustes que apontavam para o desmonte do Estado e das políticas públicas, a intensificação da
mercantização e das privatizações, uma interação mundial de mercados e fluxos financeiros que
solapam qualquer esforço de autonomia nacional, ou seja, era necessário retomar as bases de
um consentimento da classe trabalhadora, mas sem o retorno do Estado do Bemestar Social,
que na verdade aqui nunca existiu, mas que no contexto europeu foi o principal instrumento do
amoldamento do movimento operário e socialista.
O interesse expresso na trajetória recente do PT e de sua experiência no governo
federal em um governo de coalizão de classes, numa composição de centro direita, rendese ao
pragmatismo político: vencer, governar e se reeleger. O expresidente do PT, José Genoino,
parece indicar o campo deste pacto social e seu impacto sobre a questão do programa:
O programa de governo que a candidatura Lula levou às ruas em 2002 contém
eixos estratégicos para o Brasil. Um projeto estratégico, qualquer que seja, é
sempre a projeção ideal que um agente político – no caso o PT – formula em
relação à sua visão de futuro. Projeto político não pode ser entendido como
algo que necessariamente se realizará. Tratase apenas de um deverser, de
uma das possibilidades em relação ao futuro. Na medida em que existem vários
projetos interagindo e que a ação de execução de um projeto interage com a ação
de outros sujeitos, o resultado final da ação implementadora de um projeto nunca
será igual à intenção inicial do agente. O mesmo ocorre com programas de
governo. O que importa, na ação dos partidos, é que suas ações correspondam a
programas e projetos. Resultará daí algo mais ou menos aproximado da
formulação inicial, dependendo sempre da capacidade de execução, das
condicionantes da realidade, das circunstâncias e dos agentes interativos
(Genoino, 2003).
Notem que a resultante expressa no governo é produzida pelo concurso de “vários
projetos interagindo”, mas seria interessante perguntar quais. O PT apresentou às eleições
“seu” projeto, mas já vimos que ele já estava devidamente desfigurado por uma inflexão que o
retira de um campo fora da ordem para um campo que a aceita como limite que não pode ser
superado. Mas, vamos supor apenas para fins de exposição, que este representa os interesses
táticos dos trabalhadores. Com que outros projetos terá que interagir? Certamente não são
aqueles motivados pela intensa participação popular e da classe trabalhadora, uma vez que os
mecanismos de participação direta foram devidamente travados, quando não criminalizados.
Em se tratando de uma sociedade de classe, tratase dos interesses muito bem organizados
através dos loobies dos diferentes setores da burguesia monopolista e estes não precisam
moderar suas demandas para parecer aceitáveis ou serem compreendidos pela consciência
comum da maioria da população. A ingenuidade genuinamente apresentada pelo expresidente
do PT, exdeputado e exsocialista, chega ao ponto de considerar, na perspectiva dita
republicana que ele hoje assume, que a interação entre estes “projetos” é neutra,
desconsiderando, por exemplo, que parte destes projetos são acompanhados de vultuosas
contribuições de campanha ou bancadas inteiras que podem viabilizar ou inviabilizar a
sustentação de um governo.
Por fim, o pacto nos termos apresentados de uma democracia de cooptação, permite
disciplinar a luta de classes. Os pontos de “acordo”, o que resulta desta paciente e
habbermasiana ampliação das esferas de consenso, são “acidentalmente” os interesses
essenciais da acumulação de capital: garantir o crescimento econômico, realizar as reformas e o
ajuste do Estado, garantir a “sustentabilidade” e evitar as políticas “irresponsáveis” e
“demagógicas”, e finalmente, oferecer o fundo publico como alvo da valorização do capital
estrangulado por sua crise.
A condição política para que este “ajuste estrutural” ocorra é o desarmar da classe
trabalhadora, mas isso não pode ser conseguido pelos meios clássicos da social democracia,
pelo contrario, será a camada melhor remunerada do proletariado que terá que pagar pelo
ajuste. A forma encontrada é a viabilizada pelo pacto com a pequena burguesia política,
formada com base naquela burocracia descrita, que negocia em nome da classe para
implementar uma política contra seus verdadeiros interesses.
A base da democracia de cooptação é a focalização das ações sociais visando
amenizar a pobreza absoluta ao mesmo tempo que oferece condições para o crescimento
econômico e, portanto da acumulação privada, aumentando a pobreza relativa.
A democracia de cooptação, genialmente antecipada por Florestan, mas por ele
descartada como possibilidade, não veio da autoreforma da autocracia, mas, inesperadamente,
do desenvolvimento da estratégia democrática popular madura que desloca para o governo um
setor que emerge da classe trabalhadora e dela se afasta para negociar em seu nome o pacto
que acaba por resolver os problemas de hegemonia que faltava à consolidação do poder
burguês no Brasil. Querendo evitar os equívocos de um socialismo sem democracia, o PT
acaba por implementar o pesadelo de uma burocracia sem socialismo.
Assim como na social democracia européia (Przeworski, 1989), a estratégia
democrática popular que havia sido pensado como uma caminho alternativo para se chegar ao
socialismo, tornase mais um eficiente meio de evitálo.
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