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: ARTIGO

William Kilpatrick e o Método de Projeto


Liliana Marques . Educadora de infância. Direção-Geral da Educação

sua mãe exerceu-se essencialmente no seu Em 1897 é convidado a lecionar matemáti-


caráter e até mesmo na sua forma de ensinar. ca e astronomia na Universidade de Mercer.
É o próprio que refere que a mãe o ajudou Além das aulas, organiza um grupo de es-
cedo a aprender a não ser egoísta e a ajudar tudos com professores das escolas elemen-
os outros e que o sucesso que teve no en- tares onde analisam a leitura de textos de
sino o deveu ao facto de a sua mãe lhe ter autores como Platão, Descartes, Herbert
transmitido uma especial sensibilidade para as Spencer e William James, reforçando assim
pessoas. Com a sua mãe aprendeu também o uma componente da filosofia na formação
valor de um sentimento de pertença, a tornar- desses professores.
-se seguro e autoconfiante (Beineke, 1998). De facto, William Kilpatrick teve, no seu
Educado nas escolas de aldeia, William for- percurso de vida, influências decisivas: além
mou-se na Universidade Mercer, em Macon, da educação familiar e da leitura de Charles
Georgia. Posteriormente, procurando uma Darwin, o contacto com o professor John
formação científica ingressou na Universida- Dewey foi também muito determinante no
William Heard Kilpatrick (1871-1965) de Johns Hopkins. seu percurso profissional.
Apesar da educação rígida do seu pai e da sua O primeiro encontro de Kilpatrick com John
O seu percurso de vida influência marcante, ao ler pela primeira vez Dewey teve lugar em 1898, quando partici-
e as suas grandes influências um livro proibido, A origem das espécies, de pou num curso de verão em Chicago, no qual
William Heard Kilpatrick nasceu a 20 de no- Charles Darwin, William nega a sua formação assistiu a uma palestra de Dewey.
vembro de 1871, em White Plains, na Georgia religiosa. Ao contrário do pai, que considerava Em 1907, ingressa num doutoramento no Co-
(EUA), filho de um pastor batista, James Hi- que este livro deveria ser desprezado, Kilpa- lumbia University’s Teachers College, sob a
nes Kilpatrick, e sua segunda esposa, Edna trick considerou-o extremamente interessan- direção de Dewey, e estabelecem uma relação
Perrin Heard. Mais do que simplesmente um te, provocando-lhe uma mudança radical na de mútua admiração. Dewey refere, a certa
membro influente do clero, o reverendo Kil- sua vida pessoal e profissional que o levou a altura, que Kilpatrick foi o seu aluno mais bri-
patrick foi uma figura central nas atividades uma reorganização das suas crenças, rejeitan- lhante. Por sua vez, Kilpatrick ficou-lhe grato
políticas, cívicas e jurídicas desta pequena do a sua educação e filosofia religiosas assen- por tê-lo feito “perceber o interesse individual
cidade agrícola. O pai Kilpatrick era severo, te no conceito de alma imortal e de vida após como ponto de partida do mistério educacio-
meticuloso e sem humor. As suas convicções a morte (Beineke, 1998). nal e curricular” (Kilpatrick, 2006).
religiosas, bem como o seu temperamento Após terminar a formação universitária, re- O reconhecimento e acolhimento das suas
pessoal influenciaram fortemente William e, gressou à sua cidade natal para lecionar ma- ideias por parte dos seus colegas de profis-
em certos aspetos, moldaram permanente- temática nas escolas elementar e secundária. são levaram a que no final do seu doutora-
mente o seu caráter. Incutiu no filho uma Interessa-se pela pedagogia e dedica-se à mento fosse convidado a assumir o cargo de
tendência para ser meticuloso, desenvolver leitura de autores como Pestalozzi e Froebel, professor assistente nesta universidade.
um pensamento claro, sustentado por duros cujo pensamento o influenciou no início da A crescente influência de Kilpatrick na edu-
hábitos de trabalho. sua carreira de professor. cação americana deveu-se não só à sua efi-
William também aprendeu com o pai a pro- Como professor e como intelectual da edu- cácia no ensino como também à capacidade
nunciar-se contra as desigualdades e a ex- cação, Kilpatrick atribui especial atenção de falar em público. Muitas vezes, dava aulas
pressar as suas ideias de forma inequívoca, às experiências do aluno no processo de a mais de 600 alunos, tendo a capacidade
mesmo que fossem impopulares (Beineke, ensino-aprendizagem e defende que essas de realizar trabalhos em grupo, discussão e
1998). aprendizagens devem ser significativas para palestras para enriquecer a experiência edu-
A mãe de William funcionou como um con- os estudantes e ir ao encontro dos seus inte- cativa dos seus alunos.
trapeso em relação ao temperamento severo resses. Durante o tempo que trabalhou nes- Mas o maior reconhecimento do trabalho de
do pai. A mãe é descrita como uma pessoa sas escolas, teve um forte contributo para a Kilpatrick nos círculos da educação deu-se
simpática, generosa e cordial a quem Wil- mudança de alguns aspetos da cultura esco- em 1918, com a publicação de um artigo no
liam dedicou uma das suas mais importantes lar, como a introdução do trabalho de grupo Teachers College Record: “The Project Me-
obras, O Método de Projeto. A influência da e a proibição de castigos corporais. thod: The Use of the Purposeful Act in the

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Educational Process”. Este artigo tornou-se da experiência do educando no processo capacidades natas, que são geralmente des-
um bestseller imediato entre os educadores educativo, em oposição ao ensino tradi- perdiçadas.
e lançou a carreira pública nacional de Wil- cional no qual o aluno é reduzido à sim- “Com uma criança que é naturalmente social
liam Kilpatrick. ples condição de recetor de conteúdos. A e um docente competente que a estimule e
capacidade de projetar, entendida como a lhe guie a determinação, podemos esperar o
O método de projeto capacidade de agir à luz de propósitos, é tipo de aprendizagem a que chamamos for-
O método de projeto de Kilpatrick surge da constituída na relação do indivíduo com o mação de caracter” (Kilpatrick, 2006: 29).
necessidade urgente de uma reforma do cur- meio (Kilpatrick, 2006). Neste contexto, o professor deixa de ser
rículo americano que, de acordo com o autor Kilpatrick classificou os projetos em quatro uma figura autoritária e passa a ter um papel
(Kilpatrick, 2006), era inadequado, na medida tipos, considerando que para o docente é im- de “guia” nas aprendizagens das crianças.
em que não preparava os jovens para a vida portante ter clareza quanto à expectativa em O processo de ensino e aprendizagem está
adulta e consistia na aquisição de conheci- relação aos objetivos e procedimentos a seguir: mais centrado na criança do que no conteú-
mentos pré-formulados apresentados aos • tipo 1 – em que a intenção é produzir do e no professor, pressupondo assim uma
alunos, através de manuais ou oralmente pe- algo externo a partir de alguma ideia criança cada vez mais autónoma e mais ca-
los professores, encarando a memória como ou plano e em que são sugeridos os se- paz de gerir o seu próprio processo de apren-
a principal forma de aprender, limitando o in- guintes passos: perspetivar, planificar, dizagem.
divíduo e a sua educação. Considerava que à executar e avaliar; Como nos conta Teresa Vasconcelos (2012: 9),
educação caberia aumentar a capacidade de • tipo 2 – em que se propicia o desfrutar a “metodologia de trabalho de projeto com
julgar e coordenar as diferentes influências de uma experiência estética, influen- crianças tem uma longa tradição pedagógica
do ambiente, de modo a enriquecer o pro- ciando o desenvolvimento da aprecia- em Portugal”. O método de projeto foi pela
cesso vivencial do indivíduo. A escola deveria ção, não havendo procedimentos fixa- primeira vez divulgado em Portugal em 1943,
existir para ajudar as pessoas a tornarem as dos, cabendo ao educador perceber o pela pedagoga Irene Lisboa, no seu livro Mo-
suas mentes mais inteligentes. melhor modo de os acompanhar; dernas Tendências de Educação. Em 1987 foi
A necessidade de unificar vários aspetos re- • tipo 3 – em que a intenção é solucionar publicado o livro de Lilian Katz e Sylvia Chard
lativos ao processo educativo leva-o a refle- um problema intelectual; com o título A Abordagem de Projeto na
tir acerca de uma nova conceção curricular • tipo 4 – para aperfeiçoar uma técnica Educação de Infância (Gulbenkian, 1997) e
baseada na reconstrução contínua da ex- de aprendizagem ou adquirir determi- em 1998, “numa publicação elaborada pelo
periência e procurar um conceito que enfa- nado conhecimento ou capacidade, em Gabinete para a Expansão e Desenvolvimento
tizasse a ação, a atividade verdadeiramente que os procedimentos são os mesmos da Educação Pré-Escolar (DEB, 1998), Vascon-
intencional, que tivesse em conta a situação do tipo 1. celos (1998) descreve a metodologia de traba-
social, mas também a individual e que gene- Estes projetos podem ser individuais ou co- lho de projeto como um possível instrumento
ralizasse a ideia de que a educação é vida. letivos, tendo estes últimos um valor social, de suporte à implementação das Orientações
Ou seja, a conceção de atividade verdadeira- por serem realizados por um grupo, poten- Curriculares para a Educação Pré-Escolar
mente intencional. cializando assim a aprendizagem mútua e (DEB, 1997; Vasconcelos, 2012: 10).
Kilpatrick (2006) defende que “dado que o o respeito por si e pelo outro, dependendo
ato intencional é a unidade típica da vida tanto da motivação de cada um como da de- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
meritória numa sociedade democrática, dicação de todos. Beineke, J. A. (1998). And There Were Giants in the Land:
The Life of William Heard Kilpatrick. New York: Lang.
também deveria ser tornada a unidade tí- O método de projeto valoriza essencialmen- Kilpatrik, W. H. (2006). O Método de Projeto. Viseu: Li-
pica do procedimento escolar” (…) e que a te a intenção como um impulso para a cons- vraria Pretexto e Edições Pedago.
Ministério da Educação (1998). Qualidade e Projeto na
educação deveria ser “considerada parte da trução moral e a educação não dissociada da Educação de Infância. Lisboa, Ministério da Educação.
própria vida e não uma mera preparação para vida (Kilpatrick, 2006). Prospects: the quarterly review of comparative educa-
tion (Paris, UNESCO: International Bureau of Education),
a vida”. “Se é fazendo que se aprende a fa- De acordo com Kilpatrick a criança é natural- vol. XXVII, no. 3, September 1997, pp. 470-85.
zer, haverá (…) melhor preparação para a vida mente ativa, sobretudo nos comportamen- Vasconcelos, T. (2012). Trabalho por Projetos na Educa-
ção de Infância: mapear aprendizagens/integrar me-
futura do que praticar vivendo agora?” (:15) tos sociais, pelo que a atividade determinan- todologias. Lisboa: Ministério da Educação – DGIDC.
De acordo com o autor, o conceito de pro- temente intencional numa situação social é a
jeto na educação deve realçar a importância melhor garantia da potencialização das suas

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