Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Avaliação dos impactos sobre a saúde do desastre da mineração da Vale (Brumadinho, MG)
dia 01/fev/2019
Equipe responsável:
Anselmo Romão
Carmem Froes
Christovam Barcellos (coordenador)
Diego Xavier Silva (coordenador)
Raphael Saldanha
Renata Gracie
Vanderlei Pascoal
Na tarde do dia 25 de janeiro houve o rompimento de uma das barragens da mina Córrego
do Feijão, em Brumadinho (MG), sob responsabilidade da empresa Vale. Cerca de 12 milhões de
metros cúbicos de rejeitos úmidos de minério de ferro vazaram e percorreram o leito do ribeirão
Ferro-Carvão, atingindo inicialmente as instalações da companhia Vale e se estendendo por todo
este vale. A onda de lama de rejeitos alcançou de imediato toda a localidade de Córrego do Feijão e
posteriormente a cidade de Brumadinho. Esta pluma de rejeitos atingiu o rio Paraopeba e segue em
direção ao rio São Francisco.
A área de deposição dos rejeitos após o desastre foi delimitada comparando-se as imagens
de satélite Sentinel-2 dos dias 22/jan/2019 e 27/jan/2019. As imagens foram classificadas e
vetorizadas para a obtenção da área soterrada. A área de impacto imediato atingiu cerca de 2 km
deste vale. A figura 1 mostra a barragem que foi rompida e a área de impacto imediato obtida por
meio desta metodologia.
Figura 1. Área de impacto imediato. Elaborado pelo Núcleo de Geoprocessamento
(LIS/ICICT/Fiocruz).
Esta área de impacto imediato foi então sobreposta ao mapa de setores censitários
produzido pelo IBGE em 2010. A figura 2 mostra os setores censitários potencialmente afetados pela
lama de rejeitos (em amarelo).
Figura 2. Setores censitários atingidos pela área de impacto imediato do vazamento de rejeitos.
Fonte: IBGE. Elaborado pelo Núcleo de Geoprocessamento (LIS/ICICT/Fiocruz)
Figura 3. Área de impacto imediato, localização de domicílios e estabelecimentos rurais e suas vias de
acesso. Fonte: IBGE, censo demográfico de 2010 e censo agropecuário de 2017. Elaborado pelo
Núcleo de Geoprocessamento (LIS/ICICT/Fiocruz).
Segundo este mapa, 31 unidades domiciliares foram atingidas de forma direta pelo rejeito de
minério vazado da barragem. Observa-se também que algumas comunidades rurais podem ter
perdido o acesso à cidade e a alguns serviços porque as estradas e trilhas foram destruídas ou
interrompidas. Atenção especial deve ser fornecida a estas comunidades isoladas.
Com base nos dados do CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), organizado
pelo Datasus, foram georreferenciadas as unidades de saúde (em azul) do município de Brumadinho
e as vias de acesso (estradas, caminhos e trilhas) segundo informações oriundas do serviço web Open
Street Map (figura 4).
Figura 4. Área de impacto imediato e localização de estabelecimentos de saúde em azul. Fonte: CNES
2018, Datasus. Elaborado pelo Núcleo de Geoprocessamento (LIS/ICICT/Fiocruz).
Observa-se pelo mapa que as unidades de saúde se encontram fora da área de impacto
imediato, mas muito próximas ao leito do rio Paraopeba, na cidade de Brumadinho e podem ter sido
danificadas. Relacionando os mapas das figuras 3 e 4, pode-se identificar comunidades que podem
estar isoladas após o desastre.
1
FREITAS, C.; SILVA, M.; MENEZES, F.C. O desastre na barragem de mineração da Samarco: fratura exposta dos
limites do Brasil na redução de risco de desastres. Ciência e Cultura. 68 (3): 25-30, [online]. 2016.
2
XAVIER et al., Eventos climáticos extremos e consequências sobre a saúde: o desastre de 2008 em Santa
Catarina segundo diferentes fontes de informação. Ambiente & Sociedade, vol. XVII, 2014.
3
AOKI, T, FUKUMOTO, Y, YASUDA, S. The Great East Japan Earthquake Disaster and cardiovascular diseases.
Eur Heart J. 33:2796-2803, 2012.
decorrentes de grandes desastres ambientais podem ser sentidas alguns anos após o evento
traumático, como relatado em Mariana4.
Após o desastre, a lama dos rejeitos se secará e pode gerar exposição a poeira rica em ferro e
sílica que desencadeia processos alérgicos, principalmente cutâneos e respiratórios, como ocorrido
em Barra Longa, município vizinho Mariana, onde foi verificado um grande número de ocorrências de
infecções respiratórias, cutâneas e conjuntivites nesta população.
Segundo o mapa abaixo, a captação de água do rio Paraopeba que abastece parte da Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) pode não ter sido afetada já que se localiza a montante da
área atingida pela lama de rejeitos. No entanto, durante o período de crise hídrica de 2016 a COPASA
implantou uma captação no Rio Paraopeba para reforçar o abastecimento da RMBH vía transferência
para o reservatório de rio Manso. Essa captação é de 5 m3/s e está localizada na margem esquerda
do rio Paraopeba, logo a montante do complexo de Inhotim. No momento esta captação está
suspensa e não há risco de desabastecimento pois os reservatórios do sistema integrado estão com
bom nível de armazenamento.
4
Pesquisa identifica doenças mentais em atingidos pelo rompimento da barragem da Samarco em Mariana.
G1. https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/pesquisa-identifica-
doencas-mentais-em-atingidos-pelo-rompimento-da-barragem-da-samarco-em-mariana.ghtml . Acessado em
janeiro de 2019.
Figura 5. Sistema de abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Fonte: Atlas
de abastecimento de água (ANA).
Ao longo do rio Paraopeba, outros municípios serão afetados pela degradação das águas do
rio devido ao desastre. Segundo o mapa abaixo (figura 6), o curso do rio Paraopeba atravessa os
seguintes municípios: Betim, Cachoeira da Prata, Caetanópolis, Curvelo, Esmeraldas, Felixlândia,
Florestal, Fortuna de Minas, Igarapé, Inhaúma, Juatuba, Maravilhas, Mário Campos, Mateus Leme,
Papagaios, Pará de Minas, Paraopeba, Pequi, Pompéu, São Joaquim de Bicas e São José da Varginha.
A contaminação do rio pelos rejeitos da mina pode ser percebida facilmente pelo aumento
da turbidez das águas. A presença de uma grande quantidade de material em suspensão nas águas
dos rios afetados causou a imediata mortandade de peixes e inviabiliza a captação e tratamento da
água para consumo humano. No entanto, outros componentes químicos da água podem estar
presentes na lama do rejeito e podem ser transportados a longas distâncias pelo rio Paraopeba e
posteriormente o rio São Francisco. É necessário o exame da presença de metais pesados nos
rejeitos e seu monitoramento ao longo destes rios para evitar o consumo e uso de águas
contaminadas nos próximos anos. O sedimento enriquecido por metais pesados pode ser
remobilizado para os rios com as chuvas intensas, ações de dragagem e operação de barragens
hidrelétricas ao longo dos próximos anos.
5
Vasconcelos et al., Avaliação de medidas de controle da esquistossomose mansoni no Município de Sabará,
Minas Gerais, Brasil, 1980-2007. Cadernos de Saúde Pública, 25(5):997-1006, 2009.
6
Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Boletim epidemiológico especial. Febre Amarela Silvestre em
Minas Gerais. 2018.
http://www.saude.mg.gov.br/images/noticias_e_eventos/000_2018/BoletinsEpidemiologicos/Boletim_-
_Febre_Amarela_2018_-_Consolidado_V3.pdf
Figura 8. Área de transmissão de febre amarela em Minas Gerais de 2016 a 2018. Fonte SES-MG.
A degradação do leito do rio Paraopeba e seu entorno vai produzir alterações significativas
na fauna, flora e qualidade da água, como perda de biodiversidade, mortandade de peixes e répteis,
inviabilização de sistemas de abastecimento de água e migração de espécies animais. Assim como
aconteceu após do desastre de Mariana em 2015 após o rompimento de uma barragem de Fundão,
também sob responsabilidade da companhia Vale, os impactos ecológicos da lama de rejeitos pode
atingir centenas de quilômetros. A área afetada pelo desastre de Mariana em 2015 foi uma das mais
atingidas pelo surto de febre amarela, o que pode ter sido agravado pela degradação do ecossistema
aquático e das margens do rio Doce7. Um novo surto de febre amarela na região de influência do rio
Paraopeba não pode ser descartado, coincidindo com o período de verão e outono, quando a
transmissão do vírus em áreas silvestres e rurais é mais intensa.
Conclusão e recomendações
1- Desastres como o ocorrido em janeiro de 2019 em Brumadinho podem ter efeitos a curto e
longo prazos e se estender por centenas de quilômetros do local de origem. Além do impacto
imediato nas áreas próximas à área de mineração, podem ser previstas alterações nas
condições de vida, de acesso a serviços de saúde e dos ecossistemas que produzem
condições para a transmissão de doenças infecciosas. A ampliação da incidência de doenças
7
RODRIGUES et al., Algumas análises sobre os impactos à saúde do desastre em Mariana (MG).In: MILANEZ e
LOSEKANN. Desastre no vale do Rio Doce: antecedente, impactos e ações sobre a destruição. Rio de Janeiro:
Letra e imagem, 2016.
pré-existentes na região, como a febre amarela, diarreias e esquistossomose pode ser uma
consequência do desastre a médio prazo. Além disso, o contato com a lama e água pode
gerar casos de leptospirose.
2- O desastre pode agravar doenças crônicas pré-existentes na população afetada direta ou
indiretamente, como doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes (que necessitam de
suprimento permanente de medicamentos), insuficiência renal (que dependem de serviços
de hemodiálise).
3- Atenção especial deve ser voltada aos efeitos psíquicos gerados pelo desastre como a
depressão e ansiedade.
4- Estes impactos sobre a saúde devem ser monitorados ao longo dos próximos meses e anos,
visando detectar alterações no perfil de saúde da população de toda a região afetada.
5- Medidas de prevenção contra surtos de doenças transmitidas por vetores, como a dengue,
zika, chikungunya e febre amarela, devem ser adotadas, como a vacinação contra a febre
amarela e o controle de vetores como o mosquito Aedes.
6- Os sistemas de saneamento, inexistentes ou danificados pelo desastre, devem ser
construídos ou reparados por obras emergenciais.
7- Deve-se manter e reforçar os sistemas de atenção primária de saúde, em articulação com a
vigilância em saúde para o monitoramento e atenção à saúde da população afetada direta ou
indiretamente.
8- OS serviços de saúde devem manter atenção para o diagnóstico e tratamento oportuno de
doenças não transmissíveis como a hipertensão e diabetes, bem como doenças mentais.
9- Devem ser intensificadas as ações de vigilância da qualidade da água para consumo humano,
tanto nas fontes de captação localizadas nos rios afetados (ribeirão Ferro-Carvão, rio
Paraopeba e Rio São Francisco), como nas águas distribuídas em cidades e comunidades
afetadas.
Anexo: Dados do sistema de monitoramento de água e saúde (projeto em execução entre
ICICT/Fiocruz e Agência Nacional de Águas).