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4as Jornadas de Segurança aos Incêndios Urbanos

Instituto Politécnico de Bragança - Portugal - 6-7 De Novembro de 2014

CONCEÇÃO E DIMENSIONAMENTO DE REDES SECAS

A. Silva-Afonso* Carla P. Rodrigues


Professor Diretora Técnica
ISCIA e UA - Aveiro ANQIP - Aveiro

RESUMO
Na presente comunicação analisa-se a questão da conceção e do dimensionamento dos meios
hidráulicos de intervenção em edifícios, salientando-se que os respetivos critérios de
dimensionamento não constam presentemente de qualquer diploma legal em Portugal, embora
exista uma dispersão de indicações relativas a bases de dimensionamento, nem sempre
coerentes. Este hiato carece de resolução, o que poderá ser conseguido brevemente em sede
da revisão do atual Regulamento Geral de águas e esgotos (RGSPPDADAR), já iniciada. Na
presente comunicação analisa-se em particular o caso das redes secas, comparando-se
diversas disposições existentes na legislação e em especificações técnicas publicadas em
Portugal tendo em vista o dimensionamento destas redes e propondo-se uma expressão
simplificada para o seu dimensionamento expedito.

PALAVRAS-CHAVE: meios hidráulicos de intervenção; dimensionamento hidráulico; redes


secas; colunas secas; especificações técnicas

1. INTROUÇÃO

A Portaria nº 1532/2008 (Regulamento técnico de segurança contra incêndio em edifícios), de


29 de dezembro, que complementa o Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de Novembro (regime
jurídico da segurança contra incêndios em edifícios), define em Portugal as disposições
técnicas gerais e específicas dos sistemas de combate a incêndios em edifícios, incluindo
condições relativas aos equipamentos e sistemas de segurança [1][2].

*
Autor correspondente – Instituto Superior de Ciências da Informação e da Adminstração e Universidade de Aveiro, Campus Universitário de

Santiago, 3800-257 Aveiro. Telef.: +351 917212976, +351 234092597, E-mail: anqip@anqip.pt
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues

No que se refere em particular aos meios hidráulicos de combate a incêndios, esta legislação
define os tipos de meios a considerar e as exigências de aplicação em função das categorias
de risco e utilizações tipo dos edifícios e dá ainda indicações quanto ao número, localização,
características e condições de alimentação desses meios. Prevê ainda a regulamentação que
os meios de segunda intervenção, como as redes secas, sejam do tipo homologado, de acordo
com normas portuguesas ou, na sua falta, por especificação técnica publicada por despacho do
Presidente da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil).

Esta legislação não contém indicações relativas aos critérios de dimensionamento hidráulico
dos meios de intervenção, o que se aceita pois, existindo em Portugal um Regulamento Geral
dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais
[3], estas indicações deverão naturalmente constar deste regulamento. Contudo, na sua versão
atual, este Regulamento Geral também não contém qualquer capítulo dedicado a estes
sistemas, criando um hiato técnico, não só em termos do seu dimensionamento hidráulico, mas
também em relação às condições de interligação com as restantes redes sanitárias nos
edifícios, a qual pode suscitar questões hidráulicas e de saúde pública, entre outras.

A ANQIP (Associação Nacional para a Qualidade das Instalações Prediais) está presentemente
a proceder à revisão do Regulamento Geral na parte predial, a pedido da entidade reguladora
nacional (ERSAR) e irá incluir um novo capítulo específico para os meios hidráulicos de
intervenção no combate a incêndios, abrangendo, entre outros, os requisitos de
dimensionamento hidráulico e de interligação com as restantes redes prediais. Para colmatar o
hiato atualmente existente, a ANQIP criou entretanto uma Comissão Técnica específica (CTA
0901 - Combate a incêndios. Meios de segunda intervenção. Dimensionamento de redes secas
e húmidas), que está a preparar algumas especificações técnicas no âmbito do
dimensionamento destes sistemas [4].

Entretanto, foi também publicado pelo Ministério da Administração Interna (MAI) o Despacho
n.º 12605/2013, de 3/10, da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) [5], que dá força
legal à Nota Técnica n.º 13 da ANPC (Colunas Secas e Húmidas), a qual fornece diversas
indicações de base para dimensionamento. Sendo as colunas secas alimentadas a partir de
veículos urbanos de combate a incêndios, interessa também considerar, para o seu correto
dimensionamento, as características das bombas de serviço de incêndio instaladas nessas
viaturas, cujas características estão definidas no Despacho n.º 21638/2009 (Especificações
técnicas de veículos e equipamentos operacionais dos Corpos de Bombeiros), de 28/9, da
ANPC. (MAI) [6].

2. REDES SECAS. CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO EM PORTUGAL

De acordo com o anexo I do RT-SCIE -regulamento técnico português de segurança contra


incêndio em edifícios (Portaria nº 1532/2008), pode definir-se rede seca como tubagem fixa e
rígida montada, com carácter permanente, num edifício e destinada a ser ligada ao sistema de
alimentação de água a fornecer pelos bombeiros e posta em carga no momento da utilização.
Conceção e dimensionamento de redes secas

Trata-se de uma instalação destinada a apoiar as operações de combate a um incêndio por


parte dos bombeiros, sendo, portanto, um meio de 2ª intervenção.

Em princípio, as redes secas devem ser consideradas para as utilizações-tipo I (habitacionais)


e II (estacionamentos) da 2.ª categoria de risco, embora alternativamente possam também ser
utilizadas redes húmidas nestas condições. A 2.ª categoria de risco das utilizações-tipo (UT) I e
II corresponde a edifícios que têm mais de 9 metros de altura mas que não ultrapassam os 28
metros (em relação ao plano de referência) ou que têm dois ou três de pisos ocupados abaixo
do plano de referência (não podendo ainda, no caso dos estacionamentos, exceder uma área
bruta de 9 600 m 2). Note-se que colunas descendentes e ascendentes (ou montantes), quando
existam simultaneamente, devem ser individualizadas.

Para as utilizações-tipo da 3.ª categoria de risco ou superior a legislação exige a aplicação de


redes húmidas, exceto no que se refere à utilização-tipo VIII (comerciais e gares de transporte),
onde o RT-SCIE refere que “em plataformas de embarque servidas por meios de transporte
ferroviário com tração elétrica é interdita a existência de bocas-de-incêndio de redes húmidas”
e ainda que “as plataformas de embarque de gares subterrâneas ou de pisos subterrâneos de
gares mistas e os eventuais troços de túnel adjacentes, devem ser servidos por redes secas de
100 mm, com as características estabelecidas neste regulamento”. Nas situações suscetíveis
de congelamento da água, a regulamentação admite também a utilização de redes secas em
substituição das húmidas.

Recorde-se que, no caso da UT VIII, a 3.ª categoria de risco aplica-se a gares subterrâneas
com dois ou mais pisos ocupados pela UT VIII abaixo do plano de referência, considerando-se
ainda esta categoria quando o efetivo (número máximo estimado de pessoas que pode ocupar
em simultâneo o espaço) é superior a 1 000. É de notar que apenas em relação à UT VIII a
regulamentação define o diâmetro a considerar para a coluna seca, de 100 mm, embora não
especifique se este valor deve ser considerado como diâmetro nominal, interior, exterior ou
mínimo. Admite-se que a intenção do legislador foi fornecer uma ordem de grandeza, dado que
os diâmetros variam significativamente com o material da tubagem.

O Despacho n.º 12605/2013, complementando o RT-SCIE, já refere diâmetros para as


diferentes categorias de risco, esclarecendo que são diâmetros nominais:

a) DN 80 para utilizações-tipo da 2.ª categoria de risco ou inferior;


b) DN 100 para utilizações-tipo da 3.ª e 4.ª categorias de risco.

Refere ainda o Despacho que as colunas secas descendentes devem possuir o diâmetro
nominal DN 80. O Despacho não refere, curiosamente, a obrigatoriedade de as tubagens
serem metálicas, embora as pressões de ensaio exigidas não sejam facilmente alcançáveis
com outro tipo de materiais, como os termoplásticos. Apesar de tudo, a indicação regulamentar
(de uma ordem de grandeza) estará mais correta do que a indicação de diâmetros nominais,
dado que os valores nominais indicados não existem na maior parte das tubagens metálicas
que podem ser utilizadas em redes secas, como é o caso do aço galvanizado, do aço inox,
etc.. Uma solução que poderia ter sido adotada pelo legislador, e que tem sido adotada noutros
documentos do género (como a Norma Europeia EN 12056-2 [7]), consiste na indicação de um
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valor mínimo para o diâmetro interior, o que já permite considerar qualquer material,
independentemente da respetiva gama de diâmetros comercial.

3. CONSTITUIÇÃO DAS REDES SECAS

As redes secas são geralmente referidas como colunas secas, dado que, efetivamente, a
coluna constitui o elemento principal desse meio de intervenção. O Despacho n.º 12605/2013
refere como elementos constituintes da coluna seca os seguintes:

a) Uma coluna (tubagem vertical);


b) O acoplamento direto, ou através de ramal de ligação, entre a coluna e a sua boca de
alimentação;
c) A boca de alimentação (dupla) na fachada (boca siamesa);
d) As bocas duplas nos pisos.

No que se refere à coluna, o Despacho anteriormente mencionado refere que a coluna seca
deve comportar no seu percurso saídas apenas para as bocas-de-incêndio de 2.ª intervenção e
terminar por um troço vertical fechado na sua extremidade com um comprimento mínimo de1,5
m, contado da boca-de-incêndio mais elevada, concebido para resistir à pressão hidráulica de
ensaio.

Na verdade, podem ser acrescentadas a esta lista dois outros componentes, que são a ventosa
de duplo efeito (no topo das colunas ascendentes) e a válvula de purga de água, quando
necessária. A ventosa de duplo efeito (Figura 1) é um dispositivo obrigatório na maioria das
normas internacionais para colunas secas, pois permite a rápida expulsão de ar no enchimento
da coluna e a admissão de ar no esvaziamento posterior. A ausência deste dispositivo, não
previsto na atual legislação portuguesa, pode ter efeitos nefastos no combate ao incêndio,
dado que o ar acumulado na coluna pode sair pela mangueira nessa situação.

A existência de um troço vertical fechado na extremidade superior da coluna, com um


comprimento mínimo de 1,5 metros, como preconizado no Despacho n.º 12605/2013, pode
parcialmente suprir a ausência da ventosa e pode até revelar-se vantajoso em termos de
choque hidráulico. Contudo, não fica garantido, em muitas situações, um resultado análogo ao
obtido com a instalação da ventosa e as questões de choque hidráulico podem ser facilmente
minoradas com a utilização de válvulas de globo nas bocas (Figura 1), em alternativa às
válvulas de esfera.

Em relação à válvula de purga de água, o Despacho n.º 12605/2013 exige apenas a sua
colocação no ponto mais baixo das colunas descentes, onde na verdade ela pode ser
dispensada se existir uma boca nesse local, nada referindo em relação às colunas
ascendentes, onde ela pode ser indispensável para esvaziamento da coluna, após ensaio ou
funcionamento no combate a incêndios, em especial quando a boca siamesa for dotada de
válvulas de retenção nas duas entradas (Figura 1).
Conceção e dimensionamento de redes secas

Em relação ao ramal de ligação entre a boca de alimentação e a coluna, quando necessário, o


despacho anteriormente referido indica que o cotovelo de ligação à coluna deve ter um raio de
curvatura mínimo de 0,15 ou 0,20 m, respetivamente, para diâmetros de DN 80 e DN 100.
Compreende-se esta indicação (que em algumas normas estrangeiras é até reforçada, com a
imposição de raios de curvatura mínimos de 1 metro), visando reduzir a perda de carga neste
acessório. Nas condições do despacho, a perda de carga provocada nesta curva
(incorretamente designada por cotovelo) é próxima de 3,5 m.

Figura 1: Ventosa para coluna seca (catálogo AWG), boca dupla com válvulas tipo
globo (catálogo BHIA) e boca siamesa de alimentação de coluna ascendente com
válvula de purga de água (catálogo Vianas)

4. BASES PARA O DIMENSIONAMENTO HIDRÁULICO DAS REDES SECAS

O Despacho n.º 12605/2013 refere que o dimensionamento hidráulico das redes secas deve
ser justificado pelo projetista sempre que seja verificada uma das seguintes condições:

a) O comprimento total do ramal de ligação seja superior a 14 metros;


b) A ligação das bocas-de-incêndio não seja direta à coluna efetuada em troços
horizontais e tubagem;
c) A altura da utilização-tipo que serve seja superior a 50 metros.

Em relação à primeira exigência, é evidente que o comprimento do ramal de ligação, quando


existente, tem implicações na perda de pressão ao longo da rede, mas o valor indicado carece
de adequada justificação. O valor de 14 metros é aparentemente arbitrário e, na realidade, só
em situações muito específicas poderá ser um valor condicionante. Dado que, para edifícios de
altura superior a 28 metros, se deverá optar por colunas húmidas, a última condição só se
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justificará, aparentemente, para as situações suscetíveis de congelamento da água, onde a


regulamentação admite a utilização de redes secas em substituição das húmidas.
Eventualmente, dado que a Portaria nº 1532/2008 refere que a rede húmida deve ter a
possibilidade de alimentação alternativa pelos bombeiros, através de tubo seco, poderá
justificar-se também esta exigência para a verificação do funcionamento da coluna húmida
como coluna seca.

Tendo em vista o dimensionamento hidráulico das redes, o despacho anteriormente referido


indica, para as colunas de diâmetro DN 80 e DN 100, os caudais e perdas de carga totais
máximas (em rigor, o despacho indica perdas de pressão e não de carga) até à boca mais
desfavorável (Tabela 1). Na verdade, estes elementos base não são suficientes para o
dimensionamento das redes, como mais à frente se refere. Falta, entre outros dados relativos a
pressões residuais mínimas nas bocas ou pressões disponíveis a montante, uma indicação
sobre o número de bocas a considerar em funcionamento simultâneo (ou do caudal a
considerar por boca).

Tabela 1: Elementos base para o dimensionamento de colunas secas (Despacho n.º


12605/2013)
Diâmetro Caudal Perda de “carga” global
DN 80 50 m3/hora (13,9 l/s) 850 kPa (≈85 mca)
DN 100 100 m3/hora (27,8 l/s) 700 kPa (≈70 mca)

O despacho refere ainda que a velocidade máxima admissível é de 10 m/s, mas este valor é
excessivo para alguns materiais, como o aço galvanizado. Contudo, facilmente se conclui, por
aplicação da equação da continuidade, que esta indicação não tem relevância prática, uma vez
que os caudais máximos indicados na Tabela 1 implicam velocidades máximas de 2,8 m/s no
DN 80 e 3,5 m/s no DN 100, que são valores perfeitamente razoáveis (até 4 m/s são valores
admissíveis para todos os materiais em uso não contínuo).

No que se refere ao RT-SCIE, este documento não tem qualquer indicação prática adicional
para o dimensionamento das redes secas, com exceção da imposição do diâmetro 100 mm
nas UT VIII da 3ª categoria de risco ou superior. O Despacho n.º 21638/2009 (Especificações
técnicas de veículos e equipamentos operacionais dos Corpos de Bombeiros) refere, em
relação aos VUCI (Veículos Urbanos de Combate a Incêndios), que devem ser dotados de
bomba de serviço de incêndios que atinja os débitos de 3 000 l/min a 10 Bar e com 3 metros de
altura de aspiração (auto ferrante) e 250 l/min a 40 Bar e com 1,5 metros de altura de
aspiração. Estes dados são insuficientes para caracterizar a curva característica da bomba (ou
curva da bomba), que relaciona a altura manométrica com o caudal, dado que esta curva é
aproximadamente um parábola do 2.º grau, cuja definição exige mais do que dois pontos. O
conhecimento da curva característica é, contudo, um elemento essencial para o
dimensionamento de sistemas alimentados diretamente a partir de grupos de bombagem,
como é o caso das redes secas.

Na Figura 2 representa-se a curva característica de uma bomba e a curva do sistema (que


traduz o aumento das perdas de carga com o aumento do caudal). A interceção destas duas
Conceção e dimensionamento de redes secas

curvas permite saber qual o ponto de funcionamento da bomba, isto é, qual o caudal e a altura
manométrica fornecidos pela bomba numa instalação com determinadas características.

Figura 2: Curva característica e ponto de funcionamento de uma bomba (manual Grundfos)

5. DIMENSIONAMENTO HIDRÁULICO DE REDES SECAS

Nos escoamentos uniformes de fluidos incompressíveis sob pressão, existem três variáveis
interrelacionadas: a perda de carga, o caudal (ou a velocidade) e a secção. O
dimensionamento hidráulico consiste, em geral, na determinação dos valores ao longo da rede
de uma destas variáveis, conhecendo as outras duas e respeitando as condições fronteira
(limites e restrições relativos a velocidades e/ou pressões) [8]. As equações fundamentais da
hidráulica, em particular o Teorema de Bernoulli, as leis da resistência e a equação da
continuidade, permitem facilmente resolver estas questões de dimensionamento hidráulico.

Tendo em atenção as bases de dimensionamento indicadas na legislação (caudais e


diâmetros), o dimensionamento hidráulico de uma rede seca consistirá então na determinação
das perdas de carga ao longo da instalação, o que, conhecendo a pressão à entrada, permitirá
determinar ou verificar a pressão residual na boca mais desfavorável (pressão a montante da
boca). Esta altura piezométrica residual deverá ser suficiente para cobrir, para o caudal
pretendido, as perdas de carga na própria boca-de-incêndio, na mangueira e na agulheta e
ainda a energia cinética na saída, mas o respetivo valor mínimo não é indicado na legislação
para redes secas, apesar de constitui um elemento chave para o dimensionamento.

Note-se que, no caso das redes húmidas de 2.ª intervenção, a abordagem legal é diferente. O
RT-SCIE e o Despacho n.º 12605/2013 referem valores mínimos de caudal e pressão a
considerar na boca-de-incêndio mais desfavorável de, respetivamente, 4 l/s e 350 kPa, com
metade delas em funcionamento, num máximo de quatro. Isto significa, numa instalação com
pelo menos oito bocas de incêndio, um caudal de cálculo máximo de 16 l/s (valor relativamente
desfasado dos valores indicados para redes secas). A legislação não indica neste caso
diâmetros, mas eles podem ser estabelecidos pelo projetista com base em critérios de
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues

velocidades máximas (embora com alguma arbitrariedade, dado que não estão fixadas na
legislação), pelo que, conhecendo a pressão residual mínima (350 kPa), pode então ser
dimensionado o grupo de bombagem.

Pode concluir-se, desde já, que a legislação não é coerente nem completa no que se refere à
disponibilização dos elementos base e condições fronteira necessários para um correto
dimensionamento das redes secas e húmidas. No caso das redes secas, falta, em particular, a
indicação de uma pressão residual mínima na boca mais desfavorável e uma definição da
curva característica da bomba de serviço de incêndios, que permita a determinação da altura
manométrica para o caudal de cálculo. A altura manométrica (H+) a disponibilizar pela bomba
pode ser dada de forma aproximada (desprezando a altura cinética na tubagem, cujo valor não
ultrapassa 0,5 m) pela expressão:

H+ = pr/γ + z + Σ∆H = pr/γ + z + j (LH + LV) + Σ∆HL (1)

sendo:

pr - pressão residual na boca mais desfavorável (em kPa);


z - desnível entre a alimentação e a boca mais desfavorável (em metros);
ΣH – somatório das perdas de carga entre a alimentação e a boca-de-incêndio mais
desfavorável (em metros);
j – perda de carga unitária (em metros/metro);
LH – comprimento horizontal do ramal de ligação (em metros);
LV – comprimento vertical da coluna (em metros);
Σ∆HL - somatório das perdas de carga localizadas (em metros);
γ - peso específico da água (9,8 kN/m3).

As perdas de carga localizadas mais significativas (até às bocas dos pisos) podem ocorrer na
boca siamesa de alimentação (em particular na válvula de retenção), na curva de ligação do
ramal à coluna (quando existente) e nos tês de derivação da coluna para as bocas duplas nos
pisos. O valor destas perdas é função da geometria dos acessórios, do respetivo material e da
velocidade de escoamento. Através de uma consulta às tabelas constantes dos manuais da
hidráulica [9], pode facilmente observar-se que estas perdas localizadas podem totalizar um
comprimento equivalente próximo de 14 metros numa rede DN 80 com 28 metros de altura e
com um ramal de ligação. Assim, a expressão anterior pode ser simplificada, sem erro
significativo, considerando, em vez das perdas de carga localizadas, um acréscimo de 50% nos
comprimentos reais, ou seja comprimentos de cálculo iguais a 1,5 vezes os comprimentos
reais:

H+ = pr/γ + z + 1,5 j (LH + LV) (2)

Se existirem troços horizontais de menor diâmetro, para a ligação às bocas duplas nos pisos, o
respetivo comprimento (LTL) será incluído no parêntesis (admitindo que j é da mesma ordem de
grandeza).
Dado que o desnível e os comprimentos horizontais e verticais são facilmente determinados,
bem como a perda de carga unitária (como se verá mais à frente), a expressão anterior fica
Conceção e dimensionamento de redes secas

com duas incógnitas - a altura manométrica da bomba e a pressão residual -, pelo que a sua
resolução implica o conhecimento do valor de uma delas. Assim, pode partir-se da altura
manométrica da bomba correspondente ao caudal de cálculo e obter a pressão residual na
boca ou, de modo inverso, fixar a pressão residual mínima na boca e determinar qual deve ser
a altura manométrica mínima da bomba.

Qualquer destes procedimentos é prejudicado pelo facto de a legislação não indicar, para as
colunas secas, a pressão residual mínima nas bocas nem caracterizar as curvas características
das bombas dos VUCI. Em qualquer caso, o segundo procedimento de cálculo é o mais
adequado, dado que a altura manométrica pode ser regulada no veículo. Nesta perspetiva, é
de salientar que, para rigor dos procedimentos, as colunas secas deveriam ser dotadas de uma
placa junto à boca de alimentação, com indicação da pressão de introdução. Esta medida não
é, contudo, exigida pela atual legislação portuguesa.

Para pressão residual na boca de saída mais desfavorável, pode fixar-se um valor análogo ao
das redes húmidas, ou seja, 350 kPa (que corresponde a uma carga de aproximadamente 35
metros). No caso da coluna DN80, por exemplo, este valor será suficiente para alimentar com o
caudal Q = 3,5 l/s (≈ 13,9/4) uma mangueira de 45 mm de diâmetro com dois lanços de 20
metros dotada de uma agulheta com orifício de saída de 25 mm (D), sendo a boca de saída da
coluna dotada de válvula tipo globo. Adaptando, para a agulheta, a expressão geral para
orifícios circulares, com um coeficiente de vazão de 0,95 [9], a carga necessária será:

H = Q2/(3,3 D2) ≈ 3,0 m (3)

Para a mangueira, pode adotar-se, por exemplo, a fórmula de Hazen Williams com C = 140:

∆H = j L = [10,641 Q1,85/(C1,85 D4,87)] L ≈ 5,0 m (4)

A perda de carga na boca de saída da coluna, caso seja equipada com válvula tipo globo, será
relativamente elevada [9], podendo alcançar:

∆H = 10 Q2/(2g S2) ≈ 3,0 m (5)

Somando estas três parcelas, confirma-se que o valor de 35 m é largamente suficiente para
assegurar um caudal na mangueira de 3,5 l/s: A mesma confirmação pode ser feita de modo
análogo para uma rede DN 100. No que se refere à perda de carga unitária (j), o seu valor
depende essencialmente do material da conduta, do seu diâmetro interior e do caudal. De um
modo geral, para os caudais de cálculo e materiais habituais, o valor é sempre próximo (mas
inferior) a 0,1 m/m, pelo que este valor pode ser adotado, pelo lado da segurança, para efeitos
de simplificação dos cálculos. Retomando então a expressão (2) obtém-se a expressão geral:

H+ = 35 + z + 0,15 (LH + LV + LTL) (6)

Por exemplo, para uma coluna com uma altura de 20 metros, com um ramal de ligação de 10
metros e bocas ligadas diretamente à coluna, a pressão mínima de introdução deveria ser de:
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues

H+ = 35 + 20 + 0,15 (20 + 10) ≈ 60 m (7)

A bomba do serviço de incêndios deverá então garantir uma altura manométrica de 60 metros
para um caudal de 50 m3/h.

6. CONCLUSÕES

A recente legislação de segurança contra incêndios em edifícios traduz-se num quadro


agregador do ponto de vista jurídico, atualizado e desenvolvido do ponto de vista técnico, que é
certamente um contributo importante para reduzir o número de ocorrências e as consequências
dos incêndios urbanos em Portugal. Todavia, no que se refere ao dimensionamento hidráulico
dos meios de intervenção com agente extintor água, o quadro legislativo atual apresenta ainda
algumas incongruências e lacunas e alguma falta de rigor, inclusive no que se refere a aspetos
de terminologia, recomendando-se, por isso, a sua correção e complemento.

Na presente comunicação, para além de se propor um procedimento expedito para o


dimensionamento hidráulico de redes secas, sugerem-se algumas medidas para a melhoria
deste tipo de meios, como, por exemplo, a aplicação obrigatória de uma ventosa de duplo
efeito no topo (em alternativa à extensão a coluna no seu topo superior, atualmente
preconizada) e a colocação de uma placa junto a boca de alimentação com indicação da
pressão de introdução. Recomenda-se ainda o complemento da legislação com indicação de
todas as bases de dimensionamento que devem necessariamente ser consideradas, bem
como a eliminação de algumas disposições relativas à conceção deste meio de intervenção,
cujo interesse ou necessidade é discutível.

REFERÊNCIAS

[1] PORTUGAL – Portaria nº 1532/2008 (Regulamento técnico de segurança contra incêndio


em edifícios), 2008.
[2] PORTUGAL – Decreto-Lei n.º 220/2008, 2008.
[3] PORTUGAL – Decreto Regulamentar n.º 23/95 (Regulamento Geral dos Sistemas
Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais), 1995.
[4] ANQIP – Especificação Técnica ETA 0901 (Combate a incêndios. Meios de segunda
intervenção. Conceção e dimensionamento de redes secas), 2010.
[5] PORTUGAL - Despacho n.º 12605/2013, de 3/10, da Autoridade Nacional de Proteção
Civil (ANPC)/MAI, 2013.
[6] PORTUGAL – Despacho n.º 21638/2009 (Especificações técnicas de veículos e
equipamentos operacionais dos Corpos de Bombeiros), 2009.
[7] CEN – EN 12056-2:2000 - Gravity drainage systems inside buildings - Part 2: Sanitary
pipework, layout and calculation, 2000.
[8] Silva-Afonso A. – Contributos para o Dimensionamento de Redes de Águas em Edifícios
Especiais. Aplicação de Modelos Matemáticos, Tese de Doutorado, FEUP, 2001, 436 p.
[9] Quintela, A. – Hidráulica. Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, 540 p.

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