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Ética deontológica de Kant

A Boa vontade

 É algo que tem valor intrínseco.


 É a única coisa que tem valor incondicional (ou seja, é boa em todas e quaisquer
condições ou circunstâncias).

 Todas as outras coisas valiosas, como a coragem, a inteligência e a felicidade, não


têm valor incondicional.
 Isto porque tais coisas podem ser usadas para o mal: uma pessoa pode usar a sua
inteligência e coragem para prejudicar e explorar os outros; a felicidade que resulta
de uma pessoa traiçoeira, que prejudica de forma propositada os outros, não é algo
realmente bom; só é boa apenas na medida em que temos uma boa vontade.
 Só a boa vontade não pode ser usada para o mal.

Importância das intenções e das máximas

 Se a boa vontade é bem último, na avaliação moral das ações a única coisa que
interessa são as intenções dos agentes e não as consequências.
 Isto porque a nossa vontade manifesta-se através das nossas intenções.
 Por sua vez, as nossas intenções expressam-se através de máximas (como p. e.
"devemos ser honestos").
 As máximas são regras ou princípios que nos indicam a intenção dos agentes.

O que é exatamente uma boa vontade?


 É a vontade do agente guiada exclusivamente pela sua intenção em cumprir o
dever por dever, e não movida por inclinações ou interesses
 Quem tem uma boa vontade faz aquilo que deve fazer, aquilo que é moralmente
correto, pelas razões corretas.

Kant esclarece essa ideia ao distinguir:


(1) Ações contrárias ao dever: são as ações que, em geral, desrespeitam
absolutamente o que é moralmente devido (matar, roubar, difamar, etc.)
(2) Ações meramente conformes ao dever: são ações que, embora estejam de
acordo com aquilo que devemos fazer, não são motivadas pelo sentido do dever, mas
sim por interesses ou inclinações (não difamar por receio das consequências, etc.)
(3) Ações realizadas por dever: são ações que cumprem o dever por puro e
simples respeito pelo dever – apenas para cumprir a obrigação moral (não difamar
porque não devo difamar, etc.)

Para Kant, só tem valor moral as ações realizadas por dever.


Mas, no que se baseiam as ações realizadas por dever?

 Na razão... Quando agimos por dever estamos a agir racionalmente.


 Ou seja, agir por dever implica fazer aquilo que é correto tendo como único motivo
ou intenção obedecer à lei moral que a razão impõe.
 Pelo contrário, quando agimos por outros motivos (inclinações) estamos a agir em
função de desejos não racionais. (Desejos esses que tiram todo o valor moral às
nossas ações).
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Toda a moral baseia-se num princípio racional fundamental.
E esse princípio é o imperativo categórico.

Mas, o que são imperativos? E como Kant os distingue?

Imperativos são ordens (Ex.: “Lê


o livro sobre a moral kantiana”)

Imperativos Hipotéticos Imperativos Categóricos


(Ex.: “Não copies no teste, se (Ex.: “Independentemente de tudo o
correres o risco de ser apanhado.” resto, ajuda os amigos em
necessidade.”

Relativos e Condicionais Absolutos e


Incondicionais

Só se aplicam na condição
(hipótese) de se ter Dá-nos uma obrigação moral
determinados desejos ou incondicional, não dependendo
inclinações. dos nossos desejos e
necessidades particulares.

Têm valor moral


Não têm valor moral

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Para Kant os imperativos categóricos são os nossos deveres absolutos. Mas,
como descobrimos qual é o nosso dever numa dada circunstância?

Formulações do imperativo categórico


Kant formula o imperativo categórico de diversas formas para determinar quais são os
nossos deveres.

(1) A fórmula da lei universal.


Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se
torne lei universal.

 A ideia é que devemos agir apenas de acordo com regras (máximas) que podemos
querer que todos os agentes adotem.
 Isto não consiste em ver se teria boas ou más consequências que todos agissem de
acordo com uma determinada regra (máxima).
 Consiste, antes, em mostrar se é ou não possível todos agirem segundo essa
regra (máxima).

Teste do imperativo categórico (da lei universal)


Questões:
(1) Que regra (máxima) estamos a seguir se realizarmos esta ação?
(2) Estamos dispostos a que essa regra (máxima) seja seguida por todos e em
todas as situações? Ou seja, é possível todos agirem segundo essa regra? E, caso isso
seja possível, podemos consistentemente querer que assim seja?

(2) A fórmula do fim em si.


Age de tal maneira que uses a tua humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa
de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio.

É sempre errado instrumentalizar as pessoas, ou seja, usá-las como simples meios


para atingir os nossos fins.

 As pessoas são seres racionais, e tratá-las como fim em si significa respeitar a sua
racionalidade.
 Assim, nunca poderemos manipular as pessoas, ou usá-las para alcançar os nossos
objetivos.
 Para respeitar as pessoas, devemos tratá-las como seres racionais e autónomos–
como fins em si.
 Existe uma violação da autonomia e racionalidade de uma pessoa quando, por
exemplo, obrigámo-la a fazer o que ela não quer.
 Segundo a fórmula do fim em si, não é errado tratar as pessoas como meios– é
errada tratá-las como simples meios (desrespeitando a autonomia e a racionalidade
das pessoas).

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Autonomia vs. Heteronomia

O Imperativo Categórico é a lei fundamental.


Mas quem é o legislador desta lei?

Para Kant, o Imperativo Categórico não é uma ordem externa que


tenhamos de cumprir (heteronomia).

Pelo contrário, o Imperativo Categórico é uma lei que a boa vontade


dá a si mesma (autonomia).

Assim, ao seguirmos o Imperativo Categórico temos autonomia da


vontade. Para Kant a verdadeira liberdade consiste nisso.

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Objeções à ética deontológica de Kant:

1. Regras morais absolutas?


O Imperativo Categórico implica que temos determinados deveres perfeitos com
caráter absoluto. Assim, por exemplo, nunca devemos mentir. Mas será isto plausível?

Imagina que um teu amigo está a fugir de um assassino e tu consegues escondê-lo


em tua casa. Porém, o assassino bate à tua porta e pergunta pelo teu amigo. Se tu
lhe disseres a verdade, o assassino descobrirá o teu amigo e matá-lo-á. Deves mentir
ou dizer a verdade?

Intuitivamente parece errado não mentir nesta situação; aqui a mentira parece ser
moralmente correta. Logo, a ideia de haver deveres absolutos parece implausível.

2. Conflito de deveres.
A ideia de que temos deveres perfeitos levanta um outro problema: e se estes
entrarem em conflito?

Dilema: José prometeu solenemente obedecer a todas as ordens de Maria. Nunca lhe
ocorreu que ela o mandasse torturar Carlos, uma pessoa inocente.

Neste caso temos um conflito de deveres:


1 O José tem o dever absoluto de cumprir as suas promessas.
2 O José tem o dever absoluto de não torturar inocentes. Assim, o José está perante
um dilema sem saída: faça o que fizer, agirá de uma forma errada. Por isso, é
insustentável defender que as regras morais são absolutas.

3. Além das pessoas.


A fórmula do fim em si, do imperativo categórico, exige respeito pelas pessoas,
concebidas como agentes racionais e morais, dotados de autonomia.
•Contudo, nesse sentido do termo, muitos seres humanos não são pessoas (como,
por exemplo, os recém-nascidos humanos e os deficientes mentais profundos).
•Ora, seguindo a ética kantiana, se tais seres não são pessoas, então não merecem
respeito e podem ser tratados simplesmente como um meio.
•Contudo, tal ideia parece absurda. Pois, seria profundamente errado tratá-los
como simples meios.

4. O lugar das emoções em ética.


A ética kantiana, ao considerar que para agir moralmente temos de nos abstrair de
todas as nossas inclinações e seguir um imperativo ditado pela razão, parece
esvaziar a moralidade de algumas emoções que lhe estão frequentemente associadas,
como:
•a compaixão,
•a simpatia e
•o remorso.
Contudo, parece inegável que os nossos sentimentos, desejos e emoções também
têm um papel a desempenhar no domínio da moralidade.

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Exercícios
1. Lê o seguinte texto com atenção.
Suponha-se que uma criança entra numa padaria para comprar um pão. A padeira
apercebe-se de que pode enganar a criança no troco, mas está preocupada que os
outros clientes possam dar-se conta desse embuste e que os possa perder. Por isso,
ela decide dar à criança o troco justo.

1.1. Será a conduta da padeira moralmente correta?


1.2. Será que fazer a coisa certa por causa do medo das consequências é uma ação
moralmente correta?

2. Determina o valor moral das seguintes máximas. Justifica.1

A. “Não deves roubar, senão Deus castiga-te”.

B. “Não minto porque se o fizer, arrisco-me a que a minha namorada já não goste de
mim”.

C. “Há adolescentes que se divertem a maltratar mendigos na rua”.

D. “Ajudo um mendigo na rua apenas por ter pena dele”.

E. “A Sofia faz doações para ações de caridade apenas para aumentar a sua
popularidade entre os amigos”.

F. “Aristides de Sousa Mendes e Oskar Schindler, durante a segunda guerra mundial,


salvaram muitos judeus, fazendo o que consideravam correto e não o que era mais
fácil fazer, nem o que lhes traria mais benefícios”.

G. “Uma pessoa está a afogar-se e outra pessoa salva-a. Esta tirou-a da água para
receber uma recompensa pelo salvamento”.

3. Será que os seguintes exemplos passam no teste do imperativo


categórico? Justifica.2

A. «O Gustavo mente ao Joel sobre uma traição da sua namorada Daniela, pois, não
quer que o Joel sofra (tem assim compaixão por ele). Acontece que o Joel passa a
andar traído sem o saber.»

B. «Homem em apuros que decide pedir dinheiro emprestado, prometendo restituir o


dinheiro, mas não tem a intenção de o devolver.

C. «Homem que se recusa a auxiliar os necessitados.»

D. «O Henrique usou cábulas e copiou no exame de filosofia. De facto, ele não se


sentia preparado, pois no dia anterior ao exame foi com os amigos para o bar e,
assim, não teve tempo para estudar.»

1
Indicar se as regras que dizem a intenção dos agentes têm ou não valor moral e justificar.
2
Verificar se as máximas (regras) presentes nos exemplos podem ou não ser consideradas leis universais (ser seguidas por todos em todas as circunstâncias). E porquê.

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