Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Na presente comunicação analisa-se a questão da conceção e do dimensionamento dos meios
hidráulicos de intervenção em edifícios, salientando-se que os respetivos critérios de
dimensionamento não constam presentemente de qualquer diploma legal em Portugal, embora
exista uma dispersão de indicações relativas a bases de dimensionamento, nem sempre
coerentes. Este hiato carece de resolução, o que poderá ser conseguido brevemente em sede
da revisão do atual Regulamento Geral de águas e esgotos (RGSPPDADAR), já iniciada. Na
presente comunicação analisa-se em particular o caso das redes secas, comparando-se
diversas disposições existentes na legislação e em especificações técnicas publicadas em
Portugal tendo em vista o dimensionamento destas redes e propondo-se uma expressão
simplificada para o seu dimensionamento expedito.
1. INTROUÇÃO
*
Autor correspondente – Instituto Superior de Ciências da Informação e da Adminstração e Universidade de Aveiro, Campus Universitário de
Santiago, 3800-257 Aveiro. Telef.: +351 917212976, +351 234092597, E-mail: anqip@anqip.pt
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues
No que se refere em particular aos meios hidráulicos de combate a incêndios, esta legislação
define os tipos de meios a considerar e as exigências de aplicação em função das categorias
de risco e utilizações tipo dos edifícios e dá ainda indicações quanto ao número, localização,
características e condições de alimentação desses meios. Prevê ainda a regulamentação que
os meios de segunda intervenção, como as redes secas, sejam do tipo homologado, de acordo
com normas portuguesas ou, na sua falta, por especificação técnica publicada por despacho do
Presidente da ANPC (Autoridade Nacional de Proteção Civil).
Esta legislação não contém indicações relativas aos critérios de dimensionamento hidráulico
dos meios de intervenção, o que se aceita pois, existindo em Portugal um Regulamento Geral
dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Água e de Drenagem de Águas Residuais
[3], estas indicações deverão naturalmente constar deste regulamento. Contudo, na sua versão
atual, este Regulamento Geral também não contém qualquer capítulo dedicado a estes
sistemas, criando um hiato técnico, não só em termos do seu dimensionamento hidráulico, mas
também em relação às condições de interligação com as restantes redes sanitárias nos
edifícios, a qual pode suscitar questões hidráulicas e de saúde pública, entre outras.
A ANQIP (Associação Nacional para a Qualidade das Instalações Prediais) está presentemente
a proceder à revisão do Regulamento Geral na parte predial, a pedido da entidade reguladora
nacional (ERSAR) e irá incluir um novo capítulo específico para os meios hidráulicos de
intervenção no combate a incêndios, abrangendo, entre outros, os requisitos de
dimensionamento hidráulico e de interligação com as restantes redes prediais. Para colmatar o
hiato atualmente existente, a ANQIP criou entretanto uma Comissão Técnica específica (CTA
0901 - Combate a incêndios. Meios de segunda intervenção. Dimensionamento de redes secas
e húmidas), que está a preparar algumas especificações técnicas no âmbito do
dimensionamento destes sistemas [4].
Entretanto, foi também publicado pelo Ministério da Administração Interna (MAI) o Despacho
n.º 12605/2013, de 3/10, da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) [5], que dá força
legal à Nota Técnica n.º 13 da ANPC (Colunas Secas e Húmidas), a qual fornece diversas
indicações de base para dimensionamento. Sendo as colunas secas alimentadas a partir de
veículos urbanos de combate a incêndios, interessa também considerar, para o seu correto
dimensionamento, as características das bombas de serviço de incêndio instaladas nessas
viaturas, cujas características estão definidas no Despacho n.º 21638/2009 (Especificações
técnicas de veículos e equipamentos operacionais dos Corpos de Bombeiros), de 28/9, da
ANPC. (MAI) [6].
Recorde-se que, no caso da UT VIII, a 3.ª categoria de risco aplica-se a gares subterrâneas
com dois ou mais pisos ocupados pela UT VIII abaixo do plano de referência, considerando-se
ainda esta categoria quando o efetivo (número máximo estimado de pessoas que pode ocupar
em simultâneo o espaço) é superior a 1 000. É de notar que apenas em relação à UT VIII a
regulamentação define o diâmetro a considerar para a coluna seca, de 100 mm, embora não
especifique se este valor deve ser considerado como diâmetro nominal, interior, exterior ou
mínimo. Admite-se que a intenção do legislador foi fornecer uma ordem de grandeza, dado que
os diâmetros variam significativamente com o material da tubagem.
Refere ainda o Despacho que as colunas secas descendentes devem possuir o diâmetro
nominal DN 80. O Despacho não refere, curiosamente, a obrigatoriedade de as tubagens
serem metálicas, embora as pressões de ensaio exigidas não sejam facilmente alcançáveis
com outro tipo de materiais, como os termoplásticos. Apesar de tudo, a indicação regulamentar
(de uma ordem de grandeza) estará mais correta do que a indicação de diâmetros nominais,
dado que os valores nominais indicados não existem na maior parte das tubagens metálicas
que podem ser utilizadas em redes secas, como é o caso do aço galvanizado, do aço inox,
etc.. Uma solução que poderia ter sido adotada pelo legislador, e que tem sido adotada noutros
documentos do género (como a Norma Europeia EN 12056-2 [7]), consiste na indicação de um
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues
valor mínimo para o diâmetro interior, o que já permite considerar qualquer material,
independentemente da respetiva gama de diâmetros comercial.
As redes secas são geralmente referidas como colunas secas, dado que, efetivamente, a
coluna constitui o elemento principal desse meio de intervenção. O Despacho n.º 12605/2013
refere como elementos constituintes da coluna seca os seguintes:
No que se refere à coluna, o Despacho anteriormente mencionado refere que a coluna seca
deve comportar no seu percurso saídas apenas para as bocas-de-incêndio de 2.ª intervenção e
terminar por um troço vertical fechado na sua extremidade com um comprimento mínimo de1,5
m, contado da boca-de-incêndio mais elevada, concebido para resistir à pressão hidráulica de
ensaio.
Na verdade, podem ser acrescentadas a esta lista dois outros componentes, que são a ventosa
de duplo efeito (no topo das colunas ascendentes) e a válvula de purga de água, quando
necessária. A ventosa de duplo efeito (Figura 1) é um dispositivo obrigatório na maioria das
normas internacionais para colunas secas, pois permite a rápida expulsão de ar no enchimento
da coluna e a admissão de ar no esvaziamento posterior. A ausência deste dispositivo, não
previsto na atual legislação portuguesa, pode ter efeitos nefastos no combate ao incêndio,
dado que o ar acumulado na coluna pode sair pela mangueira nessa situação.
Em relação à válvula de purga de água, o Despacho n.º 12605/2013 exige apenas a sua
colocação no ponto mais baixo das colunas descentes, onde na verdade ela pode ser
dispensada se existir uma boca nesse local, nada referindo em relação às colunas
ascendentes, onde ela pode ser indispensável para esvaziamento da coluna, após ensaio ou
funcionamento no combate a incêndios, em especial quando a boca siamesa for dotada de
válvulas de retenção nas duas entradas (Figura 1).
Conceção e dimensionamento de redes secas
Figura 1: Ventosa para coluna seca (catálogo AWG), boca dupla com válvulas tipo
globo (catálogo BHIA) e boca siamesa de alimentação de coluna ascendente com
válvula de purga de água (catálogo Vianas)
O Despacho n.º 12605/2013 refere que o dimensionamento hidráulico das redes secas deve
ser justificado pelo projetista sempre que seja verificada uma das seguintes condições:
O despacho refere ainda que a velocidade máxima admissível é de 10 m/s, mas este valor é
excessivo para alguns materiais, como o aço galvanizado. Contudo, facilmente se conclui, por
aplicação da equação da continuidade, que esta indicação não tem relevância prática, uma vez
que os caudais máximos indicados na Tabela 1 implicam velocidades máximas de 2,8 m/s no
DN 80 e 3,5 m/s no DN 100, que são valores perfeitamente razoáveis (até 4 m/s são valores
admissíveis para todos os materiais em uso não contínuo).
No que se refere ao RT-SCIE, este documento não tem qualquer indicação prática adicional
para o dimensionamento das redes secas, com exceção da imposição do diâmetro 100 mm
nas UT VIII da 3ª categoria de risco ou superior. O Despacho n.º 21638/2009 (Especificações
técnicas de veículos e equipamentos operacionais dos Corpos de Bombeiros) refere, em
relação aos VUCI (Veículos Urbanos de Combate a Incêndios), que devem ser dotados de
bomba de serviço de incêndios que atinja os débitos de 3 000 l/min a 10 Bar e com 3 metros de
altura de aspiração (auto ferrante) e 250 l/min a 40 Bar e com 1,5 metros de altura de
aspiração. Estes dados são insuficientes para caracterizar a curva característica da bomba (ou
curva da bomba), que relaciona a altura manométrica com o caudal, dado que esta curva é
aproximadamente um parábola do 2.º grau, cuja definição exige mais do que dois pontos. O
conhecimento da curva característica é, contudo, um elemento essencial para o
dimensionamento de sistemas alimentados diretamente a partir de grupos de bombagem,
como é o caso das redes secas.
curvas permite saber qual o ponto de funcionamento da bomba, isto é, qual o caudal e a altura
manométrica fornecidos pela bomba numa instalação com determinadas características.
Nos escoamentos uniformes de fluidos incompressíveis sob pressão, existem três variáveis
interrelacionadas: a perda de carga, o caudal (ou a velocidade) e a secção. O
dimensionamento hidráulico consiste, em geral, na determinação dos valores ao longo da rede
de uma destas variáveis, conhecendo as outras duas e respeitando as condições fronteira
(limites e restrições relativos a velocidades e/ou pressões) [8]. As equações fundamentais da
hidráulica, em particular o Teorema de Bernoulli, as leis da resistência e a equação da
continuidade, permitem facilmente resolver estas questões de dimensionamento hidráulico.
Note-se que, no caso das redes húmidas de 2.ª intervenção, a abordagem legal é diferente. O
RT-SCIE e o Despacho n.º 12605/2013 referem valores mínimos de caudal e pressão a
considerar na boca-de-incêndio mais desfavorável de, respetivamente, 4 l/s e 350 kPa, com
metade delas em funcionamento, num máximo de quatro. Isto significa, numa instalação com
pelo menos oito bocas de incêndio, um caudal de cálculo máximo de 16 l/s (valor relativamente
desfasado dos valores indicados para redes secas). A legislação não indica neste caso
diâmetros, mas eles podem ser estabelecidos pelo projetista com base em critérios de
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues
velocidades máximas (embora com alguma arbitrariedade, dado que não estão fixadas na
legislação), pelo que, conhecendo a pressão residual mínima (350 kPa), pode então ser
dimensionado o grupo de bombagem.
Pode concluir-se, desde já, que a legislação não é coerente nem completa no que se refere à
disponibilização dos elementos base e condições fronteira necessários para um correto
dimensionamento das redes secas e húmidas. No caso das redes secas, falta, em particular, a
indicação de uma pressão residual mínima na boca mais desfavorável e uma definição da
curva característica da bomba de serviço de incêndios, que permita a determinação da altura
manométrica para o caudal de cálculo. A altura manométrica (H+) a disponibilizar pela bomba
pode ser dada de forma aproximada (desprezando a altura cinética na tubagem, cujo valor não
ultrapassa 0,5 m) pela expressão:
sendo:
As perdas de carga localizadas mais significativas (até às bocas dos pisos) podem ocorrer na
boca siamesa de alimentação (em particular na válvula de retenção), na curva de ligação do
ramal à coluna (quando existente) e nos tês de derivação da coluna para as bocas duplas nos
pisos. O valor destas perdas é função da geometria dos acessórios, do respetivo material e da
velocidade de escoamento. Através de uma consulta às tabelas constantes dos manuais da
hidráulica [9], pode facilmente observar-se que estas perdas localizadas podem totalizar um
comprimento equivalente próximo de 14 metros numa rede DN 80 com 28 metros de altura e
com um ramal de ligação. Assim, a expressão anterior pode ser simplificada, sem erro
significativo, considerando, em vez das perdas de carga localizadas, um acréscimo de 50% nos
comprimentos reais, ou seja comprimentos de cálculo iguais a 1,5 vezes os comprimentos
reais:
Se existirem troços horizontais de menor diâmetro, para a ligação às bocas duplas nos pisos, o
respetivo comprimento (LTL) será incluído no parêntesis (admitindo que j é da mesma ordem de
grandeza).
Dado que o desnível e os comprimentos horizontais e verticais são facilmente determinados,
bem como a perda de carga unitária (como se verá mais à frente), a expressão anterior fica
Conceção e dimensionamento de redes secas
com duas incógnitas - a altura manométrica da bomba e a pressão residual -, pelo que a sua
resolução implica o conhecimento do valor de uma delas. Assim, pode partir-se da altura
manométrica da bomba correspondente ao caudal de cálculo e obter a pressão residual na
boca ou, de modo inverso, fixar a pressão residual mínima na boca e determinar qual deve ser
a altura manométrica mínima da bomba.
Qualquer destes procedimentos é prejudicado pelo facto de a legislação não indicar, para as
colunas secas, a pressão residual mínima nas bocas nem caracterizar as curvas características
das bombas dos VUCI. Em qualquer caso, o segundo procedimento de cálculo é o mais
adequado, dado que a altura manométrica pode ser regulada no veículo. Nesta perspetiva, é
de salientar que, para rigor dos procedimentos, as colunas secas deveriam ser dotadas de uma
placa junto à boca de alimentação, com indicação da pressão de introdução. Esta medida não
é, contudo, exigida pela atual legislação portuguesa.
Para pressão residual na boca de saída mais desfavorável, pode fixar-se um valor análogo ao
das redes húmidas, ou seja, 350 kPa (que corresponde a uma carga de aproximadamente 35
metros). No caso da coluna DN80, por exemplo, este valor será suficiente para alimentar com o
caudal Q = 3,5 l/s (≈ 13,9/4) uma mangueira de 45 mm de diâmetro com dois lanços de 20
metros dotada de uma agulheta com orifício de saída de 25 mm (D), sendo a boca de saída da
coluna dotada de válvula tipo globo. Adaptando, para a agulheta, a expressão geral para
orifícios circulares, com um coeficiente de vazão de 0,95 [9], a carga necessária será:
Para a mangueira, pode adotar-se, por exemplo, a fórmula de Hazen Williams com C = 140:
A perda de carga na boca de saída da coluna, caso seja equipada com válvula tipo globo, será
relativamente elevada [9], podendo alcançar:
Somando estas três parcelas, confirma-se que o valor de 35 m é largamente suficiente para
assegurar um caudal na mangueira de 3,5 l/s: A mesma confirmação pode ser feita de modo
análogo para uma rede DN 100. No que se refere à perda de carga unitária (j), o seu valor
depende essencialmente do material da conduta, do seu diâmetro interior e do caudal. De um
modo geral, para os caudais de cálculo e materiais habituais, o valor é sempre próximo (mas
inferior) a 0,1 m/m, pelo que este valor pode ser adotado, pelo lado da segurança, para efeitos
de simplificação dos cálculos. Retomando então a expressão (2) obtém-se a expressão geral:
Por exemplo, para uma coluna com uma altura de 20 metros, com um ramal de ligação de 10
metros e bocas ligadas diretamente à coluna, a pressão mínima de introdução deveria ser de:
Armando Silva-Afonso, Carla Pimentel-Rodrigues
A bomba do serviço de incêndios deverá então garantir uma altura manométrica de 60 metros
para um caudal de 50 m3/h.
6. CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS