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ionline.pt, Marta F.

Reis
publicado em 17 Set 2013

Revolução em Cuba. A escola do Alentejo que


trocou livros por tablets
Projecto-piloto do Ministério da Educação arrancou ontem no Agrupamento de
Escolas de Cuba. Alunos do 7.º ano deixaram de ter livros para usar tablets

Germano Bagão nem era adepto das tecnologias, mas foi-lhes ganhando o gosto. Há 21
anos, quando se tornou director da escola básica de Cuba, no Alentejo, uma das
primeiras decisões foi já um prenúncio: resolveu o impasse com a televisão a cores na
sala de convívio dos alunos. "Tinha sido instalada há um ano, mas dentro de uma caixa
e fechada a cadeado. Os alunos não a podiam usar porque não havia regulamento." Foi
nesses primeiros tempos que ganhou fama de "líder forte", ontem apontada como uma
das razões para que a escola, das primeiras a ter um modem e a segunda a ter uma
página na internet no país, tenha mais um feito tecnológico no quadro de honra. "Tirei o
cadeado e as portas da caixa e pus um leitor de vídeo para que pudéssemos usar a
televisão até como ferramenta educativa."

Foi o director que ontem falou em primeiro lugar à plateia de pais do 7.º ano do agora
Agrupamento de Escolas de Cuba, atentos para perceber, afinal, o que é isso de os
filhos deixarem de usar manuais escolares para descarregarem conteúdos para um
tablet. "É um desafio: vão trabalhar muito mais do que quando usavam livros", prometeu
Bagão diante do auditório cheio. A iniciativa começou a ser pensada há dois anos na
Direcção-Geral de Estabelecimentos Escolares (DGEE) - Direcção Regional de Serviços
do Alentejo. Depois de avaliarem qual a melhor forma de acabar com os manuais e
tentarem perceber as vantagens pedagógicas, seguiu-se a procura de parceiros. A Porto
Editora com os livros digitais, a Fujitsu com os aparelhos e a Universidade Católica
como instituição que vai monitorizar e avaliar a experiência permitiram dar gás ao
projecto.

Jorge Mata, que começou a carreira como professor de História na escola que ontem viu
chegar os tablets e hoje está na DGEE, é um dos mentores do projecto, para já com o
nome de código de "manuais digitais". Aos pais explicou que, por agora, a perspectiva é
de cautela: vão arrancar progressivamente e, dentro de três anos, quando os alunos
completarem o 9.º ano, será avaliado se é uma opção que, mais que reduzir o peso nas
mochilas dos alunos, melhora o ensino: "Já houve muitas tentativas de introdução de
tecnologia na sala de aula. Até hoje, o investimento ainda não colheu."

MIÚDOS TECNOLÓGICOS A caminho de Cuba, num troço da nacional 387, a estrada


cruzada por rebanhos e os campos de girassóis - isto para não falar da vila deserta a
meio da manhã - fazem pensar numa revolução iminente. A ideia (preconceito) de que
poderia haver qualquer tipo de choque tecnológico varre- -se com alguns minutos de
conversa com os alunos do 7.º ano que vieram com os pais ouvir as instruções no
primeiro dia de aulas. Muitos já tinham tablet, como Zé Luís, Rita ou Rodrigo.

No mesmo grupo, que legalmente não tem idade para usar redes sociais, só Maria não
tem Facebook. "É a livros- -marrona", brincam, mas também reconhecem que é a
melhor da turma, este ano 7.º B. Habituados a quadros interactivos nas salas e a ir à
biblioteca mais para usar o computador do que para ler, nem a excitação de terem um
novo aparelho os faz pensar que a escola vá ficar menos "seca". Que é preciso então?
"Intervalos maiores", responde Margarida. "Televisão na sala com Sport TV e Disney
Channel", acrescenta Rodrigo. A brincar, vão contando as verdades. Nas férias leram
"0,00 livros". Pedro é o único que leu alguma coisa. Perguntamos o quê. "Li o livro de
instruções dos legos", declara, brincalhão, do alto dos seus 12 anos.

Se vão aprender mais, não conseguem dizer. Se vão ficar mais distraídos ou alegar que
estão a estudar quando estão a jogar ou a navegar na internet, são confissões que não
se fazem a estranhos. Certo é que os encarregados de educação ganharam uma nova
forma de os persuadir a dedicarem-se ao estudo: os alunos que chumbarem deixam de
estar abrangidos pelo projecto-piloto, que acompanhará a geração hoje no 7.º ano até
chegar ao secundário. O que significa, por outras palavras, deixar de ter tablet.

ESPERAR PARA VER Enquanto a escola apresenta o projecto, os pais vão


cochichando. "Isto, lá fora, já é muito usado. Eu, sinceramente, gosto de sentir o papel",
ouvimos de um pai. "E vai ser bonito, sempre a caírem ao chão." Um professor suspira e
outro admite que vai ser uma confusão quando o director e os responsáveis da DGEE
alertam para um novo dever de casa: o tablet só tem carga para um dia de aulas, vai ter
de ser carregado diariamente sob pena de os alunos não terem livros para seguir as
aulas.

De Elisa e Maria, alunas do sexto ano com uma certa inveja dos colegas mais velhos,
ouvimos uma análise ponderada: "Vai ser mais divertido aprender. Pode distrair, mas
também pode motivar mais." Maria de Fátima Rosado, de 46 anos, lamenta que a filha
de 12 não tenha interesse pela leitura e esteja a perder clássicos que, na idade dela, já
tinha lido, como o "Diário de Anne Frank". "Se não for a escola a incutir esse hábito,
onde será?", questiona, lembrando uma estatística que fez no Verão. "Depois de andar
um quilómetro na praia, contei dois livros. Não sou contra as tecnologias, mas acho que
tudo é importante e eles já as usam. Mas hoje não lhe posso dizer como correu: só no
final."

Duarte Martins, da DGEE, admite não haver certezas absolutas nesta fase: "Claro que
podemos pensar que estão a estudar quando estão no Facebook, mas também para
alguns será mais atractivo estudar pelo tablet." Para ajudar os pais a controlar o que se
passa, umas das preocupações do projecto foi que todos os conteúdos educativos
estivessem disponíveis offline. "Se antes podiam dizer que era hora de estudar e tirar o
computador ou o telemóvel, agora podem tirar- -lhes a internet."

Por agora, a perspectiva é de que o projecto será mesmo piloto, com a Universidade
Católica a avaliar o impacto quer na vertente de ensino quer de aprendizagem, além de
ajudar a introduzir as melhores formas de protecção de conteúdos e segurança online.
Vanda Marques, que seguirá a iniciativa no âmbito de uma tese de mestrado, admite
que, para já, é o uso indevido que mais a preocupa. Por outro lado, caso haja vontade
de escalar o projecto, será preciso avaliar qual o modelo de negócio mais adequado
para Estado e famílias e qual o interesse dos parceiros.

Ser um programa gradual é algo que colhe apoio junto de pais, professores e técnicos.
O contraponto, dizem, é o Magalhães. "Não era usado pelos professores como
ferramenta educativa, pois não suportava muitos recursos. Teve coisas boas, como
permitir a algumas famílias o acesso a computador. Mas, nos planos educativo e
pedagógico, foi dinheiro deitado à rua", diz Germano Bagão. Duarte Martins também
admite que o projecto deveria ter começado como experiência, em vez de distribuir
milhares de computadores sem ajustar conteúdos e formação. "Hoje a utilização é
residual", diz.

Os tablets serão, nesta fase, suportados totalmente pelo Ministério da Educação, mas a
DGEE explica que não sai do Orçamento do Estado, uma vez que o projecto se
enquadra numa iniciativa de modernização escolar financiada por fundos comunitários.
Para os três anos, trata-se de um investimento na ordem dos 20 mil euros. Ainda assim,
para responsabilizar famílias e alunos, será definido um seguro pelo uso do
equipamento cujo valor "simbólico" ontem ainda não estava fechado. "Será seguramente
mais barato do que eram os livros", anunciaram aos pais, que já pouparam cerca de 300
euros em manuais.

O director Germano Bagão espera que a Acção Social venha a comparticipar o seguro
de famílias carenciadas, de acordo com os habituais escalões que apoiam a aquisição
dos manuais escolares. Mas admite que vai ter de ser a tutela a decidir e, em caso
negativo, a escola encontrará solução.

Em menos de meia hora, a pilha de tablets para alunos e professores vai baixando. Um,
pelo menos, fica agora por entregar: em arranque escolar, ironia que o director
reconhece, a escola ainda não tem professor de Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC). Até ao ano passado tinham uma professora efectiva, este ano
colocada através da mobilidade numa escola mais perto da casa. Pensaram que podiam
contratar um docente que fizesse esse trabalho mas também actividades de
enriquecimento curricular, a meias com a autarquia.

Como a solução foi recusada pela tutela, só na sexta-feira lançaram o anúncio para um
horário incompleto de 10 horas. "É óbvio que gostaria de ter já o professor de TIC, mas
estamos cá e os alunos não hão-de ficar sem aulas até vir o colega." Para Bagão, saber
se o projecto será um dia replicado a nível nacional é uma perspectiva que encheria a
escola de orgulho, mas admite que financiar tecnologia de ponta para todos os alunos é
um desafio considerável. Um desafio que já começou por terras de Cuba.

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