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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

ADAHRA CATHARINIE REIS MENEZES

A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO SOB A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES


NO ESTADO DE RORAIMA

BOA VISTA – RORAIMA


2015
ADAHRA CATHARINIE REIS MENEZES

A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO SOB A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES


NO ESTADO DE RORAIMA

Monografia apresentada ao Instituto de


Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), como pré-
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientadora: Profa. Msc. Ilaine Aparecida


Pagliarini

BOA VISTA – RORAIMA


2015
ADAHRA CATHARINIE REIS MENEZES

A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO SOB A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES


NO ESTADO DE RORAIMA

Monografia apresentada ao Instituto de


Ciências Jurídicas da Universidade
Federal de Roraima (UFRR), como pré-
requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito. Defendida em 22 de
março de 2016 e avaliada pela seguinte
banca examinadora:

________________________________________________________________
Profa. Msc. Ilaine Aparecida Pagliarini
Orientador / Instituto de Direito – Universidade Federal de Roraima

________________________________________________________________
Prof. André Paulo dos Santos Pereira
Universidade Federal de Roraima / Curso de Direito

________________________________________________________________
Profa. Denise Meneses Gomes
Universidade Federal de Roraima / Curso de Direito
Mulher da Vida/ Minha irmã/ De todos os
tempos/ De todos os povos/ De todas as
latitudes/ Ela vem do fundo imemorial das
idades/ E carrega a carga pesada/ Dos
mais torpes sinônimos/ Apelidos e ápodos:
Mulher da zona/ Mulher da rua/ Mulher
perdida/ Mulher à-toa/ Mulher da Vida,
minha irmã/ Pisadas, espezinhadas,
ameaçadas/ Desprotegidas e exploradas/
Ignoradas da Lei, da justiça e do direito.

(Cora Coralina, para o ano internacional da


mulher, 1975)
RESUMO

O presente estudo destina-se a analisar a lei 13.104 de 09 de março de 2015, que


tipificou a conduta do feminicídio, enquadrando-o como homicídio qualificado e
incluindo um novo rol de majorantes ao Código Penal, bem como ponderar a
necessidade da Lei do Feminicídio por meio de dados sobre o homicídio de mulheres
no Estado de Roraima, extraídos do Mapa da Violência 2015, e de casos
emblemáticos de homicídio de mulheres por questões de gênero em cinco municípios
de Roraima. Para tanto, utiliza-se de uma metodologia qualitativa, exploratória,
bibliográfica e documental. Primeiro, analisa-se o conceito de violência de gênero, a
qual é considerada um sinônimo de violência contra a mulher, por ser esta sua maior
vítima, e como a cultura do patriarcado serviu para legitimar esse tipo de violência,
num processo de inferiorização da mulher ante a figura masculina, passando por uma
abordagem dos marcos normativos nacionais e internacionais de combate à violência
de gênero. Em seguida, estuda-se o crime de feminicídio pontualmente, partindo-se
da análise de seus requisitos típicos e as mudanças acarretadas no Código Penal
Brasileiro. Discorre-se, ao final, sobre os dados alarmantes no Mapa da Violência
2015, Homicídio de Mulheres no Brasil, no qual Roraima figura em primeiro lugar no
ranking nacional, sendo o estado em que mais crescem as mortes de mulheres por
questões de gênero, e alguns casos marcantes em âmbito estadual.

Palavras-chave: Feminicídio. Violência de gênero. Lei do Feminicídio. Roraima.


ABSTRACT

This study aims to analyze the 11.104 law of March 9, 2015, which criminalized the
conduct of feminicide, framing it as aggravated homicide and including a new list of
upper bounds to the Brazilian Criminal Code, and to examine the need of the feminicide
law by data on the murder of women in the state of Roraima, extracted from the 2015
Violence Map, and emblematic cases of murder of women by gender in five
municipalities of Roraima. Therefore, it uses a qualitative methodology, exploratory,
bibliographical and documentary. First, we analyze the concept of gender violence,
which is considered a synonym for violence against women, as they are its greatest
victims, and how the patriarchal culture served to legitimize this kind of violence, in an
inferiorization process of woman at the male figure, going through an approach of
national and international laws to combat gender violence. Then, we study femicide
crime on point, starting from the analysis of its typical requirements and changes in the
Brazilian Criminal Code. At the end, this study talks about the alarming data on the
Map of Violence 2015 Murder of women in Brazil, where Roraima figure as the first
place in the country as the state wich deaths of women by gender most grow, and
some outstanding cases at the state level.

Keywords: Femicide. Gender violence. Law Femicide. Roraima.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 - Homicídio de mulheres, por UF e região. Brasil. 2003/2013 ............. 59


Tabela 2 - Taxa de homicídio de mulheres (por 100 mil), por UF e região. Brasil.
2003/20013 ............................................................................................................... 60
Tabela 3 - Taxas de homicídio de mulheres, por capital e região. Brasil. 2003/2013
................................................................................................................................... 64
Tabela 4 - Taxas de homicídio de mulheres (por 10 mil), por capital e região.
Brasil. 2003/2013 ..................................................................................................... 64
Tabela 5 - Comparação das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil) nas
UFs e em suas respectivas capitais. Brasil. 2013 ............................................... 66
Gráfico 1 - Ordenamento das UFs, segundo taxa de homicídios de mulheres por
(100 mil). Brasil. 2013
................................................................................................................................... 59
Gráfico 2 - Ordenamento das UFs, segundo taxas de homicídio de mulheres (por
100 mil). Brasil. 2013
................................................................................................................................... 61
Gráfico 3 - Crescimento % das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil).
Brasil. 2003/2013 ..................................................................................................... 61
Gráfico 4 - Crescimento % das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil).
Brasil. 2006/2013 ..................................................................................................... 62
Gráfico 5 - Taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil), por UF. Brasil. 2006 e
2013 .......................................................................................................................... 63
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09
1 VIOLÊNCIA DE GÊNERO.......................................................................................13
1.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL............................................................................ 13
1.2 PATRIARCADO: A LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER........ 16
1.3 OS TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ............................................. 21
1.3.1 Violência Física............................................................................................... 22
1.3.2 Violência Psicológica..................................................................................... 23
1.3.3 Violência Sexual.............................................................................................. 23
1.3.4 Violência Patrimonial...................................................................................... 24
1.3.5 Violência Moral................................................................................................ 25
1.4 MARCOS NORMATIVOS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO ............ 25
1.4.1 Âmbito Internacional...................................................................................... 25
1.4.2 Âmbito Nacional.............................................................................................. 29
2 A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO........................................................................ 32
2.1 O FEMINICÍDIO NA AMÉRICA LATINA............................................................... 32
2.2 O PROJETO DE LEI Nº 292/2013 OU LEI DO FEMINICÍDIO............................. 39
2.2.1 Antecedentes: 1992, 2003 e 2013................................................................... 39
2.2.2 A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a
Mulher....................................................................................................................... 40
2.3 A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO: LEI Nº 13.104 DE 09 DE MARÇO DE
2015........................................................................................................................... 44
2.3.1 Requisitos Típicos.......................................................................................... 45
2.3.1.1 Sujeito Passivo: Mulher.................................................................................. 46
2.3.1.2 Razão da Condição de Sexo Feminino ......................................................... 47
2.3.2 Causas de Aumento de Pena......................................................................... 50
2.3.3 O Feminicídio como Crime Hediondo........................................................... 53
2.3.4 Competência para o Julgamento de Feminicídio......................................... 55
3 O FEMINICÍDIO SOB A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES NO ESTADO DE
RORAIMA.................................................................................................................. 57
3.1 O MAPA DA VIOLÊNCIA 2015 E O HOMICÍDIO DE MULHERES POR
QUESTÕES DE GÊNERO......................................................................................... 57
3.2 CASOS EMBLEMÁTICOS .................................................................................. 67
3.2.1 Comarca de Boa Vista: João e Maria............................................................. 67
3.2.2 Comarca de Mucajaí: Ana e Pedro................................................................. 69
3.2.3 Comarca de Caracaraí: José e Tereza........................................................... 70
3.2.4 Comarca de Rorainópolis: Paulo, Carla e Joana.......................................... 71
3.2.5 Comarca de São Luiz do Anauá: Raul e Julia............................................... 72
3.2.6 Onde há amor, não há morte.......................................................................... 73
CONCLUSÃO............................................................................................................ 75
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 78
9

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende desenvolver uma análise acerca das mudanças


acarretadas no Código Penal Brasileiro com o advento da Lei 13.104 de 09 de março
de 2015, que incluiu o Feminicídio como mais uma qualificadora do crime de
homicídio, e incluiu novas majorantes na hipótese de cometimento do delito,
discutindo-se a necessidade da criação do dispositivo sob a ótica do homicídio de
mulheres no Estado de Roraima, por meio de dados levantados pelo Mapa da
Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil, e de casos emblemáticos de
homicídio de mulheres por questões de gênero em cinco municípios de Roraima,
analisando-se o tratamento dispensado a eles pelo poder judiciário estadual.

No dia 09 de março de 2015 foi sancionada a Lei nº 13.104, que trouxe


mudanças significativas ao art. 121, §2º do Código Penal, incluindo em seu rol de
qualificadoras o Feminicídio, qual seja o homicídio contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino, quando o crime envolver violência doméstica e familiar
e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher, com o objetivo de diminuir
a ocorrência de homicídios de mulheres no país somente por questões de gênero,
promovendo maiores resultados na luta pela igualdade de gênero no país, bem como
a realização de direitos humanos fundamentais.

A Lei ainda acrescentou ao artigo 121 do Código Penal o parágrafo 7º,


majorante que eleva de um terço até a metade se o crime for praticado durante a
gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14
10

(catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou na presença de


descendente ou de ascendente da vítima.

Em que pese a luta das mulheres por igualdade de gênero e as grandes


conquistas já alcançadas, ainda se percebe uma disparidade de tratamento na
sociedade entre homens e mulheres, intimamente ligado à cultura do patriarcado, uma
vez que estas são assassinadas somente por serem mulheres, sendo vítimas no seio
de sua própria família, dentro do ambiente doméstico e familiar.

Para buscar dirimir essas diferenças e criar mecanismos de prevenção e


coibição à violência doméstica e familiar contra a mulher, foi sancionada a Lei
11.340/2006 – Lei Maria da Penha, que apesar do sucesso ao tratar com mais rigor o
agressor e criar mecanismos de proteção, não conseguiu evitar que a violência
chegasse a sua última etapa, qual seja o homicídio da mulher.

Em razão disso, foi aprovada em 2011 no Congresso Nacional a instauração


da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, com o intuito de investigar a situação da
violência contra a mulher no país diante do agravante aumento do número de
homicídio de mulheres. A CPMI percorreu todo o país realizando levantamento de
dados e recomendações para cada Estado, incluindo o Estado de Roraima.

Do relatório da CPMI surgiu a proposta ao Congresso Nacional do projeto lei


n° 292/2013, batizado como a “Lei do Feminicídio”, alterando o Código Penal ao inserir
o feminicídio como mais uma qualificadora do art. 121, §2°, tendo sido a lei 13.104
sancionada em 09 de março de 2015, o que colocou o país entre os dezesseis países
da América Latina a tipificarem o crime.

Com a violência contra a mulher em destaque no país e no mundo, o Mapa


da Violência 2015 de Homicídio de Mulheres reuniu dados de todos os estados do
país entre os anos de 2003 e 2013, dando ênfase ao feminicídio, coletando dados
relacionados a morte de mulheres por questões de gênero e em situação de violência
doméstica e familiar. Nesse estudo, o Estado de Roraima tem destaque como o
primeiro no ranking de crescimento de homicídio de mulheres, e Boa Vista fica entre
as capitais que ocorreram mais mortes no período.
11

Portanto, a presente proposta de pesquisa justifica-se na necessidade de


discutir as implicações trazidas pela Lei do Feminicídio na legislação penal, uma vez
que o tema é bastante atual, passível, portanto, de críticas e discussões. Ademais, a
relevância social do tema faz parte do dia-a-dia de milhares de mulheres no Estado
de Roraima, vítimas de violência doméstica que alcança a cada ano índices maiores,
o que demonstra uma necessidade de se discutir políticas públicas mais eficazes para
o combate a violência de gênero no Estado.

Este trabalho tem por objetivo geral analisar pontualmente as mudanças


trazidas pela Lei 13.104, verificando os requisitos típicos do feminicídio no Código
Penal, bem como demonstrar a necessidade da criação da lei para promover a
igualdade de gênero e o combate à violência contra a mulher no Estado de Roraima.

Objetiva, ainda, apresentar o conceito de violência de gênero, discutir a


questão do patriarcado e da inferioridade da mulher, apresentar e analisar as
mudanças no Código Penal advindas com a tipificação do feminicídio, analisar os
dados e estatísticas de homicídio de mulheres por questões de gênero no Estado de
Roraima sob o enfoque do Mapa da Violência de Mulheres 2015, analisar casos
emblemáticos de homicídio de mulheres por questões de gênero no Estado de
Roraima, demonstrando-se a necessidade da criação da Lei do Feminicídio.

Para alcança-los, buscará explorar nos próximos três capítulos, os conceitos


básicos que permeiam o tema, de modo a demonstrar se a tipificação do feminicídio
atende ao fim proposto.

Inicialmente, o primeiro capítulo buscará definir conceitos fundamentais de


violência, sexo e gênero, estes últimos bastantes confundidos, para, em seguida,
discorrer sobre a cultura do patriarcado como legitimação da violência de gênero, bem
como dos tipos de violência contra a mulher elencados na Lei Maria da Penha,
dedicando uma seção aos marcos normativos internacionais e nacionais de
enfrentamento à violência de gênero.
12

O segundo capítulo será dedicado especificamente à tipificação do


feminicídio, realizando-se um panorama da tipificação na América Latina, por meio de
um estudo realizado por Damásio de Jesus, e explanando-se como se deu a
tipificação do crime no Brasil, bem como os requisitos típicos da lei e as mudanças
acarretas no Direito Penal Brasileiro.

Por fim, o último capítulo pretende expor dados relativos ao homicídio de


mulheres por questões de gênero no Estado de Roraima, analisando-se tabelas e
gráficos do Mapa da Violência 2015, Homicídio de Mulheres no Brasil, e analisando-
se, ainda, casos emblemáticos de feminicídio – leia-se homicídio de mulheres por
questões de gênero, em cinco municípios do Estado de Roraima, e o tratamento
dispensado a eles pelo sistema judiciário do Estado.

Assim, buscar-se-á, com a presente pesquisa, verificar as consequências da


tipificação do feminicídio, por meio de sua inclusão no Código Penal como forma de
homicídio qualificado.
13

1 VIOLÊNCIA DE GÊNERO

1.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

A violência tem se tornado um fato social que atinge países no mundo todo,
seja no âmbito interno ou externo, público ou privado, e por isso seu conceito está em
constante mudança, uma vez que diversas condutas passaram a ser consideradas
formas de violência (DAMÁSIO, 2015).

Robert Muchembled (2010) ensina que a palavra violência deriva do latim


“vis”, para indicar “força” ou “vigor”, e para caracterizar um ser humano “irascível” e
“brutal”, bem como para identificar uma relação de força com o intuito de submissão
e constrangimento de outro.

No senso popular, a violência apoia-se num conceito único, de que seria a


violação da integridade da vítima, seja ela física, psíquica, sexual ou moral (SAFFIOTI,
2004).

Joana Sueli De Lazari (1991, p. 75) assevera que:

[a violência] não deve ser vista como transgressão de normas, leis, mas
principalmente, como transformação de uma assimetria e de uma diferença,
numa relação de desigualdade marcada pela hierarquia, tendo em vista a
dominação, exploração e opressão, pelo lado mais forte. Isto conduz para a
consideração do ser humano como uma coisa e não como um sujeito,
estando ausentes, portanto, a atividade e a fala. Convém lembrar que na pura
relação de força a finalidade e a destruição de uma das partes, destruindo-se
também enquanto relação. Por outro lado, a violência pretende manter a
relação através da justiça mediatizada pela vontade de uma das panes que
consente na submissão a outra (1991, p. 75).

Quanto ao termo gênero, este é empregado para assinalar as relações sociais


entre o sexo masculino e feminino, rejeitando em seu conceito o determinismo
biológico, que consubstancia várias formas de submissão da mulher, como a ideia de
que a mulher nasceu para dar à luz e o homem possui força física superior (SCOTT,
1995).
14

Nesse sentido, entende Scott (1995, p. 75) que “o termo ‘gênero’ torna-se uma
forma de indicar ‘construções culturais’ – a criação inteiramente social de ideias sobre
os papéis adequados aos homens e às mulheres”.

A autora ainda distingue “gênero” de “sexo”, ao afirmar que:

O gênero tornou-se uma palavra particularmente útil, pois ele oferece um


meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais consignados às
mulheres e aos homens [...] O uso de ‘gênero’ põe a ênfase sobre todo um
sistema de relações que pode incluir o sexo, mas ele não é diretamente
determinado pelo sexo, nem determina diretamente a sexualidade (p.7). “O
gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as
diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar
significado às relações de poder. O gênero é um primeiro campo no seio do
qual, ou por meio do qual, o poder é articulado [...] Estabelecidos como um
conjunto objetivo de referências, os conceitos de gênero estruturam a
percepção e a organização concreta e simbólica de toda a vida social. Na
medida em que estas referências estabelecem distribuições de poder, o
gênero torna-se envolvido na concepção e na construção do poder em si
mesmo [...] O gênero é então um meio de decodificar o sentido e de
compreender as relações complexas entre diversas formas de interação
humana” (SCOTT, 1995, p.14-16)

Berenice Dias (2015, p. 49) esclarece que:

A distinção entre sexo e gênero é inciativa. Sexo está ligado a condição


biológica do homem e da mulher, perceptível quando do nascimento pelas
características genitais. Gênero é uma construção social, que identifica
papéis sociais de natureza cultural, e que levam a aquisição da masculinidade
e da feminilidade.

Da mesma forma, a antropóloga Gayle Rubin (1975) destaca que o preceito


de sexo/gênero é um conjugado por meio do qual o determinismo sexual biológico é
transformado pela própria atividade humana, e esta satisfaz suas necessidades
sexuais.

Assim, a compreensão de Rubin exclui indagações acerca do aspecto de


construção sócio-cultural do sexo. Portanto, este resguarda-se em sua “natureza”.
Gênero, ao contrário, fica acessível às transformações históricas e,
consequentemente, à agenda de lutas feministas (SENKEVICS, 2012 e HENNING,
2008).
15

A definição de gênero relaciona-se, portanto, com características da cultura


atribuídas a cada um dos sexos, baseando-se em uma construção cultural para a
definição de ser homem e ser mulher em uma determinada sociedade. O que é
estabelecido pela cultura como masculino só pode ser aferido partindo-se do feminino,
e vice-versa, determinando-se os modelos de masculinidade e feminilidade que serão
adotados como padrão dentro de uma sociedade. (GOMES, 2008).

Valéria Scarance Fernandes (2013), entende que o conceito de gênero parte


das desigualdades históricas, econômicas e sociais entre os sexos, e a forma como o
homem e a mulher se relacionam, naturalizando um modelo desigual que resulta em
submissão da mulher ao homem.

Caroline Peixoto Rodrigues, citada por Fernandes (2013, p. 92), explica a


existência de um aspecto de relação de poder inerente ao conceito de gênero,

O conceito de violência de gênero deve ser entendido como relação de poder


de dominação do homem e submissão da mulher. Ele demonstra que os
papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da
história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia induzem relações
violentas entre os sexos e indicam que a prática desse tipo de violência não
é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas.

Na mesma linha, Adriana Ramos de Mello (2015):

O conceito de gênero procura esclarecer as relações entre mulheres e


homens. Ele apareceu após muitos anos de luta feminista e de formulação
de várias tentativas de explicações teóricas sobre a opressão das mulheres.
A ideia de que existe uma construção social do ser mulher já estava presente
há muitos anos. Mas, permaneciam dificuldades teóricas sobre a origem da
opressão das mulheres, sobre como inserir a visão da opressão das mulheres
no conjunto das relações sociais, sobre a relação entre essa e outras
opressões, como, por exemplo, a relação entre opressão das mulheres e
capitalismo. Não existia uma explicação que articulasse os vários planos em
que se dá a opressão sobre as mulheres (trabalho, família, sexualidade,
poder, identidade) e, principalmente, uma explicação que apontasse com
mais clareza os caminhos para a superação dessa opressão.

Nessa baila, a dificuldade de se conceituar a violência de gênero é ainda


maior, uma vez que “são muito tênues os limites entre quebra de integridade e
obrigação de suportar o destino de gênero traçado para as mulheres” (SAFFIOTI,
2004, p. 75).
16

Assevera Saffioti (2004) que a subordinação da mulher já é, por si só, um


forma de violência de gênero, determinada por um sistema frágil que diferencia
poderes para homens e mulheres. Desse modo, a Autora conceitua violência como
toda ação capaz de violar direitos humanos.

A Declaração para a Eliminação da Violência Contra Mulheres (Nações


Unidas, 1993) versa em seu artigo primeiro que a violência de gênero corresponde a
“qualquer ato violento baseado no gênero que resulte em, ou é passível de resultar
em dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico”.

A violência de gênero caracteriza-se pela ação violenta em razão do gênero


das pessoas envolvidas, ou seja, a violência existe pelo fato de ser homem ou mulher.
Na opinião de Khouri (2012), “a expressão violência de gênero é quase um sinônimo
de violência contra a mulher, pois são as mulheres as maiores vítimas da violência”.

Como bem aponta Valéria Fernandes (2013, p. 98), “a cultura da violência


está associada nos dias atuais, ao caráter masculino, daí porque as mulheres figuram
em regra como vítimas, e não causadoras da violência”.

Concluem Maria Amélia Teles e Mônica de Melo (2002), que a violência de


gênero “(...) demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens,
consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia,
induzem relações violentas entre os sexos”.

1.2 PATRIARCADO: A LEGITIMAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Nas palavras de Simone de Beauvoir (1980, p. 9), em seu livro “O Segundo


Sexo”, “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Não é seu destino biológico que
determina o papel da fêmea na sociedade, “mas somente a mediação de outrem pode
constituir um indivíduo como outro”.

Entende a autora que uma criança não tem o discernimento de que é


sexualmente diferenciada de outra. A menina, por exemplo, “até os doze anos é tão
17

robusta quanto os irmãos e manifesta as mesmas capacidades intelectuais; não há


terreno em que lhe seja proibido rivalizar com eles”. (BEAUVOIR, 1980, p.9).

Butler (1999), citado por Bento Berenice (2006, p. 71), afirma que “o corpo
aqui é pensado como naturalmente dimórfico, como uma folha em branco, esperando
o carimbo da cultura, que, por meio de uma série de significados culturais, assume o
gênero”.

Logo, quem determina padrões comportamentais é a família, e os filhos os


incorporam e repetem na fase adulta naturalmente. Os meninos são educados para
serem fortes, impávidos e até agressivos se for o caso, e ensina-se que estes
possuem necessidades sexuais diferentes das mulheres, o que justifica a necessidade
de terem outros relacionamentos, ao passo de que a mulher deve ter fidelidade e
decoro, pois pertence ao seu companheiro (FERNANDES, 2013).

A mulher é tomada como sinônimo de família, sendo que, nesse ponto, não
existe qualquer menção ao pai. Ao se tentar viabilizar os processos culturais mediante
os quais o feminino está sempre no polo subordinado, invisibilizou-se o masculino,
naturalizando-o. (BERENICE, 2006, p. 73).

No conceito de Regina Lins (2011), o patriarcado é uma organização social


com base no poder do pai, em que os descentes e parentes seguem a linha do
masculino, e na qual as mulheres são consideradas inferiores e, como consequência,
subordinadas à sua dominação.

Em uma sociedade na qual a mulher ainda é obrigada, às vezes por si mesma,


a receber o sobrenome do marido ao casar-se, percebe-se que o patriarcado se
estabelece naturalmente, passando por vezes, despercebido.

O patriarcado é um sistema autoritário tão bem-sucedido que se sustenta


porque as pessoas subordinadas ajudam a estimular a subordinação. Ideias
novas são geralmente desqualificadas e tentativas de modificação dos
costumes são rejeitadas explicitamente, inclusive pelas próprias mulheres,
que, mesmo oprimidas, clamam pela manutenção de valores conservadores.
A abrangência da ideologia de dominação é ampla. Partindo da opressão do
homem sobre a mulher, a mentalidade patriarcal se estende a outras esferas
da dominação.” (LINS, 2011, p. 42-43).
18

Por um longo período da história, o patriarcado foi incontestavelmente aceito


por homens e mulheres. Ainda que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°,
inciso I e art. 226, §5°, tenha igualado homens e mulheres, a ideologia do patriarcado
continua existindo (DIAS, 2015).

John Stuat Mill, citado por Carole Pateman (1993, p. 240), em sua obra O
contrato sexual, aduz que o casamento “confere a uma das partes do contrato poder
legal e domínio sobre a outra pessoa, propriedade e liberdade de ação,
independentemente dos desejos e vontades da outra parte”.

E continua afirmando que para a mulher, “a posição de ‘esposa’ é a única que


sua criação, sua deficiência, de educação e de instrução, e as pressões legais e
sociais concretas deixam em aberto para elas” (MILL, apud PATEMAN, 1993, p. 241).

O pacto original é um contrato tão sexual como social, é sexual no sentido de


patriarcal – ou seja, o contrato estabelece o direito político dos homens sobre
as mulheres – e é também sexual no sentido de estabelecer um acesso
ordenado, para os homens, aos corpos das mulheres. O contrato está longe
de se opor ao patriarcado, é o meio através do qual se constitui o moderno
patriarcado. (PATEMAN, 1993, p. 02)

Portanto, a sexualidade se mostra como um ponto de passagem das relações


de poder entre homens e mulheres. (Foucault, 1988).

Segundo Gilles Lipovetsky (2000), existe um princípio universal que rege as


coletividades humanas desde tempos mais remotos, qual seja o princípio da divisão
segundo o sexo dos papéis desempenhados por homens e mulheres dentro de uma
sociedade. Contudo, este é acompanhado por outro princípio universal, que é o da
construção da hierarquia dos sexos, no qual o masculino sempre tem valor superior
ao feminino.

Em determinadas sociedades primitivas, a mulher detém direitos e poderes


em matéria de propriedade, vida doméstica, educação, mas não assumem cargos
altos, nem funções políticas, militares e sacerdotais que levem a um reconhecimento
19

social. “Apenas as atividades atribuídas aos homens são fonte de glória”


(LIPOVETSKY, 2000, p. 233).

Michael Rosaldo (1979), citado por Bento Berenice (2006), divide a sociedade
em dois campos incomunicáveis: o público e o doméstico. Isso explica a estrutura
hierárquica, binária e dicotômica dos gêneros, uma vez que o homem sempre ocupou
o polo em que se concentra a autoridade, o mundo público.

O que legitima essa diferenciação de papéis no gênero são valores


associados à divisão sexual nas esferas pública e privada (DIAS, 2015).

Nesse mesmo contexto, entende Damásio de Jesus (2015, p. 7) que,

Nas sociedades onde a definição de gênero feminino tradicionalmente é


referida à esfera familiar e à maternidade, a referência fundamental da
construção social do gênero masculino é sua atividade na esfera pública,
concentrador dos valores materiais, o que faz dele o provedor e protetor da
família. Enquanto atualmente, nessas mesmas sociedades, as mulheres
estão maciçamente presentes na força de trabalho e no mundo público, a
distribuição da violência reflete a tradicional divisão dos espaços: o homem é
a vítima da violência na esfera pública, e a violência contra a mulher é
perpetuada no âmbito doméstico, onde o agressor é, mais frequentemente, o
próprio parceiro..

Corroborando com esse pensamento, Daniel Wezer Lang (2001, p.461) expõe
que “os homens dominam coletiva e individualmente as mulheres. Esta dominação se
exerce na esfera privada ou pública e atribui aos homens privilégios materiais,
culturais e simbólicos”.

O espaço público sempre foi incumbido ao homem, enquanto a mulher foi


destinada à fronteira da família e do lar, o que resultou na formação de dois mundos:
um de dominação, externo e produtor, e outro de submissão, interno e reprodutor,
sendo outorgado ao macho, pela sociedade, o papel paternalista, o qual demanda
uma posição de submissão da fêmea. (DIAS, 2015).

Com os avanços da medicina, o surgimento de métodos contraceptivos, e


ainda, com as lutas e conquistas promovidas pelo movimento feminista, o modelo de
20

família sofreu uma redefinição. A mulher ingressando no mercado de trabalho e saindo


do lar, e o homem assumindo responsabilidades domésticas, acarretou um
distanciamento dos parâmetros de família preestabelecidos (DIAS, 2015).

Essa lógica de dependência diante dos homens, já não é o que rege mais
profundamente a condição feminina nas democracias ocidentais.
Desvitalização do ideal da mulher do lar, legitimidade dos estudos e do
trabalho femininos, direito de voto, “descasamento”, liberdade sexual,
controle da procriação: manifestações do acesso às mulheres à inteira
disposição de si em todas as esferas da existência, dispositivos que
constroem o modelo da “terceira mulher” (LIPOVETSKY, 2000, p. 233)

Apesar de todas essas mudanças, a inferiorização da mulher ainda está longe


de ser eliminada por completo,

“A mulher foi degradada, convertida em servidora, em escrava do prazer do


homem e em mero instrumento de reprodução. Esse rebaixamento da
condição da mulher, (...) tem sido gradualmente retocado, dissimulado e, em
alguns lugares, até revestido de formas mais suaves, mas de modo algum
eliminado.” (ENGELS, 1997, p. 75).

Segundo Maria Berenice Dias (2015, p. 26), “nesse contexto é que surge a
violência, justificada como forma de compensar possíveis falhas no cumprimento ideal
dos papéis de gênero”.

Para Dias (2015, p. 25), “venderam para a mulher a ideia de que ela é frágil e
necessita de proteção. Ao homem foi delegado o papel de protetor e provedor. Daí a
dominação, do sentimento de superioridade à agressão, é um passo”.

A própria sociedade é responsável por proteger a agressividade masculina,


ao respeitar sua virilidade e construir uma crença de sua superioridade. O homem
ainda é tomado como dono do corpo e da vontade da mulher.

“Essa errônea consciência de poder é que assegura a ele o suposto direito de


fazer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os membros da
família” (DIAS, 2015, p. 25).

Portanto, o patriarcado legitima a violência contra a mulher, uma vez que é


sustentado pela própria sociedade, partindo de uma construção universal e histórica
21

da superioridade masculina, em que, muitas vezes, a própria mulher inferioriza-se por


acha-lo natural.

Acostumada a realizar-se exclusivamente com o sucesso do par e o


desenvolvimento dos filhos, a mulher não consegue encontrar, em si, um
centro de gratificação própria. O medo, a dependência econômica, o
sentimento de inferioridade, de menos valia, decorrentes da ausência de
espaços de realização pessoal, impuseram-lhe a lei do silêncio. Nem sempre
é por necessidade, de sustento ou por não ter condições de prover sozinha a
própria subsistência que ela se submete e não noticia as agressões de que é
vítima. Em seu íntimo, se acha merecedora da punição por ter deixado de
cumprir as tarefas que acredita serem de sua exclusiva responsabilidade. Um
profundo sentimento de culpa a impede de usar a queixa como forma de fazer
cessar a agressão. Por isso, ainda é insignificante o número de denúncias da
violência ocorrida dentro do lar. (DIAS, 2015, p. 26).

1.3 OS TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Conceituada a violência de gênero, cumpre-se destacar os tipos de violências


perpetradas contra a mulher, uma vez que, em regra, entende-se por violência
somente a física. Apesar de esta ser a mais denunciada e divulgada, são diversas as
expressões que a violência pode ter, dentre as quais elencamos as trazidas no rol do
art. 7° da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, que versa:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre


outras:

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua


integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause


dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe
o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações,
comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição
contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a


presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a
impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure


retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos
22

de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos


econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure


calúnia, difamação ou injúria.

1.3.1 Violência física

A violência física acontece quando, para agredir, usa-se a força física ou de


arma que possa provocar ou não lesões, como por exemplo, socos, bofetadas,
empurrões, mordidas, tapas, chutes, cortes, queimaduras, fraturas, estrangulamento
ou lesões por armas ou objetos, entre outros.

Ensina Dias (2015) que não é necessário que a agressão deixe marcas
aparentes, pois o uso de força física que ofenda o corpo ou a saúde da vítima já é
uma vis corporalis.

Não é sempre que a agressão contra a mulher se inicia por violência física.
Na maior parte dos casos a agressão se inicia com violência moral e psicológica e
evolui para a agressão física, uma vez que a mulher já se encontra frágil e não
consegue opor resistência (FERNANDES, 2013).

A violência física está prevista em condutas como as dos art. 129 e 121, §2°,
VI do Código Penal Brasileiro (lesão corporal e feminicídio), bem como nas Lei de
Contravenções Penais (art. 21). Mônica de Melo e Maria de Almeida Teles, citadas
por Sanches e Pinto (2015, p. 79), destacam que

A prática da violência de gênero é transmitida de geração em geração, tanto


por homens quanto por mulheres. Basicamente tem sido o primeiro tipo de
violência em que o ser humano é colocado em contato direto. A partir daí, as
pessoas aprendem outras práticas violentas. E ela torna-se de tal forma
arraigada no âmbito das relações humanas que é vista como se fosse natural,
como se fizesse parte da natureza humana. A sociedade legitima tais
condutas violentas e, ainda nos dias de hoje, é comum ouvir que “as mulheres
gostam de apanhar”. Isso dificulta a denúncia e a implantação de processos
preventivos que poderão desarraigar por fim a prática da violência de gênero.
A erradicação da violência social e política passa necessariamente pelo fim
da violência de gênero, que, sem dúvida, dá origem aos demais tipos de
violência.

1.3.2 Violência psicológica


23

A violência psicológica foi incorporada na legislação brasileira como violência


contra a mulher pela Convenção de Belém do Pará. Ela consiste em uma agressão
emocional, que é tão ou mais grave que a agressão física, e ocorre quando o agente
ameaça, rejeita ou discrimina a vítima, sentindo prazer em ver a vítima com medo e
diminuída. É a chamada vis compulsiva (DIAS, 2015).

Via de regra, a conduta típica desse tipo de violência é o crime de ameaça,


previsto no art. 147 do Código Penal, mas nada impede que outras condutas recaiam
sobre a violência psicológica. Nas palavras de Jones Figueiredo Alves (2014),

De ver que a cláusula “qualquer outro meio”, contida no dispositivo, implica


em refletir situações não taxativamente previstas, uma delas podendo ser
considerada a própria dependência econômica da mulher, que sirva de causa
eficiente e deliberada para a dominação psicológica. No viés, é também
causa determinante de dominação a que se submete a mulher por
insegurança quanto a manutenção de sua própria subsistência.

Para Tânia Rocha Andrade Cunha (2007), a mulher vítima é mantida sempre
com medo das atitudes do agressor, seja em relação a ela própria, a algum familiar,
especialmente os filhos, amigos, objetos pessoais, animais de estimação e etc.

Assevera a autora que “por ter uma continuidade no tempo e, muitas vezes,
não ser identificada pela vítima, é de mais difícil reconhecimento, na medida em que
não deixa marcas visíveis no corpo da vítima” (CUNHA, 2007, p. 101).

Esse tipo de violência deixa dores na alma, razão pela qual suas
consequências são mais graves. “Muitos companheiros se utilizam de xingamentos,
palavras depreciativas para reduzir sua companheira a uma condição inferior,
enquanto ele se coloca em um patamar de superioridade” (DIAS, 2015, p. 73).

1.3.3 Violência sexual

O “débito conjugal” era o termo utilizado no meio jurídico para determinar o


“dever” da esposa de ter relações sexuais com seu marido, questionando-se se
24

ocorria estupro entre o casal, uma vez que cabia à esposa o dever de submeter-se à
prática sexual (SCARANCE, 2013).

No mesmo sentido, assevera Maria Berenice Dias,

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência


Doméstica também reconheceu a violência sexual como violência contra a
mulher. Ainda assim, historicamente sempre houve resistência em admitir a
ocorrência de violência sexual no âmbito dos vínculos afetivos. A tendência
ainda é identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do
casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a
exercer um direito. Aliás, a horrível expressão “débito conjugal” parece
chancelar tal proceder, como se a mulher tivesse o dever de submeter-se ao
desejo sexual do par. (2015, p. 74).

Com as mudanças na sociedade e na legislação penal, substituiu-se o


entendimento de “débito” para a “liberdade sexual”, bem tutelado no Código Penal
Brasileiro no que diz respeito à dignidade sexual. (SCARANCE, 2013). São condutas
que configuram crime de estupro, entre outros (SANCHES e PINTO, 2015).

A dificuldade em identificar esse tipo de violência reside no fato de que a


vítima, muitas vezes por medo ou vergonha, deixa de denunciar,

Casos de abuso sexual ocorrem em condições de dependência material e


emocional do papel de filha ou submissa, que tornam, nesse caso, a questão
da denúncia um problema e não uma solução. Daí a razão do reduzido
número de acusações. (DAMÁSIO, 2015, p. 9).

Tânia Rocha Andrade Cunha (2007) destaca que, pelo decorrer da história, o
corpo da mulher é tratado pelos homens como sua propriedade, que tem como base
o pensamento de supremacia do homem sobre a mulher, e na visão de que a
sexualidade se respalda nessa mesma supremacia. Desse modo, a violência sexual
praticada no âmbito de relação conjugal, relaciona-se com o uso do autoritarismo do
homem, que obriga a mulher a ter relações sexuais, e por causa dessa cultura, as
mulheres autorizam o ato sem vontade, acreditando ser essa sua obrigação.

1.3.4 Violência patrimonial


25

Sobre a violência patrimonial, aduz Fernandes (2013, p. 129) que esta rompe
com o conceito de violência como agressão física, sendo adotada como a “conduta
violadora dos direitos patrimoniais da mulher. Violência é, então, violação dos direitos
da mulher e não agressão física”.

Rogério Sanches e Batista Pinto (2015, p. 87) conceituam violência


patrimonial como a conduta que “configure retenção, subtração, destruição parcial ou
total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades”. Por isso, este tipo de violência dificilmente se apresenta apartado das
demais, sendo, frequentemente, um meio para agredir fisicamente, ou
psicologicamente a mulher.

A conduta recai nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro,


como furto, dano, apropriação indébita, entre outros.

1.3.5 Violência moral

Sanches e Pinto (2015) conceituam a violência moral como sendo os delitos


que protegem a honra,

A violência verbal, entendida como qualquer conduta que consista em calúnia


(imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso),
difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso) ou
injúria (atribuir à vítima qualidades negativas), normalmente se dá
concomitantemente à violência psicológica.

Esta é uma das formas mais usadas para dominação da mulher, por meio de
xingamentos públicos e privados, denegrindo sua autoestima e expondo a mulher
perante seus amigos e familiares, o que contribui para seu silêncio (FERNANDES,
2013).

1.4 MARCOS NORMATIVOS DE COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

1.4.1 Âmbito Internacional


26

Após as considerações acerca da violência de gênero, faz-se necessário uma


exposição dos marcos normativos em âmbito nacional e internacional que
demonstram o compromisso de vários países, bem como do Brasil, em combater esse
tipo de violência, por meio de leis internas e tratados internacionais de direitos
humanos, colocando a mulher como enfoque central na discussão de políticas
públicas e legislação.

No âmbito do Direito Internacional, produziu-se uma enorme evolução acerca


dos direitos das mulheres, por meio de instrumentos que partem de uma interpretação
de igualdade formal entre homens e mulheres, até aqueles que abarcam a
desigualdade e discriminação das mulheres, e a necessidade de se revisar o modo
como seus direitos são tratados (VÁSQUEZ, 2009).

A ONU já reconheceu a violência contra a mulher como forma de violação aos


direitos humanos, e trouxe garantias de proteção a mulher por meio de acordos
internacionais, realizando no México a I Conferência Mundial sobre a Mulher,
proclamando o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher, e de 1975 a 1985 a
Década das Nações Unidas Para a Mulher (DIAS, 2015).

Da Conferência no México, resultou a Convention on the Elimination of all


forms of Discrimination Against Women – CEDAW, em português a chamada
Convenção sobre eliminação de todas as formas de Discriminação Contra as
Mulheres, ou Convenção da Mulher, adotado pela Assembleia Geral da ONU em 18
de dezembro de 1979, entrando em vigor em 03 de setembro de 1981 (DIAS, 2015).

Na CEDAW, os países signatários devem tomar uma gama de medidas e


ações no intuito de alcançar a igualdade plena entre homens e mulheres, em áreas
como trabalho, saúde, educação, capacitação, emprego, dentre outras necessidades
(VÍLCHEZ, 2008).

É o que versa o artigo 3º da Declaração (Nações Unidas, 1979):

Os Estados Partes tomarão, em todas as esferas e, em particular, nas esferas


política, social, econômica, e cultural, todas as medidas apropriadas, inclusive
de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e progresso
27

da mulher, com o objetivo de garantir-lhe o exercício e gozo dos direitos


humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o
homem

Pastili Toledo Vásquez (2008, p. 39) assevera que,

Da análise inicial sobre a discriminação a partir da equiparação com os


direitos dos homens – que são tomados como paradigma –, deu-se lugar a
uma interpretação a partir da realidade de subordinação e submissão que
vivem as mulheres no mundo, sem que necessariamente existam um
equivalente direto e imediato com o direito dos homens, ou seja, não se trata
de apenas conseguir o reconhecimento dos mesmos direitos que a eles foram
reconhecidos historicamente – direito ao voto, ao trabalho, a participação
política, a mesma remuneração, etc. – mas também do reconhecimento de
direitos que surgem a medida em que se consideram as características
próprias da realidade das mulheres, por exemplo, em relação a questões
relacionadas a violência e ao aborto.

Apesar de a Convenção não ter expressamente previsto a questão da


violência de gênero, esta “deve ser tomada como parâmetro mínimo das ações
estatais para promover os direitos humanos das mulheres” (DIAS, 2015, p. 39).

Em 1980 ocorreu em Copenhague na Dinamarca a II Conferência Mundial


sobre a Mulher, que incrementou o Plano elaborado na primeira conferência,
incorporando novas preocupações. A III Conferência realizou-se em Nairóbi, no
Quênia em 1985, e avaliou os objetivos traçados para a década da mulher.

Mas, segundo Maria Berenice Dias (2015, p. 39), “foi a Conferência de Direitos
Humanos das Nações Unidas, realizada em Viena, Áustria, no ano de 1993, que
definiu formalmente a violência contra a mulher como violação de direitos humanos”.

A IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, em 1995 resultou na Plataforma de


Pequim, identificando a violência contra as mulheres como uma das 12 áreas críticas
de preocupação, requerendo ações a fim de atingir a igualdade, o desenvolvimento e
a paz (SENADO FEDERAL, p. 29).

O Brasil está entre os países signatários desses instrumentos internacionais


de proteção aos direitos humanos das mulheres, no âmbito global e regional.
Destacam-se em âmbito global a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra a Mulher – Convenção CEDAW - e seu Protocolo Facultativo,
28

a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a Convenção


Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial
(SENADO FEDERAL, p. 29).

No âmbito regional, o Brasil é signatário da Convenção Interamericana para


Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como
Convenção de Belém do Pará. Ela foi aprovada pela Assembleia Geral da
Organização dos Estados Americanos - OEA e trouxe em seu art. 1° o conceito de
violência contra a mulher, sendo ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 e
promulgada em 1996, como o Decreto 1.973/96 (DIAS, 2015).

A Convenção ainda determinou que toda mulher tem direito ao


reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades
consagrados pelos instrumentos regionais e internacionais que tratem sobre o
assunto. Os países signatários assumiram, dentre outras recomendações, a
obrigação de legislar pela prevenção e erradicação da violência contra a mulher.
(VÍLCHEZ, 2008, p. 10). É o que versa o artigo 8 da Convenção de Belém do Pará
(1994):

Artigo 8
Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas
específicas, inclusive programas destinados a:
a. promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida
livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus
direitos humanos;
b. modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e mulheres,
inclusive a formulação de programas formais e não formais adequados a
todos os níveis do processo educacional, a fim de combater preconceitos e
costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da inferioridade
ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para
o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a violência contra a
mulher;
c. promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário e policial
e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como do
pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição
e erradicação da violência contra a mulher;
d. prestar serviços especializados apropriados à mulher sujeitada a violência,
por intermédio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos,
serviços de orientação familiar, quando for o caso, e atendimento e custódia
dos menores afetados;
e. promover e apoiar programas de educação governamentais e privados,
destinados a conscientizar o público para os problemas da violência contra a
mulher, recursos jurídicos e reparação relacionados com essa violência;
29

f. proporcionar à mulher sujeitada a violência acesso a programas eficazes


de reabilitação e treinamento que lhe permitam participar plenamente da vida
pública, privada e social;
g. incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas
de divulgação, que contribuam para a erradicação da violência contra a
mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da
mulher;
h. assegurar a pesquisa e coleta de estatísticas e outras informações
relevantes concernentes às causas, consequências e frequência da violência
contra a mulher, a fim de avaliar a eficiência das medidas tomadas para
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como formular e
implementar as mudanças necessárias; e
i. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e
experiências, bem como a execução de programas destinados à proteção da
mulher sujeitada a violência.

Estes instrumentos em âmbito internacional estabeleceram direitos e


obrigações a serem observados por seus Estados signatários, incluindo o Brasil, de
modo a criar todo um sistema normativo internacional de proteção às mulheres.

1.4.2 Âmbito Nacional

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, elenca direitos e garantias


fundamentais como o direito à vida, à igualdade, à propriedade, etc. Ainda, em seu
inciso I, o artigo estabelece que homens e mulheres são iguais em direitos e
obrigações.

Sobre a isonomia de que trata o artigo, ensina José Afonso da Silva (2008, p.
220):

Importa mesmo é notar que é uma regra que resume décadas de lutas das
mulheres contra discriminações. Mais relevante ainda é que não se trata aí
de mera isonomia formal. Não é igualdade perante a lei, mas igualdade em
direitos e obrigações.

A Constituição Federal de 1988 também proclama em seu artigo 226 “que a


família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e assegura no § 8º do
mesmo artigo que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um
dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações”.
30

No campo infraconstitucional, a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 2006 –


é a pedra angular no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Com
a edição da Lei, o Estado brasileiro firmava o compromisso internacional e
constitucional de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Nas lições de Fernandes (2013, p. 84):

A Constituição Federal de 1988, atenta aos movimentos de valorização


da mulher, previu textualmente a igualdade de homens e mulheres em
direitos e obrigações. E, o reconhecimento desta igualde formal foi o
primeiro passo, retirando do ordenamento diferenças discriminatórias.
Contudo, a efetividade da igualde exige algo mais. (...) A igualdade
entre homens e mulheres somente tem efetividade (...) se reconhecida
a posição jurídica de cada um e se houver instrumentos de tutela que
permitam a realização prática desta igualdade. A Lei 11.340/2006
definiu a posição jurídica da vítima e criou este instrumento de tutela,
um sistema interdisciplinar de enfrentamento e prevenção à violência.

Segundo a ONU, 7 em cada 10 mulheres no mundo já foram ou serão


violentadas em algum momento da vida. No Brasil, entre 2000 e 2010, 43,7 mil foram
assassinadas, das quais cerca de 41% foram mortas em suas próprias casas, muitas
pelos companheiros ou ex-companheiros, com quem mantinham ou haviam mantido
relações íntimas de afeto e confiança. Entre 1980 e 2010, o índice de assassinatos de
mulheres dobrou no país, passando de 2,3 assassinatos por 100 mil mulheres para
4,6 assassinatos por 100 mil mulheres. Esse número coloca o Brasil na sétima
colocação mundial em assassinatos de mulheres, figurando, assim, entre os países
mais violentos do mundo nesse aspecto1.

Apesar de não resolver, por si só, o problema da violência estrutural no país,


a Lei Maria da Penha expôs um Brasil que ainda subordina suas mulheres ao poder
do patriarcado. Dessa forma, despontou como um avanço simbólico no discurso
político que deu visibilidade a uma realidade que ficava escondida no ambiente
doméstico.

Oliveira; Santos (2014, p. 3766) observam que:

1http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/77282-aumento-da-pena-para-feminicidio-da-maior-protecao-a-
mulher-avalia-conselheira
31

A Lei Maria da Penha deve ser vista como um início na luta pela igualdade
de gênero e pela universalização dos direitos humanos, que naturalmente
incluem o direito à integridade física e o direito à vida. Uma das continuações
necessárias dessa trajetória é o combate ao feminicídio, visto que os dados
da violência letal contra mulheres são alarmantes.

Portanto, a Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência


doméstica e familiar contra a mulher, instituiu a criação de Juizados Especializados
em Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e estabeleceu uma série de
medidas de proteção e assistência.
32

2 A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO

O sucinto panorama do quadro de violência contra o sexo feminino no mundo


inteiro permite constatar, sem margem de dúvidas, que independentemente da sua
idade, cor da pele, status social, quer sejam casadas ou solteiras, milhares de
mulheres em todo o mundo são vítimas de violência de gênero.

Como já fora exposto no presente trabalho, isso implica dizer que, as formas
patriarcais de pensamento e dominação ainda levam as mulheres a serem vítimas de
violência apenas pelo fato de serem mulheres. Essa violência, como foi visto, pode
ser psicológica, física, verbal, econômica, patrimonial e feminicídio; este último como
resultante fatal da morte violenta de mulheres.

Nesse sentido, esclarecem Oliveira; Santos (2014, p. 3764):

Justificada socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo


homem e estimulada pela impunidade e indiferença da sociedade e do
Estado, a última forma de violência contra a mulher – o homicídio, aparece
de forma cada vez mais presente na sociedade. O assassinato de mulheres
pela condição de serem mulheres é chamado de “feminicídio”. É também
utilizados os termos “femicídio” ou “assassinato relacionado a gênero” para
se referir a um crime de ódio contra as mulheres.

Flávia Piovesan (2012, p. 301) complementa que:

A realidade brasileira revela um grave padrão de desrespeito aos mais


elementares direitos humanos de que são titulares as mulheres, mais da
metade da população nacional. Destacam-se, no quadro das graves
violações aos direitos humanos das mulheres: a) a violência contra a mulher;
b) a discriminação contra as mulheres; e c) a violação aos direitos sexuais e
reprodutivos. Estes são os principais vértices que compõem a agenda
feminista brasileira no contexto da consolidação democrática. No dizer de
Jacqueline Pitanguy: “As últimas décadas do século 20 foram caracterizadas
por um processo de consolidação da nova linguagem dos direitos humanos,
que passou a contemplar também preocupações com a cidadania feminina e
as relações de gênero. Paralelamente à ampliação do espaço institucional
ocupado pela questão dos direitos humanos em todo mundo, verificou-se a
incorporação de novas dimensões nessa agenda: assuntos como
reprodução, violência e sexualidade começaram a fazer parte das
discussões. No Brasil, os debates em torno de uma moderna concepção de
humanidade, não mais calcada apenas na figura abstrata do homem,
impulsionaram a adoção de políticas públicas e leis nos campos da saúde
sexual e reprodutiva, do trabalho, dos direitos políticos e civis e da violência
de gênero”.

2.1 O FEMINICÍDIO NA AMÉRICA LATINA


33

A penalização do feminicídio na América Latina é um tema recente, e vem


sendo realizado por diferentes instrumentos, como a tipificação do delito por meio da
reforma do código penal vigente nos países, ou com o estabelecimento de agravantes
para o assassinato de mulheres por motivação de gênero – a exemplo do Brasil.

Em 2014, o relatório da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL)


sobre feminicídio apontava que 88 mulheres haviam sido assassinadas por seus
parceiros ou ex-parceiros na Colômbia; 83, no Peru; 71, na República Dominicana;
46, em El Salvador; 25, no Uruguai; 20, no Paraguai; e 17, na Guatemala. As cifras
demonstram a urgência do tema e o quão distante se está de resolver o problema da
violência de gênero nesses países:

Países como México, Guatemala, Chile, El Salvador, Peru, Nicarágua e


Argentina já incorporaram a figura do feminicídio às suas legislações penais.
No nível internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) indicou que
seus países membros tomassem ações nesse sentido, para reforçar suas
legislações e assim, garantir a devida investigação e punição dos agressores
(OLIVEIRA; SANTOS, 2014, p. 3766).

Colocada a questão, e atentos às condições dos sujeitos envolvidos, importa


verificar o tratamento que o feminicídio tem recebido nesses países. Tal paralelo
auxilia na construção de algumas premissas basilares para o reconhecimento desse
direito, o qual será desenvolvido mais à frente.

Os dados aqui apresentados foram compilados por Damásio de Jesus (2015)


e Ana Isabel Garita Vílchez (2008), através de estudos realizados pelos autores em
fontes governamentais oficiais e ONGs relacionadas à causa da violência contra
mulheres.

Nesse quadro, porém, torna-se importante frisar que as estatísticas oficias


ainda são rarefeitas, contabilizadas sem rigor, e sobre as quais os sistemas judiciários
costumam ser lentos, especialmente quando o acusado é homem. Assim, Damásio
de Jesus (2015, p. 21) esclarece:

Ressalta-se, pois, a dificuldade na comparação desses dados entre os


países. De modo geral, não há dados recentes disponíveis, o que se atribui à
34

demora na sua compilação e no tratamento pelos órgãos e autoridades


competentes de cada país.

Argentina

Na Argentina, uma mulher morre a cada 31 horas por feminicídio2. Conforme


os apontamentos levantados por Damásio de Jesus (2015), uma média anual de 3.500
casos de violência doméstica tem sido atendida pelo Centro Municipal de la Mujer de
Vicente López de Buenos Aires e aproximadamente 5.000 pessoas, em sua maioria
vítimas de violência conjugal e abuso sexual, são atendidas anualmente no Centro de
Atenção a Vítimas da Cidade de Córdoba. Todavia, as condenações por delitos
sexuais oscilam entre 500 e 700 anuais, cerca de 10% dos casos denunciados:

Entre os casos mais chocantes, está o assassinato da professora de jardim


de infância María Eugenia Lanzetti, de 44 anos, separada de um marido
obsessivo, contra quem pesava uma ordem judicial de afastamento. María
chegou a instalar um botão antipânico em seu celular. Essas medidas não
foram suficientes para evitar o pior. Na manhã de 15 de abril passado, o ex-
marido de María Eugenia entrou na sala e cortou o pescoço dela na frente
das crianças. A tragédia aconteceu na província de Córdoba. Outro crime que
comoveu o país foi a morte de uma adolescente de 14 anos que teria sido
assassinada e enterrada pelo namorado, que a obrigou a abortar 3.

Com uma Lei promulgada em dezembro de 2012, a qual modificou a redação


do artigo 80 do Código Penal argentino4, o delito passou a ter pena de reclusão ou
prisão perpétua (VÍLCHEZ, 2008).

Bolívia

De um total de 7.307 casos de violência doméstica denunciados entre 1994 e


1998 na Bolívia, 93% correspondem à violência intrafamiliar, entre os quais destacam-
se casos de tortura ou abandono de mulher grávida, prostituição, sequestro,

2 TERRA. Feminicídio: vidas em risco na América Latina. Disponível em:


<http://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/feminicidio-vidas-em-risco-na-america-latina,fb3ac7
316af1442cef934f8ba6efabd115u1RCRD.html>. Acesso em 27 fev. 2016.
3 Idem.
4 A reforma da Lei acrescentou o inciso 11 ao art. 80. In verbis: “Art, 80: Se impondrá reclusión perpetua

o prisión perpetua, pudiendo aplicarse lo dispuesto en el artículo 52, al que matare: (...) 11. A una mujer
cuando el hecho sea perpetrado por un hombre y mediare violencia de género”. Disponível em:
<http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/15000-19999/16546/texact.htm#15>. Acesso em 27
fev. 2016.
35

perseguição sexual ou incesto. Os feminicídios tiveram principalmente adolescentes


como vítimas, e as tentativas de estupro e casos consumados envolveram, em 80%
dos casos, mulheres entre 11 e 20 anos de idade (DAMÁSIO DE JESUS, 2015).

Frente a esse quadro, em março de 2013, foi sancionada a Lei Integral para
Garantir às Mulheres uma vida livre de violência5, a qual incorporou no Código Penal
boliviano o delito do feminicídio. A pena atual é a de reclusão de 30 anos, sem direito
a recurso.

Chile

Nos dados apresentados por Damásio de Jesus (2015, p. 24), estima-se que
metade da população de mulheres chilenas sofram alguma forma de violência, seja
ela física, sexual ou psicológica.

Entre as vítimas, de 25% a 32% já foram estapeadas, arrastadas ou levaram


surras. As formas de violência física englobam, ainda, tentativa de queimaduras,
estrangulamentos e ameaças e agressões com armas de fogo.

Nos crimes sexuais, são registrados anualmente 4.500 abusos, os quais


envolvem, em cerca de 80% dos casos, crianças e adolescentes. Metade desses
crimes permanece sem punição. Essa espécie de violência também foi percebida
entre mulheres casadas ou em regime de união estável, as quais são forçadas à
prática de atos sexuais pelos próprios companheiros (DAMÁSIO DE JESUS, 2015).

As violências sofridas pelas mulheres chilenas afetam não apenas a suas


saúdes físicas, como também a sua renda: mulheres que não são vítimas de violência
física grave ganham em média de US$ 385 por mês, enquanto aquelas que sofrem
dessa violência só ganham em média US$ 150 (VÍLCHEZ, 2008).

5Disponível em: <http://www.cepal.org/oig/doc/LeyesViolencia/BOL/2013_BOL_Ley348.pdf>. Acesso


em 27 fev. 2016.
36

A Lei nº 20.480, de 14 de dezembro de 2010, com vigência desde o dia 18 do


mesmo mês e ano, reformou o artigo 390 do Código Penal chileno 6, estendendo a
pena de reclusão para 40 anos de prisão efetiva antes da tentativa de redução (prisão
perpétua qualificada). Contudo, a legislação nacional ainda deixou lacunas
prejudiciais às mulheres, pois apesar de haver previsão legal de que as denúncias
sejam realizadas por terceiros, estas devem ser ratificadas pela mulher que foi vítima,
a qual – por motivos diversos, como o medo e a vergonha –, nem sempre está disposta
a enfrentar o seu agressor e a sociedade. (DAMÁSIO, 2015).

Colômbia

Na Colômbia, o número de denúncias de violência doméstica em todo o país,


entre 1996 e 2000, aumentou em 17.134 casos. Desse total, 79% foram mulheres
entre 25 e 34 anos.

Ademais, a situação colombiana envolvendo o tráfico de drogas e a


dominação de grupos de guerrilhas e paramilitares, como a Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (FARC), tem agravado a questão do feminicídio
(VÍLCHEZ, 2008).

Segundo Damásio de Jesus (2005, p. 28), nos últimos 10 anos, milhares de


colombianos fugiram de ameaças e assassinatos cometidos por guerrilheiros,
massacres paramilitares e violência generalizada que levaram ao tráfico de drogas:

Na maioria dos casos, as mulheres que suportam todo o peso da


situação decorrente da violência. Muitas delas são viúvas com filhos
pequenos, analfabetos ou com pouca educação, que têm de assumir a
responsabilidade de cuidar das crianças e preservar a unidade familiar.

A fim de combater o problema, o Parlamento da Colômbia aprovou uma lei –


conhecida como Lei Rosa Elvira Cely em homenagem póstuma a uma vítima de
violência de gênero – que reformou o Código e Procedimento Penal colombiano, com

6 A reforma acrescentou o seguinte trecho no art. 390, in verbis: “(...) Si la víctima del delito descrito en
el inciso precedente es o ha sido la cónyuge o la conviviente de su autor, el delito tendrá el nombre de
femicidio”. Disponível em: <http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=1984>. Acesso em 28 fev. 2016.
37

a modificação do artigo 104 do diploma legal7, que culmina penas de até 50 anos de
prisão a quem comete um feminicídio.

Costa Rica

Cerca de 67% das costarriquenhas maiores de 15 anos já sofreram ao menos


um incidente de violência física ou sexual em algum momento da sua vida. A maioria
das agressões é de homens conhecidos pelas mulheres, incluindo parceiros e
familiares (DAMÁSIO DE JESUS, 2015).

Entre os anos de 1998 e 1999 foram registrados mais de 46.074 pedidos de


medidas de proteção para a violência doméstica, e em 2000, a linha Quebre o Silêncio,
do Instituto Nacional das Mulheres, recebeu 12.183 chamadas, das quais 94% foram
para solicitar apoio às mulheres afetadas pela violência (DAMÁSIO DE JESUS, 2015).

Em um estudo realizado entre 5.000 mulheres costarriquenhas pelo Woman


Are Not Alone, apontado por Damásio de Jesus (2015), verificou-se ainda que a
gravidade das agressões sofridas pelas mulheres resulta em perigo de morte: elas
são atacadas ou ameaçadas com armas de fogo, com facas, com vidros e até com
queimaduras. Mais da metade relataram ter sentindo perigo de morrer nas mãos do
agressor, enquanto 47% pensaram ou tentaram o suicídio, como resultado da
violência sofrida. Por fim, 48% dessas mulheres afirmaram que nunca saíam de casa
por medo de morrer.

A Lei nº 8.589, de 25 de abril de 2007, vigente desde 30 de maio do mesmo


ano, sancionou pena de prisão de 20 a 35 anos nos crimes de feminicídio, e
desqualificação de 1 a 12 anos (VÍLCHEZ, 2008).

7 In verbis: “Artículo 104. Circunstancias de agravación. [Penas aumentadas por el artículo 14 de la ley
890 de 2004] La pena será de cuatrocientos (400) a seiscientos (600) meses de prisión, si la conducta
descrita en el artículo anterior se cometiere: 1. [Modificado por el artículo 26 de la Ley 1257 de 2008]
En los cónyuges o compañeros permanentes; en el padre y la madre de familia, aunque no convivan
en un mismo hogar, en los ascendientes o descendientes de los anteriores y los hijos adoptivos; y en
todas las demás personas que de manera permanente se hallaren integradas a la unidad doméstica”.
Disponível em: <http://perso.unifr.ch/derechopenal/assets/files/legislacion/l_20130808_01.pdf>.
Acesso em 28 fev. 2016.
38

El Salvador

Os dados apresentados em El Salvador também são alarmantes. Entre 1995


e 1998, o Programa de Saneamento das Relações Familiares atendeu 11.313 casos
de violência doméstica, 11.691 de abusos contra menores, 14.798 de aconselhamento
e atenção emocional e 1.134 de crimes sexuais. As autoridades não descartam a
possibilidade de que os assassinatos de mulheres aconteçam no marco de uma
campanha de extermínio (DAMÁSIO DE JESUS, 2015, p. 32).

Entre os delitos, destacam-se os crimes contra a vida e contra a integridade


pessoal, contra os costumes e contra a liberdade sexual, contra a liberdade pessoal e
moral, contra a inviolabilidade do domicílio, contra a propriedade e contra os
interesses jurídicos da família.

A Lei especial integral para uma vida livre de violência para as mulheres, nº
520, de 25 de novembro de 2010, vigente a partir de 1º de janeiro de 2012, culminou
pena de prisão de 20 a 35 anos, estendendo até 50 anos, na modalidade agravada
do crime.

Equador

De cada 10 equatorianas, 6 são vítimas de algum de tipo de violência.


Atualmente, frente a gravida de situação, foram criadas delegacias especializadas em
denúncias de maus-tratos no ambiente familiar. Estas recebem cerca de 500
acusações diárias por violência de algum tipo, nas quais 97% das vítimas são
mulheres e meninas (DAMÁSIO DE JESUS, 2015, p. 33).

A reforma do Código Orgânico Integral Penal do Equador, em vigor desde 10


de agosto de 2014, modificou a redação do artigo 141 do diploma8, impondo penas de
reclusão mais severas, de 22 a 26 anos (VÍLCHEZ, 2008).

8 In verbis: “Artículo 141.- Femicidio.- La persona que, como resultado de relaciones de poder
manifestadas en cualquier tipo de violencia, dé muerte a una mujer por el hecho de serlo o por su
condición de género, será sancionada con pena privativa de libertad de veintidós a veintiséis años.”.
Disponível em: http://www.justicia.gob.ec/wp- content/uploads/2014/05/c%C3%B3digo_org%C3%A1n
ico_integral_penal_-_coip_ed._sdn-jdhc.pdf>. Acesso em 28 fev. 2016.
39

Venezuela

Estudos realizados em 1997 apontavam que, diariamente, 11.9 mulheres


foram violentadas na Venezuela. Os casos de violência sexual em todo o país
chegavam a cerca de 75.530, durante o mesmo período (DAMÁSIO DE JESUS, 2015,
p. 44).

Os números demonstram ainda o alto grau de impunidade e reincidência nos


crimes de violência doméstica: dos 40% dos casos de incidentes atendidos em centros
de saúde em toda a área metropolitana da Venezuela, 89% eram de mulheres que já
haviam sido atendidas uma vez pelas mesmas razões. Os índices são explicados pela
impunidade judicial que existe para os infratores, os quais são postos em liberdade
sem qualquer tipo de penalização.

Sobre a violência contra adolescentes venezuelanas, Damásio de Jesus


(2015, p. 45) reproduz trechos do relatório nacional de saúde sexual e reprodutiva do
adolescente, de 1997:

(...) a violência contra adolescentes se qualifica como uma forma de "morte


lenta": "A violência que recai sobre a menina adolescente não é tanto a morte
física, mas sim uma violência invisível privada, secreta, causando uma morte
lenta, prejudicando a autoestima e o autoconceito com uma pessoa de
direitos. Especialmente em matéria de sexualidade, ele caiu para o
estereótipo do jovem 'sexo frágil', e é geralmente vítima de coerção, sedução,
até várias formas de abuso sexual e violência".

Com a reforma da Lei Orgânica pelo Direito das Mulheres a uma vida livre de
violência, promulgada em 25 de novembro de 2014, o artigo 57 adquiriu nova redação
legal, que culmina penas de reclusão de 15 a 30 anos.

2.2 O PROJETO DE LEI Nº 292/2013 OU LEI DO FEMINICÍDIO

2.2.1 Antecedentes: 1992, 2003 e 2013

Desde 1992, o Congresso Nacional tem dedicado espaço em sua pauta para
a investigação da violência contra mulheres. Em 14 de março desse mesmo ano, fora
instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para “investigar a questão da
40

violência contra mulher”. Entre as conclusões do Inquérito, destacava-se o descaso


por das autoridades governamentais que não supriram as comarcas e as delegacias
de recursos humanos e tecnológicos para fazer o levantamento necessário, conforme
solicitado à época pela CPI:

No que se refere aos homicídios, a CPMI de 1992 apontou dados alarmantes


em Alagoas (24,8%), Espírito Santo (11,1%) e Pernambuco (13,2%). Uma
das explicações para o caso de Alagoas foi a sua “estrutura oligárquica
autoritária, verticalizada, discriminatória em que as relações sociais e afetivas
operam a partir da desigualdade entre homens e mulheres, ricos e pobres, e
se traduzem em relações de mando e obediência, favor e clientela, superior
e inferior, agressor e vítima” (SENADO FEDERAL, p. 19).

Em 2003, a CPMI da exploração sexual contra crianças e adolescentes


apontava graves violação aos direitos humanos das meninas e das adolescentes
submetidas à exploração sexual. O relatório destacava que “a violência e o abuso
sexual são formas de negar a condição de sujeito a meninas e adolescentes
femininas” (SENADO FEDERAL, p. 19). Mais recentemente, em 2013, a CPI do
Tráfico de Pessoas, do Senado Federal, destacou “a necessidade de mudanças na
legislação atual de modo a proteger às mulheres do tráfico e punir os aliciadores e
traficantes de mulheres” (SENADO FEDERAL, p. 20).

2.2.2 A Comissão Parlamentar Mista De Inquérito Da Violência Contra A Mulher

Em 2012, após 20 anos da realização CPI da Violência Contra a Mulher, o


Congresso Nacional, atento a crescente onda de violência e martírio imputado às
mulheres e com a “finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no
Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à
aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação
de violência” (SENADO FEDERAL, p. 10), instaurou a Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito da Violência Contra a Mulher (CPMIVCM – Requerimento nº 4 de 2001-
CN), composta por onze senadores e onze deputados federais, e igual número de
suplentes:

A CPMI nasce no contexto em que a mais grave forma de violência –


o homicídio - aumentou nos últimos 30 anos. Conforme o Instituto
Sangari, nos últimos 30 anos foram assassinadas no país perto de 91
mil mulheres, sendo que 43,5 mil só na última década. O número de
mortes nesses trinta anos passou de 1.353 para 4.297, o que
41

representa um aumento de 217,6%, mais que triplicando. Dentre os 84


países do mundo, o Brasil ocupa a 7ª posição com uma taxa de 4,4
homicídios, em 100 mil mulheres, atrás apenas El Salvador, Trinidad e
Tobago, Guatemala, Rússia e Colômbia (grifo nosso).

Após um ano e meio de pesquisas em todos os Estados do território brasileiro,


a CPMI elaborou um panorama do quadro da rede de assistência às vítimas. O
documento, contendo 1.045 páginas9, teceu inúmeras recomendações aos Estados,
“dispondo, sobretudo, sobre a criação e o fortalecimento de bancos de dados que
permitam organizar ações de prevenção e combate à violência nas regiões mais
críticas” (OLIVEIRA; SANTOS, p. 3758).

No tocante ao feminicídio, dispôs o relatório:

Importa considerar, ainda, (...), a existência de recomendações internacionais


para a sua tipificação, a exemplo daquelas inscritas no Relatório sobre
Violência contra Mulheres, suas Causas e Consequências, assinado por
Rashida Manjoo, assim como as Conclusões Acordadas da Comissão sobre
o Status da Mulher, em sua 57ª Sessão, em 15 de março de 2013. Esses e
outros instrumentos internacionais estão a exigir uma resposta legislativa
contra tal fenômeno, motivo por que leva este Colegiado a apresentar um
projeto de lei tipificando o feminicídio.

Por conseguinte, a CPMI apresentou 13 projetos de lei para votação no


Congresso Nacional, entre elas, o PL nº 292/2013, a Lei do Feminicídio. O projeto é
dotado de dois artigos, sendo o 1º destinado a acrescentar os §§ 7º e 8º ao artigo 121
do Código Penal e o 2º para incluir a cláusula que prevê a vigência da lei na data de
sua publicação.

O § 7º cria a qualificadora do crime de homicídio denominada "feminicídio",


que seria a violência praticada contra a mulher, caracterizada pela presença das
circunstâncias contidas nos incisos I a III, cuja pena prevista é de 12 a 30 anos de
reclusão. Já o § 8º prescreve que a pena do feminicídio não prejudica a aplicação das
demais penas relativas aos crimes conexos. In verbis:

“Art. 121..................................................................................................
§ 7º Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que
resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes
circunstâncias:

9Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=130748&tp=1>. Acesso


em 28 fev. 2016.
42

I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade,


entre a vítima e o agressor no presente ou no passado;
II – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após
a morte;
III – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte:
Pena - reclusão de doze a trinta anos.
§ 8º A pena do feminicídio é aplicada sem prejuízo das sanções relativas aos
demais crimes a ele conexos”.

Na justificação para a propositura do citado projeto de lei, o relatório destacava


que “o feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle
da vida e da morte” (SENADO FEDERAL, p. 1003). Nesse contexto, a mulher é
igualada a um mero objeto, com subjugação da sua intimidade e da sua sexualidade;
com a destruição da sua identidade, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; e
com o aviltamento da sua dignidade, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou
degradante:

A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que


mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a
fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é
social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam
beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente
inaceitáveis, como o de terem cometido “crime passional”. Envia, outrossim,
mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que
não haverá impunidade. Protege, ainda, a dignidade da vítima, ao obstar de
antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de
mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade
pelo crime de que foram vítimas (SENADO FEDERAL, p. 1004)

Segundo Rogério Sanches e Batista Pinto (2015, p. 79). “a incidência da nova


figura criminosa reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto
caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher em
situação de vulnerabilidade”.

Encaminhado para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a


então relatora do parecer, Senadora Ana Rita 10, emitiu relatório favorável ao projeto
de lei "na medida em que qualifica o crime cometido contra a mulher simplesmente
pelo fato dela ser mulher. A qualificadora do homicídio, o feminicídio, tem como
objetivo dar visibilidade ao crime cometido contra a mulher” (SENADO FEDERAL, p.
2).

10Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=136713>. Acesso em


29 fev. 2016.
43

Nesse sentido, salientou que:

(...) a inclusão da qualificadora não visa prevenir o cometimento deste crime,


pois não é o direito penal instrumento adequado à prevenção de condutas
delituosas. O projeto pretende nominar circunstâncias características de um
crime de gênero, que atinge as mulheres, e que se denomina de feminicídio.
Dito de outra forma, a inclusão da qualificadora tem por objetivo nominar
expressamente em que circunstâncias caracterizam o feminicídio. Ressalte-
se que essa nominação encontra-se sustentada em recomendações
internacionais (SENADO FEDERAL, p. 2 e ss.)

Ademais, aproveitou a oportunidade para corrigir a redação proposta no PL,


a fim de possibilitar a punição pela tentativa (art. 14 do CP), razão pela qual supriu a
expressão “que resulta na morte da mulher” (SENADO FEDERAL, p. 3).

Posteriormente, com a saída da Senadora Ana Rita da CCJ, o projeto foi


redistribuído à Senadora Gleisi Hoffmann,11 a qual ressaltou que a tipificação do
feminicídio visa ainda impedir o surgimento de interpretações jurídicas anacrônicas e
inaceitáveis, tais como as que reconhecem a violência contra a mulher como “crime
passional”. Nesse ponto, é importante a observação de Roberty Lyra (1975, p. 97),
citada pela comissão de Constituição, Cidadania e Justiça, quando analisou o projeto
de lei:

O verdadeiro passional não mata. O amor é, por natureza e por finalidade,


criador, fecundo, solidário, generoso. Ele é cliente das pretorias, das
maternidades, dos lares e não dos necrotérios, dos cemitérios, dos
manicômios. O amor, o amor mesmo, jamais desceu ao banco dos réus. Para
os fins de responsabilidade, a lei considera apenas o momento do crime. E
nele o que atua é o ódio. O amor não figura nas cifras da mortalidade e sim
nas da natalidade; não tira, põe gente no mundo. Está nos berços e não nos
túmulos.

Assim, o projeto de lei nº 292/2013 foi aprovado pela Comissão de


Constituição, Justiça e Cidadania com a seguinte redação, in verbis:

Homicídio simples
Art. 121. ................................................................................................
Homicídio qualificado
§ 2º .......................................................................................................
Feminicídio

11Disponível em: <www.senado.gov.br/atividade/materia/getTexto.asp?t=146835>. Acesso em 29 fev.


2016.
44

VI – contra a mulher por razões de gênero.


...............................................................................................................
§ 7º Considera-se que há razões de gênero em quaisquer das seguintes
circunstâncias:
I – violência doméstica e familiar, nos termos da legislação específica; II –
violência sexual;
III – mutilação ou desfiguração da vítima;
IV – emprego de tortura ou qualquer meio cruel ou degradante.

Posteriormente, o projeto foi submetido ao crivo das outras comissões


permanentes (p. ex., Direitos Humanos e Legislação Participativa – CDH, Assuntos
Sociais – CAS, etc.), levado à discussão e votação pelo plenário do Senado, revisto
pela Câmara dos Depurados, votado por ambas as casas do Congresso Nacional e,
após aprovado, seguiu para a sanção da Presidente da República, que deu origem a
Lei nº 13.104 de 09 de março de 2015.

2.3 A TIPIFICAÇÃO DO FEMINICÍDIO: LEI Nº 13.104 DE 09 DE MARÇO DE 2015

Com vigência desde o dia 10 de março do presente ano, a Lei nº 13.104/2015,


modificou a redação do Código Penal e inseriu uma qualificadora do homicídio,
chamada de “feminicído”, quando o crime é praticado “contra a mulher por razões da
condição de sexo feminino”:

O feminicídio constitui a manifestação mais extremada da violência machista


fruto das relações desiguais de poder entre os gêneros. Ao longo da História,
nos mais distintos contextos socioculturais, mulheres e meninas são
assassinadas pelo tão-só fato de serem mulheres. O fenômeno forma parte
de um contínuo de violência de gênero expressada em estupros, torturas,
mutilações genitais, infanticídios, violência sexual nos conflitos armados,
exploração e escravidão sexual, incesto e abuso sexual dentro e fora da
família (BIANCHI; MARINELA; MEDEIROS, 2015).

O termo feminicídio é recente. Foi utilizado pela primeira vez por Radford e
Russel (DAMÁSIO DE JESUS, 2015), que conceituavam da seguinte forma: i)
feminicídio: entende-se como o assassinato de mulheres por razões associadas ao
seu gênero, ou seja, sua condição de mulher. Esse conceito clássico, subdivide-se
em outros dois, a saber: ii) feminicídio íntimo: quando o assassinato é cometido por
alguém com que a vítima tinha ou teve relação intima, seja esta familiar, de
convivência ou afim; iii) feminicídio não íntimo: quando o assassinato é cometido por
alguém com a quem a vítima não tinha relação intima; e, por fim, iv) feminicídio por
45

conexão: quando a mulher é assassinada por cruzar o caminho de alguém que tenta
matar outra mulher.

Quando ao conteúdo normativo do preceito legal, importa ressaltar que a


expressão “por razões de gênero”, constante do projeto inicial, foi substituída por
“razões de condição de sexo feminino”. Apesar disso, foi mantido o conceito de
gênero: crime praticado contra a mulher, pelo fato de ser mulher.

Com a publicação da lei, o Brasil tornou-se o 16º país da América Latina a


prever tal figura. In verbis:

Art. 1o. O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código


Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Homicídio simples
Art. 121. .................................................................................................
Homicídio qualificado
§ 2o ........................................................................................................
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
................................................................................................................
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o
crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
................................................................................................................
Aumento de pena
................................................................................................................
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos
ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)
Art. 2o O art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com
a seguinte alteração:
“Art. 1o ...................................................................................................
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado
(art. 121, § 2o, I, II, III, IV, V e VI);
......................................................................................................” (NR)
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Imprescindível, portanto, verificar minuciosamente os elementos da lei.

2.3.1 Requisitos Típicos


46

De acordo com a redação da nova Lei, passa a ser homicídio qualificado a


morte de mulher por razões de sexo feminino (CP, art. 121, § 2º, VI). No § 2º-A do
mesmo artigo, o Código Penal elenca as situações que são consideradas como razões
de condição do sexo feminino: violência doméstica e familiar, menosprezo à condição
de mulher ou discriminação à condição de mulher. Os requisitos típicos da nova
qualificadora (feminicídio) são: i) homicídio cometido contra a mulher; ii) por razões de
sexo feminino; quando o crime envolve iii) violência doméstica e familiar; iv)
menosprezo; e v) discriminação à condição de mulher.

2.3.1.1 Sujeito passivo: mulher

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive mulher em relação


homoafetiva (FERNANDES, 2015). Contudo, a Lei faz referência expressa à vítima
mulher como sujeito passivo do delito. Nas lições de Luís Flávio Gomes (2015), não
se admite analogia contra o réu, portanto, “não podemos admitir o feminicídio quando
a vítima é um homem (ainda que de orientação sexual distinta da sua qualidade
masculina)”.

Segundo Rogério Sanchez e Batista Pinto (2015, p. 79) “a incidência da nova


figura criminosa reclama situação de violência praticada contra a mulher, em contexto
caracterizado por relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher em
situação de vulnerabilidade”.

Nesse contexto, surge o questionamento: e se a vítima for transexual? Isto é,


e se sexo biológico da vítima não corresponder à identidade de gênero; sexo
masculino e identidade de gênero feminina? No que tange à questão, há dois
entendimentos: a) não há feminicídio contra transexual, pois é geneticamente homem
(conceito biológico); b) adota-se o “conceito jurídico”, pois, se a Justiça autorizou a
modificação do documento, pode ser vítima de feminicídio.

Assim alude Sanches (2015)

Em eventual resposta à indagação inicial podem ser observadas duas


posições: uma primeira, conservadora, entendendo que o transexual,
geneticamente, não é mulher (apenas passa a ter órgão genital de
47

conformidade feminina), e que, portanto, descarta, para a hipótese, a


proteção especial; já para uma corrente mais moderna, desde que a pessoa
portadora de transexualismo transmute suas características sexuais (por
cirurgia e modo irreversível), deve ser encarada de acordo com sua nova
realidade morfológica, eis que a jurisprudência admite, inclusive, retificação
de registro civil.

Rogério Greco explica (2015, p. 115):

Se existe alguma dúvida sobre a possibilidade de o legislador transformar um


homem em uma mulher, isso não acontece quando estamos diante de uma
decisão transitada em julgado. Se o Poder Judiciário, depois de cumprido o
devido processo legal, determinar a modificação da condição sexual de
alguém, tal fato deverá repercutir em todos os âmbitos de sua vida, inclusive
o penal.

Em regra, não se admite analogia em desfavor do réu. No entanto, a Lei Maria


da Penha já foi aplicada a mulher transexual por decisão da 1ª Vara Criminal da
Comarca de Anápolis em Goiás, da lavra da Juíza Ana Claudia Veloso Magalhães
(Processo n. 201103873908, TJGO). O TJ/MG seguiu o mesmo
entendimento, aplicando as Lei Maria da Penha não apenas para a mulher, mas
também transexuais e travestis. Senão, vejamos:

Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes


sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a
união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se
que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência
de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor,
já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência
doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei,
exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as
lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham
identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras,
namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência
doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor
como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo
familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa (TJMG, HC
1.0000.09.513119-9/000, j. 24.02.2010, rel. Júlio Cezar Gutierrez).

2.3.1.2 Razão da condição de sexo feminino

Conforme explanado anteriormente, o projeto que deu origem à lei nº 13.014


de 09 de março de 2015 sofreu uma alteração no seu vocábulo: a expressão “gênero”
foi substituído pela expressão “condição de sexo feminino”. Todavia, como bem
observa Luís Flávio Gomes (2015), a alteração não traz impactos interpretativos, visto
48

que a expressão “por razões da condição de sexo feminino” vincula-se a motivações


de gênero.

Como já fora dito, a configuração do delito de feminicídio exige que, além da


vítima ser mulher, que a morte ocorra por “razões da condição do sexo feminino”.
Estas foram elencadas no § 2º-A do art. 121 do Código Penal como sendo as
seguintes: violência doméstica e familiar contra a mulher, e menosprezo ou
discriminação à condição de mulher.

Violência doméstica e familiar contra a mulher

A partir de uma interpretação sistemática chega-se à Lei Maria da Penha, a


qual, em seu artigo 5°, conceitua a violência doméstica e familiar:

Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: (Vide Lei complementar nº 150, de 2015)
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Para Osório (2004), citado por Damásio de Jesus (2015, p. 10), a violência
doméstica por de ser definida segundo duas variáveis:

(...) quem agride e onde agride. Para que a violência sofrida por uma mulher
esteja enquadrada na categoria conjugal, é necessário que o agressor seja
uma pessoa que frequente sua casa, ou cuja casa ela frequente, o que more
com ela - independente da denominação: marido, noivo, namorado, amante,
etc. O espaço doméstico, portanto, torna-se a segunda variável, delimitando
o agressor como pessoa que tem livro acesso a ele.

A Lei Maria da Penha também traz o contexto em que a violência doméstica


e familiar baseada no gênero pode se dar: âmbito da unidade doméstica, da família
ou em qualquer relação íntima de afeto (art. 5º, I a III):
49

Com essas informações, podemos concluir que a violência doméstica e


familiar que configura uma das razões da condição de sexo feminino (art. 121,
§ II-A) e, portanto, feminicídio, não se confunde com a violência ocorrida
dentro da unidade doméstica ou no âmbito familiar ou mesmo em uma
relação íntima de afeto. Ou seja, pode-se ter uma violência ocorrida no âmbito
doméstico que envolva, inclusive, uma relação familiar (violência do marido
contra a mulher dentro do lar do casal, por exemplo), mas que não configure
uma violência doméstica e familiar por razões da condição de sexo feminino
(Ex. Marido que mata a mulher por questões vinculadas à dependência de
drogas). O componente necessário para que se possa falar de feminicídio,
portanto, como antes já se ressaltou, é a existência de uma violência baseada
no gênero (Ex.: marido que mata a mulher pelo fato de ela pedir a separação)
(GOMES, 2015).

Menosprezo ou discriminação à condição de mulher

Para Luís Flávio Gomes (2015), “há menosprezo quando o agente pratica o
crime por nutrir pouca ou nenhuma estima ou apreço pela vítima, configurando, dentre
outros, desdém, desprezo, desapreciação, desvalorização”.

No que tange ao aspecto da discriminação, A Convenção sobre a Eliminação


de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW, 1979), ratificada pelo
Brasil em 1984, fornece a seguinte definição de discriminação contra a mulher:

Art. 1º. Toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha
por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou
exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na
igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades
fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em
qualquer outro campo.
Art. 2º. Os Estados Partes condenam a discriminação contra a mulher em
todas as suas formas, concordam em seguir, por todos os meios apropriados
e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação contra a
mulher, e com tal objetivo se comprometem a (...)

Nesse diapasão, Sanches (2015) tece algumas críticas quanto aos termos
utilizados:

O § 2o-A foi acrescentado para esclarecer quando a morte da mulher deve


ser considerada em razão da condição do sexo feminino: I - violência
doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
O esclarecimento, no entanto, além de inútil, causa confusão. Explico.
Feminicídio, comportamento objeto da Lei em comento, pressupõe violência
baseada no gênero, agressões que tenham como motivação a opressão à
mulher. É imprescindível que a conduta do agente esteja motivada pelo
menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. A previsão
deste (infeliz) parágrafo, além de repisar pressuposto inerente ao delito,
fomenta a confusão entre feminicídio e femicídio. Matar mulher, na unidade
50

doméstica e familiar (ou em qualquer ambiente ou relação), sem menosprezo


ou discriminação à condição de mulher é FEMICÍDIO. Se a conduta do agente
é movida pelo menosprezo ou discriminação à condição de mulher, aí sim
temos FEMINICÍDIO.
Lamento não ter o Congresso seguido as sugestões dos operadores do
Direito que lidam diariamente com a violência de gênero contra a mulher.
Destaco, entre outros, o incansável trabalho da Promotora de Justiça de São
Paulo, Silvia Chakian de Toledo, integrante do Grupo de Atuação Especial de
Enfrentamento à Violência Doméstica. Procurou ela, de todas as formas,
convencer os parlamentares a redigirem o tipo com mais clareza,
simplicidade e coerência com o próprio objeto do projeto, conectando seus
termos com aqueles estampados na Lei Maria da Penha, berço, no nosso
país, do conceito violência de gênero contra a mulher.

2.3.2 Causas de Aumento de Pena

Conforme já explanado, a nova Lei inclui mais um parágrafo (§ 7º) ao


art. 121 do Código Penal, aumentando a pena do feminicídio em 1/3 até 1/2 se o crime
for praticado12: i) durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; ii)
contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com
deficiência; e iii) na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Nesse
passo, serão analisadas cada uma das majorantes, “observando-se desde logo que
o desconhecimento do agente (= ausência de dolo) em relação a qualquer uma delas
significa erro de tipo, excludente do aumento da pena” (GOMES, 2015).

Durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto

Para Bitencourt (2011, p. 48), o marco inicial para a contagem do prazo


trimestral apresentado pela majorante, ou seja, o parto, apesar de não ter definição
própria em nossa legislação, é compreendido como o interregno temporal posterior ao
rompimento do saco amniótico, que caracteriza o começo do processo de
desligamento do que antes era feto, e sua constituição extrauterina.

Nada obstante, esclarece Gomes (2015) que é fundamental que o agente


tenha conhecimento prévio do fato de que a vítima se encontrava grávida quando do
cometimento do ilícito, pois “o agente somente responde por ela se tinha

12 A variação de 1/3 à metade deve ser aplicada conforme cada caso concreto. Compete ao juiz valorar
cada situação concreta para dosar proporcionalmente o aumento. No caso da gestação, quanto mais
próximo do parto, mais aumento; quando mais perto do parto já feito, mais aumento (até o limite dos 3
meses); quanto menos idade, mais aumento; quanto mais idosa a mulher, mais aumento; na
deficiência, compete ao juiz valorar o grau da deficiência etc.
51

conhecimento da situação de gestação da vítima, podendo ocorrer erro de tipo caso


não tivesse tal ciência”.

Fernando Capez (2015, p. 115), ao tratar do tema, cita alguns


posicionamentos:

Alfredo Molinario entende que o nascimento é o completo e total


desprendimento do feto das entranhas maternas. Para Soler, inicia-se desde
as dores do parto. Para E. Magalhães Noronha, mesmo não tendo havido
desprendimento das entranhas maternas, já se pode falar em início do
nascimento, com a dilatação do colo do útero.

Na mesma linha, segue Luiz Regis Prado (2015, p. 530):

Infere-se daí que o crime de homicídio tem como limite mínimo o começo do
nascimento, marcado pelo início das contrações expulsivas. Nas hipóteses
em que o nascimento não se produz espontaneamente, pelas contrações
uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o começo
do nascimento é determinado pelo início da operação, ou seja, pela incisão
abdominal. De semelhante, nas hipóteses em que as contrações expulsivas
são induzidas por alguma técnica médica, o início do nascimento é sinalizado
pela execução efetiva da referida técnica ou pela intervenção cirúrgica
(cesárea).

Se o agente causa a morte da mulher por razões da condição de sexo


feminino, nos 3 (três) meses posteriores ao parto, também terá sua pena aumentada.
Aqui, conta-se o primeiro dia do prazo de 3 (três) meses na data em que praticou a
conduta, e não no momento do resultado morte, conforme determina o art. 4º do
Código Penal, que diz que se considera praticado o crime no momento da ação ou da
omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou


com deficiência

O art. 121 do Código Penal, em seu § 4º, já prevê um aumento de 1/3 nos
casos de homicídio praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos. No
entanto, o aumento previsto para o feminicídio é mais severo, pois varia de 1/3 até
metade. Dessa forma, em razão do princípio da especialidade, prevalece o aumento
determinado pelo no § 7º, pois se trata de lei específica. Cumpre ressaltar, ainda, que
52

as hipóteses de agravante genérica previstas no art. 61 do Código Penal, não incidem


no delito, sob pena de bis in idem.

No que tange à deficiência – que pode ser física ou mental, comprovada


mediante laudo pericial – dispõe os arts. 3º e 4º do Dec. n. 3.298/1999, que
regulamentou a Lei n. 7.853/ 1989, in verbis:

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:


I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser
humano;
II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante
um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter
probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou
recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber
ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao
desempenho de função ou atividade a ser exercida.
Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos
do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física,
apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia,
monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia,
hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral,
nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as
deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o
desempenho de funções;
II – deficiência auditiva – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um
decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz,
1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;
III – deficiência visual – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor
que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que
significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor
correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual
em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea
de quaisquer das condições anteriores;
IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior
à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas
a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer; e
h) trabalho;
V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.
53

Gomes (2015) observa que vários são os tipos penais em que a pena é
agravada em razão da deficiência da vítima (lesão corporal, injúria, frustração de
direito assegurado por lei trabalhista etc.). Exige-se, ainda, que o agente tenha
conhecimento da situação de portador de deficiência da vítima, sob pena de não incidir
a causa de aumento de pena (em virtude do erro de tipo).

Na presença de descendente ou de ascendente da vítima

Devido ao alto grau de reprovabilidade – tendo em vista o trauma injusto e


intenso fincado à pessoa que assistiu o delito – ao ser perpetrado na presença de
descendente ou ascendente da vítima, o feminicídio tem sua pena majorada.

Nas lições de Sanches (2015), “ao exigir que o comportamento criminoso


ocorra na “presença”, parece dispensável que o descendente ou o ascendente da
vítima esteja no local da agressão, bastando que esse familiar esteja vendo (ex: por
skype) ou ouvindo (ex: por telefone) a ação criminosa do agente”.

Posição diversa é defendida por Mota (2015):

Ora, como o injusto penal retrata “um maior grau de intervenção estatal”, só
deve ser possível admitir uma adequação típica “quando inexista dúvida
sobre a necessidade dessa intervenção”, ou seja, na memorável lição de
JUAREZ TAVARES (2000), “[...] as normas penais incriminadoras devem-se
adequar, em primeiro lugar, à exigência de sua estrita legalidade, com os
corolários de anterioridade, forma escrita, definição estrita, taxatividade,
clareza e especificidade e outros, que correspondem a todas as garantias do
processo de intervenção.

Isto porque a tipicidade tem a função de “limitar negativamente o método


penal, de modo que não se pode realizar a imposição de qualquer medida penalmente
negativa para o agente sem que ela se encaixe nos limites típicos” (BRANDÃO, 2014,
p. 217).

Ademais, esclarece Gomes (2015) que tal circunstância é objetiva, devendo


dela ter conhecimento o agressor.

2.3.2 O Feminicídio Como Crime Hediondo


54

O crime de feminicídio, por tratar-se de uma das formas qualificadas do crime


de homicídio, é crime hediondo, sofrendo todas as consequências de sua hediondez,
nos termos da Lei 8.072/1990 (SANCHES e BATISTA, 2015, p. 80).

O art. 2º da Lei 13.104/15 alterou o artigo 1º da Lei 8.072/90 (lei dos crimes
hediondos) para incluir nesse rol o homicídio qualificado do inciso VI,do § 2º, do
art. 121 do CP.

Art. 2º O art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de junho de 1990, passa a vigorar com


a seguinte redação:
“Art. 1º [...]
I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado
(art. 121, § 2º. I, II, III, IV, V e VI);

Não se trata de um crime equiparado ao hediondo (como são a tortura, o


tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo), sim, é um crime
formalmente hediondo. Nas lições de Fernandes (2015), tal fato acarreta as seguintes
consequências: impossibilidade de anistia, graça e indulto (art. 2º, I, da Lei nº
8072/90); inafiançabilidade (art. 2º, II, da Lei nº 8072/90); cumprimento de 2/5 da pena
para o réu primário e 3/5 o para reincidente para a progressão de regime (art. 2º,
parágrafo 2º, da Lei nº 8072/90); prisão temporária com prazo de 30 dias, prorrogável
por igual período (art. 2º, par. 4º, da Lei nº 8072/90); livramento condicional
mediante cumprimento de 2/3 da pena (art. 83, V, do Código Penal).

Nas lições de Gomes (2015):

A comprovação de uma violência de gênero exige prova inequívoca. Havendo


dúvida,in dubio pro reo. A motivação do delito constitui o eixo da violência de
gênero. Uma vez comprovada essa circunstância, não se pode mais invocar
o motivo torpe: uma mesma circunstância não pode ensejar duas valorações
jurídicas (está proibido o bis in idem).
Na praxe forense um aspecto sumamente relevante será o do possível abuso
acusatório (excesso na acusação), que ocorre quando se força (sem a devida
comprovação, com indícios sérios) uma classificação de crime hediondo.
Nem todo femicídio (morte de uma mulher) é um feminicídio (morte de uma
mulher por razões de gênero). Essa confusão poderá ocorrer e para isso
devem estar atentos a defesa e o juiz. Compete à defesa, de plano, refutar
(já na defesa preliminar) o excesso acusatório. Ao juiz compete (quando não
há prova nem sequer indiciária da violência de gênero) rejeitar a denúncia
parcialmente, recebendo-a definitivamente com os expurgos necessários, por
falta absoluta de justa causa. A qualificadora do feminicídio tem que ter justa
55

causa específica (provas mínimas sobre esse ponto). Sem isso, rejeita-se
parcialmente a denúncia. Deixar essa tarefa para o momento da sentença,
quando se sabe da inexistência de justa causa, é uma anomalia inqualificável
(para além de uma tirania deplorável violadora da dignidade humana). No
sentido de que o juiz pode corrigir desde logo o excesso acusatório veja RSE
200838000145850, Desembargadora Federal Assusete Magalhães, TRF1 -
Terceira Turma, E-DJF1 data:08/04/2011 página:165.

2.4.4 Competência Para o Julgamento do Feminicídio

Segundo Fernandes (2015), a competência para julgar o Feminicídio é


Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, “d”), pois tratando-se de crime doloso contra a vida,
esta regra que se aplica ao julgamento. Contudo, não há vedação à colheita de prova
perante a Vara de Violência contra a Mulher e a redistribuição do feito após o trânsito
em julgado da pronúncia.

O Juiz competente para a condução do sumário de culpa e eventual prolação


de sentença de pronúncia será aquele apontado pelas respectivas leis de organização
judiciária como tal, podendo ser o juiz exclusivo do júri ou ainda do próprio juizado de
violência doméstica e familiar contra a mulher (SANCHES e PINTO, 2015).

O STF também entende no mesmo sentido, que a Lei de Organização


Judiciária poderá prever que a 1ª fase do procedimento do Júri seja realizada na Vara
de Violência Doméstica, em caso de crimes dolosos contra a vida praticados no
contexto de violência doméstica. Não haverá usurpação da competência
constitucional do júri. Apenas o julgamento propriamente dito é que, obrigatoriamente,
deverá ser feito no Tribunal do Júri (STF. 2ª Turma. HC 102150/SC, Rel. Min. Teori
Zavascki, julgado em 27/5/2014. Info 748).

É o que ocorre, por exemplo, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e


Territórios, senão vejamos:

O Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é competente


para processar os crimes dolosos contra a vida praticados contra mulheres
em contexto doméstico, até a fase de pronúncia, conforme entendimento
majoritário da Turma. Não há que falar em usurpação da competência do
Tribunal do Júri pela Lei Maria da Penha, uma vez que a CF somente
estabeleceu que o Júri Popular é competente para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida, nada dispondo sobre o seu processamento. Assim, foi
determinada a anulação de todos os atos decisórios praticados pelo juiz do
Tribunal do Júri no processo e remessa dos autos ao Juizado competente em
56

razão da matéria. O Des. Convocado Luís Gustavo se opôs, em voto


minoritário, à fixação da competência do Juizado de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher até a fase da formação da culpa do acusado, ao
sustentar que o fato de o processamento dos crimes dolosos contra a vida
ser dividido em duas fases não dá ensejo à divisão de competências,
sobretudo, em razão da competência do Tribunal do Júri ser constitucional e
absoluta. (Vide Informativo nºs 125, 143 e 150 - Câmara Criminal).
20090020027490HBC, Rel. Des. ARNOLDO CAMANHO DE ASSIS. Des.
Convocado LUÍS GUSTAVO - voto minoritário. Data do Julgamento
26/03/200913.

No Estado de Roraima, por exemplo, apesar de o Código de Organização


Judiciária não prever expressamente a competência do Tribunal do Júri, a prática é
que este siga os moldes da lei, e puxe para si, a competência do sumário da culpa,

DO TRIBUNAL DO JÚRI

Art. 30. O Tribunal de Júri obedece na sua composição, organização e


competência às disposições contidas em lei e no Regimento Interno do
Tribunal de Justiça e funciona na sede da Comarca. (COJERR, 1995)

Quanto a fase judicium causae, como já fora dito, em que o julgamento se


finda em plenário perante os jurados, não há dúvidas de que a competência será
mesmo do Tribunal do Júri (SANCHES; PINTO, 2015).

13 Disponível em: http://www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/informativos/2009/informativo-de-


jurisprudencia-n-o-164/crime-doloso-contra-a-vida-violencia-domestica-competencia-do-juizado-de-
violencia-domestica-e-familiar-contra-a-mulher. Acesso em: 10 de março de 2016.
57

3 O FEMINICÍDIO SOB O A ÓTICA DO HOMICÍDIO DE MULHERES NO ESTADO


DE RORAIMA

Até o presente momento deste trabalho, buscou-se dar uma visão geral
acerca da violência de gênero e da tipificação do feminicídio com as consequentes
mudanças no Código Penal Brasileiro. No entanto, para que se possa ter uma
percepção mais clara da necessidade da tipificação do feminicídio, passar-se-á a
descrição de dados de homicídio de mulheres por condição de sexo feminino no
Estado de Roraima por meio de um estudo do Mapa da Violência 2015, e a descrição
de casos emblemáticos de morte de mulheres por violência de gênero no Estado.

3.1 O MAPA DA VIOLÊNCIA 2015 E O HOMICÍDIO DE MULHERES POR QUESTÃO


DE GÊNERO

Nilda Stecanela e Pedro Moura Ferreira (2009, p. 148). argumentam que “uma
pesquisa que trate de violência contra a mulher não pode ignorar uma realidade
estatística”.

Os números estatísticos podem não ser uma realidade, uma vez que refletem
apenas o que chega ao conhecimento oficial, mas mesmo imperfeitos e parciais, são
importantes quando estamos frente à mudanças legislativas e institucionais que
incentivam a denúncia e a defesa dos direitos das vítimas de violência (STECANELA
e FERREIRA, 2009).

Com a promulgação da Lei 11.104 de 09 de março de 2015 – Lei do


Feminicídio, objeto da presente pesquisa, bem como por uma série de eventos, como
a Campanha “Una-se pelo fim da violência contra as mulheres”, o Dia Internacional
de Eliminação da Violência contra as Mulheres e os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da
Violência contra as Mulheres, que Julio Jacobo Waiselfisz (2015)resolveu publicar o
Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, com enfoque nos casos
em que a morte se deu por violência de gênero.

A Lei do Feminicídio foi o ponto de partida para a realização do estudo,


conforme esclarece Waiselfisz (2015, p. 7) no início de seu estudo,
58

As definições dessa lei, embora controversas e alvo de merecidas críticas por


parte de diversos operadores da lei e dos movimentos sociais, principalmente
os de mulheres, deverá ser nosso ponto de partida para a caracterização de
letalidade intencional violenta por condição de sexo, que iremos utilizar ao
longo do estudo.

O estudo foi feito em parceria com a FLACSO – Faculdade Latino Americana


de Ciências Sociais, que é um organismo internacional, autônomo e de natureza
intergovernamental, com sede no Brasil na cidade de Brasília, e que desenvolve
atividades de pesquisa e de formação nas áreas de educação, direitos humanos,
saúde, juventude, violência14.

Waiselfisz (2015, p. 8) utiliza como fonte básica de sua pesquisa o Sistema


de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do
Ministério da Saúde (MS), e leva em conta dados levantados nos períodos de 2003 a
2013, e no intervalo de vigência da Lei Maria da Penha, entre 2006 a 2013.

Entre 2003 e 20013 o número de vítimas mulheres passou de 3.937 (três mil
novecentos e trinta e sete) para 4.762 (quatro mil setecentos e sessenta e dois), um
aumento de 21% na década. Em 2013, essas mortes representam cerca de 13
homicídios femininos por dia (WAISELFISZ, 2015).

Mulheres vítimas de homicídio morrem porque são imobilizadas pelo medo,


não conseguindo reagir ao parceiro, e as que registram boletins de ocorrência,
desistem de prosseguir ou inocentam os agressores, por medo, dependência, ou por
crerem que seus parceiros podem mudar (SCARANCE, 2013).

Apesar de a lei Maria da Penha ter sido mais rigorosa com crimes praticados
contra a mulher, esta não foi suficiente para que as mortes de mulheres por questões
de gênero diminuíssem, daí surgiu a necessidade de uma nova lei que tratasse
especificamente da matéria (DIAS, 2015).

14 http://flacso.org.br
59

Nesse ponto, passaremos à análise dos gráficos, especificamente nos


números atinentes ao Estado de Roraima.

Tabela 1. Homicídio de mulheres, por UF e região. Brasil. 2003/2013

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

A tabela de número 1 informa o número total de homicídios ocorridos nos anos


apresentados, e revela que entre os anos de 2003 e 2013, a quantidade de homicídio
de mulheres por questões de gênero no Estado de Roraima aumentou cerca de 500%
(quinhentos por cento). Em 2003, a média era de 6 homicídios, mas em 2013 essa
taxa pulou para 36. De 2006 a 2013 houve um crescimento de 176,9%.

Gráfico 1. Ordenamento das UFs, segundo taxa de homicídios de mulheres por (100
mil). Brasil. 2013.
60

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Do gráfico 1, depreende-se que em 2003 que a taxa de homicídio de mulheres


por cem mil mulheres no Estado de Roraima era de 3,4, o que deixava o Estado a
frente de Estados como o Ceará, Maranhão e Amazonas, mas ainda era uma taxa
consideravelmente baixa perto de Estados como o Espírito Santo e Rio de Janeiro.

Tabela 2. Taxa de homicídio de mulheres (por 100 mil), por UF e região. Brasil.
2003/20013.

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.


61

A tabela de número 2 analisa o crescimento do homicídio de mulheres entre


o ano de 2003 a 2013, por cem mil mulheres.

Esse número representa o número de mulheres assassinadas a cada 100 mil


mulheres na população, ou seja, se a taxa em dado ano no estado foi de 5, significa
que se 100 mil mulheres fossem selecionadas ao acaso nesse estado, então
provavelmente 5 dessas 100 mil foram assassinadas no ano em questão. É possível
observar um crescimento expressivo mesmo no intervalo de 1 ano (de 2012/7,4 a
2013/15,3), e que a partir de 2006 os números oscilam bastante, mas em 2013 houve
um número bastante elevado deles.

Essa tabela também apresenta o crescimento percentual de 2013 em relação


a 2003 e 2006. Como se vê, Roraima teve um crescimento de cerca de 343,9%,
passando de 3,4 a 15,3, e de 131%, levando em consideração o intervalo de vigência
da Lei Maria da Penha (2006 a 2013).

Os gráficos de número 2, 3, e 4 demonstram que Roraima se manteve no topo


dos demais Estados do país, com um crescimento exponencial das taxas de homicídio
de mulheres por questões de gênero nos anos de 2003 a 2013.

Gráfico 2. Ordenamento das UFs, segundo taxas de homicídio de mulheres (por 100
mil). Brasil. 2013

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.


62

Gráfico 3. Crescimento % das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil). Brasil.
2003/2013.

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Gráfico 4. Crescimento % das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil). Brasil.
2006/2013.

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Se levarmos em conta as taxas nacionais em conjunto, estas não expressam


a diversidade de situações que existem entre as regiões e as unidades da federação
(WAISELFISZ, 2015).

O sociólogo quis demonstrar que Roraima, por exemplo, apresentou uma taxa
extremamente elevada, de 15,3 homicídios por 100 mil mulheres, mais que o triplo da
média nacional, enquanto estados como Santa Catarina, Piauí e São Paulo
representam a quinta parte de Roraima, com uma taxa em torno de 3 por 100 mil. Os
63

gráficos demostram que o estado de Roraima passou de 17º para o 1º lugar, na taxa
de homicídios a cada 100 mil em 2013 desde 2003

Desse modo, Roraima evidenciou um pesado crescimento na década


analisada, em que suas taxas mais que quadruplicaram (343,9%) conforme
demonstra o gráfico seguinte (WAISELFISZ, 2015).

Gráfico 5. Taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil), por UF. Brasil. 2006 e 2013

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Vê-se que, mesmo com a vigência da Lei Maria da Penha, Roraima continuou
com uma taxa de crescimento elevado, chegando até 131,3%, enquanto algumas
regiões como Rondônia, Pernambuco e São Paulo, registraram uma quedas nas
taxas.

Os próximos gráficos e tabelas demonstram a evolução do homicídio de


mulheres nas capitais dos Estados, no intervalo de 2003 e 2013, e 2006 e 2013.
64

Julio Jacobo Waiselfisz (2015) constatou que entre a década analisada, as


taxas de homicídios femininos nos estados cresceu cerca de 8,8%, mas nas capitais
houve uma queda de 5,8%, o que evidencia o fenômeno da interiorização da violência,
por um processo em que os polos de violência letal se deslocam dos municípios de
grande porte para municípios de porte médio.

Tabela. 3. Taxas de homicídio de mulheres, por capital e região. Brasil. 2003/2013.

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.


65

Tabela 4. Taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil), por capital e região. Brasil.
2003/2013.

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Na região Norte, Boa Vista só fica atrás de Palmas (TO), demonstrando um


aumento de 152,5% no intervalo de 2003 a 2013, e de 280,3% no intervalo de 2006 a
2013, ultrapassando a média da própria região, que é de 53,7% e 54%,
respectivamente.

Waiselfisz (2015) analisou em conjunto o aumento do homicídio de mulheres


em 2013, nos Estados e suas respectivas capitais.

Depreende-se da tabela seguinte que, em 2013, Roraima encontrava-se em


primeiro lugar no ranking nacional de maior crescimento de homicídio por mulheres a
cada 100 mil habitantes, e Boa Vista em oitavo lugar. O que se percebe é de fato uma
interiorização da violência no Estado de Roraima, uma vez que a Capital, apesar dos
altos índices, por si só não abastece os dados que colocam Roraima em primeiro
lugar.
66

Tabela 5. Comparação das taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil) nas UFs e em
suas respectivas capitais. Brasil. 2013

Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de Mulheres no Brasil.

Shlema Lombardi de Kato, citada por Valéria Scarance Fernandes (2013), diz
que é sabido que nem todos os casos de violência doméstica evoluem para a morte,
mas é inegável que parte dela a maior incidência de morte de mulheres.

Waiselfisz (2015), ao considerar o homicídio de mulheres sob a ótica do


feminicídio, trouxe número importantes que alertam sobre a ausência de políticas
públicas no combate ao feminicídio para o Estado de Roraima.

Em entrevista ao G1 Roraima,

A coordenadora geral de Políticas Públicas para as Mulheres no Estado de


Roraima, Maria Eva Barros Ferreira, disse que o estado está trabalhando
para reduzir os dados e proteger a população feminina, uma vez que os altos
números registrados no estado podem ser associados a falta de políticas
públicas exclusivas para as mulheres. Ela afirma que desde o início do ano,
várias atividades foram iniciadas pelo governo do estado no sentido de evitar
a violência contra as mulheres. Dentre elas, está a construção da Casa da
67

Mulher Brasileira, além de melhorias nas instalações do Instituto Médico


Legal (IML), onde as vítimas de violência costumam ser recebidas. Ainda
segundo Eva, com a implantação de novos mecanismos de proteção à
mulher, a expectativa é reduzir os casos de violência de imediato 15.

Os demais levantamentos feitos no Mapa da Violência foram ignorados, por


não fazerem parte do objeto da presente pesquisa.

3.2 CASOS EMBLEMÁTICOS

Passar-se-á agora à narrativa e análise de casos de homicídio de mulheres


por questões de gênero, leia-se feminicídio na legislação vigente, que ocorreram no
Estado de Roraima, a fim de ilustrar como aconteceram os crimes e qual o tratamento
dispensado pela justiça a cada um deles.

Todos os casos aqui em comento são reais, obtidos por meio de cópias e/ou
acesso aos autos dos processos. Entretanto, para fins de evitar constrangimentos, os
nomes dos réus e das vítimas serão modificados.

Dos cinco processos analisados, somente três já foram a julgamento no


Plenário do Júri, um ainda encontra-se na fase de instrução em juízo, e outro
suspenso.

3.2.1 Comarca de Boa Vista: João e Maria.

O primeiro caso diz respeito ao processo n° 0010.12.011024-1, que correu


perante a 1ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Boa vista/RR. O réu foi
denunciado pela prática do crime do art. 121, § 2º, I (motivo torpe) e IV (meio que
dificultou a defesa do ofendido) c/c art. 14, II, ambos do CP, em face da vítima Maria.

Conforme se extraiu dos, em junho de 2012 a vítima, ex-companheira do Réu,


estava trabalhando quando foi surpreendida pelo réu que fez diversos disparos com
arma de fogo em sua direção. O casal teve um relacionamento conturbado por cerca

15Disponível em: http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2015/11/em-10-anos-homicidio-de-mulheres-


cresce-500-em-roraima-diz-estudo.html. Acesso em: 04 de fev. de 2016.
68

de três anos, mas já estavam separados há um ano. Durante o relacionamento, a


vítima sofreu diversas agressões físicas, as quais resultaram em boletins de
ocorrência e medidas protetivas em seu favor, dentre elas a proibição do réu de
aproximar-se da vítima.

Ainda, conforme apurado, na noite anterior ao crime o casal teria ido a um


show, e ao chegarem em casa passaram a discutir, ocasião em que João agrediu
fisicamente Maria.

No dia seguinte, por volta de meio dia, o réu foi até o trabalho da vítima e, com
uma faca em punho fez ameaças de morte. Como não conseguiu atingi-la com a faca,
sacou a arma e realizou os disparos, não causando-lhe a morte por circunstância
alheia à sua vontade.

Em seu depoimento em juízo, Maria declarou que João não aceitou o fim do
relacionamento; aduziu que, no início, a convivência era harmoniosa, mas tudo mudou
em razão das bebedeiras, ciúmes e agressões físicas do réu; que deu várias chances
para o réu mudar de comportamento até decidir romper com o relacionamento;
quando a relação terminou, ele passou a lhe ameaçar de morte, caso tivesse um novo
relacionamento amoroso; que, um dia antes dos fatos, o acusado lhe convidou para
irem a uma festa, aceitando o convite; após a festa, foi para a casa do acusado e ali
passou a haver novo desentendimento, sendo a vítima agredida com um soco no nariz
e chute no estômago; a vítima pediu socorro para sua filha por telefone e saiu do local;
no dia seguinte, foi para o trabalho (Trigo's Gourmet) e, enquanto estava estacionando
sua moto, foi surpreendida pelo acusado, que tentou lhe furar com uma faca (o réu
encostou seu carro e esticou o braço para lhe atingir); a vítima se afastou, caiu no
chão, levantou-se e correu para a porta de entrada da Trigo's; que ouviu dois disparos,
sendo alvejada com um tiro na região do glúteo (a vítima estava de costas); por razões
médicas, o projétil não foi retirado.

Em seu interrogatório, o acusado alegou que a vítima sempre o procurava e


que ela o deixou transtornado com seu comportamento, sobretudo porque havia sido
furado por ela numa briga anterior, confusão que também resultou em danos em sua
69

loja. Confirmou que efetuou apenas um tiro, porque o tipo de arma utilizada só permitia
o carregamento de um projétil, mas não teve intenção de matar.

O réu foi pronunciado nos moldes do art. 413 do Código de Processo Penal,
o qual dispõe que para a pronúncia do acusado, o Juiz deve estar convencido da
materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação. Pedro recorreu, pois pretendia a reforma da decisão para que fosse o
crime desclassificado para lesões corporais (art. 129, CP), por ausência de dolo de
matar, considerando que a vítima foi atingida no glúteo. Aduziu que poderia,
tranquilamente, atingir a vítima em região vital, mas assim não o fez.

Levado à julgamento em Plenário do Júri, na semana da Mulher, em que a Lei


Maria da Penha completava 9 anos, João foi condenado à dez anos de reclusão em
regime fechado, tendo sido o delito desclassificado para o crime do art. 121, caput, do
Código Penal.

3.2.2 Comarca de Mucajaí: Ana e Pedro.

Neste processo peculiar de nº 0030.02.000727-1, o Ministério Público


denunciou Pedro com incurso nas penas do artigo 121, §2º, incisos II e IV do Código
Penal, por ter o acusado, no dia 12 de julho de 1990, no local denominado “Xodó do
Povão”, na Vila Iracema, sacado uma faca e desferido violento golpe na região lombar
de Ana, ocasionando-lhe a morte imediata (fls. 4).

Em seu interrogatório na fase de inquérito policial (fls. 9), Pedro declarou que
um dia antes dos fatos acertou as contas com seu patrão e comprou uma passagem
de balsa até Manaus; que em virtude de somente viajar no dia seguinte, foi ao
prostíbulo Pascoal onde ali conheceu a vítima e que esta o convidou para beber; que
a vítima estava acompanhava de outra mulher, que o convidaram a retornar a vila
Iracema; que retornaram no dia seguinte onde continuaram a beber, e por volta das
23h30min, no estabelecimento “Xodó do Povão” a vítima passou a invocar-se com o
interrogado, puxando-o pelo cinturão, desconhecendo o interrogado se era por ciúmes
da outra amiga ou se Ana. havia ingerido alguma droga, pois esta havia declarado
gostar do produto; que o interrogado tentou acalmar os ânimos da vítima, e sacou
70

uma faca que portava na cintura investindo contra ela apenas para amedrontá-la,
chegando a desferir uma facada nas costas da vítima; mas que não tinha intenção de
matá-la, mas ela tinha que aprender a respeitá-lo..

Ocorre que, nos depoimentos em juízo, as testemunhas declararam que o


motivo do ocorrido foi em razão de que o acusado queria ter relações sexuais com a
vítima e ela se negou e, portanto, insatisfeito com as negativas, este a esfaqueou.

A defesa de Pedro requereu a desclassificação para o crime de lesão corporal


seguido de morte, pugnando, também pela impronuncia do réu.

O réu foi pronunciado no dia 25 de fevereiro de 2005, nos termos da denúncia,


mas até hoje não foi levado à júri.

3.2.3 Comarca de Caracaraí: José e Tereza.

O processo de nº 0020.15.000136-8 foi o único caso constatado durante este


estudo de denúncia por feminicídio.

Consta dos autos que o denunciado José, no dia 5 de abril de 2015, por volta
das 08h40min, com vontade de matar, e por razões do sexo feminino, deferiu golpes
de faca contra sua ex-companheira, Tereza, só não causando sua morte por
circunstância alheia à sua vontade. Segundo restou apurado, o denunciado que
estava separado da vítima há 3 semanas dirigiu-se a sua residência e passou a dizer
que venderia todos os móveis que se encontravam no interior da casa, o que
ocasionou uma discussão entre ambos.

No momento em que discutiram, o acusado armou-se com uma faca e passou


a desferir golpes contra a vítima, que veio a cair no chão. Enquanto estava caída, o
acusado lhe desferiu um golpe de faca no braço esquerdo e ainda tentou golpeá-la
fatalmente no peito, não logrando êxito porque a facada atingiu um aparelho de
telefone celular que a vítima segurava em uma das mãos, ocasionando apenas uma
lesão abaixo do seio esquerdo.
71

Restou ainda apurado, que o denunciado praticou o delito na presença dos


filhos menores do casal, que gritavam implorando para que ele não mais golpeasse a
vítima. Desse modo, foi denunciado como incurso nas penas do artigo 121, §2º,
incisos VI e §7º, inciso III c/c artigo 14, inciso II, todos do Código Penal.

Interrogado na fase do Inquérito Policial (fls. 6), declarou o acusado que ficou
enraivecido com a vítima quando soube que esta está se relacionando com outro
homem; que tem dois filho com a vítima um de 9 e outro de 7 nos de idade; que no
dia dos fatos não se recorda de ter golpeado a vítima devido ao seu estado de
embriaguez; que nunca agrediu a vítima fisicamente.

Em suas declarações (fls. 05), a vítima disse que viveu em união estável com
o acusado aproximadamente 10 anos e que este sempre foi bastante agressivo, tendo
a agredido fisicamente várias vezes, bem como confirmou os fatos narrados na
denúncia.

O processo ainda se encontra na primeira fase da instrução em juízo, razão


pela qual não houve estudo mais aprofundado deste.

3.2.4 Comarca de Rorainópolis: Paulo, Carla e Joana.

O Ministério Público do estado de Roraima denunciou Paulo no processo de


número 0047.13.000827-0, como incurso nas penas do artigo 121, §2º, incisos II e IV
do código Penal, porque no dia 3 de outubro de 2013, o acusado desferiu um golpe
de punhal nas costas da vítima Carla, causando assim a sua morte.

Com efeito, apurou-se que a vítima estava em sua residência, quando


chegaram dois rapazes para comparar peixe. Neste momento o acusado chegou a
casa com um punhal na mão perguntando pela menor Joana, filha da vítima, com a
qual o acusado mantinha um relacionamento amoroso sem o consentimento desta.
O acusado teria ficado com ciúmes da menor ao ver os rapazes entrando na casa da
vítima. Temendo a ação do acusado, Carla o expulsou de dentro de casa, mas este
entrou novamente em seguida, e desferiu um golpe de punhal nas costas da vítima,
72

que mesmo ferida pegou uma espingarda e disparou contra o acusado o ferindo na
perna, caindo em seguida desfalecida.

Em seu interrogatório na fase policial, o acusado declarou que tinha um bom


relacionamento com a vítima e que esta permitia seu namoro com sua filha. Declarou
ainda que desferiu a facada para se defender da vítima pois ela o atingiu com um tiro
de espingarda na perna, e que estava embriagado na hora que cometeu o crime.

O acusado foi pronunciado nos termos da denúncia no dia 04 de dezembro


de 2014, e levado a julgamento em Júri Popular no dia 20 de outubro de 2015, tendo
sido condenado nos mesmos artigos já delineados. Sua pena foi fixada em 14 anos
de reclusão a ser cumprida inicialmente em regime fechado.

3.2.5 Comarca de São Luiz do Anauá: Raul e Julia.

Esta história diz respeito aos autos de número 0060.13.000081-7, sobre o


homicídio da vítima Julia por seu ex-companheiro, Raul. A denúncia ofertada pelo
Ministério Público narra que no dia 31 de dezembro de 2012, por volta de 21h e 30min,
no bar do Catatau (...), o denunciado desferiu vários golpes de arma branca (faca) na
vítima, ex-companheira do denunciado.

Segundo restou apurado, a vítima chegou ao local do crime com seu novo
namorado, o que causou ciúmes no denunciado. Ato continuo, houve um
desentendimento entre ele e a vítima, quando o acusado, de surpresa deferiu os
golpes de faca contra Julia, vindo esta a falecer no caminho do hospital.

Desse modo, Raul foi denunciado como incurso nas penas do artigo 121, §2º,
incisos II e IV do Código Penal.

Na fase do Inquérito Policial, em depoimento, o atual companheiro de Julia


declarou que ela estava separada de Raul, e que certo dia perguntou-lhe se não tinha
medo do réu, pelo fato de este dizer que se um dia visse a vítima com outra pessoa
iria matar os dois; que Julia informou que conviveu com Raul maritalmente durante 10
anos, e que estava separada há 03 (três) meses; que no dia dos fatos, por volta das
73

21h30min saíram para tomar cerveja no bar do Catatau, e lá chegando Raul chamou
Julia para conversar, tendo o mesmo desferido um tapa na vítima; que o depoente
deu um empurrão em Raul perguntando se estava doido, momento em que percebeu
que Raul tirou de baixo da blusa uma faca e logo em seguida desferiu várias facadas
em Julia, fugindo em seguida do local em uma motocicleta. (fls. 09 dos autos de
inquérito policial)

Ainda, a testemunha e sobrinho da vítima, confirmou o depoimento do


namorado de Julia e complementou dizendo que durante os 10 anos de casamento,
Raul batia em sua tia, que estes separaram-se há aproximadamente 03 meses, e que
Raul disse a Julia que caso esta se separasse ele a matava e quem tivesse com ela.
(fls. 10 dos autos do inquérito policial)

Raul foi pronunciado nos termos da denúncia (fls. 182), e levado à Júri Popular
no dia 15 de dezembro de 2015. O Conselho de Sentença decidiu que o réu praticou
o crime de homicídio consumado qualificado pelo motivo fútil e pelo recurso que
dificultou a defesa da ofendida, condenando-o nas penas do artigo 121, §2º, incisos II
e IV do Código Penal, à 18 anos de reclusão em regime inicialmente fechado. (fls.
239).

3.2.6 Onde há amor, não há morte.

As cinco histórias de homicídio/feminicídio analisadas por meio de seus


inquéritos policiais e processos criminais permitiram realizar as correlações entre as
vítimas e os réus, e a dinâmica da judicialização para estes crimes no Estado de
Roraima.

Dos quatro processos denunciados por homicídio, anteriores a Lei do


Feminicídio, percebe-se uma constante: a aplicação das qualificadoras do motivo fútil
e recurso que dificultou a defesa do ofendido (artigo 121, §2º, incisos II e IV do Código
Penal).

Ressalte-se que o motivo fútil compreende o desproporcional, insignificante,


revelador da insensibilidade moral do autor (BOSCHI, 2013). O que fundamenta a
74

punição da futilidade é o egoísmo intolerante, a mesquinhez com que age o autor da


infração penal (NUCCI, 2013).

Quanto ao recurso que dificultou a defesa do ofendido, Boschi (2013) entende


que este envolve caráter insidioso, aleivoso, do crime. A vítima não tem motivos para
esperar que seja agredida pelo agente. É o chamado “fator surpresa”.

O risco que se observa é do afastamento dessas qualificadoras pelo juiz ou


na fase em Plenário. A peculiaridade de um crime cometido em contexto de violência
doméstica e familiar, ou ainda por pura razão de gênero, não pode ser ignorada. O
crime de feminicídio reforça a especificidade desse tipo de violência, não deixando
margens de julgamento entre o fútil ou o torpe.

O processo de Caracaraí demonstra que o judiciário de Roraima não ignora o


contexto em que o crime ocorreu, qual seja o de violência doméstica e familiar, tendo
sido a denúncia ofertada sob a égide da Lei do Feminicídio.

Cumpre-se destacar que os casos de Iracema e Rorainópolis não ocorreram


no contexto de violência doméstica e familiar, mas em condição de menosprezo à
condição de sexo feminino: um exigiu relações sexuais e respeito, o outro talvez
pretendesse matar a namorada menor por ciúmes, mas como não a encontrou, matou
sua mãe.

Em Roraima se mata por amor, por ciúme, por respeito. Mas onde há amor,
não deveria haver morte. Nesse contexto, vale citar o pensamento de VÁSQUEZ,
2010, p. 131)

A partir desta perspectiva, é possível entender a tipificação do feminicídio não


só como a penalização de um fenômeno de relevância global, mas também
como a cristalização mais clara de uma tendência penal que se desenrola há
mais de uma década e que se estende além das fronteiras dos países latino-
americanos.
75

CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, observou-se que a violência de gênero é


um fenômeno crescente no Estado de Roraima, bem como no restante do país, e
tornou-se um sinônimo de violência contra a mulher, por ser esta sua maior vítima.

O conceito de gênero, antes visto de uma perspectiva sexista e naturalista,


distanciou-se de determinações biológicas, e partiu para uma construção de
identidade cultural no seio de cada sociedade.

A violência de gênero é legitimada pela construção de um modelo patriarcal


de relação, em que a figura masculina é dotada de superioridade, e a feminina de
subordinação. Por meio de avanços nos direitos das mulheres, foi possível modificar
substancialmente a vida de milhares delas. O Brasil faz parte de diversos tratados de
Direitos Humanos de enfrentamento à violência de gênero, e tem como marco
normativo nacional a Lei Maria da Penha, que criou os juizados especializados em
violência doméstica, bem como instituiu as medidas protetivas em favor da mulher.

Entretanto, uma vida sem violência de gênero parece uma realidade distante,
ao passo que o número de homicídio de mulheres por essas razões ainda é elevado,
o que só reforça o fato de que a cultura do patriarcado não aceita a ideia de que os
papéis de gênero sejam iguais.

Nesse contexto, surgiu-se a necessidade da tipificação do feminicídio no


Brasil, ante a neutralidade do tipo penal, e do imperativo de reconhecer-se, na forma
da lei, que mulheres são mortas por razões de gênero, ou seja, por serem mulheres.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito criada em 2012, com o fim de


investigar a situação de violência contra a mulher no país, encaminhou ao Senado o
Projeto de Lei n° 292/2013, que deu origem em 09 de março de 2015 à Lei 11.104,
Lei do Feminicídio.
76

Como visto, a Lei do feminicídio alterou o Código Penal para incluir no rol de
qualificadoras do art. 121, §2°, o inciso VI, quando o homicídio ocorrer por razões da
condição de sexo feminino. Em que pese a lei ter usado a expressão “sexo feminino”,
a interpretação da doutrina entendeu no sentido de razões de gênero, as quais dizem
respeito à violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à
condição de mulher.

Ademais, a Lei incluiu no parágrafo 7º, causas de aumento de pena a que


elevam de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos
3 (três) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior
de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; ou na presença de descendente ou de
ascendente da vítima, e também colocou o feminicídio no rol da Lei 8.072/90, Lei de
Crimes Hediondos.

Apurou-se na presente pesquisa que no Estado de Roraima o número de


mortes de mulheres é bastante elevado, colocando-o em primeiro lugar no ranking
nacional de estado em que mais cresce o homicídio de mulheres por questões
relacionadas à gênero, como se aferiu no Mapa da Violência 2015, Homicídio de
Mulheres no Brasil, por meio de uma análise entre os anos de 2003 à 2013, e 2006 à
2013, após a Lei Maria da Penha.

A neutralidade do tipo penal de homicídio ante a violência de gênero, e a


necessidade de reconhecer-se o feminicídio na forma da lei, foram visivelmente
demonstradas por meio da análise de casos de homicídio de mulheres nos municípios
de Boa Vista, Iracema, Caroebe, e Rorainópolis, os quais não consideravam na época
o ambiente ou a forma como o crime foi cometido, colocando o gênero como um
motivo irrelevante na esfera penal. Já em Caracaraí, houve uma denúncia por
feminicídio, o que inaugurou uma nova fase no enfrentamento à esse tipo de violência
no Estado de Roraima, uma vez que, com a Lei do feminicídio, será possível
compreender melhor como estes crimes ocorrem no Estado, e levantar dados
concretos de homicídios por questões de gênero em Roraima, e no restante do país.

Logo, os objetivos propostos no presente estudo foram alcançados, ao passo


que foram pontuadas as mudanças acarretadas no Código Penal com o advento da
77

Lei do Feminicídio, bem como restou clara a necessidade da tipificação deste sob
ótica do homicídio de mulheres por questões de gênero no Estado de Roraima.

De modo geral, o primeiro capítulo apresentou o conceito de violência de


gênero, e discutiu a questão do patriarcado e da inferiorização da mulher, como uma
construção social do gênero feminino como subordinado à autoridade masculina,
culminando na legitimação social da violência contra a mulher. Demonstrou-se no
capítulo os tipos de violência contra a mulher instituídos na Lei Maria da Penha, e foi
realizada uma exposição de marcos normativos nacionais e internacionais de combate
e enfrentamento a esse tipo de violência.

Na segunda parte do estudo, foram abordadas as mudanças no Código Penal


acarretadas pela tipificação da Lei do Feminicídio, por meio de um estudo comparado
com a legislação da América Latina, e demonstração do processo de formação da Lei
11.104/2015 no país.

Ao final, foram analisados dados por meio de tabelas e gráficos do Mapa da


Violência 2015, levantados sobre o Estado de Roraima, indicando o alto índice de
homicídio de mulheres por questões de gênero na região. Ainda, foram narrados 5
casos de homicídio de mulheres em Roraima, e analisado o tratamento dispensado a
cada um deles pelo judiciário.

Destaque-se que uma pesquisa sobre o feminicídio é um trabalho complexo,


pois os obstáculos metodológicos como a ausência de dados pautados em gênero,
ou ainda, a dificuldade de acesso aos processos no judiciário, unidos à escassa
bibliografia por tratar-se de lei nova, tornam o processo de pesquisa denso.

Dentre os desafios que a Lei do Feminicídio pode enfrentar, conclui-se que o


principal é a sua prevenção. Políticas públicas de combate e enfrentamento à violência
de gênero ainda são escassas no Estado de Roraima, e somente agora se começou
a dar mais visibilidade à problemática. A busca pela redução de feminicídio depende
de uma articulação governamental, mas sobretudo de uma transformação cultural,
que discuta desigualdade social, gênero e patriarcado, de modo a levar a sociedade
a um novo olhar sobre as relações entre homens e mulheres.
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