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INTRODUÇÃO

Este trabalho aborda alguns aspectos da relação entre as práticas culturais e as

instituições do poder político em Moçambique

, país situado na região sul do continente

africano e que se tornou independente de Portugal em 1975. Mais precisamente,

pretende-se aproximar a esta questão a partir de uma manifestação cultural típica de um

dos diversos grupos etno-linguísticos

componentes do mosaico cultural do país: a

timbila. Recentemente, esta manifestação cultural ganhou certo destaque internacional

devido à sua proclamação como Obra-prima do Patrimônio Oral e Intangível da

Humanidade pela UNESCO, em Novembro de 2005, no âmbito da Convenção para a

Salvaguarda do Património Cultural Intangível, adotada pela entidade em Outubro de

2003. Fundamentalmente, este instrumento de caráter supranacional foi criado com o

objetivo de preservar manifestações culturais ameaçadas de extinção pelo avanço da

globalização

e as transformações sociais decorrentes, em todo o mundo. Dentre outras

coisas, isto implica em ações do Estado moçambicano com vistas a cumprir com os

objetivos preconizados pela Convenção

, na qualidade de membro signatário da mesma.

A timbila

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é uma forma de expressão cultural moçambicana praticada pelo povo chopi,

um dos vários grupos étnicos da região sul do país. Em

xitchopi

, a sua língua local, o

prefixo

ti

designa o plural das palavras e

mbila

é o nome do xilofone artesanal fabricado

e tocado de forma bastante peculiar por este povo. Assim, “timbila” é o nome dado ao

conjunto de

mbila

que formam as orquestras típicas da região do distrito de Zavala (na

A periodização adotada - de 1934 a 2005 – corresponde a um primeiro momento importante


de

intervenção institucional sobre a timbila (a Exposição Colonial do Porto, em 1934) e à mais


recente, a

proclamação como patrimônio imaterial da Humanidade, em 2005.

Em Moçambique, se falam 16 línguas nacionais além do português, que é a língua oficial. Elas
estão

distribuídas entre os dezesseis grupos étno-linguísticos existentes no país.


Fonte:

http://www.portaldogoverno.gov.mz/noticias/news_folder_sociedad_cultu/fevereiro2008/nots_sc_099
_fe
v_08?searchterm=língu

UNESCO, 2003, p. 2.

Por “património oral e intangível”, a Convenção estabelece como “(...) aquela porção da
herança

cultural dos povos contida nas tradições, no folclore, nos saberes, nas línguas, nos rituais e que
são

transmitidos oral e/ou gestualmente de geração em geração.” A necessidade de se criar um


programa

específico para a preservação do património intangível decorre da constatação de até então, apenas
haver

instrumentos internacionais para a salvaguarda de patrimónios culturais físicos (arquitetônico,

subaquático, etc.) . (UNESCO, 2003, p. 3)

Para uma descrição tecnicamente mais detalhada do instrumento e dos seus elementos
performáticos,

sugiro a leitura da obra de Hugh Tracey (1946) intitulada “Gentes Afortunadas”.

Xitchopi

é a língua do povo

chopi

. Nas línguas do sul de Moçambique, o prefixo “xi” designa, neste

caso, a língua de um determinado povo. Assim

xitchangane

é a língua dos changane,

xironga
é a língua

dos ronga,

xisena

é a língua dos

sena

, etc.

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província de Inhambane), que é considerado o seu berço, a terra dos chopi por

excelência. É também o nome da dança que acompanha a música das orquestras; e como

manifestação cultural mais abrangente, a timbila engloba ainda toda uma tradição oral

expressa na poesia das suas canções, que por sua vez, cumprem uma importante função

social na comunidade.

Tendo em conta as profundas transformações vivenciadas pelo país nas últimas décadas,

colocamos a seguinte questão: em que medida a proclamação da timbila – sob

candidatura proposta pelo Governo de Moçambique – como parte do patrimônio cultural

da Humanidade reflete o sentido das atuais políticas culturais do país? Subjacente a esta

questão, há também outras: qual é o lugar das artes de espetáculo (música, canto, dança,

etc.) em tais políticas públicas? E por último, qual é a especificidade da timbila neste

processo?

Moçambique conquista a sua independência e se constitui como um Estado nacional

soberano em Junho de 1975, após cerca de uma década de luta armada contra o

colonialismo português (NEWITT, 1997); este, por sua vez, resistiu o máximo possível

às pressões internacionais para o seu fim apoiando-se numa ideologia assimilacionista


que afirmava uma suposta unidade política e cultural da Metrópole para com as suas

colônias, então rebatizadas como “províncias ultramarinas”. Uma vez independente,

com apoio militar, financeiro e ideológico do bloco soviético socialista no contexto da

Guerra Fria, Moçambique passa a ser governado pela FRELIMO (Frente de Libertação

de Moçambique) – partido único oriundo da fusão de movimentos nacionalistas pró-

Independência – que, logo em seguida, declara-se um partido “marxista-leninista”.

Entretanto, o assumir desta posição político-ideológica traz grandes implicações

geopolíticas, agravadas pela vizinhança com a África do Sul do

apartheid,

a principal

potência econômica da região, cujos interesses de expansão se viam então ameaçados.

A exacerbação da Guerra Fria em todo o globo tem se faz sentir também na África

Austral e engolfa o país numa guerra “civil” tendo como oponentes de um lado, a

FRELIMO socialista no governo e de outro lado, a RENAMO (Resistência Nacional de

Moçambique), uma organização liderada por dissidentes do partido no poder e que

recebia apoio logístico e ideológico da África do Sul e do bloco capitalista mundial, em

última instância.
Mtsisto

: uma introdução ao universo da timbila

1.1 A timbila e os chopi

Mbila

é a versão dos chopi para o principal instrumento utilizado nesta forma de

expressão cultural, um xilofone de construção artesanal bastante difundido no sul da

África e eventualmente, em outras regiões do continente. “Timbila” refere-se aos grupos

orquestrais compostos de várias

mbila

– de diferentes tonalidades, tamanhos e funções

musicais – além de outros instrumentos, basicamente percussivos; na orquestra, os

músicos são acompanhados por um grupo de dançarinos e todos são regidos por um

“maestro”. Assim, timbila é o nome dado a todo este complexo formado pela música,

pela dança pela teatralidade e a literatura oral presente no conteúdo das suas canções .

Para os efeitos deste trabalho, dispensa-se uma descrição mais detalhada do instrumento

em si devido à profusão e abundância de estudos sobre ele, aos quais faremos referência

ao longo deste capítulo. Mas por ora, importa indicar que um conjunto orquestral

completo conta com cinco variedades de

mbila

, dispostas da seguinte maneira, da mais

aguda para a mais grave:

xilanzane

(soprano, contando com um número de 12 a 16

teclas);

sange
(contralto, de 14 a 18 teclas),

dole

(tenor, de 10 a 14 teclas),

dibiinda

(baixo, com 10 teclas) e

xikhulu

(duplo-baixo, com 3 ou 4 teclas) (TRACEY, 1946, n.

52, p. 99). Esta analogia com a tonalidade dos instrumentos de uma orquestra sinfônica

ocidental foi sugerida pelo etnomusicólogo britânico Hugh Tracey, autor do estudo mais

completo e extenso sobre timbila, e dá uma idéia da amplitude de um conjunto

orquestral desta arte chopi. Ainda segundo este autor, os xilofones chopi – as

mbilas

são concebidos para se tocar em conjunto, onde associados à dança, atingem o seu

melhor efeito artístico e a sua singularidade.

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Fig. 1 –
Mbila

Por força do uso da palavra e da sua contaminação com o português, é comum as

pessoas utilizarem a expressão “timbila” para se referirem ao instrumento isoladamente,

ou então, a expressão “marimba”, pela qual o instrumento também é bastante conhecido,

inclusive fora do país. Assim, usam-se também as expressões “timbileiro” ou

“marimbeiro” para se referir aos músicos que tocam estes instrumentos.

A timbila é amplamente conhecida em Moçambique, devido à sua constante presença no

cotidiano; está presente na moeda

, no comércio de

souvenirs

para turistas (em

exemplares rudimentares de baixa qualidade) e de modo geral em iconografias alusivas

à “cultura moçambicana”. Porém, tomando como base a Cidade de Maputo

, capital do

país, são raras as oportunidades de se presenciar uma exibição orquestral completa e

mais rara ainda, a disponibilidade de gravações no mercado fonográfico.

Na atual moeda de 5 Meticais, está gravada uma

mbila

, o xilofone dos chope. Este fato é tanto mais

Notório tendo em conta que é a única manifestação cultural representada nas novas moedas, emitidas a

partir de Junho de 2006 (em substituição a uma família anterior, com inflação acumulada de 1975).

Onde eu residia entre 2005 e 2008.


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