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R E V I S T A

SOCIOLOGIA,
POLÍTICA &
CIDADANIA
I S S N 2 5 9 5 - 3 8 6 9
REVISTA SOCIOLOGIA, POLÍTICA E CIDADANIA - © 2020

Editor
Prof. Me. Thiago Mazucato (FUNEPE / UNESP)

Conselho Editorial

Prof. Dr. Alessandro de Oliveira Soares (EPD)


Profa. Dra. Ana Paula Silva (UniFMU)
Prof. Me. Carlos Eduardo Tauil (UNESP / FUNEPE)
Prof. Dr. Felipe Fontana (UEM)
Prof. Dr. Felipe Riccio Schiefler (UNIFAL)
Prof. Dr. Gabriel Antonio Burnatelli (IFPS-SP)
Profa. Dra. Geovânia da Silva Toscano (UFPB)
Prof. Me. Guilherme Bemerguy Chenê Neto (UNESP)
Prof. Me. Luiz Antonio Albertti (FUNEPE)
Prof. Dr. Milton Lahuerta (UNESP)
Prof. Dr. Rafael Marchesan Tauil (EPD / Universidade São Judas)
Profa. Me. Thábata Biazzuz Veronese (FUNEPE)
Sobre a Revista Sociologia, Política e
Cidadania

A Revista Sociologia, Política e Cidadania é vinculada ao grupo de pes-


quisa homônimo, sediado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Penápolis (FAFIPE/FUNEPE), e que conta com pesquisadores cola-
boradores de diversas regiões. A proposta da revista consiste em con-
tribuir para a promoção de um debate acadêmico sobre questões rela-
cionadas, majoritariamente, às áreas da Sociologia e da Ciência Política,
mas sempre preservando a perspectiva científica multidisciplinar, em
especial com áreas correlatas mais próximas, como a História, o Direito,
a Administração Pública, a Filosofia, a Antropologia, a Psicologia, a Eco-
nomia, a Educação, as Artes e outras áreas conexas, em particular em
suas reflexões sobre a temática da cidadania. Desta forma a revista pre-
tende difundir este debate numa área de confluência entre Sociologia e
Ciência Política que abarque, dentre outras, temáticas que perpassem
pelas tensões entre “conhecimento, poder e dominação”, “Estado, so-
ciedade e democracia” e “desenvolvimento, planejamento e políticas
para a cidadania”. Na proposta da Revista “Sociologia, Política e Cida-
dania”, que terá tiragem semestral, além da sessão artigos gerais, colo-
camos também a proposta de elaboração de dossiês temáticos, em al-
guns números, especialmente organizados pela equipe editorial da re-
vista.

Thiago Mazucato
Editor
Sumário

Entre crises & metáforas das experiências no inquérito do

7
tempo histórico em Benjamin, Koselleck e Hartog
Daniel Machado Bruno

Matrizes do patriarcalismo brasileiro: revisitando a Casa de

27
Pensão, de Aluísio Azevedo
Felipe Riccio Schiefler

Partidos, competição e competitividade nos municípios

51
paulistas: um estudo das eleições de 2012 e 2016
Thaís Cavalcante Martins e Maria Teresa Miceli Kerbauy

O debate da institucionalização dos partidos e

83
dos sistemas partidários
Aquiles Coelho Lins

Ciência e Política: o papel de Florestan Fernandes


nas Ciências Sociais do Brasil 113
Thiago Pereira da Silva Mazucato
Entre crises & metáforas das experiências no
inquérito do tempo histórico em
Benjamin, Koselleck e Hartog
Daniel Machado Bruno1

O tempo, hoje, deixou de constituir um princípio de


inteligibilidade como visto pela ideia de progresso,
que implicava que o depois era explicável em fun-
ção do antes. Afundou-se, pois, com as atrocidades
das guerras, dos totalitarismos, das políticas de ge-
nocídio, do fim das narrativas. Ou seja, dos grandes
sistemas de interpretação, que ao pretender dar
conta da evolução do conjunto da humanidade,
perderam sentido para o novo tempo.
Ruth Maria C. Gauer, Falar em tempo, viver o tempo!2

Preâmbulo: Temporalidades & discursos do “mal-estar” nas experiên-


cias subjacentes do tempo contemporâneo

No contundente conjunto de ensaios publicado sob o título Ho-


mens em tempos sombrios3, a filósofa Hannah Arendt mobiliza, desde o
prefácio da coletânea, a expressão “tempos sombrios” para demarcar a

1 Doutorando do Programa de Pós-graduação em História vinculado à Escola de Humanidades da

PUCRS. Bolsista CNPq. E-mail: daniel.bruno@acad.pucrs.br. Aproveitamos o espaço para agradecer


a leitura comentada da versão anterior deste texto feita pelo amigo André Natã Mello Botton. A
persistência de possíveis pontos críticos, é claro, está ao encargo do autor do texto.
2 Cf. GAUER, Ruth Maria Chittó. Falar em tempo, viver o tempo! In: GAUER, Ruth M. C. (org.). Tempo

& Historicidades. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016, p. 34.


3 Cf. ARENDT, Hannah. Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia de Bolso, 2008 [1968].
Revista Sociologia, Política e Cidadania

experiência do tempo vivido no século XX em sua faceta do horror ma-


nifestado em diferentes momentos da época. No sentido que emprestou
à noção, “sombrio” remete ao horror experienciado que afetou (em ter-
mos antropológicos de se fazer sentir na percepção) a produção cultural
como quantum de esclarecimento possível no âmbito da demanda de-
safiadora de iluminar as frestas que as circunstâncias apresentavam.
Como ponderou Giorgio Agamben acerca desse jogo temporal entre lu-
zes e sombras,

[...] contemporâneo é aquele que mantém fixo o


olhar no seu tempo, para nele perceber não as lu-
zes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem
deles experimenta contemporaneidade, obscuros.
Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe
ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mer-
gulhando a pena nas trevas do presente. Mas o que
significa "ver as trevas", "perceber o escuro"? 4

No retrato que a filósofa tinge, “sombrio” não deve ser pensado


meramente como expressão do horror (ideia que, de certa forma, bem
poderia ser pertinente a uma série de outros períodos históricos), mas
alegoricamente como a situação de inscrição em um regime de tempo-
ralidade cujo ser se encontra nos “limites” da existência e do próprio
pensamento que não consegue, portanto, expressar-se diretamente
nem se definir estritamente. Em outras palavras, prestar um acerto de

4 AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: O que é o contemporâneo? e outros ensaios.

Chapecó: Argos, tradução de Vinícius Nicastro Honesko, 2009, pp. 62-3.

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contas com o tempo no contraste entre a obscuridade e as “luzes” pro-


venientes da cena contemporânea.
Sobre esse seu tempo, sentenciou Arendt,

Olhos tão habituados às sombras, como os nossos,


dificilmente conseguirão dizer se sua luz era a luz
de uma vela ou a de um sol resplandecente. Mas tal
avaliação objetiva me parece uma questão de im-
portância secundária que pode ser seguramente le-
gada à posteridade.5

O texto de Arendt poderia se constituir como prelúdio a uma


tentativa de historiar o século XX, pois, de certo modo, ainda somos afe-
tados pelo saldo da experiência crítica (em meio às sugestivas imagens
benjaminianas de seus escombros e ruínas por detrás do progresso) le-
gada à contemporaneidade. Como analisou o filósofo Theodor Adorno,
outro herdeiro desse século, uma experiência não é elaborada até que
suas causas estejam eliminadas.6
A problemática que conduz o fio interrogativo deste texto é
aproximar teórico-conceitualmente diferentes perspectivas a respeito
do modo de organização e de processamento das experiências tempo-
rais ao longo do século XX, engendradas em discursos que teceram a
trama do vivido nesse tempo histórico como objeto de reflexão. O
tempo – a temporalidade, de modo mais preciso7 – constitui-se, dessa

5 Ibidem, Prefácio.
6 Cf. ADORNO, Theodor. O que significa elaborar o passado. Porto Velho, 2008, Primeira Versão,
UFRO, [1963].
7 Cf. SOUZA, Ricardo Timm de. Sobre a construção do sentido: o pensar e o agir entre a vida e a

filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2004, pp. 34-37.

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forma, em mais do que um pano de fundo comum; trata-se, com efeito,


de um problema a que foram lançados inquéritos político-fenomenoló-
gicos. Para tanto, se a temporalidade foi indagada enquanto problema,
isto é, aberta a várias perspectivas interpretativas que a põem em ques-
tão, interrogando-a em busca de seu esclarecimento, nosso itinerário
não é outro senão incursionar na hermenêutica de discursos que a inter-
pelaram. Investigaremos alguns textos que são a expressão fabricada de
fragmentos de sua época, ainda que em diferentes conjunturas e escalas
nacionais, sob o mesmo quadro existencial: em “tempos sombrios”. Pro-
pomos um encontro de pontos de vista do filósofo Walter Benjamin com
os historiadores Reinhart Koselleck e François Hartog.
No plano de análise que nos propomos abordar, discutiremos
os modos de articulação da experiência do tempo a partir desses autores
que, sobre a temporalidade, esgrimiram categorias, metáforas e ima-
gens-símbolos de moldura discursiva da realidade do (e desde o) século
passado. Ainda hoje, em certa medida, este universo simbólico se cons-
titui em lastros históricos que nos interpelam, uma vez que se trata de
fragmentos temporais não (ultra)passados. É atravessando esse espec-
tro que nessa viagem de “encontros de vistas” aproximamos Benjamin,
Koselleck e Hartog, convocados como hermeneutas da experiência his-
tórica.
É necessário esclarecer que a história adquire nessa trama o sen-
tido de hermenêutica da experiência por ser operada em torno de ras-
tros (no sentido derridiano), ruínas (benjaminianas) e restolhos (no sen-
tido do historiador português Fernando Catroga) humanos que são, com

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efeito, os traços constituintes de sua condição de possibilidade en-


quanto conhecimento. Sobre a compreensão da experiência como ras-
tro, o filósofo Jacques Derrida apontara que

(...) onde quer que haja experiência, há rastro, e


não há experiência sem rastro. Portanto, tudo é ras-
tro, não apenas o que escrevo no papel ou registro
numa máquina, mas quando faço isto, tal gesto, há
rastro. Há vestígio, retenção, protensão e, por-
tanto, relação com algo outro, com o outro, ou com
outro momento, outro lugar, remissão ao outro, há
rastro. O conceito de rastro, digo-o com poucas pa-
lavras porque isso exigira longos desenvolvimentos,
não tem limite, ele é coextensivo à experiência do
vivo em geral.8 (grifos nossos)

Os acontecimentos, nessa ótica, emergem como indícios e ves-


tígios que interpelam o historiador na construção de sua narrativa, o que
configura a história enquanto discurso e o historiador, por seu turno,
como operador da história (construtor da maquinaria) no sentido em-
prestado por Michel de Certeau9, ou como um aglutinador de rastros
discursivos que são entrelaçados e dão origem ao discurso historiográ-
fico, enquanto produtor do coser do historiador. Sendo assim, protege-
se de um resíduo (muitas vezes não passageiro) positivista e fetichista
do fato e do documento entendidos como métricas da realidade

8 Cf. DERRIDA, Jacques. Pensar em não ver: escritos sobre as artes do visível (1979-2004). Organiza-

ção de Ginette Michaud, Joana Masó, Javier Bassas; tradução de Marcelo Jacques de Moraes. Flori-
anópolis: Ed. da UFSC, 2012, p. 129.
9 Cf. CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

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enquanto tal, conforme um suposto “acontecido”, como é usual na fron-


teira disciplinar historiográfica10.
Sigmund Freud, em Mal-estar na Civilização (1930), logrou ten-
sionar a relação existente entre a vida instintual e sua inscrição na cul-
tura a partir do simbolismo que a sensação de “mal-estar” (traduzida no
conceito) proveniente desse encontro animal-humano expressa. Ao final
de seu ensaio, Freud indagou, como questão à prova naqueles anos se-
guintes às catástrofes da I Grande Guerra, se o regime de temporalidade
a que então experimentavam (su)portaria o extermínio como ato final:

A meu ver, a questão decisiva para a espécie hu-


mana é saber se, e em que medida, a sua evolução
cultural poderá controlar as perturbações trazidas
à vida em comum pelos instintos humanos de
agressão e autodestruição. Precisamente quanto a
isso a época de hoje merecerá talvez um interesse
especial. Atualmente os seres humanos atingiram
um tal controle das forças da natureza, que não
lhes é difícil recorrerem a elas para se extermina-
rem até o último homem. Eles sabem disso; daí, em
boa parte, o seu atual desassossego, sua infelici-
dade, seu medo. Cabe agora esperar que a outra
das duas “potências celestiais”, o eterno Eros, em-
preenda um esforço para afirmar-se na luta contra
o adversário igualmente imortal. Mas quem pode
prever o sucesso e o desenlace? (grifos nossos).11

10 Sobre a crítica desse “modelo documental” da historiografia, ver: LACAPRA, Dominick. Retórica e

História. In: Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, vol.6, n. 1, jan.-jun. 2013, tradução do texto
original em inglês intitulado Rhetoric and History, from History and Criticism, Cornell University
[1985], pp. 99-100.
11 Cf. FREUD, Sigmund. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 18, p. 79. Tradução

de Paulo César de Souza.

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O mal-estar instaurado como sensação de angústia e sintoma da


impossibilidade de executar e (re)inventar soluções para além da esta-
tuída rigidez da existência vítrea, sombria, sem “aura” como propôs a
metáfora benjaminiana, representou um desafio à concepção que orga-
nizava até então o tempo histórico moderno como linha contínua pro-
gressiva, ordenada e, quando não, teleológica – o “continuum da histó-
ria”12, como apontava Benjamin. Como esperar e aspirar um futuro radi-
ante como promessa derivada de um presente que se mostra caótico e,
com efeito, fragmentado em meio a escombros de acontecimentos (do
escombro como fato da pobreza da (dessa) experiência, nos termos ben-
jaminianos)?13 Haveria possibilidade de se hipotecar o presente em ra-
zão de um futuro estimado como tempo redentor e horizonte de consu-
mação das expectativas projetadas desde o “agora”? O passado poderia
se constituir, por sua vez, em bússola plena de experiências realizadas e
prenhes de expectativas por vir?
Essa ordem de preocupações substancializa a problemática por
que resolvemos reunir os autores aqui elencados, todos hermeneutas de
seu tempo (desde a perspectiva psicanalítica em Freud, passando pela
linguagem poética imanente à crítica cultural de Benjamin, até a pers-
pectiva historiográfica de Koselleck e Hartog) que escaparam à tentativa

12 Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: Walter Benjamin – obras escolhidas, vol.

1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987 [1940], pp. 222-232, décima quinta tese.
13 Referimo-nos ao pequeno ensaio de Benjamin intitulado “Experiência e pobreza”. Cf. BENJAMIN,

Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos escolhidos; seleção e apresenta-


ção de Willi Bolle; tradução de Celeste H.M. Ribeiro de Sousa ...et al. São Paulo: Cultrix: Editora da
Universidade de São Paulo, 1986, pp. 195-198.

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(e tentação) de definir ou decretar um sentido positivo e otimista à tem-


poralidade como era uso até então no regime moderno de historici-
dade14. Esses autores, de certa forma, estão entrelaçados em possíveis
nós em torno às franjas de suas escritas sobre a história pela perspectiva
fragmentária de seus discursos – uma espécie de prolongamento do
tempo por eles experimentado. Tratam-se, por hipótese, de “teóricos do
fragmento”15, expressão atribuída a Jacques Derrida que bem poderia,
por sua vez, ser aplicada no traçado deste texto.
Esse núcleo íntimo de suas produções – o fragmento como con-
dição de res(ex)istência em face do tempo vivido – demarca a disposição
dos hardwares analíticos que eles engendraram como software crítico
da experiência do tempo moderna; em uma palavra, de como acionaram
e modularam regimes de temporalidade/historicidade que puseram em
xeque o edifício do progresso caro ao projeto da modernidade. Quando
acionamos a expressão “regime de historicidade” desenvolvida por Har-
tog, entendemos um instrumento metodológico e heurístico de apreen-
são dos modos de organização dos vínculos com o tempo histórico ins-
critos em cada sociedade, cujas experiências temporais podem, assim,
tornarem-se mais inteligíveis. Abre-se a possibilidade, por este recurso,
de representar qualitativamente a experiência social vivenciada no ins-
tante presente da escrita.
A este respeito, Hartog assinalara que,

14 Categoria formulada pelo historiador François Hartog. Cf.: HARTOG, François. Regimes de histori-

cidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.


15 Expressão de Marie-José Mondzain cunhada em entrevista por ela realizada com Derrida, reunida

no livro Pensar em não ver. Cf. Idem, op. cit., p. 139.

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Assim, um regime de historicidade é apenas uma


maneira de engrenar passado, presente e futuro ou
de compor um misto das três categoriais, justa-
mente como se falava, na teoria política grega, de
constituição mista (misturando aristocracia, oligar-
quia e democracia, sendo dominante de fato um
dos três componentes).16

[...]
Partindo de diversas experiências do tempo, o re-
gime de historicidade se pretenderia uma ferra-
menta heurística, ajudando a melhor apreender,
não o tempo, todos os tempos ou a totalidade do
tempo, mas principalmente momentos de crise do
tempo, aqui e lá, quando vêm justamente perder
sua evidência as articulações do passado, do pre-
sente e do futuro.17

Por essa mirada, a dissolução das experiências do século e a re-


tração das expectativas sucessivas adquirem as tintas de imaginar e agir
sobre o presente como o tempo a que, desde o aqui e o agora, não se
pode hipotecar – o “tempo-agora” (Jetztzeit)18. Walter Benjamin, ao pos-
tular a relação dos homens com aqueles tempos, utilizou a expressão
“pobreza da experiência” como enlace histórico que reunia os sujeitos
entre si e marcava fundamentalmente aquela experiência subjacente do
(seu) regime de temporalidade.
Disse Benjamin que

16 HARTOG, Regimes de historicidade..., p. 11.


17 Ibid., p. 37.
18 Cf. BENJAMIN, Sobre o conceito da história, décima quarta tese.

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(...) está claro que as ações da experiência estão em


baixa, e isso numa geração que entre 1914 e 1918
viveu uma das mais terríveis experiências da histó-
ria. (...) Porque nunca houve experiências mais ra-
dicalmente desmoralizadas que a experiência es-
tratégica pela guerra de trincheiras, a experiência
econômica pela inflação, a experiência do corpo
pela fome, a experiência moral pelos governantes.
Uma geração que ainda fora à escola num bonde
puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto,
numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nu-
vens, e em cujo centro, num campo de forças de
correntes e explosões destruidoras, estava o frágil
e minúsculo corpo humano.19

O recorrido da crise, da catástrofe e dos desastres de várias or-


dens que esse excerto expõe concebe a natureza desse tempo como mí-
sero de experiências no sentido de plantear o “ainda-não” experimen-
tado, instaurando-se, desse modo, o estado de barbárie que acomete a
humanidade no avesso das promessas que o regime moderno, em torno
de seus valores culturais, lançou desde o Oitocentos como projeto de
futuro. Trata-se de sua crise, crítica e colapso:

Aqui se revela, com toda clareza, que nossa pobreza


de experiências é apenas uma parte da grande po-
breza que recebeu novamente um rosto, nítido e
preciso como o do mendigo medieval. Pois qual o
valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a ex-
periência não mais o vincula a nós? A horrível mi-
xórdia de estilos e concepções do mundo do século
passado mostrou-nos com tanta clareza aonde es-
ses valores culturais podem nos conduzir, quando a
experiência nos é subtraída, hipócrita ou

19 BENJAMIN, op. cit, p. 195.

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sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova de


honradez confessar nossa pobreza. Sim, é preferí-
vel confessar que essa pobreza de experiência não
é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge
assim uma nova barbárie.20

Esse estado de pobreza conecta-se à sensação que o conceito de


“mal-estar” freudiano traduz como obstáculo à execução de novas ações
e à (re)invenção de soluções que a sorte de novas experiências aspiradas
possibilita criar em seu bojo. Trata-se, por conseguinte, de um embrute-
cimento da vida que em seu desenlace perde sua aura; torna-se metafo-
ricamente (no sentido grego original, inclusive, ao qual o conceito car-
reia) existência vítrea, dura e sem mistério.
Afinal, como aduz Benjamin,

Pobreza de experiência: não se deve imaginar que


os homens aspirem a novas experiências. Não, eles
aspiram a libertar-se de toda experiência, aspiram
a um mundo em que possam ostentar tão pura e
tão claramente sua pobreza externa e interna, que
algo de decente possa resultar disso.21

Dessa concepção emana o desafio que o conceito de “história”


benjaminiano apresenta em relação ao progresso (e a “tempestade” que
dele provém sustentado na narrativa moderna), a que sua escrita “de-
sassombrada” (ainda que saiba se tratar de luz de vela ou de sol resplan-
decente, como colocou Arendt) propôs. Com efeito, assombrar, na

20 Ibidem, p. 196.
21 Ibidem, pp. 197-98.

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medida em que, segundo o pensador, era chegado o tempo em que


“precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa
verdade [a verdade do “estado de exceção” que vivíamos]”22. A verdade,
por arrasto, da crise do progresso que a modernidade enquanto regime
de historicidade desde meados dos séculos XVIII-XIX prometera e não
cumpriu.
A decepção em dar-se conta do não-cumprimento de tal pro-
messa é, desde o viés crítico lançado à modernidade por nossos herme-
neutas, o fio interrogativo de nossa própria incursão, para o qual somos
levados a perseguir uma melhor compreensão da tensão originária deste
tempo histórico. Em avançar nessa direção, amparamo-nos nas refle-
xões do historiador Reinhart Koselleck, segundo o qual “é a tensão entre
experiência e expectativa que, de uma forma sempre diferente, suscita
novas soluções, fazendo surgir o tempo histórico”.23 A partir dessa ten-
são, o autor construiu as categorias analíticas “espaço de experiência” &
“horizonte de expectativa”, entendidas ambas como vivenciadas a partir
do presente, tempo em torno do qual mobilizam-se reminiscências (ex-
periências) vinculadas a historicidades do passado e projetam-se aspira-
ções (expectativas) de por vir.

22 Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: Walter Benjamin – obras escolhidas, vol.

1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987 [1940], pp. 222-232, oitava tese.
23 Cf. KOSELLECK, Reinhart. “Espaço de experiência” e “Horizonte de expectativa”: duas categorias

históricas. In: Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma
Patrícia Maas e Carlos Almeira Pereira. Rio de Janeiro. Editora Contraponto. Editora PUC-Rio. 2012,
pp. 305-327, capítulo 14.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Conforme Koselleck propõe acerca do enlace entre a expectativa


e a experiência,

As condições de possibilidade da história real são,


ao mesmo tempo, as condições do seu conheci-
mento. Esperança e recordação, ou mais generica-
mente, expectativa e experiência – pois a expecta-
tiva abarca mais que a esperança, e a experiência é
mais profunda que a recordação – são constituti-
vas, ao mesmo tempo, da história e de seu conhe-
cimento, e certamente o fazem mostrando e pro-
duzindo a relação interna entre passado e futuro,
hoje e amanhã.24 (grifo nosso).

Por atribuir a ambas categorias um estatuto meta-histórico, na


medida em que não correspondem diretamente ao plano dos eventos
factuais do tempo cronológico, compreende-se a temporalidade e a ar-
ticulação tensional que emerge da relação entre experiências e expecta-
tivas como objeto de constructo cultural, que pertence ao mundo da
vida/ao vivido, e não do empírico a priori. Desse modo, sob esse regime
de escrita da história, deriva-se a consideração de que o exame da Mo-
dernidade - enquanto tempo histórico - possibilita perceber a dimensão
da espectralidade do real, no qual as experiências realizadas e as do por-
vir (desde o hoje nutridas enquanto expectativas) performam uma tem-
poralidade aberta ao futuro, não justapostas ou coincidentes à cronolo-
gia.
Segundo Koselleck,

24 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado..., p. 308.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

O indicador de temporalidade que está contido na


tensão, antropologicamente preexistente, entre
experiência e expectativa nos proporciona um pa-
râmetro que permite ver nos conceitos constitucio-
nais o nascimento da Modernidade.25

[...]

A aplicação histórica de nossas duas categorias


meta-históricas forneceu uma chave para reconhe-
cermos o tempo histórico, particularmente o nasci-
mento daquilo que recebeu o nome de moderni-
dade, como algo diferente dos tempos anteriores.26

Como problema, resta saber de que forma a Modernidade, pen-


sada sob o suposto antropológico koselleckiano, enquanto tempo tran-
sicional assimétrico (e tensional) entre experiência e expectativa, foi
conceituada pelos agentes de sua época. Em termos políticos, se o
tempo histórico (e a história) tornam-se objetos passíveis de ação/inter-
venção humana, qual o caráter da ação (movimento) que visou a superar
esse horizonte da diferença? A resposta moderna hegemônica não foi
outra senão a perspectiva do “progresso” - conceito que pretendeu
equacionar a problemática e dar a ela uma fórmula compensatória:
“Quanto menor o conteúdo de experiência, tanto maior a expectativa
que se extrai dele. Quanto menor a experiência tanto maior a expecta-
tiva”.27

25 Ibidem, p. 324.
26 Ibidem, p. 327.
27 Ibidem, p. 326.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Esse novo tempo progressivo moderno passa a reger a sociedade


em torno à aceleração dos ritmos do chamado mundo-da-vida, nas con-
fluências das conquistas sociopolíticas (das revoluções, dos movimentos
sociais) e do plano técnico-científico-informacional (da Era industrial),
cujo enlace configura o domínio humano sobre a natureza na civilização
do progresso. É este o cenário em cuja trama a voz crítica de Benjamin
ecoa nas teses Sobre o Conceito da História.
Quando mobilizou o passado como imagem que emerge em
meio à situação de perigo, Benjamin assinalara que a posição do intér-
prete é a de quem articula uma experiência que reside no campo das
lembranças, enquanto memória histórica acionada pelo sujeito no ato
de (re)construção dos processos que realiza no presente.
Para o autor,
Articular historicamente o passado não significa co-
nhecê-lo “como ele de fato foi”. Significa apropriar-
se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de um perigo. 28

É no instante de perigo que a imagem do passado é fixada - e a


história como alternativa a ser (re)feita surge no horizonte da experiên-
cia por vir, desde já constituinte do presente. Enfrentar o perigo requer,
portanto, um conceito de história que confronte a visão linear e progres-
siva moderna do “progresso ininterrupto”, para falar com Michael

28 Cf. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: Walter Benjamin – obras escolhidas, vol.

1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987 [1940], pp. 222-232, sexta tese.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Lowy29. Nesse âmbito, do saldo crítico da modernidade as tintas benja-


minianas deixam como rastro o traçado de uma escrita que emerge
como luz, em face das sombras, da projeção dos tempos sombrios de
onde partira.
O desafio da (re)escrita da história (a partir de seu novo con-
ceito) parte justamente da crítica dessa ideia de progresso que se colo-
cara como máxima moderna:

A ideia de um progresso da humanidade na história


é inseparável da ideia de sua marcha no interior de
um tempo vazio e homogêneo. A crítica da ideia do
progresso tem como pressuposto a crítica da ideia
dessa marcha.30

Seja como luz de “uma vela”, ou seja, na escala de um “sol res-


plandecente”, para retomar a expressão arendtiana, a modernidade en-
contrara sua crítica contemporânea tecida nas bordas, em meio aos es-
combros e ruínas do projeto moderno, bem ao sabor benjaminiano. Pen-
sando a partir de outro contexto, mas ainda assim em um instante de
perigo em que a crise desestabiliza os eixos do regime moderno de his-
toricidade, a ponto de falarmos nos tempos pós (pós-modernos, pós-es-
truturalistas, pós-verdadeiros, etc.) cujo ponto de apoio ainda não teria
sido encontrado (seria ele um rescaldo das expectativas dos tempos mo-
dernos?), que estado tensional entre experiências e expectativas

29 Cf. LOWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o conceito

de história”. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Branr, [tradução das teses] Jeanne Marie Gag-
nebin, Marcos Lurz Muller. - Sao Paulo: Boitempo, 2005, p. 65.
30 BENJAMIN, op. cit., décima terceira tese.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

vivemos hoje, em nosso tempo? O historiador François Hartog lançou a


categoria presentismo como exercício de indagação desse tempo histó-
rico, mais do que uma tentativa de defini-lo.
Se no passado a história como mestra da vida orientava as lições
ao presente e na modernidade é a perspectiva de futuro que ampara a
ação dos sujeitos na sociedade, hoje assiste-se a uma situação de hiper-
trofia do presente, um novo elo com o tempo histórico:

Historia magistra apresentava a história, ou supos-


tamente assim o fazia, do ponto de vista do pas-
sado. Pelo contrário, no regime moderno, a história
foi escrita, teleologicamente, do ponto de vista do
futuro. O Presentismo implica que o ponto de vista
é explicita e unicamente o do presente.31

Carregando uma carga temporal voltada à hipertrofia do pre-


sente, o conceito organiza-se em torno da contração do espaço de expe-
riências. Nascido do passado (que passa de forma cada vez mais veloz)
e, ao mesmo tempo, da retração do horizonte de expectativas (que per-
dem sua razão de ser em um tempo que não permite projeções de futuro
distante), o termo desarticula a fórmula compensatória moderna oci-
dental32 a partir da concentração em um único e isolado ponto do
tempo: o império do presente – o tal presentismo:

31 Cf. HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Hori-

zonte: Autêntica Editora, 2013.


32 Deve-se a Boaventura de Sousa Santos a formulação da imagem de articulação entre “raízes” &

“opções” como categorias-chave do pensamento moderno ocidental (e dualista). Sobre isso, ver:
SANTOS, Boaventura de Sousa. Tempos, códigos barrocos e canonização. Revista Crítica de Ciências
Sociais, Coimbra, nº 51, junho 1998, pp. 3-20.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Assim fomos do futurismo para o presentismo e fi-


camos habitando um presente hipertrofiado que
tem a pretensão de ser seu próprio horizonte: sem
passado sem futuro, ou a gerar seu próprio passado
e seu próprio futuro.33

De Benjamin a Hartog, passando pela estruturação conceitual do


tempo histórico, em Koselleck, uma questão parece, com efeito, emergir
como ponto de encontro entre essas perspectivas: como transformar
nossas experiências do hoje em expectativas de um por vir além do
tempo de ruínas, escombros e rastros da falência de um projeto progres-
sista da Modernidade?
Subjacente a essa indagação, encontra-se o postulado de repen-
sar o tempo histórico nos momentos de crise, ao que poderíamos acres-
cer o fato de que são estes os instantes nos quais, ao se reavaliar o lastro
do passado, reescreve-se a narrativa que mobiliza noções temporais
como raízes/origens/fundamentos e que toca nos desafios aportados ao
futuro-presente. Cabe, retomando a reflexão por que iniciamos o texto,
o exercício de prestar acerto de contas com seu tempo, que não se trata
meramente da ordem de acontecimentos a que calha registrar. Em situ-
ações como essa, decisivas, é como se, retomando as teses benjaminia-
nas, a experiência presente do tempo fosse bombardeada por uma ex-
plosão de “agoras”, tendo em vista que a “história é objeto de uma

33 Retirado de: HARTOG, François. Regime de Historicidade [Time, History and the writing of History

- KVHAA Konferenser 37: 95-113 Stockholm 1996]. Disponível em https://pos.histo-


ria.ufg.br/up/113/o/Fran%C3%A7ois_Hartog_Regime_de_Historicidade_%281%29.pdf. Acesso em
12 jul. 2019.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo


saturado de ‘agoras’”34.
Justifica-se e explica-se, dessa forma, o porquê da mobilização
da história (do passado) no presente, temporalidade cujo horizonte em
aberto propicia - e no qual se processam - as condições de sua recriação,
assim como o balanço de sentido e sensibilidade que (então passa a)
ocupa(r) no imaginário contemporâneo. Situação em que, na escrita en-
saística de Benjamin e na leitura historiográfica de Koselleck e de Hartog,
elabora-se um enlace entre as dimensões temporais a que o contempo-
râneo é constituído e visado desde o rastro daqueles traçados que nos
são legados. Nosso desafio é, diante dessa circunstância, perceber entre
o jogo de luzes e obscuridade o potencial crítico de novos instantes de
perigo aos quais somos constantemente interpelados.

REFERÊNCIAS

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de Bolso, 2008 [1968].
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? In: O que é o contempo-
râneo? e outros ensaios. Chapecó: Argos, tradução de Vinícius Nicastro
Honesko, 2009.
BENJAMIN, Walter. Documentos de cultura, documentos de barbárie: es-
critos escolhidos. Seleção e apresentação de Willi Bolle; tradução de

34 BENJAMIN, op. cit., décima quarta tese.

<< 25 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

Celeste H.M. Ribeiro de Sousa ...et al. São Paulo: Cultrix: Editora da Uni-
versidade de São Paulo, 1986.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e po-
lítica. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio
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versitária, 1982.
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(1979-2004). Organização de Ginette Michaud, Joana Masó, Javier Bas-
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2012.
FREUD, Sigmund. Obras completas. São Paulo: Companhia das Letras,
2018, vol. 18. Tradução de Paulo César de Souza.
GAUER, Ruth Maria Chittó (org.). Tempo & Historicidades. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2016. Série Monumenta; 6.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências
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KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006;
LOWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio. Uma leitura das te-
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Branr, [tradução das teses] Jeanne Marie Gagnebin, Marcos Lurz Muller.
- Sao Paulo: Boitempo, 2005.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Tempos, códigos barrocos e canoniza-
ção. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, nº 51, junho 1998, pp.
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SOUZA, Ricardo Timm de. Ética do escrever: Kafka, Derrida e a Literatura
como crítica da violência. Porto Alegre, RS: Zouk, 2018.
SOUZA, Ricardo Timm de. Sobre a construção do sentido: o pensar e o
agir entre a vida e a filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2004.

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Matrizes do patriarcalismo brasileiro: revisitando
a Casa de Pensão, de Aluísio Azevedo
Felipe Riccio Schiefler1

Buscando ressaltar os aspectos do patriarcalismo presentes no


livro de Aluísio de Azevedo, Casa de Pensão, romance que saiu nos idos
de 1884, o texto se propõe retornar à obra e à personagem central da
trama, o jovem Amâncio, com o intuito de tecer os fios de uma leitura
possível: a postura de Amâncio – expressão do patriarcalismo brasileiro
oitocentista – estaria ligada diretamente ao seu itinerário de vida, sobre-
tudo aos seus anos de infância no Maranhão, quando seu pai e seu pri-
meiro professor apoiavam-se em um livro didático em que a gramática
patriarcal era o elo de ligação entre as lições.
Sem negar as interpretações naturalistas, nossa ideia é mostrar
a plausibilidade de uma leitura em que as personagens da obra apreen-
dem quais os aspectos da masculinidade e da feminidade presos às cor-
rentes do sexismo, ou seja, internalizam os sentidos da dominação de
gênero a partir do processo de socialização em que estão inseridos, dis-
tanciando-se de uma concepção biológica como marco das diferenças

1 Doutor em Ciência Política (DCP-UFMG). Professor substituto da Universidade Federal de Alfenas

(UNIFAL). Email: felipericcio22@gmail.com


Revista Sociologia, Política e Cidadania

entre os sexos (Bourdieu, 1998). Ao traçar esse processo, acreditamos


que o autor se insere no quadro daqueles que sublinharam o patriarca-
lismo brasileiro como chave interpretativa do país, tema recorrente em
diferentes matrizes do pensamento social, de Oliveira Vianna a Sérgio
Buarque, passando por Gilberto Freyre, Nestor Duarte e podendo ser vi-
sível até mesmo em Caio Prado Júnior, quando retoma as noções dos
clãs parentais em sua Formação do Brasil Contemporâneo. (Vianna,
1987; Holanda, 2006; Freyre, 2006; Prado Júnior, 1942)
A partir destas personagens, vamos destacar a figura do pai e a
do professor, que, a nosso ver, foram alicerces centrais para a internali-
zação da gramática patriarcal pelo personagem principal do romance;
nutrido por esses ensinamentos patriarcais, Amâncio, no curso superior,
mostrou um dos frutos da educação básica: o assédio sexual às mulhe-
res. Por último, destacaremos como, a partir da obra, as marcas do pa-
triarcalismo brasileiro – a ênfase na hierarquia, noções de obediência
passiva, centralidade da família, da honra e da condição de inferioridade
da mulher – estão presentes no desfecho judicial da trama de Amâncio.

Vasconcelos, um pai luso-brasileiro

Dentre os trabalhos que se debruçaram sobre a obra de Aluísio


Azevedo, pouco espaço foi deixado para a análise das personagens mas-
culinas. As mulheres, ao contrário, foram objeto de numerosos estudos,
sobretudo na questão da histeria, que, como remarcam os críticos, per-
passa várias personagens dos livros do autor.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Olhando de perto as personagens de Casa de Pensão, é possível


suspeitar da crença firme de Aluísio Azevedo na ciência do seu tempo.
Como veremos mais abaixo, a ideia essencialista acerca dos sexos – que
dava elementos para muitos preceitos científicos partilhados na virada
do oitocentos para o novecentos – é muitas vezes posta em xeque no
romance. Ao fazer esse movimento, a obra amplia as possibilidades in-
terpretativas, não podendo ser concebida somente no interior dos de-
terminismos biológicos. Além disso, traz para o centro da narrativa ele-
mentos do patriarcalismo brasileiro, sobretudo aqueles ligados às no-
ções de tutela do pai sobre sua família expandida, isto é, mulheres, fi-
lhos, agregados, escravos, temática que deitou raízes profundas no pen-
samento social brasileiro.
Nesta seção, portanto, nosso intuito é colocar em destaque duas
personagens do livro Casa de Pensão: o pai de Amâncio, Vasconcelos, e
seu professor, Antonio Pires. Pai e professor. Casa e escola. Pilares para
a construção social da masculinidade oitocentista. Comecemos por Vas-
concelos, referência no interior do lar.
O autor maranhense, logo de saída, apresenta uma razão que,
em certa medida, tem ligação com o desregramento moral de Amâncio:
“fora muito mal-educado pelo pai”. Este – assim como todo “português
antigo e austero” – confunde “o respeito com o terror”. As penas corpo-
rais eram regra, o que fazia com que o menino tivesse “um medo horro-
roso” do pai. Bastava que o velho adentrasse pela porta para que Amâ-
ncio, “todo frio”, começasse logo a “tremer” (Azevedo 1961, p. 22).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Ademais, ao longo da obra, as diferenças entre a mãe – Ângela


– e o pai de Amâncio são apresentadas. De um lado, frieza, desdém e
distanciamento; do outro, comoção, carinho e proximidade. Isso fica
bem expresso quando chega a hora do rapaz aprontar suas malas em
direção à Corte. A mãe não se aguenta. A ideia de separação lhe parecia
insustentável. O pai, sempre severo e altivo, retrucava os desesperos da
esposa lembrando que “não seria agarrado às saias da mãe que iria pra
diante!”. Após essas discussões cotidianas, os pais se separavam. Vas-
concelos, indiferente, “dava-lhe as costas” e ia para seus afazeres, en-
quanto que, no rosto da mãe, “vinham-lhe as lágrimas” (Azevedo 1961,
p. 34).
Estariam aí as chaves de uma visão essencialista, em que a natu-
reza da mulher é vista como frágil e emotiva, enquanto o homem é re-
presentado pelo caráter frio e racional? No decorrer do romance, o nar-
rador presta contas ao leitor. A postura de Vasconcelos não tinha nada
de natural. Não era racionalidade e frieza, tampouco falta de amor pela
criança. Mas, para seguir a cartilha patriarcal, devia se apresentar como
uma figura temida no interior da casa. Dessa maneira, preferia sempre
pautar as suas relações familiares da forma mais ríspida possível. E isso
modificava a conduta seguida pelo pai. Se, por acaso, esses tipos “acham
graça em alguma coisa feita pelo filho, sufocam o riso, medrosos de que
qualquer expansão acarrete uma quebra ao respeito filiar” (Azevedo
1961, p. 154).
Parecendo se dar conta da construção social do gênero, ele nota
ainda que, se a mãe de Amâncio aparece sempre frágil e chorosa, essas

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

características não estão ausentes no seu pai. A diferença é que, para


este, as emoções ficam contidas quando está na presença de outros,
mas, “às escondidas”, houve “vez que chorou de ternura”, que “sentiu o
coração saltar para o filho”. Toda essa contenção se dava pelo receio de
“cair no ridículo” caso essas ações viessem ao conhecimento de todos
(Azevedo 1961, p. 154). Isso ilustra bem como a internalização da gra-
mática da dominação masculina também é nociva aos homens. A última
aparição de Vasconcelos nas páginas do romance é significativa nesse
sentido. Como se fizesse uma retrospectiva da vida que parecia chegar
aos seus momentos finais, sua postura é de quem, arrependido, procu-
rava estabelecer novos laços na relação para com o filho, como se qui-
sesse apagar todo o passado alicerçado na violência física e simbólica
antes de morrer, numa espécie de confissão capaz de libertá-lo desses
pecados patriarcais.
Se impactavam sobre Vasconcelos, a dominação masculina co-
brava um preço muito maior para Ângela. Ressaltemos, por exemplo,
uma das muitas passagens nas quais Amâncio relembra os seus tempos
de guri em São Luís. Os afetos entre mãe e filho não podiam desabrochar
sem a presença do pater famílias. Poucas vezes ficara só com a mãe. Es-
ses momentos fugazes eram interrompidos pela chegada do pai, quando
“Ângela se retraía, cortando em meio as carícias do filho, como se as re-
cebera de um amante, em plena ilegalidade do adultério” (Azevedo
1961, p. 62). Era como se, no interior da casa, não houvesse lugar para
outro homem que não fosse Vasconcelos.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Muitos trabalhos sobre Casa de Pensão ressaltam como o com-


plexo de édipo é uma chave importante para se pensar a relação de
Amâncio com as personagens femininas e com seu pai e seu professor.
Na tese de Marizete Garcia, por exemplo, o édipo surge como maneira
de apresentar a ligação de Amâncio com Hortênsia, mulher do rico co-
merciante que recebera o jovem maranhense na corte. Para a autora,
Hortênsia e Ângela representam as mulheres anjo, e, por isso, Amâncio
transferiu para aquela os afetos maternos (Garcia, 2009). Ainda assim,
caso façamos essa aproximação entre a mãe e Hortênsia, é necessário
ressaltar que, com a mulher do comerciante, o rapaz não se conteve,
chegando, inclusive, a assediá-la.
Com o foco na relação entre Amâncio e seu pai, o trabalho pio-
neiro de Durval Marcondes (1928), por sua vez, apoiou-se na explicação
edipiana para analisar os sonhos do personagem. No sonho que teve na
noite anterior ao seu exame na faculdade de medicina, Amâncio retor-
nou à escola de sua infância, onde as figuras do pai e do professor apa-
reciam indistintamente. Na ocasião, após a sentença dada ao jovem,
Vasconcelos é quem decide pela castração do filho. Para quebrar os elos
de outro homem com sua mulher, seu pai o castrava. Em ambos os
exemplos acima citados, o complexo de édipo – uma relação de cunho
universal – é apresentado como possível explicação das relações famili-
ares do personagem. Sem duvidar delas, achamos necessário acrescen-
tar alguns pontos, com base no que diz o próprio narrador da obra. Se-
gundo ele, o ódio paterno tinha vínculos sólidos com o tipo de educação

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

presente nas famílias portuguesas, excelentes para cunhar um pai patri-


arcal.
De maneira suplementar, portanto, a nosso ver, Aluísio Azevedo,
transita entre os polos universalistas do édipo e dos particularismos ad-
vindos do formato educacional que vigorava entre os pais luso-brasilei-
ros. Estes traços particulares estão conectados com os preceitos da fa-
mília patriarcal que deitou raízes na colonização brasileira. A ação tirâ-
nica de Vasconcelos no interior do lar não tinha limites. A esfera privada,
sem ser tocada pela lei, era o local perfeito o despotismo dos maridos,
em um episódio que nos remete as descrições do quadro familiar colo-
nial de Sérgio Buarque de Holanda em seu livro de estreia, Raízes do Bra-
sil e estariam representadas, também, na cena inicial do Menino de En-
genho, de José Luís do Rego. (Holanda, 2006, p. 80).

Mestre ou monstro? Elementos de uma pedagogia patriarcal

Há uma coisa curiosa na personagem do professor de primeiras


letras de Amâncio: o tal Antonio Pires, “homem grosseiro, bruto, de ca-
belo duro e olhos de touro”, que com frequência “batia nas crianças por
gosto, por um hábito de ofício”, de fato existiu (Azevedo, 1961, p. 22).
Fora professor de Aluísio de Azevedo (Mérian, 2013, p. 50).
Em Casa de Pensão, Amâncio vive maus bocados ao ingressar na
escola. Antonio Pires transpunha para o ambiente escolar a mesma car-
tilha autoritária e violenta de Vasconcelos. A ligação entre os dois é,

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

inclusive, sugerida ao longo da obra, seja pelo narrador, seja nos sonhos
do personagem, como vimos na seção anterior. As atrocidades cometi-
das pelo mestre tinham o aval de pais como o de Amâncio, “ignorantes,
viciados pelos costumes bárbaros do Brasil”, que se encontravam ainda
mais atrofiados “pelo hábito de lidar com escravos”, estendendo o
mesmo tipo de tratamento para com os filhos. Dessa forma, não é de se
estranhar que consideravam umas boas “bordoadas” a única maneira de
“endireitar os filhos” (Azevedo, 1961, p. 22). Patriarcalismo, escravidão
e educação. Elos estreitos.
O livro, lembremos, é de 1884, época na qual o debate abolicio-
nista ganhava contornos nunca antes vistos no país. O abolicionismo, de
Joaquim Nabuco, fora lançado um ano antes; a fundação da Sociedade
Abolicionista Maranhense, em 1880, coincidiu com a data de retorno do
Aluísio a sua província por ocasião da morte do pai. Na capital da provín-
cia, os jornais O País e o Diário do Maranhão repercutiam os embates
travados na Câmara dos Deputados instalada no Rio de Janeiro (Mérian,
2013)
O escritor maranhense, assim, sem tomar a questão como plano
central de sua obra, não abriu mão de denunciar – como partidário da
abolição – as mazelas do escravismo, enaltecendo como essa dissemina-
ção da lógica de opressão permeava, também, outras relações sociais do
Brasil oitocentista. O arcaísmo da escravidão impedia que os homens
cambiassem seus modos antigos. Assim como outros abolicionistas, para
ele, a relação senhor/escravo, de tão arraigada, transbordava sua lógica
para outras relações de dominação.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Em Casa de Pensão, ela adentra o lar, a escola e se mostra viva e


forte no Judiciário. Tal sentença pode ser confirmada a partir da leitura
comentada de Menezes Montenegro ao Código Criminal do Império, em
que ressalta as benesses de um formato patriarcal de dominação para o
bom andamento da vida em sociedade: “o mal que resulta do castigo
infligido pelo pai ao filho, pelo senhor ao escravo, pelo mestre ao discí-
pulo se redunda em benefício dos que o sofrem – é empregado para
fazê-los entrar no círculo de suas obrigações” (Montenegro, 1860, p.
181). Pai ao filho. Mestre ao discípulo. Senhor ao escravo.
A crítica a esse tipo de educação, agravada pela escravidão, fica
explícita ao longo da obra. Em primeiro lugar porque os métodos de Vas-
concelos/Pires não tinham menor resultado prático para sua alfabetiza-
ção. Mostrando-se crítico a isso, a pedagogia do terror foi assim resu-
mida na pena do escritor:

Só aos doze anos fez o seu exame de português na


aula do Pires. Houve muita formalidade. A congre-
gação era presidida pelo Sotero dos Reis; havia
vinte e tantos examinandos. Amâncio tremia na-
queles apuros. Não tinha em si a menor confiança.
Foi, contudo, “aprovado plenamente”. Mas não sa-
bia quase nada, mal sabia ler (...) O Pires nunca ex-
plicava: - se o pequeno tinha a lição de memória,
passava outra, e se não tinha, dava-lhe palmatoa-
das e dizia que trouxesse a mesma para o dia se-
guinte. (Azevedo, 1961, p. 28)

Se não favorecia em nada para o processo de aprendizagem, es-


sas lições patriarcais deixariam marcas duradouras em Amâncio. Com a

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

aprovação no exame, o rito da festa marca a inserção do aluno no liceu.


Para ele, isso significava muito: ali não existiriam mais castigos. Estava
livre das palmatórias.
As lembranças do Pires, porém, não o deixariam tão cedo. Ao ir
para Corte, Amâncio buscou formar-se em algo que lhe desse certa in-
serção social – não para exercer uma profissão que de fato lhe caísse
bem. Escolhida a medicina, o aluno, seguindo uma prática costumeira
dos estudantes universitários da época, muito pouco aparecia na facul-
dade (Carvalho, 2003). E a já citada passagem acerca do sonho de Amâ-
ncio se insere nesse contexto. Ao se aproximar do exame do primeiro
ano de faculdade, uma grande tensão tomou conta de Amâncio: toda
ausência das aulas e descompromisso com os estudos lhe seria cobrada
agora? Foi com esses pensamentos em mente que o rapaz foi se deitar.
Um pesadelo então lhe acometeu.
Nele, Pires assumia as feições do falecido Vasconcelos. Pai e pro-
fessor se confundiam em sua cabeça. Na cena, os examinadores o fita-
vam “armados de palmatória, e todos com aquela feia catadura do seu
ex-professor de português do Maranhão”. Eram seus colegas do Rio –
Coqueiro, Paiva e o Simões. Presidindo a mesa estava “o mesmo fanhoso
Sotero Reis”, diretor do colégio que, da mesma forma que Pires, foi cu-
nhado a partir do educador de Aluísio Azevedo (Azevedo 1961, p. 227).
Em tom inquisitório, arguiam Amâncio sobre o assassinato de Amélia,
irmã de Coqueiro, que, à época, era amante do rapaz. A acusação era de
que o rapaz teria matado a moça. A sentença foi dada pelo seu pai, que,

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

enfurecido, manda decapitar o rapaz. Violência, feminicídio e educação,


temas ligados no inconsciente de Amâncio. Um beco sem saída?
Muito vivo nos debates intelectuais da época, a discussão acerca
do sistema educacional brasileiro ganhou as páginas dos romances. O
próprio Aluísio Azevedo tratou do tema da educação em outra de suas
obras, O Coruja.
Na contramão dos métodos empregados por Vasconcelos, So-
tero Reis ou Antonio Pires, o personagem que dá nome ao livro, André,
cuja alcunha era Coruja, sonhava em ser professor, e era apresentado
como uma figura que escapava aos traços da masculinidade oitocentista.
No livro, Coruja traça planos de uma reforma capaz de dar conta dos
percalços do sistema escolar do país. Criado por um padre que pouco
apreço guardava pela criança, não assimilou traços centrais do homem
oitocentista. No colégio, todos zombavam dele – por sua aparência, pelo
seu corpo franzino e pela sua condição social marginalizada, sendo o
único aluno do colégio que não ia embora nas férias, pois não tinha fa-
mília – enquanto temiam o Fonseca “pelo seu gênio brigador e arro-
gante” (Azevedo, 2008, p. 27).
Estudando no mesmo colégio do seu amigo Teobaldo, Coruja
não ousou escolher uma profissão que lhe rendesse “boas posições so-
ciais”. Convite quase indispensável para ingressar na “boa” sociedade
masculina, era a regra dentre os colegas mais abastados. Coruja, por sua
vez, aceitava ser “um simples professor”. (Azevedo, 2008, p. 114). Dife-
rentemente da pedagogia empregada por Vasconcelos e Pires, o Coruja
sonhava com um “colégio sem castigos corporais, sem terrores”

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

(Azevedo, 2008, p. 120). Um novo método de ensino seria a chave para


um novo homem e, para isso, era necessário “substituir os velhos pro-
cessos adotados no ensino primário do Brasil” (Azevedo, 2008, p. 120).

Assédio sexual, uma violência legitimada

Vasconcelos, como vimos, tolhia os encontros entre Amâncio e


sua mãe, ele nunca viu empecilhos na liberação dessas pulsões para com
as escravas. Uma temática não explorada acerca da obra é a questão do
assédio sexual. Fruto de uma educação patriarcal, as mulheres, para
Amâncio, eram concebidas como objetos de prazer, seres que tinham
que satisfazer seus anseios sexuais, custasse o que custasse. Seleciona-
mos, assim, três cenas nas quais o assédio físico e moral às mulheres é
praticado pelo filho de Vasconcelos.
O primeiro vem à tona logo após uma noite de farra dele com
seus companheiros. Como morava, na época, na casa do comerciante
amigo de sua família, aceitou o convite do seu companheiro Paiva para
dormir na república dos estudantes. Logo pela manhã, como se levantou
mais cedo que os demais, decidiu pegar suas coisas e resolveu ir para
casa.
Ao sair do quarto, quando descia a escada de acesso à rua, de-
parou-se com uma moça que trazia dois copos de leite nas mãos. Numa
sociedade marcada pela escravidão, essa jovem era uma escravizada. O
assédio e o estrupo eram, nesses casos, a moeda corrente da sociedade
colonial e também da sociedade oitocentista, em que se encontrava a

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

personagem. A jovem tinha aproximadamente dezesseis anos. Amâncio


fitou-a. Ao vê-lo, sem desgrudar os olhos dos copos, ela se retraiu para
o que o rapaz passasse. Ele seguiu em sua direção e, sem hesitar, “lan-
çou-lhe as mãos”. Nada indicava que ela tinha dado anuência para a ati-
tude do rapaz, como ficou atestado em seu grito: “- que a soltasse! que
não fosse atrevido”. Com a insistência, tentou outra vez se livrar dos bra-
ços de Amâncio, que “conseguiu beijá-la a força”. Ao conseguir se des-
vencilhar do ataque, ainda teve tempo para dizer: “peste ruim de estu-
dante” (Azevedo, 1961, p. 61). Da última frase pronunciada pela assedi-
ada podemos supor que essa era a forma corriqueira em que os estu-
dantes se relacionavam com as mulheres escravizadas. Como fazia en-
tregas na república estudantil, muito provavelmente essa não foi a pri-
meira, e muito menos a última agressão sofrida pela mulher negra em
um ambiente masculino, como este.
As transgressões de Amâncio não pararam por aí. Ao se mudar
para a casa de pensão de Mme Brizard, o plano do Coqueiro de casar sua
irmã mais nova com o jovem maranhense parecia se desenrolar da me-
lhor maneira possível. Mal podia pensar, todavia, que uma hóspede viria
a atrapalhar seus planos de casar sua irmã com o bem afortunado mara-
nhense: Lúcia. Ela morava junto com um tal Pereira, um senhor que
quase não verbalizava palavra e se portava como a pobre Nini, sempre
em estado de convalescência. Os flertes entre Amâncio e Lúcia, de início,
passaram despercebidos pelos donos da pensão. Com as bexigas contra-
ídas pelo rapaz, os cuidados de Amelinha teriam a concorrência de Lúcia.
Um balde de água no braseiro de amor que tomava corpo entre Amélia

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

e Amâncio. Reprogramando o plano, Mme Brizard e Coqueiro decidem


enxotar Lúcia e Pereira dos seus aposentos.
Antes de expulsá-los, Coqueiro fez questão de colocar a história
de Lúcia às claras: não era casada! Pereira, inclusive, tinha mulher, uma
idosa ainda viva, residente da “Rua da Pedreira” (Azevedo, 1961, p. 188).
A revelação repercutiu sobre os pensamentos de Amâncio que, até en-
tão, estava seguro de que se tratava de uma mulher casada. A própria
Lúcia já o dissera algo nesse sentido – talvez para demonstrar que estava
disposta a se separar para ficar com o rapaz. Mas, nem a mentira nem a
mudança fizeram com que Amâncio deixasse de procura-la.
Na primeira escapada depois das bexigas que quase lhe mata-
ram, o jovem – já com o endereço da nova casa de pensão para qual se
mudou Lúcia – foi ter com ela. Como a sala, utilizada por todos morado-
res, não era o melhor lugar para uma mulher que se passava por casada
recebe-lo, Lúcia convidou-o a conhecer a chácara. Cruzaram todo o ter-
reno e foram tomar assento em um banco meio escondido, longe dos
olhares curiosos. Enquanto Lúcia buscava um lugar tranquilo para que
pudesse esboçar suas intenções matrimoniais para com Amâncio, este
se aproveitou para um novo ataque.
Logo na primeira investida, a mulher exclamou: “Não! Isso não!”
(Azevedo, 1961, p. 215). O homem, por sua vez, buscando apoiar-se em
um discurso conveniente aos seus desejos, disse a ela que não se apa-
gasse a “uma pieguice romântica”. Lúcia, uma vez mais, recusou-se, mas
“Amâncio insistia sempre” (Azevedo, 1961, p. 215). Disposto a tudo, ele

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

“até já recorria à violência” (Azevedo, 1961, p. 216). Desesperada, Lúcia


tentou uma última cartada contra o assediador: ordenou que o rapaz
respeitasse o seu marido, talvez a única coisa que pudesse conter o ata-
que. Mostrando saber da trama toda – e talvez por isso achasse legítima
sua atitude –, Amâncio, sentindo seu ego masculino ferido, mandou a
mulher ao “diabo!” (Azevedo, 1961, p. 216).

A mulher pelas lentes da Justiça

O terceiro caso é um pouco diferente, mas nos coloca de ma-


neira crua como o assédio era consentido, sobretudo quando se “des-
confiava” da “boa reputação” das vítimas. Depois de ter certeza de que
o casamento de sua irmã Amélia com Amâncio tinha ido por terra, Co-
queiro procurou uma maneira de vingar-se do antigo amigo. Veio à ca-
beça a ideia de prendê-lo. Buscando tecer redes de compadrio para o
bom andamento da causa, foi ter com o Dr. Teles de Moura, “um advo-
gado velho, muito respeitado no fôro; não pelo seu caráter, que o não
mostrava nunca, nem pela sua ciência, que a não tinha”, porém pela sua
“sagacidade, pelas suas manhas de chicanista, pela sua terrível figura de
raposa velha” (Azevedo, 1961, p. 270).
Como não era íntimo do doutor, Coqueiro tentou cativá-lo colo-
cando em destaque algumas das características concernentes a um bom
homem da época: seu apego à família. Apesar da pobreza, tinha se ca-
sado cedo, época na qual a maioria dos jovens estava na pândega.
Quanto à família, era “o bem único de que ele dispunha na terra!”. O

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

dinheiro não era a única ferramenta para driblar a legalidade. Aprovei-


tando-se da introdução do assunto, salientava que “tinha uma irmã, ino-
cente e indefesa, a quem até aí servira de pai e de tutor” (Azevedo, 1961,
p. 271).2 No interior da moralidade burguesa oitocentista, o casamento
era visto como uma consequência natural na vida do cidadão. Aparecia
como uma forma de conter a degeneração que fosse fruto de uma vida
desregrada, para os homens. (Oliveira, 2004).
A trama bolada por Coqueiro deu certo e Amâncio foi preso
quando tentava embarcar para o Maranhão. O processo que caiu no colo
do rapaz fundamentava-se na violência sexual que lançara mão para
manter relação com Amélia. A “raposa velha” conseguira duas testemu-
nhas e tramou o enredo da agressão. Mas esse não parecia ser a princi-
pal transgressão penal do caso. Na fala de Coqueiro, o grande crime de
Amâncio não fora o estupro, mas a promessa não comprida de casa-
mento que o rapaz teria feito a ela logo após violenta-la. Ou seja, para
convencer a justiça, mais valia o falso pedido de casamento do que o
estupro sofrido pela irmã. Ou ainda: casar repararia a falta cometida
pelo estuprador. Vejamos mais detidamente a passagem:

que, no dia seguinte àquela noite fatal, Amélia não


quis sair do quarto e que ele, indo ter com a irmã e
perguntando-lhe se sofria de alguma coisa e se pre-
cisava de médico, notou-lhe certa perturbação,

2 E, lembremos, essa não era a primeira vez que Coqueiro fazia questão de remarcar um de seus

maiores atributos: a constituição familiar precoce. Na cena em que conheceu Amâncio, tratou de
diferenciar-se dos demais amigos: não excedeu no álcool e voltou mais cedo para casa. Logo na
primeira oportunidade que teve de falar com o recém-chegado do Maranhão, sublinhou as benes-
ses da vida de casado.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

certo constrangimento e um grande embaraço na


resposta negativa que deu; e que ela, todas as vezes
que era interrogada, fugia com o rosto para o lado
contrário e abaixava os olhos, como tolhida de ver-
gonha; e que, examinando-a melhor, lhe descobrira
sinais roxos nos lábios, nas faces; e pequenas esco-
riações no pescoço, nas mãos e nos braços; e que
então, fulminado por uma suspeita terrível, exigiu
energicamente a revelação de tudo que se passara
na véspera durante a sua ausência, e que ela, em-
palidecendo, abrira a chorar e, só depois de muito
resistir, confessou que fora violentada por Amân-
cio, mas que este prometera sob a palavra de
honra, em breve reparar com o casamento a falta
cometida. (Azevedo, 1961, p. 275)

Nesse suposto contrato no qual as mulheres se viriam obrigadas


a participar (Pateman, 1988), a força fazia-se direito, sobrando para
Amélia. Segundo a narrativa do seu próprio irmão, como debatido acima,
teria que aceitar se casar com o homem que a estuprara. Coqueiro, que
era o tutor da irmã, colocava em primeiro plano as diretrizes que o di-
reito paternal e dos cônjuges tinha sobre a vida sexual das mulheres.
Formas totalmente assimétricas de poder nas relações de gênero que
acabavam por dar força à relação direta entre masculinidade e agressi-
vidade, de um lado, e da passividade feminina, de outro (Biroli, 2014, p.
110-112).

Justiça e honra

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Mesmo recorrendo ao Doutor Teles, a sentença não foi favorável


a Coqueiro. Para alguns ouvidos, pode soar estranho o desfecho do caso.
Ainda que grande parte da trama tenha sido criada pelo irmão de Amé-
lia, as “unhas de tamanduá” do doutor elencaram uma convincente
peça, alicerçada em duas testemunhas.
Podemos supor duas questões acerca do Judiciário brasileiro oi-
tocentista: 1) não era somente o poder econômico que se fazia valer na
hora de burlar a ordem imparcial que deveria guiar os preceitos da jus-
tiça; 2) as tramoias nem sempre davam certo, sobretudo se fosse um
caso de violência de gênero, onde dificilmente o agressor seria visto
como um criminoso. O que restava aos ofendidos era fazer “justiça” com
as próprias mãos, dado que, de acordo com as premissas da masculini-
dade da época, o fato tinha menores implicações para a mulher do que
para a família. A defesa das mulheres ganhava corpo quando concebida
no interior da família patriarcal e de suas regras, retirando-se as mulhe-
res, assim, da categoria de sujeito de direitos.
Como sabemos, uma das inspirações do livro de Aluísio Azevedo
foi a célebre “Questão Capistrano”, que impactou a opinião pública do
Rio de Janeiro em 1876. No caso, Júlia, uma professora de piano, morava
com uma filha e um filho. Ela alugava quartos e um dos seus inquilinos
era um amigo do seu filho, que acabou seduzindo-a. Ele se chamava Ca-
pistrano e quando esse caso amoroso geracional foi caindo nos ouvidos
de muitos, o rapaz zarpou, não se casando com Júlia. Interpelado judici-
almente, Capistrano foi considerado inocente, para consternação da

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

família da pianista, que, na figura do irmão da suposta vítima, vingou-se


e assassinou o inocentado (Faraco, 2009).
Esse foi o pano de fundo para a obra literária de Aluísio Azevedo.
Nesse ponto divergimos de Jean-Yves Mérian, para quem o assassinato
de Amâncio por João Coqueiro é pura e simplesmente um ato de infâmia
e não de honra, pois se afasta do ato romântico e nobre. Acreditamos
ser possível pensar que, no interior da família patriarcal brasileira, infâ-
mia e honra se complementam e dão contornos da masculinidade oito-
centista. Foi assim que, depois do caso tomar dimensões de difusão in-
contornáveis, a honra familiar, tão viva na família patriarcal luso-brasi-
leira, transbordou. Somado a pouca confiança na legitimidade da justiça,
a ira do irmão de Amélia tinha endereço: levaria consigo a vida daquele
que havia manchado a reputação da sua família.

À guisa da conclusão

Ao relativizarmos os determinismos biológicos e a crença na ci-


ência médica oitocentista, deixamos entreabertos espaços para outras
leituras. Dentre estas, nosso intuito foi trazer à tona como o autor pare-
cia antenado às assimetrias de gênero na sociedade brasileira de fins do
século XIX. Assim como Jean-Yves Mérian, exploramos certas críticas do
autor acerca dos costumes oitocentistas. A nosso ver, malgrado os avan-
ços interpretativos do autor francês, as relações de gênero poderiam ter
sido melhor desenvolvidas, dando ênfase para o caráter patriarcal da

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

sociedade brasileira oitocentista brasileira – e ainda tão vivo no Brasil


contemporâneo.
O livro por nós analisado, Casa de Pensão, esboça, como apon-
tamos acima, traços importantes da patriarcalismo oitocentista ao trazer
para o centro do palco a vida de estudantes universitários na cidade do
Rio de Janeiro. Ademais, ao dedicar uma parte da obra à infância e à
adolescência de Amâncio, chama a atenção para as figuras patriarcais do
pai e do professor, substrato para a internalização de uma gramática da
dominação masculina que, anos mais tarde, daria seus frutos em Amân-
cio, um jovem que não via problemas em assediar sexualmente as mu-
lheres que encontrava em suas andanças. A força dessa lógica era tama-
nha que estava corporificada nas leis do Império, muitas delas, como as
noções referentes à propriedade e à escravidão, têm como fundamento
o direito romano em detrimento do contratualismo moderno. A desi-
gualdade de gênero pode ser percebida, por exemplo, no maior rigor ao
adultério das mulheres, tendo em vista que colocava em xeque os pilares
do núcleo familiar.
Nesse sentido, ao acenar para a dimensão da internalização de
uma gramática da dominação masculina, pode-se relativizar os determi-
nismos biológicos que são recorrentemente apontados pelos principais
críticos da obra do autor. Dentre as críticas feitas à educação coeva, Alu-
ísio Azevedo sublinha os problemas de uma educação patriarcal - típica
dos pais portugueses - para os jovens brasileiros. E aqui estavam conju-
gadas as dimensões doméstica e escolar. Ambas se pautavam na

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

violência como a principal ferramenta de ensino e eram pilares centrais


para a construção social da masculinidade.
A violência pode ser concebida quase como um fio condutor da
obra. Ela se desdobra e ganha realces quando chega na violência de gê-
nero. Estão aí temas que, infelizmente, ainda são muito atuais no Brasil
contemporâneo: o assédio sexual e o feminicídio. Do ponto de vista le-
gal, as lutas feministas impactaram em modificações na legislação refe-
rente à violência contra as mulheres, sobretudo na violência doméstica
e no combate ao estupro. Há, no entanto, um descompasso entre os
avanços na ordem legal e a permanência das formas cotidianas de vio-
lência contra as mulheres. Ainda com as novas normas, o número de es-
tupros e de assassinatos de mulheres por homens com quem tiveram
alguma relação afetiva segue altíssimo (Biroli, 2014, p. 112-115).
O desfecho da obra explicita como os preceitos da masculini-
dade estavam disseminados pelas instituições. O Judiciário não fugia à
regra. Mesmo com todas as tentativas de corromper o resultado da sen-
tença, o êxito não foi obtido. A decisão a favor de uma mulher – ainda
que o argumento da acusação tocasse sempre na desonra familiar – não
estava na pauta da jurisprudência brasileira de fins do século. Sendo as-
sim, os alicerces do patriarcalismo, na obra de Aluísio Azevedo, perpas-
sam várias instituições: o âmbito doméstico, a escola e o Judiciário.
Nesse sentido, o autor pode compor, também, uma das matrizes que
utilizou as noções do patriarcalismo como forma de pensar o Brasil, tão
recorrente entre fins dos oitocentos até meados do século XX.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Conceito praticamente em desuso no âmbito acadêmico, os pre-


ceitos do patriarcalismo, infelizmente ainda se mostram atuais. Os dados
altíssimos de feminicídio, como mostrados mais acima, dariam, por si só,
conta de comprovar a permanência do patriarcalismo na sociedade bra-
sileira em sua faceta mais cruel. Sobretudo – e aqui mantendo uma ca-
racterística que perpassa a história brasileira – para as mulheres negras.
A vigência dessas noções no interior das instituições e dos discursos po-
líticos também se faz presente. Na Câmara do Deputados, no dia do afas-
tamento da presidenta eleita Dilma Rousseuf, família foi palavra recor-
rente na boca daqueles que apoiaram a sua saída. Também na educação
as premissas patriarcais ainda estão na ordem do dia, como entre aque-
les que apoiam uma tal “Escola Sem Partido”, em que se defende aber-
tamente que os valores de cunho familiar não podem ser colocados em
xeque pela escola, isto é, a família deve ter prerrogativa sobre o Estado.
Revistar essa obra tão rica de elementos patriarcais com os olhos
no presente talvez seja um bom exercício para aqueles que apostam que
os valores da família se tornaram obsoletos para a compreensão do Bra-
sil contemporâneo. Talvez seja mais fecunda a trilha seguida por Lilia
Moritz Schwarcz, em que o patriarcalismo – pensando conjuntamente a
outras características de nossa formação histórica – é um alicerce impor-
tante para se compreender a força de uma cultura autoritária que, atu-
almente, tampouco se preocupa em disfarçar sua secular intolerância.

REFERÊNCIAS

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

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PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Tradução:Marta Avancini. Rio de Janeiro:
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SANTOS, Daniela Soares. Estudo de um projeto de nação para o Brasil de fins do


século XIX a partir da leitura dos romances e Aluísio de Azevedo entre 1881 e
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VIANNA, Oliveira. Populações meridionais do Brasil: populações rurais do cen-
tro-sul. Belo Horizonte: Ed. Atalaia, 1987.

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Partidos, competição e competitividade nos
municípios paulistas: um estudo das
eleições de 2012 e 2016
Thaís Cavalcante Martins1 e Maria Teresa Miceli Karbauy2

Os estudos que têm como tema a competição política e o com-


portamento eleitoral são objeto de intenso debate na ciência política.
Pesquisas recentes têm demonstrado quais são as bases de sustentação
do voto nas diversas esferas, inclusive no âmbito municipal. As coletâ-
neas organizadas por Baquero e Cremonese (2009), Speck e Carneiro
(2013) e Lavareda e Telles (2011, 2016) constituem uma importante re-
ferência para a interpretação das formas de organização da competição
e da decisão do voto nas diversas cidades brasileiras.
O objetivo deste artigo é avaliar a competição política nos muni-
cípios do maior colégio eleitoral do Brasil: São Paulo. O estado, que conta
com cerca de 44 milhões de habitantes e 33 milhões de eleitores,

1 Doutoranda em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFSCar.

Bolsista Capes. E-mail: thais.cmaartins@gmail.com


2 Doutora em Ciências Sociais pela PUC/São Paulo com Pós-Doutorado em Ciência Política pelo Ins-

tituto de Iberoamérica - Espanha. Docente da UNESP/FCLAr. E-mail: kerbauy@travelnet.com.br


Revista Sociologia, Política e Cidadania

concentra pouco mais de 23% da população do país e 32% do PIB nacio-


nal3, o que lhe atribui a condição de estado mais rico e populoso da fe-
deração. Em razão de sua importância política e econômica, o território
atrai especial atenção de candidatos e partidos durante as eleições.
No estudo descritivo realizado aqui, buscamos identificar algu-
mas das principais estratégias utilizadas pelos partidos políticos nas dis-
putas locais. Assim, investigamos a formação de alianças e a oferta de
candidatos nos municípios paulistas. Para realização da investigação
construímos uma base de dados que dispõe de informações para os 645
municípios do estado. Os dados foram organizados levando-se em conta
as candidaturas para prefeito nas eleições de 2012 e 2016. Assim, neste
estudo, identificamos os principais apoiadores dos mais importantes
partidos brasileiros em âmbito local, bem como os diferentes arranjos
na dinâmica da competição e as candidaturas únicas.
Conforme enfatizado pela literatura, em um sistema político
com eleições multinível4, há incentivos institucionais, ter-ritoriais e polí-
ticos diferentes, de modo que os partidos podem responder a essas
questões de maneira distinta. Assim que, ao se tratar a competição po-
lítica de maneira homogênea, se ocultam informações importantes so-
bre o funcionamento dos subsistemas partidários (SUÁREZ-CAO e FREI-
DENBERG, 2014).

3 Para mais informações, ver: http://www.seade.gov.br/


4Do ponto de vista institucional, os sistemas partidários no qual a escolha de representantes ocorre
em diferentes esferas deve ser compreendido como multinível. O conceito expressa a ideia de “pre-
sença de subsistemas dentro do sistema de partidos” (SUÁREZ-CAO e FREIDENBERG, 2014, p. 12).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Nessa métrica, a ausência de competição ou predomínio de um


único partido expressam algumas das diferenças que afetam os subsis-
temas políticos. A fragmentação do poder, o padrão e a variação na com-
petição, o nível de incerteza nos processos eleitorais, a polarização das
elites partidárias, são outros importantes elementos para se entender o
funcionamento do sistema de partidos, tanto em sua estrutura quanto
na dinâmica da competição (SUÁREZ-CAO e FREIDENBERG, 2014, p. 14).
É justamente nesse ponto que reside a contribuição desta inves-
tigação. O que nos questionamos aqui, é: como estiveram distribuídas as
candidaturas para as prefeituras paulistas nos pleitos investigados? A hi-
pótese geral é que a formação de grandes coligações diminui a oferta de
candidatos, e tem impacto na competição eleitoral (BARTOLINI, 1999,
2000; SANTOS, 2007).
O texto está organizado em quatro seções, além dessa introdu-
ção. Na primeira seção apresentamos os dados e o método utilizado. Na
segunda seção retomamos alguns conceitos que orientam a discussão.
Na seção seguinte, analisamos os casos em que houve ausência de com-
petição. Na quarta seção identificamos as principais alianças firmadas
entre os mais importantes partidos políticos no território paulista, bem
como o impacto dessas estratégias para a competição e os resultados
eleitorais. Por fim, são traçadas as considerações finais.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Dados e Método

No desenvolvimento do estudo foram analisados os dados refe-


rentes as candidaturas para as prefeituras paulistas. Aqui, avaliamos os
casos de candidaturas únicas – que se configura pela ausência de demais
competidores no pleito –, as candidaturas isoladas – no qual o partido
do candidato não contou com o apoio eleitoral de outra agremiação – e
as candidaturas coligadas – em que o partido pleiteante esteve alinhado
com uma ou mais siglas.
Os dados referentes às candidaturas, por indivíduo e partido, fo-
ram acessados por meio da plataforma Repositório de Dados Eleitorais
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A série de dados para as candidatu-
ras ao executivo municipal foi organizada levando-se em conta todos
municípios paulistas, que somam 645. Para o ano de 2012 foram avalia-
das 1.996 candidaturas, e para a eleição de 2016 foram examinadas o
total de 2.209.
Neste estudo nos debruçamos sob as alianças firmadas com os
dez principais partidos brasileiros (DEM, PDT, PMDB, PP, PR, PSB, PSD,
PSDB, PT, PTB)5. A despeito de sua importância em âmbito nacional, o
recorte também se justifica por outras duas razões: 1) os partidos em
questão, são aqueles que possuem maior capilaridade nos municípios;

5 A evolução e mapeamento da competição no estado entre esses partidos, foi realizada, primeira-

mente, pelo projeto temático “Organização e funcionamento da política representativa no Estado


de São Paulo (1994-2014)”. Além das variáveis privilegiadas neste estudo pioneiro, como o padrão
de competição no estado e nas regiões intra-estaduais e a estrutura organizacional dos partidos
políticos, também inserimos outras dimensões.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

e, 2) os diferentes espectros ideológicos estão representados nestas


agremiações6.
Para análise dos dados, observamos a frequência absolutas e re-
lativa na formação de alianças entre cada uma dessas agremiações e os
demais partidos. Ou seja, para quantificar os apoios consideramos a as-
sociação entre o partido do candidato e cada uma das legendas que com-
põem a coligação. Para isso, avaliamos as associações em pares de par-
tidos e não as coligações em sua forma integral. O objetivo foi identificar
quais foram os principais apoiadores das referidas siglas no território.
Trata-se de verificar quem são os principais atores que participam da
competição local, considerando os diferentes formatos e combinações
entre as alianças políticas.
É importante salientar que este estudo é uma análise descritiva
e não exploratória, tendo por objetivo informar como estiveram organi-
zadas as candidaturas e a competição política a nível municipal no maior
estado da federação.

Competitividade eleitoral e competição política

Ainda que os temas abordados aqui sejam amplamente discuti-


dos pela literatura, os termos competição e competitividade, com

6 No que tange a ordenação dos partidos no espectro ideológico, há certo consenso da Ciência Po-

lítica brasileira, que tende a classificar as siglas da seguinte maneira: PT, PSB e PDT (esquerda);
PMDB e PSDB (centro); DEM, PP, PR, PSD, PTB (direita). Para mais informações, ver: KRAUSE, MA-
CHADO E MIGUEL (2017).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

alguma frequência, ainda causam certa confusão. Por décadas, parcela


da literatura dedicada ao estudo dos sistemas eleitorais e de partidos
não esteve preocupada em definir os conceitos, entendendo que o seu
significado estava implícito. Mais tarde, com o papel legitimador das
eleições em contextos não democráticos e com centralidades das dispu-
tas competitivas, em processos de transição, tornou-se evidente a ne-
cessidade de delimitação (MÉNDEZ, 2003).
Nesse sentido, uma importante distinção é aquela realizada por
Sartori (1982), para quem “a competição é uma estrutura, ou uma regra
do jogo. A competitividade é um estado particular do jogo” (SARTORI,
1982, p. 246, grifo no original). O teórico esclarece que, em uma demo-
cracia é possível que um sistema de partidos cumpra as com regras da
competição e a disputa seja livre, no entanto, evidencie baixa competi-
tividade, ou mesmo não-competitividade. De outra forma, se a distribui-
ção de forças entre os principais partidos for semelhante, no sentido de
que alcancem resultados eleitorais próximos, e um deles vença por uma
pequena margem de votos, haverá competitividade (SARTORI, 1982, p.
246).
Sartori (1982) indica que “a ideia da política competitiva vem da
economia”, sendo essa a noção que fundamenta as “regras da competi-
ção” (p.165, grifo no original). O autor explica que:

[...] quando recorremos a analogias, devemos ter


cuidado para que a analogia não se perca no cami-
nho. A competição econômica se tornou possível
por duas condições: primeira, porque o mercado

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

foge ao controle monopolista; segunda, e tão im-


portante quanto a primeira, porque as mercadorias
são aquilo que apregoam ser [...] Condições seme-
lhantes, embora menos rigorosas, aplicam-se à
competição política. A política competitiva é condi-
cionada não só pela presença de mais de um par-
tido, como também por um mínimo de equanimi-
dade na competição (e de confiança mútua), abaixo
do qual um mercado político dificilmente pode fun-
cionar como mercado competitivo (SARTORI, 1982,
p. 165)

No tocante a essa analogia, Sartori (1982) destaca tanto a impor-


tância da presença de mais de um competidor na disputa, quanto de ele-
mentos institucionais que garantam regras consensuais e a confiança
mútua. Em outros termos, em disputas nas quais os cidadãos não con-
tam com alternativas eleitorais, eles estão obrigados a ratificar o go-
verno e os “candidatos selecionados pelo partido dominante” (MÉNDEZ,
2003, p. 31), o que compromete a competição.
Outra forma de se atribuir competitividade a eleição diz respeito
a alternância no poder. Nessa métrica, um sistema é considerado “com-
petitivo” quando nenhuma das partes recebe vantagem legal na disputa
e todos os participantes têm a oportunidade real de ganhar ou perder
(ALDRICH e GRIFFIN, 2010). Trata-se de um sistema no qual a incerteza
estaria institucionalizada (PRZEWORSKI, 1999, 2016).
Além da distinção entre os termos competição e competitivi-
dade, é importante aclarar a extensão deste primeiro conceito. Uma im-
portante contribuição feita nesse sentido é aquela empreendida por

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Bartolini (1999, 2000), para quem existe quatro dimensões de competi-


ção: contestability, availability, decidability e vulnerability.
A primeira dimensão se refere a abertura para a contestação em
uma disputa política – trata-se da garantia de participação de todos no
processo eleitoral. A despeito da possibilidade de participação, Bartolini
(1999, 2000) sugere a existência barreiras ex ante para a entrada dos
competidores na corrida eleitoral, o que impacta a competição efetiva7.
A segunda dimensão, availability, se refere a disponibilidade dos
eleitores em votar em partidos distintos em uma sequência de pleitos;
visto que se os eleitores têm preferencias estáveis e não estão dispostos
a mudar sua opção, a competição é inviabilizada. Isso acontece, por
exemplo, quando determinadas clivagens marcam profundamente o
eleitorado. De outra parte, a volatilidade eleitoral pode ser considerada
como um indicador de competição eleitoral.
Sobre a decidability, Bartolini (1999, 2000) argumenta que a di-
ferenciação das alternativas políticas é uma importante dimensão da
competição. Nas situações em que os partidos não têm posições ou com-
petidores claramente diferenciados entre si, há dificuldade para a mobi-
lização das preferências. Nesse sentido, “a competição partidária torna-
se o processo pelo qual os partidos e a elite tentam moldar e modificar
a seu favor a estrutura das preferências eleitorais” (BARTOLINI, 2000, p.
37).

7 Sobre esse tipo de restrição, outra importante consideração é aquela realizada por Santos (2007),

para quem “não há uma detida avaliação da possibilidade de que a participação dos eleitores seja
extensa, a competição institucionalizada e, em geral, seus resultados aceitos, mas que o número de
participantes da disputa seja reduzido por de regras previamente acordadas” (SANTOS, 2007, p. 41).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Por fim, a última dimensão, vulnerability, indica a possibilidade


de alternância política. Conforme evidenciado também por outros auto-
res (PRZEWORSKI, 2016) a incerteza eleitoral é o que fundamenta a com-
petição. Da mesma forma, quando não há “vulnerabilidade”, no sentido
de concorrência, que ateste que um governo pode ser derrotado, as elei-
ções são do tipo não-competitivas ou pouco competitivas.
Vale frisar que estas quatro dimensões da competição variam de
maneira independente. Assim, tal como observado por Sartori (1982), é
possível que em uma democracia o sistema partidário cumpra efetiva-
mente com as com regras da competição, no entanto, a competitividade
seja escassa ou mesmo nula. Feitas estas breves considerações, de natu-
reza teórico-conceitual, avaliamos a dinâmica da disputa eleitoral no ter-
ritório paulista.

Candidaturas únicas: os casos de não competição

Um elemento fundamental que caracteriza a realização de elei-


ções democráticas é uma disputa política aberta e regular (SCHUMPE-
TER, 1961; LIMONGI e PRZEWORSKI, 1994; DAHL, 2012). Os partidos são
os responsáveis por apresentar aos votantes as opções políticas que vi-
rão a disputar as preferências eleitorais. Em um sistema político regular
espera-se que exista mais de uma alternativa política, de modo que os
eleitores possam não apenas escolher, mas também rechaçar as opções
apresentadas (PRZEWORSKI, 2018).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

No Brasil, há espaço institucional para que apenas um candidato


concorra ao cargo eletivo majoritário nos municípios. A legislação brasi-
leira não conta com nenhum dispositivo que trate especificamente das
candidaturas únicas, não condicionando a validade da disputa pelo nú-
mero de candidatos inscritos ou pelo percentual de comparecimento do
eleitor apto a votar.
Na esteira da oferta de candidatos, nos municípios – sobretudo
aqueles de pequeno porte e distantes dos grandes centros urbanos –, as
disputas eleitorais convivem com outros elementos. A depender da lo-
calidade em questão, fatores como a magnitude eleitoral, o número de
eleitores e os baixos orçamentos podem contribuir para o escasso nú-
mero de concorrentes (DAMIN, 2012).
Ademais, além do reflexo de fatores exógenos, as candidaturas
únicas podem significar “uma espécie de ‘acordo’ entre as elites partidá-
rias locais no sentido de limitar a competição na eleição para prefeito”
(REBELLO, DAMIN e MARTINS, 2015, p.5). Sendo possível que as alianças
sejam firmadas com o intuito de agregar todos os partidos registrados
em um dado município, com vistas a manter um determinado grupo no
poder. Essa prática pode ser um indicativo tanto de “consenso” (RE-
BELLO, DAMIN e MARTINS, 2015) como de “conluio” (BARTOLINI, 1999,
2000) por parte das elites políticas locais.
Nos anos de 2012 e 2016, no estado de São Paulo, foram regis-
tradas quase duas dezenas de cidades em que as eleições foram carac-
terizadas por candidaturas únicas – ou seja, sem incerteza eleitoral. No

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

pleito de 20128, São Paulo foi o estado que teve o terceiro maior número
de candidaturas únicas – 18 no total – atrás apenas de Minas Gerais (com
21 municípios) e Rio Grande do Sul (com 19 cidades). Em 20169, 17 cida-
des paulistas não registraram mais do que um candidato para a disputa
à prefeitura. Neste pleito, apenas o Rio Grande do Sul obteve maior ín-
dice – 32 cidades gaúchas registraram apenas um candidato. No Quadro
01 apresentamos os municípios paulistas em que não houve incerteza
na competição eleitoral:

Quadro 01
Municípios paulistas com candidatura única

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Em 2012, em apenas um município o candidato único se apre-


sentou em partido isolado10, nos demais 17 casos a candidatura foi ca-
racterizada pela aliança do partido do pleiteante com outras

8 Para mais informações, ver: http://www.tse.jus.br/hotsites/estatistica2012/resultado-elei-

cao.html. Acessado em: 20 de junho de 2019.


9 Para informações sobre os demais municípios brasileiros com candidaturas únicas em 2016, ver:

http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2016/Setembro/eleicoes-2016-97-municipios-de-13-
estados-registram-apenas-um-candidato-a-prefeito. Acessado em: 20 de junho de 2019.
10
Em 2012, o único caso paulista de candidatura isolada foi no município de Monções.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

agremiações. Nas eleições de 2016, em todos os municípios com chapa


única o certame se deu com candidatura coligada.
A formação de coligações nestas situações pode ser compreen-
dida tanto como uma forma de legitimar as eleições, estabelecendo uma
rede de participantes, como também uma maneira de limitar a compe-
tição, dificultando a entrada de outros competidores na corrida eleitoral
(BARTOLINI, 1999, 2000; SANTOS, 2007; REBELLO, DAMIN e MARTINS,
2015).
Em 2012, participaram das chapas únicas, em média, 08 parti-
dos. Sendo que a menor coligação congregou 04 siglas e a maior 12. Em
2016, a média de partidos nas coligações foi de 8,5. Sendo que as meno-
res chapas contaram com duas legendas e as maiores com 20. A Tabela
01 apresenta a distribuição na frequência do número de partidos políti-
cos nas coligações com candidaturas únicas:

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Tabela 01
Frequência de coligações e partidos isolados na oferta de candidatos únicos
nos municípios paulistas (2012-2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Nas duas eleições avaliadas, os partidos que mais lançaram can-


didatos sob a condição de chapa única foram o PSDB, PMDB e DEM. As
duas primeiras siglas também foram aquelas que mais ofereceram can-
didatos em todo o território nacional, inclusive no estado de São Paulo,
com uma diferença importante: no estado paulista são os tucanos que
mais lançam candidatos e não o PMDB, como ocorre no cenário nacional
(MARTINS, 2017). Nesse aspecto, as chapas únicas não se diferenciam
de outras formas de organização na competição, os principais partidos
distribuídos pelo território também ofertam mais candidatos em

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

eleições não-competitivas, atestando a capilaridade desses partidos no


estado.
Em 2012, houve uma maior concentração dessa forma de candi-
datura em algumas poucas siglas. Dos 29 partidos que lançaram candi-
datos no território, 06 deles ofereceram candidaturas únicas. Em 2016,
dos 35 partidos que participaram da competição eleitoral no estado pau-
lista, 09 siglas lançaram candidatos em eleições não-competitivas. Esses
números correspondem respectivamente a 21% e 26% do total de parti-
dos que participaram das disputas.
A maior parcela destas siglas é identificada com o bloco de cen-
tro, contudo também há ocorrência de candidaturas únicas de partidos
de esquerda e de direita. Em 2012, mais de 70% desse tipo de candida-
tura esteve vinculada a partidos de centro-direita; em 2016 esse índice
foi bem menor, não ultrapassando 29%.
Rebello, Damin e Martins (2015, p.13), que investigam as chapas
únicas em território nacional, argumentam que se esta forma de candi-
datura pode “representar consenso político local”, demonstrando certa
coerência do ponto de vista ideológico, uma vez que tais candidaturas
representariam o centro político. Isso porque, “caso a candidatura fosse
muito radicalizada seria praticamente inviável a obtenção de uma única
candidatura, devido à polarização que tal candidatura estimularia” (RE-
BELLO, DAMIN e MARTINS, 2015, p.13). Os dados referentes a distribui-
ção de candidatos únicos por partido podem ser visualizados na Figura
01:

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Figura 01
Frequência na oferta de candidatos únicos por partido (2012-2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Quando se trata de candidaturas únicas, há diversos problemas


a serem levados em consideração, como questões relativas à represen-
tação, contestação, accountability, entre outros. No entanto, aqui, nos
limitamos a pontuar duas problemáticas. São elas: a ausência da compe-
tição política e as suas consequências ao comportamento eleitoral. A pri-
meira se refere aos já mencionados riscos à democracia, que podem vir
a depreciar o sistema político à nível local. A segunda concerne aos re-
flexos que esta forma de eleição impõe sobre a participação e a decisão
do voto.
Como aos eleitores não é oferecida mais do que uma opção po-
lítica, as alternativas disponíveis ao votante são: corroborar com a esco-
lha feita pelas elites políticas locais ou rechaçar esta escolha. No pri-
meiro caso, os eleitores votam no único candidato elegível. No segundo
caso, os votantes podem vir a se abster, optar pela opção de voto branco
ou de voto nulo. A literatura especializada tende a abordar os votos in-
válidos como uma manifestação de insatisfação política, sobretudo em

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

democracias com voto compulsório – como é o caso do Brasil (NICOLAU,


2018).
De acordo com a legislação eleitoral brasileira11, ainda que as ur-
nas registrem um número elevado de votos inválidos, ou mesmo um nú-
mero majoritário de votos brancos e nulos – demonstrando o descon-
tentamento com o certame eleitoral – o candidato único será eleito com
a totalidade dos votos nominais. No limite, um único voto nominal pode
eleger o candidato em chapa única. Diante disso, a ausência de compe-
tição é capaz de subverter a democracia eleitoral, pois “candidatos úni-
cos conseguem […] driblar a incerteza eleitoral e a imprevisibilidade re-
lacionada ao resultado de qualquer eleição” (REBELLO, DAMIN e MAR-
TINS, 2015, p.07).
Nos pleitos observados, em grande medida, os eleitores opta-
ram por ratificar as escolhas das elites políticas locais. Nesses municí-
pios, os votantes não só compareceram às urnas, como depositaram, em
sua maioria, o voto no único candidato elegível. Ainda que seja possível
verificar um alto número de votos inválidos, estes não superam, em ne-
nhum caso, o número de votos nominais. A Figura 02 apresenta os dados
relativos à participação e ao comportamento dos eleitores em municí-
pios paulistas com candidatura única.

11 A Lei nº 9.504/97, estabelece que estarão eleitos para os cargos de prefeito e vice-prefeito os

candidatos que obtiverem a maioria de votos nominais, isso não computados os votos em branco e
os votos nulos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm>. Acesso em:
25 de junho de 2019.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Figura 02
Comportamento eleitoral em municípios paulistas com candidatura única
(2012-2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Embora seja possível verificar a alienação eleitoral, a opção por


votos inválidos não constitui uma característica particular dos municí-
pios em que não há competição, nem mesmo o seu principal atributo.
Em todos os pleitos, nos diferentes níveis da federação e para os varia-
dos cargos, há registro de alienação. No entanto, para os casos dos mu-
nicípios investigados, os votos brancos e nulos não demonstram intensa
insatisfação com a dinâmica da competição, conforme se poderia supor.
Ainda que o número de votos inválidos seja importante, e demonstre

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

uma tendência na variação conforme o tamanho do eleitorado, a deci-


são de voto mais frequente é a reiteração da candidatura selecionada.

Alianças políticas e competição eleitoral

O que ocorre quando o cenário eleitoral possibilita o contrário


do exposto na seção anterior; ou seja, o que acontece quando o número
de pleiteantes ao cargo eletivo é extenso, havendo maior número de in-
teressados do que de postos e candidaturas à disposição? Como acomo-
dar tais interesses? A resposta mais frequente na competição eleitoral
será a formação de coligações (DANTAS, 2013).
Os argumentos para a formação de coligações, em grande me-
dida, giram em torno da racionalidade nas disputas, visando a maximi-
zação dos ganhos eleitorais. A prática de formação de alianças pode ser
entendida com uma estratégia para a sobrevivência eleitoral dos parti-
dos; pois, “na competição política, normalmente só há espaço para al-
guns competidores e as práticas de cartelização são racionais para eles”
(BÜHLMANN e ZUMBACH, 2011, p.06).
Diversos estudos tratam das motivações que engendram a par-
ceria entre os partidos e dos cálculos que justificam a composição de
alianças entre os competidores12. Sobre isso, Schmitt (2005, p.20) ad-
verte que a possibilidade de formação de coligações em sistemas

12 Dentre os cálculos para a formação de coligações estão a magnitude dos distritos eleitorais, o

número de cadeiras em disputa e o tempo no Horário Eleitoral Gratuito (GANDIN, 2019).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

majoritários “é inversamente proporcional à estrutura de oportunidades


eleitorais de cada um dos competidores”.
Em um sistema político altamente fragmentado como o brasi-
leiro as legendas buscam acessar o poder de diferentes maneiras, op-
tando inclusive por estratégias aliancistas, que podem vir a garantir car-
gos na máquina política, ou cadeiras no legislativo – no caso das coliga-
ções proporcionais. Diante de tais interesses, a formação de coligações
não obedece apenas a princípios ideológicos ou governamentais. Ou
seja, os partidos não estabelecem alianças apenas com aqueles que se
encontram no mesmo campo ideológico, nem mesmo refletem nas cida-
des as alianças que são firmadas em outras esferas de governo (DANTAS,
2013). Ainda assim, é possível identificar algum alinhamento nas estra-
tégias partidárias, sugerindo que na dinâmica da competição política
municipal “está articulada com as outras esferas da federação” (KER-
BAUY, 2012, p.02).
Nas figuras 03 e 04 apresentamos as siglas que representam os
principais apoiadores em território paulista dos dez mais importantes
partidos brasileiros. Na série de dados avaliada identificamos as associ-
ações em pares de partidos e não as coligações em sua forma integral.
Dessa forma, foi possível verificar quais foram as legendas que mais ve-
zes optaram por se aliar a uma candidatura majoritária, em detrimento
à candidatura própria e a frequência com isso ocorreu.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Figura 03
Coligações municipais majoritárias: principais apoiadores por partido (2012)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Figura 04
Coligações municipais majoritárias: principais apoiadores por partido (2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Conforme pode ser observado nas figuras 03 e 04, os partidos


que mais receberam apoios eleitorais em 2012, foram o PSDB, PMDB e
PT – que representam as principais forças políticas em território nacional
(KERBAUY, 2012). Todavia, o número de apoios recebidos pelos tucanos
é muito superior ao das demais agremiações, inclusive ao do PMDB e do
PT. Outras siglas também receberam um número importante de apoios,
como é o caso do DEM do PTB. Neste pleito, as siglas com menor número
de apoios são o PP e o PR.
Em 2016 novamente o PSDB, PMDB e PT são os partidos que
mais apoios receberam para a disputa ao cargo majoritário nas cidades
paulistas. Contudo, observa-se uma alteração importante: ainda que o
PT e o PMDB tenham firmado um número significativo de alianças,
houve um importante decréscimo na quantidade de apoios formais con-
cedidos aos candidatos petistas e peemedebistas em 201613. Em contra-
partida, o PSDB ampliou o seu número de parcerias. Outras siglas como
DEM, PSB, PSD, PTB, também firmaram mais alianças – isso se compa-
rado ao pleito anterior. Novamente o PP e o PR foram as siglas que me-
nos apoios receberam.
Os apoios formais declarados aos partidos são provenientes das
mais variadas agremiações, com distintos pesos políticos e posiciona-
mentos ideológicos. Conforme exposto nas figuras 03 e 04, não há uma
correspondência entre posição ideológica e o maior número de alianças

13 A razão para isso pode ser atribuída ao contexto político daquele ano, no qual o país vivenciou

uma intensa crise política que viria a culminar no impedimento da presidenta eleita e no desgaste
de algumas das principais legendas partidárias – como o PT, partido da presidenta Dilma Rousseff,
e o PMDB, partido de seu vice, Michel Temer (MARTINS, 2017).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

firmadas. Conforme já destacado por Dantas (2013, p.136), na dinâmica


da competição municipal “todos são capazes de jogar com todos”.
Ainda assim, algumas alianças merecem comentário. Esse é o
caso do PSDB e DEM, que são aliados históricos nos distintos níveis da
federação. Também nos municípios do estado de São Paulo é possível
visualizar a importância das alianças firmadas entre esses dois partidos.
Em 2012, o DEM foi o maior apoiador dos tucanos; e em 2016, este posto
foi ocupado pelo PPS. Ainda assim, o DEM manteve um número impor-
tante de alianças com o PSDB.
Nas duas eleições avaliadas o PT manteve importante parceria
com o PT do B – partido de mesmo posicionamento ideológico, porém
com menor peso político. Isso não significa que o PT tenha firmado ape-
nas alianças ideológicas, em 2012 o seu principal apoiador foi o PP. Neste
mesmo ano outro importante de apoio recebido pelo PT foi concedido
pelo PMDB, o que demonstra que pode haver um alinhamento de estra-
tégias partidárias nos diversos pleitos (KERBAUY, 2012). Em 2016, no en-
tanto, talvez em razão da crise política e do desgaste enfrentado pela
legenda, os principais apoios recebidos pelo PT vieram justamente dos
partidos com a mesma orientação ideológica.
Em que pese o número de apoiadores, os diferentes formatos e
as combinações entre as alianças políticas, o importante é verificar quem
são os principais atores que participam da competição local. É razoável
supor que aqueles que mais lançaram candidatos, também contaram
com a possibilidade de receber maior número de apoios políticos –

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

advindos das mais variadas agremiações conforme o exposto. Nesta mé-


trica a Figura 05 apresenta o número de candidatos e eleitos por partido.

Figura 05
Número de candidatos e eleitos por partido nos municípios paulistas

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos os do TSE.

Conforme pode ser observado na Figura 05, a legenda que mais


lançou e elegeu prefeitos nas cidades paulistas, em ambos os pleitos, foi
o PSDB. Em 2012, os tucanos foram seguidos em número de candidatos
pelo PMDB, PT e PTB, contudo o sucesso nas urnas do primeiro foi maior.
Em 2016, o DEM também ofereceu um importante número de candida-
tos, o PMDB e PTB mantiveram o índice. No entanto, o PT sofreu impor-
tante retração, tanto no número de candidatos, como na quantidade de
eleitos. Nesta eleição o Partido dos Trabalhadores elegeu apenas 8 pre-
feitos, foi o pior desempenho entre os dez mais importantes partidos no
território paulista.
Em 2016, entre os grandes partidos, o PT foi aquele que ofertou
o maior número de candidaturas isoladas. No pleito anterior a sigla

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

também fez amplo uso deste tipo de estratégia. Nas eleições de 2012,
apenas o PDT optou por concorrer isoladamente em mais municípios
paulistas do que o PT. Considerando que os partidos que coordenam as
suas candidaturas através de alianças tendem a ser mais competitivos,
concorrer sozinho pode ser tanto uma estratégia para a manifestação de
distinção ideológica, quanto um indicativo de debilidade da sigla, que
encontraria dificuldades para a obtenção de apoios. O caso do PT, parti-
cularmente em 2016, esteve mais associado às complicações para obter
apoios.14. Destarte, ainda que em número diminuto, todos os grandes
partidos ofereceram – em alguma medida – candidaturas isoladas. A Fi-
gura 6 apresenta a distribuição deste tipo de candidaturas por partido.

Figura 06
Candidaturas isoladas por partido nos municípios paulistas

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Quando se trata de eleições municipais, sobretudo para o cargo


majoritário, o cenário mais frequente é que essas disputas se organizem
através de candidaturas coligadas (GUARNIERI, 2009; DANTAS, 2013). A

14 Isso poderia ser decorrente do já mencionado desgaste enfrentado pela legenda, em função do

impeachment da presidenta, da crise política e econômica que o acompanharam, e do crescimento


do sentimento antipetista, sobretudo naquele ano (MARTINS, 2017).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

razão para isso é a possibilidade de que este tipo de estratégia venha


assegurar a vitória na competição eleitoral.
Ao se formar coligações há redução do número de competidores
nas eleições para o cargo de prefeito. A lógica é simples: como a forma-
ção de alianças para a competição pelo cargo majoritário implica no lan-
çamento de um único candidato pela chapa, os demais partidos que ofe-
recem o seu apoio devem se retirar da disputa. Assim, a maior parcela
dos partidos presentes nos municípios não participa de maneira direta
da competição ao cargo de prefeito. Nas eleições avaliadas, por exem-
plo, foram lançados em média 3 candidatos em cada cidade.
Ademais, conforme há a ampliação do número de partidos na
coligação a tendência é que esta chapa seja mais competitiva, bem como
se verifique a redução do número de competidores. Nesse sentido, o que
se observa é um impacto sobre a competição política, visto que o nú-
mero de participantes na disputa pode ser reduzido em função de acor-
dos ex ante firmados entre as lideranças políticas locais. (SANTOS, 2007;
BARTOLINI, 1999, 2000)
Os municípios do estado de São Paulo não fogem à regra. Nos
pleitos avaliados a maior parcela das candidaturas foram lançadas por
meio de alianças eleitorais com mais de um partido político. A Tabela 02
apresenta a frequência do número de partidos nas chapas que disputam
as prefeituras paulistas em 2012 e 2016.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Tabela 02
Frequência do número de partidos em coligações majoritárias (2012-2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Conforme pode ser observado na Tabela 02, o número mais fre-


quente de partidos em uma coligação figura entre 02 e 08. No entanto,
também se verifica a ocorrência de alianças com mais de 20 partidos po-
líticos. Note-se que em 2012, no território paulista, participaram da com-
petição eleitoral o total de 29 partidos, e em 2016 participaram da dis-
puta 35 siglas. Contudo, vale frisar que nem todos os partidos contavam
com registro na totalidade dos municípios. Sobretudo nas pequenas ci-
dades a presença de uma maior quantidade de partidos é menor. Ainda
assim, em alguns municípios a maior parcela das agremiações

<< 76 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

registradas no estado participaram das eleições em uma mesma chapa,


o que reforça o argumento de que as grandes coligações diminuem a
oferta de candidatos, e tem, portanto, impacto na competição eleitoral.
Na tabela a seguir verificamos o sucesso das candidaturas que
optaram pelas distintas estratégias, ou seja, pela disputa na forma iso-
lada ou através de alianças com outros partidos políticos.

Tabela 03
Sucesso das candidaturas para o cargo majoritário nos municípios paulistas
(2012- 2016)

Fonte: Elaboração das autoras. A partir dos dados do TSE.

Conforme pode ser observado na Tabela 03, nos dois pleitos in-
vestigados, a maior parcela dos eleitos disputou o cargo com o apoio de
outros partidos, o que demonstra que a estratégia aliancista foi mais
bem-sucedida. Enquanto em 2012 apenas 22 candidaturas isoladas lo-
graram sucesso, em 2016 esse número caiu para 11. Para estas eleições
nenhuma candidatura que optou pela estratégia solo chegou ao se-
gundo turno de votações. Os dados demonstram, portanto, que na dinâ-
mica da competição as candidaturas coligadas são mais competitivas.

Considerações finais

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

A despeito do esforço de parcela da literatura em se debruçar


sobre os temas da política municipal, a dessemelhança no perfil das ci-
dades dificulta a elaboração de análises que produzam generalizações.
Enquanto em um elevado número de municípios vivem poucas centenas
de eleitores, em outros habitam milhares de votantes o que tem impli-
cações diretas nos tipos de alianças firmadas e nas estratégias estabele-
cidas pelas elites para a conquista do poder.
Diante disso, as eleições as municipais são dotadas de extensa
complexidade. Este artigo buscou contribuir com estes estudos sinali-
zando alguns aspectos da competição eleitoral nos municípios, ampli-
ando o conhecimento acerca das estratégias para o lançamento de can-
didaturas adotadas pelos partidos e lideranças políticas locais.
Por meio do estudo da competição nas cidades paulistas, busca-
mos demonstrar que entre as estratégias para a disputa eleitoral estão
as opções por candidaturas do tipo única, isolada e coligada.
O objetivo foi sinalizar que nos casos em que há apenas um com-
petidor, a estratégia adotada pela elite é capaz de subverter a democra-
cia, pois não há incerteza eleitoral (PRZEWORSKI, 2016). Mesmo nesses
casos, a opção das elites políticas foi a disputas por meio de candidaturas
coligadas, o que pode ser entendido tanto como uma forma de legitimar
as eleições, estabelecendo uma rede de participantes, como também
uma maneira de limitar a competição.
Quando se trata de coligações, foi possível observar que estas
constituem maioria no tipo de agremiação para as disputas ao cargo ma-
joritário. A despeito da maior parcela dos partidos optarem por esse tipo

<< 78 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

de estratégia, não há uma correspondência exata entre posição ideoló-


gica e o maior número de alianças firmadas. Na dinâmica da competição
os diferentes formatos e combinações entre as alianças políticas são pos-
síveis.
Ademais esta estratégia tende a resultar em maior sucesso elei-
toral, pois a formação de grandes coligações reduz o número de compe-
tidores na disputa ao cargo de prefeito, visto que a formação de alianças
implica na retirada dos partidos aliados do jogo eleitoral. A alternativa
encontrada seria o lançamento de candidaturas isoladas, contudo nos
municípios paulistas elas são pouco numerosas, se concentram em pou-
cos partidos e demonstram não serem competitivas, não alcançando
considerável sucesso eleitoral - a ponto de não serem vistas como uma
estratégia atrativa. Assim, entre os principais resultados destacamos que
as estratégias aliancistas têm impacto na competição eleitoral.

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<< 82 >>
O debate da institucionalização dos
partidos e dos sistemas políticos
Aquiles Coelho Lins1

Introdução

Os partidos políticos mantêm sua importância vital para o


funcionamento da democracia. Na definição clássica de Leon Eps-
tein (1982), não existe democracias modernas sem partidos políti-
cos. Ainda são eles os principais agentes da representação política
e são os atores que dominam o processo eleitoral na política de-
mocrática. Maria Dalva Kinzo (1993) aponta que além de ser um
canalizador das mais diversas preferências políticas, o partido po-
lítico é um fórum no qual grupos podem apresentar suas posições
e pressionar em favor de políticas específicas ou de candidaturas

1 Graduado em Jornalismo (UFPE) e Mestrando em Ciência Política pelo PPGPol/UFSCar. Artigo apre-

sentado como trabalho de conclusão da disciplina Estudos Avançados em Partidos Políticos, minis-
trada pelo Prof. Dr. Pedro Floriano Ribeiro.
Revista Sociologia, Política e Cidadania

a cargos públicos. “Neste sentido, o partido político se constitui


também em uma arena para o desenvolvimento de negociações e
compromissos políticos” (KINZO, 1993, p. 3).
Estando os partidos políticos entre os fiadores principais
das democracias contemporâneas, a análise do grau de institucio-
nalização (ou consolidação) ao longo das disputas eleitorais, bem
como da interação estável dos partidos com outras legendas tor-
naram-se, entre outros aspectos, meios principais para se verificar
o quão institucionalizado está o sistema político de determinado
país. O presente texto tem como objetivo apresentar uma parte
da extensa literatura já produzida sobre a institucionalização dos
partidos e dos sistemas partidários e está basicamente dividido em
três partes. A primeira é esta introdução. Na segunda parte apre-
sentamos aspectos principais da literatura sobre como a instituci-
onalização dos partidos e dos sistemas partidários são considera-
dos indicadores do desenvolvimento das democracias contempo-
râneas, tendo como eixo principal as contribuições de Scott
Mainwaring e colaboradores sobre o tema. Vamos dialogar com a
noção de estrutura de competição, trazida principalmente por Pe-
ter Mair, que apresenta novas nuances e critérios para mensura-
ção do grau de institucionalização dos partidos e dos sistemas par-
tidários.

<< 84 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

Trazendo o debate para o Brasil, vamos apresentar como o


nosso sistema político encontra-se em relação à institucionaliza-
ção, dialogando com as manifestações de quem defende que o
Brasil caminha para um grau maior de institucionalização, como
Socorro Braga (2010), e quem observe que há ainda muitos obstá-
culos a serem vencidos pelo sistema político brasileiro, como o
alto índice de volatilidade eleitoral, de fragmentação partidária,
entre outros, como aponta Yan Carreirão (2014).
Na terceira parte fazemos as considerações finais, apresen-
tado como caso empírico a ser analisado posteriormente à luz
desta literatura a ascensão do Partido Social Liberal (PSL). Entre as
eleições de 2014 e 2018 a legenda saiu de uma representação pra-
ticamente nula para vencedora da disputa presidencial com Jair
Bolsonaro e seu discurso alinhado à extrema-direita do espectro
político, além da segunda maior bancada da Câmara Federal.

Institucionalização dos partidos e do sistema partidário: caracte-


rísticas de um partido institucionalizado

As concepções de institucionalização dos partidos políticos


e de institucionalização do sistema partidário já acumulam ex-
tensa produção, bem como sua relação com a durabilidade e esta-
bilidade das democracias ao redor mundo. Como relata Casal

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Bértoa (2016), a institucionalização de partidos individuais e de sis-


temas partidários foram por tempo tomados como dois conceitos
intercambiáveis e até sinônimos. Esta falta de clareza conceitual
induziu a resultados em muitos casos contraditórios sobre a rela-
ção entre institucionalização e democracia.
Um dos primeiros pesquisadores a empregar o conceito de
institucionalização para analisar partidos políticos foi Samuel Hun-
tington (1968, apud Casal Bértoa). Ele não formulou uma acepção
clara do conceito, preferindo medir o nível de institucionalização
de um partido por meio de quatro dimensões, que são: adaptabi-
lidade, autonomia, complexidade e coerência. Guillermo O´Don-
nell (1996) reforça que a existência de padrões de comportamen-
tos aceitos e partilhados – formais ou informais – são característi-
cas essenciais para uma organização ser dada como institucionali-
zada.
Angelo Panebianco (2005) entende institucionalização
como processo e um conjunto de atributos que a organização
pode ou não desenvolver no período em que segue ao seu nasci-
mento. Ele destaca que a institucionalização de um partido está
relacionada a dois processos que se desenvolvem simultanea-
mente, que são o desenvolvimento de interesses para a manuten-
ção da organização e o desenvolvimento de lealdades organizati-
vas difusas. Segundo o autor, o desenvolvimento de interesses

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

está relacionado à necessidade do partido de distribuir incentivos


seletivos para alguns de seus membros (cargos de prestígio, possi-
bilidade de “carreira” interna etc). Enquanto o desenvolvimento
de lealdades organizativas está ligado à construção da “identidade
coletiva” do partido, que depende da distribuição de incentivos
coletivos (de identidade), tanto para os membros da organização
(os militantes) quanto para uma parte dos usuários externos.
Panebianco lembra que as organizações não se institucionalizam
do mesmo modo nem com a mesma intensidade. Todos os parti-
dos devem se institucionalizar numa certa medida para sobreviver,
mas enquanto em alguns casos o processo gera instituições fortes,
em outros gera instituições fracas.
Portanto, a consolidação de um sistema de incenti-
vos, sejam eles seletivos ou coletivos, está estreita-
mente vinculada à institucionalização (e se tal de-
senvolvimento não existe, a institucionalização não
se realiza e o partido não consegue garantir sua so-
brevivência). (PANEBIANCO, 2005, p. 102)

Angelo Panebianco destaca duas dimensões para medir a


institucionalização de partidos políticos: o grau de autonomia em
relação ao ambiente que o partido ou outra organização desenvol-
veu, e o grau de sistemicidade, de independência entre as diversas
partes da organização. Sobre a autonomia, defende o autor, ela se
caracteriza no momento em que o partido detém diretamente o

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

controle do processo de trocas com o ambiente externo. Quanto


maior o domínio da organização sobre o ambiente, maior será a
geração de recursos para a sobrevivência do partido. Na outra
ponta, um partido detém autonomia fraca em relação ao ambi-
ente quando depende de grupos de interesse para o seu funciona-
mento, quando não controla as associações colaterais ou permite
em suas listas eleitorais candidatos sem histórico anterior no par-
tido e patrocinados por determinados grupos. Panebianco lembra,
no entanto, que nenhum partido concentra autonomia total em
relação ao ambiente, nem é completamente dependente de inte-
resses externos. Já sobre a segunda dimensão de institucionaliza-
ção, o grau de sistemicidade, o autor relaciona-a à coerência es-
trutural interna do partido. Para Panebianco, um grau elevado de
sistemicidade implica numa interdependência entre as diversas
subunidades, assegurada por um controle centralizado dos recur-
sos organizativos e dos processos de troca com o ambiente.

Quanto mais elevado é o grau de sistemicidade,


mais concentrado é o controle sobre as zonas de in-
certeza organizativa, principalmente em relação ao
ambiente. E de modo recíproco, quanto menor é o
grau de sistemicidade, mais disperso é o controle
sobre as zonas de incerteza. (PANEBIANCO, 2005,
p. 106)

<< 88 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

Outros autores apontam novas dimensões de análise da


institucionalização dos partidos. Kenneth Janda (1980, apud Casal
Bértoa, 2016), por exemplo, identifica a institucionalização como
sendo um dos vários aspectos das relações externas do partido, e
não uma característica da organização interna, e sugere que um
partido institucionalizado é aquele que é "reificado na mente do
público".
Vicky Randall e Lars Svåsand (2002) fazem um levanta-
mento das concepções existentes de institucionalização partidá-
ria, considerando também as experiências do contexto das transi-
ções democráticas nos países do Terceiro Mundo. Para os autores,
institucionalização é o processo pelo qual o partido se estabelece
em termos de padrões integrados de comportamento e de atitu-
des ou cultura, tanto interna quanto externamente. Enquanto os
aspectos internos estão ligados aos fatores que influem no desen-
volvimento dentro do próprio partido, os aspectos externos têm a
ver com a relação do partido com a sociedade em que está inse-
rida, incluindo outras instituições. Para medir as dimensões da ins-
titucionalização partidária, os autores sugerem um modelo com
componentes estrutural e atitudinal e fatores internos e externos,
como mostrado abaixo:

Tabela 1: Dimensões de institucionalização partidária

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

(RANDALL e SVÅSAND, 2002)


Interna Externa
Estrutural Sistemicidade Autonomia de decisão
Atitudinal Infusão de valores Reificação

Para Randall e Svåsand (2002), sistemicidade é a regulari-


dade das interações e sua densidade que caracterizam o partido
como uma estrutura e implica em um grau de rotinização, bem
como o desenvolvimento de convenções predominantes que ori-
entam o comportamento da organização. Infusão de valor está re-
lacionada ao grau em que os atores partidários, apoiadores, mili-
tantes ou até simpatizantes adquirem identificação e compro-
misso com o partido, que transcende incentivos mais instrumen-
tais ou de interesse próprio para o envolvimento. “Tem a ver com
o sucesso do partido em criar sua própria cultura ou sistema de
valores distintos e pode ser visto como um aspecto importante da
coesão partidária” (RANDALL e SVÅSAND, 2002, pp. 13). Autono-
mia de decisão, por sua vez, tem a ver com a necessidade do par-
tido por um grau significativo de autonomia decisória, ou a liber-
dade de interferir na determinação de suas próprias políticas e es-
tratégias. Como Panebianco, Randall e Svåsand enxergam a hege-
monia do partido nas relações com o ambiente externo,

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

instituições ou grupos patrocinadores como um fator que denota


autonomia e indica algum grau de institucionalização. Finalmente,
a reificação está ligada a como um partido político se instala no
"imaginário" popular como um fator que molda o comportamento
dos atores políticos. Disso depende uma atuação estável e longeva
que reflete a capacidade do partido de sobreviver com o tempo
mantendo suas características fundamentais.

Tomamos esses quatro elementos de sistema, infu-


são de valor, autonomia decisória e reificação como
constituindo o núcleo do processo de instituciona-
lização partidária, que é o processo pelo qual o par-
tido se estabelece como instituição. (RANDALL e
SVÅSAND, 2002, p. 14)

Casal Bértoa (2016) também retrata as características da


institucionalização dos partidos para vários autores, de acordo
com partidos inseridos em diferentes níveis de democracia pelo
mundo. Além das características expressadas por Huntington
(1968), Janda (1980), Panebianco (2005) e Randall e Svåsand
(2002), citadas acima, o autor detectou duas características que
estão entre as mais citadas nos estudos analisados, que são o en-
raizamento e a sistemicidade dos partidos. “Então torna-se possí-
vel estabelecer uma definição comum de PI que é entendida como
o processo pelo qual as partes reproduzem consistentemente pa-
drões de mobilização de massa e organização interna” (Casal

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Bértoa, 2016, pp. 410, tradução livre). A expectativa mais ou me-


nos consensual na literatura é que os partidos políticos institucio-
nalizados mantenham uma estabilidade em relação ao nível do
apoio popular, bem como em termos da sua estrutura organizaci-
onal.
Casal Bértoa (2016) afirma que a institucionalização dos
partidos políticos tem implicações positivas tanto para a responsi-
vidade e responsabilização democráticas, como para a conexão
entre os cidadãos e o Estado. Quando a institucionalização não
ocorre, lembra o autor citando Mainwaring (1999), os cidadãos po-
dem ficar cada vez mais frustrados com o próprio sistema demo-
crático, o que pode resultar tanto em altos níveis de insatisfação
social, com surgimento de protestos e manifestações em massa,
como em desengajamento político e no surgimento e até sucesso
eleitoral de partidos populistas e líderes demagogos que ameaçam
a sobrevivência do regime.

Institucionalização dos Sistemas Partidários

Mainwaring e Torcal (2005) caracterizam um sistema par-


tidário como um conjunto de partidos que interagem de maneiras
padronizadas ao longo do tempo. A ideia de partidos estáveis atu-
ando dentro de um sistema partidário alcançou consenso quanto

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

à sua imprescindibilidade para a democracia de qualquer País.


Para Diamond (1997, apud Casal Bértoa, 2016), os sistemas parti-
dários institucionalizados aumentam a governabilidade e a legiti-
midade democráticas, facilitam o apoio legislativo às políticas do
governo; canalizam demandas e conflitos e reduzem o escopo
para o surgimento de demagogos populistas e sua ascensão ao po-
der.
Uma das primeiras definições de sistema partidários que
ganharam relevância na literatura sobre o tema veio de Giovanni
Sartori, para quem um sistema partidário é basicamente o sistema
de interações advindas da competição entre os partidos políticos.
“Resulta das interações padronizadas de seus partidos, implicando
assim que tais interações fornecem a limitação do sistema” (Sar-
tori, 1976, pp. 44, 43, apud Mainwaring, 1999). Ao investigar os
sistemas partidários na Europa Ocidental, Sartori sugeriu a compa-
ração dos sistemas com base em duas dimensões: o número de
partidos relevantes e o grau da polarização ideológica entre eles.
A partir dessas duas dimensões, Sartori definiu quatro tipos de sis-
temas partidários: de pluralidade moderada; de dois partidos com
baixa polarização ideológica; pluralismo polarizado, com multipar-
tidarismo e polarização considerável; e predominante, onde o
mesmo partido ganha consistentemente a maioria de assentos.
Embora ainda detenha influência na nos estudos sobre sistemas

<< 93 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

partidários, o modelo de análise proposto por Sartori recebeu crí-


ticas de estudos posteriores.
Para Mainwaring (1999), as duas dimensões do sistema
partidário propostas por Sartori – número de partidos e o grau de
polarização entre eles, ignoram a dimensão da institucionalização,
considerada “crucial” para o estudo da maioria dos sistemas par-
tidários da chamada terceira onda democrática. Mainwaring de-
fine institucionalização como o processo pelo qual “uma prática ou
organização se torna bem estabelecida e amplamente conhecida,
se não aceita universalmente”. “Na política, institucionalização
significa que os atores políticos têm expectativas claras e estáveis
sobre o comportamento de outros atores” (1999, pp 10). O autor
aponta que o modelo de Sartori se refere a sistemas partidários
europeus ocidentais, que detêm alto grau de institucionalização.
Em sistemas partidários de democracias da América Latina ou Eu-
ropa Oriental, o nível de institucionalização é “tão importante
quanto o número de partidos e o grau de polarização”.

Desde que a ‘terceira onda’ de democratização co-


meçou em 1974, um número crescente de demo-
cracias do mundo exibiu sistemas partidários me-
nos institucionalizados. Nesse sentido, um amplo
esforço para classificar os sistemas partidários deve
agora incorporar a dimensão da institucionalização.
(MAINWARING, 1999, p. 4)

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Mainwaring avalia que a institucionalização de um sistema


partidário pode ser caracterizada pela existência de quatro dimen-
sões diferentes: (1) o grau de estabilidade dos padrões de compe-
tição eleitoral; (2) o grau de enraizamento dos partidos na socie-
dade; (3) o grau de legitimidade dos partidos junto a diferentes
atores políticos e (4) o grau de independência dos partidos frente
aos seus líderes, cujas distinções podem ser vistas abaixo:

Tabela 2: Características do tipo ideal de sistemas de partidos


(MAINWARING,1999)
Sistemas fortemente Sistemas fracamente
institucionalizados institucionalizados
(fluidos)
Altamente estável: Bastante volátil: alguns
Estabilidade nos pa- Principais partidos per- partidos sofrem declí-
drões de manecem em cena por nios precipitados, en-
competição interparti- décadas; quanto outros partidos
dária volatilidade eleitoral é experimentam súbitas
baixa subidas eleitorais
Os partidos estão for- Partidos estão fraca-
temente enraizados na mente enraizados na
sociedade. A maioria sociedade. Apenas uma
Enraizamento dos par- dos cidadãos vota no minoria de cidadãos
tidos na sociedade mesmo partido ao vota por conta do par-
longo do tempo e vo- tido. A maioria vota de
tam por causa do par- acordo com os candi-
tido. Interesses datos.

<< 95 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

organizados tendem a
se associar a um par-
tido.
Partidos e eleições têm Muitos indivíduos e
legitimidade incontes- grupos questionam a
Legitimidade dos par- tável. Partidos legitimidade dos parti-
tidos e das eleições são vistos como neces- dos e eleições. Uma
sários e minoria significativa de
instituições democráti- cidadãos acredita que
cas desejáveis. os partidos não são ne-
cessários nem desejá-
veis
Partidos têm significan- Partidos têm poucos
tes recursos materiais recursos. Os partidos
e humanos. Processos são a criação e perma-
partidários estão bem necem à disposição de
Organização partidária institucionalizados. Em- líderes políticos indivi-
bora importantes, líde- duais. Processos intra-
res individuais não se partidários não são
sobrepõem ao partido. bem institucionaliza-
dos.

Nas democracias de países menos desenvolvidos como na


América Latina ou na Europa Oriental, Mainwaring (1999) aponta
a ocorrência de três fenômenos que indicam baixo nível de insti-
tucionalização do sistema partidário: elevados níveis de volatili-
dade eleitoral, falta de conexões programáticas e ideológicas en-
tre eleitores e partidos e o predomínio do personalismo nas rela-
ções existentes.
Para medir a volatilidade eleitoral, Mogen Pedersen (1982,
apud Figueiredo, 1995) propôs o indicador Volatilidade Eleitoral

<< 96 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

(Vt), que é o mais utilizado nos estudos eleitorais. É a medida agre-


gada que resulta do somatório das perdas e ganhos dos partidos
entre duas eleições, dividido por dois (Figueiredo, 1995). As perdas
e ganhos dos partidos tanto podem ser expressas em proporções
de votos ou cadeiras no parlamento. A Volatilidade Total (VT) pode
ser dada pela seguinte fórmula:

VT = ∑(Vti - Vti-1)/2

Segundo Figueiredo, a hipótese histórica contida na defini-


ção da volatilidade eleitoral é, basicamente, a seguinte: os siste-
mas partidários são institucionalizados quando a volatilidade elei-
toral observada for relativamente constante e baixa por um longo
período.
Mainwaring (1999) e Mainwaring e Torcal (2005) compara-
ram o nível de institucionalização sistemas partidários de demo-
cracias industriais avançadas com os sistemas de semidemocracias
e democracias menos desenvolvidas. Os sistemas de partidos de
democracias menos desenvolvidos “está marcadamente menos
institucionalizado do que as democracias industriais avançadas”
(Mainwaring e Torcal, 2005, pp. 143). Entre as características en-
contradas nas democracias em desenvolvimento é que elas

<< 97 >>
Revista Sociologia, Política e Cidadania

apresentam maior nível de volatilidade eleitoral e menor estabili-


dade eleitoral do que as democracias industriais avançadas.
Peter Mair (1997) adota uma perspectiva de análise da ins-
titucionalização do sistema partidário diferente da adotada por
Mainwaring. Mair prefere avaliar a estrutura de competição inter-
partidária para chegar ao controle do poder Executivo. Esta com-
petição está relacionada ao padrão de alternância no governo, aos
processos de composição do governo, bem como dos partidos po-
líticos que participam efetivamente da gestão.
Segundo Mair, um sistema partidário muda quando há uma
mudança na estrutura de competição vigente. Ou seja, um sistema
partidário muda quando há uma mudança no padrão de alternân-
cia do governo, quando surge uma nova alternativa de governo e
/ ou quando um novo partido ou aliança de partes obtém acesso
ao governo pela primeira vez. Para que esta mudança ocorra, diz
Mair, e seja notada, entretanto, é necessário que já tenha existido
um padrão prévio e bem estabelecido de competição, e a impor-
tância ou o peso de qualquer mudança dependerá de quão estável
e bem estabelecido que o padrão anterior se mostrou.
Segundo Peter Mair (1997), a estrutura de competição
pode ser fechada ou aberta. Uma estrutura fechada é caracteri-
zada pela alta previsibilidade no padrão de alternância, os princi-
pais atores são conhecidos dos eleitores e praticamente nenhum

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

novo partido tem expectativas de chegar ao governo. O caso do


sistema partidário dos Estados Unidos, formado por dois partidos
– Republicanos e Democratas – que disputam sistematicamente as
eleições presidenciais, é citado como o extremo de uma estrutura
competição fechada. Já a estrutura aberta é marcada por alto grau
de imprevisibilidade com padrões diversos de alternância de po-
der, mudanças nas possibilidades de composição do governo com
a entrada de novos partidos.

Em suma, concentrando-se na estrutura da compe-


tição pelo governo e adotando diretrizes que indi-
cam como essa competição pode mudar, ganhamos
uma perspectiva sobre a mudança e a estabilidade
do sistema partidário que não é limitada pelas ca-
tegorias tradicionais encontradas na literatura mais
antiga, e isso é mais significativo do que a perspec-
tiva oferecida por simples resumos numéricos.
(MAIR, 1997, p. 68, tradução livre)

Deste modo, ao definir a oferta de candidaturas, as elites


partidárias acabam constrangendo as preferências eleitorais e in-
fluenciando em direção ao fechamento da estrutura de competi-
ção, o que pode favorecer a estabilidade dos alinhamentos eleito-
rais e do próprio sistema partidário. No entanto, Mair destaca que
alinhamentos eleitorais podem mudar sem que a estrutura de
competição seja desmantelada, mantendo o caráter do sistema
partidário em si. Por outro lado, a estrutura de competição

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

partidária pode subitamente ser transformada, mesmo sem qual-


quer fluxo eleitoral anterior.

Sistema partidário no Brasil: institucionalização consolidada?

O debate sobre o sistema partidário brasileiro e o seu grau


de institucionalização se insere na literatura sobre as democracias
da terceira onda democrática. Para Mainwaring e Scully (1995) e
Mainwaring (1999), um sistema partidário institucionalizado pos-
sui quatro dimensões: estabilidade na competição interpartidária;
partidos com raízes na sociedade; legitimação dos partidos e das
eleições pela sociedade; e organizações partidárias fortes e está-
veis.
As democracias da chamada terceira onda democrática,
como a brasileira, apresentam maior nível de volatilidade eleitoral
e menor estabilidade eleitoral do que as democracias industriais
avançadas, sendo caracterizados, portanto, por baixa instituciona-
lização (MAINWARING,1999).
A utilização de aspectos relacionados à arena eleitoral para
relacionar os sistemas partidários com baixa institucionalização e
instabilidade das democracias, propostos por Mainwaring e Scully
(1995) e Mainwaring (1999), foi questionada por pesquisas poste-
riores sobre a atuação dos partidos após chegarem ao poder, isto

<< 100 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

é, na área governativa. Ao analisar a relação entre os poderes Exe-


cutivo e Legislativo, Argelina Figueiredo e Fernando Limongi
(2001) identificam partidos consistentes e disciplinados e defen-
dem a atuação pós-eleitoral como variável independente de aná-
lise da institucionalização dos partidos.
O próprio Mainwaring, em texto escrito em conjunto com
Fernando Bizarro e Timothy Power (2017), revê parcialmente seu
conceito e aponta algum grau de institucionalização no sistema
partidário brasileiro, embora desigual (Apud Arquer e Vasquez,
2017). Segundo os autores, o sistema partidário registrou estabili-
dade no âmbito agregado, mas apenas o Partido dos Trabalhado-
res (PT) foi capaz de estabelecer raízes na sociedade e de desen-
volver uma organização forte (Mainwaring, Bizzarro, e Power
2017, 48).
Ao analisar a trajetória do sistema partidário brasileiro e o
seu grau de institucionalização, Socorro Braga (2010) utiliza o pa-
drão de volatilidade eleitoral partidária nas votações para a Câ-
mara dos Deputados em oito pleitos, entre 1990 e 2006. Neste pe-
ríodo, segundo os dados apresentados, o Brasil registrou uma vo-
latilidade média de 13.8, número que põe o País em décimo lugar,
comparando-se a volatilidade eleitoral com votações para câma-
ras baixas de outros 38 países.

<< 101 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

Sendo assim, o grau de institucionalização do sis-


tema partidário brasileiro se aproximou do padrão
observado em democracias seculares europeias e
ficou acima de outras, como a própria França, Espa-
nha e Itália. Isso significa também que o padrão de
competição entre os partidos no Brasil passou a ter
um grau de estabilidade muito mais elevado do que
a maioria das democracias mais recentes latino-
americanas e pós-soviéticas. (BRAGA, 2010, p. 54).

Nas eleições para a Câmara, a autora aponta um crescente


número de partidos políticos oferecendo candidaturas para os
pleitos, saindo de cinco partidos nas eleições legislativas de 1982
para 29 no pleito de 2006, com pico de 33 siglas em 1990 e 1998
(Op. cit. pp. 67). Segundo Braga, os partidos mais institucionaliza-
dos, segundo os critérios de Peter Mair foram PP, PDT, PT, PMDB,
PTB, PFL/DEM, PSDB, PSB, PL/PR, PPS, PCdoB, que apresentaram
candidatos em todos os pleitos realizados desde a organização da
estrutura partidária. Para Braga, no Legislativo nacional, “observa-
se certo grau de concentração do sistema parlamentar em torno
de um número maior de partidos, configurando-se uma estrutura
de competição multipartidária moderada” (Op. cit. pp. 70).
Sobre a estrutura de competição nos termos propostos por
Mair (1997), Braga (2010) avalia que houve um número crescente
de partidos políticos participantes dos pleitos, o que denota uma
estrutura aberta de competição. Entretanto, a partir do pleito de
1994, a competição é estruturada entre dois partidos principais,

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

PT, de centro-esquerda, e PSDB, de centro-direita, ao redor dos


quais se alinharam as demais legendas nas disputas pelo comando
do poder Executivo. Para a autora, as disputas protagonizadas pelo
bipartidarismo (PT x PSDB) mostram que o sistema partidário bra-
sileiro caminhou para uma estrutura de competição mais fechada,
explicada em parte pelas estratégias políticas das elites partidárias
tanto em relação ao eleitorado, quanto a mudanças nas regras que
regulam a alternância no poder, como a adoção da reeleição a par-
tir de 1994 (BRAGA, 2010).
Em relação à institucionalização dos partidos políticos bra-
sileiros, Braga verificou-a a partir de três elementos: 1) existência
ou não de organização competitiva nas eleições nacionais; 2) apre-
sentação de candidatos às disputas eleitorais nacionais; 3) perma-
nência dos partidos na competição por sucessivas eleições. No pe-
ríodo de 1989 a 2006, nos três aspectos, os partidos mais compe-
titivos foram PT e PSDB, que apresentaram candidatos próprios
desde 1989, e estruturaram a disputa em relação ao Executivo Na-
cional a partir de 1994 (BRAGA, 2010, pp. 66). No cômputo geral,
a autora defende que os dados mostram estabilidade dos padrões
de competição e da interação entre os partidos políticos no con-
texto brasileiro.
Yan Carreirão (2014) não vê a institucionalização do sis-
tema partidário brasileiro com o mesmo otimismo de Braga

<< 103 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

(2010), que aponta o declínio da volatilidade partidária e ideoló-


gica como indicador da viabilidade do sistema de partidos. Para
contrapor a autora, Carreirão aponta dados de 47 países do Com-
parative Study of Electoral Systems (CSES), que mostram que, to-
mando a volatilidade média nas eleições para as câmaras baixas
desde o começo do regime democrático (em cada país), o Brasil
fica em 26º lugar, com uma média de 21,8% de volatilidade no pe-
ríodo analisado (no caso do Brasil, 1986-2002) (Op. Cit. pp. 262).
Segundo Carreirão, o percentual agregado da volatilidade nas elei-
ções para a Câmara Federal no Brasil termina por encobrir “varia-
ções significativas nos níveis de volatilidade por estado e por mu-
nicípio”.
Diferentemente de Braga, Carreirão não observa uma es-
trutura multipartidária “moderada” de competição na Câmara. O
autor lembra que, em relação ao critério numérico de partidos,
Sartori (1982) define que que o “pluralismo limitado e moderado”
compreende “de três a cinco partidos relevantes”. Comparando as
eleições de 2006 e 2010, Carreirão mostra que o número de parti-
dos efetivos subiu de 10,6 para 11,3 nas eleições para deputado
federal e aponta estudo do Comparative Study of Electoral System
(CSES) que põe o Brasil com a maior fragmentação partidária na
Câmara, entre 36 países analisados (Dalton, Farrell e McAllister,
2011, Apud Carreirão, 2014, pp. 266).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Para Yan Carreirão (2014), a afirmação de Braga (2010) de


que a eleição presidencial, que desde 1994 centrou-se na disputa
entre PT e PSDB, estrutura o sistema partidário brasileiro merece
ser vista com cautela, embora tenha “certa dose de verdade”.

Boa parte dos partidos relevantes em âmbito naci-


onal, ao decidir suas estratégias de coligação em
eleições para outros cargos, dá importância apenas
relativa à estrutura da disputa presidencial. Além
disso, as decisões partidárias visando coordenar as
estratégias estaduais com a nacional, em conjunto
com a migração partidária de lideranças estaduais,
não contribuem para a estabilidade dos sistemas
partidários em âmbito estadual. (Op. Cit. p. 278)

Para reforçar a cautela sobre o argumento de que a eleição


presidencial estrutura o sistema partidário brasileiro, Carreirão
destaca ainda que nas eleições para prefeito têm aumentado os
percentuais de coligações de partidos apoiam e se opõem ao go-
verno federal. E cita estudo de Pedro Floriano Ribeiro (2010), que
analisou coligações nas eleições para prefeito entre 1996 e 2008
em capitais e cidades acima de 200 mil eleitores e mostrou que,
embora as alianças nacionais tenham maior probabilidade de re-
fletir contrapartidas nesses municípios, o próprio PT “passou a se
aliar com mais frequência também com o PFL/DEM e, em menor
escala, com o PSDB” (Ribeiro, 2010, p. 318, Apud Carreirão, 2014).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Considerações finais

Segundo Mainwaring e Scully (1995) e Mainwaring (1999),


um sistema partidário institucionalizado apresenta algumas carac-
terísticas essenciais, como estabilidade na competição interparti-
dária, partidos políticos com enraizamento na sociedade, legitimi-
dade dos partidos e das eleições e organizações partidárias com
regras e estruturas razoavelmente estáveis.
Segundo aponta Mair (1997), um sistema partidário muda
quando há uma mudança no padrão de alternância do governo,
quando surge uma nova alternativa de governo e / ou quando um
novo partido ou aliança de partes obtém acesso ao governo pela
primeira vez.
No caso brasileiro para os dias atuais, a configuração de
forças políticas formada após o resultado das eleições gerais de
2018 desafia alguns consensos estabelecidos na literatura sobre
partidos políticos. Após seis eleições presidenciais em que a estru-
tura de competição foi expressa na disputa entre PT e PSDB, o Par-
tido Social Liberal (PSL), até então sem expressão no Congresso,
registra uma impressionante ascensão eleitoral, conquistando a
Presidência da República com Jair Bolsonaro, embalado em um
discurso que se afastou do centro do espectro político, com ata-
ques às minorias, forte apelo moral e defesa de pautas

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

conservadoras, comumente identificados com discursos de ex-


trema-direita. Assim, uma questão pertinente que se coloca para
trabalhos futuros é avaliar se, e até onde, a vitória eleitoral do PSL
confirma ou refuta a literatura até então predominante sobre a
institucionalização do sistema partidário e sobre a estrutura de
competição.
Embora fuja ao escopo do presente trabalho, é importante
registrar que a eleição de Jair Bolsonaro está inserida em um con-
texto de ascensão de líderes populistas de direita, com exemplos
na Hungria, com Victor Orban, na Polônia, com Andrzej Duda, nas
Filipinas, com Rodrigo Duterte, e nos Estados Unidos, com Donald
Trump. No cenário interno, a ascensão de Bolsonaro se deu em
meio a grave crise política e econômica que o Brasil atravessa, e
dois anos após a destituição da presidente Dilma Rousseff (PT) em
um processo de impeachment que, apesar de ter seguido os ritos
previstos na Constituição, é classificado por diversos pesquisado-
res, analistas políticos e líderes partidários como um golpe parla-
mentar (JINKINS et al Orgs., 2016; DIAS e SEGURADO Orgs., 2018).
Outro episódio decisivo na chegada do PSL e de Jair Bolso-
naro ao poder foi o processo judicial que culminou no impedi-
mento da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
pelo PT. Condenado em primeira e segunda instâncias por corrup-
ção e lavagem de dinheiro, e preso desde abril 2018, Lula teve sua

<< 107 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

candidatura a presidente registrada no Tribunal Superior Eleitoral


(TSE), sendo indeferida pela Corte com base na Lei da Ficha Limpa.
As duas sentenças que condenaram o ex-presidente são
objetos de contestação de juristas nacionais e internacionais, que
acusam o Judiciário de ignorar garantias constitucionais e con-
dená-lo sem provas, com o objetivo final de retirá-lo da disputa
eleitoral (PRONER et al Orgs., 2017). Lula teve seus direitos políti-
cos reconhecidos pelo Comitê de Direitos Humanos da Organiza-
ção das Nações Unidas (ONU)2, e liderou as intenções de voto até
sua candidatura ser indeferida3. O PT substituiu a candidatura de
Lula pela do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que che-
gou ao segundo turno, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro.
No campo do legislativo, o PSL oferece uma nova perspec-
tiva de análise do sistema partidário brasileiro. Nas eleições de
2010 e de 2014, o partido elegeu apenas um deputado para a Câ-
mara Federal. Já em 2018, o número passou 52, o que deu ao PSL
a segunda maior bancada da Câmara, atrás apenas do PT, que ob-
teve 56 cadeiras4. Pelo cálculo de Pedersen (1982), a Volatilidade

2 Decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Disponível em: https://lula.com.br/wp-con-

tent/uploads/2018/08/Luiz-Ina%CC%81cio-Lula-da-Silva_SP-1-1.pdf. Acesso em 31 jan. 2019.


3 Portal G1, de 22 de agosto de 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/elei-

coes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-datafolha-de-22-de-agosto-para-
presidente-por-sexo-idade-escolaridade-renda-regiao-e-religiao.ghtml. Acesso em 31 jan. 2019.
4 Portal G1, 08 dez. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-

numeros/noticia/2018/10/08/pt-perde-deputados-mas-ainda-tem-maior-bancada-da-camara-psl-
de-bolsonaro-ganha-52-representantes.ghtml. Acesso em 31 jan 2019.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Total (VT) para o PSL, comparando a eleição de deputados em


2014 e 2018 foi de 25. Além disso, os partidos com assento na Câ-
mara, que passaram de 22 em 2010 para 28 em 2014, registraram
novo aumento em 2018, com 30 legendas representadas.
Portanto, a chegada do PSL ao governo e seu expressivo aumento
de cadeiras na Câmara pode apontar para uma abertura da estru-
tura de competição, nos moldes estabelecidos por Mair (1997).
Que consequências esta possibilidade empírica pode trazer
para a institucionalização do sistema partidário brasileiro mostra-
se objeto pertinente para novas investigações.

Referências

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lítica, n. 4. Brasília, 2010, pp. 43-73.
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maio - agosto de 2014, pp. 255-295.
CASAL BÉRTOA, Fernando. Political parties or party systems? Assessing
the ‘myth’ of institutionalisation and democracy. West European Politics,
2016, Vol. 40, N. 2, 402–429.

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DIAS, Luiz Antônio, e SEGURADO, Rosemary (orgs.). O Golpe de 2016 –


Razões, atores e consequências. São Paulo: Intermeios; PUC-SP-PIPEq,
2018.
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wick/London: Transations Books, 1982.
FIGUEIREDO, Argelina Cheibub; LIMONGI, Fernando. Executivo e Legisla-
tivo na nova ordem constitucional. Rio de Janeiro, 2001, Editora FGV.
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1950-1978. Opinião Pública, Campinas, vol. III, n. 3, Dezembro, 1995,
p.186-196.
JINKINS, Ivana; DORIA, Kim; e CLETO, Murilo (orgs.). Por que gritamos
golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. São
Paulo: Boitempo, 2016.
KINZO, Maria D’Alva. Radiografia do quadro partidário brasileiro. São
Paulo: Fundação Konrad-Adenauer-Stiftung. 1993.
MAINWARING, Scott. Rethinking Party Systems in the Third Wave of De-
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MELO, Carlos Ranulfo & CÂMARA, Rafael. Estrutura da competição pela
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O´DONNELL, Guillermo. Another Institutionalization: Latin America and
elsewhere. Kellogg Institute Working Paper, n.222, 1996.
PANEBIANCO, Angelo. Modelos de partido: organização e poder nos par-
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Revista Sociologia, Política e Cidadania

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29.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

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Ciência e Política: o papel de Florestan Fernandes
nas Ciências Sociais do Brasil
Thiago Pereira da Silva Mazucato1

Florestan Fernandes ingressa no cenário acadêmico brasileiro


nos anos 1940, no curso de Ciências Sociais da recém fundada Universi-
dade de São Paulo - USP (fundada em 1934) e, até o final de sua vida, em
1995, permanece ligado às grandes discussões intelectuais do país,
tendo produzido diversas obras que se tornaram clássicas da interpreta-
ção do Brasil.
Num primeiro momento, suas pesquisas voltaram-se para temá-
ticas antropológicas e para o folclore, sendo o período de seus primeiros
contatos com o ambiente acadêmico. Em seguida, direciona suas refle-
xões para o processo de institucionalização da Sociologia no Brasil, en-
quanto esteve à frente da cadeira de Sociologia da USP, discutindo em
manuais a questão do método. Num terceiro momento, produz um

1 Graduado em Sociologia, possui Mestrado em Ciência Política (UFSCar) e Doutorado em Ciências

Sociais (UNESP). Atualmente é docente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis


(FAFIPE), onde exerce a função de diretor do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH).
E-mail: t.mazuca@gmail.com
Revista Sociologia, Política e Cidadania

conjunto de obras sobre a interpretação do processo de modernização


no Brasil e na América Latina, destacando-se, desta safra as obras pro-
duzidas entre os anos 1960 e 1975, período que será analisado mais di-
retamente aqui neste livro. Por fim, num último momento de suas refle-
xões e publicações, Florestan Fernandes funde a sua trajetória intelec-
tual com a de militância política ao adentrar na esfera do Estado, na con-
dição de deputado federal, tendo a sua obra reposicionada para a orien-
tação da ação política.
Os dois primeiros momentos descritos acima coincidem com o
seu ingresso na graduação em Ciências Sociais na USP e com a sua for-
mação de pesquisador na pós-graduação, tendo realizado o mestrado na
Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo – ELSP e o seu douto-
rado novamente na USP. Neste momento o Brasil vivenciava o período
ditatorial de Getúlio Vargas (1937-1945) e experimentava a reabertura
do regime político que perdurou de 1945 a 1964. Será a partir da década
de 1950 que começarão a sobressair os principais traços que marcam a
produção intelectual de Florestan Fernandes e que o projetarão como
um destacado representante da chamada Escola Paulista de Sociologia
(ARRUDA, 1980; BASTOS, 2002).
Será durante o que consideramos aqui como um terceiro mo-
mento da produção intelectual de Florestan Fernandes, aquele da ela-
boração das obras sobre a interpretação do Brasil, que sua concepção
sobre o papel social da ciência e a ética dos intelectuais sofrerão uma
guinada, flexionada pelos acontecimentos mais recentes no cenário po-
lítico nacional, em particular após 1964. Diversos foram os intelectuais

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

deste período que trataram destas questões, sendo uma temática bas-
tante recorrente até meados dos anos 1970 (PÉCAUT, 1990)2. Esse perí-
odo coincidiu com o enfraquecimento do sistema universitário de cáte-
dras e a reorganização dos núcleos universitários produtores de conhe-
cimento, com a sua reestruturação em departamentos e programas de
pós-graduação.
A inserção de Florestan Fernandes no cenário acadêmico e inte-
lectual Brasileiro deixou marcas no processo de constituição e instituci-
onalização das Ciências Sociais no Brasil3 (considerando, aqui, a Antro-
pologia, a Sociologia e a Ciência Política). Neste processo, destacam-se
as três primeiras instituições que trouxeram o curso de Ciências Sociais
para o Brasil, sendo a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo –
ELSP (1933), a Universidade de São Paulo – USP (1934) e a Universidade
do Distrito Federal (1935).

2 Lessa (2010) afirma que esta temática teve duração um pouco maior, adentrando a década de

1980.
3 O processo de institucionalização de um campo científico é compreendido aqui como sendo um

conjunto de ações que buscam demarcar o campo de uma especialidade, constituindo-se de: (a)
autonomização da especialidade enquanto disciplina em relação ao conjunto das demais disciplinas
acadêmico-científicas, (b) a elaboração de uma literatura especializada em teoria e método sobre a
temática desta nova disciplina, (c) a criação de um circuito de circulação do conhecimento especia-
lizado para esta nova disciplina e (d) a produção de um diálogo com a sociedade com a pretensão
de legitimar os saberes da nova especialidade. Cf. Bourdieu (1983) e Giddens (2012).

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

As Ciências Sociais no Brasil e o papel de Florestan Fernandes no pro-


cesso de sua consolidação

Até o começo do século XX, no Brasil, ainda que houvesse a cir-


culação do pensamento sociológico estrangeiro, não era possível consi-
derar que existia uma produção sociológica nacional, ainda que, certa-
mente, havia um pensamento político e social brasileiro (WEFFORT,
2006; FAORO, 1987; CHACON, 1977; FERNANDES, 1980). Num período
de tempo não muito posterior à sua institucionalização na Europa e nos
Estados Unidos, que ocorrera desde meados do século XIX, estas ideias
sociológicas estrangeiras já estavam presentes no Brasil, principalmente
em cursos superiores de Direito e de Filosofia. As discussões nacionais
deste período perpassavam principalmente as temáticas sobre o territó-
rio, o povo e a nação, e foram muitas vezes compreendidas como ideias
fora do lugar (BOSI, 1992; SCHWARZ, 1992; RICUPERO, 2008). Antônio
Candido afirmou, sobre o período compreendido entre os anos 1880 e
1930, no cenário intelectual brasileiro, que:

Coube aos juristas papel social dominante no Brasil


oitocentista, dadas as tarefas fundamentais de de-
finir um Estado moderno e interpretar as relações
entre a vida econômica e a estrutura política. Foi a
fase de elaboração das nossas leis, aquisição das
técnicas parlamentares, definição das condutas ad-
ministrativas. O jurista foi o intérprete por excelên-
cia da sociedade, que o requeria a cada passo e so-
bre a qual estendeu o seu prestígio e maneira de
ver as coisas. Mas como as teorias dominantes na
segunda metade do século se achavam marcadas

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

pelo surto científico de então, notadamente a Bio-


logia, que saiu dos laboratórios para se divulgar de
maneira triunfante, os juristas mergulharam na fra-
seologia científica e se aproximaram, neste terreno,
dos seus pares menos aquinhoados, médicos e en-
genheiros, que com eles formavam a tríade domi-
nante da inteligência brasileira. Vemos então, na
Sociologia, os juristas inauguraram uma orientação
cientificista – como se dizia – que contou desde
logo com a cooperação de engenheiros e sobretudo
médicos. (CANDIDO, 2006, p. 272)

No Brasil, os primeiros resquícios de vida acadêmica surgiram no


século XIX, mas de forma ainda muito tímida e tutelada pelas permissões
da família real portuguesa, que estava instalada no país (MENDONÇA,
2000). A inexistência de universidades era a marca da vida acadêmica
brasileira deste período, que contava apenas com Escolas Superiores.
Durante a Primeira República (1889-1930) surgirá a Academia Brasileira
de Ciências (1916) e florescerão diversas Escolas Superiores e Faculda-
des. Somente em 1920, no Rio de Janeiro (que era, então, a capital fede-
ral), será instalada a Universidade do Rio de Janeiro (primeira universi-
dade federal do Brasil).
Alguns anos mais tarde, em 1926, será realizada no estado de
São Paulo uma discussão (promovida pelo jornal O Estado de São Paulo,
sob os cuidados de Fernando de Azevedo), intitulada Inquérito sobre a
Educação, considerado o marco inspirador da criação da Universidade
de São Paulo, oito anos mais tarde. No ano de 1927 surgiu no estado de
Minas Gerais a Universidade de Minas Gerais (esta, sob a tutela do go-
verno estadual). A Associação Brasileira de Educação organizaria, no Rio

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

de Janeiro, em 1928, outro inquérito sobre a educação, sob a liderança


de Anísio Teixeira, que seria, por sua vez, o marco inspirador da criação
da Universidade do Distrito Federal, sete anos mais tarde.
Contando com uma universidade federal (Rio de Janeiro), uma
universidade estadual (Minas Gerais) e diversas Escolas Superiores e fa-
culdades, o governo de Getúlio Vargas cria, já no ano de 1930, o Minis-
tério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, indicando Francisco
Campos como ministro. A Reforma Campos, de 1931, indicava a possibi-
lidade de existência, nas universidades, de uma Faculdade de Educação,
Ciências e Letras, modelo que seria seguido pelas principais universida-
des criadas a partir de então. O governo Vargas desenhava, assim, o pri-
meiro sistema universitário nacional, cenário em que surgiram os primei-
ros cursos de Ciências Sociais no país, já mencionados anteriormente,
em 1933 e 1934 (em São Paulo) e 1935 (no Rio de Janeiro). Até então as
Ciências Sociais (Sociologia, Antropologia, Ciência Política) eram apenas
disciplinas dentro de outros cursos superiores no país.
O endurecimento político do governo Getúlio Vargas, a partir de
1937, levou à dissolução de algumas universidades que se encontravam
sob a tutela direta do governo federal e à criação de outras, completa-
mente alinhadas com as diretrizes político-pedagógicas do Ministério
dos Negócios da Educação e Saúde Pública4. Paralelo a esse movimento,

4 A Universidade do Distrito Federal seria desmantelada pelo Estado Novo de Vargas, já em 1937.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

as universidades do estado de São Paulo, USP e ELSP, sobreviveram com


relativa autonomia5.
Neste processo de institucionalização das Ciências Sociais no
Brasil ocorreu também o surgimento de uma literatura especializada,
“perito” na área, com a publicação de diversos Manuais de Sociologia6.
Os dados sobre estes manuais permitem compreender uma genealogia
das Ciências Sociais no Brasil, pois ilustram tanto o período em que se
concentraram as suas publicações quanto as origens acadêmicas dos au-
tores destes manuais, conforme ilustram os gráficos abaixo:

Gráfico 1 – Dispersão histórica da publicação dos manuais de sociologia elabo-


rados no Brasil no período compreendido entre 1900 e 1945:

Fonte: elaborados a partir de dados contidos em Meucci (2007).

5 A ELSP seria, paulatinamente, deslocada do centro das Ciências Sociais, devido, principalmente, a

dois fatores: o primeiro deles, o maior protagonismo exercido pela USP, que acabou capitalizando
a produção sociológica do período que ficara conhecida como escola paulista de sociologia, liderada
por Florestan Fernandes e o segundo, devido à concorrência das atividades do DASP (Departamento
Administrativo do Serviço Público), criado por Getúlio Vargas em 1938, que tinha a finalidade de
formar quadros par assumir tarefas de governo, competindo com um dos pilares das diretrizes da
ELSP.
6 Sobre este assunto Meucci (2007) elenca trinta e três Manuais de Sociologia elaborados no Brasil

entre 1900 e 1945, tendo como concentração as décadas de 1930 e 1940.

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Gráfico 2 – Origem acadêmica dos autores dos manuais de sociologia elabora-


dos no Brasil no período compreendido entre os anos de 1900 a 1945:

Fonte: elaborados a partir de dados contidos em Meucci (2007).

A tradição de pensamento político e social brasileiro já contava,


nesta época, com diversos intelectuais, muitos dos quais formados no
exterior ou que absorviam, em suas obras, as teorias e metodologias es-
trangeiras, como é o caso, apenas para ilustrar, de Gilberto Freyre e de
Sérgio Buarque de Holanda. Mas a criação dos primeiros cursos de Ciên-
cias Sociais no Brasil, na década de 1930, propiciou a vinda de uma série
de intelectuais estrangeiros7 para o país, incluindo discípulos dos funda-
dores das Ciências Sociais em seus países de origem, como é o caso,

7 Sobre as missões estrangeiras no Brasil, para a criação dos primeiros cursos de Ciências Sociais,

principalmente para a USP e a ELSP cf. Massi (1988), Arantes (1994), Bastos (2002) e Kantor et al
(2010). Do próprio Florestan Fernandes cf. Fernandes (1980).

<< 120 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

dentre outros, de Lévi-Strauss (francês discípulo de Marcel Mauss, sendo


este último, além de sobrinho, também um seguidor de Émile Durkheim)
e de Emilio Willems (alemão, que tivera aula com os principais pensado-
res sociais e políticos alemães do começo do século XX). Florestan Fer-
nandes teve sua formação acadêmica e intelectual no florescimento das
universidades paulistas nesse momento das missões estrangeiras.
Um novo fôlego pairou sobre as Ciências Sociais brasileiras a par-
tir da reabertura do regime político a partir da queda de Getúlio Vargas
em 1945, condição essencial para o fomento do debate público de inte-
lectuais acerca da realidade política, econômica, social e cultural do país.
A conjuntura política do pós-guerra mundial trazia para o centro do de-
bate a temática da modernização, da urbanização, do planejamento, da
industrialização, do desenvolvimento. Com esta pauta, em grande me-
dida já presente desde os anos 1930, surgiram novas instituições como
a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina, criada no final da
década de 1940) e, posteriormente, o ISEB (Instituto Superior de Estudos
Brasileiros, criado em meados da década de 1950), que passaram a fazer
parte dos grandes debates públicos no país através de seus intelectuais.
As Ciências Sociais passariam por um terceiro momento, no en-
torno da década de 1960, sendo expressivo o marco de 1964, em que as
reflexões de seus intelectuais passaram a ser vistas sob um clima de sus-
peita. A reforma universitária conduzida pela ditadura após 1964 tam-
bém deixou marcas na institucionalização das Ciências Sociais em depar-
tamentos e programas de pós-graduação. Nesta estrutura universitária
altamente controlada pelo governo, muitos intelectuais perderam seus

<< 121 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

postos nas instituições e tiveram que partir para o exílio. Florestan Fer-
nandes estava entre estes intelectuais.
Neste terceiro período da institucionalização das Ciências Sociais
no Brasil a agenda de pesquisa e reflexões dos intelectuais passou a or-
bitar, majoritariamente, a temática da política, abordando a democracia,
a legitimidade do poder, a natureza e o papel do Estado, as relações en-
tre Estado e Sociedade. Os primeiros Departamentos de Ciência Política
surgiram, nas universidades brasileiras, neste período (QUIRINO, 1994;
FORJAZ, 1997; LESSA, 2010).

Florestan Fernandes e as Ciências Sociais no Brasil

A origem humilde do jovem Florestan Fernandes, que desde


cedo tivera que trabalhar para contribuir com as despesas familiares,
tendo a maior parte de sua juventude trabalhado em bares e restauran-
tes como garçom e atendente, distante dos bancos escolares, pouco in-
dicava sobre as grandes contribuições que daria para as Ciências Sociais
brasileiras, como um de seus principais intelectuais. Com pouquíssimo
tempo disponível para leituras, o que só conseguia fazer nas horas de
descanso do intervalo de seu trabalho, o jovem Florestan Fernandes
ainda assim mantinha uma disciplina rígida de devorar os livros que con-
seguia emprestado frequentemente de seus amigos (SEREZA, 2005).
Esta disciplina de autodidata seria uma das suas principais ferramentas
para enfrentar as adversidades da formação acadêmica na USP alguns
anos depois. Tendo frequentado o Colégio Madureza, espécie de curso

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

supletivo para quem não conseguira realizar o ensino regular à época,


Florestan ingressa no curso de Ciências Sociais da USP em 1941, menos
de uma década depois da criação da própria instituição, tendo aulas com
professores estrangeiros, sendo forçado a realizar a leitura de textos em
outras línguas como o francês, o espanhol, o inglês e o alemão (SEREZA,
2005; COHN, 2008). O esforço de Florestan Fernandes saltou à vista de
diversos professores como Roger Bastide e Fernando de Azevedo (na
USP) e de Donald Pierson e Herbert Baldus (na ELSP):

Independentemente das opiniões que explicitaria


mais tarde sobre a ELSP e sobre a FFCL, o fato é que
nos seminários de etnologia brasileira dirigidos por
Herbert Baldus começou a gestar-se na escola a pri-
meira grande pesquisa de Florestan, que resultou
na tese e, posteriormente, no livro A organização
social dos Tupinambá. (SEREZA, 2005, p. 79)

O destaque alcançado durante a graduação rendera a Florestan


Fernandes a fama de ser um estudante exemplar, além de muito esfor-
çado, contribuindo para garantir a ele uma vaga para prosseguimento de
estudos no nível de pós-graduação, com o mestrado na ELSP, onde rece-
beria uma dose maior de formação metodológica. A sua dissertação,
aprovada em 1947 com o título A organização social dos Tupinambá, já
continha algumas características que seriam marcantes de sua obra pos-
terior: um debate crítico com a tradição de pensamento brasileiro e in-
ternacional, contrariando muitas vezes postulados canônicos (é o caso,
em sua dissertação, em que contradiz o postulado que pregava a

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

inferioridade cultural dos povos indígenas brasileiros em relação aos in-


vasores estrangeiros).
Prossegue seus estudos de pós-graduação com o doutorado na
USP, continuando a pesquisa iniciada no mestrado com a temática an-
tropológica de estudos sobre os Tupinambá, reforça sua hipótese de que
não havia fragilidade dos povos indígenas brasileiros diante dos coloni-
zadores europeus. A tese, aprovada em 1951, com o título A função so-
cial da guerra na sociedade Tupinambá, ainda é considerada um marco
nos estudos histórico-antropológicos brasileiros de perspectiva crítica.
Florestan Fernandes comprovou, com uma ampla pesquisa documental,
que não era sustentável o postulado da passividade das nações indíge-
nas diante da conquista dos europeus “mais civilizados”.
Ainda na USP, em 1953 Florestan Fernandes tem aprovada a sua
tese de livre docência com o título Ensaio sobre o método de interpreta-
ção funcionalista na Sociologia, trabalho em que demonstra um formi-
dável domínio teórico e metodológico em Ciências Sociais, e que o habi-
litou para exercer a função docente à frente da cadeira de Sociologia I
da USP, já em 1954. A partir deste momento Florestan passaria a desem-
penhar um papel mais ativo no processo de consolidação das Ciências
Sociais no Brasil.
Pode-se observar na produção intelectual de Florestan Fernan-
des de meados da década de 1950 até meados da década de 1970 dois
tipos de respostas aos desafios de consolidação e de legitimação das Ci-
ências Sociais no Brasil: por um lado, empenha-se na elaboração de ma-
nuais teóricos e metodológicos num movimento que transcende à

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

circunscrição do campo científico destas ciências, procurando mais do


que delimitar o campo, consolidá-lo e legitimá-lo e, por outro lado, ofe-
rece uma resposta destas ciências aos dilemas políticos do país, por meio
de suas obras de interpretação do Brasil, incluindo a formação histórica,
étnica e racial do país, até o processo de modernização nacional, enfati-
zando a característica sui generis do processo de revolução burguesa no
Brasil.
Sobre o primeiro tipo de resposta intelectual de Florestan Fer-
nandes aos desafios de consolidação e legitimação das Ciências Sociais
no país, procurava tornar mais acessível aos estudantes brasileiros as
grandes discussões teóricas e metodológicas internacionais, tanto do pe-
ríodo clássico de surgimento das Ciências Sociais no século XIX quanto
as pesquisas mais contemporâneas do século XX, produzidas em impor-
tantes universidades europeias e norte-americanas. Nestes manuais Flo-
restan Fernandes demonstra grande habilidade na elaboração de um di-
álogo crítico e construtivo com os principais autores internacionais das
Ciências Sociais, em grande medida fruto dos conhecimentos que obteve
em sua formação na USP e na ELSP:

O diálogo contínuo, aberto e crítico desenvolve-se


com os principais sociólogos, ou cientistas sociais,
que apresentam alguma produção para a pesquisa
e a interpretação da realidade social. Aí estão re-
presentantes notáveis das escolas francesa, alemã,
inglesa e norte-americana como por exemplo:
Comte, Durkheim, Le Play, Simiand, Mauss, Gur-
vitch e Bastide; Weber, Sombart, Pareto, Simmel,
Tönnies, Wiese, Freyer e Mannheim; Spencer,

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Hobhouse, Malinowski, Radcliffe-Brown e


Ginsberg; Cooley, Giddings, Park, Burgess, Parsons,
Merton e Wright Mills. Esses são alguns dos clássi-
cos e modernos que se encontram no horizonte in-
telectual de Florestan Fernandes, pelas sugestões,
desafios, temas, teorias e controvérsias que apre-
sentam e provocam. Dentre todos, sobressai Man-
nheim. (IANNI, 1991, p. 19)

Este diálogo crítico e construtivo que Florestan Fernandes em-


preende com os diversos autores estrangeiros, clássicos e contemporâ-
neos é sobressalente em seus manuais. Para ilustrar, destaca-se um de-
les, intitulado Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada, publicado no ano
de 1960, mas que continha uma série de capítulos escritos durante a dé-
cada de 1950. Neste livro, além da preocupação em fornecer um reper-
tório maior para os estudantes brasileiros de Ciências Sociais, é ressal-
tada a necessidade de consolidar as ciências aplicadas (no caso, as Soci-
ologias aplicadas, bastante desenvolvidas, por exemplo, nos Estados
Unidos), porém, mais adaptadas ao cenário local, devendo cumprir,
como propunha Mannheim, um papel de diagnóstico da realidade, que
servisse de base para processos de ação estatal, em particular, vocacio-
nadas para o planejamento (em situações periféricas, como era o caso
brasileiro, esta adaptação das ciências aplicadas parecia se encaixar mais
bem às necessidades nacionais). A Sociologia aplicada deveria ser:

[...] capaz de detectar os problemas no interior de


uma dada ordem social e capaz de formular condi-
ções de intervenção que fizessem frente a esses
problemas, não apenas para resolvê-los e voltar
tudo à normalidade do status quo anterior, mas no

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

sentido de resolvê-los dinamicamente (...) (COHN,


1986, p. 134)

No final do primeiro capítulo de Ensaios de Sociologia Geral e


Aplicada, intitulado A Sociologia: Objeto e Principais Problemas, Flores-
tan Fernandes elaborou uma sessão denominada Repertório bibliográ-
fico, concernente às principais contribuições dos sociólogos mencionados
no item III do artigo, em que apresenta uma relação contendo 124 no-
mes de sociólogos e aquelas que ele considerava como sendo as princi-
pais publicações de cada um deles. Ilustrando o diálogo mais intenso que
Florestan Fernandes empreende com a obra de Karl Mannheim, neste
mesmo livro encontra-se um capítulo intitulado As Publicações Póstu-
mas de K. Mannheim. Ele próprio reconhecera a relevância dada para a
obra de Mannheim, neste período, ao afirmar que:

Mannheim, em particular, foi muito importante


[...]. De qualquer maneira, porém, através das pis-
tas que ele abre em Ideologia e Utopia, Homem e
Sociedade em uma Época de Transição e em outros
livros eu podia ligar os estudantes às grandes cor-
rentes da sociologia clássica e ao que se estava fa-
zendo graças a pesquisa empírica na psicologia so-
cial e na sociologia moderna nos Estados Unidos e
na Europa. [...] ele me permitia abrir o caminho
para a compreensão dos grandes temas sociológi-
cos do presente, para a crítica do pensamento con-
servador, para os problemas da sociologia do co-
nhecimento e para a natureza ou as consequências
do planejamento democrático e experimental. Em
especial, Mannheim permitia se tomar a contribui-
ção de Weber e de vários outros alemães de uma
maneira um pouco mais rigorosa e, inclusive, punha

<< 127 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

a contribuição de Marx à sociologia dentro de uma


escala mais imaginativa e criadora. [...] De modo
que Mannheim teve uma importância muito
grande para mim nesse período, em que eu tentava
descobrir o meu próprio caminho. (FERNANDES,
1978, p. 19-20)

Em outro destes manuais elaborados por Florestan Fernandes,


intitulado Elementos de Sociologia Teórica, publicado em 1970, exata-
mente uma década depois de Ensaios de Sociologia Geral e Aplicada, e
também contendo capítulos que foram escritos nos anos 1950 e 1960,
permanece o diálogo crítico e construtivo com as grandes teorias socio-
lógicas internacionais. Se no manual de 1960 o autor mais mencionado
era Karl Marx, seguido por Karl Mannheim, neste de 1970 percebe-se
que Mannheim assume o protagonismo, contendo inclusive um volu-
moso capítulo intitulado A Concepção de Ciência Política de K. Man-
nheim. Esta relação voltará a inverter-se num terceiro manual, publicado
em 1980, intitulado A natureza sociológica da Sociologia. O gráfico
abaixo demonstra a trajetória dos interlocutores de Florestan Fernandes
mais mencionados nestes três manuais:

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

Gráfico 3 – Autores mais citados por Florestan Fernandes nos manuais Ensaios
de Sociologia Geral e Aplicada (1960), Elementos de Sociologia Teórica (1970)
e A natureza sociológica da Sociologia (1980):

Fonte: elaborados a partir de dados contidos em Fernandes (1970), Fernandes


(1976), Fernandes (1980).

Quanto ao segundo tipo de resposta intelectual de Florestan Fer-


nandes aos desafios da consolidação e legitimação das Ciências Sociais
no Brasil, encontram-se uma das principais publicações sobre as relações
raciais no Brasil, Brancos e Negros em São Paulo, publicada em 1959 jun-
tamente com Roger Bastide. Porém, em 1960, com a publicação de Mu-
danças Sociais no Brasil, Florestan inaugura uma série de obras que
abordarão o processo de modernização no Brasil e na América Latina,
marcado pela presença de uma forma periférica de capitalismo. Ao re-
pensar criticamente a formação social, política e econômica do Brasil,
oferece subsídios para a compreensão dos processos in flux no país.

<< 129 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

O conjunto de obras de interpretação histórica do Brasil, elabo-


radas por Florestan Fernandes, permitem fundamentar a elaboração de
um diagnóstico nacional, ou seja, fornece a base necessária para que se
empreendam processos de planejamento para o desenvolvimento naci-
onal, temática que ocupava boa parte da agenda intelectual do período.
Ao diagnosticarem com maior precisão quais eram os principais proble-
mas nacionais estas interpretações ofereciam o substrato teórico para o
planejamento científico das mudanças necessárias para a superação do
atraso e do subdesenvolvimento:

[...] uma vez que o Estado brasileiro se legitimava


por uma dupla aptidão – a de se adaptar às leis que
presidem a evolução do real, e a de promover uma
racionalidade que orientasse o desenvolvimento
econômico e gerasse as relações sociais –, ele con-
feria à ciência o estatuto de componente primordial
da política e, simultaneamente, aos “intelectuais” o
de protagonistas privilegiados da vida política. Es-
tado e intelectuais estavam mutuamente compro-
metidos. (PÉCAUT, 1990, p. 73)

A maioria dos cientistas sociais reconhece que a


pesquisa, no campo das ciências sociais, possui im-
plicações políticas. Reconhece que, direta e indire-
tamente, a pesquisa feita pelo economista, soció-
logo, politicólogo, antropólogo, psicólogo e histori-
ador tem conotação política. Também os trabalhos
do psicólogo e historiador não escapam a essa co-
notação. É claro que as implicações políticas são
mais evidentes quando se trata da pesquisa sobre
um problema do presente, ou situação na qual os
homens do presente estão empenhados. Mas tam-
bém quando está em causa uma situação passada
ela pode ter implicações políticas. Quando se diz

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

que cada “geração” refaz a história do seu país, diz-


se inclusive que cada regime político, ou governo,
reinterpreta o passado à luz da sua imagem do pre-
sente. Às vezes procura-se glorificar o passado, ou
uma parte dele. Outras vezes procura-se mostrar
que o presente é totalmente novo, apresentando
uma ruptura revolucionária com o passado. O ven-
cedor tende a instaurar a sua narração. (IANNI,
1989, p. 211)

Encontra-se aí um importante argumento que permite situar


Florestan Fernandes como um dos principais intelectuais brasileiros que
atuaram no processo de consolidação e, principalmente, de legitimação
das Ciências Sociais no Brasil, ao apontar para a função social da ciência,
argumento este que permitia a ele trazer para o primeiro plano de suas
reflexões os processos de modernização, de industrialização, de urbani-
zação, participando, desta maneira, do debate público nacional, o que já
evidencia, também, o destaque a ele conferido ao papel político dos in-
telectuais, oscilando entre a concepção de Mannheim de um intelectual
com perfil de honra pública, que teria papel destacado na elaboração
das grandes sínteses que constituiriam os diagnósticos da realidade na-
cional, e, posteriormente, a concepção de Marx de um intelectual mais
engajado na ação política direta. As análises inauguradas em Brancos e
Negros em São Paulo (1959) e Mudanças Sociais no Brasil (1960) segui-
riam basicamente por dois caminhos, na trajetória de Florestan Fernan-
des e, consequentemente, das próprias Ciências Sociais no Brasil:

Nessa altura da história, dentre as tendências, es-


colas ou estilos de pensar que se formam, emerge

<< 131 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

a sociologia crítica elaborada por Florestan Fernan-


des. Aos poucos, pela originalidade das contribui-
ções teóricas e históricas, a sua obra sobressai no
âmbito da sociologia brasileira, considerada como
um sistema de saber, pensar. É claro que outras
obras também se afirmam de maneira mais ou me-
nos marcante. Mas é inegável que o conjunto das
monografias e ensaios, livros e artigos, cursos e
conferências, campanhas e debates produzidos por
Florestan Fernandes revelam uma obra vigorosa,
nova, com larga influência no ensino e pesquisa,
nas interpretações e controvérsias que se espraiam
pelo pensamento brasileiro. Inaugura uma linha-
gem sociológica que descortina novas possibilida-
des de pensar e modificar a sociedade, a história.
(IANNI, 1989, p. 92)

Os estudos sobre as relações raciais no Brasil, inaugurados em


1959 com Brancos e Negros em São Paulo constituirão uma importante
linha de pesquisa na agenda intelectual de Florestan Fernandes, tendo
outras obras expressivas sido publicadas, como A Integração do Negro
na Sociedade de Classes (1964) e O Negro no Mundo dos Brancos (1972).
Esta temática terá longa duração, observando-se diversas publicações
de Florestan Fernandes sobre as relações raciais até sua morte em 1995.
Por sua vez, os estudos sobre o processo de modernização do
Brasil e da América Latina, iniciados em 1960 com Mudanças Sociais no
Brasil, teriam uma duração mais curta, de apenas uma década e meia,
até 1975. Fizeram parte deste conjunto de publicações obras como A
Sociologia numa Era de Revolução Social (1962), Sociedade de Classes e
Subdesenvolvimento (1968), Capitalismo Dependente e Classes Sociais
na América Latina (1973) e A Revolução Burguesa no Brasil – ensaios de

<< 132 >>


Revista Sociologia, Política e Cidadania

interpretação sociológica (1975). Neste conjunto de obras de Florestan


Fernandes nota-se de modo mais proeminente uma tentativa de inte-
grar diagnóstico e prognóstico, ou seja, a elaboração de obras de inter-
pretação histórica que permitissem projetos de intervenção na realidade
nacional. Neste conjunto de obras percebe-se, nas duas primeiras (Mu-
danças Sociais no Brasil e A Sociologia numa Era de Revolução Social) a
presença de Karl Mannheim como principal interlocutor de Florestan
Fernandes, ao passo que nas três últimas (Sociedade de Classes e Subde-
senvolvimento, Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América La-
tina e A Revolução Burguesa no Brasil) verifica-se a presença de autores
marxistas como principais interlocutores.
Considerando as diversas periodizações feitas por proeminentes
pesquisadores sobre a obra de Florestan Fernandes (MOTA, 1986;
COHN, 1986; FREITAG, 1987; ARRUDA, 1989; IANNI, 1991; LAHUERTA,
2005), é consensual que houve, em sua trajetória, um momento de in-
flexão, ainda que não haja consenso sobre a localização deste momento.
É certo que tanto o golpe de 1964 quanto a experiência do exílio teriam
um impacto significativo, o que pode ser verificado naquele conjunto
acima de suas obras de interpretação histórica sobre os processos de
modernização do Brasil e da América Latina, em que, nas duas primeiras,
publicadas em 1960 e 1962, nota-se uma perspectiva mais otimista
quanto ao papel do planejamento para o desenvolvimento e, nas três
últimas, de 1968, 1973 e 1975 sobressaem uma análise mais pessimista
que coloca o planejamento para o desenvolvimento como uma

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Revista Sociologia, Política e Cidadania

ferramenta política de ação estatal que desconsidera os interesses repu-


blicanos nacionais.
Florestan Fernandes deixou a sua marca nas Ciências Sociais bra-
sileiras, tanto pela originalidade de sua abordagem, simultaneamente
crítica e construtiva, quanto pelas escolhas temáticas de suas reflexões,
marcadas por um interesse republicado e por um compromisso cívico
com os menos favorecidos, sejam os indígenas, os negros, os trabalha-
dores mais pobres.

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