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Informativo 913-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

Processo ainda não comentado porque o julgamento não foi concluído em virtude de um pedido de vista. Será
comentado assim que chegar ao fim: Inq 4694/DF.

ÍNDICE
DIREITO ADMINISTRATIVO
ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPARTILHAMENTO DE PROVAS
 É possível o compartilhamento das provas obtidas no acordo de leniência, desde que sejam respeitados os limites
estabelecidos no acordo em relação aos aderentes.

DIREITO PENAL
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
 STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o Tribunal
utilizou esse reconhecimento para conceder a pena restritiva de direitos, afastando o óbice do art. 44, II, do CP.

CRIMES CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES


 Ausência do crime do art. 89 em conduta de Secretário de Estado que compra, sem licitação, livros didáticos
escolhidos por equipe técnica, de fornecedor exclusivo, sem sobrepreço.

DIREITO DO TRABALHO
TERCEIRIZAÇÃO
 Mesmo antes das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, já era lícita a terceirização de toda e qualquer atividade da
empresa, seja ela atividade-meio ou fim, de forma que era inconstitucional a Súmula 331 do TST.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ACORDO DE LENIÊNCIA E COMPARTILHAMENTO DE PROVAS


É possível o compartilhamento das provas obtidas no acordo de leniência, desde que sejam
respeitados os limites estabelecidos no acordo em relação aos aderentes

É possível o compartilhamento, para outros órgãos e autoridades públicas, das provas obtidas
no acordo de leniência, desde que sejam respeitados os limites estabelecidos no acordo em
relação aos aderentes.
Assim, por exemplo, se uma empresa celebra acordo de leniência com o MPF aceitando
fornecer provas contra si, estas provas somente poderão ser utilizadas para as sanções que
foram ajustadas no acordo.
No entanto, nada impede que tais provas sejam fornecidas (compartilhadas) para os órgãos
de apuração para que sejam propostas medidas contra as outras pessoas envolvidas nos
ilícitos e que não fizeram parte do acordo.
STF. 2ª Turma. Inq 4420/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/8/2018 (Info 913)

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Acordo de leniência
A Lei 12.846/2013 prevê a possibilidade de a pessoa jurídica que praticar ato lesivo à administração pública
celebrar um “acordo de leniência” para abrandar a sua punição.
O acordo de leniência é uma espécie de “colaboração premiada”.

Quais são os requisitos para que o acordo seja celebrado?


Para que o acordo de leniência seja celebrado deverão ser preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do
ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de
propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a
todos os atos processuais, até seu encerramento.

A colaboração da pessoa jurídica precisa ser eficaz?


SIM. É necessário que a pessoa jurídica colabore efetivamente com as investigações e com o processo e
dessa colaboração deve resultar:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

No acordo de leniência serão estipuladas as condições necessárias para que seja assegurada a efetividade
da colaboração e o resultado útil do processo.

O Ministério Público pode celebrar acordo de leniência?


Existe uma polêmica sobre isso. O art. 16, § 10 da Lei nº 12.846/2013 afirma que “a Controladoria-Geral
da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo
federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.”
A posição que prevalece, contudo, é a de que, mesmo no silêncio da Lei, o Ministério Público pode sim
fazer o acordo de leniência porque isso decorre do art. 129 da CF/88.

Cuidado para não confundir


Existe um acordo de leniência que é previsto na Lei nº 12.529/2011. Ele é diferente do que estamos
estudando aqui.
O acordo de leniência da Lei nº 12.529/2011 “é um instrumento de defesa da concorrência por meio do
qual um ou mais agentes que praticaram infração à ordem econômica cooperam voluntariamente com as
investigações em troca de redução da pena ou até mesmo do perdão total. Trata-se de instituto
equivalente à delação premiada do direito penal." (RAMOS, André Luiz Santa Cruz; GUTERRES, Thiago
Martins. Lei Antitruste. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 163).

Feitos os devidos esclarecimentos, imagine a seguinte situação concreta:


Tramitava no Supremo Tribunal Federal um inquérito para apurar suposta propina que teria sido paga pela
construtora ODEBRECHT ao Deputado Federal Rodrigo Garcia, na época em que ele era Secretário
Municipal na cidade de São Paulo (SP).
Vale ressaltar que os elementos informativos (“provas”) que constam neste inquérito foram fornecidos
pela própria ODEBRECHT, que firmou um acordo de leniência com o Ministério Público Federal.

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A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo soube da existência desse inquérito
e requereu ao STF o compartilhamento das “provas” a fim de instruir um inquérito civil instaurado para
investigar a possível prática de ato de improbidade por parte de Rodrigo Garcia.
Na prática, isso significa o que? O Promotor de Justiça encaminhou um ofício ao STF dizendo o seguinte:
eu instaurei aqui um inquérito civil contra esse Deputado para apurar a eventual prática de ato de
improbidade administrativa e gostaria de ter acesso integral aos autos deste inquérito que tramita aí no
Supremo para poder utilizar estes elementos na ação de improbidade que irei propor.
A ODEBRECHT manifestou-se contrariamente ao compartilhamento afirmando o seguinte: a nossa
empresa celebrou um acordo de leniência com o MPF. Se o MP/SP quer ter acesso ao inteiro teor do
inquérito, deverá aderir ao acordo de leniência e, ainda assim, não poderá utilizar estas provas para
ingressar com ação de improbidade em desfavor da ODEBRECHT. Isso porque as provas fornecidas pela
ODEBRECHT no acordo não podem ser utilizadas contra ela própria.

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O STF deferiu o pedido do MP/SP? Houve o compartilhamento das provas?


SIM. Vamos entender com calma.

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Provas realmente não podem ser utilizadas contra o colaborador


As provas obtidas com o acordo de leniência ou com o acordo de colaboração premiada podem ser
compartilhadas com outros órgãos e autoridades públicas nacionais e até estrangeiras. Tais provas podem
ser utilizadas por tais autoridades para fins cíveis, fiscais, administrativos e até mesmo criminais.
No entanto, tais provas NÃO podem ser utilizadas contra os próprios colaboradores para produzir
punições além daquelas pactuadas no acordo.
Em outras palavras, no acordo de leniência, a ODEBRECHT confessou a prática de ilícitos e apresentou
provas contra outras pessoas que também participaram dos fatos. No próprio acordo já ficaram acertadas
as sanções a que ela irá se submeter.
Se uma outra autoridade (ex: MP/SP) pede para utilizar tais provas, isso pode ser autorizado, mas tais
elementos fornecidos não poderão ser utilizados contra a empresa colaboradora (ODEBRECHT).
Esta ressalva deve ser expressamente comunicada ao destinatário da prova, com a informação de que se
trata de uma limitação intrínseca e subjetiva de validade do uso da prova, nos termos da Nota Técnica nº
01/2017, da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Por que funciona assim?


O colaborador aceitou produzir provas contra si mesmo porque isso ficou combinado segundo os termos
do acordo de leniência celebrado com o Estado. Em outras palavras, o colaborador concordou em
confessar porque foi feito um acordo de que ele somente seria punido de acordo com aquilo que foi
combinado.
Assim, a utilização de tais elementos probatórios, produzidos pelo próprio colaborador, em seu prejuízo,
de modo distinto do firmado com a acusação e homologado pelo Judiciário, é prática abusiva, que viola o
direito à não autoincriminação.
Deve-se ressaltar que isso não impede que outras autoridades não aderentes ao acordo realizem
investigações e persecuções distintas (por exemplo, sobre fatos novos ou não incluídos no acordo), mas
veda somente a utilização para esses casos de elementos probatórios produzidos pelos próprios
colaboradores em razão do negócio firmado.

Acordo de leniência previa a não propositura de ações de improbidade contra a ODEBRECHT


No acordo de leniência em questão, o MPF se comprometeu a não propor, contra os aderentes
(ODEBRECHT e suas demais empresas), qualquer ação de natureza cível ou penal em relação aos fatos e
condutas nele revelados.
Uma das cláusulas previa expressamente que não se poderia utilizar as provas fornecidas pela construtora
para se ajuizar ação de improbidade administrativa contra ela. Veja:
“d) a não propor qualquer ação de natureza cível ou sancionatória, inclusive ações de improbidade
administrativa, pelos fatos ou condutas revelados em decorrência deste Acordo de Leniência, contra a
COLABORADORA, empresas de seu grupo econômico, Aderentes, enquanto cumpridas integralmente as
cláusula estabelecidas neste Acordo (...)”

Tudo bem. Até agora entendi... Mas por que o STF autorizou então o compartilhamento das provas com
o MP/SP para a possível ação de improbidade?
Porque o inquérito civil não investiga apenas o Deputado (que, na época, era Secretário), ou seja, o alvo é
um indivíduo que não é abrangido pelo acordo de leniência.
Assim, o STF afirmou o seguinte: eu autorizo o compartilhamento, no entanto, o MP/SP deverá respeitar
os termos do acordo de leniência em relação à empresa colaboradora (ODEBRECHT).
É interessante fazer a leitura da ementa do julgado:
Penal e Processual Penal. 2. Compartilhamento de provas e acordo de leniência. 3. A possibilidade de
compartilhamento de provas produzidas consensualmente para outras investigações não incluídas na
abrangência do negócio jurídico pode colocar em risco a sua efetividade e a esfera de direitos dos

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imputados que consentirem em colaborar com a persecução estatal. 4. No caso em concreto, o inquérito
civil investiga possível prática de ato que envolve imputado que não é abrangido pelo acordo de leniência
em questão. 5. Contudo, deverão ser respeitados os termos do acordo em relação à agravante e aos
demais aderentes, em caso de eventual prejuízo a tais pessoas. 6. Nego provimento ao agravo, mantendo
a decisão impugnada e o compartilhamento de provas, observados os limites estabelecidos no acordo de
leniência em relação à agravante e aos demais aderentes.
STF. 2ª Turma. Inq 4420 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/08/2018.

Resumindo:
É possível o compartilhamento, para outros órgãos e autoridades públicas, das provas obtidas no acordo
de leniência, desde que sejam respeitados os limites estabelecidos no acordo em relação aos aderentes.
Assim, por exemplo, se uma empresa celebra acordo de leniência com o MPF aceitando fornecer provas
contra si, estas provas somente poderão ser utilizadas para as sanções que foram ajustadas no acordo.
No entanto, nada impede que tais provas sejam fornecidas (compartilhadas) para os órgãos de apuração
para que sejam propostas medidas contra as outras pessoas envolvidas nos ilícitos e que não fizeram
parte do acordo.
STF. 2ª Turma. Inq 4420 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 28/08/2018.

DIREITO PENAL

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o réu era reincidente, em vez de
absolvê-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para conceder a pena restritiva de direitos,
afastando o óbice do art. 44, II, do CP

Importante!!!
Em regra, o reconhecimento do princípio da insignificância gera a absolvição do réu pela
atipicidade material. Em outras palavras, o agente não responde por nada.
Em um caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância, mas, como o
réu era reincidente, em vez de absolvê-lo, o Tribunal utilizou esse reconhecimento para
conceder a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, afastando o
óbice do art. 44, II, do CP:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade,
quando: (...) II – o réu não for reincidente em crime doloso;
Situação concreta: Antônio foi denunciado por tentar furtar quatro frascos de xampu de um
supermercado, bens avaliados em R$ 31,20. O réu foi condenado pelo art. 155 c/c art. 14, II,
do CP a uma pena de 8 meses de reclusão. Foi aplicado o regime inicial semiaberto e negada a
substituição por pena restritiva de direitos em virtude de ele ser reincidente (já possuía uma
condenação anterior por furto), atraindo a vedação do art. 44, II, do CP.
Em razão da reincidência, o STF entendeu que não era o caso de absolver o condenado, mas,
em compensação, determinou que a pena privativa de liberdade fosse substituída por
restritiva de direitos, afastando a proibição do art. 44, II, do CP.
STF. 1ª Turma. HC 137217/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado
em 28/8/2018 (Info 913).

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Origem
Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância no direito penal foi Claus Roxin, em 1964.
Esse princípio busca raízes no brocardo civil minimis non curat praetor (algo como “o pretor – magistrado
à época – não cuida de coisas sem importância).

Terminologia
Também é chamado de “princípio da bagatela” ou “infração bagatelar própria”.

Previsão legal
O princípio da insignificância não tem previsão legal no direito brasileiro.
Trata-se de uma criação da doutrina e da jurisprudência.

Natureza jurídica
Para a posição majoritária, o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade
material.

Tipicidade material
A tipicidade penal divide-se em:
a) Tipicidade formal (ou legal): é a adequação (conformidade) entre a conduta praticada pelo agente e a
conduta descrita abstratamente na lei penal incriminadora.
b) Tipicidade material (ou substancial): é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pelo tipo
penal.

Verificar se há tipicidade formal significa examinar se a conduta praticada pelo agente amolda-se ao que
está previsto como crime na lei penal.
Verificar se há tipicidade material consiste em examinar se essa conduta praticada pelo agente e prevista
como crime produziu efetivamente lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.

Primeiro se verifica se a conduta praticada pelo agente se enquadra em algum crime descrito pela lei
penal.
• Se não se amoldar, o fato é formalmente atípico.
• Se houver essa correspondência, o fato é formalmente típico.
• Sendo formalmente típico, é analisado se a conduta produziu lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
que este tipo penal protege.
• Se houver lesão ou perigo de lesão, o fato é também materialmente típico.
• Se não houver lesão ou perigo de lesão, o fato é, então, materialmente atípico.

Princípio da insignificância e tipicidade material


Se o fato for penalmente insignificante, significa que não lesou nem causou perigo de lesão ao bem
jurídico. Logo, aplica-se o princípio da insignificância e o réu é absolvido por atipicidade material, com
fundamento no art. 386, III, do CPP.
O princípio da insignificância atua, então, como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal.

Requisitos objetivos (vetores) para a aplicação do princípio:


O Min. Celso de Mello (HC 84.412-0/SP) idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio
da insignificância, sendo eles adotados pela jurisprudência do STF e do STJ.
Segundo a jurisprudência, somente se aplica o princípio da insignificância se estiverem presentes os
seguintes requisitos cumulativos:

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a) mínima ofensividade da conduta;


b) nenhuma periculosidade social da ação;
c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e
d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

É possível aplicar o princípio da insignificância em favor de um réu reincidente ou que já responda a


outros inquéritos ou ações penais?
A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da
simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do
agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados.
A reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à
luz dos elementos do caso concreto.
Na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da
insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa
de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do
art. 33, § 2º, "c", do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade.
STF. Plenário. HC 123108, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015 (Info 793).

Caso concreto julgado pelo STF:


Antônio foi denunciado por tentar furtar quatro frascos de xampu de um supermercado, bens avaliados
em R$ 31,20.
O réu foi condenado pelo art. 155 c/c art. 14, II, do CP a uma pena de 8 meses de reclusão. Foi aplicado o
regime inicial semiaberto e negada a substituição por pena restritiva de direitos.
A defesa impetrou habeas corpus pedindo a absolvição do condenado com base na aplicação do princípio
da insignificância.
O “problema” é que Antônio é reincidente (já possuía uma condenação anterior por furto).

Primeira pergunta: por que o juiz negou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos?
Porque o réu era reincidente em crime doloso, nos termos do art. 44, II, do CP:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade,
quando:
(...)
II – o réu não for reincidente em crime doloso;

Segunda pergunta: o STF concordou com o pedido da defesa e absolveu o réu com base no princípio da
insignificância?
NÃO. A 1ª Turma do STF adotou uma posição “intermediária”. Como o réu era reincidente em crimes
patrimoniais, o STF decidiu que não se poderia aplicar o princípio da insignificância para absolver o agente.
No entanto, apesar disso, o STF concedeu habeas corpus de ofício para que a pena privativa de liberdade
imposta ao condenado seja substituída por restritiva de direitos.
O ponto interessante foi o seguinte: pela teoria tradicional, o reconhecimento do princípio da
insignificância gera a absolvição do réu pela atipicidade material. Em outras palavras, o agente não
responde por nada. Fica livre. No caso concreto, contudo, o STF reconheceu o princípio da insignificância,
mas, em vez de absolver o agente, utilizou esse reconhecimento para conceder a substituição da pena
privativa de liberdade por restritiva de direitos, afastando o óbice do art. 44, II, do CP.
Desse modo, o princípio da insignificância pode ser utilizado em alguns casos para não absolver o agente,
mas conceder a ele benefício penal, como por exemplo, a substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, mesmo havendo óbice legal.

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O Min. Alexandre de Moraes afirmou que, em pequenas comunidades, a substituição da pena privativa de
liberdade por medida restritiva de direito, a permitir que as pessoas vejam onde está sendo cumprida,
tem valor simbólico e pedagógico maior do que a fixação do regime semiaberto ou aberto.
STF. 1ª Turma. HC 137217/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgado em
28/8/2018 (Info 913).

CRIMES CONTRA A LEI DE LICITAÇÕES


Ausência do crime do art. 89 em conduta de Secretário de Estado que compra, sem licitação,
livros didáticos escolhidos por equipe técnica, de fornecedor exclusivo, sem sobrepreço

Não comete o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 Secretária de Educação que faz contratação
direta, com base em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de livros didáticos para a rede
pública de ensino, livros esses que foram escolhidos por equipe técnica formada por
pedagogos, sem a sua interferência. Vale ressaltar que havia comprovação, por meio de carta
de exclusividade emitida por entidade do setor, de que a empresa contratada era a única
fornecedora dos livros na região.
Além disso, não houve demonstração de sobrepreço.
Diante dessas circunstâncias, o STF absolveu a ré por ausência de “dolo específico” (elemento
subjetivo especial).
STF. Plenário. AP 946/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 30/8/2018 (Info 913).

A situação concreta foi a seguinte:


No ano de 2004, a atual Deputada Federal Professora Dorinha (DEM-TO) era Secretária de Educação do
Estado de Tocantins.
Neste período, ela fez a compra direta, ou seja, sem licitação, de livros didáticos para as escolas públicas
afirmando que se estava diante de uma hipótese de inexigibilidade (art. 25 da Lei nº 8.666/93).
O Ministério Público entendeu que não foram observados os procedimentos da Lei nº 8.666/93 para se
decretar a inexigibilidade de licitação, entre os quais a pesquisa de preços de mercado.
Diante disso, em 2014, a Deputada Federal foi denunciada, no STF, pela prática do crime previsto no art.
89 da Lei nº 8.666/93.
Um parêntese: em 2014, vigorava ainda o entendimento amplo do STF acerca do foro por prerrogativa de
função, de forma que, mesmo que o crime tivesse sido cometido fora do exercício do mandato, o
Deputado Federal teria direito ao foro por prerrogativa de função enquanto estivesse no cargo.

Condenação pela 1ª Turma do STF


Em 2016, a Deputada foi julgada pela 1ª Turma do STF, tendo sido condenada a 5 anos e 4 meses de
detenção.
O placar foi: 3x2.
Votaram pela condenação os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Os ministros Luiz Fux (revisor) e Rosa Weber votaram pela absolvição.

Fora os embargos de declaração, a Deputada condenada poderia interpor algum recurso contra essa
decisão?
SIM. Como houve dois Ministros que votaram pela absolvição, a Deputada condenada poderia interpor
embargos infringentes para ser julgado pelo Plenário do STF. Sobre o tema, veja:

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Cabem embargos infringentes para o Plenário do STF contra decisão condenatória proferida em sede de
ação penal de competência originária das Turmas do STF.
O requisito de cabimento desse recurso é a existência de dois votos minoritários absolutórios em sentido
próprio.
STF. Plenário. AP 863 EI-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 18 e 19/4/2018; HC 152707/DF, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 18 e 19/4/2018 (Info 898).

Vale ressaltar que esses embargos infringentes contra decisões do STF não são regulados pelo CPP, mas
sim pelo art. 333 do Regimento Interno do STF.
Obs: se você quiser relembrar as características desse recurso, veja a explicação feita no Info 898.

Voltando ao caso concreto:


A Deputada Professora Dorinha apresentou embargos infringentes para o Plenário pedindo a reforma da
decisão da 1ª Turma e a sua consequente absolvição.
Em agosto de 2018, o Plenário do STF julgou o recurso e absolveu a Deputada por entender que não restou
configurada a prática de crime.
Vamos entender as razões jurídicas.

A Lei de Licitação (Lei nº 8.666/93) prevê alguns tipos penais.


O art. 89 tipifica como crime a dispensa ou inexigibilidade indevida de licitação. Veja:
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar
as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a
consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar
contrato com o Poder Público.

Regra: obrigatoriedade de licitação


Como regra, a CF/88 impõe que a Administração Pública somente pode contratar obras, serviços, compras
e alienações se realizar uma licitação prévia para escolher o contratante (art. 37, XXI).

Exceção: contratação direta nos casos especificados na legislação


O inciso XXI afirma que a lei poderá especificar casos em que os contratos administrativos poderão ser
celebrados sem esta prévia licitação. A isso a doutrina denomina “contratação direta”.

Resumindo:
A regra na Administração Pública é a contratação precedida de licitação. Contudo, a legislação poderá
prever casos excepcionais em que será possível a contratação direta sem licitação.

Contratação direta
A Lei de Licitações e Contratos prevê três grupos de situações em que a contratação ocorrerá sem licitação
prévia. Trata-se das chamadas licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. Vejamos o quadro
comparativo abaixo:

Dispensada Dispensável Inexigível


Art. 17 Art. 24 Art. 25
Rol taxativo Rol taxativo Rol exemplificativo

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A lei determina a não realização A lei autoriza a não realização da Como a licitação é uma disputa,
da licitação, obrigando a licitação. Mesmo sendo é indispensável que haja
contratação direta. dispensável, a Administração pluralidade de objetos e
pode decidir realizar a licitação pluralidade de ofertantes para
(discricionariedade). que ela possa ocorrer. Assim, a
lei prevê alguns casos em que a
inexigibilidade se verifica porque
há impossibilidade jurídica de
competição.
Ex.: quando a Administração Ex.: contratação direta nos casos Ex.: contratação de artista
Pública possui uma dívida com o de guerra ou grave perturbação consagrado pela crítica
particular e, em vez de pagá-la da ordem. especializada ou pela opinião
em espécie, transfere a ele um pública para fazer o show do
bem público desafetado, como aniversário da cidade.
forma de quitação do débito. A
isso chamamos de dação em
pagamento (art. 17, I, "a").

Procedimento de justificação
Mesmo nas hipóteses em que a legislação permite a contratação direta, é necessário que o administrador
público observe algumas formalidades e instaure um processo administrativo de justificação.

Crime do Art. 89
Tipo objetivo
O crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 ocorre se o administrador público...
• dispensar a licitação fora das hipóteses previstas em lei;
• inexigir (deixar de exigir) licitação fora das hipóteses previstas em lei; ou
• deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as formalidades estão
previstas especialmente no art. 26 da Lei).

Desse modo, haverá o crime tanto na hipótese em que a licitação é dispensada mesmo sem lei autorizando
ou determinando a dispensa, como na situação em que a lei até autoriza ou determina, mas o
administrador não observa os requisitos formais para tanto.

Norma penal em branco


Como as hipóteses de dispensa e inexigibilidade estão previstas na Lei nº 8.666/93, este tipo penal é
taxado como:
• norma penal em branco (porque depende de complemento normativo);
• imprópria, em sentido amplo ou homogênea (o complemento normativo emana do legislador);
• do subtipo homovitelínea ou homológa (o complemento emana da mesma instância legislativa).

Tipo subjetivo
Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, exige-se o especial
fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário ou obter vantagem indevida. Esse
entendimento é pacífico na jurisprudência do STF e STJ:
Para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração,
já na fase de recebimento da denúncia, do elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao
erário ou obter vantagem indevida.
STF. 2ª Turma. Inq 3965, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 22/11/2016.

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O delito em questão exige, além do dolo genérico (representado pela vontade consciente de dispensar ou
inexigir licitação com descumprimento das formalidades), a presença do especial fim de agir, que consiste
no dolo específico de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento ilícito dos agentes envolvidos
na empreitada criminosa.

• Dolo genérico: vontade de dispensar ou inexigir licitação com descumprimento das formalidades;
• Especial fim de agir (“dolo específico”): intenção de causar dano ao erário ou de gerar o enriquecimento
ilícito dos agentes envolvidos na empreitada criminosa.

Só há o crime do art. 89 se houver o dolo genérico mais o especial fim de agir.

Administrador inábil ≠ administrador ímprobo


Para a responsabilização penal do administrador público com base no art. 89 da Lei de Licitações (norma
penal em branco), cumpre analisar se foram violados os pressupostos de dispensa ou inexigibilidade de
licitação previstos nos arts. 24 e 25 da Lei, bem como se houve vontade livre e consciente de violar a
competição e de produzir resultado lesivo ao patrimônio público.
Tal compreensão busca distinguir o administrador probo que, sem má-fé, agindo com culpa, aplica
equivocadamente a norma de dispensa ou inexigibilidade de licitação, daquele que afasta a concorrência
de forma deliberada, sabendo-a imperiosa, com finalidade ilícita.

Acusada não interferiu na escolha dos livros


Segundo observou o Min. Relator dos embargos, a acusada não interferiu na escolha dos livros que foram
adquiridos, tendo eles sido selecionados por uma equipe técnica formada por pedagogos. Não há também
qualquer prova de que a ré tenha manifestado preferência por qualquer uma das obras, editoras ou
distribuidoras específicas.
Não há qualquer vínculo entre a Deputada e os sócios das empresas contratadas nem qualquer indício de
acerto prévio entre eles.
Ademais, a escolha dos livros ideais para alcançar os objetivos do programa governamental em questão é
matéria circunscrita ao mérito do ato administrativo. Desse modo, a seleção do melhor material didático
não está vinculada a critérios estritamente objetivos sobre os quais o Poder Judiciário possa exercer
controle jurisdicional.

Formalidades foram atendidas


As etapas necessárias para a declaração de inexigibilidade de licitação por inviabilidade de competição
foram cumpridas conforme exige a lei e não ficou demonstrado o “dolo específico” da acusada para
favorecer empresas e lesar o Estado, o que afasta o enquadramento da conduta como crime.

Carta de exclusividade
A empresa que foi contratada apresentou, na época, uma “carta de exclusividade” na qual informa haver
uma divisão regional de atuação entre os concorrentes e que, naquela localidade, somente ela poderia
comercializar os livros.
Isso justifica a inexigência de licitação com base no art. 25, I, da Lei nº 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por
produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca,
devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de
registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato,
Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

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Vale ressaltar que essa prática (“carta de exclusividade”) é reconhecida como lícita pelo Tribunal de Contas
da União desde que emitida por entidade idônea vinculada ao setor de mercado respectivo. No caso
concreto, a carta de exclusividade foi emitida pela Câmara Brasileira do Livro.

Compatibilidade dos preços


Outro ponto ressaltado é que os preços contratados são compatíveis com aqueles praticados no mercado,
não havendo provas de que tenha havido sobrepreço (superfaturamento).

Faltou dolo
Assim, no caso concreto, o STF entendeu que não restou demonstrado o “dolo específico” (elemento
subjetivo especial) na conduta da ré. Em outras palavras, não ficou provado que ela agiu com o intuito de
beneficiar as empresas contratadas nem que tenha agido com o objetivo de lesar o erário.

Em suma:
Não comete o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 Secretária de Educação que faz contratação direta,
com base em inexigibilidade de licitação (art. 25, I), de livros didáticos para a rede pública de ensino,
livros esses que foram escolhidos por equipe técnica formada por pedagogos, sem a sua interferência.
Vale ressaltar que havia comprovação, por meio de carta de exclusividade emitida por entidade do
setor, de que a empresa contratada era a única fornecedora dos livros na região.
Além disso, não houve demonstração de sobrepreço.
Diante dessas circunstâncias, o STF absolveu a ré por ausência de “dolo específico” (elemento subjetivo
especial).
STF. Plenário. AP 946/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 30/8/2018 (Info 913).

DIREITO DO TRABALHO

TERCEIRIZAÇÃO
Mesmo antes das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, já era lícita a terceirização de toda e
qualquer atividade da empresa, seja ela atividade-meio ou fim, de forma que era
inconstitucional a Súmula 331 do TST

Importante!!!
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas
distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a
responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
Os itens I e III da Súmula 331 do TST são inconstitucionais.
STF. Plenário. ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29 e 30/8/2018 (Info 913).
STF. Plenário. RE 958252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 29 e 30/8/2018 (repercussão geral)
(Info 913).

Terceirização
“Ocorre a terceirização quando uma empresa, em vez de executar serviços diretamente com seus
empregados, contrata outra empresa para que esta os realize, com o seu pessoal sob a sua
responsabilidade. O empregado é contratado pela empresa intermediadora (empregadora), mas presta

Informativo 913-STF (05/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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serviços em outro local (empresa tomadora).” (CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho para concursos de
analista do TRT, TST e MPU. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 360).
Desse modo, terceirizar significa transferir uma ou mais atividades da empresa para que sejam realizados
por outra empresa.

Pessoas envolvidas
Na terceirização, há três pessoas envolvidas na relação jurídica:
a) trabalhador terceirizado;
b) empresa prestadora de serviços a terceiros; e
c) empresa contratante.

Regulamentação
Até 2017, não havia uma regulamentação muito clara em lei tratando sobre a terceirização.
Diante disso, o TST editou a Súmula nº 331 do TST estabelecendo requisitos para que a terceirização fosse
considerada legítima.
Em 2017, o Congresso Nacional editou duas leis tratando sobre terceirização:
• Lei nº 13.429/2017: alterou dispositivos da Lei nº 6.019/74 (lei do trabalho temporário) e dispôs sobre
as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
• Lei nº 13.467/2017: a chamada Reforma Trabalhista e que também tratou sobre alguns pontos de
terceirização.

Posição tradicional do TST


Como disse acima, antes de 2017, não havia uma lei que dispusesse de forma detalhada a respeito da
terceirização.
Assim, o TST editou uma súmula na qual afirmou que as empresas poderiam fazer a terceirização apenas
de suas atividades-meio, mas não de atividades-fim (excepcionalmente, as empresas poderiam fazer a
terceirização de atividades-fim, desde que fosse para trabalho temporário).
Ex: uma escola particular poderia terceirizar o serviço de vigilância armada. Logo, a escola poderia
contratar uma empresa para fornecer vigilantes que iriam cuidar da segurança do colégio. Tais vigilantes
iriam trabalhar na escola, mas não seriam funcionários dela e sim da empresa prestadora do serviço
(intermediadora).
Isso estava previsto nos itens I e III da Súmula 331 do TST. Veja:
Súmula 331-TST: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente
com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego
com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102,
de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-
meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação
processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas
mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações
da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais
e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero
inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

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VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da


condenação referentes ao período da prestação laboral.

Repetindo: a Súmula 331-TST proibia a terceirização dos serviços principais da empresa (atividade-fim).
Ex: uma escola não poderia terceirizar a contratação dos professores. Como a atividade-fim da escola é o
ensino, os professores obrigatoriamente tinham que ser empregados do colégio.

Lei nº 13.429/2017
Em março de 2017, foi editada a Lei nº 13.429/2017, com o objetivo de regulamentar o trabalho
temporário e a terceirização.
“A Lei nº 13.429/2017 não restringiu os serviços passíveis de terceirização apenas à atividade-meio da
empresa, o que levou à interpretação de que havia sido autorizada a terceirização nas atividades-fim das
empresas, inclusive pelos debates dos parlamentares que antecederam a votação do projeto. Apesar da
ampla possibilidade de terceirização, a legislação era omissa quanto à possibilidade de terceirização da
atividade-fim e gerava insegurança jurídica, pois a imprecisão da norma em admitir (ou não) a
terceirização em atividade-fim levava à discussão sobre sua permissão ou não no ordenamento jurídico.”
(CORREIA, Henrique. Direito do Trabalho para concursos de analista do TRT, TST e MPU. Salvador:
Juspodivm, 2018, p. 360).

Lei nº 13.467/2017
Em julho de 2017, foi editada a Lei nº 13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista, que também tratou
sobre alguns pontos da terceirização que ainda precisavam ser esclarecidos.
A Lei nº 13.467/2017 foi expressa ao dizer que a terceirização abrange quaisquer atividades da empresa
contratante, inclusive sua atividade principal (atividade-fim).
Desse modo, não há mais qualquer dúvida de que com essa Lei passou a ser permitida a terceirização de
atividades-fim da empresa, de forma que a Lei teve como objetivo superar o entendimento jurisprudencial
da Súmula 331 do TST.

E antes das Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017, realmente era proibida a terceirização de atividades-
fim da empresa? Antes dessas Leis, o entendimento exposto na Súmula 331-TST era válido?
NÃO. Mesmo antes das Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017, já era permitida a terceirização de atividades-
fim da empresa. A Súmula 331 do TST era inconstitucional.
Foi o que decidiu o STF:
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas,
independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária
da empresa contratante.
STF. Plenário. ADPF 324/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29 e 30/8/2018 (Info 913).
STF. Plenário. RE 958252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 29 e 30/8/2018 (repercussão geral) (Info 913).

Direito do Trabalho passa por transformações


O Ministro Roberto Barroso advertiu que, no contexto atual, é inevitável que o Direito do Trabalho passe,
nos países de economia aberta, por transformações.

CF/88 não proíbe a terceirização


Além disso, a Constituição Federal não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede
o desenvolvimento de estratégias de produção flexíveis, tampouco veda a terceirização.

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A terceirização não fragiliza a mobilização sindical dos trabalhadores. Ademais, as leis trabalhistas são de
obrigatória observância pela empresa envolvida na cadeia de valor, tutelando-se os interesses dos
empregados.
O entendimento tradicional do TST (espelhado na Súmula 331) não estabelece critérios e condições claras
e objetivas que permitam a celebração de terceirização com segurança, de modo a dificultar, na prática,
a sua contratação.

Distinção entre atividade-fim e atividade-meio está superada


Conforme explicou o Min. Luiz Fux:
A dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio” é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da
economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência
possível. Frequentemente, o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é
fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social
das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do
mundo.
A doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as “Firmas mudaram o escopo de suas
atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades
que previamente consideravam como centrais” (ROBERTS, John. The Modern Firm: Organizational Design
for Performance and Growth. Oxford: Oxford University Press, 2007).

Terceirização traz benefícios aos trabalhadores


A terceirização resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores, como a redução do desemprego,
crescimento econômico e aumento de salários, a favorecer a concretização de mandamentos
constitucionais, como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais
e regionais, sem prejuízo da busca do pleno emprego.

Terceirização, por si só, não traz prejuízos aos trabalhadores


A terceirização, por si só, não enseja precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou
desrespeito a direitos previdenciários. Terceirizar não significa, necessariamente, reduzir custos. É o
exercício abusivo de sua contratação que pode produzir tais violações.
Para evitar o exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem
ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante
observar certas formalidades.

Terceirização é amparada na livre iniciativa e livre concorrência


A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios
constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a
liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade.

Em suma:
O STF decidiu que, mesmo antes das mencionadas Leis, já era LÍCITA a terceirização de toda e qualquer
atividade, meio ou fim, de forma que não se configura relação de emprego entre a contratante e o
empregado da contratada. Porém, na terceirização, compete à contratante verificar a idoneidade e a
capacidade econômica da terceirizada e responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas
trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias.

Responsabilidade subsidiária da tomadora dos serviços

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A empresa contratante (tomadora dos serviços) não é considerada a empregadora do trabalhador


terceirizado. Em outras palavras, não existe vínculo empregatício entre a empresa contratante e o
trabalhador terceirizado.
O vínculo do trabalhador terceirizado é com a empresa prestadora de serviços a terceiros
O que acontece, no entanto, se o trabalhador terceirizado não for pago pela empresa prestadora dos
serviços? Neste caso, a empresa contratante poderá, de alguma forma, ser chamada a responder?
SIM. Se a empresa prestadora de serviços não pagar os trabalhadores, a empresa contratante (tomadora
dos serviços) poderá ser condenada a quitar os encargos trabalhistas.
Vale ressaltar que essa responsabilidade da empresa contratante é SUBSIDIÁRIA (não é solidária!).
Esse era o entendimento do TST (item IV da Súmula 331) e foi também a solução adotada pelo legislador:
Lei nº 6.019/74
Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação
de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Redação
dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
(...)
§ 5º A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas
referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições
previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Incluído
pela Lei nº 13.429/2017)

O STF confirmou que essa responsabilidade subsidiária é constitucional e deve ser mantida.
Assim, a empresa contratante (tomadora dos serviços) pode ser responabilizada subsidiariamente pelas
obrigações trabalhistas não adimplidas pela empresa prestadora de serviços.
Além disso, possui responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas por esta.
Vale ressaltar, no entanto, que, para isso, é indispensável que a empresa contratante tenha participado
do processo judicial.
Desse modo, o entendimento exposto nos itens IV e VI da Súmula 331 do TST continua válido porque agora
foi incorporado pelas Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017.

Processos transitados em julgado não são afetados


Vale ressaltar que o entendimento do TST de que não era permitida, como regra, a terceirização de
atividades-fim (itens I e III da Súmula 331) existe há muitos anos e vários processos foram julgados com
base nele.
Por essa razão, a decisão proferida pelo STF dizendo que essa parte da Súmula 331 do TST é
inconstitucional não afeta os processos em relação aos quais tenha havido coisa julgada.
Em outras palavras, se algum processo trabalhista aplicando esses itens da súmula 331 do TST já transitou
em julgado, não será possível a sua alteração agora com base no julgado do STF.

Enunciado 331
Conforme já explicado, o enunciado 331 do TST (na parte que proíbe a terceirização de atividades-fim) foi
considerado inconstitucional por violar os princípios da livre iniciativa e da liberdade contratual.

Terceirização na Administração Pública


Os julgados do STF acima comentados não trataram especificamente sobre a terceirização no âmbito da
Administração Pública. A discussão era direcionada para a iniciativa privada.
Desse modo, o STF ainda terá que definir, de forma mais precisa, os limites da terceirização no serviço
público, tendo em vista que, no âmbito da Administração Pública, a regra é no sentido de que as
contratações deverão ocorrer por meio de concurso público (art. 37, II, da CF/88).

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Sobre o tema, vale destacar que o Presidente da República recentemente editou o Decreto nº 9.507/2018,
que dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal
(terceirização na administração pública federal).
Esse Decreto prevê que não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta,
autárquica e fundacional, os serviços:
I - que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle;
II - que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em
risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;
III - que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de
aplicação de sanção; e
IV - que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade,
exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no
âmbito do quadro geral de pessoal.
Assim, em tese, tirando essas hipóteses, seria permitida a terceirização de todas as demais atividades.
O STF, contudo, conforme já dito, será chamado a fixar limites mais claros considerando a regra do
concurso público.

EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) Não é possível o compartilhamento, para outros órgãos e autoridades públicas, das provas obtidas no acordo de
leniência. ( )
2) (PGE/AP 2018 FCC) A Lei Federal nº 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, estabelece
determinadas disposições acerca da realização do acordo de leniência entre pessoas jurídicas envolvidas em
atividades ilícitas ali mencionadas e o Poder Público. A esse respeito, o referido diploma estatui que
A) a pessoa jurídica que celebrar o acordo ficará inteiramente isenta das penalidades estatuídas na referida lei,
mantendo-se, todavia, as sanções que tenham sido aplicadas na legislação referentes às licitações e contratações
públicas.
B) para celebrar o acordo de leniência, é requisito prévio a reparação integral do dano causado pela pessoa jurídica
proponente.
C) os efeitos do acordo de leniência serão automaticamente estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo
grupo econômico, de fato e de direito, da pessoa jurídica proponente.
D) rejeição da proposta de acordo de leniência implicará em reconhecimento tácito do ato ilícito praticado,
permitindo a aplicação imediata da sanção correspondente.
E) em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo
pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

3) (Promotor MPDFT 2015) Para o Superior Tribunal de Justiça, sem o intuito deliberado de causar prejuízo ao erário
e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos, não se configura o crime de dispensa ou inexigibilidade
indevida de licitação. ( )
4) É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas,
independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa
contratante. ( )

Gabarito
1. C 2. Letra E 3. C 4. C
Veja comentários abaixo

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Comentários:
Letra A:
Art. 16 (...)
2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso
IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.

Letra B:
Art. 16 (...)
§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes
requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do
acordo;

Letra C:
Art. 16 (...)
§ 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico,
de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.

Letra D:
Art. 16 (...)
§ 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.

Letra E:
Art. 16 (...)
§ 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo
prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio


eletrônico*
Em curso Finalizados
Pleno 29.8.2018 30.8.2018 0 3 40
1ª Turma 28.8.2018 — 6 5 196
2ª Turma 28.8.2018 — 2 45 113

TRANSCRIÇÕES
Reclamação e concessão de “habeas corpus” de ofício
(Transcrições)
Reclamação 24.506/SP*

RELATOR: Ministro Dias Toffoli

Reclamação constitucional. Alegada usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Diligências investigativas levadas a cabo
perante a autoridade reclamada que teriam apontado continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inciso I) entre o recla mante e a
autoridade investida de foro na Corte por prerrogativa da função. Circunstância que, por si só, não justifica o simultaneus processus perante
a Suprema Corte, que determinou a cisão do feito e o prosseguimento das investigações em primeiro grau de jurisdição em relação àqueles não
detentores de prerrogativa de foro. Precedentes. O desmembramento do feito em relação àqueles que não possuam prerrogativa de foro deve
ser a regra, diante da sua manifesta excepcionalidade, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo relevante. Inteligência

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da jurisprudência do STF. Não houve demonstração de prejuízo relevante, em razão da cisão do feito, para a persecução penal ou para a defesa
do reclamante. Inadequação do uso da reclamação para, sob a premissa de usurpação de competência, veicular insurgência contra a cisão das
investigações pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Existência de fato novo que endossaria a tese de usurpação de competência,
a justificar a reunião dos processos na Corte. Circunstâncias supervenientes que se imiscuem com o objeto de apuração no INQ nº 4.325/DF,
de relatoria do eminente Ministro Edson Fachin. Impossibilidade de se emitir juízo de valor no tocante a essa nova moldura fático-jurídica
apresentada, sob pena de se incorrer em substituição ao relator do inquérito, juiz natural da causa (CF, art. 5º, LIII). Improcedência da
reclamação e a consequente prejudicialidade do agravo regimental do Parquet. Presença de flagrante constrangimento ilegal passível de
correção por habeas corpus de ofício. Possibilidade em sede de reclamação constitucional. Inteligência do art. 654, § 2º, do Código de Processo
Penal. Precedentes. Prisão preventiva. Artigo 312 do Código de Processo Penal. Ausência de motivação idônea. Constrição assentada na
garantia da ordem pública. Aventado risco para a instrução criminal e para a aplicação da lei penal. Insubsistência Ausência de
contemporaneidade do decreto prisional nesse aspecto. Invocada gravidade em abstrato das condutas. Inadmissibilidade. Precedentes. Habeas
corpus concedido de ofício para ratificar a decisão cautelar revogadora da prisão preventiva do reclamante, a qual foi estendida a outros
investigados devidamente especificados (CPP. Art. 580).
1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal e garantir a
autoridade de suas decisões (CF, art. 102, inciso I, alínea 1), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (CF, art. 103A, §
3º).
2. Usurpação de competência fundamentada na tese de que as diligências investigativas levadas a cabo perante a autoridade
reclamada pela autoridade policial e pelo Parquet Federal teriam apontado continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inciso I) entre o
reclamante e a Senadora Gleisi Hoffmann, o que justificaria a reunião do caso no INQ nº 4.130/DF.
3. A configuração de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal para supervisionar investigações criminais tem como
consequência inexorável a nulidade dos atos eventualmente praticados na persecução penal, o que não é a hipótese dos autos.
4. A apontada continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, I), por si só, não justifica o simultaneus processus perante a
Suprema Corte, que já havia determinado a cisão do feito e o prosseguimento das investigações, quanto a não detentores de prerrogativa de foro, em
primeiro grau de jurisdição, ora sob a supervisão da autoridade reclamada.
5. Os fatos imputados ao ora reclamante, além de muito mais extensos do que aqueles imputados à Senadora, são dotados de
autonomia probatória.
6. Os documentos alusivos ao prosseguimento das investigações perante a autoridade reclamada não indicam novas condutas
criminosas imputáveis à Senadora da República que pudessem justificar a remessa do feito ao Supremo Tribunal Federal. Tampouco a Senadora seria
alvo de investigação naquela instância, o que, inegavelmente, configuraria a invocada usurpação de competência da Corte.
7. Não houve demonstração de prejuízo relevante, em razão da cisão do feito, para a persecução penal ou para a defesa do
reclamante.
8. A interativa jurisprudência da Corte consigna que o desmembramento do feito em relação a imputados que não possuam
prerrogativa de foro, "deve ser a regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses em que a
separação possa causar prejuízo relevante” (Inq nº 2.903/AC-AgR, Pleno, Relator o Ministro Teori Zavaschi, DJe de 1º/7/14).
9. Na linha de precedentes, a reclamação não é a via adequada para, sob a premissa de usurpação de competência, veicular
insurgência contra a cisão das investigações pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
10. A assunção de fato superveniente que corrobora a tese de usurpação de competência da Corte imiscui-se com o objeto de apuração
no INQ nº 4.325/DF, sob a relatoria do eminente Ministro Edson Fachin.
11. Impossibilidade de se emitir juízo de valor no tocante a essa nova moldura fático-jurídica apresentada para se concluir, como
pretendido, pela usurpação de competência da Corte, sob pena de se incorrer em substituição ao próprio relator do inquérito em questão, juiz natural da
causa (CF, art. 5º, LIII), que, oportunamente, analisará a questão sob o ângulo apontado, em campo próprio e propício para tanto.
12. Improcedência da reclamação e, por consequência, prejudicado o agravo regimental da PGR.
13. Flagrante constrangimento ilegal, que decorre da decretação da prisão preventiva do reclamante, passível de correção por habeas
corpus de ofício.
14. Na dicção do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, os juízes e os tribunais têm competência para expedir, de ofício, ordem
de habeas corpus quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
15. O Supremo Tribunal Federal não se distancia dessa premissa teórica, já que admite, em sede de reclamação constitucional, a
implementação de ordem de habeas corpus de ofício no intuito de reparar situações de flagrante ilegalidade devidamente demonstradas. Precedentes.
16. O juízo de primeiro grau justificou a necessidade da prisão preventiva para a garantia da ordem pública no fato de não ter sido
localizada "expressiva quantia em dinheiro desviada dos cofres públicos", o que representaria "risco evidente às próprias contas do País, que enfrenta
grave crise financeira, a qual certamente é agravada pelos desvios decorrentes de cumulados casos de corrupção".
17. Esse fato, isoladamente considerado, não constitui fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva para a garantia da
ordem pública, haja vista que se relaciona ao juízo de reprovabilidade da conduta, próprio do mérito da ação penal.
18. A prisão preventiva não pode ser utilizada como instrumento para compelir o imputado a restituir valores ilicitamente auferidos
ou a reparar o dano, o que deve ser objeto de outras medidas cautelares de natureza real, como o sequestro ou arresto de bens e valores que constituam
produto do crime ou proveito auferido com sua prática.
19. A prisão preventiva para a garantia da ordem pública seria cabível, em tese, caso houvesse demonstração de que o reclamante
estaria transferindo recursos para o exterior, conduta que implicaria a existência de risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos.
Disso, todavia, não há notícia.
20. Não foram apontados elementos concretos de que o reclamante, em liberdade, ora continuará a delinquir, não sendo admissível,
ademais, se cogitar da gravidade em abstrato dos crimes imputados ao reclamante e a necessidade de se acautelar a credibilidade da Justiça.
21. A necessidade da custódia para a aplicação da lei penal visa tutelar, essencialmente, o perigo de fuga do imputado, que, com seu
comportamento, frustraria a provável execução da pena, sendo certo, ademais, que a não localização do produto do crime não guarda correlação lógica
com o perigo de fuga do imputado.
22. A decisão do juízo de primeiro grau a respeito da necessidade da prisão para garantia da investigação ou da instrução criminal se
lastreou, de modo frágil, na mera conjectura de que o reclamante, em razão de sua condição de ex-ministro e de sua ligação com outros investigados e

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com a empresa envolvida nas supostas fraudes, poderia interferir na produção da prova, mas não indica um único elemento fático concreto que pudesse
amparar essa ilação.
23. A decisão da autoridade judiciária lastreou-se em argumentos frágeis, pois, ainda que amparada em elementos concretos de
materialidade, os fatos que deram ensejo a custódia estão longe de ser contemporâneos do decreto prisional.
24. É do entendimento da Corte que, "ainda que graves, fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de esvaziamento
da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inciso LVII, da CF)” (HC nº 147.192/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de
23/2/18.
25. Habeas corpus concedido de ofício para ratificar a decisão revogadora da prisão preventiva do reclamante nos exatos termos em
que proferida, a qual foi estendida a outros investigados especificados, na forma do art. 580 do CPP.

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR):


Conforme relatado, trata-se de reclamação ajuizada por Paulo Bernardo Silva, ao fundamento de que o Juiz Federal da 6ª Vara Criminal
Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores da Seção Judiciária de São Paulo teria usurpado a
competência do Supremo Tribunal Federal.
Pois bem, anoto que, por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do Supremo Tribunal Federal e garantir
a autoridade de suas decisões (CF, art. 102, inciso I, alínea l), bem como para resguardar a correta aplicação das súmulas vinculantes (CF, art. 103-A,
§ 3º).
A reclamatória, neste aspecto, exsurge como instrumento de promoção do diálogo, nesta Suprema Corte, entre o caso concreto e os precedentes
em processos objetivo ou subjetivo, cuja admissibilidade está condicionada à efetiva demonstração de: a) desrespeito à autoridade da decisão do STF,
porquanto configurada erronia na aplicação do entendimento, a evidenciar teratologia da decisão reclamada; e b) usurpação da competência do STF,
pois existente, i) no caso concreto, peculiaridades que impossibilitam a aplicação adequada da norma de interpretação extraída do precedente
(distinguishing), a demandar pronunciamento desta Suprema Corte acerca da matéria constitucional no caso concreto, caso verificada repercussão geral,
ou, ii) em hipótese excepcionalíssima, a necessidade de revisitação dos fundamentos do precedente, tendo em vista a alteração do ordenamento jurídico
vigente ao tempo do julgamento ou das circunstâncias fáticas históricas que impactaram a interpretação da norma, com possibilidade de sua superação
(overruling).
Fixadas essas premissas, registro que a alegação de usurpação de competência fundamenta-se na tese de que as diligências investigativas levadas
a cabo perante a autoridade reclamada pela autoridade policial e pelo Parquet Federal teriam apontado continência por cumulação subjetiva (CPP, art.
77, inciso I) entre o reclamante e a Senadora Gleisi Hoffmann, o que justificaria a reunião do caso no INQ nº 4.130/DF.
De fato, na hipótese de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal para supervisionar investigações criminais, a consequência
inexorável é a nulidade dos atos eventualmente praticados na persecução penal.
No julgamento da Rcl nº 12.484/DF, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 29/9/14, assentei que
“(..) a polícia judiciária não está autorizada a instaurar, de ofício, inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares
federais. Representando esse entendimento, destaco como paradigma, a PET nº 3.825/MT-QO, Relator para o acórdão o Ministro Gilmar
Mendes. Naquele emblemático julgado, o Plenário da Corte assentou, mutatis mutandis, que:
‘10. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou
do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, ‘b’ c/c Lei
nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante
toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia
pelo dominus litis. 11. Segunda Questão de Ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade
policial em face do parlamentar investigado’ (DJ de 4/4/08).
Embora não desconheça o magistério jurisprudencial da Corte de que os vícios eventualmente ocorridos no inquérito policial não
têm o condão de macular a ação penal (HC nº 83.921/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 27/8/04), tenho que os
elementos colhidos nos inquéritos policiais em comento não podem servir de substrato probatório válido para embasar a condenação dos
reclamantes, pois as provas ilícitas obtidas de forma direta ou por derivação de outras (fruits of the poisonous tree), independentemente
do momento em que foram produzidas, são nulas”.

Por sua vez, no Inq nº 2.842/DF, Pleno, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 27/2/14, registrou-se que

“(...) a competência do Supremo Tribunal Federal, quando da possibilidade de envolvimento de parlamentar em ilícito penal,
alcança a fase de investigação, materializada pelo desenvolvimento do inquérito. Nessa linha, destaco:
‘Reclamação. 2. Competência. Parlamentar. Deputado Federal. 3. Inquérito policial instaurado, após requisição encaminhada
pelo Juízo da 23ª Zona Eleitoral de Barbacena, para apurar a suposta prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral. 4. CF,
art. 102, I, ‘b’. Competência do Supremo Tribunal Federal. 5. Reclamação julgada procedente, a fim de que a investigação contra o
reclamante tramite nesta Corte’ (Pleno, Rcl 10.908/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, grifei).
‘COMPETÊNCIA - TRAMITAÇÃO DE INQUÉRITO - ENVOLVIMENTO DE DEPUTADO FEDERAL. Uma vez envolvido
deputado federal, cumpre ao Supremo os atos próprios ao inquérito’ (Pleno, INQ 2.291, Rel. Min. Marco Aurélio).
‘COMPETÊNCIA CRIMINAL. Originária.
Parlamentar. Deputado federal. Inquérito policial. Crime eleitoral. Crime comum para efeito de competência penal original do
Supremo. Feito da competência deste. Reclamação julgada procedente. Precedentes. Inteligência do art. 102, I, ‘b’, da CF. Compete ao
Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que deputado federal é suspeito da prática de crime eleitoral’ (Pleno, Rcl
4.830/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, grifei).

Por outro lado, ainda que os elementos de prova produzidos sob a supervisão do Juízo Federal de Santa Maria RS possam ter amparado
a deflagração da ação penal contra os demais acusados, a usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal traz como consequência a
inviabilidade de tais elementos operarem sobre a esfera penal do ora denunciado. Cito precedentes da Corte nesse sentido:

‘A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para apurar a conduta de parlamentares federais ou do
próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal originária do STF (CF, art. 102, I, "b" c/c Lei nº
8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser constitucionalmente desempenhada durante
toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia

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pelo dominus litis. 11. Segunda Questão de Ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de indiciamento promovido pela autoridade
policial em face do parlamentar investigado. 12. Remessa ao Juízo da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Mato Grosso para a
regular tramitação do feito.’ (Pleno, Pet 3.825-QO/MT, Rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes).
‘A garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder
Legislativo, que está sujeito, em consequência – e independentemente de qualquer licença congressional –, aos atos de investigação
criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que essas medidas pré-processuais de persecução penal sejam adotadas no âmbito de
procedimento investigatório em curso perante órgão judiciário competente: o STF, no caso de os investigados serem congressistas (CF,
art. 102, I, b)’. (Rcl 511-9/PB, Rel. Min. Celso de Mello).
Por conseguinte, penso não haver outro caminho senão reconhecer a impossibilidade da utilização dos elementos probatórios constantes
do presente inquérito como fundamento para o recebimento da denúncia.
Evidentemente, essa conclusão não alcança os demais acusados que não possuem foro por prerrogativa de função.
Portanto, com fulcro nas considerações acima, em meu juízo, encontrando-se a denúncia esvaziada de provas ou indícios de
materialidade válidos, voto no sentido de rejeitá-la” (grifei).

No mesmo sentido, vide AP nº 933/AL, Segunda Turma, de minha relatoria, DJe de 3/2/16.
Essa, contudo, não é a hipótese dos autos.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Inq nº 4.130/DF-QO, de minha relatoria, DJe de 3/2/16, determinou a cisão do feito
em relação a todos os investigados não detentores da prerrogativa de foro, e não somente em relação ao investigado Alexandre Romano, como pretende
fazer crer a defesa.
Transcrevo, na parte que interessa, o voto condutor desse acórdão:

“Na espécie, não se vislumbra a possibilidade de ocorrer relevante prejuízo para a investigação criminal que justifique o simultaneus
processus, razão por que se impõe o desmembramento do feito em relação a todos os investigados que não detêm prerrogativa de foro no
Supremo Tribunal Federal, a fim de que a investigação prossiga, perante a Suprema Corte, tão somente em relação à Senadora da República
Gleisi Helena Hoffmann.
Mais: além de não haver prejuízo relevante para a instrução, a própria heterogeneidade do estágio das investigações recomenda a cisão.
Com efeito, o investigado Alexandre Romano, que não tem prerrogativa de foro nesta Corte, está preso preventivamente desde 15/8/15,
por ordem do juízo de primeiro grau, e já foi denunciado por infração ao art. 2º, § 1º, da Lei nº 12.850/13, ao passo que a investigação ainda
se encontra embrionária em relação à Senadora da República.
Por óbvio, não compete ao Supremo Tribunal Federal formular juízo de admissibilidade de denúncia formulada isoladamente contra
imputado que não detém prerrogativa de foro” (grifos nossos).

Assim, a apontada continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, I), por si só, não justifica o simultaneus processus perante a Suprema
Corte, que, como exposto, já determinou a cisão do feito e o prosseguimento das investigações quanto a não detentores de prerrogativa de foro, em
primeiro grau de jurisdição, ora sob a supervisão da autoridade reclamada.
Conforme já decidi no Inq nº 3.842/DF-AgR-quinto, de minha relatoria,

“a imbricação de condutas, em razão de conexão ou continência (arts. 76 e 77, CPP), com fatos imputados a Senador da República não
é suficiente para atrair os agravantes à Suprema Corte, haja vista que as normas constitucionais sobre prerrogativa de foro devem ser
interpretadas restritivamente” (Segunda Turma, DJe de 29/2/16).

Aliás, os fatos imputados ao ora reclamante, além de muito mais extensos do que aqueles imputados à Senadora, são dotados de autonomia
probatória.
Por sua vez, os documentos alusivos ao prosseguimento das investigações perante a autoridade reclamada não indicam novas condutas criminosas
imputáveis à Senadora da República que pudessem justificar a remessa do feito ao Supremo Tribunal Federal.
Tampouco a Senadora seria alvo de investigação naquela instância, o que, inegavelmente, configuraria a invocada usurpação de competência da
Corte.
Corroborando essa assertiva, a autoridade policial fez questão de explicitar, na representação, encaminhada à autoridade reclamada, visando à
decretação de prisões preventivas, buscas e apreensões e conduções coercitivas, que as condutas imputadas à Senadora eram objeto do INQ nº 4.130/DF.
Consignou, ainda, que eventuais citações ou menções ao nome da Senadora somente apareceriam em excertos de elementos de prova
indispensáveis à compreensão da conduta de outros investigados, o que, mais uma vez, não se equipara a indevida investigação de detentor de
prerrogativa de foro.
Por outro lado, o acolhimento da pretensão do reclamante poderia implicar na atração para a Suprema Corte, por conta de conexão ou continência,
de todos os demais investigados sem prerrogativa de foro.
Agregue-se a esse fundamento o fato de que o reclamante não logrou êxito em demonstrar a potencialidade de prejuízo relevante, em razão da
cisão do feito, para a persecução penal ou para sua defesa.
Como se lê na jurisprudência da Corte, o desmembramento do feito em relação a imputados que não possuam prerrogativa de foro “deve ser a
regra, diante da manifesta excepcionalidade do foro por prerrogativa de função, ressalvadas as hipóteses em que a separação possa causar prejuízo
relevante” (Inq nº 2.903/AC-AgR, Pleno, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 1º/7/14 – grifei), o que já se demonstrou não ser o caso.
Registre-se, ainda, que a reclamação não é a via adequada para, sob a premissa de usurpação de competência, veicular insurgência contra a cisão
das investigações pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Confira-se:

“A atuação do juízo reclamado deu-se com base em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em 19.12.2014, nos autos de Pet
5.245, que, acolhendo manifestação do Procurador-Geral da República, dominus litis, deferiu ‘os requerimentos de cisão processual,
mantendo-se no Supremo Tribunal Federal aqueles termos em que figurem detentores de prerrogativa de foro correspondente (item VII, h),
com remessa dos demais aos juízos e tribunais indicados”. 2. Eventual encontro de indícios de envolvimento de autoridade detentora de foro
privilegiado durante atos instrutórios subsequentes, por si só, não resulta em violação de competência desta Suprema Corte, ainda mais
quando houver prévio desmembramento pelo Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no caso. 3. Não demonstração de persecução, pelo
juízo reclamado, da prática de atos violadores da competência do Supremo Tribunal Federal” (Rcl nº 21.419-AgR/PR, Tribunal Pleno, Relator
o Ministro Teori Zavascki, DJe de 5/11/15).

Diante dessas circunstâncias, não vislumbro situação de violação da competência prevista no art. 102, inciso I, alínea l, da Constituição Federal,
à luz do que ficou decidido no INQ nº 4.130-QO.

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Há que se enfrentar, ademais, a manifestação superveniente do reclamante noticiando que,

“no dia 5 de setembro de 2017, a Procuradoria Geral da República ofereceu denúncia nos autos do IPL 4325 em face do Reclamante
PAULO BERNARDO SILVA, da Senadora GLEISI HOFFMANN, e de outros investigados, pela prática, entre outros crimes, de formação de
organização criminosa, sustentando que os fatos objeto da presente reclamação integrariam aquela imputação” (Petição/STF nº 52.549/17).

Segundo a defesa, foi expressamente consignado na exordial do Parquet Federal a assertiva de que haveria “continência” entre os fatos em
apuração no INQ nº 4.325/DF e a ação penal à qual responde o reclamante na Justiça Federal de São Paulo (processo nº 000946281.2016.4.03.6181).
Vide:

“4. Da continência com outros processos e da competência do Supremo Tribunal Federal


A denúncia ora oferecida apresenta continência com outras ações penais já em trâmite na primeira instância.
Primeiro, há continência em relação à ação penal nº 0009462-81.2016.4.03.6181, que tramita perante o Juízo da 6ª Vara Criminal
Justiça Federal de São Paulo, em face dos aqui denunciados PAULO BERNARDO SILVA e JOÃO VACCARI NETO, bem como de outros. Na
referida ação, a PAULO BERNARDO e VACCARI foi imputado o crime de participação por organização criminosa em razão dos ilícitos
relacionados ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), no período entre 2009 e 2015. Trata-se, justamente, da mesma
organização criminosa imputada na presente denúncia” (anexo 102).

Para a defesa, esses fatos reforçam a tese de usurpação de competência da Corte, por conta, a seu ver, da evidente “continência” dos fatos
atribuídos ao ora reclamante e a autoridade detentora de foro por prerrogativa da função no Supremo Tribunal Federal.
Malgrado os pertinentes argumentos trazidos pela defesa para alavancar a tese consubstanciada nesta reclamação, o fato é que a apontada
continência relativa à ação penal do reclamante imiscui-se com fatos supervenientes, em contexto de organização criminosa, os quais são objeto de
apuração no INQ nº 4.325/DF, sob a relatoria do eminente Ministro Edson Fachin.
Portanto, não me parece pertinente, neste ensejo, emitir juízo de valor no tocante a essa nova moldura fático-jurídica apresentada, para se concluir,
como pretendido, pela usurpação de competência da Corte. Do contrário, estaríamos incorrendo em substituição ao próprio Relator do inquérito em
questão, juiz natural da causa (CF, art. 5º, LIII), que, oportunamente, analisará a questão sob o ângulo apontado, em campo próprio e propício para
tanto.
Aliás, informações encaminhadas ao Ministro Edson Fachin, contidas no bojo do INQ nº 4.325/DF, em 16/5/18, atestam que a autoridade
reclamada suspendeu, em relação ao reclamante, o andamento da ação penal - objeto de discussão nesta ação - por 90 (noventa) dias, com o propósito
de aguardar a decisão da Corte sobre eventual reunião dos processos.
Ante o exposto, a improcedência desta reclamação é medida que se impõe.
Entretanto, tal como reconheci ao apreciar a medida liminar, houve, na espécie, flagrante constrangimento ilegal, passível de correção por habeas
corpus de ofício.
Como exposto, narra a inicial que o reclamante se encontra preso preventivamente desde 23/6/16, sem motivação idônea, cuidando-se de
verdadeira antecipação de futura punição.
Nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, os juízes e os tribunais têm competência para expedir, de ofício, ordem de habeas
corpus quando, no curso de processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal.
Para Guilherme de Souza Nucci,

“é admissível que, tomando conhecimento da existência de uma coação à liberdade de ir e vir de alguém, o juiz ou o tribunal determine
a expedição de ordem de ‘habeas corpus' de ofício em favor do coato. Trata-se de providência harmoniosa com o princípio da
indisponibilidade da liberdade, sendo dever do magistrado zelar pela sua manutenção” (Código de Processo Penal comentado. 14. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2015. p. 1322, grifo).

O Supremo Tribunal Federal não se distancia dessa premissa teórica, já que admite, em sede de reclamação constitucional, a implementação de
ordem de habeas corpus de ofício no intuito de reparar situações de flagrante ilegalidade devidamente demonstradas.
Cito precedentes:

“Reclamação. 2. Alegação de descumprimento da decisão proferida no HC 81769. 3. Pena. Dupla valoração. Internacionalidade do
delito considerado no cálculo da pena base e como causa especial de aumento. 4. Correção levada a efeito pelo juiz sentenciante, que excluiu
da fundamentação da pena base a internacionalidade, contudo, manteve o mesmo quantum. 5. Reclamação improcedente. 6. Concessão de
habeas corpus de ofício para que se proceda à nova dosimetria da pena-base, ante a impossibilidade desta ser igual à inicialmente glosada”
(Rcl nº 2.636/RJ, Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 10/2/06).

No mesmo sentido, destaco: Rcl nº 21.649/SP-AgR, Segunda Turma, de minha relatoria DJe de 18/3/16; Rcl nº 1.047/AM-QO, Tribunal Pleno,
Relator o Ministro Sidney Sanches, DJ de 18/2/2000; e Rcl nº 412/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 26/2/93.
Fixado esse entendimento, passo à análise dos fundamentos da decretação da prisão preventiva do reclamante, que, a meu ver, encerra situação
de manifesto constrangimento ilegal.
O juízo de primeiro grau assim justificou a presença do periculum libertatis no tocante ao ora reclamante:

“Cumpre, agora, analisar a presença dos requisitos que ensejam a prisão cautelar.
Polícia e Ministério Público Federal sustentam basicamente risco à instrução criminal e à aplicação da lei penal.
Conforme acima fundamentado, os indícios da materialidade delitiva apontam prejuízo superior a sete milhões de reais, dinheiro que
seria, em tese, fruto de corrupção passiva (propina) mediante a tentativa de dissimulação pelas notas fiscais referentes a supostos honorários
advocatícios devidos pela CONSIST, o que, num primeiro momento, foi negado por PABLO KIPERSMIT, do grupo CONSIST (lavagem de
valores).
A gravidade, em tese, do crime é evidente, porém a gravidade, por si só, não preenche os requisitos cautelares para a prisão preventiva.
Assim, deve-se analisar o caso concreto. Na presente situação, tem-se que PAULO BERNARDO é um agente político obviamente
influente, tanto que ocupou um Ministério de grande relevância como o do Planejamento.
Existe o risco à instrução criminal, não só por conta da condição política de PAULO BERNARDO. O risco concreto existe devido aos
indícios da relação espúria com GUILHERME GONÇALVES e o referido FUNDO CONSIST. Nota-se, assim, desde o início o intuito de
dissimulação que certamente não desaparece pelo fato de PAULO BERNARDO ser um ex-ministro. Há, portanto, um risco concreto de novas

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manipulações nas provas, tanto documentais como testemunhais, tanto em relação a PAULO BERNARDO quanto em relação a GUILHERME
GONÇALVES.
Existe, ainda, o risco à aplicação da lei penal, eis que teriam sido desviados sete milhões de reais (os pagamentos da
CONSIST para GUILHERME GONÇALVES, que seria intermediário de PAULO BERNARDO) e tal quantia ainda não foi devidamente
localizada. O risco de realização de novos esquemas de lavagem desses valores não localizados é expressivo.
A não localização de expressiva quantia em dinheiro desviada dos cofres públicos representa, inclusive, risco à ordem pública, e aqui
não se trata apenas do clamor público da sociedade evidentemente cansada da corrupção. Trata-se, sim, do risco evidente às próprias contas
do País, que enfrenta grave crise financeira, a qual certamente é agravada pelos desvios decorrentes de cumulados casos de corrupção.
Vale lembrar, outrossim, que não existe apenas risco à ordem pública, quando o acusado se mostra perigoso para a sociedade num
sentido violento. Tal interpretação fatalmente relegaria a prisão preventiva apenas para investigados ou acusados pobres. A corrupção de
quantias expressivas também representa um perigo invisível para a sociedade, que acaba se tornando vítima sem o saber, pois não vê que o
dinheiro público desviado deveria ser aplicado em seu próprio favor, por meio da melhoria da infraestrutura e serviços públicos em geral do
País.
Por tais razões, entendo presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva de PAULO BERNARDO SILVA e de
GUILHERME DE SALLES GONÇALVES, para garantia da ordem pública, da instrução criminal, e da aplicação da lei penal, nos termos do
art. 312 do Código de Processo Penal.
Os riscos apontados, especialmente os relacionados ao desvio de milhões de reais dos cofres públicos que podem não ser recuperados,
e os relacionados à instrução criminal, não são passíveis de serem obstados por medidas cautelares mais brandas, nos termos do art. 319 do
Código de Processo Penal.
Lembro que a decretação de prisão preventiva não significa antecipação de juízo de culpabilidade. Ela é decorrente de uma combinação
de indícios suficientes de materialidade e autoria delitiva e da presença dos requisitos cautelares, acima expostos.
O juízo de culpabilidade, ao menos na primeira instância, só é formado após o encerramento da instrução criminal e os requisitos da
prisão preventiva são, em tese, analisados a qualquer tempo do processo, iniciando-se pela audiência de custódia, prevista na Resolução do
Conselho Nacional de Justiça, que será devidamente designada. ”

Como se observa, o juízo de primeiro grau justificou a necessidade da prisão preventiva para a garantia da ordem pública no fato de não ter sido
localizada “expressiva quantia em dinheiro desviada dos cofres públicos”, o que representaria “risco evidente às próprias contas do País, que enfrenta
grave crise financeira, a qual certamente é agravada pelos desvios decorrentes de cumulados casos de corrupção”.
De acordo com Rodrigo Capez, em sua festejada obra Prisão e medidas cautelares diversas,

“[p]rimeiramente, há que se restringir o alcance da expressão ‘ordem pública’. Embora se trate de um conceito jurídico indeterminado,
a indeterminação do enunciado, como já tivemos oportunidade de expor neste trabalho, não se traduz em indeterminação de aplicação, a qual
só permite uma ‘unidade de solução justa’ em cada caso, à qual se chega mediante uma atividade de cognição, objetivável, e não por um ato
de volição.
Segundo Eduardo García de Enterría, identificam-se, na estrutura de todo conceito jurídico indeterminado, i) um núcleo fixo ou zona de
certeza, configurado por dados prévios e seguros; ii) uma zona intermediária ou de incerteza, ou ‘halo do conceito’, mais ou menos precisa; e,
finalmente, iii) uma zona de ‘certeza negativa’, também segura quanto à exclusão do conceito. A dificuldade de se precisar a solução justa se
concreta na zona de imprecisão ou ‘halo conceitual’, mas desaparece nas zonas de certeza, positiva ou negativa.
Quanto à zona de certeza negativa do conceito de ordem pública, é pacífico, no Supremo Tribunal Federal, que o estado de comoção
social, a indignação popular, o clamor público suscitado pela prática do crime, assim como a necessidade de se acautelar o meio social e a
credibilidade da justiça em razão da repercussão do crime, constituem fundamentos inidôneos, por si sós, para a prisão cautelar.
(...)
Na zona de certeza positiva, inclui-se a necessidade de se evitar a prática de infrações penais, ou, mais precisamente, de se impedir a
reiteração criminosa. Pacífica, nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem
pública, quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa.
Resta adentrar na zona intermediária ou de incerteza, vale dizer, no ‘halo do conceito’ de ordem pública.
Registre-se, preliminarmente, que o conceito de ordem pública não pode se prestar a qualquer fim. Se tudo couber no conceito de ordem
pública, ele nada filtrará e não servirá como critério, razão por que deve necessariamente ser residual.
(…)
Ao invés de rejeitar o conceito de ordem pública, a pretexto de sua indeterminação ou de suas razões de ordem material, ou de persistir,
em vão, na busca de um consenso para delimitá-lo, Maurício Zanoide de Moraes propõe que ele seja determinado caso a caso, desde que
atendidos, no mínimo, três requisitos cumulativos: i) pena abstratamente cominada para o crime imputado; ii) circunstâncias do crime e modo
de execução (v.g., homicídio por esquartejamento ou mediante tortura, tráfico de quantidades superlativas de droga, etc.); e iii) relação temporal
de proximidade entre o conhecimento da autoria do ato imputado e o momento da decretação da prisão cautelar. Trata-se de parâmetros
externos ao conceito de ordem pública e que operam como limites à sua indevida expansão, evitando-se, desse modo, ‘ingressar em seu conteúdo
(que deve ter espaço interpretativo suficiente para ser atualizado no tempo e conforme as condições concretas), sem que com isso fique isento
de margens restritivas que sejam simultaneamente proporcionais e constitucionais’.
A reforma do Código de Processo Penal, encetada pela Lei nº 12.403/11, acabou por encampar aquela proposta quanto ao requisito da
pena cominada ao crime, para somente admitir a prisão preventiva originária nos crimes dolosos e quando a pena máxima exceder a quatro
anos (art. 313, I), salvo se o agente for reincidente em crime doloso (art. 313, II).
A proximidade temporal entre o conhecimento do fato criminoso e sua autoria e a decretação da prisão provisória encontra paralelo
com a prisão em flagrante, que sugere atualidade (‘o que está a acontecer’) e evidência (‘o que é claro, manifesto’).
Se a prisão por ‘ordem pública’ é ditada por razões materiais, quanto mais tempo se passar entre a data do fato (ou a data do
conhecimento da autoria, se distinta) e a decretação da prisão, mais desnecessária ela se mostrará. Em consequência, não se pode admitir que
a prisão preventiva para garantia da ordem pública seja decretada muito tempo após o fato ou o conhecimento da autoria, salvo a
superveniência de fatos novos a ele relacionados.
Quanto às circunstâncias do crime e à sua particular forma de execução, Antônio Magalhães Gomes Filho sustenta que os elementos
indicados no art. 282, II, do Código de Processo Penal (gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou
acusado), isolada ou cumulativamente, não constituem fundamentos que, por si sós, autorizem a imposição de medidas cautelares. A seu ver,
esses elementos ‘somente entram em jogo depois de verificada a admissibilidade da medida e de sua necessidade para assegurar uma (ou mais)
das finalidades enumeradas no inciso antecedente’, quais sejam, a necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução
criminal e para evitar a prática de infrações penais.

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Pensamos, todavia, que os três elementos indicados no art. 282, II, do Código de Processo Penal efetivamente se interrelacionam para
autorizar a formação do convencimento judicial a respeito da presença ou não do requisito ‘garantia da ordem pública’. A gravidade concreta
do crime, revelada por suas circunstâncias e particular forma de execução, demonstra, concretamente, a periculosidade do agente, e permite
um prognóstico de reiteração criminosa assentado em dados fáticos, e não em suposições.
Corroborando essa assertiva, as duas Turmas do Supremo Tribunal Federal admitem a decretação de prisão preventiva em razão da
gravidade concreta do crime, para garantia da ordem pública, quando o comportamento do agente revelar, concretamente, a sua periculosidade,
evidenciada pelo modus operandi da infração. De todo modo, será abusiva a decretação de qualquer medida cautelar lastreada na mera
gravidade em abstrato do crime, por contrariar a presunção de inocência como norma de tratamento” (Prisão e medidas cautelares diversas:
a individualização da medida cautelar no processo penal. São Paulo: Quartier Latin, 2017. p. 455-461).

Assentadas essas premissas, o fato, isoladamente considerado, de não haver sido localizado o produto do crime não constitui fundamento idôneo
para a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, haja vista que se relaciona ao juízo de reprovabilidade da conduta, próprio do
mérito da ação penal.
Assim votei quando do julgamento, em 12/4/18, pelo Tribunal Pleno, do HC nº 143.333/SP, Relator o Ministro Edson Fachin.
O mesmo se diga quanto ao alegado “risco evidente às próprias contas do País, que enfrenta grave crise financeira”, por se tratar de mera
afirmação de estilo, hiperbólica e sem base empírica idônea.
A prisão preventiva não pode ser utilizada como instrumento para compelir o imputado a restituir valores ilicitamente auferidos ou a reparar o
dano, o que deve ser objeto de outras medidas cautelares de natureza real, como o sequestro ou arresto de bens e valores que constituam produto do
crime ou proveito auferido com sua prática.
A prisão preventiva para a garantia da ordem pública seria cabível, em tese, caso houvesse demonstração de que o reclamante estaria transferindo
recursos para o exterior, conduta que implicaria risco concreto da prática de novos crimes de lavagem de ativos. Disso, todavia, não há notícia nos autos.
Também não foram apontados elementos concretos de que o reclamante, em liberdade, continuará a delinquir.
Nem se invoque a gravidade em abstrato dos crimes imputados ao reclamante e a necessidade de se acautelar a credibilidade da Justiça.
Como destacado no julgamento do HC nº 127.186/PR, Segunda
Turma, Relator o Ministro Teori Zavascki, DJe de 3/8/15,

“(...) a jurisprudência desta Suprema Corte, em reiterados pronunciamentos, tem afirmado que, por mais graves e reprováveis que sejam
as condutas supostamente perpetradas, isso não justifica, por si só, a decretação da prisão cautelar (HC 94468, Relator(a): Min. CARLOS
BRITTO, Primeira Turma, DJe de 03-04-2009; RHC 123871, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 05-03-2015; HC 121006,
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 21-10-2014; HC 121286, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda
Turma, DJe de 30-05-2014; HC 113945, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 12-11-2013; HC 115613, Relator(a):
Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe de 13-08-2014). De igual modo, a jurisprudência do Tribunal tem orientação segura de que,
em princípio, não se pode legitimar a decretação da prisão preventiva unicamente com o argumento da credibilidade das instituições públicas,
“nem a repercussão nacional de certo episódio, nem o sentimento de indignação da sociedade” (HC 101537, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 14-11-2011). No mesmo sentido: HC 95358, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de
06-08-2010; HC 84662, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, DJe de 22-10-2004). Não se nega que a sociedade tem justificadas e
sobradas razões para se indignar com notícias de cometimento de crimes como os aqui indicados e de esperar uma adequada resposta do
Estado, no sentido de identificar e punir os responsáveis. Todavia, a sociedade saberá também compreender que a credibilidade das instituições,
especialmente do Poder Judiciário, somente se fortalecerá na exata medida em que for capaz de manter o regime de estrito cumprimento da lei,
seja na apuração e no julgamento desses graves delitos, seja na preservação dos princípios constitucionais da presunção de inocência, do
direito a ampla defesa e do devido processo legal, no âmbito dos quais se insere também o da vedação de prisões provisórias fora dos estritos
casos autorizados pelo legislador” (grifei).

A decisão de primeiro grau invocou ainda a existência de risco à aplicação da lei penal, pelo fato de 7 (sete) milhões de reais não terem sido
localizados.
Ocorre que a necessidade da prisão preventiva para a aplicação da lei penal visa tutelar, essencialmente, o perigo de fuga do imputado, que, com
seu comportamento, frustraria a provável execução da pena.
Ora, a não localização do produto do crime não guarda correlação lógica com o perigo de fuga do imputado.
Aliás, nem sequer basta a mera possibilidade de fuga, pois deve haver indícios de que o agente, concretamente, vá fazer uso dessa possibilidade,
sob pena de abrir-se margem para a prisão de qualquer imputado.
No movediço campo das possibilidades, tanto cabe conjecturar que o agente vá fugir quanto que vá permanecer, o que demonstra sua fragilidade.
Por fim, a prisão preventiva amparou-se também na existência de risco à instrução criminal, em razão da “condição política” do reclamante e de
“indícios da relação espúria com GUILHERME GONÇALVES e o referido FUNDO CONSIST”.
Houve ainda menção fluida, no decreto de prisão, a um suposto “intuito de dissimulação que certamente não desaparece pelo fato de PAULO
BERNARDO ser um ex-ministro”, invocando-se ainda o “risco concreto de novas manipulações nas provas, tanto documentais como testemunhais”.
Ora, a necessidade da prisão para a garantia da investigação ou da instrução criminal visa resguardar os meios do processo, evitando-se a
ocultação, a alteração ou a destruição das fontes de prova.
Seu objetivo é fazer frente a uma situação de perigo para a aquisição ou a genuinidade da prova, de modo a permitir que o processo seja concluído
segundo critérios de regular funcionalidade e alcance um resultado útil.
Assim, a decisão que impõe a medida cautelar mais gravosa por esse fundamento deve indicar os elementos fáticos que demonstrem,
concretamente, em que consiste o perigo para o regular desenvolvimento da investigação ou da instrução e sua vinculação a um comportamento do
imputado, uma vez que não pode se basear em mera conjectura ou suspeita.
Na espécie, a decisão do juízo de primeiro grau se lastreia, de modo frágil, na mera conjectura de que o reclamante, em razão de sua condição
de ex-ministro e de sua ligação com outros investigados e com a empresa envolvida nas supostas fraudes, poderia interferir na produção da prova, mas
não indica um único elemento fático concreto que pudesse amparar essa ilação.
E, uma vez mais, a simples conjectura não constitui fundamento idôneo para a prisão preventiva.
Como já tive oportunidade de assentar no voto que proferi no HC nº 122.081/SP, Primeira Turma,

“[o] princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF), como norma de tratamento, significa que, diante do estado de inocência
que lhe é assegurado, o imputado, no curso da persecução penal, não pode ser tratado como culpado nem se a esse equiparado.
Em sua mais relevante projeção como norma de tratamento, a presunção de inocência implica a vedação de medidas cautelares pessoais
automáticas ou obrigatórias, isto é, que decorram, por si sós, da existência de uma imputação e, por essa razão, importem em verdadeira
antecipação de pena.

Informativo 913-STF (05/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25


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A presunção de inocência, aqui, imbrica-se com outros direitos individuais, uma vez que a prisão provisória derivada meramente da
imputação se desveste de sua indeclinável natureza cautelar, perde seu caráter de excepcionalidade (art. 5º, LXVI, CF), traduz punição
antecipada - violando o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) - e resulta no tratamento do imputado como culpado.
A prisão preventiva exige, além do alto grau de probabilidade da materialidade e da autoria (fumus commissi delicti), a indicação
concreta da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis) e a efetiva demonstração de que essa situação
de risco somente poderia ser evitada com a máxima compressão da liberdade do imputado.
Em outras palavras, para a prisão preventiva, é mister a indicação dos pressupostos fáticos que autorizam a conclusão de que o
imputado, em liberdade, criará riscos para os meios ou o resultado do processo, sob pena de faltar a ela justificação constitucional.
Na espécie, a prisão preventiva foi decretada exclusivamente com base na mera gravidade da infração e na suposição de que o paciente
poderia praticar “atos tendentes ao impedimento da apuração da verdade real e oitiva judicial pela vítima”, bem como se furtar à futura
aplicação da lei penal, com emprego de fórmulas de estilo hipotéticas válidas para todos os casos e para qualquer imputado, sem base em
elementos fáticos concretos.
Ocorre que simples possibilidades, meras suspeitas, ilações, suposições ou conjecturas não autorizam a imposição da prisão cautelar.
Assim como o réu poderia fugir ou coagir a vítima e testemunhas, ele também poderia não fazer nada disso.
A presunção, com base naquela conjectura, seria de culpabilidade, e não de inocência”.

Digno de registro, ainda, excerto do voto condutor do HC nº 105.556/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 30/8/13, a
respeito da impossibilidade de se utilizar a prisão preventiva como instrumento de antecipação de pena:

“Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar (’carcer ad custodiam’) - que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad
poenam”) - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a
que se destina, qualquer ideia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no
processo penal” (BASILEU GARCIA, ‘Comentários ao Código de Processo Penal’, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema
Corte tem proclamado:
‘A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR
PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.
- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele
a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da
liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua
decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida
no processo penal.’
(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela
absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob
pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a consequente (e
inadmissível) prevalência da ideia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual em um contexto de julgamento
sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não
pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender,
subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (RTJ 202/256-258, Rel.
Min. CELSO DE MELLO) ” (grifos do autor).

Em suma, descabe a utilização da prisão preventiva como antecipação de uma pena que não se sabe se virá a ser imposta.
Aliás, nem mesmo no curso da AP nº 470, vulgarmente conhecida como “mensalão”, conduzida com exação pelo então Ministro Joaquim
Barbosa, houve a decretação de prisões provisórias, e todos os réus ao final condenados estão cumprindo ou já cumpriram as penas fixadas.
Mais não é preciso acrescentar para se concluir que a decisão que decretou a prisão preventiva do ora reclamante contrasta frontalmente com o
entendimento consolidado pela Suprema Corte a respeito dos requisitos da prisão cautelar, e, portanto, não pode subsistir.
Além do mais, é de se ter presente na espécie que, embora os fatos tenham supostamente ocorrido entre 2010 e 2015, o reclamante permaneceu
no comando do Ministério do Planejamento até 1º/1/11.
Logo, significativo espaço de tempo transcorreu entre a decretação da prisão e a última intercorrência ilícita apontada, não havendo nos autos
notícia a respeito de comportamento delituoso posterior por parte dele entre aquela data e o distante decreto de prisão preventiva, repito, ocorrido em
3/6/16.
Anote-se que a Corte registra precedente no sentido de que, “ainda que graves, fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena de
esvaziamento da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inciso LVII, da CF)” (HC nº 147.192/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes,
DJe de 23/2/18).
É digno de nota registrar, ainda, que, na sessão passada desta Segunda Turma (19/6/18), o reclamante foi absolvido de todas as imputações a ele
dirigidas nos autos da AP nº 1.003/DF, sendo pertinente destacar que tanto a Procuradoria-Geral da República quanto o eminente Relator originário,
Ministro Edson Fachin, não vislumbraram, em momento algum, a necessidade de seu encarceramento. Ao fim e ao cabo, Paulo Bernardo foi absolvido
por unanimidade.
Em face dessas considerações, julgo improcedente a presente reclamação. Prejudicado, por razões óbvias, o agravo regimental interposto pela
Procuradoria-Geral da República contra os termos da decisão liminar.
Concedo, todavia, ordem de habeas corpus de ofício para ratificar a decisão por mim proferida anteriormente, que revogou a prisão preventiva
de Paulo Bernardo Silva, nos autos do processo que tramita perante Juiz Federal da 6ª Vara Criminal de São Paulo, nos exatos termos em que proferida,
a qual foi estendida a outros investigados especificados, na forma do art. 580 do CPP.
É como voto.
*Acórdão pendente de publicação.

Secretaria de Documentação – SDO


Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br

Informativo 913-STF (05/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

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