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aus via dis- oa ade ware vara ono indo seo ada dos Capitulo S DA ANALISE DOs DaDos 1. CONHECIMENTO DA LEI As/os entrevistadas/os revelam-desconhecimento wtal da Lei 24 relativa & sucessdo ¢ limitada recorréncia a instituigdes juridicas para a solugdo de conflitos resultantes dos bens herdaveis. Na regio Sul. de 39 Historias de Vida, apenas uma vitiva deu-nos a entender gue em caso de injustiga na distribuigao dos bens, ela estaria disposta a reivindicar, inclusive junto das instdncias juridicas, o seu direi- to a heranga Pode-se~d até considcrar esta viiva uma excepedo: Ela esteve casada tradicionalmente com um portugués que a lobolow om libras de ouro. Dedicou-se durante muito tempo antes da morte do marido, a actividades de caracter produtivo que Ihe davam significative nivel de rendimento, como por exemplo os obtidos na criagdo de gado bovino ¢ pecuaria de pequena espécie, na exploragdo de. pomares ¢ no trabalho com camiées de transporte de carga, No seu caso, etcontramos uma real capacidade de desenvolvimento de teresses priticos de género, na medida em que ela ficou herdeira de toda a propriedade que o casal possu! Eis parte do relafo que ilustra a maneira como esta mulher criow bens materiais para sie para a sua familia. "Eu é que tive a iniciativa, pedi dinheiro ao meu marido ¢ comprel camives, fa aMatuiuine comprar carvao ¢ lenka para vende. Do dinheiro que obtinhamos 0 meu marido guardava para a construgdo desta casa em que vivo, que tem seis quartos. Tudo isto foi gragas ao meu esforco, é verdade qe eu s6 fiz a 3*classe mas tinka boas idcias para os negécios, cheguei a ter muitas cabecas de gado bovino e eaprino, gragas ao meu esforco" “Os bens ficaram comigo, eu é que trabalhava com estas maos para os ter". (Vitva de 78 anos de idade, do bairro da Mafalala, area Sul, 15/16/92) Dos vitivos da regio Sul, s6 um revelou percepgdo da Lei. A este respeito, o entrevistado dizia que, "pela lei, a pessoa antes de morrer faz um festamento, indicando quem seré o herdeiro da heranga, se é 0 irmao mais veihio ou o mais novo". (Vitivo de 70 anos de idade. da Uha da Inhaca, regio Sul: gntrevistado em 26/9/92) ‘Segundo informagdes prestadas por infomadores-chaves. as mulheres geralmente no recorrem ao Tribunal (ofere-se ao Tribunal Comunitério) para apresentar problemas que possam surgir relativos & heranca, simplesmente, porque nao sabem que tém direito de recorrer aquela instincia. "Nos bairros nao ha informa- ¢do para as mulheres saberem que quando tem problemas, conflitos sobre a heranga, devem proceder desta ¢ daquela maneira, Muitas mesmo sem estarem vitivas, quando tém problemas com 0 marido, arrumam as coisas e \do-se embora, néo sahem que podem meter queixa”. (Juiz Eleita do Tribunal Comunitério da Mafalala, area Sul. 16/9/92) Na area matrilincar constatou-se. também, que a maioria da populagdo entrevistada, tanto mulheres como homens. desconhecem totalmente a Lei Em Nampula, algumas viiivas manifestaram conhecimento sobre a fungdo das estruturas do bairro na resolugdo das disputts legais. © uma certa nogao das instincias juridicas. Duas das entrevistadas chegaram mesmo a apresentar queixa ao Tribunal do bairro, o qual tomou medidas para sua defesa e dos fillos. A este respeito, uma das vitivas comentava-nos que, ".. uma vez quebximo-nos lé no Tribunal do bairro, até gui o senhor secretario sahe disso, opresentel queixa e foi-me dito para ndo sair de casa até que ele (o enteado ais velho) me atribua 0 meu direito..néo vou sair dagui enquanto nao me atribuir 0 men direito ... esse mais eho basta pegar na sew copa e inclinar na sua boca e pronto tem de me insultar e quer bater-me, até que todas sentem pena dle mim, mesmo este secretério tem conkecimento, .. este Secretério entregou-me um documento para apresentar o problema ds autoridades .." (itva entrevistada em 7/4/93 no bairro de Namutequeliua, Nampula) 24 consideramos que esta situagdo ¢ resultado, em grande mesida, do quado extensivo de analfabaismo que carecterza & popuiag8o ‘mocambicena.. Apronimadamente, 87% da populagéo do pals & anafabetae, de cada 100 homens alfaetizades, apenss 47 suharee sabom ier» escrover A MULHER EA LEINA AFRICA AUSTRAL - DIREITO A SUCESSAO E HERANCA Contrariamente ao desconhecimento da Lei, todas as viivas ¢ vilivos entrevistados conhecem as normas Gostumeinas ¢ religiosas sobre a sucessiio e heranga. Estas normas reflectem as suas vivéncias ¢ so conta das de goragio em geragio. Segundo constatimos estas normas tém-s alterado por forga das transforma ‘Ges das tiltimas trés décadas. Fazendo parte do contexto das normas costumras de sucessio, a pritica do levirato, sororao ¢ ritais de purficagzo, expressam um modelo patriazcal, que assegura a sua reproduglo através da edcagdo tradi prone diversas praticas culturais, especialmente as religiosas, No antxo n° 3 a), b), €4 a), b), apresentay ‘mos a relagdo da extensdo ¢ forma das praticas referidas, 2. AS NORMAS COSTUMEIRAS E AS PRATICAS DO DIA A DIA PERANTE A SUCESSAO Pretende-se nesta parte do relatério descrever a situagao de mulheres e homens, 0 seu papel ¢ posigao em Mogambique, de acordo com as normas costumeiras perante a sucessd0, ‘A coniplexidade destas normas resulta de miltiplas influéncias exercidas de formas diversas nas varias ‘egies do pais. O impacto colonial eo confronto com as formagées sociais em Mogambique, nlo se reves: tu da mesma natureza e das mesmas caracteristicas em todo o territéro. |A situago de mudanga eriada apés 2 independéncia, provocou uma recusa da ordem anterior existaie. jruma tentativa de, por um lado, pér fim & dominagao estrangeira e, por outro, de romper com as normas costumeiras, ambas assentes sobre relagdes de dominagao ¢ subordinagao. [As relagdes de poder no controle da produgdo € da reprodugdo social condicionam a organizagao da familia e da sociedade, Desto modo a andtise da sucessao em Mocambique tem como ponto de partida as formas de constituisto da familia, formas de casamento, de acordo com as.relages de poder existentes. 2.1. AREA PATRILINEAR - REGIAO SUL DE MOCAMBIQUE [As normas costumeiras as pricticas do dia a dia perante a sucessdo foram analisadas tendo em conta quatro aspectos 2.1.1 Formas de constituigdo da familia De avordo com as normas costumeiras o casamento & uma toca de servigos entre familias de cls diferen. tes, Desta mancira, ¢ Jobolo aparece como uma compensagao caracterizando a formalidade ¢ estabilidade do matrimonio, tommando 0 marido e a sua familia responséveis pela manucengo da mulher ¢ flios O lo- bolo lgitima os filhos nascidos do casamento, bem como filbes que, porventura. & mulher tenha fora do co amito. Este facto confirma o controle que se exerce sobre a capacidade reprodutiva da mulher dentro do sistema do lobolo Geralmente o valor do lobolo transferido para a familia da mulher é mais tarde utilizado para que © inmao dd noiva possa consttur a sua familia. Deste modo se compensa. & familia da noiva. a perca és capacida- de produtiva e reprodutiva da mulher. ja ita Ee de lo- tr do dae CAPITULO 5 DA ANALISE DOs DADOS No casamento baseado no lobolo, a nao existéncia de filhos, pode implicar a sua devolugao, ou a vinda uma outra mulher da mesma familia para cumprir 0 objectivo definido nesta norma, ‘Nesta forma de constituigo da familia, visualizamos alguns indicios reveladores dum certo espago de po- der da muther na familia, mas através duma figura masculina, Referimo-nos concretamente a mulher lobo- Jada, cujo loboto foi utilizado para o seu imo consftuir familia. Esta mulher passa a ter uth estatuto es- pecial no lar do seu irmAo. chegando a ser uma figura influente e por vezes com poder decisorio nos desen- tendimentos que se verificam no seio do casal, Em casos de viuvez da cunhada e, fia auséncia de um irmio do marido para suceder a vittva, esta irma pode decidir "viver com a cunhada e os sobrinhos", de modo a prestar-Ihes assisténcia em termos de susten- to. usuffuindo da heranga deixada pelo sew imdo. Também podem surgir situagBes em que a cunhada aparega como a pessoa mais envolvida na disputa dos bens com a vitiva, chegando a despojé-la dos mes- mos, Noste tipo de sociedad baseada na agricultura ¢ na criagdo de gado a poligamia assume uma grande im- portiincia no quadro das relagées de poder género existentes, A Mulher Grande, Nhosikazi. goza de grande influéncia ¢ o seu primogénito tem poder sobre todos os fi- Thos das outras mulheres. A Nkosikasi tem uma posigao na familia que a diferencia das outras mulheres; juntamente com o marido, constitui a cabega da familia, toma parte na decisio dos problemas, © que nao acontece com as outras mu- Iheres. Mesmo depois de morta o seu estatuto especial continua a fazer-se sentir no seio dos vivos, pois passa a pertencer ao grupo de pessoas importantes que so evocadas na familia na ceriménia do culto dos antepassados, denominada kuphahla, Pode-se, portanto, afirmar.que a mulher grande é divinizada depois da morte, "4 Nkosikazi realmente & grande, é munumucani, isto &, chefe de familia como eu, marido dela, nés os dois passames a ser mununuizant, deniro da familia as outras mulheres sao nossas empregadas”, dizia um dos informadores-chave, na Entrevista Colectiva, realizada na Iha da Inhaca, 25/09/92. Numa das Histérias de Vida, realizada a uma vitiva, em Boane, dia 22/01/93, embora se tenha revelado vigente em alguns aspectos o estatuto da Nkosikazi dentro da familia, no que respeita 4 administracdo ¢ distribuigo do dinheiro, enviado pelo marido da Africa do Sul para as duas mulheres, verificamos também ‘uma certa fragilidade do poder e estatuto da mulher grande na questo da heranga. Neste caso, cada vitiva tem a sua ¢asa ¢ os seus bens, gerindo-os independentemente da Nkosikazi. Se este facto revela perda de estatuto por parte da Nkosikazi, também ¢ indicador de alteragdes nas suas relagdes com as outras mulheres, as quais adquiriram maior independéncia, como mies ¢ gestoras-do patrimonio deixado pelo falecido, nas suas respectivas casas. 2.1.2. Viuvez e Rituais de Viuvez Quando 0 marido morre a vitiva deve manter-se dentro do nitcleo familiar com os filhos ¢ usufruir da he- ranga deixada pelo falecido, depois de ter sido submetida a rituais de purificagao e a pratica de levirato, que € 0 casamento da viva com o irmao mais novo do falecido ou sobrinho, filho da irma do falecido. A pritica do levirato, casamento da viiiva com um dos irmdios do falecido, ou sobrinho, tem a fungao social de assegurar a linha do falecido, repér a forga masculina (cabeca do casal) desaparecida e garantir a pr tecgio e seguranga da vitiva e orffios. Segundo a revisdo de literatura “a mulher viava ndo pode se quiser. abandonar a casa do marido e levar os bens que trouxe quando do casamento", tendo "a obrigacdo de casar com um dos cunhados, tendo o direito de escotha. Se nao quiser seguir a tradigao a mulher perde o diveito aos fithos, aos bens e a sua familia teré que restituir 0 lobolo". "A mulher viiva em easo algum pode dispar dos bens deixadas pelo marido". (Osorio, 19909). De acordo com as normas do sistema de parentesco no Sul de Morambiquc, o irmio mais velho é conside- tado pai dos irmaos mais novos. portanto ele no pode de mancira nenhuma herdar a vidva do seu irmio -51- A MULHER EA LEI NA AFRICA AUSTRAL ~ DIREITO A ‘SUCESSAO E HERANGA inmio mais velho néo se lhe do falecido. s da unitio kutohinga, «é considerada sua nora. Mas em contrapartida, t mulher do ‘podendo ser erdada por um dos jrmaos mais novos ul do pais, 0 levirato rege-se pelos principio jjanior, porque esta ‘atribui o estatuto de mae, De acordo com Rita Ferreira, na regio S ‘que compreendem: wy, Sercontrada entre a viva em parene pariinear do falecido com propésito de a) gerarum herdeiro legitino no caso de nao exist: ‘no caso de ter detxado herdeiro 2) aumentar simplesmente a descendéncia nominal do fatecido, legitimo a seu cargo ¢ seus bens: 2, Haver livre consentimento da vier 3 Sarma combina aprovadea pelo chef da familia no case XO CPt politico vago em que Se pomova a producto de um chefeshaver a saga da maiora sibditos: to de qualquer labolo por parte do fecundador ‘atara por ambas das partes" (Rita-Ferreira, 1965:4) 0 referido por este autor € c wvas aos informadores-chave & nas Historias te Vida, realizadas na érea urbana e rural. Numa Entrevista Colectiva efectuada em 25/9/92 na ha de Inhaca, dizia-se que, "para a substitigdo do lugar do "ftecido marido, rie-se a Assembleta da Familia que ama a viva eo inno do fatecido. Dizem ao irmzo do falecido ae ideve ficar cam a viiva; ela pode aceitar ow var com a viiva, ele terd que explicar & do ficar com ele. Pode acontecer que 0 inno do falecido nao aceite fle ee Inblea as ras qe o impede de suceder go inmao. Se hower ‘miituo consentimento de ambas partes, entéo

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